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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA FERNANDO ROGÉRIO JARDIM Inovação S/A: estudo sobre o perfil dos empreendedores universitários em incubadoras de empresas e empresas juniores. São Paulo, Maio de 2015.

Inovação S/A: estudo sobre o perfil dos empreendedores

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    FERNANDO ROGRIO JARDIM

    Inovao S/A: estudo sobre o perfil dos empreendedores

    universitrios em incubadoras de empresas e empresas juniores.

    So Paulo, Maio de 2015.

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Inovao S/A: estudo sobre o perfil dos empreendedores

    universitrios em incubadoras de empresas e empresas juniores.

    Tese apresentada banca de doutorado do Programa

    de Ps-Graduao em Sociologia do Departamento

    de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas, como parte dos requisitos

    necessrioa obteno do ttulo de doutor em

    sociologia.

    Autor: Prof. Ms. Fernando Rogrio Jardim.

    Orientador: Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto.

    So Paulo, 2015.

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    RESUMO: A presente tese tem por objetivo traar um perfil dos empreendedores

    universitrios atuantes em incubadoras de empresas e empresas juniores. Para tanto,

    realizamos uma pesquisa qualitativa junto a estudantes de engenharia, integrantes da

    POLI-Jnior, e empresrios envolvidos em inovao tecnolgica, incubados no CIETEC.

    Aps uma breve apresentao, no primeiro captulo, procuramos conceituar quem so os

    empreendedores. Exibiremos tambm, no primeiro captulo, alguns dados acerca da

    recente expanso na criao de incubadoras de empresas e empresas juniores no Brasil.

    No segundo captulo, fizemos uma reviso bibliogrfica a partir das contribuies que a

    economia e a sociologia do conhecimento deram ao tema. Preferimos enquadrar o

    problema de pesquisa no bojo da teoria dos campos. No terceiro captulo, o tema da tese

    situado no quadro histrico das polticas pblicas para C&T e da trajetria da

    comunidade de pesquisa brasileira. No quarto captulo, apresentamos a amostra e o

    mbito de pesquisa, os mtodos e tcnicas empregados no trabalho de campo. Lanamos

    ainda hipteses conforme as quais o empreendedorismo representaria a nova face das

    recentes tentativas de reforma universitria e estreitamento das relaes entre pesquisa e

    mercado. No quinto captulo, apresentamos e analisamos os resultados das observaes e

    das entrevistas, por meio das quais testamos nossas hipteses. Por fim, fechamos com

    uma breve concluso onde esto resumidas nossas contribuies e onde refletimos acerca

    das ampliaes e limitaes desta tese.

    Palavras-chave: empreendedorismo; inovao; universidade; incubadora de

    empresas; empresa jnior.

    ABSTRACT: This thesis aims to draw a profile of university entrepreneurs today

    actives in business incubators and junior companies. Therefore, we conducted a

    qualitative research with engineering students (members of the POLI-Junior), and

    entrepreneurs engaged in technological innovation (incubated in CIETEC). After a brief

    introduction, in the first chapter, we try to conceptualize who are the entrepreneurs. Also,

    we display some data about the recent expansion in the creation of business incubators

    and junior companies in Brazil. In the second chapter, we made a review of the available

    literature from the contributions that the economy and the sociology of knowledge gave

    the theme. We prefer to frame the research problem in the field theory. In the third

    chapter, the topic of the thesis is situated in the historical framework of public policies

    for S&T and the trajectory of Brazilian research community. In the fourth chapter, we

    present the sample and the scope of research, the methods and techniques employed in

    the empirical research. We also launched hypothesis according to which entrepreneurship

    represent the new face of recent attempts to university reforms and closer relations

    between research and market. In the fifth chapter, we present and analyze the results of

    observations and interviews, through which we test our hypotheses. Finally, we close the

    work with a brief conclusion, where our contributions are summarized and where we

    reflect about the extensions and limitations of this thesis.

    Keywords: entrepreneurship; innovation; university; business incubator; junior

    company.

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    DEDICATRIA:

    Aos meus pais, claro!

    Ao meu tio Jos ele sabe por qu.

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    TANTVS LABOR NON SIT CASSVS

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    AGRADECIMENTOS:

    Cuidado: serei piegas! E como no poderia s-lo? O trabalho de pesquisa uma

    atividade cuja solido ilusria. Pairando como anjos ao redor do quarto solitrio

    iluminado to-somente pela luz corporativa do computador e embalado pelo rudo

    magricela dos teclados , esto os inmeros parceiros que tornaram o fardo mais leve e o

    trabalho possvel. A atividade de pesquisa , pois, o ponto nodal duma srie de auxlios e

    apoios, de ombros e mos. H as presenas constantes e eventuais; h os parceiros de

    viagem; h os competidores-cooperativos; h as providncias semidivinas; h, enfim,

    desde os apoios efetivos e prticos at as remotas inspiraes e motivaes, das quais,

    provavelmente, os indivduos inspiradores e motivadores sequer notem o quanto inspiram

    e motivam. Seria absurdo imaginar que uma trajetria de quase de cinco anos fosse

    trilhada sem o amparo de inmeras pessoas e entidades. Neste momento, no final da linha,

    ao passamos em retrospecto a caminhada, vm-nos mente os rostos de todos eles e de

    todas elas. Sobressai-nos, ento, um sentimento suave de cansaso com gratido. dessas

    pessoas que desejo falar agora.

    Primeiramente, devo agradecer muitssimo ao apoio, aconselhamento e

    compreenso do meu orientador, Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto, que suportou com

    certo estoicismo (ou provavelmente disciplina revolucionria) meus sumios e

    reaparies repentinas alm da minha no-menos repentina metamorfose ideolgica.

    Obrigado por esses quase dez anos!

    Devo agradecer tambm aos professores das disciplinas do doutorado: Prof. Dr.

    Fernando Pinheiro, Prof. Dr. Leopoldo Waizbort e, especialmente, ao Prof. Dr. Srgio

    Miceli que com suas observaes perspicazes, ajudou-me a desbastar as camadas mais

    aparentes das contradies e absurdidades que existiam no projeto de pesquisa.

    Meu muito obrigado aos participantes da minha banca de qualificao no

    doutorado: Prof. Dr. Renato Peixoto Dagnino (DPCT-Unicamp) e Profa. Dra. Sylvia

    Gemignani Garcia (FFLCH-USP), pelas inestimveis observaes e correes a um

    trabalho que, poca, era ainda bastante incipiente.

    Agradeo tambm aos funcionrios, professores e alunos dos cursos de Engenharia

    de Produo, Engenharia Mecnica e Engenharia de Computao da Escola Politcnica

    da USP; e sou igualmente grato aos ento membros da POLI-Jnior, com os quais travei

    contato durante a fase preliminar do trabalho de campo.

    Tenho imensa gratido aos funcionrios e empresrios incubados do CIETEC, cuja

    presteza, gentileza e pacincia foram fundamentais para meu trabalho de campo, e sem

    os quais a coleta de dados seria simplesmente impossvel. Agradeo a todos na figura do

    seu diretor, o Sr. Srgio Risola, e do meu amigo, Prof. Antonio Tonini.

    Ainda no CIETEC, sinto-me especialmente grato s entrevistas generosas e

    abundantes em informaes concedidas a mim por todos, mas em especial pelo Pedro

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    Kayatt, da Naked Monkey; Slvia Takey, da DEV Tecnologia; Mariane Biz e Fernanda

    Abra, da Via Fauna. O respeito que tenho pelos empreendedores extensivo a vocs.

    Sou muito grato ao pessoal da Brasil Jnior e da Anptotec (Associao Nacional de

    Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores) pela disponibilizao de dados

    estatsticos, anurios, relatrios e informaes a respeito do fenmeno do

    empreendedorismo, da incubao de empresas e das empresas juniores. Valeu!

    Um agradecimento misturado a um pedido de desculpas vai para os funcionrios da

    secretaria de ps-graduao do Departamento de Sociologia ngela e Gustavo.

    Agradecimento pelas orientaes com os procedimentos burocrticos; e desculpas pela

    minha inpcia, atropelos, atrasos em pedidos fora do prazo.

    Por fim, tambm agradeo aos meus alunos dos cursos de Direito, Administrao e

    Engenharia de Produo, por terem tido a delicadeza de no perceberem meu pssimo

    humor nesses ltimos meses. Peo desculpas tambm aos meus familiares, namorada,

    amigos e parentes, pelas abdues de que fui vtima nesses ltimos meses.

    Por fim, como uma tese no auxiliada apenas por aqueles diretamente envolvidos

    no trabalho de pesquisa, mas tambm por pessoas que ergueram ao redor do autor uma

    rede de amizades, inspirao, afeto e apoio moral (sem a qual ele teria ido lona), segue

    agora uma lista de agradecimentos especialssimos:

    Ao Dr. Pedro Kurbhi. No: ele ainda no doutor no sentido de doutorado; ele

    doutor no sentido de advogado. Kurbhi no imagina o quanto sou orgulhoso de t-lo

    tido como colega e, agora, como amigo. Kurbhi um dos dois gnios que encontrei na

    profisso. Ademais, s ele apostou na minha luta quando eu estava nas cordas.

    Alguns alunos justificam o trabalho dum professor. Eu leciono h dez anos; e j

    posso me gabar de ter encontrado algumas preciosidades. Alguns alunos meus

    compartilham, inclusive, das aspiraes dos empreendedores descritos nesta tese. uma

    pena que este pas seja to fajuto para sonhos to dilatados. Boa sorte, Douglas!

    Annie Dymetman rene numa sntese estranha e perigosa (para ns) as

    habilidades de professora, empresria, cirurgi de mentes, diplomata de relaes

    explosivas, hipnloga a contragosto, amiga leal e grande alma. Eu no sei at hoje a idade

    dela; s queria ter metade da paixo (quase infantil) que ela tem pelo que faz.

    Por fim, devo dizer que, h cinco anos, eu prometi para mim mesmo que todas as

    aes da minha vida seriam dedicadas, dali em diante, a dar uma velhice decente aos meus

    pais, mas sem que eles se sentissem obrigados ou em dbito para comigo. S quero que a

    vida lhes d tempo de quitar a minha dvida para com eles, retribuindo tudo o que eles

    fizeram por minha formao, muitas vezes, s custas de sacrifcio prprio. (Esta tese liga

    as duas pontas da questo: a concluso da minha formao acadmica e o propsito da

    retribuio aos meus pais.) Sinceramente, eu no lamento nenhum fracasso intelectual,

    profissional ou pessoal que eu j tenha sofrido ou possa vir a sofrer. Hoje, meu nico

    medo o de fracassar como filho. O resto? no me interessa em absoluto.

