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Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira Escola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma 47ª aula: Exame espiritual — 1º ano (grau de aprendiz) Textos complementares GEAEL Aula 47 — Entre muitas, a lição que fica: O maior dos milagres que Jesus operou, o que realmente lhe atesta a superioridade, foi a revolução que seus ensinamentos produziram no mundo, apesar da exiguidade dos seus meios de ação. A Gênese — Allan Kardec 56. Mas Maria (Madalena) permanecia fora, junto ao sepulcro, derramando lágrimas. E enquanto chorava, tendo-se abaixado para olhar dentro do sepulcro, – viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o outro aos pés. – Perguntaram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela lhes respondeu: É que levaram meu Senhor, e não sei onde o puseram. Tendo dito isto, voltou-se e viu Jesus de pé, sem contu- do saber que era Jesus. – Então Jesus lhe disse: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, pensando que fosse o jardineiro, disse-lhe: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: Maria. Logo ela se voltou e lhe disse: Rabboni, isto é: Meu senhor. – Jesus respondeu-lhe: Não me toques, porque ainda não subi para meu Pai; mas vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena foi então dizer aos discípulos que tinha visto o Senhor e que ele lhe tinha dito aquelas coisas (João, 20: 11-18). 57. Naquele mesmo dia, dois deles iam a caminho de um burgo chamado Emaús, distante sessenta estádios de Jerusalém, – conversando a respeito de tudo que se passara. – E aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam sobre isso, o próprio Jesus alcançou-os e pôs- se a caminhar com eles; seus olhos, porém, estavam tolhidos a fim de que não pudessem reconhecê-lo. – E ele lhes perguntou: De que faláveis ao caminhar, e por que estais tão tristes? Um deles, chamado Cleofas, tomando a palavra disse- lhe: És o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que se passou nos últimos dias! – Que foi? Perguntou ele. Responderam-lhe: A respeito de Jesus de Nazaré, que foi um poderoso profeta diante de Deus e diante do povo; e da maneira como os príncipes dos sacerdotes e nossos senadores o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. – Ora, esperávamos que fosse ele quem redimiria Israel, no entanto, depois disso tudo, já é o terceiro dia em que tais coisas se passaram. – É verdade que algumas das mulheres que estavam conosco nos surpreenderam, por que, tendo ido de madrugada ao seu sepulcro, – e não tendo encontrado seu corpo, vieram dizer-nos que anjos lhes apareceram e lhes disseram que ele está vivo. – E alguns dos nossos, tendo ido também ao sepulcro, encontraram todas as coisas como as mulheres lhes haviam dito; mas, quanto a ele, não o encontraram. Jesus disse-lhes então: Oh insensatos, cujo coração é lento em crer em tudo o que os profetas disseram! Não era preciso que o Cristo sofresse todas essas coisas e que assim entrasse na sua glória? – E, começando por Moisés, e passando por todos os profetas, explicava-

Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira · lho. Imediatamente abriram-se-lhes os olhos e eles o reconheceram; ele, porém, desapareceu da sua presença. Então, disseram

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Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de LimeiraEscola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma

47ª aula: Exame espiritual — 1º ano (grau de aprendiz)Textos complementares

GEAEL

Aula 47 — Entre muitas, a lição que fica:O maior dos milagres que Jesus operou, o que realmente lhe atesta a superioridade, foi a revolução que seus ensinamentos produziram no mundo, apesar da exiguidade dos seus meios de ação.

A Gênese — Allan Kardec

56. Mas Maria (Madalena) permanecia fora, junto ao sepulcro, derramando lágrimas. E enquanto chorava, tendo-se abaixado para olhar dentro do sepulcro, – viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o outro aos pés. – Perguntaram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela lhes respondeu: É que levaram meu Senhor, e não sei onde o puseram.Tendo dito isto, voltou-se e viu Jesus de pé, sem contu-do saber que era Jesus. – Então Jesus lhe disse: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, pensando que fosse o jardineiro, disse-lhe: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste e eu o levarei.Disse-lhe Jesus: Maria. Logo ela se voltou e lhe disse: Rabboni, isto é: Meu senhor. – Jesus respondeu-lhe: Não me toques, porque ainda não subi para meu Pai; mas vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.Maria Madalena foi então dizer aos discípulos que tinha visto o Senhor e que ele lhe tinha dito aquelas coisas (João, 20: 11-18).

