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10 Julho/Agosto de 2012 STORE MAGAZINE Grande Plano O advogado e gestor António Lobo Xavier considera que não há espaço para mais aumento de impostos nem grande margem para novas medidas de austeridade. “O Governo tem feito o que pode e os portugueses também, mas o ambiente internacional deteriorou-se muito”, afirma. Sobre o actual momento da distribuição admite a possibilidade de concentrações e comenta que se fez um grande drama sobre as promoções “Acho provável que haja um movimento de concentração e que alguns players acabem por ficar pelo caminho” Impostos não podem aumentar mais António Lobo Xavier, advogado e gestor Hermínio Santos jornalista [email protected] Ramon de Melo Store | Ficou surpreendido com os dados sobre a queda de re- ceitas no sector da distribuição em Portugal? António Lobo Xavier | Não acho que tenham sido uma surpresa. Olhando para os grandes indica- dores macro-económicos per- cebemos que o corte dos rendi- mentos disponíveis para consu- mo teve um relevo muito grande, sobretudo em certos sectores da sociedade portuguesa e isso, fa- talmente, traduziu-se no consu- mo. Não era possível fazer a rees- truturação das finanças públicas e os ajustamentos da economia portuguesa sem uma retracção do consumo interno. Store | A tendência é para se agravar ou já atingimos o pon- to mais baixo possível e a partir daqui vai ser visível uma recu- peração? ALX | A economia e o seu cresci- mento dependem da confiança e, no quadro da União Europeia (UE), dependem da confiança num am- biente alargado. Por exemplo, adianta muito pouco nós cum- prirmos os objectivos do plano da troika se houver todo este clima

Impostos não podem aumentar mais

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O advogado e gestor António Lobo Xavier considera que não há espaço para mais aumento de impostos nem grande margem para novas medidas de austeridade. “O Governo tem feito o que pode e os portugueses também, mas o ambiente internacional deteriorou-se muito”, afirma. Sobre o actual momento da distribuição admite a possibilidade de concentrações e comenta que se fez um grande drama sobre as promoções

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10 Julho/Agosto de 2012 STORE MAGAZINE

Grande Plano

O advogado e gestor António Lobo Xavier considera que não há espaço para mais aumento de impostos nem grande margem para novas medidas de austeridade. “O Governo tem feito o que pode e os portugueses também, mas o ambiente internacional deteriorou-se muito”, afirma. Sobre o actual momento da distribuição admite a possibilidade de concentrações e comenta que se fez um grande drama sobre as promoções

“Acho provável que haja um movimento de concentração e que alguns players acabem por ficar pelo caminho”

Impostos não podem aumentar mais

António Lobo Xavier, advogado e gestor

Hermínio [email protected]

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elo

store | Ficou surpreendido com os dados sobre a queda de re-ceitas no sector da distribuição em Portugal?António Lobo Xavier | Não acho que tenham sido uma surpresa. Olhando para os grandes indica-dores macro-económicos per-cebemos que o corte dos rendi-mentos disponíveis para consu-mo teve um relevo muito grande,

sobretudo em certos sectores da sociedade portuguesa e isso, fa-talmente, traduziu-se no consu-mo. Não era possível fazer a rees-truturação das finanças públicas e os ajustamentos da economia portuguesa sem uma retracção do consumo interno.

store | A tendência é para se agravar ou já atingimos o pon-

to mais baixo possível e a partir daqui vai ser visível uma recu-peração?ALX | A economia e o seu cresci-mento dependem da confiança e, no quadro da União Europeia (UE), dependem da confiança num am-biente alargado. Por exemplo, adianta muito pouco nós cum-prirmos os objectivos do plano da troika se houver todo este clima

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“Eu sou optimista e acho que vai acabar por aparecer uma data em

que as soluções todas vão bater certo. Julgo que não passará deste

ano”

