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MÔNICA REGINA DE SOUZA GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA Mônica Regina de SOUZA Especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS. Especialista em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa pela Faculdade Gama Filho – FGF. Graduada em Letras pela Escola Superior de Ensino Anísio Teixeira – Faculdade CESAT. RESUMO Este artigo abordou a evolução do gerúndio, analisando-o na obra Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco) e nos textos contemporâneos de Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo, ambos articulistas da Revista Veja. Resgatou-se o uso histórico do gerúndio chegando à atualidade, e antigas regras gramaticais, hoje perfeitamente aceitas e consoantes com os pensamentos de gramáticos contemporâneos, foram apresentadas. Também foi abordado o gerúndio de forma comprometedora em relação ao entendimento do leitor, principalmente nos textos de contratos, documentos estes que são de conhecimento da sociedade, mesmo que esta não os leia por inteiro. Tabelas foram mostradas, facilitando a visualização da frequência do gerúndio nos textos analisados. ABSTRACT This paper discussed the evolution of gerund, analyzing it in the literary work Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco) and in the contemporary texts of Lya Luft and Roberto Pompey de Toledo, both writers of Revista VEJA. We rescued the historical usage of gerund until the current days and we presented ancient grammatical rules, nowadays perfectly accepted and consonants with thoughts of grammarians. We also discussed the gerund of form binding in relation to the reader's understanding, especially in the texts of contracts, documents that are knowledge of society, even though some people do not read them in full. We shown some graphics, facilitating the visualization of gerund frequency in the texts analyzed. PALAVRAS-CHAVE Gerúndio. Regras gramaticais. Uso contemporâneo. Texto literário. KEY WORDS Gerund. Grammar rules. Contemporary usage. Ancient texts. Introdução 1

Gerundio Uma Visao Diacronica

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descreve o gerúndio de maneira diacrônica

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MÔNICA REGINA DE SOUZA

GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

Mônica Regina de SOUZA

Especialista em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS. Especialista em Metodologias do Ensino de Língua Portuguesa pela Faculdade Gama Filho – FGF.Graduada em Letras pela Escola Superior de Ensino Anísio Teixeira – Faculdade CESAT.

RESUMOEste artigo abordou a evolução do gerúndio, analisando-o na obra Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco) e nos textos contemporâneos de Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo, ambos articulistas da Revista Veja. Resgatou-se o uso histórico do gerúndio chegando à atualidade, e antigas regras gramaticais, hoje perfeitamente aceitas e consoantes com os pensamentos de gramáticos contemporâneos, foram apresentadas. Também foi abordado o gerúndio de forma comprometedora em relação ao entendimento do leitor, principalmente nos textos de contratos, documentos estes que são de conhecimento da sociedade, mesmo que esta não os leia por inteiro. Tabelas foram mostradas, facilitando a visualização da frequência do gerúndio nos textos analisados.

ABSTRACTThis paper discussed the evolution of gerund, analyzing it in the literary work Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco) and in the contemporary texts of Lya Luft and Roberto Pompey de Toledo, both writers of Revista VEJA. We rescued the historical usage of gerund until the current days and we presented ancient grammatical rules, nowadays perfectly accepted and consonants with thoughts of grammarians. We also discussed the gerund of form binding in relation to the reader's understanding, especially in the texts of contracts, documents that are knowledge of society, even though some people do not read them in full. We shown some graphics, facilitating the visualization of gerund frequency in the texts analyzed.

PALAVRAS-CHAVE

Gerúndio. Regras gramaticais. Uso contemporâneo. Texto literário.

KEY WORDS

Gerund. Grammar rules. Contemporary usage. Ancient texts.

Introdução“O amor só vive pelo sofrimento e cessa com a felicidade; porque o amor feliz é a perfeição dos mais belos sonhos, e tudo que é perfeito, ou aperfeiçoado, toca o seu fim.”

Camilo Castelo Branco

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O presente artigo visa a descrever como os falantes se comportam linguisticamente diante do uso do gerúndio no encadeamento das orações em textos escritos. Sabemos que seu uso gramatical é condicionado por sua forma nominal, de que decorre a propriedade de poder funcionar como nome. Também é de conhecimento o fato de essa forma verbal denotar uma ação em curso, além de representar uma relação latente de “modo”, já que podem constituir orações subordinadas adverbiais modais reduzidas de gerúndio, o que não o impede de aparecer em outros tipos de orações, como mostraremos no decorrer do texto.

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A adesão acentuada ao gerúndio adquiriu profusão e relevo em função dos profissionais de telemarketing. Foi uma maneira de tornar polida a informação a ser repassada ao cliente. Porém, detectamos que, também na produção escrita, o uso do gerúndio, muitas vezes, tornou-se demasiado e, de certa forma, descuidado. Percebe-se, ainda, que há certo “ar” de status na formulação de algumas sentenças que o comportam, demonstrando que o produtor destas tenha um falso conhecimento da necessidade real de seu uso.Este artigo apresentará quais são os ambientes nos quais o uso do

gerúndio ocorre e qual a possível intenção de seu produtor.Analisamos textos publicados na revista Veja, escritos por Lya Luft e

Roberto Pompeu de Toledo, além da obra Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. Os textos dos autores contemporâneos poderão revelar tendências do comportamento de falantes cultos diante da utilização do gerúndio no momento atual. Já pelo estudo diacrônico, agora pela obra Amor de Perdição, em contraste com os textos mais atuais, algumas considerações acerca de possíveis mudanças do uso do gerúndio ao longo do tempo podem ser verificadas.A partir desse momento, observaremos, de forma breve, como o

gerúndio é usado no encadeamento das orações. É preciso, também, identificar o perfil sociolinguístico dos falantes que usam esse tempo verbal, fazendo considerações socioculturais e educacionais sobre esse processo de construção frasal. Também serão usados, como fonte para a coleta de dados, textos escritos em jornais, revistas, livros e contatos.

1. O gerúndio e sua apropriação pelo falante

A língua existe para que a comunidade falante a utilize; sendo assim, as pessoas se apropriam do idioma de várias maneiras. Sabe-se que a gramática normativa impõe regras que não estão ao alcance de todos, visto que muito do que é exigido não é do conhecimento de todos. Inegável é a relevância da gramática tradicional, pois é ela quem dá certa unidade à língua, fazendo com que aquilo que é escrito seja lido em tempos futuros.Neves (2000: 15) propõe, em sua Gramática de Usos do Português, uma

análise do uso efetivo da língua pelo falante. A autora trata do

princípio da multifuncionalidade como chave para uma interpretação funcional da linguagem. [...] A multifuncionalidade prevê a verificação do cumprimento de diferentes funções da linguagem e a verificação do funcionamento dos itens segundo diferentes limites de unidade (desde o texto até os sintagmas menores da oração).

Em relação à presença do gerúndio, a autora (2000: 795) trata da simultaneidade e da não-simultaneidade, associadas a conjunções temporais, como a “relação temporal entre dois estados de coisas”. Nesse

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sentido, algumas vezes, constata-se a presença do gerúndio em lugar da conjugação verbal. Exemplo para análise:

(1) Enquanto fala, vê se vai lavando a roupa.

Na sentença acima, evidencia-se o uso de vai lavando (locução verbal) no lugar de lave (verbo principal conjugado) – Enquanto fala, lave a roupa.

