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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
RECURS'O ESPECIAL Nº 5.452 - MS
(Registro nº 90.0010143-3)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrentes: Afrânio de Oliveira Barbosa e outro
Advogados: Drs. Paulo Tadeu Haendchen e outros
Recorridos: Modesto Brock e outros
Advogados: Drs. Joaquim Jair Ximenes Aguiar e outros
Sustentação Oral: Dr. Joaquim Jair Ximenes Aguiar, pelos recorridos
EMENTA: Recurso especial.
- Súmula 07 do STJ.
- Insubsistência da alegada negativa de vigência de lei federal.
- Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausentes,justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 03 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 29-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Afrânio de Oliveira Barbosa e Eurídice Garcia Barbosa promoveram, contra Modesto Brock e outros, Ação de Rescisão de Contrato de Compra e Venda, cumulada com Anulação de Escritura Pública, e Perdas e Danos.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 179
o Juiz de Direito (sentença de fls. 625/639) julgou
"procedente em parte a ação para condenar os réus a pagarem aos autores o valor de Cr$ 1.600.000.000,00 (hum bilhão e seiscentos milhões de cruzeiros), convertidos em cruzados na data do efetivo pagamento, acrescidos de juros legais e correção monetária a contar do vencimento (28.02.86) e ainda 20% (vinte por cento) a título de honorários que serão calculados sobre o valor da condenação."
Embargos declaratórios opostos à decisão de primeiro grau, rejeitados (fl. 647).
Os julgadores da Corte sul-matogrossense ao apreciar as apelações pelas partes interpostas deliberaram dar
"provimento ao agravo retido para, cassando a decisão agravada, determinar que os documentos impugnados permaneçam entranhados nos autos. Também à unanimidade, rejeitaram a preliminar de nulidade da sentença argüida pelos réus-apelantes, e, quanto ao mérito, ainda à unanimidade, negaram provimento ao recurso dos autores e proveram o dos réus para julgar improcedente o pedido, invertendo-se o ônus da sucumbência" (fl. 791).
Os autores manifestaram recurso especial dizendo-o fundado no art. 105, lII, a, da Constituição Fe-
deral, e alegando negativa de vigência do art. 1.092, parágrafo único, do CCB, e do art. 333, II, do CPC (fls. 795/802).
A decisão admitidora do recurso está às fls. 815/817, e dela extraio:
" ... ante a complexidade da questão, em especial no que pertine à valoração jurídica das provas, tendo como referencial a norma do art. 333, II, do Código de Processo Civil, sob alegação de negativa de vigência, admito o segmento do recurso especial."
O Ministério Público Federal emitiu parecer (fls. 844/848) desta forma sumariado:
"Recurso especial. Compra e venda. Inadimplência. Perdas e danos. Quitação. Ônus da prova.
- Incumbe ao réu o ônus da prova se alega fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC).
- Parecer pelo parcial provimento do recurso."
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): O recurso é fundado tão-somente na alínea a do permissor constitucional, e sob alegação de negamento de vigência dos arts. 333, II, do CPC, e 1.092, parágrafo único do CCB.
Quanto ao primeiro deles, ainda que se o tenha por prequestionado malgrado não lhe faça referência o
180 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
acórdão, dizê-lo de vigência negada é impossível. Eis o que registra a decisão recorrida no que interessa ao ponto:
"A quitação existe válida e regular, como reconheceu a própria sentença recorrida.
Se os autores alegam que não receberam, apesar de terem dado quitação, a eles cumpria provar que não houve pagamento.
O digno e culto magistrado inverteu assim o ônus da prova, pois que os réus não invocaram qualquer fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito dos autores.
Estes é que se propuseram a provar que apesar da quitação que prova o pagamento, este não se deu. E não se desincumbiram desse ônus, como, exaustivamente demonstraram os réus nas suas razões de recurso" (fl. 790 - vol. 4).
Sob outro ângulo, poder-se-á dizer, a propósito, que apenas o revolver da matéria de fato possibilitaria conclusão diversa. A Súmula 07 do STJ, todavia, como sabido, é óbice a reexame da prova em sede de recurso especial.
No tocante ao art. 1.092, parágrafo único do CCB, o fundamento da argüição dos recorrentes é o seguinte:
"Ora, está expresso na lei que o caminho em caso de inadimplemento é o pedido de rescisão cumulado com perdas e danos.
Mas o acórdão, imperativamente, diz ser inaplicável a regra supra, "porque a falta de pagamento não anula o contrato e não dá causa para sua rescisão, daí se concluir que o aresto negou vigência ao art. 1.092, parágrafo único do Código Civil" (fls. 799/ 800).
Enfatizam os que recorrem o trecho que sublinham e o dão como autorizador da conclusão que trazem como alegado.
Por primeiro, observo que o tópico aludido é de uma decisão de outro Tribunal que o aresto tempesteado reproduz depois de observar que
"houve pagamento da maior parte da obrigação, não podendo a esta altura, sob o fundamento do inadimplemento, da menor parte, anular o ato jurídico" (fl. 786).
Sem dúvida o sistema de direito positivo brasileiro adota nos contratos bilaterais a cláusula resolutiva tácita (art. 119 do CCB), e nesse tema o diploma bevilaquiano, como observa Orlando Gomes,
"adotou o sistema francês, ainda que não tenha admitido todas as suas conseqüências" (Contrato, pág. 207 - Rio: Forense, 1 ª ed., 1959).
Por certo não se constitui demasia a menção, nesse passo, do escólio de R. J. Pothier ao tratar da diferença existente entre o Direito ro-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 181
mano e o francês acerca do pacto comissório. Escreveu o notável professor de Orleans, cuja obra influenciou na realização do Código de Napoleão:
"Segun nuestra jurisprudência, el pacto comissório no anula de pleno derecho el contrato por falta de pago dentro el tiempo seiialado; solo da aI vendedor una accion para pedir la nulidad deI contrato, nulidad que sólo es producida por la sentencia que intervelue en virtud de esta acción, y por falta de pago deI precio. Aunque haya expirado el plazo seiialado, puede, pues, el comprador, hasta que haya mediado sentencia, impedir la anulación com oferecer pagar e1 precio" (Tratado de los Contratos, tomo I, pág. 230 - Buenos Aires, Editorial Atalaya, 1948).
De retorno ao caso concreto, digo mais que o acórdão recorrido não maltratou o art. 1.092, parágrafo único, do CCB. Eis o que dele consta:
"Sobre esse aspecto há que se salientar que os títulos correspon-
dentes à importância de Cr$ 838.000.000,00 foram transferidos a terceiros, tendo dessa forma os autores deles desvinculados, bem como de qualquer obrigação deles decorrente, até porque os endossatários, como restou comprovado, não tomaram as providências legais contra os endossantes.
Conseqüentemente, não tem interesse legítimo para vir em juízo invocar direito alheio .. .
............... (omissis) ................ .
... não podem os autores aproveitar tais títulos como causa de rescisão do contrato.
J á na parte que se refere à desvinculação das promissórias da escritura pública, cujos títulos de crédito somavam a importância de Cr$ 1.600.000.000 (um bilhão e seiscentos milhões de cruzeiros), igualmente não conseguiram os autores provar que teriam sido induzidos a erro quando compareceram a cartório com tal objetivo." (fls. 785/786 - voI. 4).
Posto isso, insubsistente a alegação de recusa de vigência de lei federal, não conheço do recurso.
RECURSO ESPECIAL Nº 90.980 - DF
(Registro nº 96.0018122-5)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Delphos Engenharia S.A.
182 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Recorrida: Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte
Advogados: Drs. Carlos Mario da Silva Velloso Filho e outros, e Sebastião Alves dos Reis Júnior e outros
Sustentação Oral: Dr. Carlos Mario da Silva Velloso Filho, pela recorrente
EMENTA: Contrato. Quitação. Assertiva de que obtida mediante coação. Estado de necessidade. Ausência de prequestionamento. Reexame de matéria probatória. Recurso especial inadmissível.
- Constitui pressuposto específico do recurso especial o prequestionamento (Súmulas n~ 282 e 356-STF).
- É ampla a liberdade do Juiz ao apreciar a assertiva concernente à existência da coação. Descabido, por conseguinte, fixarlhe normas de caráter geral e assinalar-lhe, de antemão, diretrizes nesse mister. Solução do litígio a depender das circunstâncias peculiares a cada caso concreto.
- Não se reexamina matéria probatória em sede de recurso especial (Súmula n!! 07-STJ).
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 14 de outubro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: A Delphos Engenharia S/A ajuizou ação anulatória de cláusula contratual, cumulada com ressarcimento de danos, contra a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte.
Alegou a autora que, como vencedora da "Concorrência DT-TUC-010/75" e adjudicatária das obras e dos serviços licitados (primeira etapa da "Vila Residencial da Usina Hidrelétrica de Tucuruí"), firmou contrato com a ré em 09/09/76, prevendo-se a execução de seu objeto num prazo de treze meses. Disse que, tão logo assinado o contrato, deu início à mobilização dos recursos organizacionais, inclusive da implantação
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 183
do canteiro de obras. Todavia, por culpa única e exclusiva da ré - a qual, além de ter descumprido obrigações e prazos contratuais, atrasando o início e a conclusão dos serviços (que só se deu em agosto de 1981), alterou por várias vezes os serviços contratados e os projetos da construção e, em alguns períodos, deixou de pagar as obras executadas ou as pagou com atraso - o equilíbrio econômico financeiro do contrato foi rompido. Asseverou a autora que, em face de tais atos, sofreu graves prejuízos, pois foi obrigada a manter permanentemente mobilizados em favor da obra recursos materiais, humanos e financeiros, a arcar com os ônus da inadimplência de investimentos financeiros que realizou à vista dos faturamentos normalmente previsíveis - os quais, em decorrência da inexecução da obra por culpa da ré, não ocorreram -, bem como a recorrer ao mercado financeiro para honrar as obrigações assumidas, pagando juros bastante superiores aos cobrados à época da elaboração da proposta. Ademais, foi obrigada a disputar com outra empreiteira contratada pela ré para executar obras no mesmo local o recrutamento de pessoal- o que a forçou a conceder benefícios não previstos no contrato - e a arcar com a diferença decorrente do fato da fórmula de reajuste contratual não acompanhar o real aumento dos custos.
De outro lado, afirmou que a "Empresa Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A" - que também firmou contrato com a ré e executou obras semelhantes no mesmo
período, no mesmo local e nas mesmas condições econômicas, financeiras e técnicas, com prazos iguais para faturamento e pagamento -, por ter sofrido problemas iguais aos seus, pleiteou e conseguiu alterações contratuais que reequilibraram seu contrato.
Contudo, ao analisar o pleito da autora de alteração contratual, a ré, aproveitando-se da precária situação econômico-financeira em que se encontrava a requerente, elaborou o Termo Aditivo DT-TUC-10H/82, no qual impôs, como condição para o recebimento de ínfima parcela dos prejuízos sofridos, que esta desse, por si e seus sucessores, quitação abrangente de todos os seus direitos (cláusula 7ª). À autora, que se encontrava em seríssimas dificuldades econômico-financeiras causadas pela própria ré, mesmo discordando total e integralmente do disposto no referido termo aditivo, somente restou assiná-lo, sem qualquer possibilidade de resistência.
Como a assinatura do Termo Aditivo se deu mediante coação irresistível, pleiteou a decretação da nulidade da quitação plena (cláusula 7ª do DT-TUC 10/82) e a condenação da ré ao pagamento de Cz$ 184.921.881,40 (valor obtido com base nos mesmos parâmetros utilizados pela ré quando firmou as alterações contratuais com a "Camargo Corrêa") e de perdas e danos e lucros cessantes.
A MM. Juíza de Direito julgou improcedente a ação.
A Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Fede-
184 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
ral e dos Territórios, por maioria de votos, negou provimento à apelação da autora.
Os embargos infringentes opostos pela autora foram rejeitados. Eis a ementa do acórdão:
"Direito Civil - Contrato -Vício de manifestação de vontade - Coação irresistível contra pessoa jurídica - Possibilidade - Anulação do ato jurídico.
Para o reconhecimento da coação, há necessidade de prova rigorosa, a que não se desincumbiu a embargante. Quem alega cisão entre a vontade e a declaração deve prová-la. Embargos Infringentes improvidos." (fls. 1.047)
Inconformada, a autora manifestou o presente recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando afronta aos arts. 98, 101 e 136, V, do CC e 55, lI, d e 86 do DL 2.300/86, além de dissenso pretoriano com julgado desta Corte. Sustentou a recorrente que a coação moral se caracteriza pela existência de um estado de espírito em que o agente do ato jurídico se encontre no momento da declaração de vontade, de tal maneira que, em face de uma pressão qualquer (não importa de onde provenha) se veja possuído de fundado temor de dano; que o estado de necessidade se põe entre as circunstâncias que a ensejam e que pouco importa que dela tenha ou não ciência aquele que contrata com a vítima da pressão moral, bastando que o negócio tenha gerado prejuízo pa-
ra a vítima e lucro injusto para o outro contratante. Concluiu, então, que a quitação fornecida à ré é anulável, pois foi dada de forma viciada face à coação moral por ela experimentada em razão do estado pré-falimentar em que se encontrava, com inúmeros títulos protestados e pedidos de falência. Disse que o ato praticado não foi livre e puro, visto que não tinha liberdade de escolha: ou recebia a importância que lhe era ofertada ou sucumbiria na falência. Aduziu, ainda, que a coação moral se demonstra através de prova indiciária e por meio de presunções e que, no presente caso, os fatos provados indicam que a ré se aproveitou de sua condição evidenciada de estado de necessidade e a induziu a receber um pagamento menor que o realmente devido. De outro lado, alegou que o ato praticado pela ré, ao tratá-la de modo distinto em relação à empresa "Camargo Corrêa" - que executou os mesmos projetos, no mesmo local e sob as mesmas condições - e oferecer complemento de preço inferior à equação financeira do contrato, não atendeu aos termos do art. 55, II, d, e 86 do DL 2.300/86, que lhe impunham a obediência aos princípios da licitação e dos contratos administrativos, bem como o dever de proceder à revisão de seus contratos de obras e serviços sempre que, durante a execução, ocorresse a quebra da equação econômico-financeira inicialmente estabelecida entre as partes.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido pela letra a.
É o relatório.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 185
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A autora -ora recorrente - postulou na inaugural a anulação da quitação plena constante da cláusula 7ª do Termo Aditivo DT-TUC 010/82, além da condenação da ré ao pagamento de reajustes dos preços unitários correspondentes à avença, nas mesmas proporções concedidas à empresa "Camargo Corrêa". Segundo a demandante, fora a ré quem provocara o seu desequilíbrio financeiro e, após deixá-la em estado pré-falimentar, obteve a quitação integral dos débitos, limitando-se, porém, a antecipar parte dos prejuízos por ela sofridos. A assinatura do referido Termo Aditivo ter-se-ia dado sob coação moral irresistível.
Os fundamentos expostos pelo voto condutor do Acórdão recorrido, da lavra do Exmo. Sr. Desembargador Paulo Evandro, podem assim ser resumidos:
a) a coação, para viciar o ato, há de ser identificada e provada; simples indícios e presunções não se mostram suficientes para caracterizá -la;
b) a autora não ministrou a prova da existência da coação (que houvesse pressão psicológica dos agentes da ré sobre a cúpula diretiva da autora);
c) suposto aproveitamento da situação financeira da suplicante não restou demonstrado, nem tampouco houve indícios de pretenso ato psicológico coativo;
d) não se evidencia qualquer presunção de coação, consubstanciada em aproveitamento da situação de penúria da acionante;
e) a alegação de que a empresa "Camargo Corrêa" mereceu tratamento mais benigno em nada altera a questão;
f) não há referência de que, em algum momento, a ré tenha forçado a assinatura da quitação;
g) não há também provas de que a quitação tenha implicado em prejuízos à ora recorrente, nem mesmo de que estivesse ela em má situação financeira;
h) não cuidou a autora de demonstrar o desequilíbrio do contrato;
i) os motivos expendidos pelo Desembargador Otávio Augusto em seu voto majoritário proferido quando do julgamento da apelação, dentre os quais se alinham: I) a demandante não se desincumbiu de comprovar ter sido afetada em sua livre manifestação de vontade; lI) os fatos por ela articulados não estão a sugerir intento coativo pela sua pouquíssima plausibilidade; IlI) a aceitação do Termo Aditivo se dera mais em função aflitiva por que passava do que propriamente pela pressão exercida por parte da ré; IV) não é sugestivo de prática coativa o fato de alguém propor-se a proceder a um adiantamento em dinheiro para suprir dificuldades financeiras da contratada, como o fez a ré.
186 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
o Revisor, Desembargador Estevam Maia, houve por bem rejeitar os embargos infringentes, acompanhando o entendimento do Sr. Relator no sentido de que não há prova da existência da alegada coação, que deveria ter sido cumpridamente evidenciada.
De sua vez, o voto do Desembargador J oazil M. Gardés acompanhou os pronunciamentos oriundos dos Srs. Relator e Revisor, sob a razão substancial de que a autora aderira livremente à proposta da ré, não sendo possível presumir a ocorrência de coação, quando dela se exige prova concreta. Acrescentou S. Exa. que o estado de insolvência e o pagamento de reajustes superiores a uma outra entidade não qualificam como coativa a atividade da ré.