57. Naquele mesmo dia, dois deles iam a caminho de um burgo chamado Emaús, distante sessenta estádios de Jerusalém, – conversando a respeito de tudo que se passara. – E aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam sobre isso, o próprio Jesus alcançou-os e pôs-se a caminhar com eles; seus olhos, porém, estavam tolhidos a fim de que não pudessem reconhecê-lo. – E ele lhes perguntou: De que faláveis ao caminhar, e por que estais tão tristes?Um deles, chamado Cleofas, tomando a palavra disse-lhe: És o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que se passou nos últimos dias! – Que foi? Perguntou ele. Responderam-lhe: A respeito de Jesus de Nazaré, que foi um poderoso profeta diante de Deus e diante do povo; e da maneira como os príncipes dos sacerdotes e nossos senadores o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. – Ora, esperávamos que fosse ele quem redimiria Israel, no entanto, depois disso tudo, já é o terceiro dia em que tais coisas se passaram. – É verdade que algumas das mulheres que estavam conosco nos surpreenderam, por que, tendo ido de

madrugada ao seu sepulcro, – e não tendo encontrado seu corpo, vieram dizer-nos que anjos lhes apareceram e lhes disseram que ele está vivo. – E alguns dos nossos, tendo ido também ao sepulcro, encontraram todas as coisas como as mulheres lhes haviam dito; mas, quanto a ele, não o encontraram.Jesus disse-lhes então: Oh insensatos, cujo coração é lento em crer em tudo o que os profetas disseram! Não era preciso que o Cristo sofresse todas essas coisas e que assim entrasse na sua glória? – E, começando por Moisés, e passando por todos os profetas, explicava-

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lhes o que a seu respeito fora dito em todas as Escrituras.Quando se aproximavam do burgo para onde iam, ele fez menção de seguir adiante. – Mas eles o forçaram a deter-se, dizendo-lhe: Fica conosco, porque é tarde e o dia já está declinando; e ele entrou com os dois. – Estando com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, deu-lho. Imediatamente abriram-se-lhes os olhos e eles o reconheceram; ele, porém, desapareceu da sua presença. Então, disseram um ao outro: Porventura nosso coração não ardia dentro de nós quando, pelo caminho, ele nos falava e nos explicava as Escrituras? – E na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém e viram que os onze apóstolos e os que permaneciam com eles esta-vam reunidos e diziam: o Senhor realmente res-suscitou e apareceu a Simão. –Então eles também contaram o que lhes acontecera no caminho, e como o haviam reconhecido ao partir o pão.Enquanto assim falavam, Jesus se apresentou no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco; sou eu, não tenhais medo. – Mas, na perturbação e no temor de que estavam tomados, eles julgaram estar vendo um espírito.E Jesus lhes disse: Por que estais perturbados, e por que surgem tantos pensamentos nos vossos corações? – Vede as minhas mãos e os meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; tocai-me e verificai, porque um espírito não tem carne, nem osso, como vedes que eu tenho. – Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés.Mas, como eles ainda não acreditavam, tão tomados de alegria e admiração estavam, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que se coma? Eles lhe apresentaram um pedaço de peixe assado e um favo de mel. – Ele comeu diante deles e, tomando os restos, deu-lhos dizendo: Eis o que vos dizia quando ainda estava convosco: que era necessário que tudo que de mim foi escrito na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos se cumprisse.Ao mesmo tempo, abriu-lhes a mente para que enten-dessem as Escrituras; – e lhes disse: É assim que está escrito, que o Cristo havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia; – e que em seu nome se pre-gasse a penitência e a remissão dos pecados em todas as nações, começando por Jerusalém. – Ora, vós sois testemunhas dessas coisas. – E vou enviar-vos o dom de meu Pai que vos foi prometido; mas por enquanto permanecei na cidade até serdes reves-tidos da força do Alto (Lucas, 24; 13-49).

