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 Kriolu: Estudo de caso do crioulo cabo-verdiano São Paulo 2009

Kriolu - português

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Kriolu:Estudo de caso do crioulo cabo-verdiano

São Paulo2009

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I. Introdução

Versos como um manifesto. Manuel da Luz Gonçalves como professor e poeta,

mas a cima de tudo cabo-verdiano ao criar o poema Kriolu adquire uma postura ativista

em relação a sua língua, o kabuverdianu. Representante neste estudo de uma classe

totalmente favorável a adoção do crioulo de Cabo Verde como língua oficial da nação, o

educador, e sua criação, me pareceram uma exemplificação natural de um movimento

maior que, há algum tempo vem tomando corpo em um país que apesar de compartilhar 

a mesma herança lusófona e, não se encontrar tão distante, geograficamente falando, do

Brasil permanece tão estranho aos olhos do brasileiro.

A descoberta do poema no blog bagabaga1 ocorreu de modo muito inesperado,

 pois se tratava de uma postagem já antiga (de 26 de maio de 2008). No entanto, devido

a sua clara defesa do crioulo já nos primeiros versos, “Na Kriolu ta nodjadu”

e “Namora, lingua kretxeu, Kriolu” seu poema rapidamente transformou-se no objeto

de estudo das páginas seguintes deste trabalho.

Contei como fator agravante nesta escolha talvez não somente a força da poesia de

Manuel da Luz Gonçalves o  Lela, mas também, com a credibilidade de sua carreira

como pesquisador da língua. Gonçalves trabalhou como pesquisador da língua cabo-

verdiana tanto nacionalmente como internacionalmente, lecionou o Kriolu naUniversidade de Boston e na Universidade de Rhode Island. Dentre todos os seus

méritos como amante da língua a publicação do livro Pa Nu Papia Kriolu é um de seus

maiores trunfos, assim como, ser participante ativo do Instituto do Crioulo de Cabo

Verde.

II. Metodologia

A análise dos versos se deu primeiramente com a tradução (em ANEXO) do

 poema. Este processo foi um dos mais interessantes, pois, devido a não oficialização de

uma gramática própria do kabuverdianu, apesar dos esforços até o presente momento

 pela ALUPEC, assunto o qual me dedico mais a frente, a procura por estudos da

gramática e de dicionários da língua foi de certa forma exaustiva. Considerando ainda

que a bibliografia brasileira na área seja praticamente inexistente, as ferramentas de

tradução online e os dicionários do inglês e do francês foram aqueles que me ajudaram1 http://www.bagabaga.blogspot.com/

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nesta tradução para o português brasileiro. Feita esta primeira descoberta de sentido

através de várias buscas em dicionários de crioulo cabo-verdiano encontrados na

internet, na procura de expressões em sites ou até mesmo em blogs, a exposição deste

caráter de defesa do crioulo por Manuel da Luz Gonçalves encontrado no poema

 poderia ser realizada.

III. Objetivo

A principal meta a ser alcançada com este estudo é nada mais que a exposição de

uma língua, no caso, o processo de oficialização da língua crioula mais velha do mundo,

e a observação desta intenção geral que nasce como fruto de um patriotismo cabo-

verdiano, assim como as problemáticas que com isto brotam. Considerando-se ainda

uma maior importância desta pesquisa devido ao caráter histórico linguístico desta

nação que a pouco obteve sua independência de Portugal (1975).

IV. Contexto Histórico e Cultural

A busca por uma identidade cabo-verdiana como já se disse rompe de um

sentimento de valorização daquilo que antes era desprezado pelo colonizador.

Inicialmente transformada em entreposto comercial escravagista por Portugal,

  para levar mão de obra para as terras na América, ou seja, o Brasil, estas ilhas

descobertas em 1946 viveram um intenso desenvolvimento linguístico em consequência

desta troca permanente com os africanos do continente feitos escravos e os portugueses.

À medida que este contato entre línguas se dava outra nascia, o crioulo, que não era nem

uma nem outra, mas sim, uma união das duas. O crioulo em questão, era cada vez mais

enriquecido com estruturas, conceitos, das variações de língua africanas do escravos que

 para lá eram levados.