A votação foi desempatada (houvera três votos pelo recebimento dos embargos) pelo voto-vista do Desembargador Edson Alfredo Smaniotto que, após salientar a tentativa da autora de no curso da lide alterar a causa petendi, anotou não haver por que imaginar-se o próprio teor do contrato aditivo como prova da coação. Subscreveu a assertiva do Sr. Desembargador Relator no entendimento de que não lograra a autora demonstrar o efetivo desequilíbrio financeiro que teria tido o condão de macular o contrato, ou até mesmo comprovar as causas que o produziram. Acentuou, por derradeiro, que as circunstâncias ensejadoras da coação não se mostraram estremes de dúvidas.
De tal exposição sumária, acerca dos motivos que levaram a Eg. Se-
gunda Câmara Cível a repelir os embargos infringentes, ressai desde logo a ausência do requisito do prequestionamento, reconhecidamente um dos pressupostos específicos do apelo especial. Assim é que a decisão recorrida não versou sobre alguns dos temas primordiais ventilados pela recorrente em seu recurso extremo. É o que se dá com a alegação de que a coação moral prescinde da ameaça direta, bastando a existência de um estado de espírito em face de uma pressão qualquer, venha de onde ela vier. Igualmente em relação à afirmativa de que o estado de necessidade se equipara a uma ameaça e, ainda, de que o abuso do estado de necessidade se enquadra nos princípios da coação.
O V. Acórdão não tratou da matéria aí invocada, pelo que incidem no ponto os Verbetes Sumulares n llil
282 e 356 do Excelso Pretório.
Idêntica orientação prevalece quanto à argüição de ofensa aos preceitos do Dec.-Lei n Q 2.300, de 21.11.86. O Tribunal de origem em nenhum momento cogitou da submissão a que deveria ater-se a sociedade de economia mista aos princípios da licitação e dos contratos administrativos, nem tampouco do dever de proceder à revisão de seus contratos concernentes a obras e serviços. Bem por isso, não se afigura suscetível de aperfeiçoar-se o dissídio de julgados alusivo a este tópico do recurso especial.
A inadmissibilidade do presente apelo extremo não exsurge apenas pelo motivo acima referido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 187
A recorrente, ao sustentar que ocorreu no caso a coação moral, evidenciada pela prova de ordem circunstancial (fls. 1.091/1.092), está a pretender, nada mais nada menos, do que o reexame de matéria probatória em sede de apelo especial, o que é defeso a teor do enunciado da Súmula nl! 07 desta Casa.
A tônica, que desponta do Acórdão combatido, é a de que a pretendida coação não restou comprovada como de rigor. Entendimento oposto é defendido pela ora recorrente: a coação acha-se demonstrada através de indícios e presunções.
Certo é que, em princípio, a decisão hostilizada afastou a possibilidade de tê-la como provada com base em simples indícios e presunções.
Acontece, porém, que o critério mais rigoroso, ou menos rigoroso, na apreciação da prova, se insere na esfera de atribuições da instância ordinária. O art. 131 do Código de Processo Civil acolhe, com efeito, o princípio do livre convencimento do Juiz: "o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos
" É o que se infere, aliás, do ma
gistério do Prof. Sílvio Rodrigues, reproduzido de modo apenas parcial pela recorrente, que assim se desenvolve:
"A prova de coação nem sempre é fácil, pois quem recorre à violência toma, em geral, precauções para não ser surpreendido. Por
isso, a lei dispõe que os atos de má-fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias (CPC, art. 252). Nesse sentido, encontram-se numerosos julgados, alguns dos quais foram examinados.
Verdade, entretanto, que decisões em contrário também abundam. Mas elas não infirmam a regra e decorrem do fato de ser ampla a liberdade do juiz no considerar o caso concreto. O julgador certamente não se satisfará com indícios, quando estes não forem bastante veementes para convencêlo" ("Dos Vícios do Consentimento", n. 123, pág. 242, 3ª ed. atualizada - 1989).
Assim, enquanto o V. Acórdão reputa não provada a coação e a ora recursante diz o contrário, o que vem esta postular, em última análise, é a perquirição dos fatos e circunstâncias da causa no bojo do recurso especial, tanto mais que ela própria argúi em suas razões recursais aspectos fáticos da lide que estão - segundo ela - a indicar um estado psicológico que a conduziram concluir o negócio jurídico (quitação plena) extremamente prejudicial: a) aproveitamento da ré do seu estado de necessidade, fragilizada que restou em face da situação econômica precária; b) tratamento desigual dispensado à recorrente, de um lado, e à "Camargo Corrêa", de outro (fls. 1.091/1.092).
Não foi outra a posição adotada pela Suprema Corte numa hipótese de coação aventada em ação de
188 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
anulação de casamento. No voto do Sr. Relator, Ministro Lafayette de Andrada, anota-se:
"Cuidaram as decisões de provas, apreciação dos fatos e por isso o acórdão afirmou de modo categórico: 'O casamento estava viciado por uma manifesta coação moral, exercida sobre o cônjuge. O dr. Juiz o demonstrou de maneira cabal e completa, revelando, como é de justiça proclamar, completo conhecimento da espécie, exata compreensão da prova e perfeito entendimento da doutrina e da lei. A nulidade do casamento decorreu assim de um imperativo moral que o dr. Juiz soube bem interpretar e ajustar à norma legal que a disciplina' (fls. 233).
Não encontro nessas afirmativas, elementos que me permitam dizer ter ocorrido ofensa ao Cód. Civil. Se a coação foi admitida em face das provas, não há como se alterar a decisão.
E o Juiz notou com propriedade:
'É inútil fixar normas de caráter geral e assinalar diretrizes para os Juízes, no apreciar a coação. Porque o problema deve ser resolvido subjetivamente, como diz Martinho Garcez Neto e pode suceder que um mesmo fato constitua força em um caso e não em outro, dadas as circunstâncias em que a vítima se encontrava colocada. O que atemoriza um ancião pode ser ridículo para um homem forte; o que é insignificante pa-
ra um homem culto, pode revestir-se de enorme gravidade para outro inexperiente'" (RE n Q 25.438-ES, julgamento em 19.10.54).
Não cabe, pois, a esta instância excepcional invadir a área de competência dos órgãos judicantes locais para ter como provada a coação em contraposição ao que fora lá proclamado, e isso mesmo com base em eventuais indícios e presunções. Impede-a o referido Verbete Sumular n Q 07 desta Corte.
Mesmo que assim não fosse, há de verificar-se, através da leitura atenta do voto condutor do V. Acórdão, que a Eg. Corte Estadual chegou a apreciar a espécie à luz dos indícios e presunções. S. Exa., o Sr. Desembargador-Relator, de fato, assinalou não ter havido sequer indícios da prática de pretenso ato psicológico coativo (fls. 1.052). Mais adiante, a fls. 1.053, teve ocasião de advertir: "a embargante tenta demonstrar um liame entre os vários atos praticados pela embargada, mas sequer demonstra qualquer presunção de coação, consubstanciada em aproveitamento de situação de penúria daquela".
Como se vê, de uma forma ou de outra, para o julgamento do REsp não se prescinde do reexame do quadro fático em que posta a controvérsia (Súmula n Q 07-STJ).
Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 189
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, fiquei vivamente impressionado com o memorial da lavra do eminente professor Humberto Theodoro Júnior, que me foi conduzido pelo eminente advogado Rubens de Barros Brizola, pelas considerações ali tecidas, que foram robustecidas pela brilhante sustentação oral do eminente advogado Carlos Mário da Silva Velloso Filho, a começar pela alegada violação aos arts. 55, inciso lI, letra d, e 86 do Decreto-Lei n. 2.300/86, na perspectiva da recorrente, à consideração de que a decisão hostilizada teria negado a obrigação de refazer a equação econômico-financeira do contrato, tema que começou a ser aceito por trabalhos doutrinários, depois pelo desenvolvimento da jurisprudência e, desde algum tempo, por dispositivos legais e agora até constitucionais.
Todavia, bem destacou V. Exa., no seu judicioso voto, que desse tema não cuidou o Tribunal local, a nada se reportando no que diz respeito a isso, razão pela qual V. Exa. entendeu, como agora também entendo, que esses dispositivos não podem ser apreciados por falta de prequestionamento.
Também dediquei a mesma atenção à sustentação oral quanto à alegada violação aos arts. 88, 101,136, V, do Código Civil e confesso, quanto a esses pontos, inobstante o peso dos ilustres defensores da recorrente, não fiquei muito impressionado
no que diz respeito ao tema de fundo que esses dispositivos abordam, mas verifico, como foi bem destacado por V. Exa., que, na verdade, infirmar as colocações postas pelo acórdão recorrido importaria, inevitavelmente, no revolvimento de prova, porque, se na visão da recorrente teria ela assinado aquele aditivo por se encontrar coagida ante a força dos fatos ·que lhe eram contrários naquele instante, na visão do acórdão embargado o que se verifica é que não há a demonstração da existência dessa coação, o que importa, bem destacado por V. Exa., a aceitação do quanto exposto pela recorrente em reexaminar o acervo probatório, tarefa a que não se afeiçoa o recurso especial, a teor do Enunciado nº 7, Súmula desta Corte. Ademais, até diria, apenas como reforço de argumento, que não é só porque haveria estado de necessidade, a fragilizar a vontade de um contratante a ponto de forçá-lo a firmar um negócio, sabedor, desde já, que lhe traria prejuízo e que poderia decorrer lucro até injusto para outra parte, não seria só por isso que se poderia dizer da existência de coação a ponto de viciar o ato.
Por essas considerações e pelo voto erudito e circunstanciado proferido por V. Exa., Sr. Ministro-Relator, é que o acompanho.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, ao contrário do que aconteceu com o Eminente Ministro Cesar Asfor Rocha,
190 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
impressionou-me a argumentação da recorrente quanto à questão de mérito porque, realmente, se reconhecida a situação de carência absoluta de recursos por parte da empresa, por isso submetida à necessidade de aceitar um termo de reajuste que lhe seria substancialmente desvantajoso, estaria em examinar a sentença que afastou essa argumentação, pois poderia violar o disposto no Código Civil, sobre a validade do negócio e os vícios de vontade.
Daí por que, com a argumentação expendida no memorial do eminente Professor Humberto Theodoro Júnior e, depois, com a brilhante sustentação do eminente Advogado Carlos Mário Velloso Filho, estava por admitir a tese não fora o fato, realçado no voto de VExa., de que essas circunstâncias de fato que justificariam o reconhecimento do estado necessário ficaram rejeitadas na instância ordinária. Ouvi que durante o julgamento recorrido foi negada a existência do desequilíbrio contratual, do estado de penúria e, até, de prova do prejuízo real sofrido pela empresa recorrente. No voto do Revisor ficou afastada a existência da coação; no votovogal afirmou-se que houve, por parte da empresa, concordância livre para a assinatura do termo que lhe foi apresentado. Finalmente, no voto-desempate negou-se a existência do desequilíbrio financeiro. Sendo assim, esses pressupostos de fato que justificariam o reconhecimento
da violação ao disposto na lei não estão presentes, como demonstrou V Exa. no seu minucioso e cuidado voto, pelo que o acompanho.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Dois aspectos me chamaram a atenção desde o início: o primeiro, o quadro apresentado pela parte recorrente, não só através da sustentação hoje desenvolvida pelo seu ilustre Advogado, mas também no parecer do Prof. Humberto Theodoro Júnior, a caracterizar a coaçâo, desde que resultasse devidamente demonstrada.
O aspecto que me despertou maior atenção, no entanto, reside na questão probatória, uma vez que, a meu juízo, toda matéria, na realidade, está envolta na interpretação da prova.
O em. Relator, em voto minucioso, como é da sua característica, analisou esses aspectos. Com efeito, além da falta de prequestionamento, apreciou também a inviabilidade do reexame probatório na instância especial e, avançando mais, chegou até a apreciar manifestações dos votos vencedores no que diz respeito à definição da prova. Assim, por mais que me impressione o quadro exposto pela parte recorrente, vejo como intransponível obstáculo para o conhecimento do recurso, razão pela qual também não conheço do recurso.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 191
RECURSO ESPECIAL Nº 92.313 - SP
(Registro nº 96.0021091-8)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Matesa S/A Indústria, Agricultura e Comércio
Recorridos: Sinval Roberto Dorigon e outro
Advogados: Drs. Luiz Fábio Coppi, e Oswaldo Nunes Gerin e outro
EMENTA: Processual Civil. Exame pericial. Realização. Juntada aos autos do laudo. Vista às partes. Necessidade. Impossibilidade de proferir sentença sem dar oportunidade às partes de impugnação. Princípio do contraditório. Doutrina. Violação. Art. 398, CPC aplicado à prova pericial. Precedente. Recurso provido.
I - O princípio do contraditório, garantia constitucional, serve como pilar do processo civil contemporâneo, permitindo às partes a participação na realização do provimento.
II - Apresentado o laudo pericial, é defeso ao juiz proferir desde logo a sentença, devendo abrir vista às partes para que se manifestem sobre o mesmo, pena de violação do princípio do contraditório.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.
Brasília, 14 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 08-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Pondo fim a uma demanda de resolução de contrato. celebraram as partes acordo pelo qual a recorrente deveria pagar pelas benfeitorias realizadas pelos recorridos no imóvel objeto do pacto. Ficou constando no acordo que, em caso de discordância com relação aos valores, cada parte apresentaria um laudo pericial, que seria avaliado pelo julgador.
Diante da acentuada divergência no que concerne ao quantum a ser pago, o Juiz nomeou perito de sua confiança para apresentar laudo conclusivo. Após seu término, os autos foram ao contador para con-
192 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 17'7-243, setembro 1998.
verter em reais o valor que estava em dólares norte-americanos.
Ciente do parecer do expert, a recorrente apresentou impugnação, que não mereceu exame por parte do Juiz. Manifestou ela, então, embargos declaratórios, que foram rejeitados ao argumento de que não havia no acordo previsão de discussão a respeito do valor que seria fixado pelo julgador, pelo que seria cabível impugnação da parte, que, por isso, não foi examinada.
Interposta apelação, na qual se discutia nulidade da sentença homologatória da conta pelo fato de a apelante não ter podido manifestarse, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou-lhe provimento. Disse a Turma, abonando o entendimento da primeira instância, que não tinha sido prevista a hipótese de reabertura da discussão sobre o valor que viesse a ser encontrado pelo perito do Juízo.
Opostos declaratórios pela apelante, foram eles rejeitados.
Irresignada, interpôs ela recurso especial alegando violação dos arts. 5º, LV, da Constituição, por ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, já que não teve oportunidade de falar sobre o laudo pericial, e 398 do Código de Processo Civil, porque não foi aberta vista às partes sobre a perícia levada a efeito.
Contra-arrazoado, foi o recurso inadmitido na origem, subindo os autos por força de agravo.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): Conforme se viu do relatório, concluída a perícia por profissional nomeado pelo juízo, foi a sentença proferida em seguida, embora tenha a ora recorrente se manifestado sobre a conclusão do laudo. O Juiz deixou claro, ao decidir os embargos declaratórios opostos contra a sentença de liquidação, que não iria discutir a impugnação feita em razão de não ter sido previsto no acordo celebrado pelas partes a possibilidade de debate sobre eventuallaudo de perito nomeado para se chegar a um valor definitivo das benfeitorias. E isso foi mantido no acórdão recorrido.
Patente a violação do princípio do contraditório, garantia de ordem constitucional e que tem por objetivo a busca de um processo justo e imparcial, com as partes participando na formação do provimento, conforme assinala Aroldo Plínio Gonçalves:
"O contraditório foi definitivamente conquistado como um direito das partes, foi consagrado, no Brasil, como garantia constitucional, e se transformou em uma exigência da instrumentalidade técnica do processo. A idéia que está em sua base é a da evolução da prática da democracia e da liberdade, em que os interesses divergentes ou em oposição encontram espaço garantido para sua manifestação, na busca da decisão participada" (Técnica Pro-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 193
cessual e Teoria Geral do Processo, Aide, 1992, pág. 194).
Assim, o juiz, ao permitir a juntada de documentos, a requerimento de uma das partes ou de um auxiliar do Juízo, como o perito, deve dar oportunidade à parte contrária ou a ambas as partes de tomar conhecimento dos mesmos e de discuti-los. Abolir essa fase procedimental e impossibilitar a discussão pelas partes de um ato do processo poderia acarretar abuso na decisão judicial, que, desta forma, não teria limites.
A ausência dessa oportunidade leva à nulidade do ato subseqüente, haja vista a falta de participação das partes na formação do provimento. Mutatis mutandis, assim proclamou a Terceira Turma, no REsp 6.102-AM (DJ 22.4.91), sob esta ementa:
"Apresentado o laudo, não pode o juiz proferir sentença, sem antes propiciar às partes que se pronunciem sobre o mesmo. Não atendida essa exigência do contraditório, anula-se aquele ato decisório" .
