Humberto b. Ávila Supremacia

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Texto sobre supremacia do interesse publico sobre o individual

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  • 6. Repensando o "Princpio da supremaciado interesse pblico sobre o particular"

    HUMBERTO BERGMANN VILAProfessor da PUCIRS e Idvogado em Porto Alegre. Especialisla em Fmanas dasEmpresas na FIC. de Ciencias Econmicas e Mestre em Direito Nblico na FIC. deDireito da UFRGS. Doutorando na Universidade de Munique (CNPq). Alemanha.

    Sum4rio: 6.1. Introdulo; 6.2. Definies preliminares; 6.2.1. Princpio comoaxioma; 6.2.2. Princpio como postulado; 6.2.3. Princpio como norma; 6.2.4.Distines necessmas; 6.3. Pode ele ser considerado uma norma-princpio?;6.3.1. Limites conceituais; 6.3.2. Limites normativos; 6.3.2.1. Aus&1cia defundamento de validade; 6.3.2.2. Indeterminabilidade abstrata; 6.3.2.3. Indis-sociabilidade do interesse privado; 6.3.2.4. Incompatibilidade com postuladosnormativos; 6.4. Pode ser ele um postulado normativo de acordo com o orde-namento jurdico brasileiro?; 6.4.1. Delimitalo de interesse pblico; 6.4.1.1.Plural idade significativa; 6.4.1.2. Pressupostos necess4rios; 6.4.2. A importin-cia do interesse privado; 6.4.2.1. Relalo com o interesse pblico; 6.4.2.2. Suafuno nas relaes administrativas; 6.4.2.3. Privado como individual; 6.S.Concluses.

    6.1. INTRODUO

    A dogmtica jurdica brasileira - do Direito Administrativo e tambmdo Direito Tributrio - sustenta que dentre aqueles princpios que regulama relao entre o Estado e o particular est o .. princpio da supremacia dointeresse pblico sobre o particular". O grande publicista Bandeira deMello afirma: "Trata-se de verdadeiro axioma reconhedvel no modernoDireito Pblico. Proclama a superioridade do interesse da coletividade,firmando a prevalincia dele sobre o do particular, como condio, atmesmo, da sobrevivincia e asseguramento deste ltimo". 1

    1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Dirmo AdmnistrRtitlo, 9. ed., 510 Paulo.MaIheiro8, 1991, p. 29.

    o DIREITO PSUCO EM TEMPOS DE CRISEEstudos em lJornen.,em . Ruy Ruben RuscheI 99

  • Decorreria desse "princpio" a posio privilegiada do rgo admi-nistrativo nas relaes com os particulares, mal grado sua limitao peloordenamento jurdico.2 No bojo desse "princpio" - descrito como um.. princpio de supremacia" - est a ligao das normas administrativas aointeresse pblico que visam a preservar, bem como o exerccio da funoadministrativa pelos rgos administrativos, aos quais defeso representarinteresses meramente pessoais, seno que devem atuar sob o influxo dafinalidade pblica instituda pela lei. tambm a partir desse" princpio"que se procura descrever e explicar a indisponibilidade do interesse pliblicoe a exigibilidade dos atos administrativos, assim tambm a posio desupremacia da administrao e os seus privilgios frente aos particulares,especialmente os prazos maiores para interveno ao longo de processojudicial e a presuno de validade dos atos administrativos.3

    A dogmtica do Direito Tributrio, em sintonia com aquela do DireitoAdministrativo, descreve esse" princpio" entre aqueles que regulariam arelao entre o poder tributrio e o contribuinte. Barros Carvalho descreve-o como um .. princpio constitucional implcito" de grande importncia paraa interpretao das normas de Direito Pliblico.4 Derzi explica-o como um"princpio implcito" que no limita diretamente o poder de tributar, masdireciona a ponderao das limitaes constitucionais estabelecidas.'

    A adequao do interesse pliblico (no da sua supremacia) para a teoriado Direito Administrativo foi devidamente esclarecida. No h dvida deque a administrao no possui autonomia de vontade, mas apenas deveexecutar a finalidade instituda pelas normas jurdicas constantes na leidando-Ihe tima aplicao concreta. Por isso a administrao no exerceatividade desvinculada, mas apenas exerce, nos fundamentos e limites ins-titudos pelo Direito, uma funo. A utilidade do interesse pliblico mani-festada tambm na descrio dos seus vrios tipos (primrio, secundrio,etc.).6

    S a um primeiro olhar, contudo, adequada a descrio desse "prin-cpio de supremacia". Apesar de o dito "princpio" ser descrito como umprincpio fundamental do Direito Pblico, ele explicado - e aqui comeao problema - com duas caractersticas especficas. Primeiro, ele seria umprincfpio jurfdico (ou norma-princpio), cuja funo primordial seria

    5 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas. BALEEIRO, AIiomar. LimitIJ6ts Constitucionllis110 Pode, tU Trilnlfllr. 7. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1997, pp. 21, 35.. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Idem, p. 56. ISENSEE, Jose/. Gemei1lwohl UM St-t.SIlUfgllMl im VerfusungssfllAt, in: HStR 111, 57 Rn. 117.

    regular as relaes entre o Estado e o particular. Sua pressuposta validadee posio hierrquica no ordenamento jurdico brasileiro permitiriam queele fosse descoberto a priori, sem o prvio exame da sua referncia aoordenamento jurdico (-axioma). 7 Segundo, ele no seria apenas um prin-cpio, mas um -princfpio relacional: ele regularia a -supremacia dointeresse pl1blico sobre o particular, nlo relativamente ao funcionrio pl1-blico, que no pode representar seno o interesse pl1blico, mas com refern-cia -relao entre o Estado e o particular. O seu contel1do normativopressupe, portanto, a possibilidade de conflito entre o interesse pl1blico eo interesse particular no exerccio da funo administrativa, cuja soluodeveria ser (em abstrato e em princpio) em favor do interesse pl1blico.

    O problema - como mais tarde ser demonstrado - no propriamentea descrio e a explicao da importncia do interesse pblico no ordena-mento jurdico brasileiro, mas o modo mesmo como isso feito. A impor-tncia do interesse pblico (que determina os fins e fundamentos legtimosda atuao estatal), do bem comum (como o mais compreensivo e abstratofim, verdadeiro fundamento da permanncia da vida social, a ser entendidocomo medida ou proporo estabelecida entre bens jurdicos exterioresconflitantes e distribuveis) ou mesmo dos fins estatais (qualquer interessepblico tomado prprio para o Estado), como Isensee os define,' no sloobjeto primordial de nossa anlise. A finalidade deste estudo , apenas,analisar criticamente o "princpio da supremacia do interesse pblico sobreo particular". Ele, tal como vem sendo descrito pela doutrina, no seidentifica com o bem comum. Bem comum a prpria composio harm-nica do bem de cada um com o de tod9s; no, o direcionamento dessacomposio em favor do "interesse pblico".9 O discutido "princpio dasupremacia" explica, antes, uma regra de preferncia. como adiante de-monstrado.

    Nossa tarefa , pois, responder a duas perguntas intimamente relacio-nadas entre si. Primeira: - Pode o "princpio" em tela ser descrito como umprincpio jurdico institudo ~lo ordenamf'.n;J:~~il'.O brasileiro, vale di-zer, como uma norma-princPIO? Se2undo: - Pode ser ele descrito como umprincpio ~trutural ou condio para a explicao do Direi ... -VO, isto , como um postu a o norma vo

    7 Sobre o assunto, conferir. BANDEIRA DE MEU.Q, Celso Antonio. Curso de Direito Adminis-trlltivo, 9. ed., 510 Paulo, Malheiros, 1997, p. 29.8 ISENSEE, Josef. Gemeinwohl und Stllllt5l/ll/grlkrl im Verfiwllngsstllllt, in: HStR li, 57., Sobre o tema, ver: REALE, Miguel. U6ts prtlimimrres do Direito. 23. ed., Sio Paulo, Saraiva,1996, p. 60. VILLEY, MicheJ. pTrilosophie dll droit. Vol. I, Definitions du droit. 3. ed. Paris,DaUoz, 1982. pp. 66, 73, 200. \.o DIREITO PBlICO EM TEMPOS DE CRISE -

    101Estudos em hotnetJafIem . Ruy lIubIn RuIc:NI

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  • 6.2. DEFINIOES PRELIMINARES

    Uma descrio unitria dos princpios jurdicos enfrenta soberbas di-ficuldades, como bem demonstrou Guastini. 10 O uso do termo" princpio"est longe de ser uniforme. E no h qualquer problema nisso. Problema h,sim, quando fenmenos completamente diversos so explicados medianteo emprego de denominao equivalente, de tal sorte que um s6 termo passaa fazer referncia igual e indistintamente no s6 a fenmenos pertinentes aplanos ou cincias distintas como tambm a explicar fenmenos diversosdescobertos em um mesmo objeto-de-conhecimento. o que vem ocorren-do com os "princpios" . Eles passam a significar tudo, e, por isso mesmo,terminam por no significar coisa alguma.

