Hospital Terapeutico

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    DO HOSPITAL TERAPUTICO AO HOSPITAL TECNOLGICO

    Encontros e Desencontros na Arquitetura Hospitalar

    A histria do edifcio hospitalar, apresentada a seguir, se detm,principalmente, no perodo compreendido entre o surgimento doconceito de hospital teraputico, em meados do sculo XVIII, e osurgimento do hospital tecnolgico,no sculo passado, confrontandoas mudanas do papel do hospital em relao sociedade e asocorridas em sua escala e morfologia com as conquistas sociais,tecnolgicas e teraputicas deste perodo.

    A primeira verso deste texto integra os Anais do III Frum deTecnologia Aplicada Sade - Arquitetura Hospitalar e EngenhariaClnica, realizado em Salvador, Bahia, no ano de 2002, disponvel emCD.

    1. AS PRTICAS MDICAS

    No perodo que se estende da Antigidade Idade Mdia, a assistncia aos enfermos eraprestada em carter oficial por sacerdotes das ordens religiosas ou por leigos quepraticavam uma espcie de medicina popular,que tinha por locuso mercado, os arredoresdos templos ou qualquer outro lugar onde a multido se reunia para assistir ao espetculoda extrao de um dente ou da amputao de um membro gangrenado. A medicina oficial,por sua vez,se desenvolvia no interior dos mosteiros ou em anexos construdos com estafinalidade, sempre como atividade secundria s obrigaes de carter religioso eassistencial, que constituam o objetivo principal das ordens religiosasi.

    Estes hospitais tinham como misso dar conforto espiritual e assistncia aos pobres eenfermos ali internados. Os procedimentos de carter curativo raramente eram praticados,j que na realidade tais hospitais funcionavam como estrutura de separao e excluso, dospobres e dos enfermos, minimizando eventuais riscos sociais e epidemiolgicos.

    O hospital permanece com essas caractersticas at o comeo do sculoXVIII e o Hospital Geral, lugar de internamento de onde se justapem e semisturam doentes, loucos, devassos, prostitutas etc., ainda, em meadosdo sculo XVII, uma espcie de instrumento misto de excluso, assistnciae transformao espiritual, em que a funo mdica no aparece(Foucault, 1979: 102).

    2. O SURGIMENTO DO HOSPITAL TERAPUTICO

    Somente a partir do sculo XVIII, quando a doena passa a ser reconhecida como fatopatolgico (Mignot,1983: 224), formou-se o conceito de hospital teraputico, considerado porMichel Foucault, em sua clebre conferncia sobre o nascimento do hospital, como umainveno relativamente nova...(Foucault, 1979: 99).

    Nesse contexto as questes funcionais e espaciais tornam-se mais importantes,contribuindo para aperfeioar os processos projetuais das edificaes hospitalares. Assim, a

    partir do sculo XIX tanto a arquitetura hospitalar como a prisional passam a produzirlayouts de vis racionalista, que transpem para o espao os detalhados programasfuncionais elaborados no final do sculo XVIII (Mignot, 1983: 213).

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    A noo de que o hospital pode e deve ser um instrumento destinado a curar aparececlaramente em torno de 1780, com o surgimento de uma nova prtica: a visita e aobservao sistemtica e comparada dos hospitais (Foucault, 1979: 99).

    At ento, a medicina no constitua uma prtica hospitalar. Em 1680, a visita mdica ao

    Htel-Dieu (fig.1), o maior hospital de Paris, era feita apenas uma vez por dia, freqnciaque s iria se intensificar no sculo seguinte.

    As consultas eram feitas nas moradias e os enfermos encaminhados aos hospitais somentenos casos de serem portadores de doenas contagiosas ou de oferecerem algum outro tipode risco para a sociedade. Uns e outros para morrer.

    A partir de 1775, passam a ser feitas pesquisas sistemticas em hospitais europeus, peloingls John Howard, que tambm pesquisaria prises e lazaretos, e pelo francs Tenon,convidado pela Academia de Cincias a estabelecer um novo programa hospitalar para oHtel-Dieude Paris, parcialmente destrudo por um incndio (Foucault, 1979: 99).

