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Irene Borges-Duarte ARTE E TÉCNICA EM HEIDEGGER DOCUMENTA

Irene Borges-Duarte ARTE E TÉCNICA EM HEIDEGGER · PDF fileIrene Borges-Duarte ARTE E TÉCNICA EM HEIDEGGER Entre os grandes motivos e Heidegger, a Arte é decerto um dos mais constantes,

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    Entre os grandes motivos e Heidegger, a Arte decerto um dos mais constantes, ori-ginais e, talvez, menos controversos, sendo recorrente em conferncias e publicaesdurante cerca de 40 anos, que revelam at que ponto esta questo central na suatrajectria filosfica. A esta questo junta-se-lhe a da Tcnica que se entrelaa coma primeira, a ponto de podermos afirmar que, em muitos aspectos, a sua outraface. So como o alfa e o mega do mostrar-se veritativo do ser nas mltiplas confi-guraes do seu pr-se em obra, num discurso que no s lngua, mas tambmimagem, gesto, corpo: manifestao articulada do sentido das coisas e dos humanosno seu tempo e espao prprios. So as duas cabeas do divino Jano: incio e fimduma mesma dinmica ontolgica no espao-tempo geo-histrico que habitamos.

    Irene Borges-Duarte professora associada e investigadora do Instituto de Filo-sofia Prtica na Universidade de vora. Presidente da Associao Portuguesa deFilosofia Fenomenolgica (desde 2011). Membro da Heidegger-Gesellschaft e daSociedad Iberoamericana de Estudios Heideggerianos. Coordenadora do projectode traduo e investigao Heidegger em Portugus.

    Irene Borges-Duarte

    ARTE E TCNICAEM HEIDEGGER

    D O C U M E N TA

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  • www.sistemasolar.pt

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  • Irene Borges-Duarte

    ARTE E TCNICAEM HEIDEGGER

    DOCUMENTA

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  • SISTEMA SOLAR, CRL (DOCUMENTA)

    RUA PASSOS MANUEL, 67 B, 1150-258 LISBOA

    IRENE BORGES-DUARTE, 2014

    1. EDIO, SETEMBRO DE 2014

    ISBN 978-989-8566-67-6

    REVISO: ANTNIO DANDRADE

    DEPSITO LEGAL 381175/14

    ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA ACDPRINT

    RUA MARQUESA DE ALORNA, 12-A

    2620-271 RAMADA

    apoio

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  • c a p t u lo 1

    ROTEIRO

    Este livro trata de pensar o que a Arte e o que a Tcnica. Que sentidotm para ns, humanos, estas palavras? um livro que parte de palavras quedizem qualquer coisa a quem as ouve ou l, de tal modo que ao falarmos unscom os outros, habitualmente, nos entendemos. Mas, s vezes, tambm comelas nos desentendemos. No um livro sobre as palavras, mas sonda-as paraescutar o que elas dizem sobre as coisas da arte e da tcnica. Tambm no umlivro sobre o que artstico ou tcnico, nem uma apreciao esttica ou umjuzo crtico sobre algumas obras. uma investigao acerca do que acontecequando estamos perante uma obra de arte, ou quando nos damos conta de quevivemos num mundo marcado pela tcnica. No se pretende objectivar, di-zendo: isto arte, isto no . Estar perante uma obra de arte algo que s nosacontece s vezes, quando, de repente, nos damos conta disso. Mesmo nummuseu, ou numa exposio, nem sempre sentimos essa sensao peculiar deaquilo com que nos encontramos no ser um mero objecto de considerao einteresse, mas outra coisa. E decerto no quando, hbil ou desastradamente,pregamos um prego na parede que compreendemos os abismos da engrena-gem em que a nossa existncia quotidiana se move, nesta parte hiper-tecnifi-cada da civilizao global. H, pois, nas palavras, algo que no bvio e que secala, prestando-se a equvocos, e que s a ateno fenomenolgica ao aconte-cimento que a se d permite pr a descoberto.

    Este livro tambm um livro sobre Heidegger. Entre os grandes motivosque transem o seu pensamento, a Arte decerto um dos mais constantes, ori-ginais e, talvez, menos controversos, sendo recorrente em conferncias e pu-blicaes, desde incios dos anos 30 at, pelo menos, 1969. So quase 40 anosde meditao explcita e pblica sobre a Arte, que revelam at que ponto estaquesto central na sua trajectria filosfica. A esta questo junta-se-lhe, con-