    Da resultam vrias conseqncias. A dogmtica jurdica, em vez dedescrever e explicar o ordenamento jurdico, passa, em virtude da equivo-cidade dos seus enunciados, a encobri-Io ou no desvend-lo. As teoriasjurdicas passam a padecer de inadequao sinttica, na medida em queutilizam termos iguais para explicar fenmenos desiguais, instalando, nacincia do Direito, o germe da ambigidade. A interpretao e a aplicaodo Direito, com a finalidade de explicar aquilo que o ordenamento determi-na, probe ou permite, passa a explicar, tambm, aquilo que no encontrasequer referibilidade indireta ao objeto descrito. A teoria jurdica padece,nesse caso, de inadequao semdntica.ll .

    Faz-se necessrio estipular o significado de "princpio" . Isso somen-te possvel se forem feitas distines quanto finalidade de sua utilizaoe o objeto de conhecimento do qual ele extrado e ao qual deve manterreferncia. Compreender distinguir. Dos vrios significados atribudosaos "princpios" podemos identificar trs principais variantes, por sua vezdelimitadas segundo sua finalidade e seu fundamento.

    102 Humberto Bergmann vila

    possvel-~ssrio pro~2 Por isso mesmo so os axiomas aplic-veiscxclusivamente por meio da lgica. e deduzidos sem a interveno depontos de vista materiais. 13

    A literatura jurdica faz uso do termo" axioma" para explicar tipos deraciocnio jurdico aceitos por todos, e por isso mesmo no-sujeitos aodebate. A veracidade dos axiomas demonstrada pela sua prpria e meraafirmao, como se fossem auto-evidentes. O "p.rincpio da supremacia dointeresse pblico sobre o particular" definido como um axiomajustamentepC1rque seDa auto-oemonstrvel ou l)yio. .

    12 . SZAB. Axiom, in: HistoTisclus WlIrttTbuch dtr Philosoplrie, Vol. 1, Base\' Schwabe undCo., 1974, p. 737. Tamb6m: L. OEING-HANHOFF, Idem, p. 743.13 CANARlS, Oaus-Wllhelm. Systtmdtnken und SysttmMgrl/f in dtT Jllrisprudtnz. 8erlln, Dunc-ker und Humblot, 1983, pp. 59 e 60.u EISLER, Rudolf. lCIInt-uxikon, Hildersheim u.a., Georg Olms Verias, 1994, p. 427. KANT.Kants Werke, Abdemle Textsusgabe, V, Kritik dtT pra1ct/schtn VtrnIlnjt, Berlin, Wa1ter deGruyter und Co., 1968 (1902), pp. 135 (244).15 ALEXY, Robert. JuTistischt InttrpTttlltion. In: Recht, Vemunft, Diskurs. Frankfurt am Main,

    o DIREITO PBLICO EM TEMPOS DE CRISE 103&fudos em /IorneNfem . Ruy lWben RuscheI

  • (postulado da integridade); s possvel conhecer uma norma tendo emvista a sua pr-compreenso pelo sujeito cognoscente, definida como aexpectativa quanto soluo concreta, j que o texto sem a hiptese no problemtico, e a hiptese, por sua vez, s surge com o texto (postulado dareflexo).!7

    o que a doutrina comumente denomina de princpio como idianormativa geral (ou princpio explicativo), como fundamento ou pressu-posto para o conhecimento do ordenamento jurdico ou de parte dele, soverdadeiros postulados normativos. Esses fundamentos jurdicos decorre-riam da idia de Direito e do princpio da justia, mas embora possuamcarter normativo, no possuem a qualidade de normas de comportamento,dada a sua falta de determinao. 11 Bandeira de Mello define princpio como.. mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposi40fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-Ihes o espi-rito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligincia pordefinir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe conferet{jnica e lhe d sentido harm{jnico" .19

    H, tambm, postulados tico-polticos, como condies de conheci-mento do fenmeno jurdico do ponto de vista das cincias polticas. Con-dies comumente aceitas como necessrias ao convvio social eexplicativas do surgimento das normas existentes podem ser havidas comopostulados tico-polticos, na medida em que procuram investigar e explicaras causas do surgimento de determinadas normas jurdicas, e no propria-mente o seu contedo de acordo com um sistemajurdico.20

    : ISENSEE, Josef. Gemeinwohl und S/fl(ltsaufgabm im Verfiusungsst/J/Jt, in: HStR

    1 O 4 HumberttJ 8ergrNnn vila

    -~possibilidades normativas advindas dos outros princpios, que podem der-rog-Io em determinado caso concreto. Da dizer-se que os princpios, diferena das metanormas de validade, instituem razes prima facie dedecidir. Os princpios servem de fundamento para a interpretao e aplica-o do Direito. Deles decorrem, direta ou indiretamente, normas de condutaou instituic'Io de valores efins para a interpretao e aplicao do Direito.21

    A teoria geral do Direito define os princpios jurdicos como normasde otimizao concretizveis em vrios graus, sendo que a medida de suaconcretizao depende no somente das possibilidades fticas, mas tambmdaquelas jurdicas; eles permitem e necessitam de ponderao (" abwii-gungsfiihig und - bedUrftig "), porque no se constituem em regras prontasde comportamento, precisando, sempre, de concretizao.22 Justamenteporque consistem em normas jurdicas, ainda que carecedoras de concreti-zao, no possuem fundamento de validade auto-evidente ou meramentereconduzvel ao comumente aceito, antes decorrem da idia de Direitopositivamente constituda, dos textos normativos ou do seu conjunto, ou,ainda, dos fins positivamente institudos pelo Direito.23 A soluo de umacoliso de normas-princpios depende da instituio de regras de prevaln-cia entre os princpios envolvidos, a ser estabeleci da de acordo com ascircunstncias do fato concreto e em funo das quais ser determinado opeso relativo de cada norma-princpio. A soluo de uma coliso de princ-pios no estvel nem absoluta, mas mvel e contextual. A regra de preva-lncia, segundo a qual determinada norma-princpio em determinadascondies tem preferncia sobre outra norma-princpio, institui uma hierar-quia mvel entre ambas as medidas, j que pode ser modificada caso alte-rado o contexto normativo e ftico.24

    23 LARENz, Karl. Riclltigts Rht. Mnchen, Beck, 1979, p. 178.24 ALEXY, Robert. Rtclltstystem und prllktische Vernunft.ln: Recht, Vemuntt, Diskurs. Frankfurtam Main, 1995, p. 216-218. GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teorl e mdlltcorl deIdiritto, Milano, Giappichelli, 1996, p. 145.

    105o DIREITO PBlICO EM TEMPOS DE CRISEEstudos em homenatIem . Ruy Ruben RuscheI

  • to em que se estabelece uma relao de prevalncia condicional (" bedingreVorrangrelation ") entre as normas-princpios envolvidas: a norma-princ-pio" A" sobrepe-se .. B" sob determinadas condies" X" , .. Y" e .. Z" .

    As regras jurdicas, de outro lado, so normas cujas premissas so, ouno, diretamente preenchidas, e no caso de coliso, ser a contradiosolucionada, seja pela introduo de uma exceo regra, de modo a excluiro conflito, seja pela decretao de invalidade de uma das regras envolvi-das.25

    6.2.4. Distines necessriasAs definies acima estipuladas evidenciam, antes de tudo e sobretu-

    do, que h fenmenos diversos a serem compreendidos. Se todos eles seroexplicados mediante o emprego do termo" princpio" secundrio, a noser - e este o caso - que a utilizao do mesmo termo termine por explicar- confundindo-os - diferentes fenmenos do entendimento (categorias). Adiferena entre os fenmenos evidente. Um axioma no se confunde comuma norma-princpio, j que essa, ao contrrio daquele, deve ser necessa-riamente reconduzida a fontes materiais de produo normativa e deve seraplicada com referncia a pontos de vista prtico-institucionais.26 Um pos-tulado normativo no se confunde com uma norma-princpio, na medida emque a norma no explica (apenas) as condies de conhecimento do Direito,seno que revela o seu prprio contedo relativamente ao comportamentoou aplicao de outras normas constantes no ordenamento jurdico.