(2) Não é estranho você ficar gastando dinheiro sem se preocupar com o futuro?

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No exemplo (2), não há a ideia de simultaneidade, e sim a junção de duas orações com verbos de valor semântico diferentes. Na primeira oração, o verbo gastar representa uma ação; na segunda, o verbo preocupar-se representa algo que se sente. Na concepção de Cançado (2008: 118), o verbo gastar pede sujeito agente; já o verbo preocupar-se pede sujeito experienciador.Seria mais apropriado, portanto, que o período fosse assim redigido:

Não é estranho você gastar dinheiro sem se preocupar com o futuro?

1.1. O gerundismo

Nesse ponto de uso inapropriado do gerúndio, pode-se inferir sobre o gerundismo, ou seja, presença maçante do gerúndio, empobrecendo o texto e, consequentemente, quem o produziu. (3) “Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos

interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito.1

Sírio Possenti (Revista Língua online) diz

Se não for mudada a relação de compromisso entre pessoas e entre empresas e clientes, é possível que o gerundismo se torne mais regular do que já é. As pessoas garantem que "vão estar providenciando", mas não providenciam, e isso é terreno fértil para a expressão fortalecer-se.

O gerundismo é a tentativa de polidez no relacionamento entre as pessoas, porém, da maneira como a estrutura é feita (“vou estar passando seu recado”), soa artificial e falso.O professor Platão Savioli (Revista Língua online) diz que o

gerundismo se propagou como traço de quem se ocupa em encontrar formas de polidez para relacionar-se. - Como não tem versatilidade de uso da língua, essa pessoa aposta na fórmula ritualizada, na presunção de que aquilo é uma gentileza chique. No fundo, é um desperdício de gerúndio.

O professor Bechara (Revista Língua online) diz:

o que está em jogo pode ser a própria concepção de certeza num diálogo.O presente, "escrevo", nos dá certeza. "Escreverei", o futuro, pode ocorrer ou não. Já na construção "vou estar escrevendo", acrescenta-se a ideia de promessa, de não compromisso. O gerundismo marca a oposição entre promessa e esperança.

1 O exemplo é-nos oferecido por Ricardo Freire, publicitário que escreveu um artigo para o jornal O Estado de São, em campanha antigerundismo.

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A partir dos relatos acima, percebe-se que o gerundismo é uma construção verbal considerada desnecessária por muitos.Os falantes que do gerundismo fazem uso são pessoas com certo grau de

instrução, visto ser necessário certo conhecimento de conjugação verbal (vou estar tentando passar; vamos estar tentando fazer). O problema do gerundismo não é, propriamente falando, o gerúndio em si; o que compromete a estrutura é a locução vou estar mais o verbo principal no gerúndio, formando uma perífrase verbal ou circunlóquio. Em outros termos, ao fazer uso do gerundismo, desperdiçam-se verbos.

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1.2. O gerundismo – de onde ele “não” vem

Na edição da Revista Língua de dezembro de 2009, o professor José Augusto de Carvalho explica por que não se deve atribuir ao inglês a causa do gerundismo.Segundo o texto de Carvalho (p. 24), o que temos de influência inglesa

está no léxico – é o adstrato inglês. E tudo isso em função da tecnologia americana, da supremacia norte-americana e do poder do dinheiro americano. Para o autor,

Se o gerundismo fosse influência das traduções do inglês, seria preciso que, primeiramente, as camadas menos privilegiadas tivessem acesso livre a essas traduções, o que não é o caso do Brasil, em que a grande maioria de falantes do basileto (dialeto da base da pirâmide social) não têm acesso a nenhum tipo de cultura estranha, aprendida pelo estudo adequado ou adquirida pelo contato (grifo nosso).

O gerundismo, para Carvalho, é fruto do uso excessivo e fora dos padrões normativos desse verbo. Ele cita dois exemplos: (4) Vou estar estudando hoje.

(5) Vou estar passando a ligação agora.

No exemplo 4, o autor considera o uso legítimo, pois a ação é “designativa de um processo” (prolonga-se no tempo). Já o exemplo 5, o autor diz que o “aspecto pontual (sic) desautoriza o uso do gerúndio.”

2. Presença do gerúndio no livro Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

O escritor português Camilo Castelo Branco2 é o autor do livro Amor de Perdição, publicado em 1861. Esse livro, que narra uma belíssima história de amor, bem pode ser considerado o “Romeu e Julieta” português. É a história de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, dois jovens que se apaixonam perdidamente, mas, em função de pertencerem a famílias rivais, jamais poderão concretizar o amor que sentem um pelo outro.Para começar os estudos acerca da presença do gerúndio, optamos por

essa obra-prima da literatura portuguesa para dar início ao objeto de estudo deste trabalho. Foram feitos vários recortes em que o gerúndio

2 Antonio Houaiss, na publicação do livro Amor de Perdição pela Biblioteca Folha (1997), referiu-se, assim, a Camilo Castelo Branco: “[...] Camilo não foi um ‘obediente’ usuário da língua, aos padrões dos mestres que lera e assimilara. Muito pelo contrário, é de ver-se-lhe a sempre presente intuição, confirmada pela sua prática da língua, de que esta não é apenas um elenco ou repertório do já havido que cumpre conhecer e usar, mas antes um sistema que, apreendido em toda a sua funcionalidade, ‘abre’ contínuas possibilidades ao usuário, agora ele também criador de coisas e palavras que nunca antes haviam tido a oportunidade de serem ditas (ou pensadas), mas que, ditas ou escritas, eram ouvidas e lidas como se sempre tivessem sido ouvidas e lidas.” Antonio Houaiss escreveu o Estudo Introdutório, encarte que saiu junto à publicação do livro.

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aparece e verificamos trezentas e sessenta e nove (369) ocorrências de gerúndio. Algumas serão apresentadas, comprovando nossas análises.Para iniciar nossas discussões, apresentamos, a seguir, uma tabela que

mostra as 369 ocorrências de gerúndio na obra literária escolhida e como tais ocorrências foram classificadas pela autora deste artigo. Mostraremos um exemplo para cada ocorrência, evitando, assim, uma extensão não condizente com a escrita deste artigo.

ANÁLISES DO GERÚNDIOQUANTIDAD

Elocução verbal 62

oração coordenada sindética aditiva 50oração coordenada sindética

adversativa1

oração coordenada sindética explicativa 10oração subordinada substantiva objetiva

direta1

oração subordinada adjetiva explicativa 19oração subordinada adjetiva restritiva 5oração subordinada adverbial modal 119

oração subordinada adverbial temporal 53oração subordinada adverbial causal 4

oração subordinada adverbial condicional

4

oração subordinada adverbial consecutiva

3

oração subordinada adverbial final 26oração subordinada adverbial locativa 1

presente do indicativo 2adjetivo 4

período simples 4uso dispensado 1

TOTAL 369

a) Pelos estudos, contatou-se que o número mais expressivo ocorreu quanto ao uso modal do gerúndio (119), o que comprova uma definição dada pela gramática normativa que aponta propriedade no uso desse modo verbal: O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria! Amou, perdeu-se, e morreu amando. É a história.Amando – ideia de modo – oração subordinada adverbial modal reduzida

de gerúndio – o romance relata a história de um amor não concretizado. Ambos morreram, mas o amor continuou entre eles. O uso dos verbos

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“morreu + amando” reafirma a ação em continuidade – Simão, mesmo morto, continuou amando Teresa.

b) A segunda maior ocorrência foi o uso do gerúndio das locuções verbais (62): – A distância duma légua de Vila-Real estava a nobreza da vila esperando o seu conterrâneo. Cada família tinha a sua liteira com o brasão da casa. A dos Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam na comitiva.Estava esperando – o gerúndio (esperando), acompanhado do verbo

“estava”, dá-nos a ideia de ação durativa. Poderíamos substituir por: “A distância duma légua de Vila-Real esperava a nobreza da vila o seu conterrâneo.”