    Os resultados desses estudos revelaram a precariedade das unidades hospitalarespesquisadas e, pela primeira vez, chamaram a ateno para a relao existente entre oespao hospitalar e as elevadas taxas de mortalidade dos pacientes.

    As pesquisas, alm de fornecerem um diagnstico das unidades, indicavam novos rumospara o edifcio hospitalar, contribuindo para a formulao de um programa de reforma ereconstruo baseado no que havia de melhor entre os hospitais pesquisados.

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    As cinco memoiresfeitas por Tenon para a Academia de Cincias,iiapsum exaustivo e pioneiro inqurito sobre as condies de funcionamentodos hospitais da Frana e Inglaterra, delineiam os princpios que, ao longode todo o sculo XIX e pelo menos at a dcada de 1920, presidiram aarquitetura hospitalar - longos pavilhes paralelos, ordenados de maneiraregular, segundo diversos sistemas de simetria (Benchimol, 1990: 190).

    Sendo Tenon um mdico e Howard um filantropo com competncia sociomdica(Foucault,1979: 101), seus relatrios no se detinham nos aspectos formais das edificaes visitadas,e sim nas suas caractersticas funcionais, levantando o nmero de pacientes, a quantidadede leitos, a rea e a altura das enfermarias, a cubagem de ar por paciente e comparandoestes dados s taxas de mortalidade e de alta (fig.2).

    Assim, estas taxas so pela primeira vez relacionadas questes espaciais, apontando-secomo causas possveis de contaminao a proximidade entre determinadas reasfuncionais, tais como enfermarias de feridos e de parturientes, e a ocorrncia de fluxos demateriais contaminados, como roupas, lenis e panos utilizados como bandagens.

    Segundo Foucault, a arquitetura passa a ser considerada como um elemento fundamentalpara a criao de um ambiente hospitalar adequado ao processo de cura:

    A arquitetura hospitalar um instrumento de cura do mesmo estatuto queum regime alimentar, uma sangria ou um gesto mdico. O espaohospitalar medicalizado em sua funo e em seus efeitos. Esta aprimeira caracterstica da transformao do hospital no final do sculoXVIII (Foucault, 1979: 109).

    Os grandes hospitais com milhares de leitos, nos quais portadores de doenas contagiosas,feridos e mulheres grvidas ocupavam enfermarias contguas, so condenados, suscitandonovas propostas, entre as quais a separao dos pacientes segundo suas patologias e aconstruo de hospitais com menor nmero de leitos, ou ainda dedicados ao tratamento deum nico tipo de enfermidade.

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    O hospital especializado , portanto, uma resposta do sculo XIX s questes levantadas nosculo anterior. Em Londres, por exemplo, a partir de 1800, so criados hospitaisespecializados em Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Doenas do Trax, Cncer eOrtopedia (Pevsner, 1976: 186; Mignot, 1983: 231).

    Os hospitais com partido em bloco (inspirados nos antigos templos romanos) e em cruz soconsiderados inadequados, propondo-se, como alternativa, um novo modelo hospitalar: ohospitalpavilhonar(fig. 3 e 4), tido como soluo arquitetnica ideal, numa poca em que ostrabalhos de Pasteur (1864) sobre o papel das bactrias como agente de enfermidades e osde Kock (1876) sobre os perigos do contgio indicavam o isolamento dos pacientes comenfermidades potencialmente contagiosas.

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    Nessa poca, as pesquisas desenvolvidas por Lister sobre a aplicao de cido carblico naassepsia das feridas no haviam sido ainda incorporadas s prticas mdicas,permanecendo restritas ao campo cirrgico (Campos, 1950: 51). Somente mais tarde estesensinamentos seriam aplicados s demais reas da edificao hospitalar, atravs derigorosos procedimentos antisspticos (Mignot, 1983; Pevsner, 1976)iii.

    Apesar destas novas descobertas, os miasmasainda eram, por muitos, considerados como

    os principais responsveis pela contaminao hospitalar, como podemos constatar pelosinmeros tratados e publicaes sobre o temaiv e por inovaes tecnolgicas, como asdesenvolvidas pelo engenheiro Casimir Tollet (1892), que prope uma nova soluo para arenovao do ar das enfermarias, projetando-as com paredes em arco, numareinterpretao racionalista da arquitetura gtica, como escreveria Mignot (1983: 229)(fig.5).