58. Ora, Tomé, um dos doze apóstolos, chamado Dídimo, não estava com eles quando Jesus veio. – Os outros discípulos então lhe disseram: Vimos o Senhor. Mas ele lhes respondeu: Se eu não vir nas suas mãos a marca dos cravos que as atravessa-ram e se não puser meu dedo no buraco deixado por eles, e minha mão no furo do seu lado, não acreditarei.Oito dias depois, estando os discípulos ainda no mesmo lugar, e Tomé com eles, estando as por-tas fechadas, Jesus veio e pôs-se no meio deles, dizendo-lhes: A paz seja convosco. Disse em seguida a Tomé: Põe aqui teu dedo e

examina as minhas mãos; aproxima também a tua mão e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas fiel. – Tomé lhe respondeu: Meu Senhor e meu Deus! – Jesus lhe disse: Creste, Tomé, porque viste; bem-aventurados os que creram sem ter visto (João, 20: 20-29).

59. Depois Jesus manifestou-se de novo aos seus dis-cípulos junto ao mar de Tiberíades, e foi assim que se mostrou:Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná, na Galileia, os filhos de Zebedeu e mais dois dos seus discípulos estavam juntos. – Simão Pedro lhes disse: vou pescar. Disseram-lhe os outros: Também vamos contigo. Foram-se, então, e entraram numa barca; mas naquela noite nada apanharam.Ao amanhecer, Jesus apareceu na praia, sem que os discípulos percebessem que era ele. Jesus então perguntou-lhes: Filhos, tendes alguma coisa de comer? Responderam-lhe: Não. – Ele lhes disse: Lançai a rede do lado direito da barca e achareis. Eles a lançaram logo e já não podiam puxá-la, tão carregada de peixes estava.Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor. E Simão Pedro, ouvindo que era o Senhor, vestiu-se (pois estava nu) e jogou-se no mar. – E, como

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estavam a apenas uns duzentos côvados de distância da praia, os outros discípulos voltaram com a barca, puxando a rede cheia de peixes (João, 21: 1-8).

60. Depois disso, levou-os para Betânia; e, erguendo as mãos, abençoou-os; – e, tendo-os abençoado, separou-se deles elevando-se ao céu.Quanto a eles, após tê-lo adorado voltaram para Jerusalém, cheios de alegria; – e estavam continuamen-te no templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém. (Lucas, 24: 50-53).

61. As aparições de Jesus após a sua morte são narra-das por todos os evangelistas com detalhes circunstanciados que não permitem que se duvide da realidade do fato. Aliás, as aparições se explicam perfeitamente pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito, e nada de anômalo apre-sentam se comparadas aos fenômenos do mesmo gênero cuja história, antiga e contemporânea, oferece numerosos exemplos, sem excetuar a tangibilidade. Se observarmos as circunstâncias que lhe acompanharam as diversas apa-rições, reconheceremos nele, naqueles momentos, todas as características de um ser fluídico. Ele aparece ines-peradamente e do mesmo modo desaparece: é visto por uns e não por outros, sob aparências que não permitem que mesmo seus discípulos o reconheçam; mostra-se em recintos fechados, onde um corpo carnal não poderia penetrar; mesmo sua linguagem não tem a vivacidade da de um ser corpóreo; tem o tom breve e sentencioso peculiar aos espíritos que se manifestam dessa maneira. Em resumo, todas as suas atitudes têm alguma coisa que não é do mundo terrestre. Sua presença provoca, ao mesmo tempo, surpresa e medo; ao vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a mesma liberdade; sentem que ele não é mais humano.

Jesus mostrou-se, pois, com seu corpo perispirítico, o que explica que só tenha sido visto por aqueles a quem quis se mostrar; se estivesse com seu corpo carnal, qualquer um o veria, como quando estava vivo. Como ignoravam a causa primária do fenômeno das aparições, seus discípulos não se davam conta dessas particularidades, que provavelmente nem notavam; viam Jesus e o tocavam, para eles aquele devia ser seu corpo ressuscitado (cap. XIV, nos 14 e 35-38).