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c) Em terceiro e quarto lugares, vemos a ocorrência do gerúndio como oração subordinada de valor temporal (53) e oração coordenada aditiva (50): Baltasar, que, a juízo de seu tio, era um composto de excelência, tinha

apenas um quebra; a absoluta carência de brios. Malograda a tentativa do seu amor de emboscada, tornou para a terra o primo de Teresa, dizendo ao velho que ele o livraria do assédio em que Simão Botelho lhe tinha o coração da filha. Não aprovou a reclusão no convento, discorrendo sobre as hipóteses infamantes que a opinião pública inventaria.Dizendo – ideia de adição – “Malograda a tentativa do seu amor de

emboscada, tornou para a terra o primo de Teresa, e disse ao velho que ele o livraria do assédio em que Simão Botelho lhe tinha o coração da filha.” Oração coordenada sindética aditiva.Discorrendo – ideia de tempo (abstrato) - Não aprovou a reclusão no

convento, ao discorrer sobre as hipóteses infamantes que a opinião pública inventaria.

d) Com um total de 26 ocorrências, vemos o gerúndio, usado como oração adverbial final: O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu irmão, temeroso do gênio sanguinário dele. Queixando – ideia de finalidade – oração subordinada adverbial final

reduzida de gerúndio (para queixar-se de não poder viver com sei irmão, [...]).

e) Com 19 ocorrências, o gerúndio aparece em orações subordinadas adjetivas explicativas: O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivo de litígios, em que Domingos Botelho lhe deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior, dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte.Declinando – ideia de explicação – “[...] que declina de si o dever de

obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, [...].” Oração subordinada adjetiva explicativa.

f) Aparecendo em orações coordenadas sindéticas explicativas, temos 10 ocorrências de gerúndio: – O Juiz de fora de Cascais, solicitando lugar de mais graduado banco, demorava em Lisboa, na freguesia da Ajuda, em 1784. Neste ano é que nasceu Simão, o penúltimo dos seus filhos. Conseguiu ele, sempre balanceado da fortuna, transferência para Vila-Real, sua ambição suprema.Solicitando – o uso do gerúndio (solicitando) abre uma oração

explicativa (Or. Coordenada Sindética Explicativa), já que o pai de Simão se demorava em Lisboa, pois solicitava ocupar grau mais elevado (pois

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solicitava lugar de mais graduado banco / já que solicitava lugar de mais graduado banco).

g) Com 5 ocorrências em oração subordinadas adjetivas restritivas e com 4 em orações adverbiais causais e outras 4 em orações adverbiais condicionais, seguem exemplos do uso do gerúndio por Camilo Castelo Branco: Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que

parecia absurda reforma aos dezessete anos.Explicando – ideia de restrição – “Aí está uma palavra única que explica

o que parecia absurda reforma aos dezessete anos.” – oração subordinada substantiva adjetiva restritiva.

Por parte de Baltasar Coutinho a paixão inflamou-se tão depressa, quanto o coração de Teresa se congelou de terror e repugnância. O morgado de Castro-d’aire, atribuindo a frieza de sua prima à modéstia, inocência e acanhamento, lisonjeou-se do virginal melindre daquela alma, e saboreou de antemão o prazer de uma lenta, mas segura conquista.Atribuindo – ideia de causa (oração subordinada adverbial causal

reduzida de gerúndio) – o motivo do lisonjeio feito à “virginal melindre daquela alma”. “[...] por atribuir-lhe a frieza de sua prima à modéstia, inocência e acanhamento, lisonjeou-se do virginal melindre daquela alma, [...].”

A desgraça não abala a minha firmeza, nem deve intimidar os teus projetos. São alguns dias de tempestade, e mais nada. Qualquer nova resolução que meu pai tome dir-ta-ei logo, podendo, ou quando puder.Podendo – ideia de condição – oração subordinada adverbial condicional

reduzida de gerúndio: ”Qualquer nova resolução que meu pai tome dir-ta-ei logo, se puder, ou quando puder.”

h) Totalizando 8 ocorrências, temos 4 em que o gerúndio funciona como adjetivo e outras 4, aparecendo em período simples:Abria a carta para relê-la, e estava a ponto de rasgá-la, cuidando que iria

tarde, ou não lhe chegaria às mãos. Neste conflito de contrários projetos, entrou Mariana, e muito alucinado devia de estar Simão para lhe não ver as lágrimas.Cuidando – poderíamos ver o uso desse gerúndio com valor adjetival:

“Abria a carta para relê-la, e estava a ponto de rasgá-la, cuidada (preocupada) que iria tarde, ou não lhe chegaria às mãos.

— O primo Baltasar!... — murmurou ele com um sorriso sinistro — Sempre este primo Baltasar cavando a sua sepultura e a minha!Cavando – período simples (cavando é o único verbo da sentença) – é a

ação praticada por Baltasar: “Sempre este primo Baltasar cavando (a

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cavar) a sua sepultura e a minha!” Sujeito da ação (cavando): Primo Baltasar.

i) 3 ocorrências são em orações adverbais consecutivas:Escassamente sei que D. Rita aborrecia a comarca, e ameaçava o marido

de ir com seus cinco filhos para Lisboa, se ele não saísse daquela intratável terra. Parece que a fidalguia de Lamego, em todo o tempo orgulhosa de uma antiguidade que principia na aclamação de Almacave, desdenhou a filáucia da dama do paço, e esmerilhou certas vergônteas podres do tronco dos Botelhos Correais de Mesquita, desprimorando-lhe as cãs com o fato de ele ter vivido dois anos em Coimbra [...].Desprimorando – valor de consequência (oração subordinada adverbial

consecutiva reduzida de gerúndio – foi a consequência de ter esmerilhado certas vergônteas).

j) Por 2 vezes, o gerúndio apareceu, porém seu uso no presente do indicativo manteria o paralelismo verbal do período.Deus terá descontado nos instintos sanguinários do teu temperamento a

nobreza de tua alma! Pensando nas incoerências da tua índole, homem que me explicas a providência, assombram-me as caprichosas antíteses que a mão de Deus infunde em alentos na criatura.Pensando – ideia de causa – oração subordinada adverbial causal

reduzida de gerúndio: “Por pensar nas incoerências da tua índole, homem que me explicas a providência, assombram-me as caprichosas antíteses que a mão de Deus infunde em alentos na criatura.”Também observamos a presença da ideia de tempo abstrato: “Quando

penso nas incoerências da tua índole, homem que me explicas a providência, assombram-me as caprichosas antíteses que a mão de Deus infunde em alentos na criatura.” Essa probabilidade de classificação mantém o paralelismo verbal de penso / assombram (presente do indicativo).

k) 1 uso como oração coordenada adversativa, 1 uso oração subordinada objetiva direta, 1 uso como oração adverbial locativa e 1 uso, considerado dispensado.– [...] não poetando como L. de Camões [...], mas namorando [...] e

captando a bem-querença [...].Poetando / namorando / captando – neste ponto, o autor relata o que

Domingos Botelho, pai de Simão, fez para conquistar D. Rita, mãe de Simão. Os usos do gerúndio (poetando, namorando, captando) mostram as ações que Domingos Botelho ia desenvolvendo para ganhar o amor de D. Rita. É a persistência definida pelo uso do gerúndio (é o gerúndio inserido em orações coordenadas sindéticas – uma adversativa e duas aditivas, mantendo a ideia de modo – or. subord. adv. modal red. de ger.).