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    NDICE

    Resumo e palavras-chave. ______________________________________ 3

    Abstract and keywords. _________________________________________ 3

    Dedicatria. __________________________________________________ 4

    Agradecimentos. ______________________________________________ 6

    ndice _______________________________________________________ 8

    Lista de grficos, figuras, mapas e tabelas. ________________________ 12

    APRESENTAO GERAL ____________________________________ 14

    CAPTULO 1 INTRODUO E DELINEAMENTO PRELIMINAR DO

    OBJETO DE ESTUDO. ____________________________________________ 27

    1.1 A emergncia do fenmeno empreendedor. ____________________ 27

    1.1.1 Os empreendedores e as incubadoras de empresas. ______________ 31

    1.1.2 Os empreendedores e as empresas juniores. ____________________ 36

    1.2 O empreendedorismo e as relaes pesquisa-mercado. ___________ 40

    1.3 Discursos e valores do empreendedorismo. _____________________ 43

    1.4 O empreendedorismo e seus problemas de insero e de abordagem.

    _________________________________________________________________ 49

    1.5 Nova elite e velha elite da comunidade de pesquisa brasileira. _____ 52

    1.5.1 Pequena tipologia dos empreendedores: universitrios e corporativos.

    _________________________________________________________________ 52

    1.6 Delimitao do problema de pesquisa. _________________________ 58

    1.7 O espao social do empreendedorismo: os campos econmico, cientfico e

    tecnolgico. _______________________________________________________ 63

    1.8 A bibliografia sobre o empreendedorismo. _____________________ 66

    1.8.1 Universitrios empreendedores e empresrios tradicionais. ________ 68

    1.8.2 Caracterizando e delimitando quem so os empreendedores. _______ 76

    1.9 Possveis fatores causais da emergncia do empreendedorismo

    universitrio. _____________________________________________________ 78

    1.10 Concluses do primeiro captulo. ____________________________ 88

  • 9

    CAPTULO 2 APRESENTAO DO REFERENCIAL TERICO

    EMPREGADO NA PESQUISA. ______________________________________ 92

    2.1 A necessidade um referencial bibliogrfico. _____________________ 92

    2.2 A abordagem econmica das inovaes tecnolgicas. _____________ 93

    2.3 O paradigma de Schumpeter. ________________________________ 96

    2.4 Outras abordagens econmicas. ______________________________ 107

    2.4.1 Rosenberg. _______________________________________________ 107

    2.4.2 Freeman. ________________________________________________ 109

    2.4.3 Nelson & Winter. __________________________________________ 113

    2.5 Para uma crtica das abordagens econmicas. ___________________ 115

    2.5.1 Impulso pela cincia e induo pela demanda. ___________________ 115

    2.5.2 Vinculacionismo e neovinculacionismo. ________________________ 119

    2.5.3 Fortuna crtica posterior. ___________________________________ 122

    2.6 A abordagem sociolgica das inovaes tecnolgicas. _____________ 125

    2.7 Os campos sociais. __________________________________________ 129

    2.7.1 Illusio. ___________________________________________________ 134

    2.7.2 Nomos. __________________________________________________ 137

    2.7.3 Habitus. _________________________________________________ 140

    2.8 O campo cientfico. _________________________________________ 143

    2.8.1 As condies da autonomia. _________________________________ 145

    2.8.2 A hiptese terica do campo tecnolgico como campo social intermedirio.

    __________________________________________________________________ 152

    2.9 Concluses do primeiro captulo. ______________________________ 159

    CAPTULO 3 A DIMENSO HISTRICA DA EMERGNCIA DO

    EMPREENDEDOR. ________________________________________________ 163

    3.1 A dimenso histrica do problema de pesquisa. __________________ 163

    3.2 A comunidade de pesquisa brasileira: seus vnculos com o mercado e o

    Estado. ____________________________________________________________ 164

    3.4 Por um histrico da comunidade de pesquisa brasileira. ___________ 168

    3.4.1 Perodo formativo. __________________________________________ 168

    3.4.2 Perodo militar. ____________________________________________ 169

    3.4.3 Os sinais da crise. __________________________________________ 173

    3.4.4 Reaes crise do sistema nacional de pesquisa. _________________ 181

  • 10

    3.4.5 Os movimentos de aproximao entre pesquisa e mercado. _________ 184

    3.5 A emergncia do empreendedor e da pesquisa dirigida para o mercado,

    mas sem ele. _______________________________________________________ 188

    3.5.1 Reestruturao das polticas pblicas em C&T. __________________ 197

    3.5.2 Recuperao dos investimentos pblicos em C&T. ________________ 201

    3.6 Incentivos e obstculos relao pesquisa-mercado. ______________ 208

    3.7 Instituies intermedirias entre a academia e as empresas. ________ 213

    3.8 Mudanas na cultura acadmica: ______________________________ 215

    3.8.1 O discurso empreendedor. ____________________________________ 215

    3.8.2 A condio empreendedora. __________________________________ 218

    3.9 Empreendedor: um pesquisador que mimetiza um empresrio? ____ 222

    3.10 Concluses do terceiro captulo. ______________________________ 228

    CAPTULO 4 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS, HIPTESES E

    RESULTADOS PRELIMINARES. ____________________________________ 233

    4.1 Sntese dos resultados obtidos at o momento. ____________________ 233

    4.2 Objeto ou tema, pergunta ou problema de pesquisa. _______________ 238

    4.3 Justificativa terica e prtica da pesquisa. _______________________ 242

    4.4 Hipteses empricas e seus parmetros de qualificao. ____________ 245

    4.4.1 Hipteses complementares relativas carreira dos estudantes de ps-

    graduao e s condies de trabalho dos professores universitrios. ___________ 248

    4.4.2 Hipteses complementares relativas promoo de transferncia de

    tecnologia universitria e relaes pesquisa-mercado. _______________________ 252

    4.4.3 Hipteses complementares relativas s mudanas na cultura acadmica

    (empreendedora) e ao aprendizado por interao. __________________________ 256

    4.4.4 Hipteses complementares relativas s caractersticas das empresas e das

    tecnologias em torno das quais geralmente desenvolvem-se os empreendedores. __ 259

    4.5 Procedimentos metodolgicos: mtodos e tcnicas de pesquisa. ______ 263

    4.5.1 Mtodos. __________________________________________________ 263

    4.5.2 Tcnicas e fontes de dados. ____________________________________ 266

    4.6 Amostra e mbito de pesquisa. _________________________________ 274

    4.6.1 Focalizando a amostra. _______________________________________ 275

    4.6.2 Focalizando o mbito de pesquisa. ______________________________ 277

    4.7 Descrio dos mbitos de pesquisa. _____________________________ 286

  • 11

    4.7.1 O CIETEC. _______________________________________________ 286

    4.7.2 A POLI-Junior. ____________________________________________ 291

    4.8 Apresentao de resultados e teste das hipteses. _________________ 293

    4.8.1 Pr-teste das hipteses principais. _____________________________ 293

    4.8.2 Pr-teste das hipteses complementares. ________________________ 302

    4.9 Concluses do quarto captulo. ________________________________ 331

    CAPTULO 5 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO E

    CONCLUSES. ____________________________________________________ 338

    5.1 Contexto e objetivos das entrevistas com empresrios incubados. ____ 338

    5.2 Traos tpicos da trajetria e do discurso dos empreendedores

    entrevistados. _______________________________________________________ 339

    5.3 Condies de trabalho: sobre a existncia dum suposto exrcito cientfico

    de reserva. ________________________________________________________ 363

    5.4 Relaes com a academia e com o mercado: evidncias dum campo

    intermedirio. ______________________________________________________ 372

    5.5 Sobre as fontes e as origens das disposies e capacidades empreendedoras.

    ___________________________________________________________________ 397

    5.6 Os empreendedores como portadores de inovaes disruptivas. _____ 426

    5.7 Concluses do quinto captulo. ________________________________ 430

    CONCLUSO FINAL. __________________________________________ 439

    BIBLIOGRAFIA. ______________________________________________ 451

    Anexo 1: Questes das entrevistas (primeira fase e segunda fase). ______ 469

    Anexo 2: Amostragem das tecnologias desenvolvidas. ________________ 273

    Anexo 3: Carta de apresentao para as entrevistas. _________________ 478

  • 12

    LISTA DE GRFICOS, FIGURAS, MAPAS E TABELAS

    Grfico 1.1: Preferncia por ter negcio prprio (comparativo internacional).

    Grfico 1.2: Evoluo das incubadoras de empresas no Brasil (1988-2011).

    Grfico 1.3: Evoluo das empresas juniores no Brasil (2004-2011).

    Grfico 1.4: Estudantes vinculados a empresas juniores no Brasil (2004-2011).

    Grfico 1.5: Oramento total executado pelo CNPq (1980-2000).

    Grfico 1.6: Dispndio nacional em P&D em milhes de reais (2000-2010).

    Grfico 1.7: Empresas que inovam em produto e processo: (comparativo

    internacional).

    Grfico 1.8: Percentual de empresas inovadoras conforme as sries da PINTEC

    (1998-2008).

    Grfico 1.9: Evoluo da taxa de empreendedores iniciais (2002-2010).

    Grfico 1.10: Mestrados e doutorados concedidos no Brasil (1996-2010).

    Figura 2.1: Representao esquemtica das inovaes incrementais.

    Figura 2.2: Representao esquemtica das inovaes descontnuas.

    Figura 2.3: Representao esquemtica das inovaes disruptivas.

    Grfico 2.1: Evoluo do nmero de solicitaes e concesses e de auxlio

    pesquisa em pequenas empresas (1997-2013).

    Figura 2.4: A onda longa de Schumpeter com as estratgias inovadoras de Freeman.

    Figura 2.5: Representao esquemtica dos campos cientfico, econmico e

    tecnolgico.

    Grfico 3.1: Desembolsos (em milhes de reais) do FNDTC e da FINEP (1967-

    1985).

    Grfico 3.2: Desembolsos (em milhes de reais) do FNDTC e da FINEP (1986-

    2004).

    Grfico 3.3: Evoluo do oramento (em milhes de reais) do FNDCT (1998-2004).

    Tabela 4.1: Distribuio das incubadoras de empresas de tecnologia por Regies e

    por Estados (2006).

    Mapa 4.1: Distribuio das incubadoras de empresas e parques tecnolgicos por

    Estado (2012).

    Tabela 4.2: Localizao e vinculao dos centros de pesquisa e laboratrios por

    microrregio do Estado de So Paulo.

  • 13

    Mapa 4.2: Distribuio dos ndices ocupacionais em C&T, separados por

    microrregies do Estado de So Paulo.

    Mapa 4.3: Nmero de patentes por 100 mil habitantes, separados por microrregies

    do Estado de So Paulo.

    Grfico 4.1: Evoluo dos depsitos de patentes pela USP (1992-2012).

    Grfico 4.2: Distribuio dos depsitos de patente da USP (agregados por unidade).

    Grfico 4.3: Distribuio das empresas juniores por cursos (Brasil, 2012).