62. Enquanto a incredulidade rejeita todos os prodígios realizados por Jesus, aparentemente sobrenaturais, e, sem exceção, os considera lendários, o espiritismo dá, para a maioria deles, uma explicação natural; prova-lhes a possibili-dade, não somente pela teoria das leis fluídicas, mas por uma identidade com fatos análogos produzidos por uma infinida-de de pessoas das condições mais comuns. Por pertencerem, de certo modo, ao domínio público, tais fatos nada provam, em princípio, relativamente à natureza excepcional de Jesus.1

1 Os numerosos fatos contemporâneos de curas, aparições, possessões, dupla vista e outros, que estão relatados na Revista Espírita, e lembrados nas notas acima, apresentam, até nos mínimos detalhes, uma analogia tão impressionan-te com os que o Evangelho narra, que a semelhança dos efeitos e das causas fica evidente. Pergunta-se, então, por que o mesmo fato teria, hoje, uma causa natural, e outrora, sobrenatural; diabólica em uns, e divina em outros. Se tivesse

63. O maior dos milagres que Jesus operou, o que real-mente lhe atesta a superioridade, foi a revolução que seus ensinamentos produziram no mundo, apesar da exiguidade dos seus meios de ação.

Realmente, Jesus, obscuro, pobre, nascido na mais humil-de condição, no meio de um povo simples, quase desconhecido e sem preponderância política, artística ou literária, prega por três anos apenas; nesse curto espaço de tempo, ignorado e perseguido por seus concidadãos, chamado de impostor; é obrigado a fugir para não ser apedrejado; é traído por um dos seus apóstolos, renegado por outro, abandonado por todos no momento em que cai nas mãos dos seus inimigos. Só fazia o bem, e isso não o resguardava contra a maldade, que usava contra ele até mesmo os serviços que prestava. Condenado ao suplício destinado só aos criminosos, morre ignorado pelo mundo, porque a história contemporânea se cala a seu res-peito.2 Nada escreveu; contudo, ajudado por alguns homens obscuros como ele, sua palavra bastou para regenerar o mundo; sua doutrina aniquilou o paganismo todo-poderoso

e tornou-se o facho da civilização. Tinha contra si, portanto, tudo que pode fazer os homens fracassarem, por isso dizemos que o triunfo da sua doutrina foi o maior dos seus milagres, que prova, ao mesmo tempo, sua divina missão. Se, em vez de princípios sociais e regeneradores, baseados no futuro espiritu-al do homem, ele apenas houvesse legado à posteridade alguns feitos prodigiosos, talvez hoje mal o conhecessem de nome.

Desaparecimento do corpo de Jesus

64. O desaparecimento do corpo de Jesus após a sua morte tem sido objeto de numerosos comentários; é atestado pelos quatro evangelistas, com base no relato das mulheres que foram ao sepulcro no terceiro dia, e lá não o encontra-ram. Uns viram nesse desaparecimento um fato milagroso, outros presumiram tratar-se de uma retirada clandestina.

Segundo outra opinião, Jesus não teria tido um corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; teria sido, durante toda a sua vida, apenas uma aparição tangível; em suma uma

sido possível pô-los aqui frente a frente, a comparação seria mais fácil; mas, a quantidades deles e os desdobramentos que a maioria dos casos exigiria não o permitiram.2 O historiador judeu Flávio Josefo é o único que fala dele, e diz bem pouca coisa.

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espécie de agênere. Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais da sua vida não teriam passado de aparências. Foi assim, dizem, que seu corpo, tendo retornado ao estado fluí-dico, pode desaparecer do sepulcro, e com esse mesmo corpo é que se teria mostrado após a morte.

Sem dúvida, um fato assim não é radicalmente impossí-vel, segundo o que hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos; mas pelo menos seria completamente excepcional e estaria em flagrante oposição com o caráter dos agêneres (cap. XIV, no. 36). A questão é, portanto, saber se tal hipótese é admissível, se é confirmada ou contestada pelos fatos.

65. A estada de Jesus na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. No primeiro, do momento da concepção ao nascimento, tudo se passa, na mãe, como nas condições normais da vida.3 Desde o nascimento até a morte tudo, nos seus atos, na sua linguagem e nas diversas cir-cunstâncias da sua vida, apresenta as características inequívocas da corporeidade. Os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem são acidentais e nada têm de anormal, uma vez que se explicam pelas propriedades do perispírito e se encontram em diferentes graus em outros indivíduos. Depois da sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. A diferença entre os dois estados é tão nítida, que não é possível compará-los.

