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IDA MARIA MORALES MARINS
O CONTEXTO SOCIAL
NA MOTIVAÇÃO DE CRIANÇAS APRENDIZES
DE UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Letras.
Área de concentração: Lingüística Aplicada.
Orientador: Prof. Dr. Hilário Inácio Bohn
Pelotas, RSJulho 2005
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai (in memoriam) pelo incentivo recebido durante toda minha vida
escolar, e por ter provocado em mim o desejo de tornar-me uma profissional da
educação.
Às escolas, participantes deste estudo, que me acolheram de forma tão
carinhosa.
Aos meus filhos, Vinicius e Mariana, pela paciência e compreensão dos meus
muitos isolamentos.
Aos meus colegas de Mestrado, pelas experiências compartilhadas. Em especial,
aos amigos Sílvio Paniz, Cristiane Lazzarotto e Leila Alcamillo, com quem dividi
minhas angústias, inseguranças, mas acima de tudo, muito aprendi.
À amiga Tânia Natel, por todo apoio recebido antes e durante o ingresso no
Curso de Mestrado, e ao amigo Marco Adamoli, pela amizade, e pelo seu
desprendimento em contribuir, de forma muito cuidadosa, nas revisões de linguagem
deste trabalho.
Aos professores do Curso de Mestrado, pelos conhecimentos compartilhados.
Em especial, às professoras Carmem Lúcia Matzenauer e Ingrid Finger, pelos valiosos
ensinamentos, pela amizade, atenção e apoio durante o curso.
Ao meu orientador, professor Hilário Bohn, pela sua surpreendente forma de
compartilhar o conhecimento, pelas seguras e sábias orientações recebidas, e confiança
depositada em mim.
A todos, o meu carinho.
SUMARIO
INTRODUCÃO
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA1.1 Teorias psicológicas da motivação humana1.2 Concepção sócio-histórica do ser humano
1.2.1 O conceito de mediação 1.2.2 Concepção de linguagem em Vygotsky e Bakhtin
1.2.3 O papel da interação social 1.3 Motivações para aprendizagem de língua estrangeira (LE)
2 METODOLOGIA 2.1 Descrição dos ambientes onde a pesquisa foi realizada
2.2 Sujeitos da pesquisa2.3 Instrumentos e coleta dos dados
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 3.1 Motivações das crianças 3.2 Fontes das motivações
3.3 A família e suas representações em torno do significado da aprendizagem de LE 3.4 O papel da escola como mediadora na motivação das crianças 3.4.1 As representações das diretoras 3.4.2 As representações das professoras
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
RESUMO
Este estudo teve por objetivo identificar as origens das motivações das crianças
para a aprendizagem de uma língua estrangeira (LE) na escola. Os sujeitos investigados
foram crianças, aprendizes iniciantes do inglês de uma escola da zona rural e crianças
aprendizes iniciantes do espanhol de uma escola urbana. Para a coleta dos dados foram
utilizados diferentes instrumentos que colheram informações das crianças, de suas
famílias e do contexto escolar. Assim, foi possível verificar que as motivações são um
produto de construções sociais desenvolvidas no processo de interação - sujeito/meio
social, no caso deste estudo, nas formas de interação das crianças com os ambientes
escolar e familiar.
Palavras-chaves: motivações, crianças, língua estrangeira, contexto social.
ABSTRACT
This study aimed to verify the origins of children’s motivations to learn a foreignlanguage at school. The investigated subjects were children – beginners in English at arural school and children – beginners in Spanish at an urban school. The data for thisstudy were colleted through different instruments getting information from children,their families and from their school context. The results indicate that the motivationsshowed by children come from social constructions developed in the process ofinteraction: subject/social context, in the case of this study, from children’s interactionwith the family and their school contexts.
Key-words: motivations, children, foreign language, social context.
INTRODUÇÃO
A inclusão do ensino da Língua Estrangeira (LE) para crianças nos currículos de
escolas públicas municipais da cidade de Pelotas/RS significou um avanço em torno da
“ingênua” compreensão de que as instituições de ensino fazem sobre esse saber.
Historicamente, os sistemas educacionais formais costumam privilegiar um tipo de
conhecimento em detrimento de outros, pois compreendem que alguns saberes são,
essencialmente, mais importantes para a formação dos indivíduos. Nessa lógica, esses
sistemas trabalham com os componentes curriculares de forma hierarquizada, dando a
alguns mais tempo e espaço e a outros um sentido periférico que precisam ser
contemplados para atender às determinações legais. Entre os outros, ou seja, aqueles
que ficam à margem, encontra-se o ensino da LE que, até meados dos anos 90,
praticamente inexistia nos currículos das escolas brasileiras.
É a partir da nova LDB1 (1996) que a realidade do ensino da LE muda. Sob o
olhar de especialistas dessa área do conhecimento, o sentido da LE é recuperado na
nova lei. Visto agora como um conhecimento cuja função social é a de promover a
inserção dos sujeitos na sociedade, a LE torna-se um saber essencial e um direito de
todo cidadão que busca uma educação na sua totalidade. Assim, parece que a lei
compreendeu o significado do processo de ensino/aprendizagem da LE, posto que a ela
deu um status de disciplina curricular da parte diversificada.
Sabe-se que a atual lei determina a obrigatoriedade do ensino de pelo menos
uma LE moderna somente a partir da 5ª série do ensino fundamental (LDB, 1996, art.
26, inc. 5º, p. 16). No entanto, junto a ela, os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais,
1998) vêm trazer orientações para a organização curricular da educação no país com
vistas a indicar um currículo que pense o ensino de forma democrática, buscando uma
crescente igualdade de direitos entre os cidadãos através do acesso à totalidade dos bens
públicos, entre os quais encontram-se os conhecimentos socialmente relevantes à
formação de um sujeito crítico, cidadão do mundo. Nesse sentido, podemos inferir que
a aprendizagem de LE torna-se imprescindível, pois apropriar-se desse conhecimento
significa ampliar as possibilidades de interação dos sujeitos com o mundo.
Podemos observar que as orientações dadas nos PCNs são, até certo ponto,
flexíveis, não desejando tornar o ensino algo homogêneo e determinado por um único
poder. Ao contrário, eles indicam que os Estados e Municípios formulem seus
currículos com base nas características, interesses e necessidades das regiões e locais
onde o ensino será oferecido, respeitando as determinações mínimas para a educação no
país, citadas na lei. Assim, os PCNs deixam brechas para outras possíveis discussões no
âmbito educacional no sentido de provocar os responsáveis a refletirem e avançarem em
suas propostas para o ensino.
Considerando a possível flexibilidade dos currículos, o desejo de algumas
escolas da rede municipal em ofertar o ensino da LE para as crianças do 1º e 2º ciclos
(1ª a 4ª séries do ensino fundamental) e a compreensão por parte de um grupo de
professoras de LE da mesma rede, juntamente comigo, da importância desse ensino para
a formação integral do sujeito, decidimos, então, enfrentar o desafio de construir uma
proposta pedagógica inovadora para trabalhar a LE com essas crianças.
1 LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal, n. 9.394), aprovada em 20 de dez.de 1996.
Compreender a criança como um ser social que interage com o seu meio cultural
de forma a construir, dinamicamente, novas formas de pensar e agir, nos fez perceber o
quão importante seria expô-la a diferentes práticas de aprendizagem com vistas à
promoção do seu desenvolvimento intelectual e afetivo. Sabe-se que as crianças de hoje
participam ativamente dos rápidos avanços que a sociedade moderna apresenta, seja
através dos meios de comunicação, seja através das interações com os diferentes grupos
sociais que as circundam. Nesse sentido, o conhecimento de uma LE torna-se fato
incontestável, considerando o cenário multicultural e plurilingüe da sociedade na qual
estamos inseridos.
Com base nesses pressupostos, o grupo de professoras de inglês e espanhol da
rede municipal de ensino, do qual fiz parte como coordenadora, começou a trilhar os
caminhos da construção coletiva de um projeto que, por um lado, atendesse às
expectativas das comunidades escolares que desejavam incluir nos seus currículos o
ensino de uma LE (inglês ou espanhol) a partir da 3ª série; e, por outro, oferecesse as
bases para um fazer pedagógico comprometido com uma visão de educação
humanizadora e transformadora. Por isso, o grupo propôs-se a trabalhar a LE por meio
de temas geradores que tratassem de temáticas sociais do interesse das crianças e que
fossem conectados a sua realidade, de maneira a tornar o ensino uma prática social
significativa e motivadora à aprendizagem de LE. Por assim dizer, como nos diz Freire:
“Por que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ entre os saberes curriculares
fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” (2001,
p. 34). Nessa direção, a proposta de trabalho foi sendo construída paralelamente às
práticas concretas de sala de aula, num movimento de ir e vir: discutindo, planejando,
refletindo e avaliando no conjunto das professoras envolvidas nesse processo.
Estar junto nessa proposta inovadora de trabalho como coordenadora, tanto nos
encontros de formação como na sala de aula, acompanhando o desenrolar do processo,
foi despertando em mim curiosidades em relação às manifestações das crianças e das
professoras. Percebia que os alunos ficavam um tanto fascinados quando a professora de
LE chegava para dar aula e, com animação, participavam das atividades propostas
interagindo com ela e entre si dentro da sala de aula e, até mesmo em alguns momentos,
fora dela. Essas cenas foram chamando a minha atenção e comecei, então, a refletir em
torno das motivações das crianças para a aprendizagem de LE, na tentativa de
compreender o que estaria, efetivamente, motivando-as, considerando o curto espaço de
tempo a que estavam expostas a esse ensino na escola.
Provocada por meus questionamentos e por crer que as motivações são sociais
decidi, pois, investigar o fenômeno da motivação não isoladamente, mas inter-
relacionado aos contextos sociais nos quais os sujeitos estão inseridos. No caso deste
estudo, o recorte feito foi para investigar as motivações para a aprendizagem de LE.
Assim, por compreender o homem como um ser social que se constitui na interação com
os outros em diferentes contextos culturais, propus-me nesta pesquisa a focalizar os
contextos educacional, familiar e outros ambientes sociais como possíveis responsáveis
pela constituição das motivações de crianças para a aprendizagem de LE na escola.
Portanto, minha investigação tem por objetivo geral verificar, primeiramente, se as
crianças já trazem alguma motivação para a aprendizagem de LE, antes de terem acesso
a esse saber por meio do ensino formal e, em caso afirmativo, analisar o papel dos
contextos acima mencionados na constituição e promoção das suas motivações.
Para melhor compreender o entrelaçamento entre os contextos sociais e as
motivações para a aprendizagem de LE por crianças, foram estabelecidos os seguintes
objetivos específicos:
a) verificar se as crianças estão motivadas para a aprendizagem de LE na escola
e, em caso afirmativo, averiguar a origem dessas motivações;
b) verificar as representações presentes no contexto familiar sobre a
aprendizagem de LE na escola;
c) averiguar o papel da escola como mediadora na motivação das crianças para
a aprendizagem de LE;
d) verificar se as professoras de LE colaboram ou não para promover as
motivações das crianças, e como elas as percebem motivadas.
Para a realização da pesquisa, foram escolhidas duas escolas da rede pública
municipal de Pelotas que começaram a ofertar, no ano de 2003, o ensino de uma LE
para crianças a partir da 3ª série do ensino fundamental. A escolha das escolas deu-se
com base em alguns elementos. O primeiro deles foi o de que cada uma delas oferecesse
uma LE diferente da outra: uma espanhol e a outra inglês. Esse elemento tornou-se
importante, não para estabelecer comparações entre as línguas, mas para enriquecer os
dados e ampliar as possibilidades de análise. Além disso, outro motivo foi o de que cada
uma das escolas encontra-se em posição geográfica distinta: uma fica situada na zona
periférica da cidade e a outra na zona rural do mesmo município. Como se trata de uma
pesquisa qualitativa, trago as palavras de Bogdan e Biklen (1994), que nos dizem: “em
pesquisa qualitativa nada é trivial – tudo tem potencial para construir uma pista que nos
permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora de nosso objeto de estudo”
(1994, p.49). Um outro elemento importante foi a carinhosa prontidão das escolas e
das professoras de LE em participar deste estudo. Assim, escolhi uma 3ª série de cada
escola, cujas crianças começariam a ter aulas de LE pela primeira vez no ano de 2004
(ano da coleta dos dados). Os instrumentos utilizados foram entrevistas gravadas em
áudio relativamente abertas, semi-estruturadas por alguns tópicos norteadores nas
conversas com as crianças, aprendizes iniciantes de uma LE, com seus pais e com as
professoras de LE. Depois, os dados foram transcritos e analisados dentro de uma
abordagem interpretativista, considerando as concepções de Vygotsky e Bakhtin sobre
linguagem: fenômeno social cujos significados são construídos nas interações. Também
utilizei um questionário preenchido pelas crianças e um outro pelas diretoras de cada
escola, os projetos políticos pedagógicos e anotações a partir das conversas com as
equipes diretivas. Esses instrumentos serviram para conhecer um pouco mais a
realidade das escolas.
A pesquisa está estruturada em quatro capítulos: a Fundamentação Teórica, a
Metodologia, a Análise e Discussão dos dados e, finalmente, as Considerações sobre o
estudo feito. A Fundamentação Teórica dividi-se em três seções. Na primeira seção
faço um estudo das principais correntes da psicologia clássica que discutem o fenômeno
da motivação humana dentro das tendências inatistas e ambientalistas. Na segunda
seção trago, então, a concepção sócio-histórica de homem desenvolvida por Vygotsky
com o objetivo de contrapor as tendências anteriores, partindo do pressuposto da
necessidade de estudar o comportamento humano enquanto fenômeno histórico e
socialmente determinado. Também, nessa mesma seção, discuto o conceito de
mediação, conceito este fundamental na teoria de Vygotsky que vai explicar a relação
do homem com o ambiente - uma relação mediada por elementos intermediários e não
uma relação direta (S-R), como é compreendida pela psicologia tradicional. Como este
estudo fundamenta-se na idéia de que a linguagem é o fenômeno por excelência
responsável pelo desenvolvimento, comportamento do homem e, portanto, pela sua
constituição, desenvolvo ainda, na segunda seção, as concepções de linguagem de
Vygotsky e Bakhtin, por perceber a existência de uma complementaridade profunda
entre esses autores, tendo em vista o fato de suas idéias estarem enraizadas nas
concepções do materialismo histórico e dialético de Marx e enfocarem a linguagem
como “o modo mais puro de interação social” (JOBIM e SOUSA, 1994, p. 126),
responsável pelas mudanças na sociedade e na vida dos homens. Com esse espírito, os
referidos autores situam a linguagem como ponto de partida nas investigações relativas
às questões humanas e sociais. Finalmente, nessa segunda seção discuto o papel da
interação social que vai marcar a importância do outro na construção dialética do
conhecimento a partir das trocas estabelecidas com os seus semelhantes. Na terceira
seção, faço uma revisão das idéias dos principais autores que tratam da motivação para
a aprendizagem de LE, as quais, juntamente com os conceitos discutidos na seção
anterior, serão fundamentais para sustentar as análises feitas. Após a fundamentação
teórica, passo a descrever a metodologia utilizada para desenvolver a pesquisa: descrevo
os ambientes onde a pesquisa foi realizada, os sujeitos, os instrumentos e forma de
coleta dos dados e as análises propriamente ditas para, finalmente, tecer considerações
em torno deste estudo e apresentar algumas de suas implicações na área educacional.
Espero, portanto, com este trabalho, contribuir com as discussões referentes às
motivações para a aprendizagem de LEs, como também poder provocar as instituições
de ensino e os professores a refletirem sobre o seu papel como formadores e grandes
responsáveis pelo desenvolvimento dos seres humanos.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Teorias psicológicas da motivação humana
Discutir a motivação para a aprendizagem implica reconhecer a existência de
uma quantidade significativa de variáveis internas e externas que incidem sobre esse
fenômeno. Por essa razão, a literatura pertinente ao tema, registra certa preocupação
com a escassez de estudos nesse campo do conhecimento por sua natureza ampla e
complexa.
Sabe-se da existência de estudos que discutem a motivação enquanto objeto das
ciências naturais, tentando explicá-la como reações automáticas, ações reflexas e
associações simples de origem biológica. No entanto, com o avanço da psicologia,
aspectos sociais começam a ser evidenciados, e a motivação passa a ser vista não
somente como um fator biológico, inato, mas também, e, principalmente, como um
fenômeno social.
A presente seção fará uma revisão histórica, ainda que brevemente, das
principais teorias psicológicas da motivação humana com base nos princípios do
inatismo e ambientalismo, cuja preocupação é descrever o comportamento motivado do
ser humano com ênfase no biológico, excluindo variáveis de natureza sócio-cultural na
constituição do ser humano e suas conseqüentes influências nas formas do
comportamento, abordagem que será discutida na seção seguinte. Para a referida
revisão, foi necessário pesquisar obras secundárias, por não encontrar disponíveis as
fontes originais de alguns autores citados.
A motivação é um objeto de estudo da psicologia e, de acordo com a literatura,
os primeiros estudos realizados nesse campo do conhecimento tinham um caráter
experimental ou clínico, cujos objetivos eram analisar variáveis referentes ao
comportamento que pudessem explicar como e porque um organismo se motiva para
determinada ação.
Os estudos experimentais, centrados na aprendizagem, eram feitos em
laboratórios através da observação de animais, cujas conclusões eram depois utilizadas
para tentar explicar as variáveis que interferiam no comportamento motivado do
homem. Os inauguradores desse tipo de pesquisa foram Woodworth e Wundt (1918).
No mesmo período, Pavlov e Watson também desenvolveram seus estudos em torno do
comportamento humano com base em experimentos, caracterizando-os como adeptos
das teorias comportamentais privilegiadoras da metodologia associacionista: estímulo-
resposta (S-R). Porém, a literatura registra que foi Freud (1895) o elaborador da
primeira grande teoria sobre motivação, o qual exerceu forte influência nas pesquisas
realizadas por um longo período no campo da psicologia clássica.
A teoria Psicanalítica de Freud foi apresentada na sua obra Projeto de uma
Psicologia Científica (1895). Baseada em procedimentos clínicos e não experimentais,
excluía instrumentos de medida e quantificação, valorizando os contatos interpessoais
imediatos e o conhecimento que deles decorria. De referência inatista, Freud (1996)
propõe que toda ação ou comportamento é determinado por um instinto biológico
interno cuja finalidade específica é a fuga ao desprazer. Esse comportamento é
provocado pela atuação do estímulo, entendido como o fator responsável pela elevação
do nível de tensão interna.
De acordo com Penna, o esquema adotado por Freud pode ser assim
compreendido:
O estímulo é concebido como um fator de produção de energia. Dele resultauma elevação do potencial, com ruptura do nível ótimo em que devepermanecer o organismo. O excesso responsável pelo desequilíbrio terá queser escoado através de resposta adequada. A função da resposta será, pois, dedescarga. Produzindo o escoamento do excesso de energia, cessa o estado dedesconforto ou de desprazer, recompondo-se a condição de equilíbrio(princípio da constância) (PENNA, 1975, p. 23).
Para Freud (op. cit.), os estímulos responsáveis por maior acréscimo de tensão
não são os que procedem do meio externo, mas, sim, os que se originam no próprio
interior do organismo e criam as grandes necessidades, como respiração, sexualidade,
amor.
Alcona (apud, PENNA,1975) resume a perspectiva freudiana tal como ela se
apresenta em suas formulações iniciais, em seis proposições básicas:
a) todo comportamento é motivado;
b) os motivos persistem atuantes desde o nascimento até a morte do organismo,
não obstante os esforços exercidos pelo meio cultural para modificá-los ou
bloqueá-los;
c) os motivos são freqüentemente inconscientes;
d) a motivação exprime-se sob a forma de tensão;
e) existem apenas dois motivos aos quais se vinculam todos os padrões de
comportamento: a libido e a destrutividade;
f) a motivação tem uma natureza essencialmente biológica e instintiva.