Ao proferir o voto-condutor, assinalou o Ministro Eduardo Ribeiro:
"Considero, entretanto, que tem razão o recorrente quando alega que sua defesa foi cerceada, por não se lhe ter ensejado pronunciar-se sobre o laudo pericial. O acórdão afirmou que, no incidente de falsidade, não havia lugar para vista sobre o laudo.
Entendo que não tem razão. O artigo 392 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz determinará exame pericial, nada dispondo quanto ao procedimento deste. Haverá de ser o previsto para os exames periciais em geral. E dos dispositivos que o regem resulta claro que a sentença não será desde logo proferida, sem propiciar às partes dizer quanto ao laudo, o que constituiria evidente ofensa, e ofensa grave, ao princípio do contraditório. O artigo 433 prevê seja entregue até dez dias antes da audiência. As partes, naquele prazo, terão acesso à peça técnica, até para que possam requerer esclarecimentos (artigo 435). Admita-se que não seja a audiência de rigor. N este caso, não se poderá deixar de permitir às partes o exame do laudo para que requeiram o que entenderem de direito e sobre o mesmo trazerem as observações que tiverem.
Assimjá decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, RTJ 101/176, reI. Aldir Passarinho, e o Tribunal Federal de Recursos na AC 114.266 de que fui relator.
Dou provimento para anular a sentença, devendo abrir-se oportunidade às partes para que se pronunciem sobre o laudo pericial".
Também na mesma linha, embora em circunstâncias fáticas diferentes, afirmou ° Tribunal de Alçada de Minas Gerais, na Apel. 16.419, sob a relatoria do seu então Juiz
194 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Humberto Theodoro Jr. (Revista de Julgados 11/176):
"Cerceamento de defesa. Realizada a prova pericial, não é dado ao juiz dispensar a audiência de instrução e julgamento, proferindo de plano a sentença, constituindo tal procedimento evidente cerceamento de defesa, já que nenhum trabalho técnico é indiscutível e de caráter obrigatório para as partes e o juiz, sem que antes se tenha cumprido todo o procedimento legal de sua crítica e contraprova pelas partes".
Outra, aliás, não é a posição da doutrina, inclusive a nacional, hoje extremamente fecunda nos estudos constitucionais do processo, dentre os quais, entre tantos, poderiam ser citados Dinamarco, in Fundamentos do processo civil moderno, RT, 2ª ed., ns. 43 e segs.; Ada P. Grinover, Os princípios constitucionais e o CPC, J. Bushatsky ed., n. 9; N. Nery Jr., Princípios do processo
civil na Constituição Federal, ns. 20 e segs.
Ademais, a entender-se como o fez o r. acórdão, seria, data venia, deixar ao perito a solução da controvérsia, subtraindo do julgador, como diretor do feito e sujeito da relação processual, na condição de representante do Estado-Juiz, sua função jurisdicional, de dizer o direito no caso concreto. O perito, na realidade, como já observava o admirável Lopes da Costa (Direito Processual Civil Brasileiro, Forense, 2ª ed., n. 142), sem embargo do seu valor, é mero "auxiliar temporário da Justiça".
Tenho, destarte, por violado o art. 398 do Código de Processo Civil, que se aplica à prova pericial, prejudicada a análise das demais impugnações.
Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para cassar a sentença de liquidação e ensejar que outra seja proferida após a análise da impugnação feita pela ora recorrente.
RECURSO ESPECIAL NQ 97.991 - MG
(Registro n Q 96.0036648-9)
Relator: O Sr. Ministro Sáluio de Figueiredo Teixeira
Recorrentes: Portal Arquitetura e Construção Ltda. e outros
Recorrido: Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A - Credireal
Advogados: Drs. Edelberto Augusto. Gomes Lima e outros, e Sérgio Gran-dinetti de Barros e outros
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 195
EMENTA: Processual Civil. Embargos à execução. Co-devedor que não sofreu dano patrimonial. Intimação da penhora que recaiu sobre o bem de outro executado. Necessidade. Prazo para embargos. Autonomia. Contagem. Início. Precedentes. CPC, art. 738-1. Sistema anterior à Lei n. 8.953/94. Recurso provido.
1 - Sendo vários os executados, todos devem ser intimados da penhora, ainda que ela tenha recaído em bem pertencente a somente um deles, uma vez que a todos assiste o direito de embargar.
H - O prazo para oferecimento dos embargos é singular, iniciando-se, para cada executado, no sistema anterior à Lei n. 8.953/94, da data da respectiva intimação da penhora.
IH - Tivesse ocorrido a intimação já na vigência da redação dada ao art. 738-1, CPC, pela Lei n. 8.953/94, a contagem seria, para cada um, a partir da juntada aos autos do mandado das respectivas intimações.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Ausente, justificadamente, o Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 01-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: O recor-
rido ajuizou ação de execução contra Portal Arquitetura, André Luiz Saggioro, Elvimar Saggioro, Raphael Sansão Filho e Suraia Sansão. Citados, e não havendo pagamento do débito, foi penhorado bem imóvel de propriedade de André e Elvimar, sendo que eles, juntamente com a empresa Portal, foram intimados do ato constritivo em 23 de junho de 1994. Os outros executados, Raphael e Suraia, receberam a intimação da penhora no dia seguinte, ou seja, 24 de junho.
Em 5 de agosto daquele ano, os cinco executados opuseram embargos à execução, que não foram recebidos em razão de sua extemporaneidade.
Apelaram os embargantes, tendo o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por maioria, negado provimento ao recurso. Entendeu o Colegiado que seria desnecessária a intimação daqueles que não tiveram bens de sua propriedade penhorados, adu-
196 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
zindo que, se eles desejassem embargar a execução, deveriam fazêlo no mesmo prazo dos executados que sofreram constrição.
Foi rejeitada, ainda, a aplicação da teoria do fato superveniente, pela qual os embargantes pugnavam pela adoção da nova redação do art. 738, I do Código de Processo Civil, fluindo o prazo para embargos da juntada do mandado e, não, da efetiva intimação da penhora. Argumentou a Turma com a teoria do isolamento dos atos processuais, não podendo voltar no tempo para dispor sobre atos processuais findos.
Manifestados dois embargos declaratórios, foram eles rejeitados, com aplicação, no segundo, da multa por procrastinação.
Aviados infringentes, não houve modificação da decisão, tendo o Grupo de Câmaras "mantido" o desprovimento da apelação.
Os embargantes interpuseram contra os acórdãos da apelação e dos declaratórios recurso especial, no qual alegaram, além de dissídio, violação dos arts. 738, I do Código de Processo Civil, com a redação da Lei 8.953/94, porque o prazo para os embargos se inicia da juntada aos autos do mandado de intimacão, devendo ser aplicada a lei no~a, por se tratar de lei processual, 538, parágrafo único, do mesmo diploma legal, porque os embargos declaratórios eram necessários, descabendo assim a multa, e 535 da lei instrumental, porque não teria o Tribunal esclarecido contradição existente entre os votos da Relatora e do Vogal.
Contra o acórdão dos embargos infringentes, os embargantes também interpuseram recurso especial. Suscitaram divergência e apontaram como malferido o art. 738, I do Código de Processo Civil, tendo em vista que todos os executados, inclusive os que não tiveram bens penhorados, devem ser intimados da penhora, correndo o prazo para os embargos à execução de cada intimação.
Contra-arrazoados, foram os recursos admitidos na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): A discussão central diz respeito ao termo inicial de fluência do prazo para oferecimento de embargos do devedor, notadamente nos casos em que há litisconsórcio passivo na execução.
Não se tem dúvida, após a modificação do art. 738, I do Código de Processo Civil, que o prazo de dez dias se inicia da juntada aos autos do mandado de penhora e não mais da efetiva intimação da penhora, como ocorria na sistemática anterIor.
Na espécie, entretanto, não se pode aplicar a nova regra, uma vez que ao tempo da intimação da penhora e do oferecimento dos embargos vigia a lei antiga. A lei processual, de incidência imediata, alcança os processos em curso, mas não atinge as situações processuais já
R. Sup. Trib. 'Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 197
consolidadas. Assim, corretamente decidiu o Tribunal recorrido ao socorrer-se da teoria do isolamento dos atos processuais, que bem resolve o conflito, sempre aparente, de normas processuais no tempo.
Não obstante isso, constata-se que assiste razão aos recorrentes quanto à tempestividade dos embargos daqueles que foram intimados da penhora em 24 de junho de 1994.
Com efeito, necessária é a intimação de todos os executados sobre eventual penhora realizada nos autos da execução, independentemente de quem seja o proprietário do bem constrito. Isso porque, se todos podem embargar, com o objetivo de atacar o título executivo, deve ser noticiado aos litisconsortes o momento de assim proceder. E essa comunicação se faz com a intimação da penhora.
Mário Aguiar Moura, ao tratar do assunto, abona tal tese, verbis:
"Da penhora, segundo nosso entendimento, serão intimados todos os devedores, mesmo o que não tenha sofrido penhora em bens de sua propriedade, coisa que pode acontecer na solidariedade ou indivisibilidade. Isso porque, mesmo sem padecer a constrição de bens, há de ter o devedor interesse e legitimidade para embargar, tendo em conta que, nas relações internas, responde perante o solvente pela respectiva quota-parte, a teor dos arts. 891, parágrafo único, e 913 do Código Civil" (Embargos do De-
vedor, 4ª ed., 1987, Aide, n. 25, pág.142).
Sendo portanto necessária a intimação de todos os executados, o prazo para embargar, que é autônomo, conta-se a partir da respectiva intimação. Nesse sentido, decidiu esta Turma, no AgRg 27.981-RN (RSTJ 50/513), com a seguinte ementa: .
"Processo civil. Embargos à execução. Legitimidade ativa. Prazo. Co-devedor que não sofreu a constrição patrimonial e não foi intimado da penhora. Arts. 736/ 738, CPC. Precedentes da Corte e do Supremo Tribunal Federal. Agravo desprovido.
I - Nos termos da jurisprudência desta Corte e da orientação firmada no Supremo Tribunal Federal na vigência do sistema constitucional anterior, o co-devedor ostenta legitimidade para opor embargos à execução, mesmo que não tenha sofrido constrição em qualquer de seus bens, desde que seguro o juízo por algum dos coobrigados.
n - Havendo no título exeqüendo vários devedores, mesmo que ajuizada a execução contra apenas um deles, salvo se exercitada a faculdade prevista no art. 569, CPC, devem ser todos intimados da penhora, uma vez que a todos assiste o direito de embargar.
In - o prazo para oferecimento dos embargos é singular, iniciando-se, para cada devedor, na data em que intimado da penhora".
198 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Ao proferir o voto-condutor, assinalei:
"Duas são as questões postas a exame. A primeira, a legitimidade dos devedores, que não sofreram constrição patrimonial, para embargar a execução. A segunda, a possibilidade de cumular a cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor, negada pela sentença.
No que tange ao primeiro ponto, argumenta a recorrente que a decisão de segundo grau afronta os termos do art. 737, CPC. A uma, porque somente teria qualidade para opor embargos quem ofereceu bens à penhora. A duas, porque, mesmo que se reconhecesse essa legitimidade, na oportunidade em que oferecidos os embargos já se escoara o decêndio que sucedera à intimação da penhora ao executado, consumada a preclusão.
O acórdão recorrido decidiu que, na esteira de decisões regionais colacionadas, a modernajurisprudência tem admitido os embargos opostos pelo devedor que não garantiu o juízo mediante penhora. Relativamente ao tema do prazo, afirmou que os embargantes não foram intimados da penhora, razão pela qual não teria ocorrido a preclusão como pretende a recorrente.
O tema é dos mais interessantes e há dissonância doutrináriajurisprudencial.
Esta Corte, ao enfrentar a questão da legitimidade, em aresto da
ego Terceira Turma, proferido no julgamento do REsp 7.300-MG (DJ 28.10.91), de que foi Relator o Ministro Cláudio Santos, ementou:
"Embargos à execução. Devedores solidários. Ação apresentada por quem não teve bens penhorados.
Da interposição conjunta dos arts. 736 e 737, I, do CPC, e da ausência no Código de qualquer restrição, compreende-se que, na execução contra devedores solidários, garantido o juízo, qualquer um deles, isolado ou em conjunto, pode oferecer embargos à execução".
Ainda daquela Turma, no REsp 2.407-RS (DJU de 20.8.90), relatado pelo Ministro Eduardo Ribeiro, é de trazer-se a ilustração:
"Embargos à execução - Embargante cujos bens não foram penhorados.
Existindo vários executados, sendo penhorados bens de um deles, fica seguro o juizo, o que enseja apresentação de embargos também por aqueles cujos bens não foram objeto da constrição".
No mesmo sentido, a decisão desta Quarta Turma, referente ao REsp 3.663-PB (DJ 29.10.90), Relator o Ministro Athos Carneiro, de cuja ementa se colhe:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 199
"Seguro o juízo por um dos executados, podem os demais, em princípio, oferecer embargos, máxime se assim procedeu o executado que ofereceu bens à penhora".
Também o Supremo Tribunal Federal, na vigência do sistema constitucional anterior, vinha tendo esse entendimento, como se vê do RE 103.640-1-SC (DJU de 16.11.84), relatado pelo Ministro Soares Mu:õ.oz, e citado às fls. 28 dos autos.
Em nota de n Q 24 ao art. 738, CPC, assinala o Prof. Theotonio Negrão:
"A quem deve ser feita a intimação da penhora? A todos os co-devedores, embora apenas de propriedade de um deles o bem penhorado? Sim, porque todos podem embargar a execução" ("Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", Malheiros, 1992, 22ª edição).
Do voto condutor do acórdão recorrido, da lavra do eminente Juiz José Augusto Delgado, ressai a circunstância da solidariedade dos embargantes, consoante se depreende do seguinte excerto:
"Conforme se depara do contrato assinado entre as partes litigantes, à cláusula décima (fls. 44), os fiadores, devedores solidários e principais pagado-
res, renunciaram expressamente ao benefício de ordem previsto nos arts. 1.491 e 1.503, do Código Civil, e nos arts. 261 e 262, do Código Comercial. Logo, como sendo os embargantes co-devedores (fls. 47), inadmissível expurgar dos mesmos a condição de poderem opor embargos à execução, pois, no decorrer da ação executiva, ocorrendo a inadimplência do devedor original, de certo que iria recair sobre seus patrimônios a dívida em questão".
Pertinentes, às inteiras, no caso vertente, as precisas considerações expendidas pelo Desembargador Nélson Altemani, quando integrante do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, no julgamento da AC 299.520, estampadas em RT 574/119 a 120, verbis:
"O essencial é que os embargos não se dirigem contra a penhora, mas, na precisa lição de Liebman, "destinam-se a uma sentença constitutiva, com o fim de operar uma alteração de conteúdo processual-executório, quer dizer: de despojar de sua eficácia de título executório o ato impugnado" (Embargos do Executado, n Q 99, pág. 163). Ainda que os embargos só possam ser opostos, na execução por quantia certa, depois de seguro o juízo pela penhora (CPC, art. 737,1), a verdade é que a penhora figura nesse con-
200 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
texto unicamente como condição de admissibilidade, em razão da prevalência que a lei atribui aos interesses do credor dotado de título executivo. Condição - esclareça-se -não de natureza subjetiva, ligada somente àquele dos múltiplos sujeitos passivos que tenha sofrido constrição de seus bens, mas disposta em relação a todos os devedores executados. A lei não diz que não seriam admissíveis embargos do devedor antes de penhorados seus próprios bens; estabelece, ao contrário, uma condição genérica, fixando o termo inicial do prazo (preclusivo, sem dúvida) de oferecimento de embargos a partir do momento em que cada qual dos devedores tenha sido intimado da penhora (CPC, art. 738, I). Obviamente, co-devedor que não tenha sofrido penhora em seus bens há de ser intimado também da penhora, porque só assim toma conhecimento do início de fluência do prazo para embargar".
Na mesma linha, já o "Simpósio de Curitiba", em 1975, em sua conclusão LV, proclamava:
"Seguro o juízo por um dos coobrigados, qualquer deles poderá oferecer embargos à execução de título extrajudicial" (RF 252/18; RT 482/272).
Por outro lado, no que diz respeito ao termo a quo do prazo
para embargar, para o devedor que não teve seus bens penhorados, já se decidiu no Pretório Excelso sobre a autonomia de cada devedor para a oposição dos embargos e a fluência do prazo, para cada um, após a intimação da penhora. A propósito, registrou o Ministro Francisco Rezek, ao finalizar o voto condutor do RE 100.487-PR (RTJ 107/903):
"São diversos os precedentes (RREE n2li 96.361, 97.138, 94.153,97.255), no sentido de que o prazo para embargar é de dez dias, pouco importando a existência de outros devedores. Cada um deles tem qualidade autônoma para oferecer embargos. Assim, após a intimação da penhora, começa a contagem singular de cada prazo".
Adotando idêntica conclusão, a ego Terceira Turma desta Corte, na oportunidade do julgamento do REsp 3.414-RS (DJ 10.09.90), sob a relatoria do Ministro Waldemar Zveiter, ementou:
"II - Firmou-se na jurisprudência do Pretório Excelso o entendimento segundo o qual os embargos devem ser opostos a partir da intimação da penhora e quando houver diversos executados, cada devedor tem qualidade singular, para oferecê-los. Assim, após intimado da penhora, começa a contagem do prazo, de dez (10) dias para embargar a execução (art. 669 do CPC)".