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    A contribuio dada por Tollet arquitetura hospitalar incluiria ainda o projeto e a construode inmeros hospitais na Frana, Itlia e Espanha e a publicao de um dos mais

    importantes tratados sobre a arquitetura hospitalar de seu tempo: Les difices hospitaliersdepuis leur origine jusqu'a nos jours.

    O livro de Casimir Tollet (1892), assim como Hospitals and asylums of the world,de autoriade Henry C. Burdette (1891), fazia uma ampla reviso da arquitetura hospitalar, levantandoas caractersticas fsicas das unidades hospitalares, estudando de forma sistemtica oespaamento das camas, as condies de insolao e ventilao das alas, as instalaesde calefao, a circulao do ar, custos por paciente e coeficientes de mortalidade, ecomparando os resultados obtidos com parmetros internacionais.

    Segundo Mignot (1983:224), o prottipo do modelo pavilhonar foi o Hospital Naval de

    Stonehouse, prximo a Plymouth, desenhado por Rovehead em 1760, com seus pavilhesdispostos em torno de um grande ptio central (fig.6).

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    Outras propostas pavilhonares notveis foram feitas para a reconstruo do Htel-DieudeParis, entre as quais destacaram-se o projeto de Le Roy em 1773 (fig.7) e o de BernardPoyet em 1786 (fig.8 e 9), que propunha a adoo de uma variante radial do modelopavilhonar, com 16 pavilhes capazes de abrigar 5.000 leitos.

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    A consolidao do modelo pavilhonar, na Europa, dar-se-ia no sculo XIX, com a construodo HospitalLaribosirede Paris, projetado por Gauthier em 1839 com capacidade para 905leitos dispostos em pavilhes com 32 leitos v.

    A defesa do modelo pavilhonar na Inglaterra feita, entre outros, por Florence Nightingale,cujas idias revolucionrias sobre as tcnicas de enfermagem, na segunda metade dosculo XIX, ajudariam a reduzir drasticamente as taxas de mortalidade nos hospitais vi.

    Na mesma poca em que o sistema pavilhonar se consolidava na Europa como a formamais perfeita da arquitetura hospitalarvii, na Amrica do Norte o modelo comeava a sersubstitudo por um novo paradigma: o partido arquitetnico de bloco compacto, com vriospisos, tambm conhecido como monobloco vertical.

    O novo modelo incorporava duas importantes inovaes tecnolgicas na construo deedificaes: o uso do concreto armado e de elevadores (Mumford, 1961; Foucault, 1979;

    Benchimol, 1990; Gordon, 1993).

    O domnio da tecnologia do concreto armado e a fabricao de elevadores com maiorvelocidade e capacidade de carga estimulavam a adoo de um partido vertical, capaz dediminuir de forma drstica os longos percursos impostos, principalmente aos mdicos eenfermeiras, pelos interminveis corredores dos hospitais pavilhonares.

    Essa tendncia reforada com a adoo de uma atitude proativa no controle dasinfeces, como tambm diante do questionamento, cada vez maior, da implantao depavilhes isolados, que seriam perfeitamente dispensveis diante de uma novacompreenso dos processos de transmisso das doenas viii.

    O novo partido arquitetnico permitia, ainda, significativas economias no que se refere construo do edifcio hospitalar e sua posterior operao, na medida em que no apenasracionalizava os sistemas de infra-estrutura, distribuio de alimentos, roupas etc., comoreunia, em unidades funcionais comuns, os servios de esterilizao, lavagem de roupa enutrio que anteriormente eram localizados em cada um dos pavilhes.

    O surgimento deste novo partido na Amrica do Norte se explica pelas crticas ao modelopavilhonar e, sobretudo, pelo desenvolvimento acelerado da tecnologia da construo, nopas que inventaria o arranha-cuix.