A partir de Freud, foram surgindo outras teorias que buscavam explicar o
comportamento motivado por fatores internos ou externos. De acordo com as
considerações de Penna (op. cit.), a pesquisa sobre motivação, em nível experimental,
sistematiza-se com Woodworth (1918) que elaborou o conceito de “força propulsora”,
representativa de uma necessidade. Desse conceito, surgiu a teoria do Impulso
Propulsor (Drive) em substituição à idéia dominante de instinto. Vinculada ao
movimento behaviorista, a teoria proposta foi sendo desenvolvida com vistas a explicar
o como se processa o comportamento e o porquê do organismo iniciar uma ou outra
atividade.
Contudo, foi Hull quem definiu a citada teoria em termos de aprendizagem
considerando o drive como “uma variável interveniente que desempenha o papel de
motor de propulsão dos hábitos, visto que esses, por si só, não respondem pela atividade
do organismo” ( apud PUENTE,1982, p. 16). Segundo Puente (op. cit.), a idéia de
“força propulsora” (Drive) desenvolvida por Hull trouxe importantes contribuições para
a área educacional.Vale destacar que seu princípio constituiu-se de um postulado
verificável em laboratório e matematicamente dedutível.
Em Koffka (1975), surge a teoria gestáltica da motivação, sob a influência do
movimento gestáltico. De base cognitivista, essa teoria desenvolveu a concepção de
que o ser humano é um ser que desenvolve percepções, estrutura conhecimentos e
resolve problemas. Contudo, seus estudos cobriram outras áreas, tornando-se uma
teoria geral do comportamento. Sendo um sistema altamente abrangente, as variáveis
motivacionais não se mostraram sistematizadas e, segundo Penna (1975), foram
distribuídas de forma difusa em diversos tópicos da teoria. Vale destacar que os
gestálticos contrapunham-se às teorias comportamentalistas por considerarem
inadequados os procedimentos baseados na estrutura estímulo-resposta para explicar o
comportamento humano.
Segundo Vernon (1973), quem desenvolveu, exclusivamente, a primeira teoria
sobre a motivação humana foi Thomas Young (1936), chamada hedonismo psicológico.
Nessa teoria, Young (apud VERNON, op. cit, p. 15), supunha que “ação e desejo eram
determinados por tentativas de conseguir maximizar o prazer e evitar ou eliminar a dor
ou desprazer”. Em geral, essa concepção parte da idéia de que as pessoas adotam
comportamentos que lhes proporcionem prazer e evitam outros que possam trazer
algum tipo de desprazer. A busca pelo prazer dá-se de forma consciente. Nesse ponto,
psicólogos da época discordaram por considerar que alguns tipos de comportamento
motivado eram do tipo impulsivo como, por exemplo, dar respostas a reflexos
automáticos que estão fora do controle consciente. Porém, esse tipo de comportamento
impulsivo não era hedonisticamente determinado, dada a compreensão que faziam dessa
concepção. Mais tarde, o próprio Young faz revisões em torno da teoria do hedonismo e
admitiu que alguns tipos de comportamento eram motivados com o objetivo de
selecionar aqueles que poderiam trazer experiências agradáveis, não sendo extensivo a
todo e qualquer tipo de comportamento como era anteriormente compreendido pela
teoria do hedonismo psicológico.
Vernon (op. cit.) descreve a teoria hórmica desenvolvida por McDougall, cujo
sentido baseava-se, fundamentalmente, na idéia de que tanto o comportamento dos
homens quanto o dos animais é motivado pela busca de objetivos. O comportamento é
motivado por certos estímulos vitais que são persistentes até que o objetivo seja
atingido. Para McDougall (apud VERNON, 1973), a origem do comportamento está em
instintos inatos e naturais, existentes em todos os organismos, embora possa haver
diferenças individuais quanto a sua força. Considera também que o comportamento
instintivo no homem é menos rígido e estereotipado do que em muitos animais,
podendo ser modificado pelo aprendizado. Nesse particular, os instintos diferem dos
reflexos que são menos variáveis e mais persistentes. Além do mais, os reflexos são
provocados por simples estímulos sensoriais, enquanto os instintos dependem de
complexos fatores ambientais.
Thorpe, também citado em Vernon (op. cit), desenvolve um outro conceito para
o fenômeno da motivação, referindo-se à idéia de impulso. De acordo com esse autor, o
impulso é um complexo de estados e estímulos internos e externos que levam o
indivíduo a um determinado comportamento que é sempre de importância para a
sobrevivência. Nesse tipo de comportamento motivado por estímulos, o indivíduo dirige
a ação para um determinado objetivo que visa à satisfação de necessidades básicas da
existência humana. Satisfeitas essas necessidades, acontece naturalmente uma redução
na força do impulso concomitante. Nesse particular, observa-se que Thorpe trabalha
com a idéia de satisfação das necessidades específicas de consumação, como a
necessidade de comer, beber, as quais podem ser imediatamente satisfeitas. Sabe-se, no
entanto, que nem todo tipo de comportamento motivado irá, a priori, satisfazer uma
necessidade imediata, embora normalmente ele seja dirigido com fins à obtenção de
alguma espécie de satisfação. Nesses casos, o comportamento pode ser satisfatório em si
mesmo, e o indivíduo pode continuar a cumpri-lo por longos períodos como, por
exemplo, a perseguição por sucesso em determinada atividade. Dessa forma, percebe-se
que o comportamento motivado do ser humano não é de um único tipo, nem tampouco
exclusivamente inato, pois fatores ambientais externos podem provocar, estimular um
comportamento consciente e deliberado com interesses particulares sem que o indivíduo
permaneça passivo, aguardando que os fatores incidam sobre ele.
Vernon, numa perspectiva mais interpretativista, desenvolve o seguinte conceito:
“A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e
sustenta todas as nossas ações mais importantes” (1973, p. 11). A existência dessa força
é compreendida a partir da observação de tipos de comportamento que reaparecem com
freqüência e envolvem o emprego de determinada energia que pode vir acompanhada
por sentimentos de impulso e desejo.
Da variedade de tipos de comportamento suscetíveis do ser humano, Vernon
aponta dois extremos: o primeiro é formado pelo comportamento no qual o indivíduo se
sente forçado a agir de determinadas maneiras, por exemplo, procurar alimento. Para
ele, esse tipo de comportamento é impulsivo, não intencional, sem ter um objetivo claro
a atingir. No outro extremo, está o comportamento motivado para um fim e, ao contrário
do primeiro, é intencional, cujas ações são orientadas pelo pensamento e reflexão,
embora nem sempre dirigidas conscientemente. O indivíduo pode agir sem saber a
causa do comportamento, pois sua origem pode estar no inconsciente. Outros tipos de
comportamento motivado parecem estar num plano intermediário, iniciando
impulsivamente na infância e mais tarde tornando-se intencional e consciente –
processo que acontece por meio do aprendizado.
Tanto o comportamento impulsivo ou intencional podem sofrer influências das
diferentes experiências da vida cotidiana, os quais apresentam uma série de variáveis
motivacionais que não estão sujeitas ao controle experimental. Por essa razão, muitos
psicólogos, interessados em estudar o comportamento motivado para o aprendizado,
preferem fazer suas experiências em laboratórios por serem de mais fácil controle,
conseguindo, dessa forma, contribuir com o estudo das bases biológicas do ser humano.
Contudo, sabe-se que esse tipo de pesquisa explica o comportamento humano de forma
bastante artificial, limitada e sugestiva, sem conseguir dar conta de compreender os
fatores ou variáveis que interferem no comportamento do homem que é, como se sabe,
muito diferente do comportamento dos animais. Com certeza, o ser humano possui
formas de motivação como as do tipo intencional que não podem ser observadas nos
animais.
Abraham Maslow (1954), criador da teoria humanística, foi um dos mais
influentes teóricos da área da motivação. Sua teoria foi apresentada na obra Motivation
and Personality e teve a influência de preceitos da gestáltica e de elementos da
perspectiva freudiana. Esse autor desenvolveu e aprimorou o conceito de necessidade a
partir de estudos experimentais e concluiu que “todos os indivíduos têm necessidade
básicas, cujos graus de intensidade variam de uma para outra pessoa e que são
independentes, em sua essência, das diferentes culturas” (MASLOW, apud PUENTE,
1982, p. 22). O autor propõe uma lista hierarquizada de necessidades básicas:
a) necessidades fisiológicas: a fome, sede, sexo, sono;
b) necessidades de segurança: a proteção, tranqüilização durante uma doença;
c) necessidades de amor: ser aceito pelos companheiros, ter amizades;
d) necessidades de estima: confiança em si mesmo, autonomia, sucesso,
competência, prestígio;
e) necessidades de auto-atualização: aperfeiçoamento, realização de projetos
pessoais, desenvolvimento das potencialidades;
f) necessidade de saber e compreender: a curiosidade como uma característica
da saúde mental;
g) necessidade do estético: o homem necessita da beleza.
Segundo Puente (1982, p. 25), “as necessidades básicas de Maslow estão
organizadas em uma hierarquia de valores ou graus de importância de tal forma que a
manifestação de uma necessidade se baseia geralmente na satisfação prévia de outra,
imediatamente inferior na escala apresentada”. Maslow, entretanto, assinala que a
ordem das necessidades não é, obrigatoriamente, a mesma para todos os indivíduos nem
para todas as idades.
McClelland (1972) desenvolveu uma teoria da motivação cujo enfoque aborda o
comportamento voltado para a competição (fatores externos). É a necessidade de o
indivíduo superar os outros que o motiva à realização de ações. Para esse autor, todos os
motivos são aprendidos e desenvolvidos em torno de experiências afetivas, decorrentes
das relações com as diferentes situações vividas. Para melhor explicar sua teoria,
McClelland adotou as necessidades de Murray, as quais são descritas a seguir:
a) necessidade de realização: comportamento voltado para a competição com
padrões de excelência, como vencer obstáculos, superar os outros;
b) necessidade de afiliação: o desejo de estar com outros numa relação afetuosa
e amiga, a busca por contato físico e relações interpessoais;
c) necessidade de poder: o desejo de exercer influência e impacto sobre os
outros.
Vale destacar que os pressupostos dessa teoria começaram a trazer questões que
envolviam o social e o cultural como importantes meios responsáveis pelos estímulos
que originam o comportamento de aproximação ou evitação. Para ilustrar, na explicação
do motivo de realização relacionado à competição com padrões de excelência, fica
implicitamente estabelecida uma relação entre a origem do comportamento motivado e
a cultura na qual o indivíduo está inserido, tendo em vista que os padrões de excelência
são determinados culturalmente. Puente (1982, p. 70) acrescenta a essa discussão:
“...quando se consideram as origens e o desenvolvimento da motivação para realização,
deve-se destacar o papel da cultura e, mais especificamente, da família, já que esta se
constitui no principal canal de transmissão dos aspectos básicos da cultura”.
Como se pôde perceber, a motivação humana é um fenômeno bastante complexo
de ser investigado e compreendido devido às diferentes concepções advindas da
psicologia tradicional. Com base nas teorias apresentadas, podemos observar que os
estudos feitos em torno da motivação humana foram sendo sistematicamente discutidos
na tentativa de contrapor alguns pressupostos e/ou avançar nos estudos subseqüentes
propondo novos paradigmas, os quais são resultados das diferentes concepções sobre a
natureza humana. Todavia, apesar das diferenças no âmbito conceitual e até
metodológico, as posições parecem convergir para um mesmo ponto: uma concepção de
homem como um ser de natureza essencialmente biológica que pode ser influenciado,
numa relação direta, pelo ambiente externo.
Assim, após ter discorrido sobre a história das teorias psicológicas tradicionais
que tratam do comportamento humano com vistas a compreender o fenômeno da
motivação, torna-se pertinente discutir as idéias que irão fundamentar o presente estudo
com base em uma concepção de homem que difere, em muitos aspectos, da visão até
então desenvolvida pelas escolas psicológicas inatistas e ambientalistas. Nessas escolas,
o homem é visto como um ser biológico psicologizado, passivo, de maneira que a sua
relação com o mundo dá-se de forma linear, direta ou, como Vygotsky (2003a,p.80)
afirma, uma relação “unidirecionalmente reativa”. Para esse mesmo autor, era
fundamental considerar a relação homem-natureza de forma não apenas unilateral, ou
seja, as reações do homem às ações do meio-ambiente, mas a maneira pela qual o
homem cria o meio-ambiente, dando origem a novas formas de comportamento. Nesse
sentido, Vygotsky desenvolve uma psicologia baseada numa outra visão de homem e
sugere a adoção de um novo paradigma nas discussões referentes à natureza humana,
numa perspectiva social como veremos na seção a seguir.
1.2 Concepção sócio-histórica do ser humano
A teoria sócio-histórica ou histórico-cultural foi inaugurada no início do sec. XX
por Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934). Esse pesquisador soviético e crítico das
ciências psicológicas desenvolvidas na época elaborou uma “nova psicologia”, cujos
pressupostos basearam-se nas concepções marxistas de sociedade. Vygotsky,
juntamente com seus colaboradores, mais particularmente, Luria e Leontiev,
compreendia que as tendências psicológicas discutidas na época sobre o
desenvolvimento e comportamento do ser humano não eram suficientes para responder
a questões que estavam emergindo, tendo em vista o cenário político e social que
começava a se instalar no começo do novo século. De um lado, apresentava-se a
psicologia enquanto ciência natural que explicava os processos elementares do
comportamento humano de natureza biológica através de experimentos com animais,
utilizando-se da metodologia (S-R). De outro, uma psicologia com características de
ciência mental (cognitivista) que explicava as propriedades emergentes das funções
psicológicas superiores, especificamente humanas, de forma muito subjetiva, sem
conseguir explicar na sua essência como esses processos se desenvolviam. Vygotsky
(2003a) propõe, então, articular essas duas vertentes antagônicas e acrescentar aquilo
que ele considerava crucial nos estudos sobre o ser humano: a história e a cultura. Para
ele, o comportamento humano só poderia ser compreendido como a história do
comportamento, ou seja, uma compreensão de homem a partir da vida social e cultural
em que este estava inserido. Nas palavras de Oliveira (1993, p.40), “a ‘nova psicologia’
proposta por Vygotsky tinha por objetivo integrar numa mesma perspectiva o homem
enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e social, enquanto membro da espécie
humana e participante de um processo histórico”.
Seguidor do pensamento de que o homem é um ser eminentemente social e de
que, portanto, constitui-se como tal na sua relação com o outro, Vygotsky (op. cit.)
desenvolve uma teoria que considera a relação homem-sociedade uma relação dialética.
Por isso, fundamentou-se nas idéias do materialismo histórico e dialético de Marx,
procurando identificar as mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao
longo do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social.
Oliveira (2001, p.28) afirma que os postulados básicos do marxismo que
influenciaram Vygotsky foram:
- o modo de produção da vida material condiciona à vida social, política e
espiritual do homem;
- o homem é um ser histórico que se constrói através de suas relações com o
mundo natural e social;
- a sociedade humana é uma totalidade em constante transformação. É um
sistema dinâmico e contraditório, que precisa ser compreendido como
processo em mudança, em desenvolvimento;
- as transformações qualitativas ocorrem por meio da chamada “síntese
dialética” em que, a partir de elementos presentes numa determinada
situação, fenômenos novos emergem.
A partir destes postulados, Vygotsky começa a propor os estudos das funções
elementares e complexas do ser humano, cujo objetivo é “caracterizar os processos
tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como esses processos
se formaram ao longo da história humana e como se desenvolvem durante a vida de um
indivíduo” (op. cit, p.25). Sua preocupação, pois, é com o estudo da origem (gênese),
formação e evolução daqueles processos humanos historicamente construídos.
As funções elementares são conhecidas como processos de desenvolvimento de
natureza biológica, presentes nas crianças e animais, tais como ações reflexas,
associações simples, e podem ser explicados com base em uma metodologia
experimental conhecida por estrutura estímulo-resposta. Para Vygotsky (2003a p. 78-
79), “a confiabilidade na estrutura estímulo-resposta é um aspecto óbvio daquelas
escolas da psicologia cujas teorias e experimentos baseiam-se em interpretações do tipo
estímulo-resposta do comportamento” e acrescenta que esse modelo de estrutura
somente serviria para explicar, na melhor das hipóteses, o funcionamento das funções
elementares do comportamento, de ordem biológica, compartilhadas tanto por animais
quanto por seres humanos.
As funções complexas, chamadas de funções psicológicas superiores, referem-se
aos processos tipicamente humanos de desenvolvimento, tais como: atenção e
lembrança voluntárias, memorização, pensamento abstrato, linguagem etc. São
intencionais, voluntários e dão ao ser humano a condição de controle consciente do
comportamento. Segundo Rego (2001, p.39), as funções psicológicas superiores “dão ao
indivíduo a possibilidade de independência em relação às características do momento e
espaço presentes e sua origem está nas relações entre indivíduos humanos que se
desenvolvem ao longo do processo de internalização de formas culturais de
comportamento”.
A internalização representa o processo de assimilação das ações externas que são
culturalmente determinadas e mediatizadas por instrumentos e signos, ocorrendo,
basicamente, através das interações sociais. Essas formas externas, quando assimiladas,
transformam-se e passam a ocorrer internamente, impulsionando as funções mentais
superiores, ou seja, um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal.
Para Vygotsky (2003a p. 75), “todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro,
entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica)”.
Portanto, pode-se compreender que as funções psicológicas superiores são
construídas ao longo da vida humana através de um processo de interação homem/meio-
ambiente (físico e social) que possibilita a assimilação da cultura historicamente
desenvolvida. Vale destacar que, na concepção sócio-histórica, o homem não é mero
produto do seu contexto cultural. Através das interações, ele age, participa e transforma
a realidade.
A partir dos estudos das funções elementares e superiores de desenvolvimento
do homem, Vygotsky pôde compreender diferenças essenciais entre o ser humano e os
animais. Basicamente, ele sintetizou essas diferenças em três aspectos:
- todo comportamento animal tem sua origem em motivos unicamente
biológicos, por exemplo, matar a sede, saciar a fome... Já o homem é
motivado por necessidades complexas, como aquisição de conhecimento,
necessidade de comunicação;
- o animal é determinado pelos estímulos imediatos que a natureza lhe impõe.
O homem age dentro de um universo de abstrações permitindo-lhe penetrar
profundamente na essência das coisas;
- o comportamento consciente do homem vem da experiência social
acumulada através da história e transmitida no processo de aprendizagem.
Em síntese, pode-se dizer que o comportamento animal é determinado
biologicamente e o do ser humano pelas leis da sociedade histórica e culturalmente
construídas.
Apesar das diferenças, Vygotsky (2003a) conseguiu perceber um
entrelaçamento entre as funções elementares (tipicamente biológicas) e superiores
(exclusivamente humanas) para explicar e descrever o desenvolvimento humano,
porém, com origens qualitativamente diferentes: de um lado, os processos elementares
que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem
sócio-cultural. Para este autor, “a história do comportamento da criança nasce do
entrelaçamento dessas duas linhas” (op. cit., p. 61). Portanto, o desenvolvimento do
indivíduo está baseado na interação entre as condições históricas e sociais e a base
biológica do comportamento humano. Partindo de estruturas orgânicas elementares,
formam-se novas e mais complexas funções mentais, a depender da natureza das
experiências sociais a que os indivíduos estão expostos.
Sua ênfase, contudo, está nas questões sócio-culturais como responsáveis pelo
desenvolvimento do homem: membro de uma espécie biológica que só se desenvolve no
interior de um grupo cultural. Vale destacar que na abordagem vygotskyana, “o que
ocorre não é uma somatória entre fatores inatos e adquiridos e sim uma interação
dialética que se dá desde o nascimento entre o ser humano e o meio social e cultural em
que se insere” (REGO, 2001, p.93).