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— Então adeus, senhor Simão. Eu fico pedindo a Nossa Senhora que vá na sua companhia.Pedindo – oração subordinada substantiva objetiva direta. É a ação que

Maria faz: pedir a Nossa Senhora que o acompanhe.

— Deixe lá a moça, e diga quando há de ir a servente buscar o vinho. — Quando quiser, senhora prioresa. Mas repare bem nos olhos, no feitio,

naquele todo da rapariga!... — Pois repare o senhor padre João — replicou a freira — que eu tenho

mais que fazer. E retirou-se com o coração mal-ferido, e o queixo superior escorrendo

lágrimas...Escorrendo – oração subordinada adverbial locativa reduzida de

gerúndio: “E retirou-se com o coração mal-ferido, e o queixo superior pelo qual escorriam lágrimas...”. Local por onde as lágrimas escorriam: o queixo superior.

Condoeu-se o juiz, e revelou ao colega as suas averiguações. Domingos Botelho foi a Vila-Real, e hospedou-se em casa do juiz de fora, onde a senhora foi novamente chamada, sendo que ao mesmo tempo o general da província lavrava ordem de prisão para o cadete desertor de cavalaria de Bragança.Sendo – dispensado. A sentença poderia ser assim escrita: “Domingos

Botelho foi a Vila-Real, e hospedou-se em casa do juiz de fora, onde a senhora foi novamente chamada, ao mesmo tempo em que o general da província lavrava ordem de prisão para o cadete desertor de cavalaria de Bragança.”

2.1. Análise do uso do gerúndio no texto de Camilo Castelo Branco

Por ser a obra de Camilo Castelo Branco literária, a licença poética permite ao autor liberdade para expor suas ideias e, assim, narrar os fatos que sustentam a história a ser contada. O uso do verbo no imperfeito do indicativo é o mais comum, pois este tempo garante a ideia de continuidade, de ação em duratividade, ou seja, é como se pudéssemos visualizar, ou melhor, imaginar a situação realizando-se. O que podemos observar com os dados acima é que a marca de modo

está diretamente ligada ao uso do gerúndio; em segundo lugar e de acordo com o próprio uso desse tempo verbal, está a locução verbal, uma de suas características, já que por meio das locuções podemos ver o caráter durativo e prolongado das ações.Um dado importante é ver o gerúndio com valor de adição e a

frequência dessas ocorrências no texto de Camilo Castelo Branco é considerável. Com o valor de finalidade, também notamos ocorrências frequentes.

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3. Um olhar para a história sintática do uso do gerúndio

Na obra Sintaxe Clássica do Português, de Cláudio Brandão, muitos aspectos são apresentados os quais justificam os usos dentro da obra de Amor de Perdição.Segundo este autor, o gerúndio descende do ablativo no latim com a

função de promover complementos circunstanciais de meio (DOCENDO discimus = ENSINANDO aprendemos)3.

Do sentido originário, passou êle a exprimir outras idéias, sobretudo a de estado ou modo de ser, em geral, transitórios, atribuídos que ao sujeito, quer ao complemento objetivo de um verbo principal. Exemplos: Os sacerdotes iam cantando e saltando pelas ruas. / Quirino achou os guardas vigiando. Vê-se nesses dois exemplos que o gerúndio reveste caráter nitidamente participial, desempenhando a função de predicativo respectivamente do sujeito e do objeto (BRANDÃO, 1963, 479).

Cláudio Brandão diz que, a partir dessa concepção, o gerúndio foi ganhando novos contornos e usos, passando a denotar estado, atividade, um modo de ser, dentre outros aspectos. Na sentença (Estamos colhendo flores no prado), o autor diz que as

perífrases verbais surgiram devido ao enfraquecimento dos verbos “subordinantes”, os quais se tornaram auxiliares, “concentrada no gerúndio a predicação própriamente dita (BRANDÃO, 1963, 479).Também nesta obra, o autor diz que o gerúndio, em certos momentos,

pode se converter em adjetivo ou orações adjetivas, devido ao seu caráter circunstancial (valor de advérbio). Na obra de Camilo Castelo Branco (a tabela feita demonstra o fato), percebemos alguns casos de gerúndio com valor adjetival e com valor de orações subordinadas adjetivas restritivas ou explicativas, o que comprova a fala do autor ora estudado.Outro ponto relevante para nossos estudos é a constatação, ainda

segundo o autor, que o gerúndio pode transmitir a ideia de tempo simultâneo, pois muitas foram as análises feitas na obra Amor de Perdição e estas estão explicadas na presente monografia.“Tempo posterior” (1963: 481), esse é o uso que Cláudio Brandão

também dá ao gerúndio, atribuindo-lhe a ideia de adição. Vamos ao exemplo: O mestre mandou chamar Nuno Álvares, agradecendo-lhe muito o que Rui Pereira falara.

O mestre mandou chamar Nuno Álvares, agradecendo-lhe muito o que Rui Pereira falara

Oração principal – O mestre mandou chamar Nuno ÁlvaresOração coordenada sindética aditiva reduzida de gerúndio: e agradeceu-lhe muito o que Rui Pereira falara.

3 Cláudio Brandão classifica, de acordo com a explicação apresentada no texto, o gerúndio como advérbio.

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Ao nosso ver, podemos classificar a oração em que o gerúndio se faz presente como final. Analisando-a.

O mestre mandou chamar Nuno Álvares, agradecendo-lhe muito o que Rui Pereira falara

Oração principal – O mestre mandou chamar Nuno ÁlvaresOração subordinada adverbial final reduzida de gerúndio: para agradecer-lhe muito o que Rui Pereira falara.

Um exemplo que nos chamou a atenção, foi o que o autor atribuiu de “gerúndio predicativo do sujeito” (1963: 483). Vamos a ele: Vinha um doudo correndo num cavalo à rédia solta.4

Nós classificar-lho-íamos como pertencente à oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de gerúndio: Vinha um doudo que corria num cavalo à rédia solta.

Não há dúvida de que as orações adjetivas têm relação de, pelo próprio uso do pronome relativo (que), fazer referência ao termo anterior. O autor corrobora de nossa opinião ao citar:

Quando predicativo do sujeito, o gerúndio se confunde ora como um complementos circunstancial de modo, ora, como uma oração relativa introduzida por um dos seguintes elementos por que, o qual, os quais, as quais, parecendo, assim, enquadrar-se na espécie que se acaba de estudar – gerúndio apositivo (grifo do autor, 1963:483).