    Tabela 4.3: Nmero de empresas incubadas e faturamento (2010-2013).

    Tabela 4.4: Nmero de patentes e marcas protocoladas e registradas pelas empresas

    incubadas no CIETEC (recente 2010-2013 e perodo 1998-2013).

    Figura 4.1: Hiptese terica sobre o destino do exrcito cientfico de reserva.

    Grfico 4.4: Evoluo das matrculas em cursos de graduao no Brasil entre 2002

    e 2012.

    Grfico 4.5: Evoluo dos ttulos de mestre e doutor concedidos no Brasil entre

    1996 e 2011.

    Grfico 4.6: Evoluo geral dos ttulos de mestres e doutores pela USP (1998-

    2010).

    Grfico 4.7: Diferena salarial em reais entre trabalhadores com ou sem diploma

    superior.

    Grfico 4.8: Faixa salarial do primeiro emprego dos graduados em engenharia

    (2009-2013).

    Tabela 4.5: Produo legal federal voltada para C&T, dividida em subreas (2004-

    2014).

    Grfico 4.9: Evoluo da produo legal federal para a C&T (total por ano) 2004-

    2014.

    Grfico 4.10: reas de concentrao das tecnologias desenvolvidas pelas empresas

    ento incubadas e j formalizadas (CIETEC - 2014).

    Figura 5.1: Barreiras e tenses entre empresrios e pesquisadores: o papel das

    empresas incubadas.

    Figura 5.2: Representao esquemtica dos ciclos de acumulao de capitais.

  • 14

    APRESENTAO GERAL

    O leitor est diante dum esforo de compreenso dum fenmeno cuja

    complexidade, ambigidades e dinamismo tornaram necessrios uma abordagem ao

    mesmo tempo caleidoscpica e estratificada. Caleidoscpica devido possibilidade de

    enfocarmos o fenmeno empreendedor a partir de diferentes perspectivas -- a espacial, a

    temporal, a estrutural; mas tambm a organizacional, a econmica, a psicolgica, a

    sociolgica. E estratificada devido necessidade de explorao do fenmeno por meio

    dum descascamento progressivo das suas diferentes camadas de significado. Noutras

    palavras, os empreendedores que acompanhamos podem ou devem ser situados, antes de

    mais nada, num espao social dentro do qual eles se relacionam com atores e instituies

    que funcionam conforme outras lgicas, segundo outros meios. Ao mesmo tempo, o

    fenmeno empreendedor o resultado incipiente duma srie de processos histricos

    recentes pelos quais passaram a univversidade, a comunidade tecnocientfica, a indstria

    nacional e o empresariado. Por conta disto, os dois primeiros captulos deste trabalho

    visam a no apenas definir a questo, problematizando-a e contextualizando-a (Captulo

    1), mas tambm situar o fenmeno que estudaremos em seu devido lugar no espao social

    (Captulo 2) e no tempo social (Captulo 3).

    Quanto abordagem estratificada, poderamos aqui antecipar que aqueles que

    denominamos empreendedores so inicialmente acessveis por uma "periferia de

    sentidos" que nos chega facilmente por meio dum discurso ideolgico de justificao dum

    novo perfil de pesquisadores e empresrios: pesquisadores mais atentos aplicao

    prtica e comercial das suas inovaes; e empresrios mais interessados em entabular

    parcerias com a academia. Essa camada exterior de sentidos , como dissemos acima,

    facilmente acessvel -- seja por meio das publicaes miditicas e populares a respeito do

    empreendedorismo, seja por meio dum vis sutilmente ideolgico presente nas polticas

    pblicas, nas entrevistas dadas pelos responsveis por tais polticas ou pelos diretores das

    instituies que intermedeiam os relacionamentos entre pesquisa e mercado, seja ainda

    pela forma como os empreendedores que entrevistamos do um sentido coeso e

    racionalizam a posteriori suas trajetrias pessoais, muitas vezes, variadas e errticas. Esta

    camada externa j descascaremos e descartaremos no primeiro captulo.

    Contudo, o discurso que os empreendedores e os proponentes de polticas pblicas

    do de si mesmos e do fenmeno no qual esto envolvidos dirige-se, de certa forma, para

  • 15

    consumo externo. Ou so a argamassa ideolgica que congregar num discurso comum

    a nova coaliso recm-criada em torno das pesquisas cientficas e tecnolgicas no Brasil;

    ou so caractersticas realmente presentes na relao pesquisa-mercado no exterior, mas

    que, comparadas condio brasileira, ganham um tom de emulao e proposio; ou

    so, por fim, uma maneira acessvel e sinttica de os empreededores se autodefinirem, a

    despeito das trajetrias errticas que descrevem. Uma melhor explorao do

    empreendedorismo universitrio e corporativo, ento, ser realizada em duas etapas

    sucessivas. Na primeira (Captulo 4), uma incurso inicial no campo permitir que, com

    base em observaes e entrevistas informais, definamos nossa metodologia,

    qualifiquemos as hipteses de trabalho e tracemos um panorama preliminar do que ocorre

    nesses meios onde pesquisadores e empresrios se encontram e interagem. Na segunda

    (Captulo 5), um mergulho mais profundo nas camadas internas do fenmeno peritir que,

    com base em mais observaes e entrevistas aprofundadas (semiestruturadas) testemos

    as hipteses relativas origem, perfil, trajetria acadmica e profissional, aquisio de

    capacidades e disposies empreendedoras e relaes com outros pesquisadores e

    empresrios.

    A presente pesquisa, portanto, deve ser lida como uma longa narrativa mas no

    sobre um personagem individual, identificado e facilmente reconhecvel, e sim sobre uma

    pessoa coletiva, ambguo, complexo, dinmico e que se orgulha desses adjetivos. Esta

    tese tem por objetivo analisar o fenmeno do empreendedorismo universitrio e

    corporativo, nominalmente, os casos de ex-estudantes e ex-professores que assumem

    papis e funes comumente consideradas empresariais seja gerindo com enfoque

    mais corporativo e pr-mercado seus laboratrios e departamentos; seja administrando,

    paralelamente s atividades costumeiras de docncia, pesquisa e extenso um portflio

    lucrativo de patentes; seja ainda levando ao mercado suas prprias inovaes em

    empresas incubadas, fundadas por eles prprios; seja, finalmente, atuando como agentes

    de transferncia de tecnologias e mediadores da cooperao pesquisa-mercado em

    fundaes privadas, incubadoras de empresas e empresas juniores. Delimitamos nossos

    interesses de pesquisa nos empreendedores universitrios atuantes na incubadora de

    empresas CIETEC, hospedada dentro do IPEN, no campus da USP-Capital.

    A tese principal defendida neste trabalho que o empreendedorismo universitrio

    e corporativo a tentativa mais recente de estreitar as relaes entre universidades,

    institutos de pesquisa e empresas pblicas e privadas. Ele tambm uma vlvula de

    escape para a absoro dum certo perfil de professores, pesquisadores e estudantes cujos

  • 16

    perfiis mais pragmticos e agressivos ou empresariais e mercadolgicos no

    permitiram que eles se enquadrassem (e veremos o porqu) nas carreiras tradicionais e,

    finalmente, ele uma ideologia ou discurso por meio do qual se legitima uma nova

    coalizo criada na ltima dcada ao redor da poltica cientfica nacional. O

    empreendedorismo, possuindo uma origem que se confunde com os percalos das

    polticas pblicas para a pesquisa cientfica e tecnolgica no Brasil, tambm tem formas

    de transmisso, aprendizado, inculcao e enraizamento que tambm trataremos nesta

    tese.

    Nossa ateno para a questo, despertada j durante o mestrado, veio tona ao

    notarmos uma paulatina transio do perfil dos atores relevantes nos institutos pblicos

    de ensino e pesquisa, aps a crise dos anos 1980 e 1990, com a subseqente reestruturao

    dessas instituies. No s os discursos e posturas exibidos por eles eram diferentes do

    que supnhamos encontrar conforme a imagem clssica do mundo da cincia [MERTON,

    1977], como tambm notamos com uma guerra tcita entre as novas elites e as velhas

    elites estas sim, mais engajadas com a autonomia acadmica e antipticas s presses

    do mercado. Estas evidncias marginais nos fizeram refletir sobre o que estaria

    provocando ou incentivando essa nova cultura de negcios na pesquisa e essa transio

    tectnica de terrenos. Com base nisto, o presente trabalho est estruturado da seguinte

    maneira.

    No primeiro captulo, ao evidenciaremos que as comunidades tecnocientfica e

    empresarial so hierarquizadas, diversificadas e segmentadas, levantaremos a

    possibilidade de existncia, entre elas, dum agrupamento especfico de indivduos que

    denominamos empreendedores. Haja vista que as reas de ponta, com mais tecnologia

    agregada, so justamente aquelas que mais fortemente conjugam cientistas, tecnlogos e

    empresrios, julgamos ser este o mbito de pesquisa que devemos explorar. Nossa tese,

    ento, poder ser inserida na sociologia da tecnologia, com possibilidade de implicaes

    para a sociologia econmica, do trabalho, da educao e das organizaes.

    Veremos que uma srie de mudanas poderia ter produzido, nas ltimas dcadas,

    um campo social intermedirio (bastante incipiente) interpenetrado entre o cientfico e o

    econmico que denominamos campo tecnolgico e detalhamos no segundo captulo.

    Nesse campo, uma pluralidade de instituies emergiria como intermedirias entre os

    pesquisadores e os empresrios. Dedicadas s vrias fases de aperfeioamento, de

    comercializao e de transferncia de tecnologias, esses meios hbridos so interfaces de

    trocas teis entre a pesquisa e a produo, permitindo que cientistas, tecnlogos,

  • 17

    engenheiros, investidores, empresrios e clientes interajam e se influenciem mutuamente.

    Supondo que haja uma possibilidade de que os empreendedores sejam o resultado dum

    processo de aprendizado por interao, cremos serem estes os ambientes onde os

    empreendedores se desenvolvem. Por isto, nosso objeto de estudo o empreendedor tal

    como se desenvolve em incubadoras de empresas e empresas juniores insituies que

    situamos nesse campo social intermedirio: o tecnolgico.

    Ainda no primeiro captulo, partiremos para uma avaliao da literatura disponvel

    sobre o tema, com vistas a melhor defini-lo e deline-lo. Veremos que as publicaes nas

    reas de cincias sociais apegam-se a uma viso desatualizada ou idealizada do que seria

    a pesquisa cientfica neutra e pura e, a partir dessa viso, tratam de maneira condenatria

    e desabonadora os pesquisadores que, no plano real, aquiescem aos interesses

    econmicos. J a literatura econmica e corporativa apresenta um vis contrrio: so

    laudatrias e prescritivas. Alm de disperso e ideolgico, esse enfoque ignora os aspectos

    diacrnicos (o histrico da pesquisa cientfica no Brasil), sistemticos (os processos

    macro e micro da relao entre cincia e capital) e estruturais (os agentes em sua

    hierarquia e segmentao) do fenmeno. Esta literatura, muitas vezes, d-nos acesso

    apenas quilo que definimos acima como sendo a periferia de significados e os

    discursos para consumo externo a respeito do empreendedorismo.