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 201
Também no REsp 13.384-RS (DJ 07.10.91), de que foi Relator o Ministro Dias Trindade, a mesma tese foi sufragada em acórdão encimado por essa ementa:
"2. O prazo para a oposição de embargos do devedor, sendo vários os executados, é contado da data da intimação da penhora, para cada um deles, inaplicável o art. 241, II, mas o art. 738, I, do Código de Processo Civil".
Esta Quarta Turma, ao julgar o REsp 4.496-MG (DJ 5.11.90), relatado pelo Ministro Fontes de Alencar, firmou orientação cristalizada na ementa que se segue, colacionada, aliás, na decisão agravada:
"I - O prazo para os embargos, sendo vários os executados, principia, para cada um deles, do momento da respectiva intimação da penhora".
Do exposto se infere que deveriam os executados, como devedores solidários, e não tendo a credora se utilizado da faculdade prevista no art. 569, CPC, ter sido intimados da penhora. Não o foram.
A intimação da penhora é ato que, no processo executivo, não deixa de fazer às vezes da citação. Tal, aliás, foi o entendimento externado pela ego Segunda Turma deste Tribunal, em decisório da relatoria do Ministro Ilmar Galvão:
"Processo civil. Execução de título extrajudicial. Embargos oferecidos após a designação do leilão. Pretendida tempestividade, ao argumento de não se ter verificado a intimação da penhora, prevista no art. 669 do CPC.
Alegação improcedente, j á que, no caso, houve pronunciamento anterior do devedor, com impugnação à avaliação, no qual se manteve ele silente acerca da pretendida nulidade processual.
Suprimento da ausência da intimação, na forma prevista no art. 214 do CPC, subsidiariamente aplicável às execuções (art. 598 do mesmo Código)".
Daí resulta que somente da data em que intimados os embargantes é que começa a fluir o prazo preclusivo para os embargos, sabido que a preclusão, como instituto do direito processual, "é a perda da faculdade da prática de um ato no processo, que não foi exercido no tempo ou no modo próprios" ("Prazos e Nulidades em Processo Civil", Forense, 1990, 2ª edição, n Q 21, pág. 30)".
Desta forma, presente o dissídio invocado, merece subsistir o pleito recursal, para que os embargos dos executados Raphael Sansão Filho e Suraia Hallack Sansão sejam examinados, prejudicada a análise das demais impugnações feitas.
202 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Em face do exposto, conheço do recurso pelo dissídio e dou-lhe provimento para, cassando os referidos acórdãos, ensejar o exame dos em-
bargos dos dois executados como se anotou acima.
Ônus da sucumbência a final.
RECURSO ESPECIAL NQ 99.484 - GO
(Registro nQ 96.0040893-9)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Rozemaria Alves de Oliveira
Advogado: Dr. Paulo Cesar de Menezes Povoa
Recorrido: José Pedro Vilela
Advogados: Drs. Wagner Baptista da Costa Júnior e outro
Sustentação Oral: Dr. Wagner Baptista da Costa Júnior, pelo recorrido
EMENTA: Ação declaratória.
- Súmula 07 do STJ.
- Falta de prequestionamento.
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 16 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação declaratória de inexistência de sociedade de fato promovida por José Pedro Vilela em face de Rozemaria Alves de Oliveira.
Recolho da sentença:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 203
"c .. ) a ação intentada pelo autor procede, uma vez que as provas coligidas dão suporte ao seu pedido. Ao contrário, a autorareconvinte não provou que mantinha com o reconvindo uma união estável capaz de caracterizar o concubinato, como também não comprovou que efetivamente contribuiu para o aumento do patrimônio do suplicante.
Diante do exposto e tendo em vista a tudo que dos autos consta e com pleno apoio nas provas dos autos e no ensinamento dos doutos sobre a matéria, hei por bem acolher o pedido do autor, para o fim de declarar a inexistência de concubinato ou sociedade de fato entre o autor e a requerida. Em conseqüência, julgo improcedente a reconvenção intentada pela ré-reconvinte, uma vez que suas alegações não se comprovaram judicialmente" (fl. 370).
A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por sua Quarta Turma, negou provimento à apelação, à unanimidade de votos. O acórdão correspondente expõe o seguinte sumário:
"Concubinato. Sociedade de fato. Declaratória de inexistência.
1. A Sociedade de fato é comprovável pela prova de vida em comum e permanente sob o mesmo teto.
2. Convivência periódica representada por encontros de fim de semana não caracteriza con-
cubinato nem gera direito sobre bens patrimoniais.
3. Recurso improvido." (fl. 403)
Embargos declaratórios foram providos para
"que conste da decisão haver o representante da recorrente participado da sessão na forma registrada na ata respectiva." (fl. 416)
RozemariaAlves de Oliveira manifesta recurso especial com fulcro no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, alegando negativa de vigência do art. 1.363, do Código Civil e discrepância com a Súmula 382, do Supremo Tribunal Federal. (fls. 418 a 429)
Pelo despacho de fls. 446 a 447, foi o recurso indeferido, porém, veio a ser processado em face do provimento do agravo (fl. 449).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Colho do voto norteador do acórdão recorrido:
"C .. ) a sentença recorrida dá razoável interpretação ao conjunto probatório produzido na instrução processual, convergente no sentido de que o relacionamento que existiu entre os litigantes não configura sociedade de fato.
À falta de outros elementos que ensejassem a convicção do
204 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
condutor do processo, a solução adveio através de detalhada análise das provas testemunhais, a fim de que fosse possível estabelecer as razões de decidir mediante o confronto do pronunciamento dos depoentes indicados pelos litigantes.
Desse exame ressalta que o relacionamento entre a recorrente e o recorrido não significava união estável, porquanto não conviveram sob o mesmo teto, residindo em Goiânia, cada qual na sua casa, embora se encontrassem em fins de semana em propriedade rural do apelado" (fls. 405/406).
As instâncias ordinárias à luz dos elementos fáticos concluíram, pois, que a ré-reconvinte não provou tivesse mantido com o reconvindo
vou sua alegada contribuição para o aumento do patrimônio do autor.
Dessarte, somente o revolver da prova poderia eventualmente conduzir a entendimento diverso sobre os fatos da causa. Impede-o, porém, a Súmula 07 do STJ.
Quanto ao art. 1.363 do CCB, dele não cogitou a Corte goiana. De conseguinte, ausente a propósito o imprescindível questionamento prévio.
Por outro lado, não vislumbro a alegada discrepância com a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal.
As decisões das instâncias ordinárias firmam-se no conjunto probatório, consoante o tópico transcrito do voto que traçou o norte do acórdão recorrido.
uma união estável capaz de carac- Posto isso, não conheço do recur-terizar o concubinato, nem compro- so.
RECURSO ESPECIAL Nº 100.086 - MS
(Registro nº 96.0041855-1)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Estado de Mato Grosso do Sul
Recorridos: Divino da Cruz e outro
Interessado: ldail Fereirra de Vasconcelos
Advogados: Drs. Sarah Filgueiras Monte Alegre de Andrade Silva e outros, e Abadia Queiroz Baird e outro
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 205
EMENTA: Processual Civil. Exame pericial. DNA. Justiça gratuita. Antecipação das despesas pelo Estado. Precedente da seção.
"I - A isenção legal dos honorários há de compreender a das despesas, pessoais ou materiais, com a realização da perícia. Caso contrário, a assistência não será integral. Assiste aos necessitados, a proteção do Estado que deve diligenciar meios para provêlos ou criar dotação orçamentária para tal fim.
II - Antes de determinar prova pericial do DNA, deve o Dr. Juiz produzir outras que objetivem a formação de seu convencimento sobre a pretensão deduzida. Ainda assim, julgada indispensável, poderá determiná-la às expensas do Estado, que proverá os meios necessários." (REsp n. 83.030-MS, j. em 24.9.97, Segunda Seção, unânime, relator eminente Ministro Waldemar Zveiter).
Ressalva do ponto de vista do relator.
Recurso conhecido e provido em parte.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 29 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 22-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul sumariado na seguinte ementa:
"Ação de investigação de paternidade - Exame finger print DNA imprescindível para a solução da lide - Requisição pela parte beneficiária da assistência judiciária - Honorários do perito - Obrigação do Estado de suportar as despesas.
A assistência judiciária é integral e gratuita aos necessitados e compreende a isenção dos honorários do perito (art. 5º, LXXIV, da CF e art. 3º, V, da Lei 1.060/ 50). Em sendo o exame de DNA requerido pela parte beneficiária
206 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
da justiça gratuita, o Estado deve arcar com as despesas dele decorrentes, inclusive antecipandolhes o pagamento." (fls. 311/312)
O recorrente postula admissibi-lidade pelas alíneas a e c do permissivo constitucional, sustentando que: a) nos termos do art. 19 do CPC, o beneficiário da justiça gratuita não está obrigado ao recolhimento antecipado de despesas; b) as despesas efetuadas a requerimento da Fazenda Pública serão pagas a final, pelo vencido (art. 27, CPC); c) a assistência judiciária compreende isenção de honorários de advogado e peritos (art. 3Q
, inc. V da Lei 1.060/50); d) sendo vencedor o beneficiário da assistência, os honorários e as despesas serão pagas pelo vencido, a final (art. 11); e) sendo vencido o beneficiário, ficará obrigado a pagar custas se puder fazêlo, nos termos do art. 12 da lei especial; f) os profissionais liberais são obrigados ao desempenho do encargo de perito (art. 14); g) o v. acórdão dissentiu de precedentes, que liberaram o beneficiário do depósito dos honorários do perito, que serão suportados pelo vencido ou pelo Estado.
Sem resposta no prazo legal (certidão de fl. 525), o especial foi admitido na origem pela alínea a, tendo ingressado no meu gabinete, após o parecer do douto Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso, no dia 29 de outubro de 1996 e foi indicado para pauta aos 15 dias do mês de abril do ano de 1998.
Recurso extraordinário também admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): A questão é conhecida das Terceira e Quarta Turmas, desta Corte.
Contra a determinação que lhe é imposta para antecipar numerário para a realização do exame "Finger Print DNA", requerida pelo Ministério Público, o Estado de Mato Grosso do Sul tem sempre alegado que: a) nos termos do art. 19 do CPC, o beneficiário da justiça gratuita não está obrigado ao recolhimento antecipado de despesas; b) as despesas efetuadas a requerimento da Fazenda Pública serão pagas a final, pelo vencido (art. 27, CPC); c) a assistência judiciária compreende isenção de honorários de advogado e peritos (art. 3Q
, inc. V da Lei 1.060/50); d) sendo vencedor o beneficiário da assistência, os honorários e as despesas serão pagas pelo vencido, a final (art. 11); e) sendo vencido o beneficiário, ficará obrigado a pagar custas se puder fazêlo, nos termos do art. 12 da lei especial; f) os profissionais liberais são obrigados ao desempenho do encargo de perito (art. 14); g) o v. acórdão dissentiu de precedentes, que liberaram o beneficiário do depósito dos honorários do perito, que serão suportados pelo vencido ou pelo Estado; h) há ofensa ao disposto nos arts. 100 e 157 da CR.
A egrégia Segunda Seção deste Tribunal, por unanimidade (ausente este Relator por motivo justifica-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 207
do), ao julgar, em 24.9.97, o Recurso Especial n. 83.030-MS, sob a relatoria do eminente Ministro Waldemar Zveiter, assentou o entendimento sumariado na seguinte ementa:
"Justiça gratuita. Perícia. Despesas. Cód. de Pro Civil, art. 19 e Lei n. 1.060/50, arts. 3 9-V, 9 9 e 14. É dever do Estado prestar ao necessitado assistência jurídica integral e gratuita (Constituição, art. 5 9 - LXXIV).
I - A isenção legal dos honorários há de compreender a das despesas, pessoais ou materiais, com a realização da perícia. Caso contrário, a assistência não será integral. Assiste aos necessitados, a proteção do Estado que deve diligenciar meios para provêlos ou criar dotação orçamentária para tal fim.
II - Antes de determinar prova pericial do DN A, deve o Dr. Juiz produzir outras que objetivem a formação de seu convencimento sobre a pretensão deduzida. Ainda assim, julgada indispensável, poderá determiná-la às expensas do Estado, que proverá os meios necessários.
III - Recurso especial conhecido parcialmente e nesta parte provido."
Anoto que, ao proferir, na sessão do dia 7.10.97, voto-vista no REsp n. 103.281-MS, da relatoria do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, acolhi a pretensão assemelhada à da aqui recorrida, porquan-
to pela regra contida no inciso V do art. 3º da Lei nº 1.060/50, os honorários do perito são compreendidos pela assistência judiciária que é dever do Estado prestar, integral e gratuitamente, àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, tal como se dá no caso.
A finalidade da regra - percebese sem o recurso de maiores reflexões - é a de dar efetividade aos princípios constitucionais de acesso à justiça e da ampla defesa.
Ora, no caso, a recorrida, menor impúbere, insistiu na realização do DNA para estabelecer a demonstração da paternidade.
E nenhum meio de prova, ao que se sabe, é hoje técnica e cientificamente mais importante e eficaz para definir a paternidade que o exame cogitado, na hipótese de ser confirmado o que a promovida alega. Caso não o seja, todas as dúvidas serão espancadas.
Ademais, a militância nesse campo do Direito de Família traz a convicção da enorme dificuldade que tem o investigante, sobretudo o que dispõe de escassas rendas, como na hipótese, de obter meios probatórios seguros para alcançar o objetivo colimado.
É certo que "a eventual improcedência da ação não impedirá a sua renovação". No entanto, se e quando a ação for eventualmente renovada, o investigante, por certo, enfrentará as mesmas dificuldades que ora busca superar.
Por outro lado, igualmente não posso acolher, data venia, a argu-
208 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
mentação de que o Estado não pode suportar o ônus de que se cuida por eventual falta de previsão orçamentária, que também é utilizada em favor da pretensão do recorrente.
A uma, porque, li ser assim, seria o Estado beneficiário de sua própria desídia.
A duas, porque estar-se-ia a estabelecer um sério precedente para que o Poder Público, que é, natural e infelizmente, tão desatento no cumprimento de suas obrigações, para usar o eufemismo como referência, disso se valha para desonerar-se de outros encargos que lhe são impostos.
A três, porque esta Turma já definiu que "a Fazenda Pública, quando parte na causa, deve depositar previamente os honorários do perito judicial" (REsp n. 10.945/SP, relatado pelo eminente Ministro Fontes de Alencar). No mesmo sentido o EREsp n. 10.945, de minha relatoria (Corte Especial, DJ 26.2.96).
É certo que a questão se angustia quando a perícia requerida pelo beneficiário ou a seu favor exige despesas de vulto.
Mas dessa observação me valho apenas para que sirva como um aviso para não se conferir ao Poder PÚblico encargos desnecessários, impertinentes ou despiciendos.
No caso, contudo, o exame reclamado é absolutamente pertinente e sumamente necessário, pois que ele, quase que por si mesmo, servirá para destrame da controvérsia.
Sendo assim, não me surpreenderia se a despesa com o cogitado exame, pela simplificação que tra-
ria à solução do conflito, terminasse por ser inferior ao custo, suportado pelo Estado, decorrente da demora com que são desenvolvidos os casos desse jaez, embora esse argumento, de natureza econômica, não me comova, embora exista quem lhe dê mais importância que a necessidade de se precisar, sem dúvida razoável, a paternidade.
De mais a mais, não se pode perder de vista que o Estado tem interesse na correta definição de qualquer conflito, que aumenta de importância quando se cuida de fixar a paternidade praticamente sem risco de erro.
No entanto, como disse, a questão já se encontra pacificada no âmbito da Seção de Direito Privado desta Corte.
Diante de tais pressupostos, com ressalva do meu entendimento, dou parcial provimento ao recurso especial para, nos termos do decidido pela Segunda Seção no precedente reportado, "cassando o r. Acórdão, a fim de prover, também, parcialmente, o Agravo de Instrumento, reformando a decisão de 1 Q grau, que determinou o depósito do valor provisório de que cuidam os autos, devendo o Dr. Juiz promover a coleta de outras provas capazes de possibilitar a pretensão deduzida. Após, entendendo ainda necessário e indispensável a realização da perícia 'DNA' que a promova, procurando obtê-lo junto a entidades que dele disponham e possam oferecêlo em colaboração ao Judiciário. Não o conseguindo de tal forma, que a tanto condene então o Estado, que proverá os meios necessários a sua realização".
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 209
RECURSO ESPECIAL NQ 105.617 - MG
(Registro nQ 96.0054179-5)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrentes: CMS Construtora S/A e outro
Recorrido: Banco Europeu para América Latina S/A Beal
Advogados: Drs. Geraldo Luiz de Moura Tavares e outros, e Domingos Fleury da Rocha e outros
Sustentação Oral: Dr. Domingos Fleury da Rocha (p / recorrido)
EMENTA: Processual Civil. Execução. Penhora. Bem hipotecado em terceiro grau. Recusa. CPC, art. 655, § 2~
A regra contida no § 2Q do art. 655 do Código de Processo Civil tem que ser interpretada com temperamento, por isso mesmo que, em caráter excepcional, pode o exeqüente, credor hipotecário em terceiro grau, recusar a nomeação do imóvel hipotecado e indicar outros do devedor, sobretudo quando, como no caso, o bem é insuficiente para garantia do juízo.