“Às vezes há um bocadinho de rigor semântico a mais quando se fala na questão promoções mas sempre as houve quer com preços especiais para produtos, quer com descontos através de sistema de cartão ou de utilização de marcas próprias, sempre houve segmentos com preços diferentes destinados a públicos diferentes”

de incerteza no quadro da UE. São coisas que não dependem exclusivamente de nós. Eu gos-taria de esperar que tivéssemos tocado no fundo e que a partir de agora fosse tudo para cima, mas ainda não vi sinais que me dêem a certeza de que já estamos aí.

store | isso também se aplica ao sector da distribuição?ALX | Aplica-se ao sector da dis-tribuição, mas em alguns secto-res da economia as coisas não se passam da mesma maneira para todos – ou porque há mo-vimentos de concentração ou há players que ganham quota de mercado. Acho provável que no sector haja um movimento de concentração e que alguns players, mais fragilizados por razões de dívida ou de escala, acabem por ficar pelo caminho. Enquanto não parar esta redu-ção dos salários reais, o con-sumo, mesmo pensando só no sector alimentar, vai ter reflexos negativos.

store | A estratégia das pro-moções é uma boa resposta à crise?ALX | Como observador, acho que sempre houve promoções. Às vezes há um bocadinho de ri-gor semântico a mais quando se fala na questão das promoções, mas sempre as houve, quer com preços especiais para produtos, quer com descontos através de sistema de cartão ou de utiliza-ção de marcas próprias, sempre houve segmentos com preços diferentes destinados a públi-cos diferentes. Vejo-as agora um pouco mais agressivas pois o factor preço passou a contar muito mais na vida das pesso-as. Há outros factores que con-tam na escolha das insígnias da distribuição, mas actualmente o preço tornou-se o grande critério para grande parte das famílias portuguesas. Portanto, é natu-ral que se façam promoções. Acho que, pelo facto de uma ou outra promoção ter saído um pouco da mão de quem a conduzia – neste caso a promo-ção do Pingo Doce –, não quer dizer que não se façam e que as pessoas não gostem dela. Pelo

contrário, estou convencido que as pessoas em Portugal são muito orientadas pelo preço e pela promoção. Gostam e às ve-zes até fazem disso um despor-to, estando dispostas a passar horas em filas de gasolina para poupar meia dúzia de cêntimos. Aliás, vejo que nem é uma carac-terística portuguesa nem sequer da classe baixa, é completa-mente interclassista. Só quem nunca foi ao Harrods num dia de saldos é que pode imaginar que o gosto pelas promoções, pela borla, a ideia de comprar coisas de que não se precisa só porque são mais baratas é uma carac-terística das classes baixas ou dos portugueses. É uma coisa universal. Acho que em Portugal se fez um grande drama acerca disso.

store | o sector da distribui-ção moderna é conhecido pela sua eficiência e dinamismo em Portugal e até mudou hábitos de consumo. Como é que o situaria em termos comparati-vos com a ue?ALX | Se há sectores que, em Portugal, em certos aspectos do seu funcionamento, ombreiam taco-a-taco com as melhores práticas da UE eles são a distri-buição, a banca e as telecomu-nicações móveis. Nestes três sectores Portugal não deve nada em termos de boas práticas, ino-vação e eficiência ao que de me-lhor que se faz no mundo, não só

“Nunca vi nenhuma crise como esta”

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store | estamos perante uma crise igual às outras ou esta tem características diferentes?ALX | Passei por várias crises: a seguir ao 25 de Abril, o choque petrolífero de 1979, nos princí-pios dos anos 80, com a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e pequenos episó-dios de crises até mesmo já depois do ano 2000. Nunca vi nenhuma como esta porque ela tem uma característica que era desconhecida: um problema generalizado de solvabilidade de Es-tados sobre os quais não havia nenhuma dúvida há dois anos. A duração da crise e a demora em tomar medidas para a combater também é algo

de novo. Assisti a crises centradas em Portugal, mas que eram fáceis de resolver pois nós fazí-amos o que tínhamos a fazer e depois o mun-do inteiro e a interdependência das economias acabava por puxar por nós – nos anos 80, por exemplo. Vi crises que eram um pouco mundiais, de preços - ligadas a produtos que aumentavam de preço e geravam inflação – mas que geravam adaptações rápidas no mundo. Nesta, vejo uma crise alargada a muitos países, sem as medidas próprias, com reacções muito atrasadas dos po-líticos. Nunca vi nenhuma outra que me preocu-passe e angustiasse tanto.