Mesmo com o fim do comércio escravo, devido à concorrência enfrentada por 

Portugal com outros países que na África se estabeleciam, e mesmo em decorrência das

leis de proibição de tráfico negreiro, o Português permaneceu como língua oficial das

instituições estatais de justiça, educação etc. Nesta cultura colonial o kriolu era uma

língua considerada menor, digna de revelar um status social inferior.

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Em decorrência deste baque econômico e das intempéries que provocaram secas e

fome em todo pais, Cabo Verde sofreu um grande colapso, forçando assim a população

cabo-verdiana a buscar refúgio em outros países, atrás de um emprego e de uma melhor 

condição de vida. Reflexo desta fuga é visto até os dias de hoje, em que se constata uma

comunidade cabo-verdiana maior, fora de Cabo Verde do que em seu território.

O processo de independência começa a ter forma em 1950, com o surgimento de

movimentos de independência dos povos africanos, Cabo Verde acaba por vincular-se a

Guiné Portuguesa. Apesar da união de forças, a independência de fato só ocorre em

1975. Porém, mesmo após a independência a língua oficial continuou a ser o Português,

sendo esta utilizada em salas de aula em jornais etc.

Em 1994, no entanto, surge a ALUPEC (Alfabeto Unificado para a Escrita do

Caboverdiano), o alfabeto oficial da iniciativa de tornar o cabo-verdiano como a língua

nacional. O alfabeto não estipula normas ortográficas, mas sim, possibilita pela primeira

vez uma padronização na escrita do crioulo. Um dos motivos para que o crioulo não

tenha sido oficializado é esta liberdade gramatical dentre outras falhas ainda

encontradas no kriolu.

A adesão como modelo experimental se deu em 1998, e em 2005 o alfabeto foi

reconhecido pelo governo de Cabo Verde como sistema viável para escrita do cabo-

verdiano. Declara então em sua constituição no artigo nono:

“O Estado de Cabo Verde promove as condições para a oficialização da língua

materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”

Torna-se então assim, muito mais forte o movimento para a oficialização do cabo-

verdiano como língua oficial – no qual Manuel da Luz Gonçalves se insere – e não

como língua paralela. Há, porém, a contestação quanto a real necessidade da

oficialização do kriolu.

Assim como movimentos a favor do crioulo se instauraram em massa após esta

medida governamental, aqueles contra esta medida também se agruparam. Fica,

 portanto, óbvio que a adesão a ALUPEC ainda é frágil, e que sua implementação ainda

é discutível. Dentre aqueles que suportam a oficialização, nascem divergências quanto à

vertente escolhida para ser oficializada.

Cabo Verde é formado exclusivamente por ilhas divididas geograficamente entreas de Barlavento e de Sotavento:

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Em cada uma de suas dez ilhas nota-se uma vertente, mesmo que mais tênue do

kabuerdianu. E a versão que esta em vias de ser oficializada nem de longe se

enquadraria em todas elas, por se tratar de uma particularização da ilha de Santiago. A

disputa torna-se mais acirrada ao notarmos que cada falante se recusa a falar outra

divisão que não a sua. Exemplos desta discrepância podem ser localizados no trecho2 

abaixo:

 Santanton (Santo Antão) – S’es dize-be ken dize, dize-s kema dizidu ke dize; pake, sebo dize kema mi e ke dize-be, N ta dize kema bo e ke dize-m.

 Sanikulau (São Nicolau) – S’es falo-be ken fala, fala-s kema falode ke fala; pake, sebo fala kema mi ke falo-be, N ta fala kema bo e ke fala-m.

 Djarfogu (Ilha do Fogo) – S’es fra-bu ken fra, bu ta fra-s m’e fradu ki fra; pamo, si bu

 fra m’e mi ki fra-bu, N ta fra ma bo ki fra-m.

2 Exemplo extraído do site http://panupapiakriolu.org/

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 Santiagu (Santiago) – S’es fla-bu ken ki fla, bu ta fla-s ma fladu ki fla; pamodi si bu flama mi ki fla-bu, N ta fla ma bo ki fla-m.

Tradução do texto: Se eles lhe disserem quem falou, diga-me quem falou, porque, se você falar 

quem falou de mim, eu falo quem falou de você.

