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INTEGRAÇÃO REGIONAL NO MERCOSUL: AVANÇOS E
ENTRAVES DA AGENDA EDUCACIONAL
José Maria de Souza Júnior1
Laila Bellix
1.0 Introdução
O presente artigo trata da integração educacional no MERCOSUL e como esta
evoluiu ao longo do tempo. É de suma importância para o desenvolvimento do tema a
ligação entre a integração educacional e a integração econômica do bloco. Assim,
procurar-se-á traçar uma linha entre os dois temas e explorar a integração educacional
em termos de sua evolução, seus progressos e suas limitações.
O MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) é um modelo de integração
idealizado no início da década de 90 nos modelos do Novo Regionalismo ou
Regionalismo Aberto2 e pode ser considerado fruto da reaproximação entre Argentina e
Brasil que ocorreu a partir da segunda metade da década de 80.
A finalidade do modelo era, por um lado, econômica para aumentar o comércio
entre os membros do bloco, e, por outro lado, política, para fazer frente a tentativa dos
Estados Unidos de formar um bloco que envolveria todo o continente americano.
Temas marginais estavam presentes desde a criação do MERCOSUL. Esses
temas, incluindo a educação, também foram abordados nas análises da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e Caribe). As recomendações sobre o processo de
integração regional econômica eram exploradas juntamente as outras agendas sociais
como forma de integrar e fortalecer o projeto latino americano.
Percebe-se que, muito embora o cunho econômico-comercial das ações na
direção da integração regional fosse o principal, as políticas sociais, no caso a
educacional, estiveram presentes nas recomendações para integração. Isso porque a
1 Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – Universidade de São Paulo (PROLAM-
USP). email: [email protected]. 2 Regionalismo aberto designa-se o processo conciliado de “interdependência nascida de acordos
especiais de caráter preferencial e a que é basicamente impulsionada pelos sinais de mercado” (CEPAL in
BIELSCHOWSKY, 2000: 945).
articulação de medidas educacionais e econômicas está intrinsecamente relacionada ao
progresso técnico que pode ser estimulado pelo intercâmbio de informações e
conhecimento, através da integração educacional. Este tema já era trabalhado pela Cepal
mesmo antes da criação do MERCOSUL.
Historicamente, no campo educacional, alguns avanços podem ser identificados.
Observa-se a assinatura do Protocolo de Intenções feito pelos Ministros da Educação da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai que deu origem ao SEM (Setor Educacional do
MERCOSUL). Além deste documento, existem outros elaborados pelo próprio SEM
que mostram o interesse na integração educacional do bloco.
1.1 Problematização do estudo e objetivos
Nesse processo, a integração educacional se mostra como um tema marginal nas
decisões do Mercosul. Apesar de ter tido avanços, as políticas educacionais de
integração não adentraram a agenda política do bloco. Assim, a pergunta que dirige o
presente artigo é: Por que o processo de integração educacional no MERCOSUL não
consegue imprimir uma agenda3 relevante na integração geral do bloco?
Os objetivos da reflexão se dividem em: a) analisar a trajetória da integração
educacional no MERCOSUL do ponto de vista formal e, b) traçar possíveis entraves ao
processo de consolidação da agenda educacional do bloco.
A hipótese que se considera é que a integração educacional evoluiu do ponto de
vista jurídico-formal, ou seja, do SEM ter promovido protocolos e planos de ação que
diziam respeito à educação. No entanto, mesmo com avanços significativos, este
processo não pauta a agenda política dos países latinoamericano por, principalmente4: a)
haver um processo formal que desconsidera a maioria da comunidade acadêmica do
bloco; b) por essa ação ter sido demasiadamente lenta e, por fim, c) pela existência de
atividades informais de cooperação esporádicas e paralelas ao processo de negociação
institucional do Mercosul que fragiliza a própria constituição da agenda educacional.
3 Por agenda governamental entende-se por questões para uma decisão ativa de formuladores de políticas
– em processo de tornar-se policies (Kingdon, 2003). Na visão do estudo, as policies são ações
horizontais de Estado, que perpassam vontades particulares de governo. 4 É possível identificar outros entraves à formação da agenda educacional. Como recorte de análise, o
presente estudo focaliza nessas três possíveis reflexões.