    5Roteiro

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  • comitantemente, a da Tcnica que, aparentemente independente, est, con-tudo, indissoluvelmente entrelaada com a primeira, a ponto de podermosafirmar que, em muitos aspectos, a sua outra face. So como o alfa e o megado mostrar-se veritativo do ser nas mltiples configuraes do seu pr-se emobra, num discurso que no s lngua, mas tambm imagem, gesto, corpo:manifestao articulada do sentido das coisas e dos humanos no seu tempo eespao prprios. So as duas cabeas do divino Jano: incio e fim duma mesmadinmica ontolgica, pela qual nos vem ao encontro tudo aquilo de que os hu-manos disfrutamos e inventamos na nossa existncia partilhada, no espao--tempo geo-histrico que habitamos. Ao longo deste caminho, que cada umdos humanos vai fazendo, individual e colectivamente, levantam-se e derruemdiferentes formas de compreender e de fazer o que no mundo h que com-preender e fazer. Certas formas caracterizam pocas. A Arte helnica, na aurorado mundo ocidental, e a tecnologia, no seu ocaso na civilizao global e me-ditica de hoje em dia, so duas dessas formas epocais. E so o modelo de umagir humano que no se restringe ao artstico e ao tcnico, mas tambm ao po-ltico, ao tico, ao cultural, vida quotidiana. A mera palavra no manifesta,antes esconde, essa multidimensionalidade do fenmeno em questo. Na lin-guagem, como na arte e na tcnica, descobre-se o que h, mas o que h tam-bm se encobre, dissimulando-se ou ocultando-se de todo. da riqueza destasdimenses que nos falam os textos de Heidegger, numa tentativa de explicitaro que na palavra e na obra se guarda implcito. Sendo fenomenolgico, o seumtodo , pois, tambm hermenutico.

    Quando, h j alguns anos, pensei reunir os meus trabalhos sobre as ques-tes da Arte e da Tcnica em Heidegger numa colectnea, no tinha plenaconscincia da sistematicidade da minha abordagem. Surgidos em diferentescontextos de anlise, com motivo de solicitaes diversas e bastante afastadas notempo, a publicao conjunta desses textos parecia-me coerente e necessria,pois no seu conjunto ofereciam uma viso integradora das diferentes temticascomplementarmente analisadas. Mas no tinha ainda em mente quo coesa, in-terimplicativa e unitria era a viso que aqueles diversos textos ofereciam da mi-nha leitura de mais de 40 anos de pensamento de Martin Heidegger. Ao iniciaro trabalho de reviso e actualizao do contedo dos textos e cotejo de alguma

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  • bibliografia recente, para alm do normal polimento do estilo, comecei a aper-ceber-me da unidade metodolgica no enfoque fenomenolgico do que, semdescuidar algumas referncias histricas, constitui a ontologia hermenutica daverdade em Heidegger. Foi assim que o que inicialmente esperava ser a colect-nea de um conjunto de fragmentos, se transformou num estudo sistemtico,com diversos captulos, numa sequncia estrutural veraz.

    Wege, nicht Werke foi o lema que o filsofo escolheu para indicar o sen-tido da sua Edio Integral, no querendo encarar os seus escritos, nela reuni-dos, como obras mas apenas como caminhos, pelos que deambulou, errantemas perseverante, em busca de alguma clareira. So muitos os erros cometidos,mas tambm as clareiras que nos deixou mapeadas. Talvez s o todo dessescaminhos permita desenhar a sua figura como pensador, para o que os factos dasua trajectria pessoal s muito parcialmente contribuem. A questo da Arte ea da Tcnica so a da Linguagem e a da Poltica. Todos os caminhos se cruzam,numa rede de interimplicaes. Mais do que separ-los, tentei mostrar o seuentrosamento, embora fiel, sem o pretender, ao lema heideggeriano emdiferentes abordagens. Da cartografia retrospectiva, aqui fica um roteiro. umprimeiro percurso.

    A segunda caminhada O espelho equvoco introduz-se nos equ-vocos e implcitos dum dilogo anti-socrtico, no carente de ironia, mas comuma maiutica invertida: no so as perguntas do entrevistador que orientama descoberta do tcito, mas as respostas do entrevistado que conduzem o per-curso, inicialmente biogrfico, ao cerne do pensamento filosfico do autor,que assim abre o que poderia considerar-se uma iniciao ao seu pensamento,na sua fase mais tardia. Esta funo, habitualmente pouco atendida, da entre-vista que Heidegger concedeu em 1966 importante revista alem Der Spiegeldesvela-nos o carcter nuclear da problemtica da tcnica para a compreensodo sculo XX, servindo de fio condutor a todas as restantes questes impor-tantes, como a poltica, a arte e a literatura, a linguagem e o prprio lugar dopensamento. Tambm manifesta o papel do pensar na preparao e instaura-o dum novo paradigma para a relao dos humanos com todas as formas de

    7Roteiro

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  • ser que se do no seu mundo: um pensar menos assertivo e mais aberto es-cuta, menos argumentativo e conceptual que afectivo e potico. Um pensarque, vencida e superada a tentao do academicismo e do cientificismo domi-nantes, seja capaz de deixar-se tocar pelo que se d e de acolher o que o pensa-mento pr-moderno compreendia como relao com o divino: a compreensopelos humanos da sua vulnervel finitude como mortais e da sua responsabili-dade ou cuidado como forma de ser.

    O terceiro caminho A arte como epifania leva os passos do leitor mais ofuscante de todas as clareiras do bosque: a apario da verdade no des-lumbramento da beleza. Tal como o primeiro, procura escutar o texto de Hei-degger e faz-lo falar na nossa lngua, para explicitar o seu sentido, isolando osmorfemas fundamentais e abrindo a rede de implicaes e referncias que selhes ligam. Trata, desse modo, de compreender a essncia da Arte em Heideg-ger atravs da anlise dum caso exemplar e pouco trabalhado na bibliografiasobre o autor: a obra de Rafael A Madonna Sixtina. luz de A orige