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    As principais crticas que se faziam ao partido pavilhonar referiam-se ao alto custo deimplantao deste modelo, por ocupar grandes reas de terreno. Uma outra desvantagemconsistia nos longos percursos que a soluo pavilhonar impunha no s aos funcionrios epacientes, como tambm s redes de infra-estrutura, fato que contribua para onerar tanto aconstruo como a operao da unidade.x

    Entre a primeira e a segunda guerra mundial, os hospitais de partido monobloco verticaleram, segundo Miquelin, nada mais que um empilhamento de enfermarias Nightingale, comum elevador ligando todos os andares.

    Construdos na dcada de 20, organizavam as funes hospitalares emcinco setores bsicos: no subsolo os servios de apoio, no trreo osconsultrios mdicos, o pronto atendimento e o servio de raios X (entochamado de eletromedicina), no primeiro andar o laboratrio e os serviosadministrativos, nos pavimentos intermedirios as reas de internao, noltimo o bloco operatrio. O sto era usualmente ocupado pelosresidentes mdicos e de enfermagem (Miquelin, 1992:54).

    3. O EDIFCIO HOSPITALAR NO BRASIL

    Na Amrica Latina, a primeira edificao erguida para funcionar como hospital foi construdapor Cortez, no Mxico, e, na Amrica do Sul, apenas o Peru precedeu o Brasil, construindoem 1538 um hospital em Lima.

    O Brasil foi, portanto, o segundo pas da Amrica do Sul a construir uma edificaodestinada exclusivamente a receber enfermos: o Hospital da Santa Cruz da Misericrdia deSantos, criado por Braz Cubas em 1543.

    Antes de serem construdas no Brasil, as Misericrdias j tinham se difundido por Portugale suas colnias, constituindo um verdadeiro sistema hospitalar, no obstante aindependncia administrativa e econmica de cada unidade. No Brasil, as Santas Casas daMisericrdia se estabeleceram, depois de Santos, nas capitanias provinciais, hoje estaduais.Estenderam-se depois pelo interior. rara a cidadezinha do interior que no possua a suaSanta Casa da Misericrdia (Campos, 1950: 54).

    A passagem, no Brasil, do modelo pavilhonar para o partido arquitetnico de monoblocopode ser visualizada numa mesma obra, a do engenheiro Luiz de Morais Jnior,primeiroprofissional em nosso pas a se especializar no projeto de unidades laboratoriais e

    hospitalares.

    Ao acaso deve-se, possivelmente, a direo que tomaria a atuao profissional desteengenheiro, nascido em Faro, capital da provncia portuguesa de Algarve, em 1868. Tendomigrado para o Brasil a convite do vigrio geral da Igreja da Penha, para executar obras dereconstruo e embelezamento externo (Benchimol, 1990:171), Luiz de Morais viria aconhecer Oswaldo Cruz durante viagens no trem da Leopoldina.

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    Luiz de Morais veio a ser o artfice no s do conjunto arquitetnicoedificado em Manguinhos, como de todas as instalaes criadas oureformadas com vistas modernizao dos servios de sade pblica noRio de Janeiro. Durante os sete anos em que Oswaldo Cruz permaneceu frente da DGSP (1903-1909) e os quinze em que dirigiu o instituto batizadocom o seu nome (1902-1917), Luiz de Morais Jnior pde acumular umaexperincia notvel num campo muito especializado da construo civil: odas edificaes laboratoriais, sanitrias e hospitalares (Benchimol,1990:173).

    Nos projetos executados para o Departamento Geral de Sade Pblica (DGSP), em quereformava unidades existentes ou projetava novos estabelecimentos de assistncia sade,Luiz de Morais adotava o que havia de mais avanado nos centros europeus em termos dearquitetura sanitria e hospitalar.

    Seus primeiros projetos incorporaram s antigas regras da arquiteturapavilhonar, codificada em fins do sculo XVIII, o saber e a tecnologiamdica oriundos da revoluo pasteuriana. Combinam o gosto e o apuroesttico, predominantes em sua poca, na distribuio dos volumes efachadas, com a mais rigorosa funcionalidade na distribuio interna dosespaos, estruturados de modo a funcionarem como dispositivosneutralizadores do contgio e propiciadores da cura. Suas ltimasconstrues hospitalares, posteriores a 1930, j obedecem a uma lgicamdica e a parmetros formais e construtivos inteiramente diversos: almde se terem modificado as noes sobre contgio das doenasinfecciosas, a complexidade das prticas e tecnologias mdico-teraputicas j no se coaduna com os modelos clssicos de arquiteturapavilhonar, gestados na Europa. Estes hospitais incorporam, ento, as

    normas construtivas desenvolvidas nos Estados Unidos, precursores dasconstrues verticais, em monobloco, utilizando o concreto armado(Benchimol, 1990: 189).