1.2 Metodologia de Estudo
Para analisar o projeto de integração educacional, trajetórias e entraves, o estudo
utiliza da análise bibliográfica e documental. Realizou-se um levantamento
bibliográfico do processo de integração educacional, da formação da agenda social no
MERCOSUL e análises de redes universitárias e de pesquisadores com importância na
construção do projeto integrativo. Para identificar os avanços e a trajetória da integração
educacional, analisou-se acordos e planos apresentados pelo Setor Educacional do
Mercosul (SEM) desde a assinatura do Protocolo de Intenções, em 1991, ao Plano de
Ação de 2006.
Com efeito, o artigo se apresenta da seguinte forma: na primeira seção aborda-se
a ligação ou ligações que a educação tem com a economia de forma geral em um projeto
de integração regional. Conseguintemente, é tratado o processo histórico da integração
educacional no MERCOSUL, com detalhes ao avanço formal para as políticas
educacionais, em que se busca verificar alguns principais motivos para que esse tema
não fosse inserido na agenda política da integração regional. Ao final, avalia-se a
educação como importante promotora de desenvolvimento para um Estado ou região e,
consequentemente para o processo da integração regional. Além disso, afere-se que a
integração educacional no MERCOSUL evoluiu do ponto de vista formal (acordos e
tratados), mas ainda não pauta a agenda política do bloco.
2. Educação e Integração Regional: a importância da educação para o
desenvolvimento e para a inclusão da sociedade no processo de integração
regional.
De acordo com Gremaud et. al (2009) o conceito de desenvolvimento é algo
complexo de se analisar. Na mesma análise, os autores consideram que o
desenvolvimento econômico está contido na idéia mais ampla de desenvolvimento que
gera bem estar para a população de determinada localidade. Assim, o bem estar
perpassa pelo desenvolvimento econômico e pela distribuição de riquezas na sociedade.
Além disso, indicadores sociais são importantes para avaliar a qualidade de vida da
sociedade em questão. Os indicadores referentes à educação “permitem examinar as
condições de qualificação e, portanto, de oportunidade no mercado de trabalho da
população do país” (GREMAUD et. al, 2009, p. 61)5.
Desta forma, percebe-se a educação como importante elemento promotor de
desenvolvimento e qualidade de vida de uma população. Como a integração regional
visa o desenvolvimento conjunto dos Estados que a constituem com objetivo de
proporcionar o bem estar, conclui-se que esta deve estar na agenda do processo de
integração.
A integração educacional é uma das formas da sociedade participar do processo
de integração regional, pois envolve seu conhecimento mútuo e promove a aproximação
de parte destas sociedades (OLIVEIRA, 2009). Neste sentido, é pertinente identificar o
processo de construção e abordagens da integração educacional como um dos alicerces
para refletir sobre a integração regional além das relações econômicas6.
Uma das principais questões apontadas para o projeto de integração econômica,
do ponto de vista da Cepal, é a incorporação do progresso técnico pela periferia7.
5 A importância da educação no processo econômico pode ser notada na promulgação do Protocolo de
Intenções (1991) no qual se avalia a relação entre economia e educação, na medida em “Que a melhoria
dos fatores de produção requer necessariamente a elevação dos níveis de educação e de formação integral
das pessoas” (Protocolo de Intenções, 1991). 6 Muito embora, as análises pactuem com a importância de políticas públicas gerais na educação, desde o
seus anos fundamentais de ensino até a formação de mão de obra, o presente estudo focaliza nas ações do
ensino superior no Mercosul. Isso porque o ensino superior permite uma análise em “lócus da geração,
sistematização, transmissão e socialização do conhecimento por meio de atividades de ensino, pesquisa e
extensão” (CABRAL, 839). 7 Nesse debate, Prebisch (CEPAL in BIELSCHOWSKY, 2000) pontua que o processo de integração
regional reverteria uma constante para a América Latina: o desequilíbrio existente entre o centro e a
periferia. Isso ocorre porque, nesse modelo, os benefícios do aumento da produtividade não são
Segundo consta no documento da Cepal (BIELSCHOWSKY, 2000) a incorporação do
progresso técnico inclui a padronização de normas e regulações, fomento à criação de
centros de excelência e redução os custos da pesquisa pura e aplicada. Como forma de
reforçar o desenvolvimento tecnológico, a análise aponta a necessidade de aumentar o
fluxo de informações tecnológicas entre países. Dessa forma, a avaliação da Cepal
evidencia que:
“(…) é igualmente possível obter vantagens com a
cooperação em campos tão diversos quanto a educação
e o desenvolvimento de mercados de capitais”
(BIELSCHOWSKY, 2000: 941).