A finalidade da regra contida naquele dispositivo é a de evitar que sobre outros bens do devedor recaia a constrição se há um que já fora prévia e bastantemente dado para responder pelo débito, o que não se dá na espécie.
Inteligência do § 22 do art. 655 do Código de Processo CiviL
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Bueno de Souza, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Brasília, 28 de abril de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 01-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Para garantir a execução, os recorrentes nomearam um bem situado em Belo Horizonte e outros em local distinto.
O exeqüente impugnou a nomeação, com base no disposto nos inci-
210 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
sos In, v e VI, do art. 656 do Código de Processo Civil, e requereu que a penhora recaísse sobre o imóvel sito na Av. Cristiano Machado, em Belo Horizonte.
Contra a decisão que acolheu esse pedido, os executados agravaram de instrumento argumentando que os bens nomeados foram aceitos para garantia da ação cautelar de sustação de protesto e que o contrato executado estava garantido por imóvel hipotecado em terceiro grau.
O agravo foi improvido pelos seguintes motivos: a) a nomeação é ineficaz porque teve por objeto bens situados em local distinto do foro da execução, embora havendo bens naquele local; b) os bens localizados em Belo Horizonte não são suficientes para a garantia do juízo; c) o fato de o credor ter aceito o imóvel hipotecado em terceiro grau não lhe retira o direito de exigir outro bem que não esteja onerado como garantia da execução; d) o fato de o juiz ter aceito aqueles mesmos bens nomeados à penhora para garantia do juízo quando concedeu a liminar de sustação de protesto, não lhe obrigaria a aceitá-los para garantia da execução, por serem situaçõesjurídicas distintas.
Com a rejeição dos aclaratórios adveio o recurso especial em exame com base na letra a do permissor constitucional por alegada violação aos seguintes dispositivos do Código de Processo Civil: a) ao art. 655, § 2Q
, uma vez que a penhora deveria recair sobre a garantia anteriormente ofertada; e, b) ao art. 620, porque a execução deve ser proces-
sada do modo menos gravoso para o devedor.
Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem, tendo o processo chegado ao meu Gabinete em 30 de outubro de 1996, sendo indicado para pauta no dia 1 Q de abril de 1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): 01. O recurso não pode ser conhecido pela alegada ofensa ao art. 620 do Código de Processo Civil pois a norma nele inserta não mereceu qualquer interpretação por parte do v. acórdão recorrido.
Para que a matéria objeto do apelo nobre reste prequestionada há necessidade de que seja efetivamente debatida pela Corte de origem ao decidir a apelação.
Ausente o debate, inexistente o prequestionamento, por isso que obstaculizada a via de acesso ao apelo excepcional.
N em valeria o argumento de que os declaratórios opostos teriam suprido os necessários debates e decisão prévios, por ser imprescindível o acolhimento dos embargos para se ter por preenchida a possível omissão constante de acórdão embargado.
Se o Órgão julgador nela persistir, ao rejeitar os embargos, deve a parte veicular no recurso a ofensa às regras processuais pertinentes e não insistir na violação aos precei-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 211
tos legais relativos ao mérito da causa, sem que sobre eles haja o órgão julgador emitido juízo explícito.
Nesse sentido, o decidido no Ag 136.378-9 (AgRg)-SP da ego Segunda Turma do colendo Supremo Tribunal Federal, de que foi Relator o eminente Ministro Marco Aurélio, e o REsp n Q 95.454/GO, desta ego Quarta Turma, de minha relatoria, este tendo sido assim sumariado, naquilo que para a hipótese há de útil:
Processual Civil. Recurso especial. Ausência de prequestionamento. Embargos declaratórios rejeitados. Não conhecimento.
Impossível o acesso ao recurso especial, por falta de prequestionamento, quando os temas nele insertos não foram, como na hipótese, objeto de debate na Corte de origem.
° requisito do prequestionamento só se acha suprido, em havendo omissão no aresto da apelação, se o Órgão julgador, ao decidir os aclaratórios, tiver efetivamente enfrentado as questões nele veiculadas, suprindo a omissão apontada, sob pena de, se ofensa à lei federal houver, ser aos arts. 458, II, e 535 do Código
de Processo Civil, o que não se veiculou na espécie.
Recurso especial não conhecido.
02. Melhor sorte não recolhem os recorrentes quanto à alegada ofensa ao § 2Q do art. 655 do Código de Processo Civil.
É que essa regra tem que ser interpretada com temperamento.
N a hipótese, como dito na exposição, o bem cogitado sofreu, em favor do exeqüente/recorrido, uma hipoteca em terceiro grau, sendo assim razoável conferir ao credor, para responder pela execução, o direito de indicar outro bem do executado que não esteja preferencialmente garantindo outros débitos, sobretudo quando, como no caso, o imóvel hipotecado em terceiro grau é insuficiente para garantia do juízo (fls. 135).
A finalidade da rega contida naquele dispositivo é a de evitar que sobre outros bens do devedor recaia a constrição se há um que já fora prévia e bastantemente dado para responder pela dívida.
No caso, como visto, referido imóvel não responde, sozinho, pelo débito.
03. Diante de tais pressupostos, não conheço do recurso.
212 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
RECURSO ESPECIAL Nº 115.093 - SP
(Registro nº 96.0075868-9)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Banco Sudameris Brasil S/A
Advogados: Drs. Mário Augusto Couto Rocha e outros
Recorrida: Momentum Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Advogado: Dr. José de Oliveira Costa
EMENTA: Direito Econômico. CDB. Deflação.
- O fator de deflação estabelecido pela Lei 8.177/91 (art. 27) incide no caso de título com rendimentos prefixados.
- Recurso especial atendido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Cesar Asfor Rocha, vencido o Sr. Ministro Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 20 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 06-04-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação ordi-
nária proposta por Momentum -Empreendimentos Imobiliários Ltda. objetivando diferença de rendimentos pactuados, porque firmara um CDB em 18.01.91 com valores prefixados, porém na data do vencimento do referido título a instituição financeira fez incidir o fator de deflação previsto na MP nº 294, de 31.01.94 (Plano Collor II).
A Oitava Cãmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil manteve a sentença de fls. 109/113, que julgara procedente a ação. Do v. acórdão de fls. 206/210 transcrevo o seguinte:
"Com efeito, inconstitucional ou não o art. 26 da Medida Provisória nº 294, convertida em art. 27 da Lei nº 8.177/91, e que resultou na chamada "Tablita" do Plano Collor II, incabível a ofensa ao ato jurídico perfeito.
............... (omissis) ............... .
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 213
Ora, tanto a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (art. 69 ,
parágrafo 19 ) como a Constituição Federal (art. 59, inciso XXXVI), consagram o princípio da irretroatividade da lei nova, protegendo o direito adquirido e o ato jurídíco perfeito. .
c. .. ) ao contratar a operação, as duas partes se submeteram aos riscos do negócio, que têm de ser por elas suportados; se, no decurso do prazo de aplicação, a inflação atinge níveis inimagináveis, certamente perde o investidor -e, em caso contrário, perde o banqueiro. Assim, fixadas as taxas antecipadamente, tornam-se elas imutáveis e os contratantes assumem a responsabilidade por eventuais variações diferentes das previstas."
Banco Sudameris Brasil S/A manifestou, com fundamento no art. 105, UI, a e c, da Constituição da República, recurso especial, com alegação de negativa de vigência dos arts. 3 9 e 6 9 do Decreto-Lei 4.657/42 (LICCB) e do art. 27 da Lei 8.177/91; e argüição de divergência jurisprudencial.
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Cuidam os autos de controvérsia a respeito da incidência do fator de deflação (tablita), de que trata a Lei n 9 8.177/91, sobre os rendimentos decorrentes de aplicação em CDB. O caso se prende à incidência de norma de direito econômico.
A matéria já se acha pacificada nesta Corte, consoante se infere dos REsps n ilE 19.713 e 29.907, ambos relatados pelo Ministro Athos Carneiro, tendo o primeiro a seguinte ementa:
"Plano Collor lI. Medida provisória n 9 294, convertida na Lei n 9 8.177/91. Aplicação em RDBs. Fator de deflação, previsto no artigo 27 desta lei.
Norma de ordem pública, editada no conjunto de um plano econômico, aplicável assim aos contratos em curso. Legitimidade da tablita, destinada a deflacionar a correção monetária prefixada.
Incidência plena do fator de deflação, tal como previsto em lei, não obstante os índices inflacionários reais hajam sido superiores aos previstos. Importa inclusive ponderar que o Banco passou a receber seus créditos, nas operações de empréstimos aos clientes, com o mesmo fator de deflação.
Recurso especial conhecido e provido."
Por igual, é o REsp. 43.792, relatado pelo Ministro Antônio Torreão Braz e o REsp n 9 76.940, relatado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, este último julgado em 12.12.95.
Diverso, também, não é o entendimento da Terceira Turma deste Tribunal, citando-se o REsp n 9
84.800, relatado pelo Ministro Waldemar Zveiter, julgado em 21.05.96.
214 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Acrescento, aillda, o REsp nQ 48.381 por mim relatado.
Como visto, na matéria há precedentes a flux desta Corte.
Em face do exposto, conheço do recurso por ambos os fundamentos e lhe dou provimento para julgar improcedente a ação, fixados os honorários advocatícios, a cargo do vencido, em 10% do valor da causa corrigido.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, peço vênia ao Eminente Ministro-Relator para não conhecer do recurso, uma vez que, da leitura que S. Exa.
fez do acórdão recorrido, percebi que há um fundamento, por si só, suficiente para manter a decisão recorrida, a de que o fenômeno inflacionário persistiu mesmo naquele período, motivo pelo qual não seria ° caso, então, de aplicar-se aqui a "tablita" prevista no art. 27 da Lei n Q 8.177/9l.
Não conheço do recurso.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, com a vênia do Sr. Ministro Barros Monteiro, acompanho ° Sr. MinistroRelator.
RECURSO ESPECIAL NQ 124.147 - GO
(Registro nQ 97.0019026-9)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Odílio Marques Palmeira
Recorridos: Roberto Egídio Balestra e cônjuge, e Aleimar Rodrigues de Queiroz e cônjuge
Advogados: Drs. Getúlio Targino Lima e outros, Amaury Jácomo e Nair Dias dos Santos Vieira
EMENTA: Civil. Ação pauliana. Prazo para exercício do direito. Art. 178, § 9~ V, B, CC. Natureza. Prazo decadencial. Inexistência de causa suspensiva e interruptiva. Situação extraordinária. Fato que impedia o manejo anterior da ação. Ato supostamente fraudulento cancelado por decisão judicial. Novo prazo. Início. Restauração do registro. Superação da decadência. Recurso provido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 215
I - O prazo para ajuizamento da ação pauliana é decadencial, afastando, por conseqüência, a ocorrência de causa suspensiva ou interruptiva de sua fluência.
II - Se o titular do direito não o exerceu por absoluta impossibilidade legal - falta de interesse de agir, porque o ato jurídico objeto da revocatória foi cancelado por determinado tempo, por força de decisão judicial- não pode ele ser impedido de discutir a prevalência do direito subjetivo que em tese o socorreria.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Bueno de Souza.
Brasília, 5 de maio de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.
Publicado no DJ de 15-06-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Ajuizou O recorrente ação pauliana visando à anulação de escritura pública de constituição de hipoteca de bem imóvel lavrada em maio/87, de propriedade do primeiro casal recorrido em favor do segundo, ao fundamento de que teria ocorrido fraude. Disse ser credor dos primeiros re-
corridos pela quantia de quatrocentos e sessenta e seis mil e novecentos e setenta e dois cruzados, representados por um cheque vencido em março/87 e duas notas promissórias vencidas em maio do mesmo ano.
Relatou que anteriormente havia aforado outra ação pauliana, na qual, após citados os credores hipotecários, ora segundos recorridos, requereu desistência, tendo em vista que, nos autos de uma execução movida pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A, existia decisão, que veio a ser revista após o pagamento da respectiva dívida exeqüenda (maio/90), declarando ineficaz a mencionada hipoteca por fraude, tornou sem objeto, em conseqüência, a referida revocatória.
O Juiz rejeitou a alegada "prescrição" e julgou procedente o pedido, por estar presente o dano em relação ao credor e o intuito de fraudar o pagamento da dívida.
À apelação, o Tribunal de Justiça de Goiás deu provimento para acolher a "prescrição". Entendeu o Colegiado que não teria sido interrompido o prazo "prescricional" quanto à primeira ação pauliana, no que diz respeito ao primeiro casal recorrido, porque não-citado. Afir-
216 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
mou mais a ego Turma que, se o referido prazo se consumou com relação a ele, uma vez não interrompida a fluência do curso pela citação válida, isso se refletiria na relação do credor com os segundos recorridos, em razão de ser defesa a cisão da responsabilidade dos devedores, haja vista se tratar de litisconsórcio unitário.
Irresignado, o credor interpôs recurso especial alegando violação dos arts. 172, V e 178, § 9º, V, b, do Código Civil. Sustentou que, durante a validade da decisão do juiz que declarara a ineficácia da constituição da hipoteca, estava ele, credor, impossibilitado de ajuizar qualquer ação, porque não detinha interesse de agir, uma vez que sua pretensão - anulação da escritura - já era fato.
Contra-arrazoado, foi o recurso inadmitido na origem, subindo os autos por força de provimento de agravo.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): No pertinente à regra prescrita pelo art. 178, § 9º, V, b, da lei material civil, o entendimento majoritário está no sentido de que se cuida de prazo decadencial (REsp 32.800-SP, RSTJ 63/352, Terceira Turma, relator o Ministro Eduardo Ribeiro; Humberto Theodoro Júnior, Fraude contra Credores, Del Rey, 1996, capo VIII, n. 6, pág. 141;
Yussef Said Cahali, Aspectos Processuais da Prescrição e da Decadência, RT, 1979, n. 11, pág. 29 e Fraude contra Credores, 1989, capo XII, n. 1, pág. 376; Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, Saraiva, 1995, art. 178, n. IV, pág. 175; Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, 3ª ed., Forense, n. 177, pág. 283).
Outra discussão também presente no meio forense diz respeito ao termo inicial do prazo para anular o ato jurídico realizado em fraude - tema não objeto desta demanda - tendo tido esta Turma, inclusi-ve, oportunidade de salientar que, independentemente de se tratar de prazo de prescrição ou decadência, a fluência do prazo se inicia a partir do registro do título aquisitivo do álbum imobiliário (REsp 36.065-SP, DJ 10.10.94, por mim relatado).
Partindo da posição dominante, que considera o prazo discutido como de decadência, não há como negar-se a inexistência de causas interruptivas ou suspensivas, haja vista ser essa uma das características do prazo extintivo do direito.
Assim, em princípio, iniciado o curso do prazo para buscar a anulação da escritura pública de constituição de hipoteca, não haveria de cogitar-se de fato obstativo de sua fluência, a não ser a citação de todos os envolvidos no ato supostamente fraudulento.
Todavia, no caso, uma situação peculiar toma corpo. Nem se quisesse, o autor, ora recorrente, poderia ajuizar ação pauliana (ou continuar com aquelajá instaurada) para anu-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 217
lar a hipoteca durante o prazo em que, por decisão judicial, foi cancelado seu registro. Com efeito, faleceria ao autor interesse de agir, uma vez que sua pretensão já estaria garantida e ele não teria qualquer necessidade de buscar solução na via jurisdicional.
A decadência, conforme assinala Marco Aurélio Viana (Curso de Direito Civil, v. 1, Del Rey, 1993, pág. 277), "encontra seu fundamento no fato de o titular do direito não se ter utilizado do poder de ação dentro do prazo fixado por lei". Ora, se o titular não exerceu seu direito por absoluta impossibilidade legal - falta de interesse de agir - embora tenha tentado por meio da primeira ação pauliana que ajuizou, não pode ele ser impedido de discutir a prevalência do direito subjetivo que em tese o socorreria.
Restaria, conseqüentemente, tãosó averiguar se após o desaparecimento da causa que impossibilitava ao credor manejar a competente demanda - revalidação do registro da hipoteca - já teria transcorrido o prazo de quatro anos. Negativa a
resposta, conquanto a decisão judicial que determinou a prevalência do registro datou de maio de 1990 e a presente ação deu entrada em abril de 1993, com os réus citados em maio e junho do mesmo ano.
Tenho, destarte, por violado o art. 178, § 9Q, V, b, do Código Civil, porque a norma que ele encerra foi aplicada em hipótese em que não admitia, prejudicada a análise da outra questão.
Em face do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para que, superada a "prescrição", examine o ego Tribunal de origem as demais insurgências postas na apelação.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Estou de acordo com o Sr. Ministro-Relator em face das peculiaridades salientadas por S. Exa., uma vez que, no interregno mencionado, a parte não tinha interesse em ingressar com a segunda ação pauliana.