    No segundo captulo, nosso objetivo ser situar nosso problema de pesquisa num

    espao social e num referencial terico que nos permitir abordar a questo com maior

    propriedade e densidade. Como o tema que queremos analisar intere-se na questo da

    inovao, achamos por bem comear nossa insero terica tratando de como,

    primeiramente, a economia e a administrao abordaram o tema, para ento apresentamos

    a abordagem sociolgica. Veremos neste segundo captulo que a economia oferecer-nos-

    uma interessante tipologia das inovaes: as inovaes incrementais, baseadas em

    pequenas melhorias contnuas dum invento j conhecido; as inovaes descontnuas, que

    se baseiam em grandes avanos tcnicos que oferecem produtos ou processos que no

    existiam no mercado; e por fim, as inovaes disruptivas, que geralmente oferecem

    solues mais simples e baratas que as tecnologias estabelecidas, mas com o potencial de

    desbanc-las no futuro. So essas inovaes disruptivas que, conforme pensamos,

    constituem o foco dos empreendedores universitrios e corporativos.

    A teoria econmica tambm nos oferecer um bom repertrio de conceitos e

    modelos para abordarmos o empreendedorismo. Embora repleta de descries parciais e

    eivadas de ideologia de justificao, foram os economistas que inicialmente teorizaram

  • 18

    sobre as caractersticas, disposies, habilidades e importncia dos empreendedores na

    economia capitalista. Ademais, foi com Schumpeter que, pela primeira vez, os conceitos

    de empreendedorismo, inovao tecnolgica e crescimento econmico foram sintetizados

    num modelo nico. A abordagem schumpeteriana do empreendedorismo tem o condo

    de unir, num mesmo modelo, trs coisas que antes encontravam-se dissociadas: a

    atividade do empresrio pioneiro como criador de novos mercados, o papel da inovao

    tecnolgica como criadora de riqueza imaterial e os ciclos da economia capitalista como

    fases paralelas introduo, difuso e saturao de inovaes tecnolgicas no mercado.

    Outros autores tambm oferecero importantes contribuies, no s

    compreenso do comportamento empreendedor como tambm ao papel das inovaes na

    economia. A fortuna crtica posterior a Schumpeter tentou elaborar modelos mais ou

    menos lineares para explicar o surgimento das inovaes tecnolgicas. Dentre estes

    modelos, temos o science push (as inovaes tecnolgicas so impulsionadas pela oferta

    de cincia bsica) e o demmand pull (as inovaes tecnolgicas surgem incentivadas a

    atenderem demandas do mercado). Quando traduzidos e incorporados ao debate das

    polticas pblicas de C&T no Brasil, esses dois modelos inspiraram polticas

    vinculacionistas ou neovinculacionistas que buscavam incentivar as relaes entre

    pesquisa e mercado, a partir das quais (imaginava-se) o conhecimento universitrio teria

    aplicao industrial e, alternativamente, as demandas da indstria chegariam academia.

    Veremos os motivos pelos quais essas tentativas fracassaram e como o

    empreendedorismo, possvelmente aparece como alternativa e superao das tentativas

    anteriores de relao pesquisa-mercado.

    A abordagem econmica, quando somada viso sociolgica, permitir-nos-

    explicar um impasse tanto das polticas pblicas brasileiras para a rea de inovao, como

    das teorias mais crticas (com vis sociolgico e marxista) sobre o sistema nacional de

    C&T. Por um lado, nossos empresrios so descritos como sendo os antpodas do

    empreendedor schumpeteriano: inovam pouco, arriscam-se menos ainda e, quando so

    instados a investir em tecnologia, preferem importar mquinas ou elaborar imitaes. Por

    outro lado, nossos cientistas so descritos (s vezes, por aqueles mesmos empresrios)

    como alheios ao mundo, presos numa torre de marfim terica, distantes dos problemas

    cotidianos da sociedade e pouco afeitos s aplicaes prticas do conhecimento

    universitrio. Por outro lado, no raro, a sociologia descreve os professores e

    pesquisadores universitrios acossados por presses do mercado, quantificao do

    conhecimento e deteriorao das condies de pesquisa e docncia fenmenos que

  • 19

    supostamente seriam provocados por uma subsuno da pesquisa aos interesses do

    mercado. Estas duas narrativas certamente no se encaixam. Como ficamos ento?

    Uma das ambies deste trabalho ser matizar a viso deste cenrio, mostrando que

    uma parte destas anlises, quando no so totalmente equivocadas, faze parte dos

    discursos que ambos os lados pesquisadores e empresrios destinam sociedade e ao

    governo, como forma de unificar as coalizes polticas das quais fazem parte e como

    forma de justificarem os papis e funes do seu trabalho. Por outro lado, h uma parcela

    de empresrios e uma parcela de pesquisadores que certamente no se enquadram nem

    no perfil do industrial tradicional produtor de imitaes, nem no perfil do cientista isolado

    em torres de marfim tericas. O que buscaremos mostrar nos prximos captulos a

    existncia (ainda que incipiente e prematura) de novos perfis de atores tanto do campo

    cientfico como do campo econmico aqueles, enfim, que denominamos

    empreendedores universitrios e corporativos. E foi para conseguir matizar um pouco este

    cenrio e comear a ver nele as diferenas, conflitos e misturas que inclumos as

    contribuies da sociologia do conhecimento.

    Cremos que uma resenha (mesmo que sucinta) das principais abordagens da

    sociologia do conhecimento e das inovaes tecnolgicas tornaria esta tese, alm de ainda

    mais longa, excessivamente bibliogrfica. Por isto, dentre os autores que poderiam nos

    embasar no estudo da cincia, optamos por Bourdieu e sua teoria dos campos sociais.

    Como nossos agentes os empreendedores inserem-se em atividades de inovao

    tecnolgica, e como estas atividades so uma unio entre as demandas ou ofertas da

    cincia com as demandas ou ofertas do mercado (pouco importando aqui o sentido da

    causalidade), entender como se do as relaes entre campo cientfico e campo

    econmico pareceu-nos interessante para nossa fundamentao sociolgica.

    A teoria dos campos permitir que vejamos o mundo da cincia como um campo

    de lutas, hierarquizado pela distribuio diferencial dum capital simblico fundado em

    atos de conhecimento e de reconhecimento. A estrutura oriunda dessa distribuio

    diferencial incorporada aos indivduos sob a forma de disposies chamadas de habitus.

    Os campos, alm disso, incutem em seus agentes a crena de que os jogos e lutas que ali

    se travam so importantes em si mesmos, criando uma illusio que adere os agentes aos

    mveis daquele campo, tornando os moveis dos campos vizinhos sem interesse para eles.

    A questo se torna, porm, mais interessante quando postulamos a possibilidade de que

    os campos vizinhos o cientfico e o econmico entrem em confluncia, afinidade e

    sintonia, misturando e confundindo os objetivos das lutas dos campos, os mveis, as

  • 20

    hierarquias e estruturas, as vises, prticas e valores, criando, com isto, um hbrido de

    empresrio e pesquisador que supomos serem os nossos empreendedores.

    Alis, o esforo explcito das polticas pblicas nas ltimas duas dcadas foi mesmo

    o de aproximar os destinos desses campos, emulando e produzindo entre as universidades,

    institutos de pesquisa e empresas pblicas e privadas interfaces de comunicao tendentes

    a criar instituies intermedirias entre o campo cientfico e o campo econmico:

    fundaes privadas, incubadoras de empresas, parques cientficos e tecnolgicos,

    empresas juniores, ncleos de inovao, escritrios de transferncia de tecnologias, etc.

    So estas instituies que formariam, conforme nossa hiptese heurstica, um campo

    social intermedirio que denominamos tecnolgico, sendo nele que ocorrem as mutaes

    alqumicas entre cincia e capital; sendo nele que os papis e funes do pesquisador e

    do empresrio confundir-se-iam num misto de ambos: os empreendedores.

    No terceiro captulo, nosso objetivo ser o de situar o surgimento e a recente

    emergncia desse novo perfil de pesquisador-empreendedor em sua devida dimenso

    histrica. De modo a entendermos melhor a origem do problema de pesquisa, delinearmos

    de maneira mais matizada as caractersticas que apresentamos no primeiro captulo e

    traaremos um histrico de surgimento daquilo que chamamos de campo social

    tecnolgico intermedirio ao campo cientfico e ao campo econmico, onde esperamos

    encontrar nossos agentes. Noutras palavras, se no primeiro captulo apresentamos o

    problema e no segundo captulo tentamos situ-lo na tradio terica (Schumpeter) e no

    espao social (Bourdieu), no terceiro captulo, situaremos nosso tema em seu tempo

    social.

    Como veremos, a histria da pesquisa cientfica e tecnolgica brasileira, assim

    como a histria das suas tentativas de se relacionar com o setor produtivo agrcola e

    industrial, pode ser dividida em algumas fases bem definidas. Primeiramente, temos um

    perodo formativo que vai do final dos anos 1940 at meados dos anos 1960. Neste

    perodo, temos a criao das primeiras entidades de representao dos pesquisadores, a

    fundao de entidades de fomento pesquisa e a expresso duma ideologia de justificao

    fundada no progresso cientfico e na independncia econmica. nesse momento que a

    comunidade cientfica brasileira comea a se constituir como corporao, criando uma

    coalizo poltica em torno do Estado, pressionando-o por iniciativas que, na maioria das

    ocasies, atendiam apenas aos interesses dessa mesma comunidade.

    Posteriormente, temos um perodo de consolidao que vai de meados dos anos

    1960 at o final dos anos 1970, e compreende quase todo o perodo militar. o momento

  • 21

    dos grandes projetos nacionais, com o lanamento peridico de programas de fomento

    pesquisa bem mais direcionados e estruturados, por meio dos quais os militares visavam

    a conquistar a adeso duma parte da intelectualidade, transformando-a numa tecnocracia

    servio do governo, e tambm justificarem seus projetos de modernizao conservadora

    da sociedade e da economia brasileiras. desse perodo o lanamento dos vrios planos

    nacionais de desenvolvimento cientfico e tecnolgico, que garantiram aos professores e

    pesquisadores universitrios uma certa segurana financeira. O iderio que ungia essa

    coalizo entre cincia e poder era o da segurana nacional e o do desenvolvimento

    macroeconmico, baseado em programas ofertistas por meio dos quais esperava-se um

    maior crescimento econmico e bem-estar social, numa ponta, como resultado dum

    investimento em cincia e educao, noutra ponta.