As propostas da Cepal na década de 1990 preconizam a transformação produtiva
com a tese central de que a educação propicia o elo entre incorporação e difusão do
progresso técnico e a transformação produtiva. Nesse sentido, Vieira (2001) analisa no
documento cepalino a idéia de que:
“o fortalecimento da base empresarial, a crescente
abertura à economia internacional e, muito
especialmente, a formação de recursos humanos e o
conjunto de incentivos e mecanismos que facilitam o
acesso e geração de novos conhecimentos (Cepal,
Unesco, 1995 in: Vieira, 2001, p. 69).
Uma possível abordagem para o processo de integração educacional utiliza da
categoria de cooperação na área. A análise de Senhoras (2007) avalia que a cooperação
internacional na área da educação pode ser tanto do ponto de vista formal, quanto
informal, conforme descreve abaixo:
apropriados pela periferia. Um dos fatores destacados pelo autor como importante para o aumento da
produtividade é o aproveitamento do progresso técnico nos países em desenvolvimento. Segundo essa
tese, a incorporação do progresso técnico nos países centrais pode aumentar a produtividade e os salários
reais, no entanto, não se reflete na queda de preços dos produtos manufaturados exportados. Essa relação
não ocorre nos países da periferia, visto que há nesses uma redução dos preços dos produtos exportados
enquanto que não há, necessariamente, um aumento dos salários.
Quadro 1 – As Cooperações Internacionais na Educação
Fonte: Senhoras (2007, p. 4)
Essas categorizações auxiliam na reflexão sobre a integração educacional no
MERCOSUL, em que se combinam elementos formais e informais de cooperação na
área educacional. Entende-se como ações formais aquelas publicadas aos Estados-
membros como documentos oficiais (que serão analisados na primeira parte do estudo)
e por informais, as ações informais àquelas de ações peculiares entre grupos
acadêmicos.
4.0 A Educação no MERCOSUL: avanço formal, lentidão a baixa inclusão.
Especificamente no caso do MERCOSUL, Perrota (2008) alega que a integração
educacional desde seu início apresentou evolução contínua, ou seja, não apresentou
rupturas como aconteceu na esfera econômico-comercial. Assim, mesmo não sendo a
principal razão nem contendo o principal objetivo do MERCOSUL, pois estes são
relativos à economia e ao comércio, observa-se que a educação se insere no debate
sobre integração regional. Do ponto de vista da sua evolução, a educação não sofre
problemas da mesma complexidade da esfera principal da integração.
Além disso, a educação na integração serve para a formação de mão-de-obra
qualificada, difusão de conhecimento e tecnologia entre os Estados-membros
(OLIVEIRA, 2009, p. 18). Vieira (2001) analisa que a Cepal contribui para a visão de
que há vínculo entre a educação, capacitação, ciência e tecnologia e o sistema
produtivo, isto é, na relação entre a ciência e tecnologia e a formação de recursos
humanos especializados na América Latina (VIEIRA, 2001).
Outra informação colocada por Oliveira (2009) que vale a pena destacar é que o
MERCOSUL é o único projeto de integração regional que pressupõe a integração
educacional desde seu início. É verdade que a Europa inclui a educação superior em sua
integração e, até agora, obteve mais sucesso que a América Latina. No entanto, o fato
deste tema estar presente na criação do MERCOSUL mostra a preocupação dos
idealizadores do bloco com questões sociais que, neste caso, são imprescindíveis para o
desenvolvimento.
No âmbito da cooperação formal, conforme se teorizou, a evolução do
tratamento despendido à educação superior no MERCOSUL do ponto de vista jurídico
se dá da seguinte forma: em 1991 houve a assinatura do Protocolo de Intenções por
parte dos Ministros da Educação de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Este
protocolo deu origem ao Setor Educacional do MERCOSUL (SEM).
De 1992 a 1994 vigorou o documento denominado “Primeiro Plano Trienal”
(que acabou sendo estendido até 1998). Entre os objetivos deste Plano estava a
compatibilização dos sistemas educacionais. Em 1998 foi lançado o “Segundo Plano
Trienal”. Este previa a melhora da educação e almejava identificar as carências de mão-
de-obra qualificada na região. O documento “MERCOSUL 2000” foi lançado no ano de
1997 e primava por um sistema digital com informações sobre o ensino no
MERCOSUL para consulta do público.