RECURSO ESPECIAL NQ 130.351 - MT (Registro nQ 97.0030689-5)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: José Jacinto Costa e cônjuge Recorrido: Banco Bradesco S/A Advogados: Ivaldir Paulo Muhl e outro, e Rodolfo de Oliveira Martins
e outros
218 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
EMENTA: Arrematação. Preço vil.
É insuficiente o lanço oferecido pelo credor, na segunda praça sem licitantes, inferior a 60% do valor do bem e, na mesma proporção, insuficiente para quitação da dívida principal e seus acessórios.
Recurso conhecido em parte e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, darlhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 13 de outubro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: José Jacinto Costa e sua esposa Maria Izabel Marangoni Costa ofereceram embargos à arrematação contra o Banco Bradesco, aduzindo que a execução é nula por falta de título executivo, ausência de intimação da praça, falsidade das certidões do Oficial de Justiça, ví-
cios do edital de praça e arrematação do bem pelo credor por preço vil.
A sentença julgou improcedentes os embargos, daí apelação.
A ego 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
"Apelação cível- Cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias - Conta gráfica-Apresentação - Requisito não essencial -Execução cabível - Praça dos bens - Intimação válida - Vícios do edital- Inocorrentes - Alienação - Preço vil - Não caracterização - Recurso improvido.
Cabível é a execução proposta com base em cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias formalmente perfeitas, não sendo requisito essencial a apresentação da conta gráfica.
Não configura alienação por preço vil a venda judicial de bem em segunda praça, cujo valor de arrematação corresponde a mais de 58% (cinqüenta e oito por cento) do valor atualizado da avaliação, sendo satisfeito aproximadamente 75% (setenta e cinco por cento) do débito." (FI. 116)
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 219
José Jacinto e sua esposa interpuseram, tempestivamente, recurso especial, com base em ambas as alíneas do artigo 105, IIl, da CF/88 e art. 541 do CPC, alegando afronta aos artigos 4º, do Decreto-Lei nº 167/67; 586, 615, IV, 618, I, 400 e 686, estes do Código de Processo Civil. Pretendem seja declarada a nulidade da arrematação, em decorrência da inexistência de certeza e liquidez das cédulas rurais; contratadas para liberação parcelada, o credor não apresentou os comprovantes de liberação e de utilização do financiamento, tornando impossível a verificação da existência da dívida, bem como de sua liquidez. Sustentam, ainda: 1) nulidade do processo, por cerceamento de defesa, impedidos que foram de fazer a prova sobre a nulidade da intimação; 2) a ausência de intimação da praça; 3) os vícios do edital, que não individualizaram suficientemente o imóvel; 4) o preço vil da arrematação, pois os bens foram avaliados em R$ 231.392,00 (duzentos e trinta e um mil, trezentos e noventa e dois reais), porém arrematados por apenas R$ 138.000,00 (cento e trinta e oito mil reais), locupletando-se o apelado às custas dos apelantes.
O Banco Bradesco apresentou suas contra-razões, vindo o recurso a ser admitido pela alínea a, quanto ao tema do preço vil.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Os recor-
rentes não têm razão quanto ao cerceamento de defesa (matéria que não foi objeto de prévio questionamento), à alegada falta de título executivo (tema precluso), à falta da intimação (ato certificado nos autos, "além de o próprio apelante aduzir na inicial que tomou ciência da praça através do Oficial de Justiça" (acórdão, fl. 114», e quanto aos defeitos na publicação do edital, que inexistiram, pois houve suficiente descrição do imóvel.
2. Porém, sua irresignação procede quando alegam ofensa ao art. 692 do CPC, por ter sido o imóvel arrematado por preço vil.
O valor atualizado do débito dos recorrentes era de R$ 185.973,00, a ser acrescido da multa de 10% e dos honorários advocatícios. Os bens penhorados foram avaliados em R$ 237.047,00, suficientes para o pagamento do principal e dos acessórios. O credor, porém, que preferiu não exercer o seu direito de adjudicar, - quando então deveria oferecer preço não inferior ao que constou do edital (art. 714 do CPC), -compareceu à segunda praça e, sem outros licitantes, ofereceu o lance de R$ 138.000,00. Esse preço significou menos de 60% do valor do imóvel e insuficiente, na mesma proporção, para o pagamento da dívida.
O conceito de preço vil tem recebido contéudo diverso da doutrina e da jurisprudência. A própria lei da execução fiscal já o definiu como sendo o inferior a 60% do valor real (art. 37 do DL 960/38): "Art. 37-A Fazenda poderá requerer a adjudicação dos bens levados à praça, após
220 R Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
o último pregão, caso não encontrem licitantes. A adjudicação será feita pelo preço do maior lance, ou pelo da avaliação, com o abatimento de 40%, quando, na segunda praça, não tiver havido licitantes."
O art. 692 do CPC, com a antiga redação, referia-se ao lanço insuficiente para satisfazer parte razoável do crédito, mas a jurispudência reconhecia que, embora satisfazendo o crédito, continuava sendo vil o lance que representava desproporção entre o valor de mercado do bem e o da arrematação:
"Ação de anulação de praça e arrematação. Preço vil. Artigo 692, in fine, do Código de Processo Civil.
Alegação de irregularidades formais e de alienação do imóvel a preço vil, embora bastante para o pagamento da totalidade da dívida, restando sobra. Bem avaliado por CR$ 300.000,00 e arrematado em segunda praça por CR$ 120.000,00, sendo a dívida de CR$ 31.928,28.
Nos casos de praça não exitosa, sem que tenham comparecido lançadores, deve ser lavrado o respectivo termo, na mesma data; e assim também se houver arrematante, pois o auto somente será lavrado decorridas 24 horas, e cumpre de logo documentar a oferta.
Alienação a 'preço vil'. Artigo 692, in fine, do CPC.
O conceito de 'preço vil' não decorre apenas da comparação en-
tre o preço ofertado e o valor da dívida a ser satisfeita, mas igualmente cumpre confrontar a oferta com o valor real do bem, assim evitando sofra o executado prejuízo vultoso e desproporcional. A prestação jurisdicional é instrumento de justiça, mas não de justiça cega, propiciadora de iniqüidade.
Recurso especial conhecido pela alínea c, mas provido." (REsp 11:535-RS, 4ª Turma, reI. em. Min. Athos Carneiro, DJ 03/02/ 92)
"Processual. Execução fiscal (Lei 6.830/80 - art. 22). Arrematação. Leilão. Preço mínimo. Dupla licitação. CPC (arts. 686 e 692). Aplicação supletiva. Preço vil. Conceito. .
I - O art. 22 da Lei n Q 6.830/ 80, por não regular completamente a arrematação, reclama aplicação supletiva dos preceitos que disciplinam a espécie, no Código de Processo Civil.
II - Na execução fiscal aplica-se o preceito contido no art. 686, VI do Código de Processo Civil, a exigir duas licitações, quando não atingido no primeiro leilão, o lanço mínimo fixado no edital.
III - O conceito de preço vil resulta da comparação entre o valor de mercado do bem penhorado e aquele da arrematação.
IV - É incorreto afirmar que determinada arrematação deixou de ser vil, apenas porque o lance vitorioso cobriu noventa por cen-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 221
to do crédito em execução." (REsp 57.095-SP, 1 ª Turma, reI. em. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15/05/95)
A doutrina refere-se a diferença aproximada de 50% entre o valor e o preço:
"A questão do preço vil, que a jurisprudência considera se não alcança metade da avaliação ... " (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, CPC Comentado, 2ª ed., pág. 1.076)
Também considero a lição do Prof. Humberto Theodoro Júnior:
"Por preço vil simplesmente deve ter-se aquele que se situa muito aquém do valor de mercado do bem praceado. Muitos arestos classificam, por exemplo, como vil o lance que não vai além de 50% ou 60% da avaliação. Trata-se de um dado fático, que haverá de ser analisado, caso a caso, pelo juiz da execução, segundo seu prudente arbítrio." (Processo de Execução, 18ª edição, pág. 380)
Neste Superior Tribunal de Justiça já ficou decidido:
"Processual Civil. Arrematação por preço vil. Embargos à arrematação.
I - Preço vil, segundo entendimentó acolhido pela jurisprudência do STJ, é aquele muito
abaixo do valor real do bem, sendo certo ainda que a discussão em torno do tema não cabe em embargos à arrematação por extravasar os lindes do artigo 746 do estatuto processual.
II - Recurso não conhecido" (REsp 38.905-MG, 3ª Turma, reI. em. Min. Waldemar Zveiter, DJ 07/02/94) .
"Arrematação. Preço vil.
A circunstância de o preço ser vil há de aferir-se tendo em vista o valor do bem e não o montante da dívida. Não revela, assim, que a importância que se obteria com a alienação pudesse bastar para o pagamento do débito, a cuja cobrança se dirige a execução.
A recusa do preço vil independe de manifestação daquele, cujo bem foi levado a praça ou leilão." (REsp 109.753-SP, 3ª Turma, reI. em. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 22/ 04/97)
3. No caso dos autos, o credor se utilizou dá oportunidade da segunda praça sem licitação para oferecer lanço equivalente, aproximadamente a 50% do valor do imóvel, correspondente na mesma proporção ao valor da dívida. Com isso, usou da execução para se beneficiar em detrimento do devedor, pois adquire a propriedade de imóvel cujo valor aceito nos autos é praticamente igual ao dobro daquele oferecido, quando sabidamente o bem era suficiente para quitar a dívida principal e seus acessórios.
222 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
A autorização contida no art. 690, CPC, também referida ao credor, que poderá comparecer e oferecer lanço, não pode ser usada para prejudicar o devedor e torná-la mais gravosa (art. 620). Se a lei permite ao exeqüente adjudicar o bem, por preço não inferior ao que consta do edital (art. 714), não parece adequado possa ele, antes de finda a segunda praça, oferecer lance por preço muito inferior. Se no lance do credor (art. 690) não há o mesmo piso do art. 714, não pode ser dispensada criteriosa aplicação do art. 692, que proíbe o preço vil.
4. Posto isso, conheço do recurso, pela alínea a, por ofensa ao art. 692 do CPC, e lhe dou provimento, para anular a arrematação onde foi oferecido preço vil.
É o voto.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: A legislação em vigor permite, nos termos
do art. 690, § 2Q, que o credor não seja obrigado a utilizar-se do instituto da adjudicação e concorra na segunda hasta pública como se lançador fosse, situação na qual não tem que observar o limite estabelecido pela avaliaçi'ío.
Fixado esse entendimento, nos termos da legislação vigente, acompanho o Sr. Ministro-Relator, porque S. Exa., sem fugir a essa orientação da lei, no caso concreto conhece do recurso e lhe dá provimento sob outro fundamento, não com suporte no art. 690, mas, sim, com arrimo no art. 692, que trata do preço vil, trazendo em sua fundamentação considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Srs. Ministros, também acompanho o voto do eminente Ministro-Relator, considerando vil o preço ofertado, até porque ele poderia ter oferecido uma quantia compatível com o crédito e não o fez.
RECURSO ESPECIAL NQ 137.285 - PB
(Registro n Q 97.0042970-9)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Civeste Indústria de Roupas do Nordeste Ltda.
Recorrido: Banco do Brasil S/A
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 223
Advogados: Drs. Roberto Fernando Vasconcelos Alves, e Pedro A. B. de Oliveira e outros
Sustentação Oral: Dr. Pedro Afonso Bezerra de Oliveira, pelo recorrido
EMENTA: Honorários de advogado. Embargos à adjudicação. Ausência de culpa por parte do embargado. Teoria da causalidade.
- Os honorários de advogado são devidos quando a atuação do litigante exigir, para a parte adversa, providência em defesa de seus interesses.
- A ausência de culpa do sucumbente causador da instauração do processo não interfere na sua responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e darlhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presentejulgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 09 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Civeste - Indústria
de Roupas do Nordeste Ltda. e outros opuseram embargos à adjudicação na execução fundada em cédula de crédito industrial que lhes move o Banco do Brasil SI A.
O MM. Juiz de Direito julgou procedentes os embargos, para "anular os atos processuais praticados no procedimento originário supracitado, a partir da arrematação de bens, inclusive, para que, assim decidido, seja designada nova data para realização de praça ou leilão, com observância das formalidade legais, condenando o embargado-exeqüente, ao pagamento de honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor da avaliação dos bens quando levados a hasta pública".
A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, por unanimidade, deu provimento parcial ao apelo do banco-embargado, em acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:
224 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
"Execução. Embargos à adjudicação. Nulidade. Não realização da praça por falta de publicação do edital. Acolhimento dos embargos. Apelação. Provimento em parte, para excluir a verba honorária.
Nula é a praça realizada com postergação às disposições do art. 687 do CPC, mantendo-se a sentença que assim a considerou, excluindo-se, porém, a condenação em honorários, por não ter a parte exeqüente culpa no evento."
Acolhidos parcialmente os declaratórios, os embargantes manifestaram o presente recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando violação do art. 20 do CPC e dissenso interpretativo com julgado desta Corte. Sustentaram, -em síntese, que cabe ao vencido responder pelos ônus da sucumbência independentemente de ter agido ou não com culpa.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido pela alínea a subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Acha-se presente o requisito do prequestionamento, pois a matéria concernente aos honorários de advogado foi objeto de expressa decisão pelo Tribunal de origem.
2. A sentença impôs ao banco embargado os ônus da sucumbência diante da circunstância objetiva da derrota experimentada na solução da lide. Na motivação do decisório, o dr. Juiz de Direito <aludiu à certidão lavrada pela Escrivã no sentido de que a primeira praça deixara de realizar-se pelo fato de o exeqüente não haver diligenciado a publicação dos respectivos editais. Acentuou o Magistrado, em seguida, que no dia seguinte à data designada para a referida primeira praça, o banco credor pediu a juntada das cópias dos editais, de modo a evidenciar terem sido cumpridas as exigências legais. Todavia, o mesmo sentenciante considerou ter sido irregular a realização do ato, ao reverso do que admitido pelo Juiz que então presidia a execução, à falta da necessária publicidade.
J á o Tribunal de Justiça, embora mantendo a anulação dos atos processuais praticados por ausência da publicação do edital, houve por bem, de outra parte, exonerar o bancoembargade do pagamento da verba honorária, sob o fundamento de que não se houvera ele com culpa no evento.
Assim firmada a base empírica da presente controvérsia, tem-se que, ao eximir o credor-exeqüente do pagamento dos honorários advocatícios, o Acórdão recorrido realmente vulnerou o disposto no art. 20 do CPC.
Conforme demonstra Yussef Said Cahali, em sua conhecida e admirada obra "Honorários Advocatícios", o princípio da sucumbência
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 225
não exaure por si só a problemática da responsabilidade pelos encargos do processo; daí a inserção no sistema, como fundamental, do princípio da causalidade, "do qual a sucumbência apresenta-se apenas como um elemento revelador, talvez o seu mais expressivo indício" (pág. 51, 3ª ed., revista e atualizada).
Na espécie em apreciação, somente o fato objetivo da derrota não justificaria a atribuição dos ônus sucumbenciais ao embargado, uma vez que o V. Acórdão foi explícito ao asseverar que a não-realização da praça não se dera por culpa do banco, mas sim do Cartório, que negligenciou quanto aos atos preparatórios para a sua efetivação (fls. 64).
Entretanto, pelo princípio da causalidade, mais abrangente, claro está que no caso em tela o exeqüente deve sim solver a honorária em favor dos embargantes - ora recorrentes. É que, em última análise, fora o banco credor quem dera causa, dera origem, à apresentação dos embargos à adjudicação pelos devedores. Basta que se atente para o seu procedimento havido nos autos da execução. A primeira praça não se efetivara em face da não publicação dos editais. A despeito disso, o banco exeqüente, exibindo o exemplar da publicação pela imprensa, conseguiu obter do Juiz de Direito o prosseguimento do feito, com a realização da segunda praça. Não tendo havido licitantes nesta última, terminou ele por requerer a adjudicação dos bens penhorados.
Quer dizer, tendo ocorrido irregularidade na efetivação da primei-
ra praça, que acabou sendo proclamada pela sentença dos embargos à adjudicação, quem lha deu causa foi o banco ora recorrido, de início porque não exibiu a tempo os respectivos editais e depois porque deu andamento ao processo de execução, requerendo e obtendo afinal a adjudicação dos bens.
Segundo ajurisprudência, os honorários de advogado são devidos sempre que a atuação do litigante exigir, para a parte adversa, providência em defesa de seus interesses (Acórdão da 8ª Câmara do 2º TAC, in obra citada, pág. 53). In casu, conforme acima assinalado, foi o comportamento da instituição financeira quem provocou ensejo à propositura pelos devedores dos presentes embargos à adjudicação.
Por derradeiro, consoante ainda observa o Desembargador Yussef Said Cahali, seja em face do princípio da causalidade, seja em razão da regra da sucumbência, "a pretensa ausência de culpa do sucumbente causador da instauração do processo não interfere, de qualquer modo, na sua responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios devidos à parte contrária" (ob. citada, pág. 60).