No nosso entender, o uso do gerúndio com valor adjetival puro e simples tenha uma proximidade maior com a classificação de predicativo. Reapresentamos o exemplo contido na obra de Camilo Castelo Branco:

Enquanto Simão contava onze moedas menos um quartinho, maravilhando da estranha liberalidade, Mariana, abraçando o pai no repartimento vizinho da

casa, exclamava: — Arranjou muito bem a mentira!

Maravilhando – poderíamos ver o uso desse gerúndio com valor adjetival: “Enquanto Simão contava onze moedas menos um quartinho, maravilhado da estranha liberalidade [...]”Abraçando – ideia de modo – oração subordinada adverbial modal reduzida de gerúndio.

Na obra Serões Gramaticais (RIBEIRO, 1890), aparece a seguinte consideração histórica sobre o gerúndio, que não podíamos deixar de registrar.

Os particípios presentes em ante, ente, inte dos particípios imperfeitos latinos correspondentes a antem, entem, ientem, usados antigamente em portuguez, desappareceram, como vimos,

4 Este exemplo aparece no livro de Cláudio Brandão, mas faz referência a FERREIRA, Antônio. Obras completas 4 ed. J. C. Fernandes Pinheiro, Paris, 1914 (ato 1º, cena 8).

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

sendo taes formas substituídas pelas dos gerúndios latinos em ando, endo iendo.Esses particípios em ando, endo, indo, eram entre nossos clássicos precedidos outr’ora de preposições (Entre lendo se verão. / Sem sendo resistidos. / De acrescentando o desejo ao pedido. / Sem curando doutro estormento.).5

O emprego de todas essas preposições cahiu de todo o ponto em desuso, menos o da preposição em, usada sempre pelos nossos escriptores e ainda hoje encontrada a trechos nos exemplares de nossa linguagem: Nobreza e desunida não pode ser; porque, em sendo desunida, deixa de ser nobreza (Vieira).

4. O gerúndio nos textos de Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo

Os escritores contemporâneos escolhidos para estudarmos a presença do gerúndio em seus textos são Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo. Ambos são colunistas da Revista Veja e, quinzenalmente, retratam assuntos do cotidiano social, político e comportamental, entre outros.

5 Esses exemplos foram formulados por Fernão Lopes. 16

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MÔNICA REGINA DE SOUZA

4.1. Análises dos textos de Lya Luft

BRASILEIRO NÃO GOSTA DE LER?

1º exemplo: “Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era um objeto cotidiano, como o pão e o leite. Lembro de minhas avós de livro na mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus amigos. Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil artes e todo mundo achava graça.” Com o primeiro trecho (quando não estavam lidando com a casa), a

autora nos permite criar a cena de suas avós com a lida da casa, ou seja, é como se as imaginássemos executando as tarefas de casa. Mesmo que pudéssemos substituir pelo verbo lidar em sua forma conjugada (Lembro de minhas avós de livro na mão quando não lidavam com a casa), o efeito não seria o mesmo, pois a cena se torna mais distante do leitor.No segundo trecho em destaque (Algumas vezes acordei minha mãe

esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília), a forma mais apropriada de escrita seria (Algumas vezes, dando risadas com a boneca Emília, acordei minha mãe, sem perceber a hora6). Consideramos a sentença (dando risadas com a boneca Emília) como uma oração subordinada adverbial modal reduzida de gerúndio, a qual indica de que maneira Lya, quando criança, acordava sua mãe.

2º exemplo: “E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha aos 18 anos.”No trecho grifado, o uso do gerúndio não é apropriado, pois o verbo

conjugado (conheceria – futuro do pretérito do indicativo) implica o uso de outro verbo no passado: “[...] sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria quando saí de minha cidadezinha aos 18 anos.

3º exemplo: “Qualquer menino ou menina se assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.”

6 Napoleão Mendes de Almeida (1999: 347) considera as orações que não “influem gramaticalmente nas outras orações, isto é, não há subordinação gramatical entre uma e outra” como orações interferentes. É dessa forma que consideramos a oração “sem perceber a hora.”

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

A sentença grifada funciona como explicação da primeira. Ao separarmos as sentenças, percebemos que temos duas orações

independentes que, quando unidas, isso ocorre por meio da coordenação.

Esses programas cometem um pecado básico e fatal. Esses programas afastam estudantes ainda imaturos da leitura.

Esses programas cometem um pecado básico e fatal, pois afastam estudantes ainda imaturos da leitura.

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1ª or.

2ª or.

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1ª oração: oração coordenada sindética. / 2ª oração: oração coordenada sindética explicativa.

4º exemplo: “Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer.”O trecho acima está escrito de forma a aproximar o leitor do assunto

tratado pela autora; disso não temos dúvida. Entretanto, se o mesmo fragmento fosse escrito da maneira como indicaremos abaixo, usar-se-ia das adequações gramaticais sem que houvesse distanciamento entre texto e leitor.

Dividindo as orações:

“Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada, quando chega ao colégio, acha livro uma coisa quase esquisita e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida para que perceba que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer.”1ª: oração coordenada assindética – Como ler é um hábito raro entre

nós.2ª: oração coordenada sindética aditiva – e a meninada acha livro uma

coisa quase esquisita e leitura uma chatice.3ª: oração subordinada adverbial temporal – quando chega ao colégio.4ª: oração principal – talvez ela precise ser seduzida.5ª: oração subordinada adverbial final – para que perceba.6ª: oração subordinada substantiva objetiva direta – que ler pode ser

divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer.

5º exemplo: “O que é preciso é ler. Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais integrado no mundo, mais curioso, mais ligado.”

Neste último exemplo do primeiro texto analisado, o uso do gerúndio (lendo) é adequado, pois temos uma oração subordinada adverbial temporal reduzida de gerúndio, o que indica a maneira como “a gente aprende até sem sentir”. É claro que a oração desenvolvida (Quando nós lemos, aprendemos até sem sentir) também seria adequada, porém mais extensa e menos atraente à leitura dos jovens (o termo ligado mostra a aproximação da autora com o público teen).O texto analisado mostra a ênfase que a autora quer dar à importância

da leitura. Sua proposta é mostrar sua experiência com a leitura para que os leitores (os jovens, por que não?) possam perceber que a relação entre leitor e livros é algo construído ao longo do tempo seja em casa, seja na

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escola. Ela usa termos que demonstram sua proximidade com o público mais jovem ou infantil (boneca Emília, Monteiro Lobato, meninada, chatice, coisa esquisita, esportes, computação, ligado). Ressaltamos que o texto em questão é para todos e sua estrutura

linguística atende a muitos leitores diferentes.RESUMO ANALÍTICO: 8 ocorrências de gerúndio.

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TRILHA DE CONTRADIÇÕES

O texto em questão fala da liberdade que temos (será que somos realmente livres?), porém aponta o quanto somos escravos dos nossos inúmeros deveres a cumprir (quanta obrigação?). A autora trata do paradoxo que é o homem (e como somos contraditórios!).