    Diante disso, preciso delimitar qual o significado do debatido "prin-cpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular" . Duas questessero postas e, nos limites desta anlise, discutidas. A primeira questoanalisa se esse referido" princpio" pode ser descrito como um princpiojurdico ou norma-princpio de acordo com o ordenamento jurdico brasi-leiro (parte" B"). A segunda questo analisa se o debatido princpio podeser entendido com uma condio para a explicao do ordenamento jurdico25 ALEXY, Robert. RIchtssystem IIn4 prllktische Vernllnft. In: Remt, Vemunft, Diskurs. Frankfurtam Main, 1995, p. 216-217; ALEXY, Robert. TMorie der Grun4rechte. 2. ed. Frankfurt am Main,1994, p. 77. Sobre a limitalo da subsuno na aplicao do Direito, ver nosso: SlIbslln"o econcnifo n. IIpliCtllo do Direito. Uvro comemorati~o do dnqentemrio da PUC-RS, PortoAlegre, Edicpuc, 1997, p. 413 e 55. As metanormas que regulam a existncia e efidda de outrasnormas, e que 510 normalmente denominadas prindpios (p. ex. irretroatividade, anteriorida-de, legalidade) seriam melhor definidas como meta-regras de validade, j que mantm umarelaio de colisio especifica com as outras normas-prindpios. Elas MO oferecem razOes dedecidir concretidveis em vrios graus, como as normas-prindpios priltlll facie, mas pressupos-tos de validade de outras normas, com as quais mantm uma relao hierrquica de validadematerial.U ALEXY, Robert. luristische lnterpretation. In: Recht, Vemunft, Diskura. Frankfurt am Main,1995, p. 75. Sobre o carter institudonal e prtico do Direito, sobretudo: WEINBERGER, Ota.Nonn und lnstitution: fine finfhrung in d~ Theor~ des Rechts, Wien, Manz, 1988.

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    brasileiro (parte" C"). Objeto da anlise ser tambm o significado dointeresse pblico para o esclarecimento do ordenamento judico-adminis-trativo, bem como as relaes que ele mantm com o bem comum, com asfinalidades estatais e com o interesse particular.

    O objetivo primordial do presente trabalho diminuir a equivocidadeque a descrio e a eventual aplicao deste" princpio" proporcionam. Aofinal, ser demonstrado, de um lado, que a atividade administrativa (e ainterpretao das normas de Direito Pblico, especialmente de Direito Ad-ministrativo), no pode ser exercida sob o influxo deste "princpio", e, deoutro lado, que o interesse pblico (ou interesses pblicos) pode possuirsignificado jurdico, mas no pode ser descrito como prevalente relativa-mente aos interesses particulares.

    ~

    6.3. PODE ELE SER CONSIDERADO UMA NORMA-PRINdPIO?

    A anlise da primeira questo implica, de um lado, explicar a definiode norma-princpio fomecida pela Teoria Geral do Direito e, de outro,verificar se o ordenamento jurdico brasileiro corrobora sua existnciacomo norma-princpio. Quanto ao primeiro aspecto, ser demonstrado queo conceito de norma-princpio contm elementos que no podem ser encon-trados no referido" princpio" . Quanto ao segundo, ser demonstrado, pri-meiramente, que a anlise sistemtica dos direitos fundamentais e dasnormas de competncia feita luz da atual metodologia jurdica no permitea descoberta do citado" princpio" e, secundariamente, que seu contedo objetivamente indeterminvel, alm de ser indissocivel dos interesses par-ticulares e no poder ser deles separado ou a eles contrariamente descrito.

    6.3.1. Limites conceituaisA incompatibilidade do .. princpio" da supremacia do interesse pbli-

    co sobre o particular com o conceito de princpio jurdico fornecido pelateoria geral do Direito s pode ser bem demonstrada com a referida distin-o entre princpios e regras. O elemento fundamento jurdico de valida-de, se o objeto a ser descrito um princpio jurdico, deve sempre serverificado.27

    Com os esclarecimentos anteriores pode-se perguntar, ento, se o dito.. princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular" , ou no,21 GUASTINI, Riccardo. TtOI e dog_tia! delIt fonti. Giuffr~, Milano, 1998, p. 276. O autor laIade uma dilerenaio tipolgica dos princpios. ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 2. ed.Frankfurt lJ1\ Main, 1994, f: 93. Ver tlJJ\Wm DERZI, Misabel de Abreu Machado, in: (Notas)BALEEIRO, Aliomar. Lilllltlldts Constitucionllis 110 Poder de Tributllr. 7. ed. Rio de Janeiro,Forense, 1991, p. 41 (Princfpios podem ser conceitos ou tipos).

    107o DIREITO PBUCO EM TEMPOS DE CRISEEstudos em homenagem .1 Ruy Ruben RuscheIHumberto 8ergmann ).vila

  • uma norma-princpio. Do modo como a teoria geral do Direito moderna-mente analisa os princpios prima fade, cujo significado resulta de umarecproca implicao entre os princpios, no h dvida de que ele no uma norma-princpio: sua descrio abstrata no permite uma concretizaoem princpio gradual, pois a prevalncia a nica possibilidade (ou grau)normal de sua aplicao, e todas as outras possibilidades de concretizaosomente consistiriam em excees e, no, graus; sua descrio abstratapermite apenas uma medida de concretizao, a referida" prevalncia" , emprincpio independente das possibilidades fticas e normativas; sua abstrataexplicao exclui, em princpio, a sua aptido e necessidade de ponderao,pois o interesse pblico deve ter maior peso relativamente ao interesseparticular, sem que diferentes opes de soluo e uma mxima realizaodas normas em conflito (e dos interesses que elas resguardam) sejam pon-deradas; uma tenso entre os princpios no se apresenta de modo principial,pois a soluo de qualquer coliso se d mediante regras de prevalncia,estabelecidas a priori e no ex post, em favor do interesse pblico, quepossui abstrata prioridade e principialmente independente dos interessesprivados correlacionados (p. ex. liberdade, propriedade).

    O refrido "princpio" - tal como seria definido pela teoria geral doDireito - uma regra abstrata de preferncia no caso de coliso

  • ~Essa conseqncia decorre de uma caracterstica fundamental da rela-o entre os princpios. bem esclareci da por CANARIS: .. ...eles recebemseu contedo de sentido somente por meio de um processo dialtico decomplementallo e limitalJo".3I Mas ento a descoberta do debatido prin-cpio metodicamente insustentvel: a descoberta de uma prevalncia dointeresse pblico sobre o interesse particular exige dois objetos autnomos.Esse no . porm. o caso. Ambos os interesses esto atrelados in abstractoe somente podem ser descritos como resultado de uma anlise sistemtica.Somente in concreto possuem eles contedo objetivamente mnimo e assu-mem uma relalo condicionada de prioridade. No antes.

    6.3.2.2. lndeterminabilidade abstrataAlm disso, esse" princpio" possui um contedo no s indetermiQ-

    '{el, como r.R!O descrito como princpio geral, inconcilivel com os interes-s~riv~~os. De outro lado, questionvel se "0" interesse pblico podeser descrito objetivamente, considerando-se que ele se relaciona com dife-rentes normas e contedos (p. ex. normas de competncia e normas queprescrevem direitos e garantias), concretizado por meio de diversos pro-cedimentos (p. ex. judicial, administrativo) e constitui-se por meio de umpermanente processo diacrnico de compreenso do Estado em uma dadacomunidade (p. ex. compreenso do significado de Estado de Direito).39

    O importante que a indeterminabilidade emprica vai de encontro aopostulado da explicitude das premissas, decorrente da prpria seguranajurdica.40

    6.3.2.3. lndissociabilidade do interesse privadoO interesse privado e o interesse pl1blico esto de tal forma institudos

    pela Constituio brasileira que no podem ser separadamente descritos naanlise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estdo inclui.dos nos pr6priosfins do Estado (p. ex. prembulo e direitos fundamentais).Por isso afirma HBERLE. referindo-se Lei Fundamental Alem. muitomenos insistente na proteo da esfera privada do que a brasileira: .. Exa.38 CANARlS, Claus-Wilhelm. Systemdenlren und Systt~riff in der Jurisprudenz. Berlin, Dunc-ker und Humblot, 1983. p. 55.39 HBERLE. Peter. Of!mtlichts InteresSt 1115 juristisc1tts Problem. Bad Homburg. Athenium,19'10. p. 719: "Como wIlor dirteionlldor dlllldministl'llllo possui o inttrtSSt pblico difrrtnClldllSdtnsidlldts normlltiNs". RUPP, Hans Heinrich. WoIIl der AlIgemtinhtit 11M ii/ftntlicht Inter_n.Btdtutung der BegriJft im VtnIIIIltungsrteht. Schriftenreihe der Hochschule Speyer, Band 39.Berlin, Duncker und Humblot, 1968. p. 117. HBERLE, Peter. Vil Gemtinwohlprobltmlltilc inrec"tswisStnschaftlichtr Sicht. Rechtstheorie 14 (1983), p. 274: "SUII funllo wril conforme asre~ f4tiCIIs e o grllll de concrttizllllo".40 Sobre esse assunto, ver: ALEXY. Robert. Juristische InterpretRtian. In: RemI, Vemunft, Dis-kurs. Frankfurt am Main. 1995. p. 81.

    o DIREITO PBUCO EM TEMPOS DE CRISE 111&ub em homenaJem I Ruy RuMn RuscheIHumberto 8e,.,mann vila