O corpo carnal tem propriedades inerentes à matéria propriamente dita e que diferem essencialmente das dos fluidos etéreos; na matéria, a desorganização se opera pela ruptura da coesão molecular. Um instrumento cortante, penetrando no corpo material, divide-lhe os tecidos; se os órgãos essenciais à vida são lesados, seu fundionamento cessa e segue-se a morte, isto é, a morte do corpo. Como nos corpos fluídicos não existe essa coesão, a vida não repousa no funcionamento de órgãos especiais, e neles não podem produzir-se desordens análogas; um instrumento cortante, ou outro qualquer, penetra num corpo fluídico como num vapor, sem causar-lhe qualquer lesão. Eis por que corpos dessa espécie não podem morrer, e por que os seres flu-ídicos, conhecidos como agêneres, não podem ser mortos.

Após o suplício de Jesus, seu corpo ficou inerte e sem vida; foi sepultado como um corpo comum, e todos puderam

3 Não falamos do mistério da encarnação, de que não temos que nos ocupar aqui, e que será examinado posteriormente.

vê-lo e tocá-lo. Após a sua ressurreição, quando quis deixar a Terra, ele não morreu de novo; seu corpo elevou-se, dissipou-se e desapareceu, sem deixar vestígios, prova evidente de que era um corpo de uma natureza diferente daquele que pereceu na cruz; donde se deve concluir que, se foi possível que Jesus morresse, é porque tinha um corpo carnal.

Devido às suas propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das sensações e das dores físicas que repercutem no cen-tro sensitivo ou espírito. Não é o corpo que sofre, é o espírito que recebe o contragolpe das lesões ou alterações dos tecidos orgânicos. Num corpo sem espírito, a sensação é absolutamente nula. Pela mesma razão, o espírito que não tem corpo material não pode sentir as dores que são o resultado da alteração da matéria, donde deve-se igualmente concluir que se Jesus sofreu materialmente, coisa de que não se poderia duvidar, é porque ele tinha um corpo material de natureza idêntica ao de todo mundo.

66. Aos fatos materiais, vêm juntar-se sólidas considera-ções morais.

Se, durante a vida, Jesus estivesse nas condições dos seres fluídicos, ele não teria sentido dor, nem qualquer das necessi-dades do corpo; supor que tenha sido assim, é tirar-lhe todo o mérito da vida de privações e de sofrimentos que havia esco-lhido como exemplo de resignação. Se tudo nele não passasse de aparência, todos os atos da sua vida, o anúncio reiterado da sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua súplica a Deus para que afastasse dos seus lábios o cálice, sua paixão, sua agonia, tudo, até seu último gemido no momento de entregar o espírito, não teria passado de um vão simulacro para enganar quanto à sua natureza e fazer crer no sacrifício ilusório da sua vida, numa comédia indigna de um simples homem de bem e, com mais razão ainda, de um ser tão supe-rior; em suma, ele teria abusado da boa fé dos seus contempo-râneos e da posteridade. Tais são as conclusões lógicas desse sistema, conclusões inadmissíveis, porque isso significaria rebaixá-lo moralmente, em vez de elevá-lo.

Portanto, Jesus, como todo homem, teve um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos mate-riais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a vida.

67. Essa opinião sobre a natureza do corpo de Jesus não é nova. No séc. IV, Apolinário de Laudiceia, chefe da seita dos apolinaristas, afirmava que Jesus não havia tomado um corpo como o nosso, mas um corpo impassível, que descera do céu ao seio da santa Virgem, e não tinha nascido dela; que, assim, Jesus não nascera, não tinha sofrido e só havia morri-do aparentemente. Os apolinaristas foram excomungados no concílio de Alexandria, em 360, no de Roma, em 374, e no de Constantinopla, em 381.

Os Docetas (do grego dokein, aparecer), seita numerosa dos Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros sécu-los, tinham a mesma crença.

A GêneseCapítulo XV - “Os milagres do evangelho”