    No Brasil, o monobloco vertical, atravs de uma de suas variantes, em que o bloco vertical construdo sobre uma placa horizontal que lhe serve de base, ir se tornar dominante notrao modernista de arquitetos como Rino Levi e Roberto Cerqueira Cesar (fig.10 e 11),Oscar Niemeyer e Helio Ucha (fig.12), Ari Garcia Rosa (fig.13, 14 e 15), Jorge Moreira (fig.16), Jorge Moreira e Aldary Toledo (fig.17 e 18), Oscar Waldetaro e Roberto Nadalutti(fig.19 e 20) xi.

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    Oscar Waldetaro e Roberto Nadalutti, juntamente com Jarbas Karman, talvez o maiorespecialista brasileiro em arquitetura hospitalar, daro uma importante contribuio,

    divulgando e incorporando em seus projetos os conhecimentos adquiridos em curso deespecializao feito em 1952 no Public Health Servicena Division of Hospitals Facilities, emWashington.

    A qualidade projetual desses arquitetos e de profissionais como Joo Carlos Bross, Pompeude Souza, Irineu Breitman, Siegbert Zanettini, entre outros, decorreria no s de um amplodomnio do projeto arquitetnico, como tambm de um profundo conhecimento das questestcnico-operacionais das unidades projetadas, especialmente no que se refere infra-estrutura e gesto hospitalar.

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    Ao encerrar esta breve histria, no poderamos deixar de destacar a importncia doarquiteto Joo Filgueiras Lima para o desenvolvimento da arquitetura hospitalar brasileira(fig.21). Falar da obra de Lel e, particularmente, de sua produo no campo da arquiteturahospitalar no tarefa fcil, j que a anlise de cada um de seus projetos remete-nos a umavariedade de temas de interesse dos arquitetos, mas que se afastam do objeto desteartigo.xii

    Assim, mesmo correndo o risco de deixar de lado aspectos fundamentais de sua obra,preferimos concentrar nossa ateno em um ponto que julgamos central: o fato de Lelprojetarhospitais feitos para curar.

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    4. CONCLUSO

    A anlise do desenvolvimento hospitalar a partir do conceito de hospital teraputicopermiteconcluir que, com a adoo do monobloco vertical, ocorreu uma certa ruptura da sinergia

    que at ento parecia existir entre as prticas mdico-hospitalares e o espaoarquitetnicoxiii, fazendo com que o conceito de hospital teraputico, desse lugar ao dehospital tecnolgico.

    No se trata, aqui, de condenarmos o monobloco vertical, partido que mostrou-se vantajosoem inmeros aspectos e sim de mostrar que a adoo do monobloco vertical coincidiu como surgimento de procedimentos ativos de assepsia muito mais eficientes, que colocaram emsegundo plano as barreiras fsicas, to importantes no modelo pavilhonar.

    A partir da incorporao dessas novas prticas o espao hospitalar ir perder, cada vezmais, sua importncia para o processo de cura, passando a ser considerado, at h bem

    pouco tempo, um mero suporte fsico das prticas curativas que ali se desenvolvem.

    Na contramo deste processo situa-se a obra de Joo Filgueiras Lima, que, a nosso ver,surge como a grande contribuio da arquitetura contempornea arquitetura hospitalar,podendo ser considerada, em todos os sentidos, paradigmtica.xiv

    Ao projetar hospitais feitos para curar, Lel devolve ao edifcio hospitalar a capacidade decontribuir para o processo de cura. Ao projet-los com esta finalidade, resgata um objetivoque surge no final do sculo XVIII e que no vem sendo enfatizado por boa parte daarquitetura hospitalar contempornea.

    4.1 Explicao Necessria

    Esta afirmao, que pode soar como sendo severa demais, merece uma explicaocuidadosa. o que procuraremos fazer a seguir.