O Plano de Ação (2001 – 2005) foi um documento mais complexo que continha
desafios, princípios orientadores, objetivos estratégicos e estratégias de ação e planos de
ação específicos para a educação básica, educação tecnológica e educação superior. É
abordada a importância da educação para a integração e a tentativa de se criar
consciência favorável à integração.
O Plano de Ação (2006-2010) é mais extenso e contém proposições mais
ambiciosas para a educação superior do MERCOSUL. Este documento reafirma mais
uma vez a importância do tema para o projeto de integração ao qual se destina. A
mobilidade acadêmica também é ressaltada como importante elemento de inclusão da
sociedade no projeto. Destaca-se, nesse plano, o estratégico papel da Educação para a
integração regional, conforme se verifica:
“En todos los países signatarios del Tratado de
Asunción, se percibió con claridad que la educación
debía jugar un rol principal y que el MERCOSUR no
podía quedar supeditado a meros entendimientos
econômicos”. (Plano de Ação 2006-2010, 2006, p.4)
Com efeito, é evidente que o Setor Educacional do MERCOSUL teve um
avanço e uma produção jurídica desde a criação do bloco. A instituição também foi
responsável por programas de acreditação em diferentes universidades dos quatro
membros plenos, Bolívia e Chile (observadores). Nos anos de 2006, 2008, 2009 e 2010
(2011 está previsto) houve mobilidade acadêmica de alunos de graduação entre os seis
países citados. Os créditos em universidades da região poderão ser aproveitados pelos
alunos para suas universidades de origem.
Não obstante, a abrangência destes acordos e ações ainda é bastante limitada
uma vez que inclui poucas instituições e poucos alunos. Por exemplo, o número de
alunos que exerceu intercâmbio no nível de graduação pelo Programa MARCA8
(promovido pelo SEM), foi de 58 alunos em 2006, 214 em 2008, 187 em 2009, e 266
em 2010 (PROGRAMA MARCA, 2010; SEM, 2009). Estes números são baixos se for
levada em consideração a quantidade de alunos de graduação dos seis países que fazem
parte do programa.
A lentidão da evolução mostrada também evidencia que a educação não é um
tema presente na agenda política do MERCOSUL. Entre 1991 (ano de criação do SEM)
e 2006 (ano da primeira mobilidade acadêmica), pode-se ver um gap de 15 anos entre a
constituição da instituição e a ação que realmente inclui parte da sociedade no processo
de integração.
A lentidão do processo e não-inclusão de alunos é analisada por Senhoras (2007)
como uma dependência econômica e política. O autor aponta que um motivo que
fragiliza a integração formal da educação entre os países sul-sul é a escassez de recursos
intelectuais, materiais e financeiros destinados ao ensino superior integrado. Por tal
motivo, as tímidas empreitadas integrativas ficam a cargo do Brasil e Argentina, os
países com maiores capacidades econômicas para bancar os gastos e recursos (Senhoras,
2007).
Essa condição é intensificada pela frágil divulgação das ações do SEM.
Conforme avalia-se no Plano de Ação (2006) a disponibilidade e visibilidade das
informações do setor tornou-se um desafio a ser reparado. Desta forma, não é possível
dizer que o SEM e suas iniciativas promovem a inclusão maciça da educação (neste
caso Educação Superior) no projeto de integração regional do MERCOSUL, muito
embora sejam medidas de cooperação formal entre os países do Bloco. Por esse motivo,
8 O Programa MARCA (Mobilidade Acadêmica para Cursos Credenciados) é uma iniciativa de
intercâmbio para alunos de graduação dos países membros do MERCOSUL, Bolívia e Chile. Participam
os cursos de Agronomia, Arquitetura, Medicina e Engenharias (elétrica, mecânica, química, industrial e
civil) (Programa MARCA, 2010).
pode-se inferir que esses acordos formais não conseguem imprimir a agenda política dos
países em questão por serem ações organizadas de forma demasiadamente lenta.
Por outro lado, no processo de integração educacional, pode-se analisar que,
mesmo antes do Tratado de Assunção de 1991, as cooperações esporádicas entre
universidades e a formação de redes institucionais foram uma constante entre os países
latinoamericanos. Trata-se de organizações informais, paralelas, que não foram
incorporadas pelo Mercosul.