A princípio, pode parecer estranho dialogar com Vygotsky, um teórico da
aprendizagem, para discutir questões referentes à motivação humana. Realmente, esse
autor não apresenta uma abordagem específica sobre tal tema. Contudo, o diálogo torna-
se pertinente tendo em vista os pressupostos que ancoram sua teoria sócio-histórica e
que dão as bases para discutir fenômenos relacionados à natureza humana, enquanto
construções sociais somente possíveis por meio da linguagem – foco deste estudo para
compreender as motivações para a aprendizagem de LE e suas origens.
Na concepção sócio-histórica, a característica definidora da constituição humana
é a sua interação com o meio sócio-cultural. Essa interação é possível devido à
existência de instrumentos e signos que a mediatizam, ou seja, toda interação pressupõe
a necessidade de elementos de natureza física e abstrata que fazem a mediação na
relação do homem com o mundo. Não é uma relação direta, mas dialética, em que
sujeito e meio-ambiente se relacionam de forma recíproca. Dessa forma, podemos
compreender o homem a partir da sua relação com a natureza considerando que é nessa
relação que o ele constrói e transforma a si mesmo e a própria natureza, criando novas
condições para sua existência.
Para Vygotsky (2003b), a linguagem é o signo mediador por excelência na
constituição do homem, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados
pela cultura humana desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento do
pensamento, assim como na evolução da consciência como um todo. Nesse sentido,
Bakhtin (1995), autor também da concepção sócio-histórica, irá apresentar uma
proposta semelhante, considerando a linguagem a base da formação da consciência
humana.
Como se percebe, a noção de constituição do homem apresentada pela
abordagem sócio-histórica parece estar ancorada no princípio da interação social
mediatizada pela linguagem. Assim, torna-se fundamental discutir as idéias que
perpassam os conceitos de interação, mediação e linguagem para melhor compreendê-
los na sua concretude quando relacionados às práticas sociais realizadas pelos sujeitos,
em diferentes contextos, e suas implicações nas motivações das crianças para
aprendizagem de LE.
1.2.1 O conceito de mediação
Compreender o conceito de mediação na teoria de Vygotsky torna-se
fundamental, uma vez que seu significado representa uma das grandes diferenças
metodológicas em relação às práticas realizadas pelas teorias psicológicas tradicionais
para discutir o desenvolvimento e comportamento do homem.
Nas palavras de Oliveira, “Mediação, em termos genéricos, é o processo de
intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser
direta e passa a ser mediada por esse elemento” ( 2001, p. 26).
Nas funções elementares do comportamento, o processo de intervenção pode ser
substituído por uma reação direta do organismo a uma situação/problema, justificando o
uso da estrutura (S-R). Nesse processo simples, os instrumentos (elementos externos ao
indivíduo) são os mediadores utilizados pelo homem na sua relação com a natureza, e
sua função é a de provocar mudanças nos objetos. Porém, na constituição das funções
superiores (tipicamente humanas), é fundamental a existência de um elemento
intermediário entre o estímulo e a resposta que cumpre um papel especial: o de ação
reversa. A ação reversa significa que o elemento intermediário (o signo) age sobre o
sujeito e não sobre o objeto. Segundo Vygotsky (2003a), à medida que o signo
mediador cumpre a sua função de ação reversa, ele passa a promover o desenvolvimento
de novas formas psicológicas qualitativamente superiores, permitindo aos seres
humanos, com o auxílio de estímulos externos, controlar o seu próprio comportamento.
Então, o ato simples (S-R) é substituído por um processo complexo mediado, assim
representado:
S - - - - - - - - - - - - - - R
X
Para Oliveira (2001, p. 30), os signos, também chamados por Vygotsky de
instrumentos psicológicos, “são orientados para o próprio sujeito, para dentro do
indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja
de outras pessoas”. Os signos são, portanto, elementos que agem nos processos
psicológicos, ao contrário dos instrumentos que auxiliam nas ações concretas.
Vygotsky (op. cit), preocupado em descrever e explicar o desenvolvimento do
ser humano desde de seu nascimento, traz exemplos de como a criança vai assimilando
novas formas de comportamento, através da interação com os outros do seu meio
cultural mediadas, fundamentalmente, pelos signos. Para esse autor, a criança, desde
muito cedo, começa a se utilizar de instrumentos auxiliares para mediar a sua relação
com a natureza externa. Aos poucos, esses instrumentos começam a ser substituídos
por sistemas simbólicos de natureza mais complexa que vão ativando as funções
superiores do psiquismo humano. Dessa forma, a ação, antes feita de maneira mais
impulsiva, começa a ser mediada por instrumentos psicológicos qualitativamente
superiores aos primeiros, criando novas bases no comportamento da criança.
Para Vygotsky, mudanças na estrutura do comportamento da criança estão
relacionadas às mudanças de suas necessidades e motivações. O que antes era
“instintivo” passa a ter sua origem em motivações socialmente enraizadas que vão
sendo construídas ao longo da história humana e que dão direção à criança. Esse
movimento de construção do homem sócio-histórico só é possível, na teoria de
Vygotsky, devido às interações sociais mediatizadas pela linguagem.
1.2.2 Concepções de linguagem em Vygotsky e Bakhtin
Buscando entender a linguagem como um fenômeno social que constitui os
sujeitos, a história e a cultura, apoiei-me em dois teóricos, cujas concepções estão
fundamentadas no materialismo dialético sócio-histórico que se contrapõe aos modelos
teóricos de base positivistas do século passado. Nesse novo paradigma, a linguagem
ganha papel de destaque como fundadora de uma nova relação do homem consigo
mesmo e dele com o mundo.
Vygotsky e Bakhtin desenvolveram suas idéias na tentativa de promover uma
ruptura com os paradigmas cientificistas das ciências naturais de sua época. Segundo
Bakhtin (1997), as ciências naturais são formas monológicas de conhecimento no
sentido de que o pesquisador se coloca diante de seu objeto para falar dele. Nas ciências
humanas, o objeto, que é um sujeito que age produzindo textos escritos ou orais, não
pode ser compreendido como fenômeno físico, mas como sujeito de produção e
transformação envolvido num mundo signico. Nessa perspectiva, o pesquisador não é
mero observador do seu objeto de estudo, mas com ele dialoga, daí o conhecimento
pautar-se numa construção dialógica, dinâmica e mutável. Assim, para esses dois
autores, todos os fenômenos devem ser estudados como processos em movimento e em
constante mudança.
Bakhtin (1995) elabora, então, uma concepção de linguagem que difere
sobremaneira das tendências da lingüística tradicional em que a linguagem é vista como
um instrumento/veículo de comunicação entre os homens: de um lado um emissor envia
uma mensagem para um receptor, através de um código mais um canal. Percebe-se daí,
que esse é um processo linear, anti-histórico, baseado na idéia de língua como sistema
abstrato com ênfase na forma ou numa enunciação monológica isolada. A linguagem
em Bakhtin é considerada um fenômeno sócio-ideológico construída no diálogo ao
longo da história. Assim, para esse autor, “não são palavras o que pronunciamos ou
escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais,
agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo
ideológico ou vivencial” ( op. cit, p. 95).
Partindo dessa realidade, a palavra torna-se o signo lingüístico por excelência
responsável pelas transformações sociais. Seu conteúdo ideológico irá revelar as
posições de uma dada sociedade, seus valores, crenças, que ora se explicitam, ora se
confrontam, determinando a chamada ideologia do cotidiano.
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em
todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o
indicador mais sensível de todas as transformações sociais,
mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram
forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos
estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual
se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que
ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade
ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma
forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar
as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças
sociais (BAKHTIN, 1995, p. 41).
A ideologia do cotidiano é o espaço onde nossas idéias e comportamentos se
estabelecem e permitem que os sistemas ideológicos constituídos se fixem a partir dela.
Nas palavras de Bakhtin, “a ideologia do cotidiano, que se exprime na vida corrente, é o
cadinho onde se formam e se renovam as ideologias constituídas” (op. cit, p. 16).
Significa uma interação dialética entre os sistemas ideológicos constituídos e a
ideologia do cotidiano. Essa interação dialética que se materializa, segundo Bakhtin, na
interação verbal, marca a linguagem como fenômeno social que constitui os homens e
as sociedades. A interação verbal é um lugar de produção de linguagem, e sua forma de
produção é a dialogia. Nesse processo, os enunciados são construídos na dinâmica da
vida com suas múltiplas significações, pois todo enunciado vem carregado de idéias,
valores, julgamentos, avaliações, ficando impossível separá-lo da realidade vivencial
dos homens. Portanto, Bakhtin afirma que “ a situação social mais imediata e o meio
social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio
interior, a estrutura da enunciação” e, acrescenta, “a enunciação é o produto da interação
entre indivíduos socialmente organizados” (1995, p. 113).
Sendo a palavra uma realidade da enunciação, é ela que revela, enquanto signo
ideológico, as mudanças de significações no amplo conjunto das transformações da
cultura e da história.
Enquanto Bakhtin desenvolve uma teoria da linguagem no sentido de romper
com a lingüística tradicional, Vygotsky constrói uma psicologia que se contrapõe às
concepções da psicologia de sua época. Contudo, os dois autores consideram a
linguagem o ponto de partida nas investigações do homem e trabalham a língua como
fenômeno social, interligada à história e à cultura.
Vygotsky (2003b) compreende a linguagem como o aspecto mais importante na
formação das funções psicológicas superiores da criança, responsáveis pelas mudanças
quantitativas e qualitativas do seu desenvolvimento. O objetivo desse autor foi o de
investigar a relação entre linguagem e pensamento e como ela se constrói ao longo da
vida da criança até a fase adulta. Nos seus estudos, Vygotsky pôde perceber que não há
nenhuma inter-relação entre as bases genéticas do pensamento e da palavra. Ao
contrário, esses são processos independentes que, ao longo do desenvolvimento da
criança, começam a estabelecer uma relação entre si de inter-dependência. Portanto,
esse processo não é um critério do desenvolvimento, mas sim um produto dele. A
criança desde muito cedo atravessa um período pré-lingüístico do pensamento e pré-
intelectual da fala. Conforme observa Vygotsky, o choro e o balbucio da criança
representam fases do desenvolvimento da fala sem ter uma relação com o pensamento.
Da mesma forma, o pensamento inicialmente evolui sem a presença da fala.
Mais tarde, por volta dos dois anos de idade, as curvas do pensamento e da fala
se encontram, dando início a uma nova forma de comportamento. É nesse momento que
a criança começa a perceber que as coisas têm nome e sente a necessidade de verbalizá-
las. Esse é o ponto crucial em que o pensamento torna-se verbal e a fala racional, e a
criança dá início ao processo de descoberta da função simbólica das palavras. Vale
destacar que a linguagem, enquanto função psíquica superior, é primeiramente social,
resultado da relação entre pessoas, para depois ser internalizada como resultado da ação
do próprio indivíduo, transformando-se em um instrumento regulador do
comportamento. A ação do indivíduo passa, então, a ser mediatizada pela linguagem.
Por meio de seus estudos, Vygotsky, após ter evidenciado as gêneses do
pensamento e da palavra, preocupou-se em investigar a unidade do pensamento verbal
no significado da palavra. É no significado que se pode estabelecer a unidade entre
pensamento e palavra. É nele que pensamento e fala se unem resultando em pensamento
verbal de modo que “o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito
do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala
ou de um fenômeno do pensamento” (VYGOTSKY, 2003b p. 150).
Esse mesmo autor concebe o significado como algo que evolui ao longo do
desenvolvimento da criança. Os significados das palavras são construções dinâmicas em
constante processo de transformação que dependem dos contextos sociais nos quais o
sujeito está inserido. A partir dessa compreensão, a nova tendência da psicologia rompe
com os postulados da psicologia associacionista da imutabilidade dos significados.
Dizer que os significados são formações dinâmicas e mutáveis nos remete ao
conhecimento de um outro conceito usado por Vygotsky, com base em Paulhan, que
ressalta o predomínio do sentido sobre os significados das palavras. Assim, o sentido de
uma palavra é
a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra
desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e
dinâmico que tem várias zonas de estabilidade desigual. O
significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e
precisa. Uma palavra adquire seu sentido no contexto em que
surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido (...). O
significado dicionarizado de uma palavra nada mais é que uma
pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade
que se realiza de formas diversas na fala” (op. cit., p. 181).
O sentido, então, é o que dá vida às palavras e as movimenta dependendo do
contexto social e cultural em que surgem. É como se a palavra estivesse imersa em um
oceano de sentidos com imensa fluidez. Por outro lado, ela fica, de certa forma, limitada
ao próprio contexto que restringe o seu significado. Para Vygotsky, “o sentido de uma
palavra é um fenômeno complexo, móvel e variável; modifica-se de acordo com as
situações e a mente que o utiliza, sendo quase ilimitado” ( 2003b, p. 181-182).
Nesse sentido, Vygotsky (2003b) revela a existência de algum tipo de subtexto
que se realiza por trás de cada ato de fala, e a compreensão do pensamento do outro
depende do nível de interação que as pessoas conseguem estabelecer entre o verbal e o
extra verbal, ou seja, entre a palavra e o afetivo-emocional. Para o autor, o pensamento
não nasce de outros pensamentos - ele tem sua origem na esfera motivante de nossa
consciência, que é social, na qual inclui necessidades, desejos, interesses, afetos e
emoções. O afetivo e o volitivo estão sempre por trás do pensamento e separá-los
significa ignorar a relação das condições reais de vida dos sujeitos com a sua
consciência (pensamento).
Sobre a origem do pensamento Bakhtin nos diz que “o nosso próprio
pensamento nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio, o que
não pode deixar de refletir nas formas de expressão verbal do nosso pensamento”
(1997, p. 317).
O pensamento para estes dois autores parece ter um sentido de
complementaridade. Enquanto Vygotsky dá ênfase à produção de sentidos das palavras
no discurso a depender do contexto em que os sujeitos estão inseridos e que vão
desenvolvendo e transformando a consciência individual, Bakhtin desenvolve a idéia de
pensamento como produto dos discursos ideológicos tendo em vista o fato de a palavra
vir sempre carregada de um conteúdo ideológico ou vivencial dando à consciência um
caráter social. Para esse último autor:
A consciência humana adquire forma e existência nos signos
criados por um grupo organizado no curso de suas relações
sociais. Os signos (puramente ideológicos - grifo meu), são o
alimento da consciência individual, a matéria de seu
desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da
consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação
de um grupo social. (BAKHTIN,1995, p. 35-36).
Portanto, a tomada da consciência de si é um fenômeno social, fruto das
interações que os sujeitos estabelecem com o outro e com o mundo através da palavra. É
este o elo que une esses dois autores: a linguagem como constitutiva da existência
humana. Nesse sentido torna-se importante reconhecer o papel do outro enquanto
membro de uma cultura que, por meio da linguagem, influencia e é influenciado,
transforma e é transformado.
1.2.3 O papel da interação social
Tanto Vygotsky como Bakhtin destacam o valor fundamental das interações
sociais como o processo dialético responsável pela dinâmica nas transformações da
sociedade ao longo da história, considerando os sujeitos seres ativos e participativos
nesse processo. Por ser um processo dialético, toda interação pressupõe um outro que
pode ser um outro sujeito ou um objeto do conhecimento. Todavia, o conhecimento, na
perspectiva desses autores, é construído na interação, na qual a ação do sujeito sobre o
objeto é mediada pelo outro por meio da linguagem. Então surge a idéia de um sujeito
interativo que provoca e promove o desenvolvimento do outro e de si próprio. Assim, as
mudanças de comportamento e sua evolução dependem da convivência com outros num
processo dialético. A criança, por exemplo, passa a receber desde muito cedo as
influências dos elementos da sua cultura que são transmitidos pelos mais experientes,
sejam adultos ou mesmo crianças. Essas últimas recebem as influências de outros e
assim sucessivamente.
Nas palavras de Smolka e Góes (1996 p. 10), “ no processo de desenvolvimento
que tem caráter mais de revolução do que de evolução, o sujeito se faz como ser
diferenciado do outro: singular, mas constituído socialmente, e, por isso mesmo, numa
composição individual, mas não homogênea”.
Parece fundamental ressaltar que, na concepção sócio-histórica, o movimento de
individuação dá-se a partir das experiências propiciadas pela cultura. Dessa forma, a
inserção do homem num determinado ambiente social, juntamente com sua capacidade
de interagir nesse meio através da linguagem, faz com que ele incorpore ao seu
comportamento as formas culturais já consolidadas, como também aquelas que estão
em formação. Isso não significa dizer que a cultura é algo já dado e acabado e que o
indivíduo apenas se insere nela. Ao contrário, a cultura é vista como um “palco de
negociações” onde os participantes encontram-se em permanente processo de criação,
recriação e reinterpretação da realidade.
A partir das discussões feitas sobre as bases da constituição do sujeito, pode-se
concluir que a criança, ao interagir com outros nos diferentes ambientes sociais em que
se insere, como a família, a escola e outros contextos, passa a internalizar os
conceitos/idéias culturalmente construídos por estes grupos, de forma a ir constituindo o
seu pensamento e comportamento. Assim, pode-se compreender que as motivações para
aprendizagem, no caso deste estudo da LE, emergem desse processo de interação com o
outro social, cultural, mediado pela linguagem. A mediação pelo outro faz com que a
criança elabore novas formas de pensamento e ação construídas na dinâmica das trocas
verbais, espaço em que sentidos vão sendo elaborados, apreendidos e negociados. A
família e a escola, como espaços diferenciados, podem fazer emergir diferentes
sentidos, ou confirmar sentidos estáveis consolidados pela cultura. Dessa forma, o lugar
social ocupado pela criança é que define os sentidos elaborados por ela e é o palco onde
suas ações e discursos se materializam.
A época, o meio social, o micromundo – o da família, dos
amigos e conhecidos, dos colegas – que vê o homem crescer e
viver, sempre possui seus enunciados que servem de norma, dão
o tom; são obras científicas, ideológicas, nas quais as pessoas se
apóiam e às quais se referem, que são citadas, imitadas, servem
de inspiração (Bakhtin, 1997, p. 313).
Portanto, é dentro dessa concepção de formação do ser humano, da formação da
consciência individual, segundo Bakhtin e Vygotsky, que se pretende olhar, interpretar,
as motivações das crianças para a aprendizagem de LE – inglês/espanhol.
1.3 Motivações para a aprendizagem de Língua Estrangeira
Nas seções anteriores, foram discutidas as diferentes maneiras de compreender a
motivação humana. Viu-se que a psicologia tradicional trata desse tema com base nos
pressupostos das escolas inatistas e ambientalistas, cujas discussões em torno do
comportamento motivado do ser humano apontam para a compreensão de que este é um
fenômeno de natureza biológica que pode ser influenciado pelo ambiente externo de
forma direta. Posteriormente, discutiu-se uma outra visão de ser humano, a partir de
uma “nova psicologia”, proposta por Vygotsky, chamada de concepção sócio-histórica.
Nessa abordagem, o ser humano é um ser de natureza social que se constitui e se
desenvolve a partir das interações estabelecidas com aqueles participantes do seu
mundo cultural. Dessa forma, pode-se compreender que a motivação humana não pode
ser um fenômeno biológico, individual, como a psicologia clássica apresenta, mas,
fundamentalmente, ela deve ser compreendida como um fenômeno social, construída no
processo de interação, numa relação não direta, mas dialética.
Na presente seção, far-se-á uma revisão dos principais estudos feitos sobre as
motivações para a aprendizagem de LE. Essa apresentação torna-se importante porque,
além de ancorar algumas discussões feitas quando das análises dos dados, também irá
proporcionar a compreensão das tendências teóricas a que esses estudos estão ligados.
A literatura referente à temática da motivação para aprendizagem de LE nos diz
que não são muitos os estudos feitos nesse campo do conhecimento e atribui essa
escassez à complexidade do assunto. De acordo com Gómez (1999), essa complexidade
se deve ao fato de que depende da motivação, ou sobre ela incide, uma grande
quantidade de fatores e variáveis. A grande referência nesse campo do conhecimento
são os estudos de Gardner e Lambert (1972) que desenvolveram sua teoria baseada em
princípios sócio-psicológicos, na qual enfocaram aspectos culturais. Contudo, seus
estudos foram realizados com sujeitos canadenses anglófonos aprendizes de francês e
vice-versa, em ambientes naturais de aprendizagem de LE.