  • gerando: o interesse !,rivad~~ um ponto de vist4JjJH.j4Z, parte do coJJtedode bem cnmum. dn. C nrtif14; -o" 4. Em vez de uma relao de contradioentre os interesses privado e pblico h, em verdade, uma conexo estru-tural (ein struktureller Zusammenhang).42 Se eles - o interesse pdblico eo privado - so conceitualmente inseparveis, a prevalncia de um sobreoutro fica prejudicada, bem como a contradio entre ambos.43 A verifica-o de que a administrao deve orientar-se sob o influxo de interessespblicos no significa, nem poderia significar, que se estabelea uma rela-o de prevalncia entre os interesses pblicos e privados. Interesse pblicocomo finalidade fundamental da atividade estatal e supremacia do interessepblico sobre o particular no denotam o mesmo significado. O interessepblico e os interesses privados no estio principialmente em conflito,como pressupe uma relao de prevalncia. Da a afirmaco de HABER-

    - - .LE: .. Eles comprovam a nova, aberta e mvel relao entre ambas asmedidas..," ,44

    6.2.3.4. Incompatibilidade com postulados normativosOutro argumento a excluir um fundamento de validade a esse princpio

    ~: t::~:~~C ~ao :m::;~: ~:~~: ::; =::: t;~ ~:~: :~=~tiVOsa--:aproDorcinnl!lictl!cJ~ e dI! rnnrnrQ!!lcia prtica, hoie aceitos peladoutrina e jurisprudncia brl!!;ilpiras. Sendo o Direito o meio mediante oqual so estabelecidas propores entre bens jurdicos exteriores e divis-veis, deve ser estabelecida uma medida limitada e orientada pela sua mxi-ma realizao..' Da dizer-se - como o faz Alexy - que a proporcionalidadeno consiste em uma norma-princpio, mas consubstancia uma condiomesma da realizao do Direito, j que no entra em conflito com outrasnormas-princpios, no concretizado em vrios graus ou aplicado median-te criao de regras de prevalncia diante do caso concreto, e em virtudedas quais ganharia, em alguns casos, a prevalncia.46 A instituio simult-41 HBERLE, Peter. Offmtliches Interesse aIs juristiscMs Problem. Bad Homburg. Athenium,1970, p. 526.42 RYFFEL, Hans. OfIentliche lnteressen UM GemeinwohL Refluionen aber lnludt UM Funktion.Schriftenreihe der Hochschule Speyer, Band 39, Berlin, Duncker und Humblot, 1968, p. 21.RUPP, Hans Heinrich. Wohl der AIIgemeinhdt UM iJfftntliche lnteressen. Bedeutung der Begriffeim Verwaltungsrecht. Schrittenreihe der Hochschule Speyer, Band 39, Berlin, Duncker undHumblot, 1968, p. 117.43 ESCOLA, Hctor Jorge. ri interh pblico como fundamento dei dertelto IUlministrlltil1O. BuenosAires, Depalma, 1989, p. 243.44 HBERLE, Peter. Ojftntlichu Interesse IIIs Juristischu Prol/lem. Bad Homburg. Athenium,1970, p. 528.45 Sobre o tema, iIustrativo ver. ARISTTELES. rtiCA NicomllChftl, voJ. 1 (testo greco a fronte).Milano. Rizzoli. 1994. p. 339 (1131b. 10 e ss.).46 ALEXY. Robert. TMorit der GrundrlCllte. 2. ed. Frankfurt am Main. 1994. p. 100.

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    nea de direitos e garantias individuais e de normas de competncia implica(logicamente) o dever de ponderao, cuja exata medida s6 obtida me-diante a obedincia proporcionalidade.

    Em face disso, resulta claro que eles no podem coexistir no mesmosistema jurdico, pelo menos com o contedo normativo que lhes tm atri-budo a doutrina e a jurisprudncia at o momento: de um lado, o debatido.. princpio" que direciona a interpretao para supremacia na relao entreos interesses; de outro, os referidos postulados que direcionam a interpre-tao, no para uma principial prevalncia, mas para a mxima realizaodos interesses envolvidos.

    A proporcionalidade ("Verhiiltnismiissigkeitsgrundsatz") determinaque um meio deva ser adequado, neces~rio - isto , dentre todos os meiosadequados aquele menos restritivo - e mantenha relao de proporcionali-dade relativamente ao fim institudo pela norma.47 O postulado da propor-cionalidade em sentido estrito (elemento da ponderao) exige que o meioe o fim devam estar em uma relao de proporo (no podem ficar emrelao de desproporo).48 Essa a condio negativa. Os interesses, queesto (estaticamente) em posio de contraposio ( .. GegenUberstellung "),devem ser de tal forma ponderados, que a coordenao entre os bens jur-dicos constitucionalmente protegidos possa atribuir mxima realizao("optiIMle Wirklichkeit") a cada um deles. Essa a chamada concordnciaprtica ( "praktische Konlcordan1. "),49 a conditIo positiva da qual se ocupouHESSE com rara clareza:" AfixatIo de limites ("Grenuiehungen") deve.por conseguinte, ser proporcional no respectivo caso concreto; ela ntIopode ir alm do necessrio para estabelecer a concordc2ncia de ambos osbens jurfdicos" . 50

    O Ministro Luiz Gallotti, decidindo sobre a suspenso de obra pelaautoridade administrativa, reconheceu a importncia dos interesses de ter-ceiros de boa-f, em funo dos quais - complementa-se - necessria umaponderatIo multipolar, precisamente porque os interesses paralelos devemser preservados por meio de uma deciso unitria:" Os pargrafos do citadoartigo 305 (CPC), embora referentes a hiptese de demolio, claramentetraduzem o esprito da lei, no sentido de conciliar o interesse pblico comos deIMis interesses em causa, ordenando que a construo MO seja de-.., HIRSCHBERG, Lothar. Der GrvndSlltz der VerhilltnismJIssigkeit. Gttingen, 1981, p. 245. JA-KOBS, Michael Ch. Der GrvndSlltz der V"hilltnismJIssigkeit. Kln, Carl Heymanns, 1985, p. 217.48 HIRSCHBERG, Lothar. Idem. p. 247.., HESSE, Konrad. Grvrulrigt des Vnfasungsrhts tu, Bundu'epubliJc Dtutschltnul. 20. ed.,Heidelberg, CF Milller, 1995. p. 28. JAKOBS, Michael Ch. Der GrundSlltz der VerhilltnismJIssig-Uit. Kln. ~Carl Heymanns. 1985. p. 84. .50 HESSE, Konrad. GrurulziJl' da Vnpwunlsrechts d,r Bundtsrtpublik Dtut&ruJ. 20. ed..Heidel.berg. CF Milller. 1995. p. 28. .

    113o DIREITO PSUCO EM TEMPOS DE CRISEEstudos em hornenqem a Ruy Ruben lWJdNtIHumberto 8ergmann vila

  • molidlJ. mesmo quando contraria as condies legais. se por outro meio sepuder evitar o dano ao bem comum" .'1

    O Supremo Tribunal Federal (STF) vem, reiteradamente, decidindoque qualquer medida deve.obedecer ao "princpio" da proporcionalidade,decorrente dos direitos e garantias fundamentais institudos na CF/88.u ~que, se ao Estado incumbe respeitar os valores consagrados na Lei Maior,um pensamento conseqUente leva utilizalo de instrumentos metdicosidneos ao seu mximo desenvolvimento. Dois lados da mesma moeda.

    Uma medida ~ adequada se o meio escolhido est apto para alcanaro resultado desejado. " inadequado tentar tapar o sol com uma peneira" .o STF (Rp n 93O-DF, DIU 02.09.77) declarou inadequado exigir atestadode "condies de capacidade" para os corretores de imveis se isso no adequado ao exerccio da profisslo e a lei nlo o exigia.

    A medida necessdria se, dentre todas as disponveis e igualmenteeficazes para atingir um fim, a menos gravosa em relalo aos direitos dossujeitos envolvidos. .. t desnecessdrlo amputar a perna para solucionar orompimento de menisco". O STF (ADln n 855-2, DJU 01.l0.93) declarouinconstitucional a lei que previa a obrigatoriedade de pesagem de botijlode gs vista do consumidor, nlo s por impor um nus excessivo Ascompanhias, que teriam de dispor de uma balana para cada veculo, mastambm por que o interesse pblico e a protelo dos consumidores pode-riam ser atingidos de outra forma, menos restritiva.

    A medida proporcional se, relativamente ao fim perseguido, nlorestringir excessivamente os direitos envolvidos. .. t desproporcional ma-tar um pardal com um tiro de canhlIo" (Jellinelc). O mesmo STF (Rp n1077, RTJ 112:34-67) declarou inconstitucional a criao de taxa judiciria,de percentual fixo, por considerar que, em alguns casos, seria tio alta queimpossibilitaria o exerccio de um direito fundamental - obteno de pres-tao jurisdicional -, alm de nlo ser razoavelmente equivalente ao custoreal do servio.