Apregoa-se a liberdade, mas somos escravos de mil deveres. Oferecem-nos múltiplos bens, mas queremos mais. Em toda esquina novas atrações, e continuamos insatisfeitos. Desejamos permanência, e nos empenhamos em destruir. Nós nos consideramos modernos, mas sufocamos debaixo dos preconceitos, pois esta nossa sociedade, que se diz libertária, é um corredor com janelinhas de cela onde aprisionamos corpo e alma. A gente se imagina moderno, mas veste a camisa de força da ignorância e da alienação, na obrigação do "ter de": ter de ser bonito, rico, famoso, animadíssimo, ter de aparecer – que canseira.

1º exemplo: "Convencidos de que pensar dói e de que mudaré negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado.”O primeiro exemplo, em nossa opinião, para que chamasse mais a

atenção do leitor à reflexão, deveria ter uma pontuação diferente e a oração subordinada adjetiva restritiva seria mais adequada à estrutura linguística do texto, ou seja, o gerúndio, de certa forma, não facilita a interpretação reflexiva."Convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos

sozinhos no escuro; manada confusa que some a escada rolante pelo lado errado.”

2º exemplo: “O jeito seria parar e refletir, reformular algumas coisas, deletar outras – criar novas, também. Mas, nessa corrida, parar para pensar é um luxo, um susto, uma excentricidade, quando devia ser coisa cotidiana como o café e o pão.”Para o exemplo acima, sugerimos três possibilidades de escrita – cada

qual com sua interpretação:1ª possibilidade: “O jeito seria parar e refletir; reformular algumas

coisas; deletar outras – criar novas, também. [...]”O uso do ponto-e-vírgula, por marcar uma pausa mais longa, não

interrompe, abruptamente, o pensamento, como faz o ponto final. A sentença revelaria uma sequência de ações: parar, refletir, reformular, deletar e criar (paralelismo verbal – todos os verbos no infinitivo).2ª possibilidade: “O jeito seria parar e refletir, para reformular algumas

coisas e deletar outras – criar novas, também. [...]”Teríamos, neste exemplo, uma oração subordinada adverbial final e seu

uso mostraria a finalidade do ato de parar e refletir.3ª possibilidade: “O jeito seria parar e refletir, reformulando algumas

coisas e deletando outras – criando novas, também. [...]”

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

Agora, se o gerúndio fosse usado, mostrar-nos-ia que o modo de “parar e refletir” seria reformulando algumas coisas e deletando outras – criando novas, também.A primeira possibilidade, mesmo que indiquemos uma pontuação

diferente, passa-nos a ideia de ser a intenção da autora: apresentar-nos uma sequência de ações.

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3º exemplo: “Fingindo não estar nem aí, parecemos modernos e espertos, e queremos o máximo: que para alguns é enganar os outros; para estes, é grana e poder, beleza e prestígio; para aqueles, é delírio e esquecimento.”

O uso do gerúndio, na abertura do período, indica o modo como nos mostramos modernos e espertos. Consideramos o uso adequado. Acreditamos que a autora queira ressaltar que, frequentemente, fingimos não nos preocupar para que pareçamos modernos e espertos.Porém, se usamos uma oração subordinada adverbial temporal

(desenvolvida), quando fingimos não estarmos nem aí, dá-nos a ideia de que fingimos de vez em quando, não frequentemente – seria mais suave e menos generalizador (será que todos fingem?).

4º exemplo: “Para uns poucos, é realizar alguma coisa útil, ser honrado, apreciar a natureza, sentir o calor humano e partilhar afeto. Mas, em geral medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos, nos achando o máximo ou nos sentindo um lixo, carregamos a mala da culpa e a mochila da ansiedade.”O uso do gerúndio, nos dois casos, é apropriado, pois indica o modo

como “carregamos a mala da culpa e a mochila da ansiedade.”

Percebamos que, anterior à presença do gerúndio, vemos uma sequência de particípios (adjetivos): medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos. Por que não seguir com a sequência de adjetivos (particípios) para mantermos o paralelismo: medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos, interessantíssimos ou lixos, carregamos [...].

5º exemplo: “Refletindo, veríamos que somos apenas humanos, e que nisso existe alguma grandeza.” Novamente, retornamos ao mestre Napoleão Mendes de Almeida

(1999:230), pois este diz que há um futuro em relação ao presente, assim como há um futuro em relação ao passado. Por isso, o uso do gerúndio, no 5º exemplo, não está adequado. Melhor seria: “Se refletíssemos, veríamos que somos apenas humanos, e que nisso existe alguma grandeza.” A oração subordinada adverbial condicional (desenvolvida) está mais

condizente ao uso do verbo veríamos (futuro do presente do indicativo).A autora chamou-nos à reflexão de nossas atitudes; sugere-nos que o

melhor caminho a seguir é o da descoberta de nós mesmos, implora-nos que reflitamos, analisemos, questionemos, pensemos todos os acontecimentos ao nosso redor, sem nos deixarmos ceder às imposições do mundo – o que sabemos ser muito difícil.RESUMO ANALÍTICO: 6 ocorrências de gerúndio.

CRIME E CASTIGO

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A autora se apropria do título do livro de Dostoiévski para falar de erro e punição. São questionamentos acerca de autoridade, limites, educação, respeito, civilidade. Tudo o que, aos poucos, vai desaparecendo.

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Tomo emprestado o título do romance do russo Dostoiévski, para comentar a multiplicação dos crimes nesta cultura torta, desde os pequenos "crimes" cotidianos – falta de respeito entre pais e filhos, maus-tratos a empregados, comportamento impensável de políticos e líderes, descuido com nossa saúde, segurança, educação – até os verdadeiros crimes: roubos, assaltos, assassinatos, tão incrivelmente banalizados nesta sociedade enferma. A crise de autoridade começa em casa, quando temos medo de dar ordens e limites, ou mesmo castigos aos filhos, iludidos por uma série de psicologismos falsos que pululam como receitas de revista ou programa matinal de televisão e que também invadiram parte das escolas.

Este texto foi publicado no dia 29 de julho de 2009.1º exemplo: "Estamos levando na brincadeira a questão do erro e do

castigo, ou do crime e da punição. Sem limites em casa e sem punição de crimes fora dela, nada vai melhorar."O uso da estrutura estar + gerúndio marca a continuidade da ação.

Mesmo que troquemos para "Levamos na brincadeira a questão do erro e do castigo, ou do crime e da punição [...].” O uso da perífrase verbal demonstra persistência de nossas ações e isso deixa o texto mais enfático.

2º exemplo: “Antes de mais nada, é dever mudar as leis – e não é possível que não se possa mudar uma lei, duas leis, muitas leis. Hoje, logo, agora! O ensino nas últimas décadas foi piorando, em parte pelo desinteresse dos governos e pelo péssimo incentivo aos professores, que ganham menos do que uma empregada doméstica, em parte como resultado de "diretrizes de ensino" que tornaram tudo confuso, experimental, com alunos servindo de cobaias, professores lotados de teorias (que também não funcionam).”Ao ler o primeiro destaque (foi piorando), não achamos inapropriado o

uso do gerúndio, porém o tempo verbal do verbo ser deveria estar no presente, visto que o ensino, cada dia mais, não dá sinais de melhora. A perífrase verbal foi piorando bem poderia ser vem piorando, ou melhor, tem piorado. Isso para deixar a ação repetitiva, persistente.No outro trecho (com alunos servindo de cobaias), a oração subordinada

adjetiva restritiva (com alunos que servem de cobaias) é mais apropriada, até porque, já há uma oração subordinada adjetiva restritiva anterior a essa (em parte como resultado de "diretrizes de ensino" que tornaram tudo confuso), o que manteria o paralelismo verbal.A autora utiliza muito o predicado nominal, pois, por ser característica

desse tipo de predicação, a base da argumentação textual feita por Lya é a subjetividade e a atribuição de características a algumas pessoas ou situações (predicativo do sujeito ou do objeto).