Mais tarde, Gardner (1985) faz revisões em torno de seus postulados permitindo
o surgimento do enfoque sócio-educacional. Porém, mesmo nesse novo enfoque,
Gardner persiste na idéia de que a aprendizagem de LE engloba, necessariamente,
aspectos do comportamento e cultura típicos da outra comunidade lingüística. Com isso,
ele afirma que as atitudes do aprendiz, em relação à comunidade da língua-meta, serão
decisivas para o sucesso na aprendizagem da LE.
O trabalho desenvolvido por Gardner e Lambert (op. cit) mostrou a existência
de um tipo de motivação que é específica à aprendizagem de línguas e que está
associada a três fatores:
a) as atitudes com relação à comunidade de falantes da língua-meta;
b) o interesse em interagir com os falantes de tal língua;
c) um certo grau de auto-identificação com a comunidade da língua-meta.
Gómez (op. cit), em seus estudos sobre a motivação para aprendizagem de LE,
faz referência à distinção de Gardner e Lambert sobre os tipos de motivação que esses
autores apresentam: integrativa/integradora e instrumental. A motivação integradora
caracteriza-se pelas atitudes positivas em relação à língua-meta, pelo interesse dos
aprendizes em interagir com os falantes nativos ou por conhecer, minimamente, pessoas
do referido grupo e conversar com eles. A motivação instrumental é aquela associada a
interesses do tipo pragmático. Mais relacionada ao mundo do trabalho, a pessoa tem o
desejo de aprender um outro idioma, para obter reconhecimento social ou vantagens
econômicas. Gardner e Lambert mencionam que um aluno com uma orientação
instrumental pode possuir o mesmo grau de motivação do que outro com orientação
integradora. No entanto, eles acreditam que aqueles cuja orientação é integradora,
obterão mais sucesso na aprendizagem da língua estudada. Na verdade, essa crença dá-
se em função do contexto onde os estudos de Gardner e Lambert foram feitos
(ambientes naturais). Assim, para Gómez, a orientação integradora é vista como uma
disposição interpessoal e afetiva do aprendiz em relação à comunidade de falantes da
língua-meta, desejando interagir com esse grupo e até mesmo assemelhar-se com os
membros dele.
Em relação à concepção de motivação integradora apresentada, Dörnyei (2003)
diz que essa motivação pode existir mesmo fora de um ambiente natural de
aprendizagem, como é o caso de alunos aprendizes de uma LE na escola. Para esse
autor, o desejo de interagir com falantes da língua meta pode estar relacionado à
identificação dos valores culturais e intelectuais dessa comunidade. Neste sentido,
podemos compreender que a motivação integradora está relacionada ao processo das
interações sociais mediadas pela linguagem.
Uma outra dicotomia apresentada pela psicologia educacional refere-se à
motivação extrínseca e intrínseca. O trabalho desenvolvido por Tragant e Muñoz (2000)
apresenta, de forma clara, a diferença entre os dois tipos de motivação. É importante
destacar que os estudos feitos por essas autoras têm suas bases em diferentes estudos
sobre a motivação para a aprendizagem de LE, entre eles, os de Deci et al (1991) que
definiram a motivação extrínseca e intrínseca. Nas palavras de Tragant e Muñoz, “la
motivación extrínseca, asociada a fuentes externas de motivación (satisfacer a los
padres, aprobar un examen, demostrar competencia ante los compañeros de clase, etc.),
se contrapone a la intrínseca, asociada a un interés interno o personal por el aprendizaje
de la lengua como finalidad última” ( 2000, p. 81).
Desses conceitos, podemos compreender que a motivação extrínseca está
centrada nos resultados externos que poderão advir a partir do esforço empenhado, na
crença de que a aprendizagem trará resultados positivos, como boas notas, elogios dos
pais, etc. Já a motivação intrínseca tem sua origem no próprio indivíduo. Ela está
centrada na satisfação pessoal, no prazer que a aprendizagem de uma língua
proporciona, e, a priori, sem a busca de benefícios externos.
las cualidades que se asocian a la motivación intrínseca son el dessarrolo de
la creatividad, la potenciación del conocimiento conceptual y la
predisposición personal hacia la realización de la tarea o actividad en
cuestión. La motivación extrínseca se da cuando uno lleva a cabo una tarea,
no por un interés personal, sino porque ésta le conduce a conseguir o evitar
unos objetivos externos (DECI et al., 1991, apud TRAGANT e MUÑOZ, op.
cit, p. 83).
Em Ellis (1997), a motivação é vista como um fenômeno que envolve as atitudes
e estados afetivos os quais influenciam o grau de esforço que os aprendizes fazem para
aprender a LE. Esse autor também apresenta quatro tipos de motivação semelhantes às
já citadas: motivação instrumental, integrativa, intrínseca e resultativa. Essa última
diferencia-se das demais por levantar a hipótese de que a motivação pode ser uma
conseqüência do sucesso na aprendizagem. Nas outras, a motivação seria a causa.
Segundo esse autor, um dado complexo nesses estudos é o de indicar o sentido da
incidência na relação aprendizagem e motivação, ou seja, se é a motivação que incide na
aprendizagem ou vice-versa.
Lightbown e Spada (2002) compreendem a motivação para aprendizagem de LE
como um fenômeno complexo que pode ser definido com base em dois fatores: as
necessidades de comunicação dos aprendizes e as atitudes destes em relação à
comunidade da língua-meta, e corroboram com Ellis, no sentido de colocar em pauta a
discussão da relação causa/efeito entre aprendizagem e motivação. Em suas palavras:
“Não sabemos se é a motivação que produz sucesso na aprendizagem ou se é o sucesso
na aprendizagem que provoca a motivação, ou se ambos são afetados por outros
fatores”2 (tradução minha), (op. cit, p. 56). No entanto, afirmam que o fator mais
importante na aprendizagem é a motivação.
Também esses autores fazem menção às relações de poder entre as línguas como
um importante fator social que interfere na motivação. É o caso de pessoas pertencentes
a uma comunidade lingüística minoritária aprendendo a língua nativa de um grupo
2 Original: “we do not know whether it is the motivation that produces successful learning or successfullearning that enhances motivation or whether both are affected by other factors”.
lingüístico majoritário e, assim vice-versa. Isto é, sem dúvida, um aspecto relevante a
ser considerado quando se deseja compreender a motivação na sua complexidade.
Tratando-se, especificamente, da motivação para a aprendizagem de LE em sala
de aula, Lightbown e Spada fazem referência aos estudos de Graham Crookes e Richard
Schmidt (1991) e chegam à conclusão da existência de três aspectos pedagógicos,
desenvolvidos em sala de aula, que influenciam sobremaneira a motivação dos alunos: o
“aquecimento” prévio às atividades futuras como forma de despertar a curiosidade dos
alunos, o uso de metodologia diversificada como também a variação de materiais e, por
último, as atividades de aprendizagem cooperativas que possam proporcionar a
interação dos alunos no desenvolvimento das tarefas e solução dos problemas.
Tapia e Fita (2000) trazem questões relevantes sobre a motivação para
aprendizagem no ambiente de sala de aula que se tornam pertinentes apresentar neste
estudo. Para Tapia (op. cit., p. 8), “a motivação está ligada à interação dinâmica entre
as características pessoais e os contextos em que as tarefas escolares se desenvolvem”.
A primeira está ligada aos interesses e necessidades dos aprendizes em relação à língua
meta, e a segunda tem relação com a organização das atividades, interação
professor/aluno e processos de avaliação. Já Fita (op. cit., p. 8) destaca o papel das
variáveis contextuais e do professor na motivação dos alunos, pois para ele “as variáveis
do contexto exterior à sala de aula recordam que não se ensina no vazio e que a ação
docente é mediada pela percepção social do professor e pela percepção que ele tem de si
mesmo”. Nesse sentido, o autor revela a dimensão do contexto como aspecto
fundamental na motivação para a aprendizagem e como espaço possível para
compreensão de comportamentos motivados ou não dos aprendizes, uma vez que saber
motivar significa considerar tanto os contextos de aprendizagem mais distantes da
escola, como a família, e os contextos mais próximos, desde o espaço físico escolar às
condições pedagógicas. Todavia, para esses dois autores, a motivação escolar é algo
complexo, processual e contextual, e a definem como “um conjunto de variáveis que
ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para poder alcançar um
objetivo” (TAPIA e FITA, 2000, p, 77).
Assim, um aspecto fundamental que deve ser destacado nas pesquisas sobre
motivação é a inclusão dos motivos sociais. Sabe-se que, de acordo com a concepção
sócio-histórica discutida anteriormente, a constituição do sujeito é social, entendendo-o
como um ser histórico e culturalmente determinado. Nessa perspectiva, todo
comportamento tem suas bases no processo de interação entre os homens e o seu
contexto social. Esse processo, que é mediatizado pela linguagem, acaba determinando
e controlando nossas ações em direção aos valores culturalmente constituídos e a outros
que se constituirão. De acordo com essa lógica, podemos entender que as motivações
para a aprendizagem nascem no interior desse processo no qual os sujeitos vão
assimilando e produzindo novos valores e crenças, direcionando as ações. Bakhtin, em
sua análise sobre as relações, chama atenção do contexto social imediato sobre o qual
todo o enunciado emerge. Para o autor, as manifestações, advindas do contexto
imediato, revelam toda a influência que as outras relações sociais mais amplas e
complexas têm na constituição do sujeito. Se considerarmos as motivações fruto do
processo das interações, teremos de discuti-la no âmbito social e não no individual,
perspectiva essa que irá contrapor, em grande medida, as discussões até então feitas por
autores especialistas no tema da motivação para a aprendizagem de línguas. Tais autores
parecem desconsiderar o social como fator responsável pela construção das motivações
e focalizam o tema em torno de variáveis internas ou externas, à semelhança dos
estudos feitos pela psicologia clássica sobre a motivação humana aqui apresentados.
Na motivação social, os motivos estão relacionados ao meio social dos sujeitos e
dão ênfase à natureza interpessoal das relações que vão sendo construídas ao longo da
história. No caso das motivações para a aprendizagem, os valores transmitidos pelo
contexto familiar e escolar são fundamentais, pois estes são os primeiros e mais fortes
ambientes estruturantes nos quais os sujeitos se desenvolvem e se educam. Mas isso não
significa dizer que a criança, ao chegar na escola, já está altamente motivada para a
aprendizagem. Ela carrega consigo valores culturalmente transmitidos que irão se
estabelecer ao longo do processo de interação e que dependem das diferentes situações
de aprendizagem e de como essas interações estarão sendo estabelecidas.
Paulo Freire (1996), em seu livro, Medo e Ousadia: o cotidiano do professor,
não compreende o processo de motivação fora da prática, antes da prática, como se o
sujeito devesse estar motivado para depois entrar em ação, considerando esta uma forma
antidialética de compreender a motivação. Em suas palavras, “a motivação faz parte da
ação. É um momento da própria ação. Isto é, você se motiva à medida que está atuando,
e não antes de atuar” (op. cit., p. 15).
Realmente, poucos estudos têm tratado da questão da motivação no tocante ao
ambiente escolar. Acredita-se que esse problema ocorra pelo fato deste ser um ambiente
multifacetado sobre o qual incidem muitos fatores. De qualquer modo, sabe-se que,
apesar das diferenças ou similaridades entre os estudos feitos, parece haver um
consenso que nos diz que a motivação é um fenômeno altamente complexo, ficando
praticamente impossível elaborar um conceito que abranja toda a diversidade de
elementos que a compõem.
Portanto, o processo da motivação é algo bastante dinâmico em sua natureza, e
parece não ser algo que o aprendiz tenha ou não, mas, antes, é algo que varia,
dependendo dos contextos e outros tantos fatores. Daí decorre a dificuldade de a
literatura conceituar esse fenômeno e a necessidade de investir-se em trabalhos que
possam dar uma visão mais objetiva a esse constructo tão importante, mas de difícil
compreensão.
2 METODOLOGIA
O presente estudo focaliza, com base nos fundamentos da investigação
qualitativa ou interpretativista, o ambiente escolar, familiar e outros contextos sociais
como possíveis promotores das motivações das crianças, aprendizes iniciantes de uma
LE. Nesse tipo de pesquisa, procura-se compreender os significados que os fatos, falas e
interações têm para os sujeitos envolvidos na pesquisa. Segundo Bogdan e Biklen
(1994, p. 70), “o objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o
comportamento e experiência humanos”. Tentam compreender o processo mediante o
qual as pessoas constroem significados e procuram descrever em que consistem estes
mesmos significados. Desta forma, para que o investigador qualitativo possa
compreender seu objeto de estudo, é necessário que ele esteja imerso no ambiente de
ocorrência, preocupando-se em estudar o comportamento no seu contexto social.
Os instrumentos utilizados para coleta dos dados nesse tipo de pesquisa são
variados, incluindo notas de campo, relatórios, gravações em áudio e vídeo, entrevistas,
etc., para que depois seja feita a chamada triangulação de dados. Nesse processo, o
objeto de estudo é analisado através de diferentes fontes de informação cujo objetivo é o
de validar os dados obtidos, devido ao caráter subjetivo desse tipo de pesquisa. Sendo
assim, o investigador qualitativo analisa seus dados de forma indutiva, não estando
preocupado em confirmar ou refutar hipóteses previamente estabelecidas. Nas palavras
de Bogdan e Biklen (op. cit., p. 50), “uma pesquisa feita desse modo procede de baixo
para cima, com base em muitas peças individuais de informação recolhidas que são
inter-relacionadas”.
Uma outra característica desse tipo de pesquisa consiste na realização de
entrevistas semi-estruturadas. Relativamente abertas, centram-se em tópicos
determinados ou podem ser guiadas por questões gerais com o objetivo de levantar
dados pertinentes ao objeto de estudo em questão.
2.1 Descrição dos ambientes onde a pesquisa foi realizada
A pesquisa foi realizada em duas escolas da rede pública municipal de
Pelotas/RS que ofertam o ensino de LE a partir da 3ª série do ensino fundamental. Para
efeito de simplificação, elas serão denominadas, neste estudo, de escola A e B. A
escolha dessas escolas se deu com base no interesse em investigar realidades distintas, a
considerar tanto as diferentes línguas oferecidas, elemento que trará importantes dados a
serem discutidos, a localização de cada escola que permitirá compreender de forma
mais totalizante as representações em torno da LE em diferentes contextos culturais,
como também a receptividade das duas instituições em participar deste estudo.
Escola A
A escola A, situada na zona rural, atende, aproximadamente, duzentos e setenta
alunos da pré-escola a 8ª série, oriundos de diferentes partes do distrito, sendo que a
maioria é moradora da vila que fica ao redor da escola. Oferece a língua inglesa no seu
currículo, a partir da 3ª série, com um encontro semanal de 45 minutos/aula nas 3ª e 4ª
séries e, a partir da 5ª, dois encontros semanais que resultam em 90 minutos/aula.
A escola possui uma área construída limitada e conta com poucos recursos:
salas de aula compostas por carteiras e um quadro verde, um laboratório de ciências sem
equipamentos, uma pequena biblioteca que dispõe de uma TV, um vídeo cassete e um
aparelho de som, secretaria, refeitório, cozinha, sala dos professores e funcionários, sala
da direção, sala da coordenação e SOE, dois banheiros femininos e dois masculinos. A
área aberta é ampla e reservada para os intervalos, práticas de Educação Física e para
uma pequena horta que é desenvolvida com os alunos como uma das propostas
pedagógicas da escola. Conta com um quadro aproximado de trinta e oito profissionais
entre equipe diretiva, professores e funcionários.
Quanto à proposta pedagógica desenvolvida, a escola parece ter clara a sua
posição frente à sociedade. No seu Projeto Político Pedagógico (PPP), ela anuncia,
como objetivo geral, a necessidade de realizar um trabalho voltado à formação do
homem cidadão, ao qual possibilita a construção de saberes indispensáveis a sua plena
interação com a sociedade. Para atingir esse objetivo, a escola, apesar da carência de
recursos materiais, planeja ações pedagógicas integradas entre as diferentes disciplinas e
outras atividades que envolvem toda a comunidade escolar, no sentido de oferecer
oportunidades de formação, reflexão e conscientização das questões que fazem parte da
realidade local e nacional, estabelecendo, assim, formas partilhadas de conhecimento
com a comunidade.
O ensino da língua inglesa a partir da 3ª série é compreendido, pela escola, não
só como uma oportunidade singular de valorização e qualificação do currículo escolar,
como também de promover a auto-estima dos alunos que se sentem, de certa forma,
muito distantes das possibilidades de participação nos eventos da sociedade moderna.
Contudo, a escola não intervém, de modo diretivo, nas práticas da professora de língua
inglesa. O trabalho desenvolvido com as crianças na língua inglesa é fruto do processo
de formação que acontece, sistematicamente, entre a coordenação pedagógica de LE da
Secretaria Municipal de Educação e o grupo de professoras envolvidas no projeto de
inclusão da LE nas séries iniciais.
Escola B
A escola B, situada em um bairro da periferia da cidade de Pelotas, atende um
número aproximado de trezentos e cinqüenta alunos da pré-escola à 5ª série do ensino
fundamental e oferece o ensino da língua espanhola no seu currículo a partir da 3ª série.
A carga horária semanal com a língua estrangeira (espanhol) segue o modelo da escola
A. A diferença se deve ao fato de a primeira ter o ensino fundamental completo,
garantindo aos alunos a continuidade do ensino da mesma língua até o término desse
período. A escola B, ao contrário, garante o ensino do espanhol apenas até a 5ª série.
O espaço físico dessa escola é bastante precário. Há poucas salas de aula, uma
biblioteca sem recursos audiovisuais, secretaria juntamente com a sala da direção, uma
pequena sala para coordenação e SOE, um refeitório que serve também de ambiente
para os professores se reunirem, três banheiros e um pátio interno mínimo que serve às
aulas de Educação Física e aos recreios. Entre equipe diretiva, professores e
funcionários, existem em torno de trinta profissionais.
A proposta pedagógica da escola indica uma preocupação em articular o fazer
pedagógico às questões administrativas, pois está explícito no objetivo geral, inscrito no
Projeto Político Pedagógico, a seguinte proposição: Realizar um trabalho pedagógico-
administrativo conduzindo as atividades pedagógicas de forma dinâmica, crítica e
participativa, levando em conta a realidade do educando. Para atingir a esse objetivo, a
escola propõe-se a fazer um planejamento flexível e adaptado ao interesse das turmas,
pois leva em conta as diferenças na aprendizagem, de forma que a interação entre os
sujeitos seja a tônica do trabalho.
Quanto ao ensino da língua estrangeira, a escola mostra-se preocupada com a
progressão dos conteúdos, tendo em vista o trabalho a ser desenvolvido em torno de
temas geradores sem contemplar uma lista de conteúdos, previamente estabelecidos,
para serem trabalhados com as crianças na língua espanhola.
Como podemos perceber, as duas escolas apresentam realidades contextuais bem
distintas, que vão desde a situação geográfica onde cada uma se localiza às concepções
pedagógicas que se revelam ora coerentes, ora contraditórias. A escola A, situada na
zona rural, parece conseguir uma interação necessária com a comunidade, proposta no
seu Projeto Político Pedagógico, através de ações que solicitam a participação tanto dos
seus membros integrantes, professores, equipe diretiva, como também dos familiares.
Por outro lado, apesar da compreensão feita sobre a importância do ensino da LE, a
escola parece não discutir com a professora de LE as suas práticas, deixando-a como
responsável pela aprendizagem das crianças nesse campo do conhecimento. Nesse
sentido, a instituição rompe, em certa medida, com a sua proposta que visa à
valorização do conhecimento compartilhado. A escola B, situada na zona urbana,
apresenta uma maior contraditoriedade entre o discurso feito no PPP, que propõe um
ensino mais democrático no sentido de pensar a elaboração de planejamentos flexíveis
que atendam às necessidades e interesses das turmas, e as intervenções feitas em relação
ao ensino de LE, sobre a não existência de uma listagem de conteúdos a ser seguida.