    Pois bem. Se a proporcionalidade e a concordncia prtica foremconsiderados postulados normativos, como o slo pela doutrina e pelajuris-prudncia com o nome de "princpios", ento resulta claro que ambas ascategorias direcionam a interpretalo de forma bem diversa. De um lado,estio os aqui denominados postulados tle medida a direcionar uma ponde-ralo pautada pela mxima realizalo dos direitos envolvidos, sem umasoluo pr-concebida; de outro, o "princpio da supremacia" a direcionara aplicao para a preval!ncia do interesse pblico sobre o particular. Em5\ Recurso de m8JUbdo de segurana, DI 16.12.64, p. 04649 (destaque MO presente no original).52 Sobre o tema e . juraprudlnda, conferir. BARROS, SUZ8na de Toledo. O prlnclpio dllpropordonlllldlld, , o contraI, I constitlldo",,11dtuk tl4s I,is mtrltiws tU dinitos "'rulIImmt"is.BruIlia, Br.alU. Iurfdia, 1996.

    114

    vez de o debatido "princpio" instituir uma decislo valorativa sobre inte-resses ou bens e direcionar a aplicalo de outras normas,S3 como qualquernorma-princpio, ele direciona o processo recproco e dial~tico da pondera-lo ("ditJltktische Wechselprozess der Abwiigung ") por meio de uma regraabstrata de prevalncia em favor do interesse pblico ou o limita intensa-mente. .. Podem existir casos nos quais o interesse pblico ainda hojereceba a supremacia. Decisivo i apenas que os tribunais fundamentemnormativamente esta superior hierarquia e nlo sucumbam () uma f6rmulatradicional ou a postulados em vez de dar unuJ fundamentalo". esclareceHlber1e.~ E mesmo quando se tratasse apenas da finalidade de interessepblico como princpio geral - e nlo, portanto, da sua prevalncia sobre ointeresse privado -, seria o postulado da proporcionalidade substancialmen-te limitado e, por isso mesmo, modificado. 55 O que acaba tomando-seevidente ~ a especial importncia do procedimento - incluindo, a, suanormativa fundamentalo - para a determinalo e instituilo autoritativado interesse pblico, tanto maior quanto mais discutido for o interesse dacoletividade. 56

    Aqui deve ser apenas compreendido que o "princpio" sob examelimita intensamente a necessidade, acima tratada como elemento integranteda proporcionalidade. E isso ocorre, porque ele estabelece um fim utpicoinconcilivel com a fundamentada relalo meio-fim e com o dever deexplicitalo das premissas da argumentao jurdica. O dever de necessi-dade exige, e pressupe, uma determinabilidade emprica do fim.51 E assimcompleta Luhmann: .. Bem comum n40 i um fim pensdvel" .5& Por isso, seriainaplicvel em muitos casos a proporcionalidade ou, pelo menos, seria elatotalmente limitada, j que a relao meio-fim nio seria objetivamentedeterminvel, caso fosse o interesse pblico aceito como estruturador deuma dada relao jurdica. O essencial ~ que mesmo que o elemento danecessidade nio seja descrito como um dever decisivo e que a proporcio-53 LARENZ. Karl. Ridltiga Redtt. Mnchen. Beck. 1979, p. 23.5f HBERLE, reter. Offrlftl/clta llftern.. "" juristisclta Prol/ltm. &d Homburg, Athenium,1970, p. 527.M MARTENS, WoIfganS' O/ft1ttliclt "" RJtt8btgriff. B8d Homburg, Gehlen, 1969, p. 190.SCHNUR. a-uan. GtmtiJI-W iIIdm Verfasurt",. u,.., Gatturt. Schriftenreihe der HodIIdIuIeSpeyer, Band 39, BerIin, Duncker und Hwnblot, 1968, p. 61. RUPP, Hans Heinrich. WIJltl tIn11;e..aMtit 11"" ~tlidlt llfttratm. BalRtKlfl tIn &griJft 1m VtnDIIlflllflS"dlf. SchriItenreiheder Hochlchule 5peyer, B8nd 39, Berlin, Duncker und Humblot, 1968, p. 118.5f RYFFEL, Hlns. OjJmtl/cM IlftntSSnl und Gtme/IfIDohl. Rtfl"';o"," li"" llflulll urul flllfkt/oll.Sduiftenreihe der Hoc:hIchule Soever, Band 39, Berlin, Duncker und Humblot, 1968, p. 27-8.DI IDO u_-- U-'--'." IAI..IoI.!_' ..(, 1 u...! -.."irU 1.., RIdftIhlJl~ 4n lIlw/6t!, --- - -- -"'---------i. VerwltllllJl"dd. Sc:hrift8nreihe der HochIchule Speyer, Sanei 39, B8rIin. Undr8 - uidHumbIot, 1968, p. 120.57 HJRSCHBERC, Lothar. em Grvnblltz" V"hilltnismlSlJguit. Cttinpn. 1981, p. 158.58 AptuI HIRSCHBEKG, Lothar. Idem, p. 158.

    O DllBTO PBlICO EM 1EMf'OS DE CRISE 115&ub em lIofneNttem li Ruy Ruben RusdteI

  • nalidade seja aplicada mesmo sem relao a fins determinados ou determi-nveis, ainda assim deve ser feita uma ponderao entre os interesses con-flitantes.59 Eis o juridicamente decisivo. Com razo esclarece Jakobs:"Outras similitudes entre o princfpio da proporcionalidade e aquele daconcord4ncia prdtica resultam da constatao de que ambos consistem emprocessos de ajuste ou equiUbro ("Ausgleichverfahren") e que ambos ex-cluem a abdicao de um bem jurfdico com base em uma ponderaoorientada por uma prevalincia". 60

    No so convincentes os possveis contra-argumentos no sentido deque o debatido" princpio" de nenhum modo direcionaria a ponderaodialtica em favor do interesse pblico, j que - como qualquer norma-prin-cpio - possuiria excees ou somente consiste numa idia norte adora querpara a administrao, quer para a anlise sistemtica do Direito. Tal comoele descrito - como um princpio jurdico de supremacia -, ele noencontra fundamento de validade, simplesmente porque no pode ser des-coberto no ordenamento jurdico por meio de qualquer mtodo (deduo ouinduo, anli,se das palavras ou do seu conjunto, etc.). As excees, que aaplicao' condicional concreta de uma norma-princpio revela, devem man-ter-se dentro de uma quantidade mnima, sob pena de no mais seremconsideradas excees. O que no , definitivamente, o caso. O mais im-portante a descril1o e determinao intersubjetivamente controldvel doscritrios para a definio do interesse pblico. A determinao dessescritrios, porm, s6 sucede mediante a criao jurisprudencial de regras deconflito, em funo das quais o interesse pblico recebe prevalSncia emdeterminados casos de conflito com os interesses privados, quando issoocorrer.61 E se esses critrios devem ser obtidos por meio da anlise daConstituio e das normas contidas nas leis - o que Bandeira de Mello comrazo afirma62 -, perde a expresso interesse pblico a sua relevncianormativa como norma-princpio.63 Dito mais claramente: "A expresstIo. bem pblico' sempre representa a abreviatura daquilo que a Constituioentende por limites permitidos ou no". 64 Disso, porm, resulta uma impor-tante consequSncia: em vez de um princpio de preferncia, deve ser atri-buda a importncia, ento, s prescries constitucionais e legais, j que~59 Idem, ibidem, p. 171. I60 JAKOBS, Mimael Ch. Der Gnmdslltz der Verhl1tnismlissiguit. K1n, Carl Heymanns, 1985, p.86 (negrito nlio presente no original). SCHNEIDER, Harald. Die Giiter8bwiigung tks Buntkswr-ftlSSungsgrnchts !lei Grundrtchtskonflktm. Baden-Baden, Nomos, 1979. p. 203.61 RYFFEL, Hans. Offmtlicht lnteressm und GmreindwohL R.tfInionm iiber lnhtllt und Funktion.Scluiftenreihe der Hochschule Speyer, Band 39, Berlin, Duncker und Humblot, 1968, p. 17.62 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrlltiuo, 9. ed., SIlo Paulo,Malheiros, 1997, p. 56.63 SCHNUR, Roman. Gtmtimoohl in dm Verfilssungen und Gtsttun. Schriftenreihe der Hochs-chule Speyer, Band 39, Berlin, Duncker und Humblot, 1968, pp. 64, 66.H Idem, ibidem, p. 72.