Respaldada acha-se, outrossim, a teoria da causalidade pelajurisprudência desta Corte (cfr. REsp's n!!ll 7.570-PR, 39.462-7/SP, ambos relatados pelo Sr. Ministro Eduardo Ribeiro).
3. Apenas não logra aperfeiçoar-se aqui o conflito de julgados, eis que os recorrentes não cuida-
226 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
ram de proceder à demonstração analítica da divergência, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas (art. 541, parágrafo único, do CPC; art. 255, § 2º, do RISTJ).
4. Do quanto foi exposto, conheço do recurso pela alínea a do permissor constitucional e dou-lhe provimento, a fim de restabelecer a sentença no alusivo à condenação da verba advocatícia.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 143.553 - RJ
(Registro nº 97.0056130-5)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrentes: Jornal do Brasil S/A e outros
Recorrido: José Maria de Mello Porto
Advogados: Drs. Francisco de Almeida e Silva e outros, e Eduardo Antônio de Albuquerque Coelho e outros
EMENTA: Processual Civil. Impugnação ao valor da causa. Reparação de danos moral e material. Valor econômico previamente estabelecido pelo autor na inicial. Artigo 259 do Código de Processo Civil.
O valor da causa, em ação de reparação de danos morais, é o da condenação postulada se esta já foi de antemão economicamente mensurada pelo autor na inicial.
Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso, e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, vencido o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Votaram com o
Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 20-04-98.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 227
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Os recorrentes ofereceram, nos autos de ação de reparação por danos morais, impugnação ao valor da causa que teria sido estipulado pelo autor, ora recorrido, em R$ 1.000,00 (hum mil reais), a despeito do seu pedido indenizatório ser equivalente a 200 vezes a sua remuneração bruta, por cada um dos 13 réus.
Acolhida em primeiro grau, o autor agravou, com sucesso, conforme dá conta o r. aresto hostilizado, que se segue:
"Trata-se de agravo contra a decisão (fls. 16/17), que em ação ordinária de indenização de dano moral acolheu a impugnação ao valor da causa, por ser o pedido determinável, fixando o valor da demanda de acordo com ele, ou seja, de duzentas vezes a remuneração bruta do autor, que sustenta ser o valor da causa meramente estimativo, devendo ser aplicado à hipótese o art. 258 do C.P.C.
Contraminutado o recurso, a decisão foi mantida. É o relatório.
Trata-se de ação, pleiteando a reparação por dano moral, constante do pedido, através de uma avaliação meramente subjetiva, que será examinada pelo Juiz que, na espécie, tem um vasto campo de prudente arbítrio.
O valor, se for o caso, poderá, sem dúvida, ser completado em execução.
À hipótese não se aplicam, em decorrência, os artigos 259 e 260 do CPC, mas o art. 258, como, aliás, decidiu a Egrégia 5ª Câmara no Agravo de Instrumento n Q
4/95." (fls. 117).
Daí o recurso especial em exame com base nas letras a e c do permissor constitucional por sugerida divergência com os julgados que indica e por alegada violação ao art. 259 do Código de Processo Civil.
Devidamente respondido, o recurso foi inadmitido na origem, tendo o seu andamento desembaraçado pelo provimento que dei ao agravo de instrumento.
Recebi o processo no dia 28 de agosto do corrente ano de 1997, sendo indicado para pauta no dia 17 de novembro.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): Os recorrente's ofereceram, nos autos de ação de reparação por danos morais, impugnação ao valor da causa que teria sido estipulado pelo autor, ora recorrido, em R$ 1.000,00 (hum mil reais), a despeito do seu pedido indenizatório ser equivalente a 200 vezes a sua remuneração bruta, por cada um dos 13 réus.
Acolhida em primeiro grau, o autor agravou, com sucesso, conforme dá conta o r. aresto hostilizado, que se segue:
228 R: Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
"Trata-se de agravo contra a decisão (fls. 16/17), que em ação ordinária de indenização de dano moral acolheu a impugnação ao valor da causa, por ser o pedido determinável, fixando o valor da demanda de acordo com ele, ou seja, de duzentas vezes a remuneração bruta do autor, que sustenta ser o valor da causa meramente estimativo, devendo ser aplicado à hipótese o art. 258 do C.P.C.
Contraminutado o recurso, a decisão foi mantida. É o Relatório.
Trata-se de ação, pleiteando a reparação por dano moral, constante do pedido, através de uma avaliação meramente subjetiva, que será examinada pelo Juiz que, na espécie, tem um vasto campo de prudente arbítrio.
O valor, se for o caso, poderá, sem dúvida, ser completado em execução.
À hipótese não se aplicam, em decorrência, os artigos 259 e 260 do CPC, mas o art. 258, como, aliás, decidiu a Egrégia 52 Câmara no Agravo de Instrumento n Q
4/95." (fls. 117).
Sustentam os recorrentes contrariedade ao artigo 259, inciso lI, do Código de Processo Civil, que dispõe:
"Art. 259. O valor da causa constará sempre da inicial e será:
II - havendo cumulaçâo de pedidos, a quantia corresponden-
te à soma dos valores de todos eles;"
O pedido inicial do recorrido está assim vazado, no que interessa:
" ... devendo, a final, ser julgada procedente com a condenação dos mesmos, ao pagamento da indenização, por réu, a ser arbitrada por V. Exa., em valor proporcional a 200' (duzentas) remunerações brutas do autor, como Presidente do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 12 Região, vigente à época da satisfação do débito ... ". (fls. 57).
Não há dúvida de que o valor atribuído à causa, nesses casos, é meramente estimativo porquanto, se - na visão do autor - a reparação dos danos só será completa se for no quantum indicado na inicial, na percepção do Juiz, ao apreciar os fatos da causa, um outro tanto poderá ser alcançado.
Ademais, o art. 286 do Código de Processo Civil possibilita a quem ingressa com ação, a formular também pedido genérico em que o gênero do pedido é determinado, mas a quantidade é indeterminada no momento da propositura da ação.
No entanto, no caso, o autor preferiu fazer um pedido certo e determinado, entendendo-se por certo o pedido expresso e por determinado o pedido definido, delimitado, demarcado em sua qualidade e quantidade, na lição de Amaral Santos.
Ora, o inciso lI, do art. 259 do Código de Processo Civil, estabelece
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro\1998. 229
que o valor da causa constará sempre da inicial e que será, havendo cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles.
Abro um parêntese para observar que, no caso, ao acolher a impugnação, o juiz estipulou o valor da causa no valor correspondente à postulada condenação apenas de um réu, por isso que a mais não se pode cogitar neste recurso.
Retomando, afirmo que na hipótese, o autor, que poderia fazer pedido genérico, preferiu já quantificar os valores dos danos morais, conforme acima assinalado.
Sendo assim, não poderia atribuir à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00.
Se o valor dos danos não tivesse sido indicado, aí sim, o valor da causa poderia ser meramente estimativo, e seja qual fosse o indicado, esse seria provisório, podendo ser alterado posteriormente, se a importância apurada fosse maior.
Mas não é esse o caso dos autos.
Por oportuno, colho as seguintes passagens do judicioso voto vencido do eminente Desembargador Wilson Marques:
"Não colhe o argumento, freqüentemente utilizado na sustentação de entendimento diverso, de que, não se sabendo, ao certo, qual será o valor da indenização que o juiz fixará na sentença, deve prevalecer a estimativa feita pelo autor na inicial.
o valor da causa não se confunde com o valor da condenação.
Por amor à coerência, os partidários do entendimento oposto deveriam sustentar a tese de que, no caso de improcedência do pedido, o juiz deve reduzir o valor da causa a zero." (fls. 119).
Destarte, o valor da causa, na hipótese, deve ser mesmo a importância perseguida e express.amente indicada pelo recorrido.
Nesse sentido cito o seguinte precedente:
"Valor da causa. Pedidos de condenação de quantias certas e determinadas.
O valor da causa deve corresponder à importância perseguida, devidamente atualizada à data do ajuizamento da ação.
Recurso especial não conhecido." (REsp n. 37.844-SP, relator o eminente Ministro Barros Monteiro, DJ de 29.11.93).
E este outro (REsp nº 142.304/ PB), recentemente julgado, também desta Quarta Turma, de minha relatoria:
"Processual Civil. Impugnação ao valor da causa. Pedidos cumulados. Reparação de danos moral e material. Soma dos valores postulados na inicial. Artigo 259 do Código de Processo Civil.
Cumulando a ação dois pedidos, ambos de antemão mensura-
230 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
dos economicamente pelo autor na inicial, a soma dos dois deve ser o valor da causa.
Recurso provido".
Pelo exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas e lhe dou provimento, restabelecendo a r. decisão monocrática de fls. 16/17.
RECURSO ESPECIAL NQ 145.345 - SP
(Registro n Q 97.0059730-0)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Hélio Trevisan Júnior
Recorrido: Attilio Guilherme Faoro
Interessado: Bamerindus Companhia de Seguros
Advogados: Drs. Paulo Sérgio Basílio e outro, Gerson Shiguemori e outro, e José Walter de Sousa Filho
EMENTA: Seguro. Responsabilidade civil. Denunciação da lide à seguradora. Correção monetária. Termo inicial.
Tendo a correção monetária a finalidade de garantir ao segurado o recebimento de indenização pelo seu valor monetário real, cabe à seguradora-denunciada reembolsar o segurado-denunciante sob o mesmo critério de atualização com que este fo'i responsabilizado (correção monetária a contar da data de elaboração do orçamento).
Recurso especial conhecido e provido parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e darlhe provimento parcial, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente
julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 25 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 09-03-98.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 231
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: O MM. Juiz de Direito da lO!! Vara Cível de São Paulo julgou procedente a ação de reparação de danos ajuizada por Atílio Guilherme Faoro contra Hélio Trevisan Júnior, condenando o réu ao pagamento de Cr$ 20.480.000,00, com correção monetária a partir da data da lavratura do orçamento. Outrossim, julgou procedente a denunciação da lide, condenando a denunciada, "Bamerindus Companhia de Seguros", a reembolsar as despesas pagas pelo réu-denunciante ao autor, respeitando o limite de CR$ 109.942,74, com correção monetária a partir da denunciação.
O Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo negou provimento aos apelos do réu e da denunciada.
Recebidos os embargos declaratórios apenas para negar o pedido de majoração da verba honorária na denunciação da lide, o réu-denunciante manifestou o presente recurso especial com arrimo nas alíneas a e c do permissor constitucional, alegando violação do art. 1 º da Lei 5.488/68, além de dissenso pretoriano com julgados desta Corte e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Sustentou que, sob pena de enriquecimento ilícito da denunciada - com a qual firmou contrato de seguro que prevê o reembolso do pagamento feito a terceiros em virtude de condenação judicial -, deverá haver a atualização do valor da apólice desde a data do aviso do si-
nistro ou, pelo menos, reembolso em valor igual ao que for pago ao autor.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido pela letra c.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): Há realmente um descompasso entre o que o ora recorrente está condenado a solver (correção monetária a partir da data de elaboração do orçamento) e o que a seguradora-denunciada deverá reembolsar-lhe (correção monetária a contar da denunciação da lide).
O critério adotado pelas instâncias ordinárias (atualização monetária a partir da denunciação) não se compadece, porém, com o estatuído no art. 1 º e §§ da Lei nº 5.488, de 27.08.68. A referida preceituação reza que, não paga a indenização nos prazos fixados pelo Conselho Nacional de Seguros, a partir de então será devida a correção monetária pela seguradora. O escopo do legislador aí é o de garantir ao segurado o recebimento de uma indenização real, conforme, aliás, deixou proclamado esta Eg. Turma quando do julgamento do REsp nº 3.705-MG, relator o Sr. Ministro Athos Carneiro. Eis a ementa do referido aresto:
"Seguro de responsabilidade civil. Correção monetária. Aplicação da Lei n Q 5.488/68.
A companhia seguradora, em seguro facultativo de responsabi-
232 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
lidade civil de proprietário de veículo automotor, citada por seu segurado mediante denunciação da lide, e judicialmente condenada ao reembolso, é obrigada a satisfazer tal reembolso tendo em vista valores monetários reais. Assim, o valor-limite da apólice de seguro, fixada ao tempo da emissão, deve ser considerado com a atualização decorrente da desvalorização da moeda, e feito o pagamento nos exatos termos da Lei n. 5.488/68.
Quem recebeu prêmio, em 1985, relativo a uma indenização limite de Cr$ 6.200.000,00 de então, não pode pretender que, hoje, ao tempo do pagamento, o valor do seguro tenha o limite de Cr$ 6,20 agora.
Imperativos econômicos, jurídicos e éticos a preservar.
Recurso especial conhecido e provido".
Nessas condições, o decisório ora hostilizado não somente negou aplicação ao indigitado art. 1 º e §§ da Lei nº 5.488/68, como ainda discrepou dos julgados paradigmas trazidos à colação pelo recorrente, um oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, outro desta Casa (o REsp nº 3. 705-MG, acima aludido).
Só que o critério a prevalecer não pode ser o primeiro propugnado pelo recorrente (a data de aviso do sinistro) e, sim, o segundo (igual modo pelo qual fora condenado a compor a indenização em favor do autor). Primeiro, porque é claro o art. 70, inc. IIl, do CPC, ao estabelecer a denunciação da lide "àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regres'siva, o prejuízo do que perder a demanda". Responsável que é o réudenunciante pela atualização do importe condenatório a partir da data de feitura do orçamento, igual critério aplica-se à seguradora-denunciada, sistemática esta por sinal acolhida pelo precedente provindo do Tribunal de Justiça catarinense e que foi invocado pelo recorrente para demonstrar o dissenso jurisprudencial.
Ante o exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor constitucional e dou-lhe provimento parcial, a fim de determinár que o reembolso a ser procedido pela seguradora-denunciada se faça pelo mesmo critério de correção imposto ao réu denunciante, ou seja, a partir da data de lavratura do orçamento.
É como voto.
R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 233
RECURSO ESPECIAL Nº 148.288 - RS
(Registro nº 97.0065114-2)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Banco do Brasil S/A
Recorridos: Comercial de Sementes Helimar Ltda. e outros
Advogados: Leonidas Cabral de Albuquerque e outros, e Euclecio Nicolau Seibel e outros
EMENTA: Crédito rural. Juros. Limite. Autorização do CMN.
Para a cobrança de juros acima da taxa prevista na Lei de U sura, a instituição financeira deve estar autorizada pelo CMN. Precedentes.
Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 10 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: A sentença julgou par-
cialmente procedentes os embargos opostos por Comercial de Sementes Helimar Ltda. e outros à execução que lhes move o Banco do Brasil S/A, com base em dívida decorrente de financiamento agrícola.
As partes apelaram e a ego 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, por votação unânime, negou provimento ao recurso dos embargantes e, por maioria, deu provimento ao recurso do banco, em acórdão assim ementado:
"Crédito Rural. Quando pactuados juros remuneratórios inferiores a 12% ao ano, desnecessário enfrentamento da questão relativa à limitação dita insculpida no art. 192, § 3º, da CF. Não podem elevar-se por inadimplência. Devida correção monetária. Índice incidente no caso. Apelo parcialmente provido." (FI. 224)
234 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Contra a parte unânime do julgado, o credor ingressou com recurso especial, por ofensa ao disposto na Lei 4.595/64 e no art. 5Q
, par. único do DL 167/67, além de divergência com a Súmula 596. Entende cabível a elevação da taxa de juros moratórios além de 1% a.a., e bem assim a capitalização mensal.
O banco ainda opôs embargos infringentes, acolhidos em parte pelo ego 1 Q Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul:
"Crédito agrícola. Juros. Limitação constitucional (art. 192, § 3 Q da Constituição Federal). Capitalização mensal.
A disposição constitucional limitativa dos juros não é autoaplicável, carecendo de regulamentação legislativa. Todavia, a prática de taxas de juros superiores às legais, sej a pelo período normal do contrato, seja pela inadim plência, condicionando-se à autorização do Conselho Monetário Nacional.
O Decreto-Lei n Q 167/67, em seu art. 5Q
, admite forma diversa da capitalização semestral de juros, desde que pactuada entre as partes.
Embargos providos parcialmente." (FI. 263)
Rejeitados os embargos de declaração, o banco ingressou com o segundo recurso especial, por ambas as alíneas, por afronta aos artigos 128, 264, 130, 131, 333, 336, 330, inciso I, do CPC; 4Q
, incisos VI, VII,
VIII e IX, da Lei n Q 4.595/64; 1.262 do CC; à Circular 1.311/88 e às Resoluções 1.064/85 e 1.131 do Bacen, em razão da exigência de prova da autorização do CMN para a cobrança da taxa de juros remúneratórios superior a 12% ao ano. Sustenta dissídio jurisprudencial (fls. 302/ 312).