V. O Blog

Com uma proposta literária, o blog bagabaga – que de acordo com sua própria

descrição deriva de um tipo de formiga comum em Cabo Verde – abriga posts em sua

maioria de poesias. Podemos fazer uma analogia um tanto incerta quanto a relação ao

nome do blog, como se publicar tudo aquilo seria um “trabalho de formiguinha”,demanda um esforço gigantesco, mas com suas compensações. Sem publicações

regulares, porém, de forma alguma menos relevantes, o blog se mostra como um grande

veículo de propagação da utilização do kriolu e ajuda a ampliar a visão daqueles que

acreditam ser o crioulo uma realidade ainda distante, contanto que o blog opera desde

2005.

VI. Análise do Poema

Tendo tratado mesmo que superficialmente sobre a estrutura gramatical do

crioulo, até mesmo porque, sua análise levaria muito mais que as poucas páginas que

aqui possuo. Diante dessa circunstância, acho mais válido salientar as propostas de

defesa da língua kriola presentes em seus versos. Para iniciar, gostaria de começar com

o desenvolvimento da cultura cabo-verdiana presente no começo do poema:

“Miolu filozofia popular Alma-l morna

Gritu funana

Txon di batuku “

Tradução:Espelho da filosofia popular 

Alma da morna

Grito de funana

Chão do batuku

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Esta passagem se refere ao papel desempenhado pelo crioulo no imaginário do

 povo cabo-verdiano. Cultura arraigada de difícil desprendimento que, torna impensável

valorizar a tradição do folclore nacional desprezando a língua que o construiu. Da

mesma forma como essa valorização é construída outro argumento que se vale de

recursos parecidos, mas com um diferencial:

"Portugues" studadu

É p'el papiadu

"Comme il faut"

Interesanti gó

Tok'es papia "lingua de Camões"

Uns pa bazofaria, otus pa mania

Tradução:

Estudam “Português”

Para poderem falar 

“Comme il faut” (como lhes convém, francês)

Que interessante

Começam a falar em “Língua de Camões”

Uns para se exibir, outros por mania

Este fragmento é interessante porque, assim como abre a discussão acerca do

  bilinguismo nacional, joga nitidamente com o fato de Portugal não ser a única

influência linguística, com o recorte inesperado de um verso em francês.

Há em outro aspecto uma defesa partidarista na poesia, em valor da utilização da

letra “k” ao invés do normatizado “c”, definido assim pela ALUPEC:

Ku kapa ("K") es ta ratxa denti

Kapa ("K") é Afrikanu

Es ka sabe gó

Ma kapa ("K")

É linguístiku

Tanbe Afrikanu

Sima é "Inglês ô "Noruegês"

Tradução:

K lhes faz caretas

K é africanoEles não sabem

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Mas K 

É linguístico

Também é africano

Como é o “Inglês” e o “Norueguês”

Com relação às variações Manuel faz-se bem claro:

Bo é lingua ka dialetu

Bu variantis é bu rikéza

Santantonensi di "Kukuli"

Pertinenti, sin

Sima Santiagensi di "Robon Manel"

Tradução:

Você é uma língua, não um dialeto

Suas variantes e suas riquezas

Como “Kukuli” de Santo Antonio

Pertinente, sim

Assim como “Rubon Manel” de Santiago

Gonçalves termina ainda seu poema abraçando o idioma como todo bom ativista o faria,

de forma que as possíveis divergências nascidas no aspecto geográfico possam ser todas

anuladas:

Lingua Nasional, Barlaventu ô Sotaventu?

Di Djabraba pa Santanton

É bo k'e di nos

"Papiamentu" di povu

Kriolu di Kabu Verdi

Tradução:

Língua Nacional, Barlavento ou Sotavento?

De Brava a Santo Antão

Você é nosso

“Papiamentu” do povo

Kriolu de Cabo Verde

VII. Considerações finais

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A iniciativa de intelectuais como Manuel da Luz Gonçalves em prol da

oficialização do crioulo não é recente, e por isso mesmo esta luta através de estudos, e

 palestras tal como é desenvolvida pelo estudioso fora do país como filho da “diáspora

cabo-verdiana” – como nomeiam a fuga histórica a qual faço menção no contexto

histórico – em que a língua é caráter unificador daqueles que se encontram distantes da

terra-mãe, deve ser ouvida.