    A histria nos ensinou que o partido pavilhonar, surgido no sculo XIX e at hoje utilizadoem um grande nmero de edificaes hospitalares, foi gerado a partir de uma crtica radicalaos procedimentos mdicos e de enfermagem ento adotados, assim como s edificaesonde estas atividades eram praticadas (Foucault, 1979).

    A anatomiaxv

    do hospital pavilhonar reflete a preocupao de seus projetistas em garantiruma maior proteo aos enfermos, internando-os em enfermarias isoladas em pavilhes,como tambm em proporcionar aos pacientes uma integrao maior com a natureza,atravs dos ptios ajardinados situados entre os pavilhes ou das imensas janelaslocalizadas junto aos leitos em ambos os lados das enfermarias, como recomendavaFlorence Nightingale.

    As solues arquitetnicas adotadas no modelo pavilhonar propiciavam melhores condiesde iluminao e ventilao naturais, reconhecendo a ao profiltica dos raios solares e docontato direto com o meio ambiente.

    Tais preocupaes vo sendo esquecidas na medida em que um novo partido, o monoblocovertical,passa a preponderar e a incorporar as novas tecnologias de condicionamento de are exausto mecnica, que permitem um total controle do clima no ambiente hospitalar.

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    Nestes hospitais, o relgio biolgico dos pacientes, e da prpria equipe de sade, deixa defuncionar visto que, em muitos de seus setores funcionais, o ciclo natural entre o dia e anoite simplesmente deixa de existir devido eliminao do contato direto com o exterior.

    Nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), por exemplo, era comum at pouco tempo

    atrs a ausncia de janelas, o que fazia com que os pacientes, expostos a longos perodosde iluminao artificial, fossem privados da noo da passagem do tempo, situao quecontribua para o surgimento de sintomas de desorientao e depresso.

    No podemos esquecer que o isolamento parcial ou total recomendvel, ou at mesmoindispensvel, em inmeros ambientes hospitalares, mormente naqueles em que soelaborados procedimentos invasivos, como nas salas cirrgicas, que exigem elevadascondies de assepsia para sua realizao.

    Nesses locais os cuidados com o controle da qualidade, presso e temperatura do ar, assimcomo dos nveis de iluminao, somam-se implantao de barreiras fsicas atravs de

    vestirios de barreira e pr-psxvi

    e adoo de um rgido controle dos procedimentos.

    Em outras reas funcionais, como nas unidades de imaginologia e traados grficos ocontrole da incidncia da iluminao natural torna-se fundamental para evitar possveisinterferncias na leitura dos aparelhos.

    Se nessas reas a entrada de luz natural deve ser controlada, ou at mesmo evitada, emoutras, sua presena e o contato com a natureza so fatores importantes para a diminuiodo stressdos pacientes, seus acompanhantes e da equipe de sade.

    No entanto, a qualidade ambiental, sempre colocada em segundo plano, pouco podeoferecer ao chamado hospital tecnolgico, com seus ambientes artificialmente controlados,ridos e, at mesmo, agressivos, onde todo o destaque dado parafernlia tecnolgicacrescente, indispensvel medicina que cada vez mais se ocupa da doena em detrimentodo doente, como denuncia Alosio Campos da Paz xvii(fig. 22).

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    Nesses hospitais, os pacientes devem permanecer (felizmente) o menor tempo possvel, deforma a que sejam evitadas as infeces hospitalares provocadas por bactrias cada vez

    mais resistentes aos antibiticos e aos produtos de limpeza.

    As tentativas de humanizao do atendimento hospitalar podem ser encaradas como umareao recente hegemonia do hospital tecnolgico e vm sendo levadas a efeito comdiferentes graus de profundidade e abrangncia:

    Primeiramente, pela prpria negao do hospital tradicional, em prol dos hospitaisdiaeda utilizao crescente das tcnicas de home-care, mediante as quais as facilidadestecnolgicas, anteriormente restritas ao ambiente hospitalar, so levadas s residncias dospacientes.