    No perodo que vai do final dos anos 1970 e se at meados dos anos 1990, o sistema

    nacional de C&T sofre um duro abalo. A crise do Estado, a superinflao, a dependncia

    estrangeira, a dvida externa e a redemocratizao rompem a coalizo anterior entre

    cientistas e militares, criando espaos intersticiais de reivindicao que minam o poder

    de barganha da comunidade cientfica brasileira. O perodo marcado por sucessivas

    diminuies nas dotaes estatais para a pesquisa, ameaando at mesmo os projetos em

    andamento. Essa crise, por outro lado, cria a ocasio para as primeiras tentativas de

    aproximao entre as universidades, os institutos de pesquisa e as empresas pblicas e

    privadas. Ainda que feitas de maneira informal e incipiente, tais aproximaes

    pretendiam ora produzir resultados tangveis de tecnologias e chamar a ateno da

    sociedade para a importncia da pesquisa acadmica, ora complementar os recursos

    decrescentes por meio de prestao de servios e transferncia de tecnologias da academia

    para as empresas.

    No perodo seguinte que vai da segunda metade dos anos 1990 at o incio dos

    anos 2000 , aquelas tentativas iniciais de aproximao da pesquisa com o mercado vo

    sendo formalizadas por uma nova legislao de propriedade intelectual e de renncias

    fiscais para as empresas que investissem em tecnologia. Um novo arcabouo institucional

    e legislativo implementado, ento, para dar ossatura e segurana jurdica queles

    encontros entre cincia e capital que, antes, eram feitos num vcuo legal. O iderio da

    inovao a sntese desse novo papel do Estado como mero facilitador e interlocutor da

    aproximao entre pesquisadores e empresrios. Nesse momento, surge uma mirade de

    instituies intermedirias, criadas para fazerem a interface de traduo entre a lgica do

    campo cientfico com a lgica do campo econmico, produzindo, como resultado

  • 22

    esperado desta unio as seguintes conquistas: tecnologias inovadoras que permitiriam aos

    empresrios brasileiros fazerem frente concorrncia internacional; pesquisas que

    tornariam essas inovaes acessveis sociedade, sob a forma de melhores empregos,

    produtos e servios; e transaes e cooperaes que garantiriam rendas extras academia,

    sob a forma de royalties para financiar as pesquisas.

    Porm, no foi bem isso o que aceonteceu. dessa poca o boom das fundaes

    privadas, das incubadoras de empresas, das empresas juniores, dos parques cientficos e

    tecnolgicos, dos ncleos de inovao e dos escritrios de transferncia de tecnologia

    rgos que, conforme nossa hiptese, formariam um incipiente campo social

    intermedirio entre o cientfico e o econmico, engendrando em seu seio um novo perfil

    de empreendedores universitrios e corporativos, surgidos como resultado do

    aprendizado interativo, das sinergias e da convivncia entre pesquisadores e empresrios.

    Tambm so dessa poca alguns planos e prticas de reforma dos institutos pblicos de

    pesquisa e das universidades estaduais e federais, que procuravam direcionar a pesquisa

    acadmica s supostas demandas do mercado um mercado que ironicamente insistia em

    no demandar nada das universidades.

    As crises dos anos 1980 e 1990 pareceram ter impactado mais no comportamento

    dos pesquisadores que o comportamento dos empresrios. Em sua grande maioria e

    malgrado algumas mudanas por parte de eventuais pioneiros e inovadores, os

    empresrios brasileiros continuaram pouco ou nada interessados em pesquisa acadmica,

    preferindo, quando inovam, importar mquinas e produzir imitaes. Porm, uma parte

    dos pesquisadores brasileiros parece ter sentido fundo o perodo crtico. Em poucas

    palavras, a crise produziu uma seleo natural na comunidade de pesquisa brasileira,

    fazendo prevalecer um pesquisador mais atento s presses polticas e s demandas

    econmicas, mais hbil na prospeco de oportunidades financeiras, mais agressivo na

    disputa por fundos de pesquisa, mais capaz, portanto, de sobreviver a uma poca de

    recursos escassos.

    aqui que ns chegamos ao cerne do problema. Diante da inexistncia dum

    empresariado com vis schumpeteriano, capaz ento de materializar em produtos e

    servios inovadores suas pesquisas, levando sociedade os resultados do trabalho

    acadmico e, com isto, legitimando e justificando a existncia dos cientistas, professores

    e engenheiros numa sociedade que teima em dispens-los, o pesquisador brasileiro passa

    ento a mimetizar os discursos e prticas dum empresrio que ele no v, mas com o qual

    ele gostaria de se relacionar. Lado a lado, portanto, das chamadas autonomia pelas

  • 23

    quais uma velha elite acadmica mais tradicional tenta ainda hoje salvar suas condies

    pretritas de trabalho, garantidas pela autonomia universitria e pela liberdade de ctedra,

    essa outra elite, minoritria mas ascendente, oriunda das cincias exatas e sobretudo das

    engenharias, profere um discurso contrrio da abertura ao arbitrrio social

    econmico, da importncia e necessidade de parcerias com as empresas. esse grupo

    que denominamos empreendedores universitrios.

    No quarto captulo, buscaremos apresentar os procedimentos metodolgicos, as

    hipteses de trabalho, a amostra e o mbito de pesquisa, seguidos dos resultados e

    concluses preliminares que fizemos com base nos dados coletados na primeira etapa do

    nosso trabalho de campo. Em poucas palavras, pretendemos responder s quatro

    perguntas que geralmente so feitas ao incio duma investigao: o que pesquisar? (nosso

    tema ou objeto, pergunta ou problema); por que pesquisar (as justificativas tericas e

    prticas que motivaram nossa escolha pelo tema e sua possvel relevncia para a

    sociologia do conhecimento e para as polticas pblicas em C&T); como pesquisar? (os

    mtodos ou desenho de pesquisa adotado, alm das tcnicas de obteno dos dados); onde

    pesquisar? (o mbito de pesquisa, caso ou local onde realizaremos nossas investigaes).

    Respondendo a estas perguntas, teremos condies de elaborar o material coletado em

    campo e apresentar os primeiros resultados (a segunda camada de sentidos).

    Como j definido no primeiro captulo, nosso objetivo com este trabalho era

    entender se a emergncia recm-percebida dum novo perfil de pesquisadores-empresrios

    era o resultado duma alternativa s tradicionais carreiras na docncia, no servio pblico

    e na iniciativa privada; se os empreendedores universitrios e corporativos cumpriam a

    funo de substituir com vantagens (quais?) as velhas e parcialmente fracassadas

    tentativas de aproximao da pesquisa com o mercado; se o fenmeno era em si o

    resultado de adaptaes reativas ou proativas s mudanas histricas sofridas pelas

    instituies de ensino e pesquisa durante as ltimas dcadas; se o empreendedorismo era

    a conseqncia de esforos da academia por instigar (como?) uma nova cultura de

    negcios entre os estudantes e professores; se era a resultante dum processo de

    aprendizado por interao entre pesquisadores e empresrios convivendo em ambientes

    de inovao dinmicos e variados; se a alternativa de empreender era um alvio presso

    exercida sobre o mercado de trabalho qualificado por um exrcito cientfico de reserva;

    ou, por fim, se a criao da prpria empresa e sua hospedagem numa incubadora eram a

    nica chance para que certos tipos de inovaes imaturas, porm, promissoras

    pudessem ingressar no mercado.

  • 24

    Do ponto de vista terico, nossa pesquisa buscar trazer para a sociologia um tema

    que geralmente caro aos economistas e administradores. Abordar o empreendedorismo

    sub uma perspectiva sociolgica preocupar-se menos em emul-lo com passos,

    chaves e segredos e mais em incluir na anlise o todo social, os conflitos, os

    interesses, as dualidades, as hierarquias e metamorfoses que fatalmente enredam o

    problema. Mas as pretenses desta tese no se resumem a preencher uma lacuna terica.

    Esperamos tambm auxiliar (malgrado as evidentes limitaes e eventuais problemas de

    toda tese) a proposio de melhores polticas pblicas para a rea de C&T seja

    objetivando minimizar os tradicionais obstculos relao pesquisa-mercado com vistas

    ao melhor aproveitamento do conhecimento universitrio, seja ainda alertando para os

    possveis impactos negativos que esta relao poder trazer sobre a autonomia

    universitria, o livre acesso ao conhecimento tecnocientfico e s condies de trabalho

    de ensino e pesquisa.

    Com base nas perguntas de pesquisa e em inmeras conjecturas espalhadas pelos

    captulos, lanaremos dois conjuntos de hipteses. O primeiro deles supor ser o

    empreendedorismo universitrio e corporativo uma alternativa (inicialmente improvisada

    e mais tarde estruturara) para o clssico problema e como levar sociedade os resultados

    da pesquisa acadmica sob a forma de produtos e processos inovados, sendo que os

    agentes capazes desta tarefa os empresrios brasileiros no se mostram interessados

    em investir em tecnologia nem se relacionarem com a universidade. O segundo conjunto

    de hipteses versar sobre explicaes adicionais para as caractersticas, as origens e o

    papel desses agentes, assim como a formao e a transmisso da cultura de negcios no

    ambiente acadmico.

    Lanadas as hipteses, passaremos a detalhar nossos procedimentos metodolgicos.

    Um dos problemas que enfrentamos desde logo foi que a quantidade e complexidade das

    questes que queramos responder no permitiam a realizao nem duma pesquisa com

    carter quantitativo-probabilstico, nem duma amostragem muito grande, o que

    provavelmente multiplicaria as variveis, tornando-as impossveis de serem

    operacionalizadas posteriormente. Tendo isto em conta, optamos por realizar uma

    pesquisa qualitativa, de carter indutivo, baseada num estudo de caso de incubadores de

    empresas (um caso: o CIETEC) e de empresas juniores (um caso: a POLI-Junior), a partir

    dos quais coletamos nossa amostra (os informantes e entrevistados). As tcnicas

    empregadas foram o levantamento bibliogrfico e documental, as observaes e as

  • 25

    entrevistas. As amostras e os mbitos de pesquisa foram selecionados por critrios de

    convenincia e exemplaridade.

    Aps o trabalho de levantamento documental, cotejamento da bibliografia e anlise

    crtica desse material, o trabalho de campo emprico foi realizado em duas etapas. Na

    primeira etapa (2011-12), foram feitas observaes e oito entrevistas informais com

    empresrios incubados e empresrios juniores que compunham o crculo prximo de

    contatos do autor desta tese, com o objetivo de mapear melhor o campo, qualificar as

    hipteses e delinear os problemas de pesquisa, orientando melhor as etapas posteriores,

    como a elaborao das entrevistas. Na segunda etapa (2014-15), foram feitas mais

    observaes e mais vinte entrevistas semiestruturadas, desta feita, somente com

    empresrios incubados, por meio das quais buscamos submeter as hipteses ao

    falseamento (comprovao, refutao, plausibilidade). O trabalho de campo cessou

    quando comeamos a perceber uma certa consistncia e repetio nos dados obtidos,

    graas tcnica da saturao.