2.2 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos desta pesquisa são crianças aprendizes iniciantes de uma LE que
cursavam, na época da coleta dos dados, a 3ª série do ensino fundamental das duas
escolas referidas acima. Para caracterizá-los, tendo em vista o agrupamento feito na
seleção e posterior análise dos dados, a pesquisadora seguiu a caracterização das
escolas, chamando de grupo A, as crianças aprendizes da língua inglesa, e grupo B, as
aprendizes da língua espanhola. Importante destacar que os alunos dos dois grupos estão
imersos, basicamente, no monolingüísmo, sendo o Português a sua língua materna.
O grupo A constitui-se de treze crianças com idades de 8 a 11 anos, cujos pais
são, na grande maioria, funcionários públicos, trabalhadores informais, pequenos
agricultores, feirantes e biscateiros. A escolarização dos familiares é baixa, sendo raros
os casos em que o pai ou a mãe concluíram o ensino médio. As formas de lazer dessas
crianças são as festas promovidas pela escola e comunidades religiosas, os bailes na
comunidade e o futebol. Assim, um número muito reduzido de famílias tem acesso a
outros tipos de lazer como cinema, parques, etc.
O grupo B constitui-se de doze sujeitos com idades de 8 a 10 anos, filhos de
pedreiros, mecânicos, vendedores no comércio, desempregados e mães donas de casa. A
escolarização dos pais dessas crianças também é baixa. A realidade socioeconômica e
escolar das famílias retrata as condições sociais dessas crianças que quase nenhum
acesso têm a outros instrumentos de informação e transmissão de culturas, senão os
mais comuns, como a televisão e o rádio, por exemplo.
Apesar de cada turma escolhida para participar deste estudo constituir-se de um
número maior de sujeitos - grupo A, 18, e grupo B, 20, a pesquisadora selecionou
aqueles que participaram das duas entrevistas feitas. Esse procedimento justifica-se pelo
fato de algumas crianças não estarem presentes na escola no momento da primeira ou da
segunda entrevista. Assim, a pesquisadora selecionou os participantes das duas
entrevistas para que pudesse acompanhar a construção das motivações para a
aprendizagem de LE por um mesmo grupo de crianças. Dessa forma, a segunda
entrevista serviu de parâmetro para seleção dos sujeitos que resultou em vinte e cinco
alunos aprendizes iniciantes de uma LE.
2.3 Instrumentos e coleta de dados
Os instrumentos utilizados tiveram por objetivo coletar dados necessários à
investigação dos objetivos traçados no início deste estudo, tornando possível a
realização do trabalho. Esses instrumentos foram utilizados em diferentes momentos, ao
longo do primeiro semestre do ano letivo de 2004. É importante destacar que, além dos
sujeitos investigados neste estudo, a pesquisadora valeu-se da coleta de dados de outros
sujeitos participantes no processo de aprendizagem das crianças: familiares, diretoras
das escolas e professoras de LE, cujas vozes foram fundamentais para compreender a
constituição dos sentidos em torno do foco da pesquisa e assim compreendê-lo na sua
maior totalidade.
O primeiro instrumento aplicado foi a gravação em áudio das entrevistas feitas
com as crianças que estavam ingressando na 3ª série, antes mesmo de qualquer contato
formal com a LE em sala de aula. As entrevistas foram feitas em pequenos grupos de
quatro a cinco crianças, em um ambiente previamente combinado e autorizado pela
direção de cada escola. Esse procedimento teve por objetivo tornar a conversa mais
tranqüila, garantindo a identificação das crianças entrevistadas e deixando-as mais
atentas à conversa proposta. Para isso, foi utilizado um guia de questões que conduzia a
conversa em direção ao objetivo inicialmente proposto: verificar se as crianças já
traziam alguma motivação para aprendizagem da LE e averiguar as fontes dessas
motivações. Destaca-se que o guia serviu como orientação à entrevista, mas de forma
alguma limitou-se a segui-lo como um questionário de perguntas e respostas.
Importante salientar que as crianças entrevistadas (sujeitos da pesquisa) já conheciam a
pesquisadora, pois esta, em ano anterior, com freqüência, visitava as escolas para
acompanhar o trabalho das professoras de LE nas outras séries. Este fator foi
fundamental, pois percebeu-se uma boa receptividade e certa tranqüilidade por parte das
crianças nas conversas feitas. Os dados obtidos nessas entrevistas foram imediatamente
transcritos pela própria pesquisadora que pôde acrescentar a eles, algumas
manifestações não perceptíveis nas gravações, como gestos, sorrisos, por exemplo.
O segundo instrumento foi um pequeno questionário aplicado em sala de aula
cujo objetivo foi o de obter dados relativos à idade das crianças, profissão e
escolarização dos pais. Essas informações, juntamente com o Projeto Político
Pedagógico de cada escola, puderam retratar a realidade socioeconômica e cultural das
famílias.
Após quatro meses de aulas, foi solicitado à direção das escolas a autorização e o
respectivo chamamento dos responsáveis das crianças para uma conversa na escola
sobre as aulas de LE de seus filhos. Essa conversa foi gravada em áudio com a
permissão dos responsáveis presentes e guiada por alguns tópicos considerados
relevantes ao objetivo proposto - o de colher dados referentes às representações das
famílias sobre a aprendizagem de uma LE. Para a caracterização dos dois grupos de
responsáveis presentes no encontro realizado nas duas escolas, a pesquisadora manteve
a denominação: Grupo A, para os responsáveis das crianças aprendizes do inglês, e
Grupo B, para os do espanhol.
Terminando o primeiro semestre letivo de 2004, foi entregue às diretoras de
cada escola um instrumento para ser respondido com base em questões que indicassem
o papel da escola como mediadora das motivações das crianças para aprendizagem da
LE. Nesse mesmo período, foi feita uma entrevista, em áudio, com as duas professoras
de LE a fim de obter dados referentes à participação de cada uma na promoção ou não
das motivações das crianças e como elas percebem as crianças motivadas para
aprendizagem da LE. Assim como as outras entrevistas em áudio, esta se deu com base
em tópicos que foram conduzindo a conversa ao objetivo proposto. As professoras,
participantes deste estudo, serão assim identificadas: Prof.(A) e Prof.(B), representantes
das escolas A e B.
Finalmente, após cinco meses de aula, foi feita a segunda entrevista com as
crianças que tinham participado também da primeira. Desse procedimento, resultou o
número de sujeitos discriminados acima. A metodologia utilizada seguiu a mesma da
primeira entrevista, já descrita anteriormente. Esse instrumento foi fundamental para
compreender o papel dos ambientes sociais e educacional na promoção das motivações
das crianças quando expostas ao ensino de um outro idioma na escola.
Destaca-se que a pesquisadora, com o objetivo de conhecer a realidade das
comunidades escolares participantes deste estudo, fez uso de informações contidas no
Projeto Político Pedagógico de cada escola e das anotações feitas a partir das conversas
com as equipes diretivas.
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Este capítulo apresenta e analisa os tipos de motivações apresentadas pelas
crianças para a aprendizagem de LE bem como as suas origens. Busca-se compreender
também as representações expressas pelos ambientes familiar e escolar sobre a LE,
tornando possível descrever, à luz da concepção sócio-histórica do ser humano, as
significações em torno do objeto de pesquisa. Segundo Bakhtin, a linguagem significa
na interlocução, e os sentidos nela produzidos emergem da realidade vivencial, das
ideologias que nos constituem. É, portanto, com base nessa concepção de linguagem
que os dados aqui apresentados serão discutidos.
Na primeira seção, são descritas e analisadas as motivações apresentadas pelas
crianças nas duas entrevistas feitas. Ainda nessa mesma seção, apresenta-se um quadro
que mostra, em percentuais, as mudanças ocorridas, entre a primeira e a segunda
entrevistas, nas representações das crianças sobre o significado da aprendizagem de LE.
A segunda seção trata das origens das motivações das crianças. Semelhante à
organização da primeira seção, aqui também são apresentados e discutidos,
separadamente, os dados obtidos na primeira e segunda entrevistas. Na terceira e quarta
seções, discutem-se, respectivamente, as representações expressas pelos ambientes
familiar e escolar sobre o ensino da LE. Salienta-se que a última parte está subdividida
em duas subseções, cada uma analisando as representações das diretoras e das
professoras nas duas escolas.
3.1 Motivações das crianças
Na primeira entrevista realizada, ao conversar com as crianças sobre seus
interesses em aprender uma LE, constatou-se que foram emergindo de suas falas
diferentes tipos de motivações as quais eram expressões de seus desejos por essa
aprendizagem. Verificou-se, também, pelas análises feitas, que as motivações
podem ser divididas em quatro modos de significações, a saber: o interesse pela
aprendizagem de um novo saber disciplinar, o desejo de interagir com falantes
nativos da língua-meta, a possibilidade de comunicação em outra língua e a
compreensão da LE como um instrumento que possibilita uma maior inserção
social, via trabalho, na futuridade.
3.1.1 Dados referentes à primeira entrevista
A seguir, serão apresentados e discutidos os quatro modos de significações nos
quais as motivações podem se dividir, conforme constatação através das entrevistas
realizadas.
a) O conhecimento disciplinar
Esse tipo de motivação parece vir do interesse das crianças em aprender um
novo saber disciplinar, verticalmente estabelecido pela escola, cuja função é a de
transmitir conhecimentos necessários que respondam às exigências futuras de uma
instituição cumpridora da função de desenvolver saberes culturalmente determinados.
Historicamente, sabe-se que o ambiente escolar é considerado o lugar privilegiado para
se dar a aprendizagem, cuja finalidade maior está centrada na idéia de
transmissão/aquisição de conhecimentos, técnicas de ensino, de valores e normas de
comportamento às gerações. De um lado, estão os que sabem e que, portanto, são os
transmissores dos saberes/conteúdos; de outro, os que não sabem – receptáculos vazios
que precisam ser ‘enchidos’ pelos educadores (FREIRE, 1987). Assim é a tradição da
escola culturalmente transmitida às sociedades, e as crianças, desde cedo, apreendem
essa cultura, que valoriza os conhecimentos em função do sentido disciplinar e
conteudista que eles têm para e na escola.
As falas que seguem traduzem esse sentido:
...eu acho que é bom inglês, a aula. Eu gosto de aprender inglês na escola... (Gr.A)
...porque eu me interesso muito por aula... (Gr. A)
...eu acho importante porque eu vou aprender bastante coisas... (Gr. A)
...pra aprender na escola (...) fora da escola não tem ninguém pra nos ensinar...(Gr B)
...porque é muito importante saber essas línguas pra outras séries que aí a gentejá sabe, já estamos treinando pra nós depois mais tarde... (Gr. B)
Baseada em Vygotsky (2003), a idéia de que a escola é o lugar social
determinado para ensinar e aprender vem da elaboração de conceitos generalizantes e
estruturantes que são construídos culturalmente e internalizados pelos indivíduos ao
longo de seu processo histórico de desenvolvimento. Smolka e Góes (1996) afirmam
que, à luz do princípio dialógico de Bakhtin, o processo de elaboração dos conceitos é
um processo discursivo que se configura na articulação de múltiplas vozes
historicamente definidas e em determinadas condições de interação. É, pois, na
dinâmica interativa social/individual que a criança vai constituindo-se e criando as bases
para a sua formação enquanto sujeito da sociedade.
Por outro lado, quando a criança diz: ... eu acho importante porque eu vou
aprender bastante coisas... /... é muito importante saber essas línguas(...) que aí a gente
já sabe, já estamos treinando pra nós depois mais tarde.../, suscita compreender o
quanto ela parece estar desenvolvendo na sua consciência o sentido da utilidade da LE
para sua vida, enquanto campo do conhecimento que lhe permitirá sentir-se melhor
preparada para enfrentar as situações de vida em sociedade. Nesse sentido, fica a idéia
do desenvolvimento da consciência como lógica da comunicação ideológica que circula
nos espaços da sociedade. Hoje, a LE é reconhecida como um conhecimento necessário
à vida em sociedade. O discurso posto, parece, então, estar afetando a consciência das
crianças que apontam pistas, através das suas falas, do valor da aprendizagem de línguas
nas suas vidas.
Destaca-se que o desejo em aprender um novo saber disciplinar emergiu dos
dois grupos de crianças, residentes em ambientes sociais distintos, o rural e o urbano,
assim como na semelhante perspectiva apresentada em relação à aprendizagem de
línguas distintas: inglês e espanhol. Portanto, contextos culturais distintos e línguas
diferentes parecem não interferir, diferentemente, no desejo das crianças em aprender
uma LE na escola.
Retomando o papel da escola como espaço de ensino/aprendizagem, vale
destacar que concepções pedagógicas mais progressistas vêm tentando promover
rupturas no sistema educacional do país. Preocupadas em discutir a escola não mais
como um locus de transmissão/aquisição de saberes, mas sim como um dos espaços de
socialização e formação em que educador/educando são sujeitos do processo, essas
concepções buscam desfazer a abordagem simplista que vê a escola como o espaço
privilegiado de aprendizagem dos sujeitos e apontam a necessidade da participação de
outros segmentos da sociedade na construção de uma escola cujas práticas pedagógicas
estejam interligadas à vida em sociedade. Ela, então, deixa de ser meramente
reprodutora de saberes e de valores culturalmente determinados e passa a ter uma
função mais social. Nesse novo cenário, é possível que outros sentidos sejam
produzidos em torno do saber escolar e um novo paradigma se instale no campo da
educação.
b) A motivação integradora
Esse tipo de motivação, de acordo com a literatura pertinente ao tema (Gardner e
Lambert, 1972), caracteriza-se pelas atitudes positivas desenvolvidas pelos aprendizes
em relação à comunidade de falantes da língua-meta e pelo seu interesse em interagir
com esses falantes. As crianças entrevistadas revelam um sentido à língua, enquanto
função social, que extrapola o ambiente escolar, pois, para elas, aprendê-la significa a
possibilidade de interação com falantes de um outro idioma. Os estudos de Gardner
(1985) apontam que a motivação integradora não implica, necessariamente, no desejo
de interagir com falantes em outra sociedade, mas pode significar também uma abertura
do aprendiz em desenvolver atitudes e sentimentos de atração em relação a outros
idiomas. É o que se pode observar nas falas a seguir:
... eu acho que vai ser bom aprender inglês porque, assim, oh!... a gente quandopode encontrar pessoa que fala inglês aí a gente vai já saber falar inglês... (GrA).... ah! não sei...se um dia a gente encontrar alguém que fala espanhol a gentepode falar com ele...(Gr B).... aí depois eu posso falar com os outros,...outros que têm outra língua
estrangeira...aí eu posso falar...(Gr B).
Nota-se que, apesar das crianças ainda não terem sido expostas ao ensino formal
da LE, elas percebem a necessidade desse conhecimento nas suas vidas como
mecanismo que possibilita uma maior inserção social através da interlocução. A língua
é vista como mediadora nesse processo, e as crianças acreditam que a escola possa
habilitá-las para tal prática. Nesse sentido, Vygotsky (2003a) diz que as palavras, para
as crianças, representam o primeiro meio de contato social com outras pessoas. A
interlocução, torna-se, então, a base de uma forma nova e superior de interação,
desencadeando, também, novas maneiras de comportamento.
A representação social que as crianças fazem da LE, traduzida pelo desejo de
desenvolver a habilidade de entender e poder dizer o que outros, em diferentes países,
diriam em determinadas situações, leva-nos à compreensão de que as crianças percebem
as diferenças, aceitando-as nas suas diferentes formas de expressão, via linguagem e
comportamento (PCNs, 1998). Dörnyei (1998) afirma que a motivação integradora se
caracteriza pela disposição afetiva dos aprendizes em interagir com falantes nativos da
LE, o que implica uma abertura e respeito às formas de vida de outras culturas. Nas
falas que seguem, percebe-se o quanto a criança, apesar de estar imersa no
monolingüísmo, já desenvolve, nos seus primeiros dez anos de vida, a compreensão do
mundo como “diferente”, destacando a linguagem como uma das manifestações dessas
diferenças e o desejo em delas participar.
.. quando eu for viajar lá pra onde fala a língua espanhola... (Gr B)
... porque eu acho legal falar espanhol, é outra língua. Aí se eu tenho que viajarpra lá eu vou saber falar com eles, me informar...(Gr B)
c) A motivação comunicativa
A possibilidade e o desejo da interlocução parecem ser realmente os elementos
motivadores para aprendizagem da LE. Apesar das falas aqui apresentadas terem
sentidos muito próximos aos da motivação integradora, pelo fato delas estarem
subjetivamente sustentadas na compreensão da língua como instrumento social
mediador nas interações, nota-se que as manifestações dessas crianças não são em
relação a falantes da língua-meta, mas às pessoas do seu convívio social. Isso nos faz
pensar, diferente do grupo anterior, que essas crianças ainda não conseguem perceber a
existência de outros espaços culturais mais distantes daqueles onde elas vivem, talvez
porque não recebam informações dessa natureza dos ambientes em que estão imersas.
Para Vygotsky (2003a), o homem realiza a sua interação com o ambiente por
meio de instrumentos e signos. Essa interação feita, fundamentalmente, pela linguagem,
vai mudando a forma social e o nível do desenvolvimento cultural dos sujeitos. Nessa
direção, pode-se valer do argumento da falta de discursos circulantes, nos ambientes
onde as crianças interagem, sobre a existência de culturas falantes de outras línguas. As
crianças, então, compreendem a linguagem como um fato possível de realização com o
outro participante do seu mundo social. Para Bakhtin, “a linguagem como fenômeno
social é dialógica e se materializa nas interações verbais que estão diretamente ligadas à
vida em si”. (1995, p.124). Dessa forma, pode-se compreender os sentidos produzidos
pelas crianças no seu desejo de comunicação com aqueles do seu contexto vivencial.
As crianças, assim se expressam:
...depois a gente fala com alguém em espanhol,... com meu pai, minhamãe,...não sei...(Gr B)
...ah!, eu gosto também de falar com os meus colegas... (Gr B)
...por causa que eu queria aprender, assim eu ia falar com minhas amigas...(GrB)
...a gente tem escolas que os professores falam outras línguas, aí a gente vai praoutra escola e conversa em outra língua com os professores... (Gr B)
d) A motivação instrumental
Esse tipo de motivação emergiu de um número reduzido de crianças que
apresentou uma certa preocupação com a futuridade. A LE é vista, para elas, como uma
ferramenta que favorece a inserção no mundo do trabalho, e o seu conhecimento sugere
a possibilidade de uma opção profissional.
De acordo com Noels et. al (1998), a motivação instrumental refere-se ao desejo
do aprendiz em ser capaz de alcançar objetivos práticos na sua vida, através da LE,
como conseguir um emprego ou passar no vestibular. Para Tapia (2000), esse tipo de
motivação é, em grande medida, fruto de intervenções que professores, pais e colegas
fazem, de forma a destacar a importância da utilidade de saber algo para ganhar a vida.
Os alunos, preocupados com a aceitação de uns ou de outros, se orientarão para essa
meta externa como forma de conseguir a própria aceitação.