Sem contra-razões, o Tribunal de origem negou seguimento ao primeiro recurso especial e admitiu o segundo por ambas as alíneas, subindo os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A alegação de nulidade do acórdão, por exigir prova de autorização do CMN para a cobrança de juros além do limite permitido na lei, não tem sido acolhida nesta 4ª Turma, como se pode ver dos precedentes:
"A exigência de prévia autorização do Conselho Monetário N acionaI para que a instituição financeira venha a operar com taxas de juros livremente pactuadas não importa em ofensa ao art. 128 do CPC." (REsp 84.815/RS, reI. em. Min. Barros Monteiro)
"A simples circunstância de o Tribunal ter exigido prova de determinado fato ao examinar a apelação, o que não havia sido cogitado anteriormente no processo, não leva a uma afronta ao devido processo legal consubstan-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 235
dada na violação dos vários dispositivos legais suscitados. Não houve inovação na apelação, mas tão-só expressão do princípio do livre convencimento do juiz insculpido no art. 130 do CPC." (REsp 97.423/RS, reI. em. Min. Sálvio de Figueiredo).
Embora tenha votado diferentemente, estou aderindo à corrente majoritária, pelos fundamentos aduzidos em outro recurso:
"O juiz do recurso, ao apreciar a pretensão do apelante, pode concordar com ela, em princípio, se atendidos pressupostos, condições ou limitações. Presentes tais requisitos, o pleito poderá ser acolhido. Se o tribunal entender que a tese sustentada pelo recorrente somente pode ser aceita na presença de certo fator, e este inexistindo, o resultado será o improvimento do apelo pelos fundamentos que decorrem necessariamente do exame do recurso, ainda que implique a aceitação de argumento novo, pois o juízo da apelação não está limitado a somente examinar os argumentos apresentados pelas partes. Além disso, o Tribunal que entende indispensável certo requisito não está constrangido a deferir o pedido na ausência desse pressuposto, apenas porque não mencionado antes. A limitação do segundo grau é às questões suscitadas e discutidas nos autos, não aos argumentos apresentados pelas partes. Assim, se o tribunal aceitar que a parte tem, em tese, o di-
reito alegado, poderá improver o recurso por um argumento ainda não formulado, considerado indispensável para o seu reconhecimento, como, por exemplo, a falta de prova.
No caso dos autos, o Tribunal a quo anuiu com a possibilidade de os estabelecimentos bancários cobrarem juros acima do permitido no Dec. 22.626/33, artigo 1 Q, por força do estatuído na Lei 4.595/64, que autoriza o CMN a fixar as taxas de juros a serem praticadas pelas instituições financeiras, mas considerou, interpretando a lei e nela buscando fundamento para a sua decisão, que essa estipulação somente poderá ser feita quando houver tal autorização. Inexistindo o pressuposto, não há como aplicar a norma que permite outras taxas de juros que não aquelas do decreto. A questão é a mesma, já suscitada e discutida nos autos, mas o deferimento da pretensão do recorrente, nos termos da lei, estava vedado por falta do que se entendeu ser um requisito. Inexiste aí ofensa às regras sobre o âmbito dos recursos e atuação do julgador, nem às normas sobre prova, pois à parte cabia trazer a documentação onde fundava o seu direito."
2. A cobrança de juros acima do limite legal, que predominantemente se entende possível depois da edição da Lei 4.595/64, da qual é fruto a Súmula 596/STF, ainda em vigor, está evidentemente condicionada à
236 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
existência da autorização do Conselho Monetário Nacional pois é com base no art. 42, inciso IX daquele diploma que o CMN pode "limitar as taxas de juros, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias."
O Eg. Supremo Tribunal Federal, no RE 83.466/SP, assim decidiu:
"A cobrança de taxas que excedam o previsto no Dec. 26.626/ 33, desde que autorizada pelo Banco Central, não é ilegal, sujeitando-se os seus percentuais unicamente aos limites fixados pelo Conselho Monetário N acionaI e não os estipulados na Lei de Usura" (RTJ 79/620).
Impende, portanto, que haja autorização da autoridade financeira, não propriamente do Banco Central, mas do Conselho Monetário N acionaI, como definido na Lei 4.595/64, para que possa a instituição financeira estipular cláusula de juros acima do previsto na legislação ordinária. Tal exigência está repetida no Dec.-Lei 167/67, - aplicável ao caso, pois se trata de crédito rural, - cujo art. 52 reza:
"As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário fixar".
Essa a orientação que foi seguida nesta 4ª Turma, no REsp 84.815/ RS, da relatoria do em. Min. Bar-
ros Monteiro, na sessão de 6 de agosto do corrente ano:
"Há dificuldades para compreender-se a fundamentação expendida no recurso especial interposto, de forma a ter-se até mesmo como invocável aqui o teor da Sumula n2 284 do Pretória Excelso. É que sustenta o banco credor ser prescindível a autorização referida do Conselho Monetário Nacional para operar com taxas acima do teto legal, mas, contraditoriamente, invoca ele o preceituado no art. 42, inc. IX, da Lei n2 4.595/64, que às expressas outorga poderes ao supramencionado órgão federal para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros. Saliente-se, ademais, que um dos arestos paradigmas invocados pelo estabelecimento bancário (RTJ 79/620-621) reporta-se de maneira explícita à sujeição da cobrança da taxa de juros aos percentuais fixados pelo mesmo Conselho Monetário N acionaI. Mais que isso, o art. 52, caput, do Dec.-Lei n 2 167/67, reza que as importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar.
De sorte que, além de impreciso o apelo excepcional insurgese contra algo que a lei e a jurisprudência estão a exigir para a cobrança da taxa dejuros: a prévia estipulação pelo Conselho Monetário Nacional."
O mesmo ficou decidido no REsp 95.540/RS, da minha relatoria:
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"Crédito rural. Juros. Limites. Autorização do CMN. Elevação dos juros moratórios.
1. A exigência de autorização do CMN para a cobrança de juros acima da tabela legal não causa ofensa à lei e está de acordo com os precedentes. Art. 4Q
, inc. IX, da Lei 4.595/64, e art. 5Q caput do DL 167/67.
2. Os juros podem ser elevados de apenas mais 1%, em decorrência do inadimplemento. Art. 5Q
,
parágrafo único do DL 167/67.
Recurso não conhecido."
3. Na sessão de 5.5.97, esta 4ª Turma, em acórdão da relatoria do em. Min. Sálvio de Figueiredo, no REsp 111. 160/RS, afirmou que "é defesa a cobrança de juros além de 12% a.a. se não demonstrada, pelo credor, a prévia estipulação pelo CMN das taxas de juros vencíveis para o crédito rural, correspondentes à data da emissão da cédula".
Mais recentemente, a ego 2ª Seção reafirmou esse entendimento. No julgamento do REsp 111.881-SP, da relatoria do em. Min. Menezes Direito, ficou decidido:
"Crédito rural. Limitação da taxa de juros. Correção monetária no mês de março/90. Precedentes da Corte.
1. O Decreto-Lei n Q 167/67, art. 5Q, posterior à Lei n Q 4.595/64 é
específico para as cédulas de crédito rural, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura (Decreto n Q
22.626/33), não alcançando a cédula de crédito rural o entendimento juriSprudencial consolidado na Súmula n Q 596-STF.
2. Os precedentes deste Tribunal afirmam que "em relação ao mês de março de 1990, a dívida resultante de financiamento rural com recursos captados de depósitos em poupança deve ser atualizada segundo o índice de variação do BTNF. Ante o atrelamento contratual, é injustificável aplicar-se o IPC, para a atualização da dívida, se os depósitos em poupança, fonte do financiamento, foram corrigidos por aquele índice", sendo certo que o percentual a ser aplicado é o de 41,28% (RSTJ 79/155).
3. Recurso especial não conhecido."
4. Posto isso, não encontrando violação a dispositivo legal e estando a divergência superada, estou em não conhecer do recurso.
É o voto.
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RECURSO ESPECIAL NQ 153.155 - SP
(Registro nQ 97.0076694-2)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Elza Peloso Castelo e outros
Recorrida: Empresas Reunidas Paulista de Transportes Ltda.
Advogados: José Carlos de Cerqueira, e Antonio Carlos Colo e outros
EMENTA: Responsabilidade civil. Dano moral. Juros. Data inicial. Preponente (juros simples).
1. O deferimento da indenização pelo dano moral sofrido com a morte do marido e pai dos autores independe de prova do efetivo sofrimento, que decorre da natureza das coisas. O decurso de mais de 17 anos entre o fato e o ajuizamento do pedido é fator a ponderar na fixação do quantum indenizatório.
2. Os juros pela mora, em se tratando de ato ilícito absoluto, fluem desde o fato. Pedido fundado no art. 159 do CCivil e não na responsabilidade contratual.
3. A empresa preponente não responde por juros compostos. Ressalva da posição do relator.
Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 10 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro BARROS MONTEIRO, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Elza Peloso Castelo, Débora Aparecida Castelo, Antônio Augusto Castelo e Pedro José Castelo promoveram ação de indenização por ato ilícito contra as Empresas Reunidas Paulista de Transporte Ltda., alegando que são, respec-
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tivamente, esposa e filhos de José Castelo, morto em acidente entre dois ônibus de propriedade da ré, causado por culpa do motorista de um deles, como ficou admitido em sentença penal condenatória.
A sentença julgou "procedente a ação para condenar a ré no pagamento de 120 salários do morto, 30 para cada autor (dano moral), mais uma pensão mensal equivalente a 60% do soldo de um 19 Sargento PM pelo valor que tinha na data do óbito, limitada ao dia em que o morto completasse 65 anos de idade, corrigindo-se o valor da pensão mensalmente pelo mesmo índice de correção· das cadernetas de poupança, com o direito de acrescer inclusive na falta da viúva-autora. Sobre os valores das parcelas vencidas e o da compensação por danos morais incidirão juros de mora a 6% ao ano, desde a citação, cumulados com os juros remuneratórios a 12% ao ano, da data do ajuizamento da ação." Os valores apurados em liquidação constituirão a base do cálculo, acrescido de 12 vezes a pensão mensal, dos honorários dos patronos dos autores, fixados em 15%, que a ré pagará juntamente com as custas e despesas do processo, pela sucumbência. Outrossim, condenou a ré a constituir capital suficiente para produzir rendimento de juros equivalentes ao valor da pensão mensal, bem como facultou a substituição da garantia por fiança bancária.
Opostos embargos de declaração, estes foram acolhidos "para ficar constando que cada um daqueles 120 salários, é o soldo de 19 Sargen-
to PM, na data do óbito, corrigido o valor do soldo pelo mesmo índice de correção das cadernetas de poupança até a data do efetivo pagamento aos autores."
Ré e autores apelaram e a ego 10ª Câmara do 19 Tribunal de Alçada Civil de Estado de São Paulo deu parcial provimento aos recursos, em acórdão assim ementado:
"Responsabilidade Civil-Acidente de Trânsito - Colisão de ônibus em rodovia - Dever de indenizar independentemente da existência de danos materiais -Fixação da pensão de acordo com o salário real da vítima não podendo ser considerado o soldo decorrente de uma graduação póstuma - Direito de acres.cer reconhecido entre os beneficiários - Indevida indenização por dano moral porque na época do evento ainda não havia previsão constitucional- Dano moral não provado ou justificado - Demanda proposta cerca de 17 anos após o evento - Juros de mora a partir da citação face o tempo decorrido para propositura da demando - Atualização monetária resolvida com aplicação da Súmula 490 do STF - Devida pensão correspondente ao 139 Salário -Recursos das partes providos parcialmente.
Honorários Advocatícios - Fixação nos termos do artigo 20, parágrafo 39 - Incidência sobre o total das parcelas vencidas e sobre 12 das vincendas - Recurso provido parcialmente." (FI. 383).
240 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998.
Os autores ingressaram com recurso especial por ambas as alíneas, sustentando afronta aos artigos 962, 1.518, 1.521, inciso IIl, 1.544 do CC; 5Q
, incisos V e X da CF, além de dissídio jurisprudencial com as Súmulas nM 37 e 54 deste STJ e 341 do STF e julgados de outros tribunais. Sustentam: a) - o dano moral decorre do fato, sendo dispensável prova ou demonstração da dor; b) - o dano moral pode ser deferido para fato acontecido antes da Constituição de 1988; c) - o exercício do direito da ação, decorrente de ato ilícito, por ser direito pessoal, só prescreve em 20 anos, sendo absolutamente irrelevante o fato de os recorrentes terem ajuizados ação 17 anos após o fato, mas dentro do lapso prescricional, pelo que a ré deve arcar com os juros de mora desde o evento danoso; d) -osjuros compostos se aplicam à preponente, por força de sua solidariedade; e) - são cumuláveis os danos material e moral. Requereram a reforma do v. acórdão recorrido para, no caso do dano moral, restabelecer a sentença de primeiro grau, fixando a indenização em 120 salários do morto, na base de 30 para cada autor, devidamente convertidos em tantos quantos eram os salários mínimos da época do falecimento da vítima e atualizados pelo valor do salário mínimo vigente na época da efetiva liquidação do julgado, determinando que os juros de mora sejam contados a partir do evento danoso e estabelecendo que os juros tidos como remuneratórios pela sentença sejam reconhecidos como compostos e concedidos nos termos do art. 1.544 do CC.
Nas contra-razões, a recorrida alega: 1) - deserção do recurso especial em razão da falta de preparo; 2) - indevida a indenização por dano moral; 3) - exclusão da verba relativa a juros compostos; 4) - os juros moratórios, se devidos, devem incidir a partir da citação.
O d. MP/SP opinou pelo provimento do recurso especial.
Admitido na origem apenas pela alínea c, subiram os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A deserção inexistiu porque os autores e ora recorrentes litigam com o benefício da gratuidade (fl. 56).
2. O fato da morte é causa certa de padecimento e dor por parte da mulher e dos filhos da vítima, sendo dispensável a prova do sofrimento e da amargura decorrente da perda. Isso advém da experiência comum e independe de prova; o contrário, por ser inusitado (mas pode acontecer), é que dependeria de demonstração nos autos. Por isso, em se tratando de dano moral estrito senso, não se exige a produção de prova do dano para o deferimento da indenização, cabendo ao prudente arbítrio do juiz verificar os pressupostos de sua ocorrência e arbitramento do valor compatível.
A reparação do dano extrapatrimonial está presente no nosso ordenamento jurídico desde antes da
R. Sup. Trib. Just., Brasilia, a. 10, (109): 177-243, setembro 1998. 241
Constituição de 1988, tanto que o art. 76 do CCivil, de 1916, prescreve: "Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral". Na jurisprudência, a evolução caminhou nesse sentido; como se recolhe do excelente apanhado feito pelo em. Min. Barros Monteiro ("Indenização por dano moral - evolução da jurisprudência", Informativo Jurídico da Biblioteca Oscar Saraiva, v. 71 n. 2/pág. 90). A concessão dessa verba, portanto, não constitui aplicação retroativa de preceito superveniente ao fato, mas aplicação do ordenamento já vigente ao tempo e que tinha o dano moral como indenizável, apesar da matéria estar sujeita a controvérsias dissipadas pela nova Constituição.
O longo tempo decorrido entre o fato gerador do dano e o pedido judicial não é causa para a sua rejeição, pois para isso existem os prazos prescricionais, a limitar o período útil para sua manifestação. Exercida oportunamente a ação, é o quanto basta para ser examinada a existência do alegado direito. A demora pode, isto sim, influir na estimativa do quantum, pois é bem possível que a dor a ser considerada no momento do pedido é bem diversa daquela existente nas proximidades da morte, pois o tempo seda a dor moral.
Por tais razões, quanto ao tema da indenização do dano moral, estou em conhecer do recurso especial, pela divergência, que ficou bem demonstrada (RT 641/230; REsp 1l.177/SP), e lhe dar provimento,
em parte, a fim de restabelecer a condenação por essa parcela constante da sentença. Considerando que o dano pôde esperar mais de dezessete anos para se manifestar em juízo, proponho a redução do valor da indenização de 120 para 80 salários do morto, tocando 20 a cada beneficiário, equivalentes à remuneração mensal de um 1 Q Sargento PM no dia do efetivo pagamento, aí considerado o total dos estipêndios, excluídos os descontos obrigatórios.
3. Trata-se de ação fundada em ilícito absoluto, como se depreende dos termos da inicial, na qual os autores invocaram o disposto no art. 159 do CCivil e se propuseram a fazer a prova da culpa do motorista, o que realmente aconteceu no transcorrer do processado. Em nenhuma passagem, seja da sentença ou do acórdão, ficou afirmado que o pedido era deferido pela responsabilidade da empresa decorrente do contrato de transporte, que é uma obrigação de resultado, para cuja procedência bastaria comprovar o descumprimento da obrigação de efetuar o transporte sem dano. Incide, portanto, a regra de que os juros, por ilícito extracontratual, fluem desde o fato (Súmula 54).
4. Os juros compostos não são devidos pela empresa preponente, nos termos da orientação que voltou a predominar nesta ego 4ª Turma, onde o acórdão citado como paradigma, de minha relatoria, se constituiu em decisão isolada. Com ressalva da posição então manifestada, que me parece a mais adequada, há de prevalecer o entendimen-
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to da douta maioria, razão pela qual por esse fundamento o especial não pode ser conhecido (Súmula 83).
5. Em resumo, conheço do recurso, em parte, pela divergência, e nessa parte lhe dou parcial provi-
mento para conceder indenização pelo dano moral, nos termos acima explicitados, e mais juros legais (simples, não compostos) desde a data do fato.
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