    Pelo surgimento de diversos movimentos que propem a humanizao do ambientehospitalar, melhorando as condies de conforto para pacientes e acompanhantes, oraatravs de uma maior ateno s reas de espera, consultrios, enfermarias e descanso defuncionrios, ora pela adoo de tratamentos arquitetnicos diferenciados, inclusive no quese refere ao uso das coresxviii, especialmente nos hospitais infantis, maternidades e hospitaisgeritricos, nos quais os espaos comeam a ser tratados de forma a reproduzir, sempreque possvel, o ambiente familiarxix.

    Finalmente, em um outro patamar, estariam algumas poucas propostas que defendem paraa edificao hospitalar um papel mais relevante no processo de cura de seus pacientes,buscando uma maior integrao entre as prticas e procedimentos mdicos e os espaos

    que lhes so reservados.

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    justamente neste nvel que se situa a contribuio prestada por Joo Filgueiras Lima paraa arquitetura hospitalar contempornea, principalmente quando consideramos os hospitaisespecializadas em medicina do aparelho locomotor, projetados para a Rede SARAH.

    4.2 Feitos Para Curar

    A Rede SARAH, a quem Lel tem se dedicado nos ltimos 30 anos, uma instituiopblica voltada para a ortopedia e reabilitao do grande incapacitado fsico e para otratamento de deformidades, traumas, doenas e infeces do aparelho locomotor.

    Os pacientes atendidos em suas unidades demandam cuidados especializados e intensivos,para os quais so formadas equipes multidisciplinares que atuam, conjuntamente, em todasas fases da reabilitao para atingir um dos objetivos da instituio: a melhoria de suaqualidade de vida.

    No tratamento desse tipo de clientela a edificao hospitalar tem uma grande importncia,podendo estimular a recuperao motora do paciente, como ocorre nos hospitais projetadospor Lel, ou, pelo contrrio, inibi-la, como comum acontecer em edificaes repletas debarreiras arquitetnicas.

    A interao entre os procedimentos mdicos e a arquitetura dos hospitais da Rede SARAHpode ser melhor compreendida quando percebemos a importncia que tm as soluesespaciais criadas por Lel para as praticas mdicas que so desenvolvidas nas unidades daRede. Destas prticas, talvez a mais interessante a que estimula os pacientes a trocaremde enfermaria a cada estgio de recuperao alcanado. Nos hospitais da Rede, todos ospacientes, inclusive os que apresentam srias dificuldades de locomoo, esto sempre emmovimento, deslocando-se pelo hospital no s para o banho de sol dirio e para as sees

    de fisioterapia como tambm para trocar de enfermaria medida que superam suas prpriasdificuldades (fig. 23-26).

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    A mesma sintonia entre o projeto da edificao e as prticas mdicas desenvolvidas noshospitais da Rede pode ser tambm observada nas peas de mobilirio e nos equipamentoshospitalares, muitos dos quais desenvolvidos pelos funcionrios do SARAH e desenhadospelo prprio Lel.

    Uma outra caracterstica extremamente importante desses hospitais o conforto ambientalque proporcionam aos usurios, dada a adequao de seus projetos ao clima tropical.

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    Neles, solues arquitetnicas de grande simplicidade garantem melhores condies deconforto trmico, atravs do controle dos raios solares, feito por meio de sheedse brises, eda permanente renovao do ar, obtida de forma extremamente engenhosa e eficiente, apartir da tiragem natural do ar aquecido por meio de dutos e, no caso dos hospitaisconstrudos no Nordeste, pela captao e resfriamento da brisa constante, tpica destaregio. O uso de ar-condicionado limita-se s reas onde este se faz absolutamentenecessrio, como no centro cirrgico e no setor de imaginologia.

    O estudo da arquitetura hospitalar de Joo Filgueiras Lima, profundamente comprometidacom o bem-estar de seus usurios, abre, sem dvida alguma, um amplo espao de reflexosobre a necessidade de a edificao hospitalar voltar a contribuir de uma forma mais efetivapara o processo de cura.

    NOTAS

    iAs cruzadas, determinando grandes deslocamentos de massas humanas, acarretaram centros de repouso e tratamento. Os

    conclios catlicos impuseram aos bispos a obrigao de recolherem os doentes em suas dioceses. O 4 Conclio deCartagena ordenou que hospitais fossem edificados ao lado da Igreja. A feio religiosa das organizaes hospitalares

    cresceu nos sculos XII e XIII. Os frades aprendiam a arte de curar e a exerciam primeiro na casa e depois fora dosconventos, atendendo ao chamado de clientes.