    Malgrado as inportantes informaes que recolhemos na primeira etapa da pesquisa

    (Captulo 4), uma srie de outras questes ainda permaneciam sem esclarecimento. Por

    conta disto, a segunda etapa da pesquisa (Captulo 5) concentrou-se no trabalho de

    analisar as entrevistas aprofundadas (semiestruturadas) com os empresrios incubados no

    CIETEC. Portanto, no quinto e ltimo captulo, analisaremos as respostas dos informentes

    no tocante a quatro aspectos centrais: 1- origem e perfil, carreira e trajetria dos

    empreendedores universitrios e corporativos; 2- formas de aquisio das capacidades e

    disposies para empreender; 3- empreendedorismo e relao entre pesquisa e mercado;

    4- caractersticas das tecnologias incubadas. Veremos que as concluses do quinto

    captulo ora aprofundaro, ora relativisaro, ora impugnaro algumas hipteses lanadas

    no quarto captulo. Com base nesses resultados, teremos condies de sintetizar nossas

    concluses e propor algumas melhorias nas polticas pblicas para C&T.

    Por fim, fecharemos esta tese com uma concluso final onde resumiremos

    brevemente o passo a passo dos argumentos, conjecturas e evidncias acumulados nos

    captulos anteriores. Pretendemos tambm fazer uma reflexo a respeito das concluses,

    limitaes, impactos e possveis desdobramentos futuros deste tema. Certamente, uma

    tese com vis qualitativo sempre eivada de subjetivismo, pr-noes e artesanato

    sociolgico principalmente quando os agentes analisados encontram-se separados do

    pesquisador por um abismo ideolgico, axiolgico e epistmico; e ademais, quando o

    fenmeno estudado quase autodefinido por sua irredutvel (caleidscpica e

  • 26

    estratificada) complexidade. Alm disto, um estudo de casos acrescenta ao trabalho o

    desafio da falseabilidade, da repetibilidade e da possibilidade de extrapolao dos

    resultados. Estamos cientes desses e outros problemas. Ficaramos satisfeitos, entretanto,

    caso nosso trabalho tenha contribudo em dois pontos: trazer para a anlise da sociologia

    um tema at ento caro aos economistas e gestores de empresas; e abrir um leque de pistas

    para futuras pesquisas. Se no respondemos tudo, ao menos estamos certos de termos

    elaborado boas perguntas e termos levantado boas hipteses. Boa leitura!

  • 27

    CAPTULO 1 INTRODUO E DELINEAMENTO PRELIMINAR DO

    OBJETO DE ESTUDO.

    1.1 A emergncia do fenmeno empreendedor.

    Sobretudo na ltima dcada, como parte dum processo eclodido e acelerado pelas

    reformas dos institutos de pesquisa dos anos 1990, o campo da cincia vem assistindo ao

    surgimento e predomnio dum novo perfil de pesquisadores e universitrios. Trata-se no

    apenas duma simples mudana de geraes (certas vezes, provocada por iniciativas

    explcitas de incentivo renovao dos quadros via exoneraes e aposentadoria, como

    no caso da Embrapa e do Instituto Butant) [JARDIM, 2010; MELO, 2000]; mas sim

    dum cmbio tambm visvel no mbito dos valores, posturas e alianas desses agentes

    com outros elementos oriundos das fronteiras do mercado e do governo. Mudanas

    similares e paralelas de perfis pessoais e de posturas vm sendo detectadas, na ltima

    dcada, numa pequena parcela do empresariado brasileiro, sobretudo a partir da abertura

    do mercado s importaes (1991) e como reao adaptativa s exigncias do consumidor

    e da sociedade [ARBIX, 2007, p. 105-142].

    Sabatier [1993], dentre outros autores, mesclam uma explicao geracional com

    uma explicao axiolgica para o fenmeno da transio de condutas dos grupos de

    cientistas. Para ele, primeiramente, ocorre um aprendizado individual entre alguns atores-

    chave influentes no mbito cientfico, o que acarreta mudanas em suas orientaes,

    disposies e preferncias. Essas mudanas individuais sofrem resistncias tanto das

    estruturas institucionais como dos demais agentes do mesmo campo. Posteriormente, com

    o auxlio de fatores crticos externos (polticos, culturais, econmicos), ou devido s taxas

    de substituio geracional do pessoal de pesquisa dentro das instituies e em seus postos-

    chave, a resistncia inicial rompida e cria-se uma nova coalizo ao redor das novas

    atitudes e dos novos valores. Com isto, para o autor, nas comunidades de pesquisa

    combinam-se uma transio geracional e uma revoluo de paradigmas para formar uma

    nova elite.

    O objetivo deste primeiro captulo ser, portanto, delinear, ainda que de maneira

    preliminar, alguns traos desta mudana no campo da pesquisa cientfica. As informaes

    que coletamos na pesquisa de campo (quarto captulo) no nos permitem asseverar que

    estamos j diante dum novo regime de produo de cincias. Isto porque o histrico de

  • 28

    formao da comunidade cientfica brasileira [SCHWARTZMAN, 2001; RESENDE,

    2012], marcada por perodos de avano e recuo, excelncia e decadncia, isolamento e

    globalizao, demasiado complexo para, pensando em conjunto ou baseando-nos em

    alguns casos, extrapolarmos nossas concluses para todo o sistema nacional de cincia,

    tecnologia e inovao. Entretanto, as evidncias que mostraremos no quarto captulo

    permitir-nos-o afirmar isto sim que h um tnue vetor de deslocamento dos

    fenmenos ou, dizendo de maneira menos vaga: algo est mudando na pesquisa cientfica

    e tecnolgica brasileira.

    Embora faam meno ao empreendedorismo em bloco, como sendo a propenso

    a ter um negcio prprio em preferncia a trabalhar como empregado de terceiros, sem

    as distines especficas que faremos entre os inovadores e tradicionais, informaes

    disponveis colocam o Brasil em segundo lugar num levantamento internacional de

    propenso a empreender, com 76% dos respondentes afirmando a preferncia por ter um

    negcio prprio. [Vide Grfico 1.1]. Apenas atrs da Turquia (82%), o Brasil situa-se

    frente inclusive de pases tidos como o bero do empreendedorismo e da livre-iniciativa

    empresarial, como os EUA (51%), a Alemanha (29%) e o Japo (23%). E no apenas

    no comparativo internacional que o Brasil insere-se como uma nao de protagonismo

    empreendedor; nos ltimos anos, mais e mais pessoas declaram empreender em algum

    ramo de negcio. Dados da Receita Federal mostram que, entre 2009, 2010 e 2011,

    respectivamente, o Brasil contava com 77 mil, 810 mil e 1,7 milho de empreendedores

    autodeclarados.

    Outras pesquisas, cruzando dados qualitativos e dados quantitativos [BULGACOV

    & alii, 2011; PAIVA JNIOR; LEO & MELO, 2003] apontam para uma recente

    emergncia e protagonismo dos empreendedores jovens no Brasil, entre os 18 anos e os

    24 anos. Neste caso, porm, o fenmeno empreendedor tem a ver com caractersticas do

    mercado de trabalho para esta rea, criando certas barreiras que, somadas a incentivos,

    afunilam o caminho dos jovens a procurar o prprio negcio. Com efeito, o fenmeno

    que abordaremos nesta tese uma subespcie do empreendedor lato sensu: trata-se do

    empreendedor universitrio e corporativo, atuante em setores de inovao, especialmente

    aqueles inseridos em atividades de pesquisa em universidades, institutos de tecnologia,

    incubadoras de empresas, empresas juniores, start-ups tecnolgicas se spin-offs

    universitrias.

  • 29

    Grfico 1.1: Preferncia por ter negcio prprio (comparao internacional).

    Fonte: Eurobarometer / 2012; Endeavor Brasil / 2013.

    Cabe-nos aqui definir o que denominamos empreendedor. Segundo definio da

    OCDE1:

    Empreendedores so agentes de mudana e de crescimento numa economia de mercado, que

    agem de modo a acelerarem a criao, disseminao e aplicao de inovaes. Os

    empreendedores no restringem sua ao busca e identificao de oportunidades

    econmicas; com seus atos, dispem-se tambm a assumir os riscos inerentes s duas

    escolhas [OCDE, 1998, p. 45]

    Noutras palavras, o empreendedor um indivduo ou instituio que, atuando

    dentro duma estrutura j definida pela sociedade ou pelo mercado, com suas aes,

    ultrapassa os eventuais constrangimentos impostos por essas estruturas, alargando o

    horizonte dos possveis e dos pensveis e, muitas vezes, criando com isto novas condies

    estruturais que no estavam presentes. Em termos mais subjetivos, o empreendedor

    motivado pelo desejo de autonomia conquistada por via da iniciativa individual, pela

    nsia de conquista e crescimento, pela satisfao com a realizao de algo novo e pela

    propenso a assumir altos riscos. Quando analisado duma perspectiva econmica, o

    empreendedor o criador dum novo negcio, por meio da introduo de servios ou

    produtos com diferencial para aquele mercado. E embora nem todos os empreendedores

    sejam necessariamente inovadores ou ligados aos ramos de tecnologia, a correlao entre

    1 Fundada em 1960, a OCDE (Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico) uma organizao de cooperao internacional composta por 34 pases. Sua sede fica na cidade de Paris (Frana). A OCDE sucessora da OECE,

    que foi criada no contexto do Plano Marshall. Portanto, tinha como objetivo buscar solues para a reconstruo dos

    pases europeus afetados pela Segunda Guerra Mundial. A OECE existiu entre 1948 e 1960, ou seja, at a fundao da

    OCDE. Fonte: www.oecd.org.

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    Turquia Brasil China Coria E.U.A. Grcia Chipre U.E. Israel Blgica Alemanha Japo

    8276

    5653

    51 5045

    3734

    30 29

    23

    Percentual

  • 30

    empreendedorismo e inovao tecnolgica forte. As razes para isso, iremos mostrar

    no segundo captulo.