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Grande Plano

“Se há sectores que, em Portugal, em certos aspectos do seu funcionamento, ombreiam taco--a-taco com as melhores práticas da UE eles são a distribuição, a banca e as telecomunicações móveis. Nestes três sectores Portugal não deve nada em termos de boas práticas, inovação e eficiência ao que de melhor que se faz no mundo, não só na Europa”

“Não era possível fazer a reestruturação das finanças públicas e os ajustamentos da economia portuguesa sem uma retracção do consumo interno”

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na Europa. Isto mostra que temos condi-ções para queimar etapas e chegar tão longe quanto os me-lhores. A distribuição é, claramente, um desses sectores. Ultimamente tem estado um pouco no debate público nem sempre pelas boas razões, mas isso é uma questão de comunicação e explicação. Do ponto de vista dos pode-res públicos, não compreendo como é que é possível perseguir a distribuição moderna, pois ela é responsável pela redução brutal da fuga aos impostos no sector do retalho dos últimos 15/20 anos. Essa é uma pers-pectiva que falta sempre quan-do as pessoas só querem olhar para um ponto negativo. Claro que a máquina fiscal se mo-dernizou e passou a ter melhor equipamento informático, tudo isso, mas suponho que nos últimos 15/20 anos o efeito de formalização da economia, de maior redução da fraude fiscal em termos absolutos é imputá-vel à grande distribuição, pois ela não só obrigou à formaliza-ção das vendas e ao pagamento de impostos relativamente a um grande valor de vendas como também impôs, pelas suas práti-cas, uma série de comportamen-tos aos fornecedores e clientes. É a esse movimento combinado que o Estado muito deve. Com certeza que há outros problemas – o que acontece ao pequeno comércio, a concentração, a re-lação produtores/distribuidores – mas, à partida, é desonesto não colocar em cima da mesa esse grande movimento de eficiência no plano fiscal.

store | e porque é que não se coloca isso em cima da mesa? Há alguma animosidade em re-lação ao sector?ALX| Os políticos ligam muito aos votos, isso é também natural. Se somar os pequenos comercian-tes e os pequenos produtores eles dão mais votos do que os accionistas dos hipermercados. Isso dá facilmente em demago-gia. Com certeza que há aspec-tos negativos em muitos dos do-

mínios, mas o balanço final é, para o consumidor e para o Estado, ab-solutamente inegável.

store | Apesar disso, o esta-do impôs mais um imposto ao sector, a taxa de segurança alimentar. Como é que vê esta decisão?ALX | Vejo mal. Acho que já há impostos a mais e essa taxa é verdadeiramente um imposto re-lacionado com a riqueza da em-presa e não é proporcional à pres-tação de nenhum serviço. Acho-a errada por várias razões: porque os impostos aumentaram todos e era bom arranjar soluções que não passassem por aumentá-los ainda mais; a verdade é que, nos momentos em que as empresas perdem lucros, margem, volume de negócios e ganham menos dinheiro, inventar receitas para o Estado que são desligadas dessa sua capacidade de ganhar dinhei-ro é o pior possível. Isso também se passa nas telecomunicações onde existem taxas que são inde-pendentes daquilo que a empresa ganha ou não. Há outra coisa que tem a ver com a existência de um movimento para criar taxas para que as pessoas paguem duas ve-zes o mesmo serviço ao Estado. Admitamos até que há um serviço de controlo alimentar. Esse serviço já estava pago com os impostos que a grande distribuição paga. Os serviços são pagos generica-mente com os impostos que já são cobrados. Impor uma taxa é fazê--la pagar duas vezes quer ganhem ou não dinheiro. Não gosto dessa solução.