...aí quando eu ser grande e querer dar aula de inglês... (Gr. A)
...ué, quando eu ser grande eu posso dar aula de alguma coisa, aí pode ser queeu dê aula de inglês...(Gr. A)
...se um dia eu for secretária, vai ser importante pra mim...( Gr. B)
Vale destacar que as motivações integradora e comunicativa emergiram,
basicamente, do grupo de crianças aprendizes do espanhol. Isso nos faz inferir o aspecto
da proximidade lingüística entre as línguas portuguesa e espanhola. Podemos dizer que
os aprendizes se “arriscam” bem mais na tentativa de comunicação em uma LE cognata
mesmo quando aprendizes iniciantes, pois, segundo Natel (2001, p. 51), “os brasileiros
que se iniciam na aprendizagem do espanhol não são meros principiantes, embora essa
língua apresente suas próprias peculiaridades”, e ainda acrescenta que “devido às
semelhanças entre as línguas espanhola e portuguesa, dispensa-se dos aprendizes a
condição de alunos iniciantes, pois, sem ter o mínimo de conhecimento formal da língua
espanhola, já trazem para sala de aula uma importante base de conhecimentos prévios”.
Também Vandresen (1988) nos diz que a semelhança entre LE e LM facilita a
aprendizagem da estrangeira, favorecendo a compreensão e até sendo causadora da
motivação.
3.1.2 Dados referentes à segunda entrevista
Passa-se, agora, a analisar e discutir os dados referentes à segunda entrevista
feita com as crianças a qual ocorreu após cinco meses de intervenção pedagógica nas
escolas. Após feitas as análises e discussões, será apresentado um quadro demonstrativo
que abordará as mudanças ocorridas nas representações das crianças sobre a
aprendizagem de LE, entre a primeira e segunda entrevistas.
Quanto ao conhecimento disciplinar, houve uma redução significativa no
número de crianças que apontou essa justificativa como motivo de desejo para
aprendizagem da LE.
Desta forma, algumas crianças ainda se manifestaram:
...ela ensina muitas coisas pra gente... (Gr A) ...a gente aprende bastante, a gente tá aprendendo a ler melhor,...a professorafaz umas perguntas e a gente já consegue responder melhor... (Gr B)
Percebe-se, então, que o tempo de exposição à língua estrangeira interfere,
fortemente, no movimento de constituição de novos sentidos, a depender das formas de
intervenções e práticas pedagógicas desenvolvidas. O fato das duas professoras
participantes deste estudo trabalharem numa perspectiva de língua enquanto prática
social voltada à formação e não à informação sobre a língua, revela o quanto seus
modos de pensar e agir vão fazendo emergir novos sentidos à aprendizagem de LE pelas
crianças; fato que se pode observar no deslocamento produzido pelo interesse de
aprender uma outra língua com motivos interacionais, principalmente, comunicativos e
instrumentais, como revelam os dados e as análises.
A motivação integradora continua a ser evidenciada nos dois grupos de crianças.
Isso mostra que elas confirmam a compreensão em torno da importância que a
aprendizagem de uma LE tem nas suas vidas, enquanto função social que transcende o
ambiente escolar. Contudo, diferente da primeira entrevista, as crianças que
manifestaram esse tipo de motivação foram, basicamente, as do grupo A, aprendizes do
inglês. Essa mudança pode ter ocorrido pelas diferentes formas de intervenção
pedagógica ocorridas nos dois ambientes escolares, conforme podem sugerir as
discussões apresentadas nas subseções 3.4.1 e 3.4.2.
... porque quando a gente quer conversar com uma pessoa, as pessoas que
falam inglês, e a gente não sabe... (Gr A)
... porque a gente pode aprender coisas novas, a falar com os outros... saber a
língua dos outros, quando alguém perguntar alguma coisa de inglês, a gente vai saber
responder... (Gr A)
... porque é importante... porque quando a gente, se a gente vai pra um lugar
que falam inglês, aí a gente não sabe, mas tendo aula de inglês a gente vai aprendendo
e vai saber dar resposta...(Gr A)
...quando a gente quiser falar com alguém que fala espanhol, a gente já sabe...
(Gr B)
Percebe-se nas falas acima, tanto a preocupação das crianças em saber falar a
língua do outro para compreendê-lo e fazer-se compreender, como o constrangimento
que o não conhecimento pode lhes trazer: ... se a gente vai pra um lugar que falam
inglês, aí a gente não sabe,... . Aqui, caracteriza-se a idéia de um já compromisso social
que a criança assume diante da sua aprendizagem. Assim, Revuz (1998, p. 219) afirma:
aprender a falar é, para a criança, estabelecer um compromisso, é encontrar
alguma coisa para dizer de seu próprio desejo, alguma coisa dos valores que
adquiriram para ela os objetos e as palavras, em uma linguagem tecida a
partir do desejo do Outro... e acrescenta: ...aprender uma língua é sempre,
um pouco, tornar-se um outro... (op. cit, p. 227).
Quanto à função comunicativa da linguagem, as crianças dos dois grupos
continuam a manifestar o desejo pela interlocução na LE com as pessoas do seu
convívio social e isso parece motivá-las à aprendizagem. Para McNamara, “o papel
determinante da motivação está no próprio ato de comunicação, mais do que qualquer
orientação geral implícita pela distinção integrativa/instrumental. É a necessidade de
fazer(-se) compreender e o prazer que se experimenta ao consegui-lo o que, de fato,
motiva o aluno” ( apud GÓMEZ, 1999, p. 61).
As falas seguintes revelam a motivação comunicativa expressa pelas crianças:
...ué, porque quando a gente vai na cidade e tem uma loja que fala inglês, aí a
gente já sabe pedir o que quer em inglês... eu tô gostando um monte de aprender
inglês...(Gr A)
... porque quando a gente for, assim, como o (Da) disse, na cidade, no centro a
gente pode falar com uma pessoa em inglês. Aqui quase ninguém fala inglês,... só a
gente mesmo que fala. Eu mesmo quando tô cantando uma música em casa, eu canto
uma música em inglês... (Gr A)
...assim, oh.. inglês é bom porque quando a gente quer falar com alguém
,alguém que sabe falar inglês, a gente pode falar, né. E assim, oh, se alguém me
perguntar em inglês “Qual é o teu nome?”, a gente não vai saber responder, né. Aí é
bom aprender inglês...pra falar pra minha mãe as coisas... (Gr A)
...eu gosto por causa que a gente escreve e já fala,... faz umas brincadeiras
com a mãe que a mãe não sabe o que é... (Gr A)
..ah!, por causa que é bom a gente aprender, pra depois a gente falar pros
outros...com meus irmãos, meu pai, minha mãe...(Gr B)
... pra gente aprender a falar com os outros em espanhol, eu falo pra minha
mãe, meu pai, meu vô... (Gr B)
Observa-se que os argumentos aqui usados pelas crianças, em relação aos
obtidos na primeira entrevista sobre o desejo pela comunicação em LE, estão ancorados
no sentido da língua enquanto prática social que vai além da comunicação com
familiares ou com colegas da escola. Aqui, as possibilidades de comunicação são bem
maiores tanto em relação a outros interlocutores mais distantes, como também, a outros
territórios – o que dá à língua uma dimensão social mais ampla, como se pode perceber
através das falas: ...inglês é bom porque quando a gente quer falar com alguém, alguém
que sabe falar inglês, a gente pode falar, né.../ porque quando a gente vai na cidade e
tem uma loja que fala inglês, aí a gente já sabe pedir o que quer em inglês... . Esses são
exemplos de produção de outros sentidos que a criança vai construindo e internalizando
através do seu processo de interação com a língua. A língua passa a ser vista como mais
uma forma de expressão, como uma maneira singular de produção de sentidos, seja para
fazer brincadeiras com a mãe, para cantar uma música e até para o ato de escrever em
LE.
Portanto, a alegria de poder transitar na outra língua, entrar num território
desconhecido por outros do seu convívio social, no caso a mãe, o pai e os irmãos,
parece motivá-las. De acordo com Revuz (1998), essa possibilidade de deslocamento
em relação à língua materna pressupõe a descoberta de um espaço de liberdade que se
traduz tanto pela capacidade de interlocução na LE quanto pelo efeito excitante de saber
aquilo que o outro não sabe. Dessa forma, o prazer de usar, compreender, participar do
mundo da linguagem nas suas diferentes formas de expressão parece despertar o
interesse e o desejo pela aprendizagem da LE. Contudo, a necessidade de interação faz
parte do processo de aprendizagem da criança, por isso ela solicita a presença do outro
que se torna a base para a sua evolução e transformação.
Destaca-se o processo de apreensão do discurso do outro evidenciado nas duas
primeiras falas transcritas na página 68. As duas crianças, aprendizes do inglês, estavam
juntas no momento da entrevista. Assim, o enunciado da segunda criança acabou sendo
afetado pelo dizer do colega.
Para Bakhtin (1997), a apreensão do discurso do outro é um processo dialógico
em que a palavra enunciada provoca uma contrapalavra, uma “réplica interior”:
Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da
palavra, mas ao contrário, um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua
atividade mental (...) é mediatizada para ele pelo discurso interior e é por aí
que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à
palavra. É no quadro do discurso interior que se efetua a apreensão da
enunciação de outrem, sua compreensão e sua apreciação, isto é, a orientação
ativa do falante” (op. cit., 147).
A motivação instrumental superou, sobremaneira, à primeira entrevista. Agora,
um número significativo de crianças manifestou seu desejo pela aprendizagem da LE,
por fatores relacionados ao mundo do trabalho ou por outras necessidades futuras. Essa
mudança parece ter ocorrido, também, pelas intervenções discursivas advindas dos
contextos com os quais as crianças interagem. Para a confirmação dessa hipótese, serão
analisados e discutidos, na seção 3.3, os dados obtidos nas entrevistas com os familiares
das crianças.
As crianças assim se expressam:
...porque é muito bom, a gente aprender inglês, a gente não sabia e agora nós
estamos aprendendo... quando eu crescer eu queria ser professor de inglês... (Gr A)
... ué, porque eu quero ser professor de inglês. Pra ensinar as crianças que não
sabem, para as crianças que não tão na escola...(Gr A)
...é pra nós aprender e ensinar as crianças, as crianças que não sabem e quando
crescer podem ser professor...só se conseguir passar na faculdade...(Gr A)
...por causa que é uma aula boa. É bom, a gente aprende bastante coisa de
inglês, vamos supor, se eu quiser ser professor de inglês eu já aprendi bastante coisa
agora que quando eu sou pequeno...(Gr A)
...eu acho que é bom aprender espanhol, porque depois a gente podemos ser até
professor de espanhol...(Gr B)
...é que as vezes eu posso até ser professora e ensinar o espanhol.. (Gr B)
... é importante pra trabalhar, na escola... (Gr B)
... porque a gente estuda espanhol que é uma outra língua. Quando a gente for
pra uma faculdade podem nos perguntar pra fazer um trabalho sobre o espanhol, aí a
gente já tá sabendo... (Gr B)
Essas falas revelam pistas que indicam uma intervenção positiva das professoras
na sua prática de sala de aula. Quando a criança diz: ... por causa que é uma aula boa
ou ...porque é muito bom a gente aprender inglês (...), notam-se manifestações de prazer
em torno da aprendizagem que vêm, imediatamente, justificadas pelo desejo de ser
professor/a de LE. Fita (2000) diz que a própria pessoa do professor pode ser uma fonte
importantíssima de motivação para a aprendizagem. Suas atitudes, escolhas e formas de
relação geram uma confiança no aprendiz e, conseqüentemente, despertam o seu desejo
pela aprendizagem e até uma identificação com a figura do professor.
Torna-se pertinente discutir o quanto a sociedade modeliza os sujeitos em torno
dos modos de produção capital. O interesse das crianças parece estar vinculado ao
trabalho ou à inserção na vida acadêmica – mecanismos que irão possibilitar a sua
participação na sociedade enquanto sujeitos de produção. Nesse sentido, a língua lhes
interessa mais como um objeto de consumo com fins específicos e não como prática
social com vistas à formação do ser humano na sua totalidade.
Apesar deste ser um estudo interpretativista de caráter qualitativo, apresenta-se o
quadro seguinte com o objetivo de informar ao leitor, de forma mais razoável, as
mudanças ocorridas, em percentuais, nas representações das crianças sobre significado
da aprendizagem de LE. Para fixação dos percentuais, agruparam-se, separadamente, os
dados selecionados nos diferentes tipos de motivações que emergiram daqueles
coletados nas duas entrevistas. Dessa forma, foi possível estabelecer os percentuais para
cada tipo de motivação, com base no número total de informantes selecionados para a
pesquisa. Os silenciamentos emergiram, na primeira entrevista, de um número de
crianças que, ao serem questionadas sobre o seu interesse em aprender uma LE, não se
manifestaram em palavras, permitindo representá-las no silêncio.
Quadro 1: Percentuais sobre as mudanças ocorridas nas representações das crianças
acerca do significado da aprendizagem de uma LE.
Tipos de Motivações
n 25 1ª entrevista 2ª entrevista
Conhecimento Disciplinar 24% 16%
Motivação Integradora 20% 20%
Motivação Comunicativa 24% 28%
Motivação Instrumental 12% 36%
Silenciamentos3 20% 0%
É interessante observar que as crianças, após terem interagido com práticas
lingüísticas e extra-lingüísticas na LE estudada, manifestaram os mesmos tipos de
motivações nas duas entrevistas. Entretanto, observa-se uma variação nos percentuais
que indica o crescimento da motivação comunicativa e, principalmente, da instrumental,
após intervenção pedagógica. Essa mudança nos faz compreender o quanto elas passam
a perceber a língua como possibilidade real de interação com os outros do seu mundo
3 De acordo com Orlandi (1995, p. 70), “o silêncio não é o vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é oindício de uma totalidade significativa”. Isso nos permite compreender que no silêncio das crianças hámuitas representações não ditas em palavras, mas inscritas no pensamento, na introspecção... Os sentidosdos silêncios estão a significar.
social e acabam distanciando-se, um pouco, da idéia de interação com falantes nativos.
Muito significativo, também, foi o movimento ocorrido na motivação pelo
conhecimento disciplinar. Na primeira entrevista, a LE significava, em boa medida, um
objeto de ensino/aprendizagem na e para escola. Já na segunda entrevista, essa
representação se modifica, e a língua passa a ser percebida como instrumento de
socialização, seja pela possibilidade de interlocução, seja pela inserção no mundo do
trabalho. Nota-se também que os silenciamentos não ocorrem na segunda entrevista, o
que nos faz afirmar, segundo a concepção sócio-histórica do ser humano, a origem
social da constituição da consciência humana. Através das interações na escola, na
família ou em outros ambientes, a criança vai elaborando novos sentidos impregnados
de idéias e valores sobre a LE. Dessa forma, o silenciamento se desfaz, e a criança
torna-se participante ativa nas representações sobre a LE.
3.2 Fontes das Motivações
Bakhtin nos fala que a consciência individual só pode ser explicada a partir do
meio ideológico e social. Para ele, “a consciência individual é um fato sócio-ideológico”
(1995, p. 35). Portanto, por acreditar que a consciência humana é, fundamentalmente,
um produto sígnico, fruto das relações estabelecidas no meio social dos indivíduos,
pode-se compreender que as motivações apresentadas pelas crianças parecem ter sua
origem, basicamente, nos ambientes escolar e familiar, os quais representam os
primeiros e mais importantes segmentos da sociedade responsáveis pela formação dos
sujeitos. Na primeira entrevista feita, ao perguntar para as crianças se sabiam que iriam
aprender inglês, para o grupo A, e espanhol, para o grupo B, a partir daquele ano e, em
caso afirmativo, como ficaram sabendo desse fato, elas apresentaram depoimentos que
revelam os discursos presentes nas suas relações sociais que foram estabelecendo as
suas representações sobre o conhecimento e função da LE em suas vidas, assim como as
motivações para aprendê-la.
3.2.1 Dados obtidos na primeira entrevista
Nas falas que seguem, observa-se que o contexto familiar emerge como
importante locus para as formações discursivas sobre a LE. Os discursos e os
instrumentos materiais disponíveis fazem com que as crianças comecem a interagir com
a LE, e isso parece despertar a sua curiosidade e o seu desejo pela aprendizagem. Nessa
primeira entrevista, o ambiente familiar foi o mais destacado pelas crianças:
...porque meu irmão já teve aula de inglês, ele tinha uns livros lá em casa, aí eu
vi umas coisas no livro dele que era bom..(Gr A).
...meu pai e minha mãe me disseram que é pra mim me interessar bastante pelo
inglês e por mais coisas ainda...(Gr A)
... porque eu lia as palavras em inglês no caderno do meu pai, aí por isso que
eu comecei a gostar. Eu e minha mãe aprendemos muito no ano passado... no caderno
do meu pai...(Gr A)
... a mãe disse que eu ia gostar de aprender espanhol. A mãe não sabe falar
espanhol, aí eu ia ensinar a mãe a aprender a língua espanhol...(Gr B)
... o meu pai tentava me ensinar a falar em espanhol. Ele disse que falar
espanhol é legal...(Gr B)
Nota-se nas falas a interferência tanto das palavras que circulam entre as pessoas
como também dos materiais que estão ao redor da criança: livros e cadernos de inglês,
signos que produzem um sentido e despertam o interesse pela aprendizagem da língua.
Para Bakhtin (1995), o sentido da realidade não se esgota somente nas interações
verbais que ocorrem entre as pessoas, mas também está presente nos objetos criados
pelo homem que adquiriram um valor social.
Por outro lado, o ambiente escolar parece estar interferindo muito pouco na
promoção e valorização do conhecimento da LE, pois a pequena quantidade de crianças
que o mencionou como fonte possível de suas motivações fizeram referências aos
discursos de colegas que já estudam o inglês ou o espanhol na mesma escola. Esses
discursos focalizam o trabalho desenvolvido pela professora que é legal. Nenhuma fala
faz menção a outros tipos de práticas que poderiam ser promovidas pela escola, como
exposição de cartazes em LE, apresentações de crianças de outras séries que já estão
expostas a mais tempo ao ensino da língua ou a outras atividades que saíssem do
ambiente exclusivo de sala de aula para outros espaços da escola. Portanto, pode-se
compreender que a instituição escolar comete falhas em relação ao seu papel social
mediador na constituição daqueles que por ela passam e continua a reforçar o paradigma
tradicional de que o ensino está centrado na figura do professor ao qual cabe a
transmissão do conhecimento. Contudo, os sentidos relacionados à aprendizagem de
LE circulam entre as crianças, como se pode observar através das falas seguintes:
... eu vi as minhas amigas falando, aí eu disse: “deve ser bom”. Ela era da
3ª.(Gr A)
... os meus amigos que estudavam aqui na 3ª série falavam que eles aprendiam
espanhol... eles falaram que era a professora legal, que é legal aprender.. (Gr B).
... uma amiga minha disse que uma professora ia me ensinar espanhol, que era
legal,... aí eu fiquei sabendo...(Gr B)
... as gurias da 3ª série que são minhas amigas diziam que era legal...(Gr B)
As poucas crianças que mencionaram outros contextos fizeram referências às
relações com diferentes pessoas de seu convívio social, cujos discursos estabelecem um
sentido à língua enquanto prática de comunicação oral. Assim, nas falas que seguem,
nota-se que a escola é silenciada, mas o social é contagiante:
..alguns colegas lá de Porto Alegre diziam que alguma vez eu podia também
falar espanhol como também eles iam falar... (Gr B)
... a minha tia falava em espanhol, mas era no celular que ela falava,...eu
achava legal quando ela falava... (Gr B)
As demais crianças manifestaram-se de diferentes formas para denunciar que
nada ou muito pouco sabiam sobre o assunto. Algumas fizeram apenas gestos de
negação quando interrogadas, outras sorriam e outras mencionaram o comentário
informativo feito pela professora titular da turma nos primeiros dias de aula de que elas
teriam a disciplina de LE naquele ano.
Essas manifestações das crianças parecem revelar a dificuldade que elas
encontram para expressar, em palavras, os sentimentos que têm em relação as suas
vivências. Contudo, Bakhtin (1997) nos diz que todas as formas de expressão (gestos,
sorrisos, palavras), uma vez materializadas, exercem um efeito reversivo à atividade
mental. Nesse processo, então, a criança reformula o seu pensamento, criando uma
forma mais definida e estável a sua vida interior.