Neves e Morosini (1995) traçam o panorama inicial do Mercosul em que mesmo
que não haja direções jurídicas que incluam Grupo de Trabalho da Educação, as
universidades latinoamericanas buscam paralelamente a cooperação regional, via redes
institucionais. As discussões acerca do papel da universidade na integração dos países
do Mercosul surgiu na comunidade acadêmica, sobretudo entre os pesquisadores. O
objetivo dessas discussões era inserir a academia no debate sobre integração
latinoamericana, nos moldes do que ocorrera com as universidades européias de
cooperação e intercâmbio (NEVES e MOROSINI, 1995).
Entre essas redes institucionais formadas, pode-se apontar algumas que
desempenharam papel estratégico. Entre elas, destaca-se a Associação de
Universidades Grupo Montevidéu (AUGM), o Consórcio de Universidades
Comunitárias Gaúchas (Comung), Rede Deusto e o Grupo de Universidades de
Fronteira do Mercosul. Nas ações de órgãos governamentais, pontua-se o Mercosul
Educativo, a Capes/MEC enquanto que no âmbito internacional, apresenta-se a Rede de
Integração e Mobilidade Acadêmica (RIMA), as Cátedras da Unesco, Programa Mistral,
Programa Alpha, Programa Bolívar, Projeto Columbus e o Centro de Formación para la
Integración Regional (Cefir). (NEVES e MOROSINI, 1995).
Com esse contexto, é possível afirmar que a trajetória da cooperação informal
esteve presente antes da criação do Mercosul e, como uma constância no processo
educacional, prevalece paralelamente ao processo formal de integração até os dias de
hoje. Esse processo, paralelo à agenda institucional do Mercosul na área educacional,
não fora incorporado e assumido pelo próprio Setor Educacional do Bloco.
No entanto, mesmo havendo articulações entre atores sociais, o que se pode
verificar é que essas ações são pontuais e dependentes do interesse e formação de redes
pessoais, o que não imprime o caráter permanente que deve seguir as políticas norteadas
pelos Estados9.
Pode-se avaliar que essas cooperações informais auxiliam na integração
regional, na medida em que promovem o intercâmbio de informações entre universidade
se constituem redes de conhecimento. Nessa visão, as atividades são positivas e
frutíferas. Entretanto, como o foco do trabalho é a formação da agenda no Mercosul
Educacional, esse processo ainda continua à margem da integração institucional e se
torna dependente de grupos e ações pontuais. Por isso, enfraquece a instituição do
MERCOSUL por não imprimir o status de agenda aos Estados-Membros que deveriam
acoplar essas medidas como políticas públicas de Estado.
Com essa perspectiva, ações com o mesmo objetivo das informais, mas que
fossem produzidas e repensadas pelos governos como integração educacional,
fortificaria a criação de uma agenda decisional, de Estado, para a educação no
Mercosul. Com isso, criar-se-ia o vínculo de institucionalização e apoio dessas medidas
pontuais e dependentes pelo próprio Setor Educacional. Essa seria um compromisso que
poderia elevar a educação ao patamar primário na agenda do Mercosul.
Assim, pode-se inferir que as redes educacionais paralelas presentes na
integração latinoamericana se tornaram um entrave especificamente na formação da
agenda por não serem apropriadas pelos Estados-membros, e sim dependentes de
grupos esporádicos. Se fossem ações institucionalizadas com vínculo e responsabilidade
estatal, poder-se-ia estimular a entrada da educação na agenda do Mercosul.
Em consonância com a reflexão apresentada, Draibe (2007) pontua que mesmo
com preocupações originais na área, a agenda social do MERCOSUL10
- que inclui a
educação - não fora dotada de autonomia decisória, isto é, por mais que houvesse
intenções e avanços para a consolidação da integração social regional, essas políticas
não pautaram agenda a agenda decisional dos governos em questão.