Crianças e adolescentes saudáveis são tratados a mamadeira e cachorro-quente por pais desorientados e receosos de exercer qualquer comando. [...]. Jovens infratores são tratados como imbecis, embora espertos, e como inocentes, mesmo que

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perversos estupradores, frios assassinos, traficantes e ladrões comuns. [...] A banalização da má-educação em casa e na escola, e do crime fora delas, é espantosa. [...] Autoridade, onde existe, é considerada atrasada, antiquada e chata. [...] Se nas famílias e escolas isso é um problema, na sociedade, com nossas leis falhas, sem rigor nem coerência, isso se torna uma tragédia. [...] Ensino, educação e justiça tornaram-se tão ruins.

São muitos substantivos e adjetivos. O texto é enfático, instrutivo e serve como um “puxão de orelha” para alguns pais ou outras autoridades.RESUMO ANALÍTICO: 3 ocorrências de gerúndio.

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QUANDO MORRE UMA CRIANÇA

Este texto é um dos mais sentimentais da autora, pois ela retrata com doçura e delicadeza o tema da morte de uma criança. Não é uma criança desconhecida para a autora, pois Lya conta como foram seus momentos no velório, além de recordar os encontros e os diálogos que ambas tiveram.

Eu nunca tinha visto uma criancinha morta. Nunca tinha ido ao velório de uma, e quase me acovardei, quase não fui. Mas o carinho pela família, e por essa menininha que tantas vezes vi correndo e brincando, com a qual tive alguns diálogos deliciosos, me deu coragem. E fui. Alguém murmurou: parece uma boneca numa caixinha. Ela, a pequena, serenada do sofrimento que ocupou quase todo o espaço dos seus poucos anos, dormia o seu sono enigmático. Nós, adultos de todas as idades, chorávamos. Uns pela perda da pessoazinha amada, outros condoídos pela dor dos amigos, outros, ainda, esmagados pela fragilidade que a doença, o sofrimento e a morte nos fazem sentir.

1º exemplo: "Mas o carinho pela família, e por essa menininha que tantas vezes vi correndo e brincando, com a qual tive alguns diálogos deliciosos, me deu coragem."Os dois verbos no gerúndio destacado são adequados à sentença, pois

indicam as ações feitas pela menina e que estas são durativas.

2º exemplo: “Numa grande festa, jovenzinhos bêbados ou drogados vomitam ou dormem nos banheiros de um clube elegante. Adultos passam cuidando para não sujar os sapatos. Só acontece algo quando uma dessas crianças passa realmente mal, e é preciso chamar a ambulância.”A sentença grifada indica o modo como os adultos passam pelos jovens,

quando os vêem em situações degradantes: tomam cuidado para não sujarem os sapatos.

3º exemplo: “Junto com o sofrimento, ficaram para sempre a claridade, a doçura e a força que vão continuar emanando dessa dura experiência transformadora, e daquela figura travessa, inquieta, corajosa, [...].” Mais uma vez, a autora, com o uso do verbo continuar + gerúndio,

passa-nos a ideia de que a ação se prolonga. Embora fosse possível o uso do verbo principal (emanar) no futuro do presente do indicativo (a doçura e a força que emanarão dessa dura experiência), este uso informar-nos-ia de que a ação ainda estaria por vir. E o desejo da autora, a nosso ver, é mostrar que a morte não apaga as lembranças de um ente querido.

4º exemplo: “[...] daquela figura travessa, inquieta, corajosa, de grandes olhos escuros que me fitaram tão sérios quando lhe perguntei brincando: [...]”O uso do gerúndio o modo como a pergunta foi feita por Lya quando ela,

certa vez, convidou a menina a “andar em sua vassoura de bruxa”. A pergunta foi feita jocosamente, descompromissadamente, num contexto

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fora da realidade. Em vez de usar um único advérbio (jocosamente, por exemplo), a autora optou pela oração subordinada adverbial modal, o que é, perfeitamente, possível.

5º exemplo: “Menininha que iluminou este mundo tantas vezes feio e cruel, você vai continuar entre nós, na memória de sua passagem breve como a de uma lanterna mágica que vara o céu. Mas esse passeio eu fiquei te devendo.”

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O passeio a que Lya se refere é o que seria feito “em vassoura de bruxa”, por sinal, passeio aceito pela menina. O uso de fiquei + gerúndio indica uma ação acabada, o que deixa o final do texto mais triste, pois a autora sabe que, realmente, jamais poderá cumprir a sugestão do passeio.RESUMO ANALÍTICO: 6 ocorrências de gerúndio.

A OUTRA EPIDEMIA

Neste texto, profundamente crítico, Lya retrata a epidemia moral pela qual a sociedade passa – melhor seria dizer epidemia de “falta de moral”. Diz que de quem deveríamos esperar – e cobrar – moralidade, ética, decência, só recebemos mentiras, descaso, abandono.

O quadro não anda muito animador, embora na crise mundial o Brasil pareça estar se saindo melhor que a maioria dos países. De tirar o chapéu, se isso se concretizar e perdurar. Do ponto de vista da moralidade, por outro lado, até em instituições públicas que julgávamos venerandas, a cada dia há um novo espanto. Não por obra de todos os que lá foram colocados (por nós), mas o que ficamos sabendo é difícil de acreditar. Teríamos de andar feito o velho filósofo grego Diógenes, que percorria as ruas em dia claro com uma lanterna na mão. Questionado, respondia procurar um homem honrado.

Mesmo se mostrando descrente de algumas pessoas – “os homens públicos” –, a autora também valoriza o cidadão de bem, que trabalha com afinco para honrar “suas contas”. Nem tudo está perdido.

A sorte é que apesar de tudo o país anda, a grande maioria de nós labuta na sua vidinha, trabalhando, pagando contas, construindo casas e ruas e pontes e amores e famílias legais. Lutando para ser pessoas decentes, as que carregam nas costas o mundo de verdade.

1º exemplo: "O quadro não anda muito animador, embora na crise mundial o Brasil pareça estar se saindo melhor que a maioria dos países. De tirar o chapéu, se isso se concretizar e perdurar."O uso do gerúndio não é apropriado, mesmo que a ideia seja mostrar

uma ação em curso, ou seja, ainda em andamento. O encontro de pareça + estar + se saindo cansa a leitura escrita, pois o excesso de verbos é desnecessário. Se lêssemos “[...] embora na crise mundial o Brasil pareça se sair melhor que a maioria dos países. [...]”, teríamos a mesma interpretação, porém com menos palavras (no caso, menos verbos).

2º exemplo: "Não por obra de todos os que lá foram colocados (por nós), mas o que ficamos sabendo é difícil de acreditar."Outra vez a perífrase verbal não é adequada. Mais simples seria “[...]

mas o que sabemos é difícil de acreditar."