store | Acredita que o sucesso obtido com a venda de com-bustíveis em hipermercados vai ser replicado em outro tipo de negócios, como o da saúde, por exemplo?ALX | A distribuição também tem a sua adaptação. O que é hoje um Pingo Doce, um Continente ou outra insígnia qualquer nada tem a ver com o que era há 20 anos. A distribuição adaptou-se às ne-cessidades e aos comportamen-tos das pessoas. Se a distribuição moderna tiver capacidade para, no futuro, se adaptar às evoluções

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“Hoje temos um problema generalizado, está em Espanha e em Itália mas também está em França. São condições diferentes e alguém tem de perceber isso”

das pessoas eu acho isso útil. Por exemplo, se a vida melhorar, se houver crescimento económico e melhorar o nosso rendimento, por-que é que não poderá haver nos hiper ou supermercados produtos gourmet ou biológicos, por exem-plo?

store | não há, definitivamente, mais margem para aumentos de impostos em Portugal?ALX | Eu acho que não.

store | Portanto, o caminho a seguir, se vierem a ser tomadas novas medidas de austeridade, não pode passar por aí?ALX | Não há dúvida que as medidas de redução das despesas foram tomadas. Não vejo espaço para aumento de impostos e portanto não vejo bem que possa haver uma grande margem para austeridade. Se, neste quadro, não conseguirmos cumprir as metas a culpa não é exactamente nossa. O Governo tem feito o que pode, os portugueses também, mas o que acontece é que o ambiente internacional se deteriorou tam-bém muito, não é igual ao de há um ano. Nessa altura havia dois pequenos problemas, Grécia e Portugal, e Portugal até seria um problema tratado de uma manei-ra completamente diferente do da Grécia. Hoje temos um problema generalizado, está em Espanha e em Itália mas também está em França. São condições diferentes e alguém tem de perceber isso.

store | Quando é que prevê que a economia portuguesa volte a crescer e a situação europeia se resolva?ALX | Eu sou optimista e acho que vai acabar por aparecer uma data em que as soluções todas vão ba-ter certo. Julgo que não passará deste ano e portanto tenho ideia de que se sair de cima de nós a angústia de que realmente temos de cumprir a todo o custo, mesmo em circunstâncias internacionais muito adversas, e conseguirmos financiar a economia, o que ain-da não está a acontecer, temos condições para começar, ainda este ano, uma recuperação que se veja.

“Administração fiscal continua conflituosa”

FisCo

store | no congresso da APeD chamou a atenção para o facto de cerca de 10 por cento do Produto interno Bruto (PiB) estar em con-flito nos tribunais fiscais desde 2004. Sentiu alguma evolução nesta situação nos últimos tempos?ALX | Nenhuma. Acho que a conflitualidade se agravou e é muito perigosa por várias razões. Num país com as dificuldades que tem Portugal, haver alguma incerteza sobre o que vai aconte-cer a esses 10 por cento do Produto que anda nos tribunais…se eu fosse ministro das Finan-ças andava preocupado. O meu barómetro são os relatórios do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e não há nenhuma indi-

cação de que ela tenha abrandado. Pela minha experiência profissional observo que a adminis-tração fiscal continua conflituosa, atacando e não aceitando as próprias orientações dos tribu-nais mais do que confirmadas e estabelecidas. A administração está a funcionar de uma forma muito centralizada. Os contribuintes só conse-guem falar com pessoas que não decidem e não conseguem ser recebidos pelas pessoas que de-cidem. É uma coisa que está a acontecer geral-mente em todo o País. Julgo que este ambiente é mau, pois no comba-te à fraude é preciso tratar com algum carinho aqueles que cumprem as leis e que as querem cumprir bem. Isso não vejo.