3.2.2 Dados obtidos na segunda entrevista
Na segunda entrevista, procurou-se conduzir a conversa com as crianças no
sentido de fazer emergir de suas falas as formas como elas interagiam com outros na
LE. Dessa maneira, pôde-se perceber que as fontes das motivações se inter-relacionam,
estabelecendo o diálogo escola/família.
A criança deseja compartilhar os conhecimentos apreendidos com o ambiente
familiar. Ela passa a mediar a interação entre escola e família de forma a transmitir
informações e experiências acumuladas e busca promover a sua aprendizagem a partir
da sua relação com o outro em um ambiente que é seu. Como a criança convive, na
maior parte de seu tempo, na família e na escola, ela busca um intercâmbio entre esses
ambientes que é, na sua essência, profundamente dialético, pois aquilo que ela
internalizou sob a influência da escola vai para um outro ambiente que é transformado e
transforma, produzindo mais conhecimentos. Esse é o processo que, segundo Vygotsky
(2003a), impulsiona qualitativamente o desenvolvimento dos sujeitos:
o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são
capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu
ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez
internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições de
desenvolvimento independente da criança (op. cit., p., 117-118).
Sob o ponto de vista dialético, esse mesmo autor, ao admitir a influência do
homem sobre a natureza, diz que “o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria,
através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência”
(2003a, p. 80).
Bakhtin (1997) desenvolve, a partir da concepção dialética de homem, a noção
de interação verbal como um lugar de produção dialógica de linguagem. Ela é produzida
e significa sempre na interação de vozes que materializam perspectivas sociais múltiplas
presentes no contexto da enunciação. Segundo esse autor, “na dinâmica das trocas
verbais, todo enunciado refere-se a pelo menos dois sujeitos: procede de alguém e
dirige-se a alguém” (p., 113).
Nesse sentido, valores sociais vão sendo produzidos, e tanto a criança como os
membros participantes da sua vida cotidiana começam a construir outras representações
em torno do objeto de conhecimento, o que parece promover as motivações e dar
direção a novas formas de comportamento. Nas falas que seguem, pode-se considerar
que a interação com os familiares explica, em grande parte, o crescimento da motivação
comunicativa, observado no quadro 1. O fato de as crianças serem ouvidas e até
solicitadas pelos membros participantes do seu entorno familiar sugere que o prazer e a
curiosidade pela aprendizagem de LE têm sua origem, também, nesse processo
interacional. No entanto, a escola é, possivelmente, a grande mediadora responsável por
provocar a interação criança/família. Se ela não estivesse interferindo de modo
significativo nas motivações das crianças, parece correto dizer que estas não estariam
levando para o ambiente familiar informações, curiosidades, dúvidas sobre a LE. Agora,
então, parece que tanto a escola como o ambiente familiar estão conseguindo cumprir o
seu papel mediador fundamental na construção das motivações das crianças para a
aprendizagem de LE:
...ah!, converso com minha mãe, meu pai. Eu vejo os cadernos do meu pai de
inglês,... ele me ajuda. Algumas coisas ele me ajuda, outras não.... (Gr A)
... eu canto uma música em inglês. Eu olho o caderno do meu pai, tem umas
músicas em inglês ali... (Gr A)
...ah!, eu converso com a minha irmã, o meu irmão. É que eu tenho uns livros lá
em casa e aí eu pergunto pra eles as coisas; “O que é isso?”, “O que é aquilo”?.. (Gr
A)
... em casa até o meu irmão que tá no pré me pergunta. Ele pede pra eu ler os
meus cadernos de inglês pra ele... (Gr A)
... converso com a minha irmã. Às vezes ela me ensina o que eu não sei... (Gr A)
... ah!, eles dizem (o pai e a mãe) que o espanhol é bom, tem que aprender... Eu
tenho um monte de irmã, aí eu converso com as minhas irmãs, a gente conversa coisa
em espanhol... (Gr B)
... eu falo pra minha mãe, pro meu pai, pro meu vô, minha vó,.. aí o meu vô fica
falando em espanhol... (Gr B)
... eles perguntam (a família)... eles querem aprender comigo. Eles
perguntam...às vezes eu digo... (Gr B)
... eu comento em casa, os meus pais gostam, eles também tão aprendendo. Eu
falo as palavras pra eles.... eles olham o meu caderno de espanhol... (Gr B)
...eu converso com a minha mãe, meu pai, minha vó, meus primos. A gente
conversa sobre as aulas que eu tenho... mostro os cadernos... (Gr B)
Observa-se que a escola, enquanto mediadora no processo de construção das
motivações das crianças, vem representada, nas falas acima, pelas práticas de sala de
aula que parecem ser as grandes responsáveis por produzir os sentidos em torno da
aprendizagem de LE, promovendo, assim, o diálogo com a família. Nesse sentido,
pode-se presumir que as professoras têm cumprido um papel fundamental nesse
processo de construção das motivações, pois as crianças dos dois grupos manifestam
sentidos a sua aprendizagem que emergem do contexto de sala de aula: ... em casa até o
meu irmão que tá no pré me pergunta. Ele pede pra eu ler os meus cadernos de inglês
pra ele... (Gr A) e ... eu comento em casa, os meus pais gostam, eles também tão
aprendendo. Eu falo as palavras pra eles, eles olham o meu caderno de espanhol... (Gr
B).
3.3 A família e suas representações em torno do significado da aprendizagem de
LE
A conversa feita com os familiares das crianças teve por objetivo compreender
as suas representações em relação ao significado dado ao conhecimento de uma LE.
Para isso, iniciou-se a conversa perguntando se eles achavam importante o fato de seus
filhos aprenderem desde cedo, na escola, uma LE. As falas começaram a emergir,
ressaltando, fundamentalmente, dois modos de significações: a língua como instrumento
de aprendizagem que serve à escola, caracterizando a motivação das crianças pelo
conhecimento disciplinar, e a língua como mecanismo de inclusão e ascensão na
sociedade - a motivação instrumental. Esse último aspecto se sobressaiu ao primeiro,
confirmando os resultados obtidos na segunda entrevista feita com as crianças e a alusão
feita por Tapia (2000) sobre as intervenções dos familiares e dos colegas nesse tipo de
motivação. Pode-se inferir, dessa forma, que os discursos feitos no contexto familiar
determinam a formação dos conceitos que a criança vai estabelecendo para si e
internalizando. Esse processo tem suas bases nos modos sociais de interação que,
segundo Vygotsky (2003a), são os responsáveis por todo o desenvolvimento intelectual
dos indivíduos. Portanto, a direção do desenvolvimento mental prossegue do social para
o individual, em que a criança internaliza tanto os signos, destacando aqui a função
comunicativa da fala como também as práticas sociais que dirigem as diferentes formas
de comportamento.
Pode-se observar que as falas dos familiares são, em grande medida,
representantes de algumas das orientações apresentadas pelas crianças, como expressões
de seus desejos pela aprendizagem de LE:
... Aí quando eles chegam no colégio estadual eles já vão estar bem mais
formados, já não vão se atrapalhar tanto quando começar a entrar na outra língua, que
aí já entra o inglês né, aí que eles já começam aprender desde já, desde a 3ª série. Pra
eles vai ser bom, quando eles entrarem na outra rede de ensino...(Gr B)
... no meu caso é por causa da escola. Conhecer eles já conhecem. Eles já têm
uma noção de tudo. Hoje eles já têm computador, video-game. Então é em função da
escola.. (Gr B)
... é bom porque depois quando valer nota eles já vão estar sabendo falar,
responder as provas depois, ...porque agora não vale nota é só pra eles irem
aprendendo e assim é bom. O meu gosta...(Gr A)
A função disciplinar de aprendizagem da língua está bem presente nas falas
desses pais cuja preocupação é com o sucesso de seus filhos na vida escolar, que
exigirá, futuramente, o conhecimento de um saber necessário à escola. Nota-se que os
pais não percebem a função social da língua que, apesar de já fazer parte do seu
cotidiano, como se pode evidenciar na fala de um deles: ...Conhecer eles já conhecem.
Eles já têm uma noção de tudo. Hoje eles já têm computador, video-game.., só importa
e ganha sentido no contexto escolar formal: ... Então é em função da escola.
Os pais têm consciência da importância do ato de aprender uma outra língua
pelas exigências que a sociedade impõe. Assim, pode-se inferir que as crianças, ao
manifestarem seu desejo pela aprendizagem da LE por motivos instrumentais, estejam
afetadas por esses discursos que nada mais são do que reflexos de uma sociedade que
determina e modeliza as condições sociais de vida. Jobim e Sousa (1994, p.65) nos
chama a refletir sobre o quanto a criança, “por meio da família, da escola, da TV,
engaja-se num processo complexo de formação da sua subjetividade, ao termo do qual
deverá estar adaptada às funções produtivas e sociais que a esperam na sociedade”.
Nas falas que seguem, as representações que os pais fazem em torno da LE fica,
fortemente, marcada pela preocupação e cuidados com o futuro de seus filhos:
...futuramente a concorrência em relação ao mercado de trabalho, por causa do
Mercosul,... acho que envolve uma série de coisas, né, que atualmente quem não souber
informática e pelo menos uma ou duas línguas estrangeiras está meio que excluído,
né...(Gr B)
...pra o vestibular também. Então, quanto mais novinha até chegar o
vestibular...(Gr B)
...eu acho importante porque mais adiante ela vai terminar os estudos e aí vai
precisar disso aí, e pelo menos ela tem uma noção do que é a língua inglesa...(Gr A)
...até pra o futuro vai fazer falta né, saber outras línguas, aí eles já estão desde
pequeno aprendendo e já vão saber falar pra nós, né...(Gr A)
... é porque hoje em dia outras línguas estão pedindo. A gente tem que saber,
então pra eles vai ser uma boa... (Gr A)
...ah!, sim, até pra arrumar um emprego...(Gr A)
Vale destacar que as falas produzidas pelas crianças, na segunda entrevista,
fizeram emergir com maior destaque a motivação instrumental, confirmando, através
dos comentários dos familiares, o sentido desenvolvido em torno da língua enquanto
objeto de consumo necessário à produção capital. Dessa forma, constata-se que a LE
tem importância à medida da sua utilidade com vistas à obtenção de ganhos produtivos
para a vida, e não como um elemento formador que possa contribuir na constituição dos
sujeitos em sua totalidade. Quanto a esse fato, os PCNs contribuem ao dizer que,
“aprender uma língua estrangeira significa desenvolver o aprendiz na sua integralidade,
proporcionar-lhe uma nova experiência de vida. Experiência que deveria significar uma
abertura para o mundo, tanto o mundo próximo, fora de si mesmo, quanto o mundo
distante, em outras culturas” (1998, p. 38).
3.4 O papel da escola como mediadora na motivação das crianças
Sabe-se que o ambiente escolar, diferentemente de outros espaços sociais, é
reconhecido como o lugar privilegiado e legitimado de transmissão/construção do
conhecimento. É nele que os sujeitos começam, desde cedo, a se apropriarem dos
saberes produzidos pelas culturas e, portanto, aceitos e reconhecidos na sociedade.
Além disso, é na escola que grande parte do processo de socialização acontece. Ao
interagir com o conhecimento mediado por outros, os sujeitos criam novas formas de
pensamento e a capacidade de agir no mundo e transformá-lo. É nesse sentido que os
membros envolvidos e participantes do processo de construção do fazer escolar
precisam desenvolver, necessariamente, a consciência do papel formador e socializador
da escola diante dos sujeitos que nela circulam, para que os saberes nela desenvolvidos
sejam significativos à vida em sociedade.
Em relação à aprendizagem de línguas, é fundamental que as escolas
desenvolvam a consciência do significado desse saber na vida das pessoas, assim como
do seu papel enquanto mediadora no processo de ensino/aprendizagem. Se isso
acontecer, irão ocorrer diferenças nas formas de intervenção, na produção do
conhecimento e, conseqüentemente, na motivação para a aprendizagem. Nas subseções
que seguem, serão apresentados e discutidos os dados referentes às representações das
diretoras e professoras em torno do papel que a escola cumpre na mediação do processo
ensino/aprendizagem e à forma como ela pode estar interferindo na motivação das
crianças.
3.4.1 As representações das diretoras
Inicialmente, pode-se afirmar que ambas as diretoras consideram positiva a
oferta, a partir da 3ª série, do ensino de LE para as crianças, por compreenderem que,
quanto mais cedo os alunos estiverem expostos ao ensino da língua, maior será sua
competência no futuro. Porém, verificaram-se divergências em outras questões
levantadas, particularmente no que diz respeito as posições de cada uma em torno da
proposta de ensino desenvolvida pelas professoras e do envolvimento da escola com o
ensino.
A diretora da escola A, por exemplo, considera excelente o ensino
desenvolvido pela professora de inglês, pois percebe as crianças muito motivadas e
envolvidas com a aprendizagem. Acredita que isso aconteça devido ao tipo de aula que
a professora propõe às crianças: com músicas, filmes e outras atividades diferentes
daquelas que os alunos estão acostumados na escola. Prova disso está no comentário da
diretora: ... As crianças estão muito motivadas, a gente percebe isso quando eles saem
da sala de aula, conversando e principalmente porque a professora está trabalhando
com músicas, histórias, com vídeo. Para eles isso é uma coisa diferente. As crianças
estão super motivadas.
Quanto ao envolvimento da escola fora do ambiente de sala de aula, a diretora
faz menção à participação das crianças com apresentações de trabalhos nas atividades
festivas que a escola proporciona à comunidade local: ... as crianças estão trazendo nos
momentos das festividades as músicas, então, elas estão se empolgando. Esse projeto é
uma coisa nova para a escola e para eles. ...Eles podem trazer aquilo que eles estão
aprendendo para um momento de apresentação nas festividades que a escola
promove.... A diretora sugere também que a duração dos períodos com a disciplina de
LE aumente nos anos seguintes.
Por sua vez, a diretora da escola B faz críticas à proposta de ensino desenvolvida
pela professora de espanhol que se baseia em temas geradores. Para ela, o conteúdo
deverá ser trabalhado de acordo com a série ministrada e atender às diferentes faixas
etárias, não se repetindo na mesma série para haver uma maior assimilação do
conteúdo ministrado. (Esse comentário diz respeito à proposta de ensino baseada em
temas geradores, levada a cabo, para inclusão do ensino da LE na 3ª e 4ª séries, que teve
início no ano de 2003). Quanto ao envolvimento da escola, a diretora coloca-se
disponível às solicitações da professora no que diz respeito aos materiais que possam
ser necessários à realização das atividades, desde que esses sejam possíveis à escola.
Sugere que a LE seja oferecida a partir da pré-escola e que os conteúdos e a avaliação
sejam revistos.
Percebe-se, nas revelações feitas por ambas as diretoras que, essencialmente, o
ensino está centrado na figura das professoras. São elas as responsáveis pela motivação
e conseqüente aprendizagem ou desmotivação das crianças. A escola A mostra-se mais
participativa; a escola B, colaborativa, em termos, no sentido de manifestar um
compromisso “inerente” a sua função, isto é, o compromisso de proporcionar um
ambiente favorável ao ensino/aprendizagem. A diretora da escola A mostra-se coerente
com a proposta pedagógica evidenciada no Projeto Político Pedagógico que é o de
envolver a comunidade escolar em atividades festivas nas quais são expostos os
trabalhos das crianças, promovendo, através disso, sua auto-estima e valorização do
ensino da LE. A diretora da escola B reforça a sua posição de preocupação com os
conteúdos, já manifestada nas conversas com a pesquisadora.
No tocante às sugestões dadas pela diretoras, nota-se o interesse da escola A em
qualificar o ensino através da garantia de um maior tempo de contato das crianças com a
LE. A escola B, no entanto, demonstra preocupação em rever a distribuição dos
conteúdos nas séries, e a sugestão de inclusão da LE a partir da pré-escola pode ser
compreendida pela manifestação feita em haver uma maior assimilação do conteúdo,
que se pode ler como “um maior acúmulo progressivo de conteúdos ao longo do
período escolar”.
As discussões feitas parecem indicar que a escola A interfere positivamente nas
motivações das crianças, pelos incentivos que dá às suas manifestações fora do espaço
exclusivo de sala de aula e pela confiança projetada no trabalho da professora que
interfere, também, no tipo de produção e motivação da mesma para realização de seu
trabalho. Dessa forma, pode-se explicar o fato de as crianças aprendizes do inglês, na
segunda entrevista, apresentarem com maior destaque a motivação integradora e até
mesmo a comunicativa em relação ao grupo de crianças aprendizes do espanhol. A
escola B, ao contrário, parece não contribuir na promoção das motivações das crianças.
Seu olhar focaliza o ensino programático, e sua preocupação está nos resultados
acumulados. Nesse sentido, Freire (1987) refere-se à concepção bancária de educação
cujo significado está no ato de depositar conteúdos numa relação em que os educandos
são os depositários e os educadores os depositantes de um saber que é de propriedade
dos últimos. Assim, o reconhecimento do ensino vale pela quantidade de depósitos
feitos pelo educador. Essa é a concepção instalada nas escolas, e qualquer tentativa de
ruptura ou superação desse sistema, tradicional e culturalmente estruturado, parece
provocar estranhamentos e críticas.
3.4.2 As representações das professoras
A entrevista feita com as professoras traz elementos fundamentais para
discussão do papel da escola e da família como mediadoras nas motivações das
crianças. Além disso, as falas trazem evidências que comprovam as posições, acima
expostas e analisadas, apresentadas pelas diretoras das escolas:
Prof.(A): A escola dá bastante incentivo pra eles aprenderem o inglês, os outros
professores também puxam, quando entram em sala de aula dizem: “Good morning!”,
“How are you?” e os irmãos mais velhos que também são meus alunos já estimulam. A
diretora também né, dá incentivo convidando eles a exporem no refeitório ou nos
corredores para os outros olharem os trabalhos. Libera bastante a biblioteca pra usar
vídeo, pra passar filme, pra escutar música, então eu acho que isso é um bom incentivo.
Prof. (B): Eu não senti ainda que essa motivação vem da escola como um todo,
eu não vejo isso até porque meu trabalho, tudo o que eles fazem é exposto, né...pra
escola, mas eu não vejo que a escola está sendo a motivação, acho que é o trabalho em
sala de aula,...eu sinto assim, como eu estou trabalhando em sala de aula é que está
motivando eles. È o que eu sinto. Alguns vêm com alguma motivação de casa porque
chegam e me contam: “Oh!, falei com meu pai, falei com minha mãe - eu aprendi isso
ou aquilo. Oh! tô treinando em casa o espanhol, eu falo com meu avô...” Então, essa
atividade fora da sala de aula, extra-classe elas estão conseguindo ter, claro que não é
100% da turma, mas eu acho que eles estão aprendendo a valorizar a língua
estrangeira, não digo o espanhol, mas a língua estrangeira importante no meio que eles
estão vivendo né, mas a escola em si eu não tive ainda um resultado, a escola
motivando eles para a língua estrangeira, por enquanto eu acho que é um trabalho
individual, meu com a turma e talvez em casa.
Analisando os discursos das duas professoras, percebe-se o entrelaçamento deles
com os discursos das diretoras. A professora (A), da escola A, confirma as formas de
intervenção da instituição a que pertence, já percebidas no discurso da diretora, com
vistas à valorização e promoção do ensino da LE. O fato de a diretora liberar bastante a
biblioteca para o uso dos recursos audiovisuais disponíveis na escola, aparentemente
sem restrições ou formalizações, demonstra uma atitude positiva e compreensiva do
significado da aprendizagem da LE. Além disso, a professora menciona a valorização
dada ao ensino no sentido de democratizá-lo, tornando-o público através da circulação
desse saber por outros espaços da escola, como nos corredores e refeitório. Percebe-se
com essas atitudes o envolvimento e motivação de outros professores da escola que
procuram interagir com as crianças na LE.
Em relação aos fatores externos de intervenção positiva ou negativa nas
motivações para aprendizagem de LE, pode-se dizer que estudos feitos sobre as
variáveis motivacionais indicam haver uma interferência positiva em relação à
diversidade de recursos materiais utilizados pelos professores na sua prática pedagógica.