    A medicina tomou, portanto, o carter monstico. Os conclios comearam a se preocupar com esta atuao corporal queprejudicava a espiritual. O de Clemont, em 1130, e o de Letrau, em 1139, proibiram aos monges e cannicos regulares oexerccio da medicina (Campos, 1950: 48,49).

    iiA questo hospitalar colocada em evidncia na Frana, no final do sculo XVIII, pelo debate suscitado pela reconstruo

    do Htel-Dieu, o mais antigo hospital parisiense parcialmente destrudo por um incndio em 1772. Nos quinze anossubseqentes acumularam-se mais de duzentas memrias e projetos de reconstruo, conformando o testemunho escrito

    mais denso que se conhece sobre a formulao de um programa, o que distingue o hospital de outros equipamentosmodernos, cuja origem nem sempre se pode determinar de maneira to precisa. Um dos principais protagonistas da

    formulao desse programa foi a Academia de Cincias de Paris convocada a opinar sobre os projetos de reconstruo,submetidos a uma comisso formada por Lassone, Daubeton, Bailly, Lavoisier, Laplace, Coulomb, D'Arcet e Tenon

    (Benchimol, 1990:189-190).

    iiiJ em 1865 o cirurgio escocs Lister defende procedimentos antisspticos baseados nos excelentes resultados daaplicao dos trabalhos de Pasteur na Teoria dos Germes. Desde que estes procedimentos fossem adotados, Listerconsiderava secundria para a qualidade do tratamento a discusso da forma arquitetnica e do nmero de pavimentos do

    hospital (Miquelin, 1992: 53).

    ivEste tema, que continua atual diante da necessidade de se estabelecer critrios para a utilizao de sistemas artificiais de

    renovao e condicionamento do ar em unidades hospitalares, desenvolvido por diversos estudiosos na segunda metade dosculo XVIII. Neste sentido, Nikolaus Pevsner (1976) aponta o surgimento de inmeros livros e panfletos sobre a

    importncia da ventilao na edificao hospitalar, entre os quais o de Henri Louis Duhamel de Moreau Diffrents moyenspour renouveler lair des infermeries(1748), o de Stephen Hales Description of ventilators(1743) e o de Claude Leopold,

    de Gennet Nouvelle construction de chemines(1759).

    v

    Pevsner (1976) informa que, segundo Oschsner e Sturm, o Hospital Laribosire foi considerado como um dos planoshospitalares mais admirveis do mundo e que, segundo Klasen, criou uma nova poca para os edifcios hospitalares.

    viA enfermeira Florence Nightingale, em suas notas sobre hospitais, questionava a teoria dos miasmas. Baseada nas suas

    experincias na guerra da Crimia, ela sugeria que os defeitos dos hospitais existentes residiam principalmente na falta depadres adequados de iluminao e ventilao naturais, reas mnimas por leito, e na prpria superlotao. A partir de suas

    observaes sobre o sistema pavilhonar, Florence Nightingale estabeleceu as bases e dimenses do que ficou posteriormenteconhecido como enfermaria Nightingale": um salo longo e estreito com leitos dispostos perpendicularmente em relao s

    paredes perimetrais, um p-direito generoso e janelas altas entre os leitos de ambos os lados do salo garantiam ventilaocruzada e iluminao natural. As instalaes sanitrias ficavam numa das extremidades com ventilao nas trs faces dobloco. Locais para isolamento do paciente terminal, escritrio da enfermeira chefe, utilidades, copa e depsito ocupavam o

    espao intermedirio entre o salo e o corredor de ligao com outros pavilhes. Um posto de enfermagem implantado nocentro do salo, onde tambm ficava o sistema de calefao ou a lareira... A enfermaria Nightingale constitui-se no

    elemento mais importante e caracterstico da anatomia do hospital do fim do sculo XIX. Essa anatomia dividia as funesde internao, cirurgia e diagnsticos, consultrios para atendimento ambulatorial e de causalidades, administrao eservios de apoio em edifcios/ construes especficas e mais apropriadas a cada uso(Miquelin, 1992: 46).

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