De uma riqueza imensa e formadora do caráter de um povo mestiço, o kriolu de

Cabo Verde se distinguiria historicamente pelo fato inédito de sobreposição de uma

língua antes menor, mestiça sobre a língua herdada do colonizador, o que por si só já

seria um acontecimento digno de notoriedade.

 

Bibliografia

http://books.google.com/books?id=O5785_jkAOsC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q=&f=false, Dicionário do Crioulo da Ilha de Santiago (Cabo Verde)http://www.umassd.edu/specialPrograms/caboverde/lela1.htmlhttp://panupapiakriolu.org/index.htmlhttp://bagabaga.blogspot.com/http://linguaditera.blogs.sapo.cv/http://www.observatoriolp.com/FrontEnd/news/attachments/415_dicionariocompleto.pdf http://de.wikipedia.org/wiki/Kapverdisches_Kreol

Anexos

Kriolu

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Instrumentu KulturalKarta PastoralDi "Cabo Verde dignidadiDi nos tudu identidadi

 Na Kriolu ta nodjadu Namora, lingua kretxeu, KrioluMiolu filozofia popular Alma-l mornaGritu funanaTxon di batukuDj'es kre-bu (Elite) ma ka ta valoriza-buTa xinti-bu ma ka ta papia-bu"Portugues" studaduÉ p'el papiadu"Comme il faut"

Interesanti góTok'es papia "lingua de Camões"Uns pa bazofaria, otus pa maniaTa rabida sin es ta bira-l na boDizafronta

 Na koba algen Na namora sabi Na papia n orédja Na txora kretxeu Na óra di bai Na nodja finaduKu kapa ("K") es ta ratxa dentiKapa ("K") é AfrikanuEs ka sabe góMa kapa ("K")É linguístikuTanbe AfrikanuSima é "Inglês ô "Noruegês""Apolojistas" bu ten pa dimasPa riba-l tudu na teoria"Ateistas"gó na prátika

Te pa sobra Na Greja Nhordes ka ta kudi-u Na skóla bo é ka ofisial Na sala vizita bo é di kuzinhaKen ki ta difende-bu"Mas papista ki própi papa"Te kexa dja kexadu djaRadikalistas sta po-bu na stronuBo é lingua ka dialetuBu variantis é bu rikézaSantantonensi di "Kukuli"

Pertinenti, sinSima Santiagensi di "Robon Manel"

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 Ninhun ka ta prejudikaDi kontráriu ta konplimentaLingua Nasional, Barlaventu ô Sotaventu?Di Djabraba pa SantantonÉ bo k'e di nos

"Papiamentu" di povuKriolu di Kabu Verdi

Kriolu

Instrumento culturalCarta pastoralDa dignidade de “Cabo Verde”Da nossa identidadeEm crioulo nós choramosEnamoramos-nos por essa língua de amor, KrioluEspelho da filosofia popular Alma da mornaGrito de funanaChão do batukuAlguns te amam, mas não te valorizamSentem-te, mas não te dão vozEstudam “Português”Para poderem falar “Comme il faut”Que interessante

Começam a falar em “Língua de Camões”Uns para se exibir, outros por maniaEles estão voltando, estão se voltando pra vocêAjuda-osA discutir A se apaixonar A sussurrar ao ouvidoA chorar de amor Ao se ir A chorar a morteK lhes faz caretas

K é africanoEles não sabemMas K É linguísticoTambém é africanoComo é o “Inglês” e o “Norueguês”“Apologistas” existem aos montesEm cima da teoriaMas na práticaViram “Ateístas”

 Na igreja, Deus não o escuta

 Na escola você não é oficial Na sala de jantar você é a cozinha

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Quem está a te defender é“Mas papistas que o próprio papa”Os radicais iriam colocá-lo em um tronoVocê é uma língua, não um dialetoSuas variantes e suas riquezas

Como “Kukuli” de Santo AntonioPertinente, simAssim como “Rubon Manel” de Santiago

 Ninguém te quer malPelo contrário, te cumprimentaLíngua Nacional, Barlavento ou Sotavento?De Brava a Santo AntãoVocê é nosso“Papiamentu” do povoKriolu de Cabo Verde