    Caso nosso objeto de pesquisa o empreendedorismo se apresentasse como

    prtica de atores totalmente livres de filiaes institucionais, ser-nos-ia possvel abord-

    lo sem a recorrncia aos mbitos de atuao dos mesmos. Entretanto, os indivduos que

    manifestam essa postura mais proativa na gerao de inovaes, com sua posterior

    transferncia para o mercado por meio da criao das prprias empresas, encontram-se

    geralmente trabalhando nas instituies citadas anteriormente: as incubadoras de

    empresas e as empresas juniores [BCHARD & GRGOIRE, 2005; GARTNER,

    DAVIDSSOM & ZAHARA, 2006; LEMOS, GRIZENDI & LOTUFO, 2006; PEREIRA,

    2007; COZZI, JUDICE, DOLABELA & FILION, 2008; LEMOS, 2008; FETTERS &

    alii, 2010; GUERRERO & URBANO, 2010; RENAULT, 2010]. Justamente, a

    correlao entre a emergncia do empreendedor como forma dominante dentre os

    produtores de tecnologia e inovaes, com o paralelo aumento verificado na criao de

    incubadoras de empresas e empresas juniores pelo Brasil na ltima dcada [Vide Grficos

    1.1, 1.2, 1.3], o que nos permite supor estarmos tratando dum binmio indivduo-

    instituio para este caso. No se trata apenas de coincidncia de fenmenos, mas a

    correlao entre uma nova categoria de pesquisador e novos arranjos para a relao entre

    pesquisa e mercado. Uma das ambies desta tese , alis, apresentar evidncias de que

    as incubadoras de empresas so, no caso do Brasil, as interfaces privilegiadas de

    transferncia de tecnologias da universidade para a indstria e para o comrcio; que as

    empresas juniores so, por sua vez, um dos meios pelos quais a cultura empreendedora

    se imiscui do ambiente acadmico e que, ainda, o fenmeno do empreendedor insere-se

    tanto num mbito como no outro ambos fazendo parte dum contexto maior de insero

    das universidades e institutos de pesquisa nas redes de produo capitalistas.

    Ademais, algumas caractersticas que a produo de conhecimento tecnocientfico

    vem adquirindo nos ltimos anos reforam a tendncia criao desses espaos ambguos

    entre a academia e o mercado. Em primeiro lugar, os altos custos e riscos envolvidos nas

    inovaes exigem o trabalho cooperativo, multidisciplinar e transdisciplinar, com amplas

    redes de atores de diversos talentos e origens, aproveitando a infraestrutura j instalada

    nas universidades e institutos pblicos de pesquisa erigidos na poca dos grandes projetos

    geridos pelo Estado (anos 1960 a 1980): o projeto nuclear, de informtica e computao,

    do setor blico militar, de tecnologias para o agronegcio, o aeroespacial, o siderrgico,

    de comunicaes, de petrleo e minerao, de lcool e etanol, etc. [MOREL, 1979;

  • 31

    MOTOYAMA, 2004; DIAS, 2012]. Em segundo lugar, sendo as prprias inovaes um

    conhecimento cientfico aplicado produo industrial com vistas ao aumento da

    produtividade e do desenvolvimento, esperamos encontrar os empreendedores atuando

    justamente nas franjas de contato entre a academia e o mercado, possuindo, portanto, a

    mesma dupla filiao das instituies supracitadas. Em terceiro lugar, um emaranhado de

    transformaes econmicas, institucionais e legais vem calando o caminho para estes

    novos agentes. Por isto, embora nosso tema no seja nem as empresas juniores nem as

    incubadoras de empresas, inevitvel recorrermos a elas como loci do empreendedorismo

    universitrio e corporativo.

    1.1.1 Os empreendedores e as incubadoras de empresas.

    Uma incubadora de empresas uma instituio criada para abrigar pequenas

    empresas em seus estgios iniciais de crescimento, antes da insero delas no mercado.

    um ambiente planejado para incentivar e promover o empreendedorismo e o

    desenvolvimento de novos negcios (no necessariamente tecnolgicos) para que estes,

    posteriormente, possam se inserir de maneira mais segura e robusta no mercado

    [DORNELLAS, 2002; MARTINS & alii, 2005]. O processo de incubao de

    fundamental importncia, tendo em vista as dificuldades que uma pequena empresa

    enfrenta assim que nasce. Alm da carga tributria que poderia sufocar o pequeno

    empresrio justamente no momento em que ele tenta alavancar seu capital inicial, temos

    ainda o excesso de burocracia e de procedimentos que no so de domnio comum para a

    maioria dos entrantes (neste caso, ex-professores, estudantes recm-egressos,

    pesquisadores, engenheiros, etc.). Somam-se a esses desafios outras questes triviais da

    gesto duma empresa: a contratao e o treinamento dos recursos humanos; o

    relacionamento com os fornecedores de insumos, mquinas e matrias-primas; a gesto

    da marca; a propriedade intelectual; a propaganda e marketing; a gesto dos processos e

    da qualidade; a logstica de compras, vendas e transporte e a gesto das finanas do

    negcio.

    No caso duma empresa cujas atividades so intensivas em tecnologia, somam-se s

    dificuldades supracitadas, os custos e riscos prprios duma inovao. A literatura

    consagrada ao assunto refere-se com freqncia queles casos em que boas idias (dum

    ponto de vista tcnico) podem fracassar por falta duma gesto do negcio criado ao redor

    da mesma [DAVID, 1986; NOSENGO, 2008]. Primeiro, porque nada garante que uma

  • 32

    boa formulao matemtica e estatstica do problema tcnico seja seguida dum

    funcionamento satisfatrio dela na produo industrial, por exemplo. Da cincia bsica

    inovao aplicada, peculiaridades no antecipveis dos fenmenos envolvidos podem

    ameaar o negcio [CHRISTENSEN, 2012]. Segundo, porque quando mais complexa

    a tecnologia, maior e mais diversa ser a rede de apoiadores, fornecedores e parceiros

    envolvidos no seu sucesso. A literatura chama isso de redes sociotcnicas [LATOUR,

    2000; 2001; 2004; CALLON, 1989; 1994; 1999]. Trata-se de redes dinmicas,

    heterogneas, complexas e que incluem no apenas indivduos e instituies, mas tambm

    idias, coisas, valores, etc. Por fim, o desafio envolvido em transformar um problema

    tcnico em problema de pesquisa, e deste para um prottipo de bancada que funcione, e

    deste para uma patente ou modelo de utilidade com chances de aprovao, e desta para

    uma estratgia de negcios e enfim desta para um produto ou processo acabado que

    ter aceitao do consumidor, tamanho desafio, no pode ser negligenciado.

    Segundo Barea [2003], os motivos do fracasso duma pequena empresa com base

    tecnolgica podem ser resumidos em trs: 1) a dificuldade em transformar uma tecnologia

    numa empresa de sucesso (como citado acima); 2) a dificuldade de os pesquisadores

    geralmente egressos de instituies acadmicas tradicionais com pouqussima ou

    nenhuma cultura empreendedora adquirirem as capacidades gerenciais necessrias

    conduo da empresa; e 3) a dificuldade no acesso aos recursos financeiros de

    alavancagem, que geralmente so vultosos e mais arriscados nos estgios iniciais dum

    empreendimento tecnocientfico. Vale ressaltar que, no caso do Brasil, o ingresso do

    capital de risco e do capital-anjo no financiamento das empresas com base tecnolgica

    ainda algo incipiente. E tratando-se dum pequeno empresrio sem experincia anterior na

    gesto de negcios, podemos supor que as barreiras de entrada tanto financeiras como

    culturais so-lhes maiores que no caso das empresas estabelecidas ou atuantes em

    ramos mais tradicionais. Por fim, no se pode negligenciar a importncia de se conhecer

    os clientes em potencial e tambm os concorrentes do setor em que se pretende ingressar.

    Amadurecer a tecnologia antes de oferec-la ao pblico, colocando-a em contato com as

    redes de atores (conhecimentos, parcerias, investimentos) e em contato com os desejos

    do pblico-alvo, fundamental para o sucesso do negcio.

    Uma pequena empresa incubada receber justamente isso: expertise gerencial

    (seminrios de capacitao para gestores de negcios, treinamentos, consultorias), apoio

    logstico e gerencial (insero em redes de atores relevantes, proximidade com a

    universidade, aprendizado por interao com empresas maduras) e infraestrutura

  • 33

    (telefonia, informtica, correios, secretaria, espao fsico, etc.). Tudo isto geralmente

    oferecido a baixo custo, como veremos no quarto captulo. Alm disso, dentro dessas

    incubadoras, as empresas nascentes dispem dum ambiente adequado que no apenas as

    proteger das agresses do ambiente externo (a concorrncia) como as capacitar para

    sobreviverem quando maduras (o processo de graduao) [GUEDES & alii, 1999;

    HANSEN & alii, 2000]. Por isto, forte a incidncia de incubadoras nas imediaes de

    universidades e institutos de pesquisa, aproveitando-se dos recursos humanos,

    laboratrios e conhecimentos produzidos ali e formando com eles um aglomerado

    tecnocientfico que os autores chamam de cluster. [GARTNER DAVIDSSON &

    ZAHARA, 2006; FETTERS & alii, 2010; HYCLAK & BARAKAT, 2010].

    Quanto forma geral, h trs diferentes modalidades de incubadoras: 1) a

    incubadora tradicional, que se dedica a apoiar empresas (geralmente cooperativas de

    agricultores, extrativistas e pequenos artesos) e que pretendem oferecer produtos e

    servios dos setores tradicionais da economia: couro, fibras, reciclagem, tecelagem,

    artesanato, gneros agrcolas, extrativismo, etc.; 2) a incubadora com base tecnolgica,

    que apoia empresas que pretendem oferecer produtos e servios inovadores, com

    tecnologia incorporada e nas quais a pesquisa cientfica foi fundamental: informtica,

    eletrnica, biotecnologia, nanotecnologia, robtica, medicina, materiais sintticos, etc.; e

    por fim temos 3) a incubadora de tipo misto, que apoia negcios tanto tradicionais como

    inovadores [BARBOSA, 2000].

    Carmo e Nassif [2005] expandem essa tipologia incluindo, alm dos trs tipos

    acima, outros sete. So eles: 4) as incubadoras setoriais, que abrigam negcios de apenas

    um setor da economia; 5) as incubadoras culturais, que abrigam empreendimentos da rea

    de entretenimento, turismo e cultura; 6) as incubadoras agroindustriais, que oferecem

    apoio s inovaes voltadas ao agronegcio; 7) as incubadoras de cooperativas; 8) as

    incubadoras que abrigam negcios oriundos de projetos sociais; 9) as incubadoras rurais,

    que apoiam negcios ligados ao campo, por meio da prestao de servios, capacitao,

    formao, financiamento e divulgao e, por fim, 10) a incubadora virtual, que assessora

    e d suporte aos empreendedores, mas geralmente no lhes oferece espao fsico e

    infraestrutura compartilhada [CARMO & NASSIF, 2005]. Segundo dados da

    ANPROTEC2, as incubadoras tecnolgicas (tipo dois) representam a maioria das

    2 Criada em 1987, a ANPROTEC Associao Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores

    rene cerca de 280 associados entre incubadoras de empresas, parques tecnolgicos, instituies de ensino e pesquisa,

    rgos pblicos e outras entidades ligadas ao empreendedorismo e inovao. Lder do movimento no Brasil, a

  • 34

    incubadoras de empresas existentes no Brasil, compondo 40% do total delas. Tal

    percentual no nos surpreende, tendo em vista as dificuldades ao pequeno empresrio

    inovador elencadas anteriormente.