    116

    elas - e no, portanto, o citado" princpio" - que so juridicamentedecisivas. Sobre a necessidade de previso nonnativa, ver o voto de MoreiraAlves a respeito de matria administrativa: .. Se a legislal1o local posteriordeterminou, como reconhece o acrdiio recorrido. que os requerimentos delicena de construilo fossem apreciados luz da jurisprudlncia vigenteao tempo de sua apresentallo. no pode a administrao pblica sobreporo seu critirio de avaliallo a esse respeito ao da prpria lei. Essa circuns-tancia afasta o argumento 'afortiori' com base na revogaiJo de licenade construo. cuja obra no foi iniciada, sob o fundamento de conveniln-cia ditada pelo interesse pblico, pois, neste caso. essa convenilncia niJofoi apreciada nem afastada pela lei vigente". 65

    O Ministro Seplveda Pertence asseverou, em julgamento sobre ma-tria processual: "Verdadeiramente inconcilivel com o Estado de Direitoe a garantia constitucional da jurisdiiJo seria impedir a concessiJo oupermitir a cassaiJo da segurana concedida, com base em motivos deconvenilncia pol{tica ou administrativa, ou seja. a superposio do direitodo cidadiJo das 'razes de Estado'; MO i o que sucede na suspensiJo desegurana (...)".66Essas decises no tratam diretamente da existncia, ou no, do .. prin-cpio" em causa. No obstante, demonstram a necessidade de previsonormativa para qualquer interveno estatal, ficando o .. interesse pblico"sem significado autnomo. Como foi visto, caracterstica prpria dasnormas-princpios terem seu sentido resultante de limitaes e complemen-taes advindas de outras normas-princpios. Cada qual, porm, contribui,limitando ou acrescendo, para a determinao do significado das outrasnormas-princpios envolvidas. Resta saber, portanto, qual a contribuioque o dito" princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular"traz para a interpretao sistemtica do Direito e como isso pode ser inter-subjetivamente controlado por instrumentos racionais de interpretao.

    Da constatao de que os rgos administrativos possuem em algunscasos uma posio privilegiada relativamente aos particulares67 no resulta,de modo algum, na corroborao da supremacia do interesse pblico sobre65 Recurso EXtr80rdinio 93108/SP, OJ 13.02.81, p. 00754 (destaque nlo constante do original).66 Agravo Regimental em Suspendo de Segurana, OJ 09.05.97, p. 18138.61 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrlltivo, 9. ed., 510 Paulo,Mallheiros, 1997, p. 30. Alo direta de inconstltudonalidade n 1753/0F, OJ 12.06.98, p. 00051,MInistro 5epI11veda Pertence: M(...) A igualdade das partes imanente ao promlurlll due prOCtSSof 1Izw; quando uma das partes o Estado, a jurlsprudenda tem transigido com alguns favoreslegais que, alm da vetustez, tem sido reputados MO arbitrrios por visarem a compensardificuldades da defesa em iuzo das entidades pl1blicas; se, ao contrArio, desafiam a medidada razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilgios inconstitucionais: pareceser esse o caso das inovaes discutidas, de favorecimento unilateral aparentemente DioexpliveJ por diferenas reais entre as partes e que, somadas a outras vantagens processuaisda Fazenda PI1b1ica, agravam a consequfnda yerversa de retardar sem limites a satisfalo dodireito do particular iA reconhecido em juzo .

    o DIREITO PBUCO EM TEMPOS DE CRISE 117&Iudos em lIorneIqem a Ruy Ruben RufcheI

  • o particular. Essa posio indica, to-s, que os rgos administrativosexercem uma funo pl1blica, para cujo timo desempenho so necessriosdeterminados instrumentos tcnicos, devidamente transformados em regrasjurdicas.68 E essas regras procedi mentais (no regras que instituem finali-dades) decorrem tanto das normas constitucionais como do desinteresse

    68 Sobre a questio, essenciAl analisar a obra de F~ITAS, Juare%. O controle dos fitos fldminis-trfltivos t os princfpios funmtntflis. 510 Paulo, Malheir05, 1997, p. 54 e 55.69 ISENSEE, Josef. Gemtinwohl UM StatSflufgllbtn im Verfiwungsstat, in: HStR m, 57 Rn. 62.70 Idem. ibidem. 57 Rn. 30.

    11 8 Humbetto EJerrmann ,4 vn.

    postulado normativo explicativo de um ordenamento jurdico-administrati-vo que protege interesses to diferenciados constitui tarefa difcil. Almdisso. necessrio esclarecer que o Direito Administrativo regulador dasatividades externas da administrao ("Aussenverwaltungsrecht") prescreve- contrariamente ao que faz o Direito Administrativo interno ("Jnnenverwal-tungsrecht") ou o Direito Administrativo privado ("Verwaltungsprivatrecht")- justamente a relao entre o Estado e o cidado. No a pressupe como algopr-decidido ou mesmo a ser decidido em favor do interesse pblico.

    Uma norma de preferncia s6 pode ser uma norma individual e con-creta, algo bem diverso de uma tendncia abstrata.7.

    Trata-se. em verdade, de um dogma at hoje descrito sem qualquerreferibilidade li Constituio vigente. A sua qualificao como axioma bemo evidencia. Esse nominado princpio no encontra fundamento de validadena Constituio brasileira. Disso resulta uma importante conseqncia. e degrande interesse prtico: a aplicao do Direito na rea do Direito Admi-nistrativo brasileiro no pode ser feita sobre o influxo de um princpio deprevalncia (como norma ou como postulado) em favor do interesse pblico.

    Essas ponderaes reconduzem a discusso para resultado diverso: seo ordenamento jurdico regula justamente uma relao de tenso ("Span-nungsverhiiltnis") entre o interesse pblico e o particular. bem exemplifi-cada pela repartio de competncia nos vrios nveis estatais e pelocontraponto da instituio de direitos fundamentais, por sua vez s6 ajustvel- com a ajuda de formas racionais de eqidade" - por meio de uma ponde-rao concreta e sistematicamente orientada. ento a condio racional parao conhecimento do ordenamento jurdico deve ser outra, precisamente con-substanciada no postulado da unidade da reciprocidade de interesses("Gegenseitigkeitspostulat").76 Ou nas palavras de Ladeur: "Ponderaode bens uma figura dogmtica que no mais submete os direitos a limitesimanentes e expUcitos, isto , a regras de preferncia estveis (p. ex. emfavor do interesse pblico). mas procura trabalhar situativa e estrategica-mente um complexo. uma conexo de interesses de generalizalIo limitada,sobretudo por meio da formulalIo de standards ou de valores flex(veis. "77~14 SCHNEIDER. Harald. D~ Giiterabwitgung deI Bvndesverftlssvngsgerclttl bei GTtlndrltts/con-fliktm. Baden-Baden, Nomes, 1979. p. 237.15 ALBRECHT, Rdiger Konradin. Zvmvtb8ruit ais Verftlssvngsmassstab, Berlin, Duncker undHumblot, 1995, p. 78.16 Sobre a questio, de forma similar: FRlAUF, Karl Heinrich. Verfilssvnglrlttlche AnfordeTtln-gm 811 d~ Gesetzgelnlng iiIser StetIern 110m fin/commen vnd 110m frtrag, iR: Steuerecht und Vedas-sungarecht, (Hrsg.) ders, DStJG 12 (1989), p. 8. Sobre a necessidade de atentar para o impulsodecorrente dos direitos fundamentais paR a redefiniio do direito administntivo, ver:SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. Das II1lgemeine VtTWfI1tt1ngsrht ais Ordnvnglid: GTtlndJil-gm tInd Allfpbm der tIerfIIII1tvngsrlttlichen Systembildvng. BerUn u.a., Springer, 1998, p. 57.11 LADEUR, KarI-Heinz. cAbwlgung. fin neves PaTlUligma Ihs Verwtllttmgsrechts. Von der finheitder R6dttJonInvng zvm RhtsplvralilmtlS. Frankfurt am Main, Campus VerIag, 1984, p. 218.

    O DIREITO PBlICO EM TEMPOS DE CRISE 119fsIudm em lIomenqem .. Ruy Ruben Ruschel

  • Conclui-se, ao final, duplamente. De uma lado, que um princpio desupremacia e a compreenso formal do Direito Administrativo devem serultrapassados em favor de prescries materiais, no sentido de normasjurdicas substanciais, s6 desvendveis mediante a anlise sistemtica dasnormas constitucionais materiais, vale dizer, daquelas normas que dizemrespeito, direta ou indiretamente, explcita ou implicitamente, aos bensjurdicos que se quer descrever e explicar. De outro lado, que uma dogm-tica material s6 explicvel com a ajuda de uma hierarquizao constitu-cional imanente das normas materiais (e de seus contrapontos formais).

    6.4. PODE SER ELE UM POSTULADO NORMA TlVO DE ACORDOCOM O ORDENAMENTO JUlDICO BRASILEIRO?

    6.4.1. Delimitao de interesse pblico6.4. J. J. Pluralidade significativaA segunda questo, referida como teortico-cientfica, trata da ade-

    quao do referido princpio da supremacia do interesse pblico sobre oparticular para explicar o sistema jurdico-administrativo e a relao Esta-do-cidado. Ela, no entanto, ser tratada de modo reduzido.78

    Eis a pergunta: - Qual,? significado eral ue o interesse blico depossuir em um Estado d I o uma questo de teoria geral doDireito P11blico. Algumas observaes devem ser feitas aqui, sem que se-jam, no entanto, tratadas as questes tico-jurdicas ou tico-polticas rela-cionadas ao tema.

    Inicialmente, deve ser aprofundada uma distio j feita. Interessepblico pode referir-se sobretudo a duas realidades: a uma norma ou (con-junto delas) que encontre fundamento jurdico de validade em um dadoordenamento jurdico; ou a uma idia que represente uma necessidaderacional para a comunidade poltica.79 No primeiro caso, trata-se de umanorma-princpio, cuja definio j foi analisada.