Segundo Gómez (1999), o uso de diferentes recursos materiais desperta a curiosidade
para a aprendizagem da LE, elemento importante para manter a atenção do aluno e
evitar o seu desinteresse. Dessa forma, a oportunidade dada às crianças de assistirem
filmes em inglês e escutarem músicas, assim como as intervenções feitas pelo contexto
escolar, através do estimulo à interlocução pelos outros professores e à valorização das
produções das crianças, são elementos que indicam pistas favoráveis às motivações.
Portanto, pode-se presumir que, no caso da escola A, o ambiente escolar tem
contribuído positivamente nas motivações dos alunos para a aprendizagem da LE.
Aqui, destaca-se, novamente, o movimento ocorrido nas representações das
crianças na segunda entrevista. Como se pôde observar nos dados obtidos, houve uma
maior incidência de manifestações discursivas em torno da motivação integradora e até
mesmo da comunicativa pelas crianças aprendizes do inglês, oriundas da escola A.
Assim, verifica-se o importante papel que o ambiente escolar cumpre, enquanto
mediador nas motivações das crianças para as suas aprendizagens. O fato delas usarem
a LE em outros espaços fora da sala de aula parece ter provocado um efeito de sentido
mais abrangente à língua, cuja utilização não fica restrita, somente, à escola ou à
família, mas a outros ambientes sociais mais amplos, como se pode perceber na fala:
...ué, porque quando a gente vai na cidade e tem uma loja que fala inglês, aí a gente já
sabe pedir o que quer em inglês. Fica também a idéia de que essas crianças, residentes
na zona rural, parecem ter no seu imaginário o ambiente urbano como um território
estrangeiro, um lugar distante no qual é possível falar outra língua, pois no seu entorno
social essa prática parece ser impossível: ...Aqui, quase ninguém fala inglês,... só a
gente mesmo que fala.
A professora (B), da escola B, declara não perceber nenhum tipo de interferência
positiva do ambiente escolar nas motivações das crianças para aprendizagem da LE. As
suas referências em torno das motivações das crianças incidem sobre o seu trabalho de
sala de aula e, talvez, sobre as famílias, pelo fato de as crianças manifestarem interações
discursivas feitas no ambiente familiar com a LE, como ela mesma ilustra no relato que
faz sobre as falas das crianças: ...oh, tô treinando em casa o espanhol, eu falo com meu
avô.... Esse dado confirma o interesse dos alunos pela interlocução com as pessoas do
seu convívio social, o que fez emergir a motivação comunicativa. Realmente, as
crianças aprendizes do espanhol, que manifestaram o desejo pela interlocução na LE,
sempre o fizeram focalizando as pessoas do seu ambiente familiar. Como a escola,
conforme a professora (B) denuncia, não promove um ambiente que possa de alguma
forma interferir na motivação das crianças, ela considera que as motivações têm sua
origem no trabalho realizado por ela e, em certa medida, pelas famílias que parecem
interagir, em espanhol, com as crianças.
Através dos dados fornecidos pela diretora dessa escola, pode-se compreender
que as motivações das crianças têm sua origem nas mediações feitas pela professora em
sala de aula e, em certa mediada, pelas famílias. Esse “distanciamento” do contexto
escolar às práticas da professora pode ser traduzido pelas resistências que as escolas,
normalmente, têm às inovações, ou como se refere Arroyo (2002), às “transgressões”,
pois estas, além de tornarem-se uma ameaça ao legalismo imposto, (aqui, refere-se ao
fato de a professora não trabalhar com base em uma listagem de conteúdos), geram um
clima de tensões e desconfianças no ambiente escolar, polarizando, cada vez mais, as
posições de docentes e gestores. A diretora da escola B entende que é relevante a oferta
do ensino da LE para crianças do 2º ciclo, proposta inovadora apresentada pelo coletivo
de professoras da rede municipal de ensino, mas manifesta a necessidade de manter
determinado controle sobre as práticas pedagógicas, no sentido de que não transgridam
às formalizações curriculares. Nesse particular, Arroyo (op. cit., p. 222) contribui ao
dizer:
É curioso como o legalismo inovador tenta sufocar as oportunidades raras que
os professores criam de se afirmarem como pessoas, como coletivo, de se
livrarem das engrenagens das disciplinas, das grades, dos currículos
enlatados. O legalismo inovador é mais perigoso que o legalismo
conservador. É mais sutilmente desumanizante e antipedagógico porque
normatiza inovações que custaram tanto acontecer.
Em relação às formas de participação das professoras nas motivações das
crianças, nota-se, pelos dados obtidos, que elas foram desenvolvendo, ao longo do
processo de intervenção pedagógica, tanto o prazer pelo novo conhecimento como
também um sentido de valor a essa aprendizagem nas suas vidas.
Ao conversar com os familiares sobre as manifestações de seus filhos em relação
à aprendizagem da LE na escola, pôde-se compreender o quanto as práticas
desenvolvidas pelas professoras significam na vida dessas crianças:
... a minha adora!...sabe aquelas musiquinhas que a professora canta com
eles?... e ele cantava. (Gr B)
... a minha também gosta, e começou a falar lá umas palavras pra gente. (Gr B)
...ah! a minha irmã adora, tem paixão. Ela chega em casa e conversa com a
gente, ensina a gente a língua. Adora fazer os trabalhinhos, e ela tem vontade de
aprender inglês também, ela já expressou isso. (Gr B)
... a minha canta muito uma música que a professora deu pra eles. Então ela
canta aquilo em casa sem olhar no caderno. Ela tem paixão, acho que é uma das coisas
que ela mais gosta nesse colégio é a aula de inglês. (Gr A)
...o meu adora!... chega a pedir palavras pra falar em casa... (Gr A)
O papel mediador do professor na interação sujeito – objeto do conhecimento
exerce uma função fundamental no processo de motivação para a aprendizagem, o que
irá definir, em grande medida, as representações em torno do objeto do conhecimento.
De acordo com as falas acima, pode-se verificar que as professoras conseguem, através
das suas práticas, interferir positivamente no desejo das crianças pela aprendizagem da
língua, promovendo, dessa forma, as suas motivações. As professoras contribuem para
confirmação dos dados acima apresentados quando dizem perceber as crianças
motivadas: ...Elas estão muito motivados e eu percebo na hora da realização dos
trabalhos que todo mundo se interessa, que todo mundo quer apresentar o
seu...Prof.(A) e ...Fora da sala eu vejo eles falando em espanhol com um coleguinha ou
me cumprimentando em espanhol, então eu acho que isso está sendo bastante
motivador pra eles...Prof.(B).
Vale destacar também que o sentido de valor expresso pelas crianças em relação
à aprendizagem da LE aparece no movimento ocorrido em torno da motivação
instrumental, que ficou fortemente marcada pelo desejo de se tornarem professores/as
de línguas na futuridade.
Finalizando a interlocução entre os diversos discursos aqui apresentados e
analisados far-se-á, no capítulo precedente, as considerações sobre o estudo realizado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo analisou dois aspectos em torno do tema da motivação para a
aprendizagem de LE. O primeiro deles foi o de verificar se as crianças, aprendizes
iniciantes de uma LE, são motivadas para essa aprendizagem e, em caso afirmativo,
averiguar que manifestações discursivas denunciam essas motivações. O segundo
aspecto quis compreender de que contextos sociais as motivações apresentadas
emergem.
Partindo de pressupostos teóricos que discutem a constituição do ser humano
numa perspectiva sócio-histórica e que trazem a linguagem como elemento fundamental
no desenvolvimento dessa constituição, pôde-se constatar que as crianças apresentaram
motivações para a aprendizagem de uma LE, fruto das interações que elas estabelecem
com aqueles com quem interagem em diferentes contextos. Essas formas de interações
indicam o quanto a criança é afetada por práticas sociais discursivas que estabelecem os
significados e representações em torno de um determinado objeto do conhecimento, no
caso aqui, sobre a aprendizagem de uma LE.
Com base nesse processo interacional, as crianças apresentaram, antes mesmo
do contato formal com a língua-meta, quatro tipos de motivações que expressam o seu
desejo e interesse pela aprendizagem de LE: o conhecimento de um novo saber
disciplinar, a motivação integradora, comunicativa e instrumental. Assim posto, foi
possível verificar as origens dessas motivações, tendo em vista as representações
construídas pelas crianças estarem relacionadas as suas vivências, ao seu contexto
social. Com isso, pôde-se observar que a família e a escola emergem como locus
responsável pelas representações que as crianças constroem sobre a LE, dando origem
as suas motivações. Na primeira entrevista, o ambiente familiar foi o mais destacado
devido às interações das crianças, em casa, com materiais em LE (cadernos e livros dos
irmãos e pais) e aos discursos de incentivo a essa aprendizagem na escola, o que fez
emergir a motivação sobre o conhecimento disciplinar. Também verificou-se que os
discursos positivos feitos sobre a aprendizagem de LE por colegas da escola, já
aprendizes de LE, ainda que centralizados na figura da professora, provocaram o
interesse das crianças por essa aprendizagem, o que, de certa forma, pode explicar o
desejo pela interlocução em LE, evidenciado nas motivações integradora e
comunicativa. Assim, pode-se compreender que a escola interfere nas motivações das
crianças, pois os discursos dos colegas parecem emergir do trabalho desenvolvido pelas
professoras de LE que é, segundo seus depoimentos, legal.
Após a intervenção pedagógica, as crianças continuaram a manifestar os mesmos
tipos de motivações para a aprendizagem da LE. No entanto, foi possível constatar o
movimento ocorrido nas representações construídas que incidiram muito mais em torno
da motivação comunicativa e, principalmente, da instrumental. Além das manifestações
voltadas ao desejo pela interlocução, seja com estrangeiros, seja com pessoas do
convívio social, aspecto último que ficou bem marcado nas interações realizadas entre
as crianças e membros da família na tentativa de comunicação em LE, os alunos
também começam a perceber a língua como um instrumento útil a suas vidas
profissionais na futuridade. Essa representação parece ser fruto dos discursos feitos no
ambiente familiar, cujos sentidos produzidos nas falas dos pais revelam a preocupação
com a vida futura de seus filhos, entendendo a LE como um instrumento facilitador do
acesso aos domínios da sociedade. Também parece que as intervenções das professoras
foram muito importantes para a configuração da motivação instrumental, pois várias
crianças mencionaram o desejo pela aprendizagem com o objetivo de, no futuro,
tornarem-se professores/as de LE. Percebe-se, então, que as motivações comunicativa e
instrumental nascem das práticas e interações discursivas realizadas no ambiente
familiar e escolar. Nessa direção, pode-se presumir que as motivações sejam
construções sociais, produto das interações entre o homem e os contextos com os quais
ele interage, e não um mero ato impulsivo, involuntário, à espera de um estímulo dado,
como a psicologia tradicional procura explicar. A linguagem tem papel fundamental
nesse processo, posto que mediatiza as interações, estabelecendo os sentidos que vão
sendo produzidos e apreendidos do exterior e depois devolvidos a ele, numa cadeia
ininterrupta, processo que, segundo Vygotsky e Bakhtin, é profundamente dialético.
Quanto ao papel do contexto escolar na promoção das motivações das crianças
fora do espaço exclusivo da sala de aula, pôde-se notar diferenças entre as duas escolas
em relação à compreensão do significado da aprendizagem de LE, como também às
atitudes tomadas frente ao ensino da língua. Essas diferenças parecem ter interferido no
movimento ocorrido, entre a primeira e segunda entrevistas, sobre as motivações
integradora e comunicativa, pois evidenciou-se que as crianças aprendizes do inglês
deram maior destaque a essas motivações, apesar do distanciamento geográfico em
relação aos países falantes do inglês, tendo em vista não só as práticas realizadas pela
professora de inglês com diferentes recursos materiais, como também as atitudes da
escola frente ao ensino da língua, no sentido de valorizar, divulgar e interagir com as
crianças em LE. Dessa forma, compreende-se que a proximidade geográfica com países
falantes de um outro idioma não parece ser um fator relevante para provocar o desejo
pela aprendizagem da LE, mas parece, sim, que as práticas pedagógicas desenvolvidas
no contexto escolar são o que, realmente, promovem as motivações dos aprendizes.
Por sua vez, as crianças aprendizes do espanhol, que na primeira entrevista
haviam manifestado interesse maior na interlocução com falantes nativos, fato que se
relacionou com a questão da proximidade lingüística, demonstraram, após intervenção
pedagógica, um interesse maior na motivação instrumental. Esse movimento nos faz
compreender o papel crucial que tem a escola na mediação das motivações das crianças
para a aprendizagem. A professora da escola B revela encontrar dificuldades para
desenvolver seu trabalho que parece ser pouco valorizado, não encontrando
receptividade e estímulo à promoção do mesmo em outros espaços da escola. Vale
lembrar também que a escola B não dispõe de recursos materiais audiovisuais,
dificultando iniciativas possíveis da professora em desenvolver práticas diferenciadas
daquelas que a sala de aula, tradicionalmente, oferece. Assim, as crianças parecem
perder um pouco o interesse pela interlocução e passam a perceber a aprendizagem da
língua mais com função instrumental – representação apreendida pelos discursos feitos
no contexto familiar sobre a importância da aprendizagem de uma LE para a vida em
sociedade e pelas atitudes da professora que parece conseguir motivar as crianças para a
aprendizagem do espanhol ao ponto delas manifestarem o desejo de serem
professores/as dessa língua na futuridade. No caso desses alunos, compreende-se que o
trabalho da professora em sala de aula é o que realmente estabelece um sentido à
aprendizagem, pois motiva as crianças. As formas de interação dessas com a família
indicam que a professora consegue mediar as interações entre as crianças e o contexto
familiar, fato imprescindível para provocar e promover o desejo pela aprendizagem e
suas motivações.
Um outro aspecto que chama a atenção diz respeito aos diferentes ambientes
culturais em que essas crianças convivem, o rural e o urbano. O fato de as crianças
aprendizes do inglês residirem no campo não indicou diferenças nos tipos de
motivações apresentadas em relação ao grupo de alunos residentes na cidade, em que a
presença da LE, talvez, seja mais freqüente, nem tampouco, nas as origens das
motivações. As mudanças ocorridas têm suas bases nas formas de intervenções dos
ambientes familiar e escolar no sentido da compreensão que esses fazem do significado
que a aprendizagem de LE tem na vida das pessoas, e isso parece estar colocado na
sociedade como um todo, afetando os discursos em todos os domínios da sociedade,
seja sobre os diferentes contextos socioeconômicos e culturais, seja sobre os territoriais.
Da mesma forma, constatou-se que as diferentes línguas ensinadas às crianças,
inglês e espanhol, não significaram diferenças em torno dos sentidos produzidos por
elas no desejo pela aprendizagem de LE. Então, percebe-se que o aspecto da
proximidade lingüística e/ou territorial, caso do Português do Brasil e do Espanhol
falado nos países vizinhos da América Latina, não é relevante para explicar o processo
de construção das motivações. O estudo feito indica que esse processo está relacionado
às interações promovidas pelos diferentes ambientes e, principalmente, pelas práticas
pedagógicas desenvolvidas.
Feitas as considerações, torna-se importante apresentar algumas implicações
deste estudo no processo de ensino/aprendizagem de LEs, no contexto escolar, como
forma de contribuir para a promoção das motivações de crianças para a aprendizagem
desse saber.
O diálogo escola/família tem importância fundamental nas representações que os
aprendizes fazem em torno dos saberes. Em relação à LE, esse diálogo implica construir
um sentido diferente daquele que é, normalmente, posto pela educação regular.
Portanto, a escola precisa, em primeiro lugar, compreender o significado da
aprendizagem de LE, enquanto saber necessário à formação dos sujeitos inseridos num
mundo multicultural. Para isso, é preciso que ela discuta, reflita e abra os espaços para
que a língua aconteça para além das quatro paredes da sala de aula. Promover atividades
que envolvam a comunidade escolar, divulgando os trabalhos dos alunos, a exemplo da
escola A, e desenvolver outras que solicitem, em casa, a participação e ajuda dos
familiares, são, por exemplo, ações que possivelmente irão promover a aprendizagem e
a sua conseqüente motivação. Cabe à escola, como instituição responsável pela
transmissão/construção dos saberes elaborados e reconhecidos pela sociedade, buscar
esse diálogo.
Também os discursos e atitudes do professor enquanto mediador no processo de
ensino/aprendizagem de LE são de fundamental relevância para que os aprendizes
construam representações positivas em torno da aprendizagem de uma língua
estrangeira, o que irá definir, em grande medida, as suas motivações. Nesse sentido, é
preciso que os professores estejam motivados ao trabalho, a exemplo das professoras
que participaram deste estudo as quais revelam, através das suas falas, as suas
motivações: ... eu me sinto bastante motivada porque tem de estar sempre buscando
coisas novas e eu gosto dessa coisa de buscar, de pesquisar de criar... Prof.(B) e ...eu
estou muito satisfeita, cada aula que eu dou, cada trabalho que eu confecciono com eles
eu me sinto mais enriquecida....Prof.(A).
Portanto, é possível sugerir que as motivações para a aprendizagem de LE, na
escola, sejam construídas no processo interacional entre os diferentes ambientes por
onde os aprendizes circulam e interagem, a depender da compreensão de que esses
ambientes fazem sobre o significado da LE, como também das práticas desenvolvidas
pelos membros integrantes do meio escolar, considerados os legítimos responsáveis pela
transmissão/construção dos conhecimentos reconhecidos pela sociedade.
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Anexo 1 – Primeira entrevista em áudio com as crianças
a) Vocês têm vontade de aprender inglês/espanhol? Por quê?
b) Vocês acham importante aprender essa língua? Por quê?
c) Vocês sabiam que teriam aulas de inglês/espanhol este ano na escola? (em caso
afirmativo). Como ficaram sabendo?
d) Em casa alguém fez algum comentário que vocês teriam aulas de inglês/espanhol já
na 3ª série? (em caso afirmativo). Quem falou, e o quê falou?
Anexo 2 – Segunda entrevista em áudio com as crianças
a) Vocês estão gostando das aulas de inglês/espanhol?
b) Vocês acham importante aprender essa língua? Por quê?
c) Vocês têm conversado com alguém fora da escola, em casa, ou outro lugar sobre as
aulas de inglês/espanhol? (em caso afirmativo). O que conversam?
d) Vocês querem continuar aprendendo inglês/espanhol no ano seguinte? Por quê?
Anexo 3 – Entrevista em áudio com os familiares das crianças
a) Vocês acham importante seus filhos estarem aprendendo uma LE já na 3ª série? Por
quê?
b) Em casa, seus filhos conversam sobre o que estão aprendendo de inglês/espanhol na
escola?
c) Vocês percebem eles motivados para esse aprendizado? Como?
Anexo 4 – Entrevista em áudio com as professoras de LE
a) Você acha que as crianças estão motivadas para a aprendizagem da LE? Como você
percebe isso?
b) A escola tem interferido nas motivações das crianças? Como?
c) Além da escola, você acha que outros ambientes possam estar contribuindo para as
motivações das crianças?
d) Como você se sente ensinando inglês/espanhol para crianças?
Anexo 5 – Instrumento aplicado às diretoras
1- Faça um comentário em relação ao projeto de inclusão da LE nas séries iniciais,
considerando:
a) a oferta da LE a partir da 3ª série
b) o número de encontros semanais com a língua
c) o trabalho da professora de LE
d) a proposta pedagógica desenvolvida
2- Como a escola percebe a motivação das crianças para a aprendizagem da LE?
3- De que forma a escola sente-se envolvida/comprometida com esse trabalho?
4- Sugestões para 2005:
Anexo 6 – Questionário aplicado às crianças
Escola: ________________________________________ Série: _______ Turma:
________
Nome do aluno: ______________________________________________ Idade:
_________
Profissão do pai: ___________________________ Profissão da mãe:
__________________
Até que série o pai estudou: __________________ Até que série a mãe estudou:
_________