Com o apresentado, pode-se perceber que por um lado houve avanços
significativos na institucionalização da integração educacional no MERCOSUL,
9 Configura, também, a visão de que há dificuldades administrativas, gestão e coordenação entre os
diferentes sistemas de ensino, cultura organizacional e interesse entre países. Entretanto, para efeito de
análise, essas questões não configuraram como essenciais para a agenda decisional dos Estados-membros. 10
Segundo Draibe (2007), a agenda política do MERCOSUL, na década de 1990, foi marcada pela
expansão e centralidade da questão social. A autora justifica que essa centralidade se deu pela dimensão
que a questão social adquiriu na época através da: a) a criação de instituições dedicadas à questão social e
b) amadurecimento de conceitos sobre integração e questão social (ibidem).
principalmente do ponto de vista formal, sem, no entanto, adentrar a agenda política dos
países – como foi o caso da econômica11
.
Para elucidar essa dualidade da integração educacional, fez-se uma análise das
decisões jurídico-formais que foram crescentemente adotadas no âmbito do
MERCOSUL com a finalidade de evidenciar o avanço apontado pelo estudo. Do outro
lado, mostrou-se as razões para que, mesmo com avanços legais, a educação não foi
pauta na agenda de integração do MERCOSUL.
Conforme verifica Senhoras (2007), por mais que houvesse cooperações entre
redes – e pontua-se aqui as cooperações formais via acordos e planos – a integração
educacional necessita de políticas coordenadoras no âmbito do MERCOSUL:
“Embora as redes regionais de cooperação em C&T nas
universidades do Mercosul tenham se ampliado
espontaneamente a curtos passos com foco no
diagnósticos do bloco, uma política coordenadora,
que defina prioridades e estruture programas e
recursos no ensino superior inexiste (SENHORAS,
2007:11).
Considerações Finais
O processo de integração econômica foi a força propulsora da integração
regional na América Latina. Esse projeto passou por diferentes etapas e fases, em
consonância com as políticas adotadas pelos países latinoamericanos.
Na década de 1990, a integração regional se fortaleceu pela promulgação do
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), especificamente em 1991, cujos objetivos
meramente econômicos passaram a ser re-pensados com a agenda social.
Muito embora esse processo tivesse foco na atuação econômica dos países,
recomendações foram traçadas aos países para que houvesse uma coordenação de
políticas sociais, especialmente a educacional. O papel da Cepal nessa análise foi de
suma importância, na medida em que os relatórios publicados pela Comissão
articulavam a educação com transformação produtiva e, dessa forma, a promoção do
desenvolvimento econômico e social.
11
Importante pontuar que a análise considera a importância e centralidade da integração econômica.
Entretanto, considera-se que, aliado às medidas econômicas, seria de suma necessidade considerar as
políticas educacionais para a integração regional dos países latinoamericanos.
Dessa forma, reconhece-se, em documentos oficiais e entre pesquisadores da
área, que a educação assume uma dimensão estratégica para a integração regional. No
entanto, mesmo com avanços, a educação não imprime uma agenda essencial nos países
do MERCOSUL.
Os avanços na área educacional percorreram o caminho desde o Protocolo de
Intenções, em 1991. A partir desse momento, alguns planos e acordos foram traçados,
com metas de difícil mensuração e em trâmite demasiadamente lento. Essas
características fazem com que o processo de integração educacional paire sobre a
condição de intenções e idéias inatingíveis e não para o processo de decisão do Estado,
para a formulação de políticas coordenadas para os países. Além desse fator, os pactos
adotados não atingiam à maior parte da comunidade acadêmica, focalizado em poucas
instituições e alunos. Esses motivos dificultam a entrada da educação na agenda de
decisão dos países, visto que as medidas formais não são concretizadas na sua plenitude.
Contribui para essa visão a idéia de que as cooperações informais no âmbito
educacional – realizada entre diferentes universidades – são constantes e se configuram
como a estratégia de integração educacional, o que entrava a agenda do Estado de ações
macro e integrativa na política educacional. Por tal motivo, as ações informais também
constituem um fator de entrave à definição da agenda educacional nos países do
MERCOSUL.
Pode-se inferir, com esse cenário, que a entrada de políticas educativas na
agenda dos países latinoamericanos fortificaria o processo de integração regional. Esse é
um dos caminhos possíveis para solidificar o processo de integração regional, na
medida em que complementa a visão econômica, na formação da mão de obra
qualificada e no intercâmbio de informações.
Para tanto, considera-se que se propostas medidas de articulação entre as
políticas educacionais no MERCOSUL, haveria ganhos institucionais e sociais para a
integração regional. Dessa forma, trata-se de ampliar, sem desconsiderar, a visão
econômica de integração para amalgamar as integrações regionais na América Latina.
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