    Quando o grande publicista Bandeira de Mello descreve - nomeandoora como axioma ra como princpio - ~ supremacia do interesse pb!icoafirmando ser um "... pressuposto de uma ordem soda~ estve~~_'!...m que78 Qu.nto' perspectiva polftico-juridica e histrica, ver: ISENSEE, Josef. SIIUII.llui Vtrfusllng.in: HStR I, S 13. STOLLElS, Michael. Gtmti1llllOla1.formeln im IIIItDnlllSOZlllistischen Rhl, 1974.HBERLE, Peler. Offmtliclaa InltrtSU ais jurislisdaa Problem. Bad Homburg. Athenaeum, 1970.HBEJU.E, Peter. Dk CmftnwohlproblematiJc in rtehlswisunscluifllichtT Sicht. Rechtstheorie 14(1983), p. 257-284." lSENSEE, Josef. Cmftnwohl UM SIIUII$IIulga~n im VtrfllSSungsslaal, in: HStR ID, S 57 Rn 37e 38.

    120

    ~

    --

    ,

    .

    todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados" ,10 refere-seao interesse pblico como uma necessidade racional para a comunidadepoltica, cuja validade precede a qualquer positivao. No se trata. aqui.de uma norma-princpio ou de u lad~ativo. mAr. do bem-oommnce nnc piO un amental da tica comunitria ou d . r' 1iTrata-se e um ostu -' to.~ Investigao sobre a causa do surgimento do desinteresse intrnsecoao exerccio da funo administrativa pelo funcionrio, da indisponibilida-de dos interesses pblicos e da executabilidade do ato administrativo, daposio privilegiada da administrao e dos seus" privilgios" relativamen-te aOS administrados no objeto da Cincia do Direito. Objeto dessainvestigao consiste em importantes postulados tico-polticos, ao seumodo inconfundveis com normas jurdicas (regras ou princpios).

    J a anlise desses elementos (posies, direitos, bens) enquanto nsi-tos funo administrativa e institudos pelo ordenamento jurdico diz, sim,respeito Cincia do Direito. Nesse mbito de conhecimento, entretanto,no so auto-evidentes. como os axiomas. Nem surgem de per se. Resultam,antes, de normas, sem as quais no existiriam juridicamente. A sua expli-cao deve manter-se fiel a esse objeto. E mesmo quando h expressameno normativa ao interesse pblico, definido pela finalidade relaciona-da comunidade, nada dito sobre a sua supremacia.12 Nesse mbito, emvez de postulados, teramos ou uma norma-princpio, cuja existncia, noentanto, no restou corroborada, mas foi antes mesmo refutada, ou umpostulado normativo, cuja referibilidade ao ordenamento jurdico ora sediscute.

    E o que pode e deve ser dito relativamente a esta segunda questo que um po lado e tivo do Direito Administrativo no pode ser umaregra de prevalncia, mesmo que essa pre er ncia seja .. apena~:- abstI:!.t! erelativa. Ao contrrio de uma regra de preferncia, poder-se-ia falar sobreo bemcomum como idia por detrs das normas e dos fins estatais, mas querepresentaria a unidade de uma multiplicidade de interesses pblicos veri-ficveis no Direito e na sociedade (o que terminaria, por via diversa, porcorroborar o aqui inaugural mente formulado postulado da reciprocidade,em vez do "princpio da supremacia").83 Importante, porm, a advertnciade Schmidt-Assmann: .. A determinao do bem comum antes de tudo uma80 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Admlnlstrlltlvo, 9. ed., 510 Paulo,MallheIros, 1997, p. 30.81 ISENSEE, Joeef. ~inwohl und StlUltSllUfgll/Jm jm VerfiwUngsstlUlt, in: HStR W, 57 Rn 9 /I37,38.82 SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. Das II/lgemeint VtrWIIltungsTteht IIls Ordnllnpidtt: GTllII-dlllgtn 11M Aul8/IMn der VtTlllldtungsTtChllU:Mn Systembildung. Berlin u.a., Springer, 1998, p. 136.83 ISENSEE, Josef. GtrMinlllold und Stlllll$lllll8ltbtn im Vnfllssungsstllllt, ire HStR DI, 57 Rn 2.

    121o DIREITO PBLICO EM TEMPOS Df CRISE&uJdos em hotrIen.,n .. Ruy Ruben RuscheI

  • questilo tk direito positivo, que para respondi-Ia deixa normalmente ddisposio prescries procedimentais e materiais".84

    6.4.1.2. Pressupostos necessriosO "princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particular"

    pressupe a verificao de algumas condies, sem as Q\us ele no podeser havido como uma condi lIo necessria d ex lica lIo do ordenamentojur ico (postulado normativo): o interesse pblico deve ser escn o ouxplicvel separadamente do interesse privado, ou ser dele dissocivel, paraque possa ser concebida, ainda que abstratamente, uma posio de supre-macia em favor do primeiro; a relao bipolar entre os citados interesses deveser de significado geral e fundamental para a explicao do Direito Adminis-trativo, a qual pressupe uma relao Estado-cidado; o interesse pblico deveser determinvel normativa e objetivamente, mesmo no caso concreto, sobpena de ser insustentvel uma supremacia intersubjetivamente controlvel.

    6.4;2. A importncia do interesse privado

    6.4.2.1. Relao com o interesse pblicoComo j observado - embora isso nem sempre merea a devida aten-

    o - na definio de interesse pblico esto tambm contidos elementosprivados." Isensee esclarece: "Na prtica poUtica i bastante discutido oque proporciona o interesse pblico numa concreta situao, se ele obtima primazia frente a interesses particulares colidentes ou como deve serobtido um ajuste. Mas no se trata de medidas inconciliveis ou antinmi-caso EntlIo o bem comum inclui o bem de suas partes (...) Interesses privadospodem transformar-se em pblicos. Bonum commune e bonum particulareexigem-se reciprocamente. Essa principial coordenao exclui uma irre-concilivel contraposilIo. A tenso entre ambos i, no entanto, evidente". 86

    Todo o exposto conduz negao de uma supremacia. Quando - e issono um caso necessrio - o interesse pblico contrape-se ao privado, notem o primeiro. ipso facto. a primazia. Muito menos a priori. Schmidt-As-smann trata exatamente da questo: .. No, h uma automtica supremaciados interesses pblicos".87 Deve haver. outrossim, uma ponderao, noH 5CHMIDT-ASSMANN, Eberh.vd. DIl5 Illlgemeine VeTWIlltungsrecht Ills Ordnungsl: Crun-dlllgm UM AlifgIlba dn verrllfdtungsrechtlichen Systnnbildung. Berlin u.a., Sprlnger, 1998, p. 137.85 HBERLE, Peter. OffmtliclJes Interesse ais juristisches Problml. Bad Homburg, Athenium,1970. p. 526. ESCOLA, Hictor Jorge. El inter pblico como fundAmento dei dnecho Ildministrlltivo.Bumos Aires, Depalma, 1989, p. 243... ISENSEE, Jose/. GmmIfRlOhl uM StMts/lufg8ba im VerfasslUlgsstallt, In: HStR In, 57 Rn 19.ll1 SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. Da all~"t VtrrIItlllungsrecht 1/11 Ordnu"gsitlee: Crun-dIIIgm IUIII A".frIIbcn dn t/ml1IIltungsrechtlichtn SystembiUung. Berlin u.a., Sprinpr, 1998, p. 137.

    122 Humberto BergmMln \IiQ

    somente dos interesses reciprocamente implicados, mas, tambm, dos inte-resses pblicos entre si. Os interesses pblicos so, como lembra LEISNER,igualmente carecedores de ponderao, tal como os interesses privados.Eles devem ser, entre si, ponderados, pois podem apresentar-se em situaesde conflito interno ("lnsichkonflikte"}.88 Ou nas palavras do referido autor:"A unidade dos interesses pblicos parece ser uma necessidade estatal

    fundamental, alim da unidade da entidade estatal; dar no resulta a maisvalncia ("Hoherwertigkeit") deste mesmo interesse relativamente aos in-teresses dos cidados. No 'interesse pblico' esto mltiplos interesses emsi no necessariamente supravalorados que so, sim, entre eles carecedo-res de ponderao, mas dar nllo hierarquicamente superiores". 19

    90 SCHMIDT-PREUSS, Matthias. Kol/idin'enth PrivatintertSStn im VtnIHIltungsrecht: das subjetiveIJfftntliche Recht im multipolllren VtnllGltungsrechtsverhiiltnis. Berlin, Duncker und Humblot,1992, p. 8. A doutrina administrativa alemJ - no que deve ser devidamente ponderada, tendoem vista a diferena entre os ordenamentos jurdicos brasileiro e alemo nesse aspecto -descreve, para alterar a definio de relao administrativa, aquelas situaes em que oparticular exerce um Direito seu relativamente a outro particular, mas por intermdio dafuno administrativa, hipteses em que no h6 uma contrllpOSi4o direta de Interesses, masvios interesses envolvidos, como, por exemplo: a pretenso de impugnar ou de suspender,em favor do particular, uma autorizao administrativa anteriormente concedida ou a obten-io de uma medida administrativa qualquer em face de outro particular (particular x particu-lar x Estado). Sobre essa questo, no Direito Tributrio alemo, ver: ECKHOFF, Rolf. Vomkonfrontativen zum kooperativen Steaerstaat. Steuer und WirtschAft, 2/1996, pp. 107 55., 110,111.o DlRflTO PBlICO EM TEMf'OS DE aasE 123Estudos em homenqem . Ruy Ruben RufdteI