    Outros dois tipos de incubadoras de empresas so as abertas e as fechadas. O

    primeiro tipo costuma ser instalado em espaos fechados e divididos em mdulos de

    tamanhos diferentes, dependendo das necessidades de cada empresa incubada. As reas

    comuns so ocupadas geralmente por recepo, secretaria, espaos de reunio, instalaes

    sanitrias e cozinha. As empresas incubadas rateiam entre si as despesas com energia

    eltrica, gua, telefone, fotocpia, informtica, segurana e funcionrios administrativos.

    Elas recebem apoio complementar constitudo de financiamento (CNPq3), linhas de

    crdito (BNDES4 e FINEP5), treinamento tcnico e gerencial (SEBRAE6), assistncia

    jurdica e auxlio para a comercializao e desenvolvimento do plano de negcios

    oferecidos pela prpria incubadora de empresas ou por seus parceiros. J no segundo tipo

    (abertas), as empresas incubadas no compartilham dum espao fsico definido,

    espalhando-se geograficamente numa rea estabelecida, mas recebendo os mesmos

    servios, auxlios e facilidades recebidas pelo primeiro tipo. No geral, por motivos de

    privacidade, comodidade e sigilo industrial, as incubadoras de empreendimentos

    tecnolgicos enquadram-se no tipo fechado.

    Concernente s incubadoras de empresas, dados de 2012 da ANPROTEC indicam

    que h no Brasil atualmente 384 incubadoras de empresas, com 2.640 empresas

    incubadas, 2.509 empresas graduadas (que j passaram pelo processo de incubao) e

    1.124 empresas associadas (que prestam servios s incubadoras ou cujo relacionamento

    com tais instituies d-se de maneira indireta. Alm disso, conforme dos mesmos

    indicadores, as empresas associas e incubadas so responsveis pela manuteno de

    16.934 postos de trabalho, ao passo que as empresas graduadas respondem por outros

    29.905 postos. As cifras falam por si. O faturamento estimado das empresas incubadas

    de US$ 266 milhes, ao passo que o faturamento das empresas graduadas atinge a marca

    Associao atua por meio da promoo de atividades de capacitao, articulao de polticas pblicas, gerao e

    disseminao de conhecimentos. Fonte: anprotec.org.br. 3 O Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), agncia do Ministrio da Cincia,

    Tecnologia e Inovao (MCTI), tem como principais atribuies fomentar a pesquisa cientfica e tecnolgica e incentivar

    a formao de pesquisadores brasileiros. Criado em 1951, desempenha papel primordial na formulao e conduo das

    polticas de cincia, tecnologia e inovao. Sua atuao contribui para o desenvolvimento nacional e o reconhecimento

    das instituies de pesquisa e pesquisadores brasileiros pela comunidade cientfica internacional. Fonte: www.cnpq.br 4 BNDES: Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico e Social. 5 FINEP: Financiadora de Estudos e Projetos. 6 SEBRAE: Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas.

  • 35

    dos US$ 2 bilhes. O que j podemos apontar desses dados brutos o fator multiplicador

    tanto na criao de postos de trabalho como na gerao de riqueza das empresas que

    passam pelo processo de incubao: grosso modo, ao passo que a absoro de empregos

    duplica (de 16.934 para 29.905), o faturamento quadruplica (de US$ 266 milhes para

    US$ 2 bilhes).

    Das incubadoras atualmente em operao no Brasil, destacam-se aquelas dedicadas

    a apoiar as fases iniciais de pequenas empresas intensivas em tecnologia, auxiliando-as a

    amadurecerem seus produtos e processos em contato com os clientes em potencial, antes

    da entrada no mercado (processo de graduao). Essas incubadoras, especialmente, esto

    instaladas em regies metropolitanas, aproveitando das externalidades positivas duma

    universidade, de institutos de pesquisa e de parques industriais que porventura demandem

    suas inovaes. Uma oferta de servios de cultura, uma elevada densidade demogrfica

    de mestres e doutores, alm de outras entidades que facilitem a converso de inovaes

    em modelos de negcios (escritrios de patentes, empresas juniores, escolas tcnicas,

    agncias de propaganda e marketing, centros comerciais e empresariais, sindicatos

    patronais e escritrios de advocacia) tambm apontada como pontos atrativos para a

    instalao de incubadoras. A criao de sinergias entre os poderes pblicos, as empresas

    privadas e o ambiente acadmico sempre apontado pela literatura [DRUCKER, 2002;

    FLORIDA, 2011] como sendo o grande diferencial das incubadoras. A possibilidade de

    compartilhar conhecimentos com outros empresrios e pesquisadores, alm da insero

    dos agentes numa rede de valor, produz uma cultura de empreendedorismo, de

    inventividade que as torna um locus privilegiado para a investigao dos fenmenos aos

    quais nos dedicaremos nesta tese. O grfico abaixo mostra a evoluo das incubadoras de

    empresas de 1988 a 2011.

    Grfico 1.2: evoluo das incubadoras de empresas no Brasil (1988-2011).

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    300

    350

    400

    1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2007

    Incubadoras

  • 36

    Fonte: ANPROTEC / 2012.

    Quando distribuio estadual e regional, as incubadoras de empresas com base

    tecnolgica encontram-se concentradas na regio sudeste (62), com destaque especial ao

    Estado de So Paulo (36). Com maior concentrao em institutos de pesquisa e

    universidades tradicionais atuantes em reas de ponta, o Estado rene as condies

    adequadas criao duma massa-crtica de conhecimentos e mo-de-obra especializada

    cuja disponibilidade que so precondies para o brotamento de empreendimentos

    tecnocientficos. Os dados apontam que as empresas com base tecnolgica beneficiam-se

    da localizao em grandes cidades, devido diversidade dos recursos intelectuais

    disponveis desde os talentos tcnicos at a vida cultural e noturna. E dentre as

    instituies universitrias, a USP destaca-se com quatro incubadoras de empresas

    tecnolgicas j instaladas (CIETEC, ParqTec, Supera e EsalTec) e outras trs em fase de

    implantao [BRITO, 2001; ALBUQUERQUE & alii, 2002; SUZIGAN & alii, 2003;

    SUZIGAN, 2004; SUZIGAN & alii, 2006].

    1.1.2 Os empreendedores e as empresas juniores.

    J com relao s empresas juniores, constata-se que o Brasil o campeo mundial

    nessa modalidade de instituio acadmica, com cerca de 359 empresas juniores

    espalhadas pelas universidades brasileiras. O movimento das empresas juniores comeou

    na Frana em 1967 e chegou ao Brasil em 1988. Constataremos no terceiro captulo que,

    nos casos de ambos os pases, fatores estruturais anlogos contriburam para o surgimento

    dessas instituies. D-se o nome de jnior empresa criada por iniciativa de estudantes

    de graduao que, orientados por seus professores, prestam servios para micro e

    pequenos empresrios situados fora do ambiente acadmico, mas na regio em que

    geralmente se encontra a universidade. Ao firmar um contrato de prestao de servios

    com uma empresa jnior, o empresrio contratante tem como garantia dum bom servio

    tanto o respaldo do conhecimento tecnocientfico de procedncia acadmica como o

    nome da instituio universitria qual esto vinculados a empresa jnior e os estudantes

    que prestaram o servio. Alm do mais, os preos abaixo do mercado estimulam a

    contratao de servios das empresas juniores. A dedicao do estudante empresa jnior

    facultativa e ocorre nos perodos opostos s aulas, com predominncia duma mdia de

    oito horas por semana. O ingresso do estudante numa empresa jnior geralmente acontece

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    por meio de concorridos processos seletivos, nos quais habilidades tcnicas, atitudinais e

    gerenciais so avaliadas [DAL PIVA & alii, 2006; FERREIRA, FRANCO & FEITOSA,

    2006; FONSECA & SANTOS, 2009; BATISTA & alii, 2010; LEMOS, COSTA &

    VIANA, 2012; VALADO & MARQUES, 2012; VAZQUEZ & alii, 2012].

    Conforme o Censo da Brasil Jnior7 confederao que representa quatorze

    federaes estaduais datado de 2004 (o primeiro censo disponvel), havia no Brasil 119

    empresas juniores, com 1.417 empresrios-estudantes. Nos ltimos dados disponveis de

    2012, o mesmo Censo da Brasil Jnior aponta que o nmero dessas empresas passou para

    359, com 4.444 empresrios-estudantes. Com 2.185 projetos realizados para pequenas

    empresas fora dos campi, essas empresas juniores tiveram um faturamento estipulado em

    R$ 8,5 milhes (dados de 2012). Dentro do Brasil, a federao paulista a mais antiga e

    a mais forte: criada em 1990, a FEJESP8 rene atualmente 28 empresas juniores,

    vinculadas a 13 universidades (cinco pblicas e oito privadas) que englobam 93 cursos

    de graduao com nfase para as engenharias (30,08%) e para as cincias humanas

    aplicadas (23,12%). Porm, se somadas s demais cincias exatas e aplicadas,

    verificamos um predomnio, embora pequeno (52,08%), das disciplinas com maior

    incidncia de inovaes industriais sobre as reas de humanas e sociais.

    Assim como no caso das incubadoras de empresas, nas empresas juniores, as

    vantagem que so com freqncia mencionadas tanto na literatura como nas entrevistas

    (quarto captulo) referem-se: 1) comodidade de se trabalhar no prprio ambiente em que

    se estuda; 2) oportunidade de se vivenciar, ainda no curso, uma atmosfera de empresa

    privada que os programas de estgio tradicionais no conseguem mimetizar; 3) os

    contatos profissionais fecundos com empresas de fora do meio acadmico, servindo de

    gancho para futuros contatos e parcerias; 4) a possibilidade dum contato mais prximo

    com professores de graduao que podero se tornar os futuros orientadores de ps-

    7 A Brasil Jnior a Confederao Brasileira de Empresas Juniores e compartilha com todos os empresrios juniores o

    objetivo de tornar o MEJ um movimento reconhecido pelos diversos atores da sociedade por contribuir para o

    desenvolvimento do pas por meio da formao de profissionais diferenciados. Ela formada atualmente por 16

    federaes, representando 15 estados e o Distrito Federal. A Brasil Jnior o rgo nacional do Movimento Empresa

    Jnior, trabalhando para fomentar e dar suporte s empresas juniores de todo o Brasil e represent-las para potencializar

    os resultados em rede. Fonte: www.brasiljunior.org.br.

    8 A FEJESP Federao das Empresas Juniores do Estado de So Paulo foi fundada em 1990 com o objetivo de integrar, desenvolver e representar as empresas juniores paulistas. Atravs d