  • reios, mdia eletrnica, as quais no revelam tanto relaes antinmicas,mas uma coordenao recproca entre vrios interesses), novos conceitosbasilares do Direito Administrativo (resultado da modificao de titularesdos servios: como fica a definio de servio pblico sem ter como titularo Estado, como fica a proteo de interesses numa sociedade pluralista ediversificada), Direito Administrativo multipolar (decorrncia dos vriosinteresses envolvidos: individuais, sociais, de grupos, etc.).91

    Em vez de uma relao bipolar, esclarece Schmidt-Preuss sobre arelao administrativa, .. direciona-se esta para aforma de 'relaes admi-nistrativas poligonais', nas quais direitos subjetivos se defrontam entre si( .. untereinander in Frontstellung stehen "). A seguir aumentam as vozes quepartem da orientao global do Direito Administrativo baseada na relaobipolar-c1ssica Estado-cidado e de seus decorrentes limites para referi-rem-se compreenso de relaes multi-pessoais" .92 A contraposio deambos os interesses no ocorre nesses casos, muito menos, e por conseqn-cia, uma relao de prevalncia. Com razo Hliberle: "A diferenciao dasatuais relalJes de interesses pblicos e privados apresenta profundastransformaes. Do desenvolvimento do primado do interesse pblico (u.)est o Judicirio a reforar os interesses privados para uma ponderaodiferenciada, orientada para o caso particular e para a constituio. A'jurisprudincia do bem particular' (" Privatwohlrechtsprechung") toma-se uma parte - indireta - da 'jurisprudincia do bem comum' ("Gemein-wohlrechtsprechung ") ".93

    91 SCHMIDT-ASSMANN. Eberhard. Das allgemeine ,v' als Ordnungsidte: Grun-dLrgtn u'"' Atifg8bm tkr tIml1/Jlhlngsrtchtlidten Systembildung. BerUn u.a.. Springer. 1998. pp.26. 27. 57, 129, 131.92 SCHMIDT-PREUSS. MattJas. Kollidinmdt PriwrtintntSSnJ im ViifJmtliclle RtchJ im multipolllrm VtrWIIlhlngsrtdltsvuhilltnis. Berlin.1992, p. 17.93 HBERLE, Peter. Offtntliches lnttrtSSt ais juristischtS Problem. Bad Homburg. Athenlum,1970.p.726.N SCHMIDT-PREUSS, Matthias. Kollidinmdt PriwrtinttrtSStll im Vtl'Wllltungsrtcht: W subjttiwlJfftntliclle Rtcht III multipoz.rm VtrWIIltungsrhtswrhilltnis. Berlin, Duncker und Humblot,1992. p. 174.

    1 24 Humbetto 8ergmann vila

    ~

    Se ambos os interesses no podem ser verificados separadamente. seuma relao unitria bipolar entre Estado e cidado no mais possui osignificado fundamental no sistema jurdico interno, torna-se impensvelum postulado explicativo do Direito Administrativo que seja baseado nasupremacia do interesse pblico sobre o particular. O conhecimento doDireito Administrativo no se submete a essa condio.

    Por fim, importante lembrar que" o" interesse pblico no deter-minvel objetivamente. H muitas dificuldades para a determinao dosignificado de interesse: ele representa, antes de tudo, um fenmenopsquico, cuja descrio deve ser necessariamente feita com referncia aoordenamento jurdico. Igualmente a expresso pblico. A esse respeitoMartens: "No Estado Constitucional. Democrtico silo fundamentalmenteas normas constitucionais que regulam quais interesses devem. nos seuspormenores, ser seguidos como interesses do Estado e como isso devesuceder, e isso ser necessariamente determinado pelo legislador nos limi-tes por elas estabelecidos. Sem essajuridicizailo ("Verrechtlichung") pormeio da Constituiilo e das leis , tambm na democracia, juridicamenteirrelevante invocallo a interesses pblicos e talvez adequado para afundamentailo de exiglncias polftico-jurldicas, cujos contedos orientam-se por objetos de interesse e por isso podem ser tilo multiformes quantoesses".9S

    A possibilidade de uma definio abstrata mnima sem o recurso concretizao das normas constitucionais apresenta-se da mesma formaquestionvel.96 A mesma dificuldade apresenta-se na aplicao das normas.

    Seria possvel descrever os interesses pblicos como finalidades ad-ministrativas diacronicamente diferenciadas e normativamente limitadas.Dito de outro modo: tentar-se-ia explicar um princpio unitrio a ser deter-minado no caso concreto, e no uma regra de prevalncia relacionada ainteresses privados.97 Em vez de um "princpio de prevalncia" . seria va-lorada a importncia do bem comum, o qual, porm, estaria intimamenterelacionado com os objetivos estatais, com as normas de competncia, como contedo dos atos administrativos e com os direitos fundamentais.98

    Rht5IJegrif!tl'Wllltungsrteht

    o DlRSTO PBlICO EM TEMPOS DE caiR 125Estudos "" ~ a Ruy Ruben lWheI

  • IResta, ao final, questionvel, se a sua descrio terica ser ou poderiaser til para a descrio e explicao do Direito Administrativo. Esta seriauma questo a ser respondida na teoria geral do Direito Administrativo. Noaqui.

    6.5. CONCLUSES

    Em face de todo o exposto - e assim passamos concluso -, enten-demos que o .. princpio da supremacia do interesse pblico sobre o priva-do" no , rigorosamente, um princpio jurdico ou norma-princpio:

    1- conceitualmente ele no uma norma-princpio: ele possui apenas/ um grau normal de aplicao, se!'l qualquer referncia s possibilida-

    des normativas e concretas;- normativamente ele no uma norma-princpio: ele no pode serde~crito como um princpio jurdico-constitucional imanente;- .ele no pode conceitualmente e normativamente descrever uma rela-o de supremacia: se a discusso sobre a funo administrativa, nopode "0" interesse pblico (ou os interesses pblicos), sob o nguloda atividade administrativa, ser descrito separadamente dos interessesprivados.

    - ele no pode ser descrito separada ou contrapostamente aos interessesprivados: os interesses privados consistem em uma parte do interessepblico;

    concre

    126

    unidade da reciprocidade de interesses, o qual i~lic_a._uma pnnciplal pond~ra.o entre interesses rp.dl'rnr.amp.nte rP.1acionadns (interligados) funda-m~nta_da Da sistemati7aio..dauumnu co_~~titucionais:~~mo J~so deve serfeito, assunto para outra ()portunida4~-, . .. -_.--

    O esclarecimento-dos fatos na fiscalizao de t .do . .en~olvidos. pela administrao ou pelo Poder Jlldir.I~rio, a limitao daesfera privada dos cidados (ou cidados contribuintes). a preservaO dosigilo, etc. slo, todos esses casos. expmp]O5 d,. Sltividades administratiY1isque no podem ser ponderadas p.m fSlvor do intPr~ue pbHrn e em detri-

    , pnme..nto dos interesses privados envolvidos. A pondera o deve 'meiro,detenmnar U81S os ns e as normas a eles aplicveise rar reservar e proteger, ao Imo s.Caminho bem diverso, portanto, o que direclonar, de antemlo a inte re-ta 10 as re ras a mmlstrativas em avor o mteresse 11 lico o ue uerque isso possa vIr a slgm Icar.- No se est a negar a importncia jurdica do interesse p11blico. Hreferncias positivas em relao a ele. O que deve firllf claro. portn. ~ qlJe,mesmo nos casos em que ele leeitimll l1mll SItuao e~tlltllJ restritiva espec-fica;deve haver uma DOnder~o relativam:~e :~~~:~:~~~~ ~medida de sua restrilo. essa ponderao para atribuir mshimll rellliuoaosdireltos envolvidos o crittS.rin cler.i~ivn para a IItl1l1n administrativa. Eantes que esse critrio seja delimitado. no h cogitar ~nhre 11 referidasupr.emacia do interesse p11blico sobre o particular.

    O objetivo desta anlise crtica do "princpio da supremacia do inte-resse p11blico sobre o particular" apenas iniciar a discusso doutrinria ejurisprudencial sobre o tema, curiosamente inexpressiva. No tem por fina-lidade - nem o poderia - renegar a grandiosa contribuio dos mestrescitados, mas, antes, prestar a homenagem da reflexo sobre suas valiosaslies.

    no

    127Humberto Bergmann vila