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3º exemplo: “Questionado (Diógenes), respondia procurar um homem honrado. Vamos ter de sair aos bandos, aos magotes, catando essa figura, não uma, mas multidões delas, para consertar isso, que parece não ter arrumação?”Oração adverbial modal que indica a maneira, o modo como,

supostamente, sairíamos em busca do “homem honrado”.

4º exemplo: “O Senado da República, só para citar um caso atual, teve sua maior importância em Roma, a antiga, e se originou nos milenares conselhos de anciãos, ou homens sábios e meritórios de tempos remotos. O Senado Romano também não era um congresso de santos: até Brutus ali tramava, ocultando nas vestes o punhal com que mataria Júlio Cesar, seu protetor. Afinal eram – e são – todos apenas humanos, e o problema sempre começa aí.”Também é uma oração modal, pois indica a maneira como Brutus

tramou o assassinato de Júlio Cesar.

5º exemplo: “Afinal eram (a autora fala dos romanos) – e são – todos apenas humanos, e o problema sempre começa aí. A noção idealizada de um grupo de homens virtuosos liderando tornou-se mais realista, levando em conta as nossas mazelas.”A primeira oração (liderando) é uma oração subordinada adjetiva

restritiva (que lideram). Já a segunda (levando em conta as nossas mazelas) é uma oração condicional e o uso do gerúndio dificultou a interpretação da sentença.Vejamos: “Afinal eram – e são – todos apenas humanos, e o problema

sempre começa aí. A noção idealizada de um grupo de homens virtuosos que lideram, tornou-se mais realista, se levarmos em conta as nossas mazelas.”Se deixarmos as duas orações destacadas (fragmento retirado do texto)

na forma desenvolvida (como sugerimos), a leitura e a interpretação ficam mais objetivas.

6º exemplo: “Para mim, escrever é sempre questionar, não importa se estou escrevendo um romance, um poema, um artigo. Como ficcionista, meu espaço de trabalho é o drama humano: palco, cenário, bastidores e os mais variados personagens com os quais invento histórias de magia ou desespero. Como colunista, observo e comento a realidade.”A presença do gerúndio não é necessária, pois, mesmo que a ação

indique um fato que expressa continuidade, bastaria que fosse escrito: “Para mim, escrever é sempre questionar, não importa se escrevo um romance, um poema, um artigo. [...]”. Da forma sugerida, a ação é um fato, uma verdade, pois a autora tem a escrita como sua forma de trabalho, ou seja, escrever é um ato contínuo.

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7º exemplo: “Eu queria preservar a imagem dos homens públicos como uma estirpe vagamente nobre, em cargos solenes, que lutariam pelo país ou por sua comunidade, por nós todos, buscando antes de tudo o bem dos que neles confiaram.” O uso do paralelismo verbal seria mais apropriado ao período, pois

indicaria duas ações praticadas pelos “homens públicos” (lutar e buscar o bem).

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EU QUERIA PRESERVAR A IMAGEM DOS HOMENS PÚBLICOS COMO UMA ESTIRPE

VAGAMENTE NOBRE, EM CARGOS

LUTARIAM PELO PAÍS [...] BUSCARIAM, ANTES DE TUDO, O BEM DOS QUE

NELES CONFIARAM

QUE

E

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

“Eu queria preservar a imagem dos homens públicos como uma estirpe vagamente nobre, em cargos solenes, que lutariam pelo país ou por sua comunidade, por nós todos, e buscariam, antes de tudo, o bem dos que neles confiaram.”

8º exemplo: “Se fomos criados acreditando que o importante não é ter poder, mas ser uma pessoa honrada, estamos mal-arranjados.” Uso apropriado do gerúndio, pois indica a maneira como fomos criados.

9º exemplo: “[...] na vida pública, não malbaratar o dinheiro, não fazer jogos de poder ilícitos, não participar das tramas, ficar fora da dança dos rabos presos em que todos se protegem, virou quase uma excentricidade. Quem sabe o jeito é engolir sapos inaceitáveis: fim para o idealismo, treinem-se um olho clínico e cínico, enchendo bolsos e esvaziando pudores na permissividade geral que questiona o velho conceito de certo-errado. Talvez ele não passe de uma ilusão envelhecida, para sobreviver em vez de afundar. Não sei. A cada dia sei menos coisas. Antigas certezas se diluem: calejados pelas decepções, vacinados contra a indignação, não sabemos direito o que pensar. Então não pensamos.” Consideramos toda a sentença grifada com a compreensão que nos

deixa dúvida. Não está claro se, ao se encher bolsos e se esvaziar pudores, treinam-se os olhos (um clínico e outro cínico), ou se treinam os olhos (um clínico e outro cínico) para se encher bolsos e esvaziar pudores.Talvez o que também dificulte a interpretação seja a expressão um olho

clínico e cínico. São dois adjetivos para o mesmo olho ou são dois olhos a serem treinados (um clínico e outro cínico)? Como o verbo treinar está na voz passiva sintética (treinem-se), pensamos que a concordância se relacione com os dois tipos de olhos (um olho clínico e outro cínico são treinados).Em nossa opinião, a melhor interpretação para o período seria (treinem-

se um olho clínico e outro cínico para que se encham bolsos e se esvaziem pudores).

10º exemplo: “A sorte é que apesar de tudo o país anda, a grande maioria de nós labuta na sua vidinha, trabalhando, pagando contas, construindo casas e ruas e pontes e amores e famílias legais. Lutando para ser pessoas decentes, as que carregam nas costas o mundo de verdade.”Todos os gerúndios marcados indicam o modo como “a maioria de nós

labuta na sua vidinha.”RESUMO ANALÍTICO: 14 ocorrências de gerúndio.

RESPEITO É BOM

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Lya não podia ter escrito um texto mais adequado para dar um “puxão de orelha” naqueles que gostam de desfazer do trabalho e da competência de nós, mulheres modernas.

Escuto frequentemente a queixa de mulheres de que ainda não são respeitadas como merecem, em seu trabalho ou individualmente. Primeiro, é uma questão de tempo, pois em quase todos os territórios da atividade humana, menos cozinhar e parir, mulheres são novidade. Ainda estamos buscando nosso jeito de trabalhar, de comandar, de usar nossa autonomia.

A autora também critica as mulheres que colaboram com os preconceitos que a nós são dirigidos, alimentando-os com posturas infantilizadas. Preocupar-se mais com a aparência e menos com a linguagem são atitudes de quem não se valoriza a ponto de exigir respeito de outros.

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

Enquanto nos portarmos feito crianças pouco inteligentes, ou enquanto nosso maior trunfo forem nádegas firmes, fica difícil reclamar que não nos respeitam o bastante. Estarei dando muito valor a exterioridades como saia, joias, trejeitos? Estou. A aparência é nosso primeiro cartão de visita, dizendo coisas como: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente disso. O segundo cartão é a linguagem: se eu não sei nem articular direito meu pensamento falando ou escrevendo, não vou ser um grande candidato a um emprego razoável, pelo menos um cargo em que eu precise pensar... e falar.

1º exemplo: "Escuto frequentemente a queixa de mulheres de que ainda não são respeitadas como merecem, em seu trabalho ou individualmente. Primeiro, é uma questão de tempo, pois em quase todos os territórios da atividade humana, menos cozinhar e parir, mulheres são novidade. Ainda estamos buscando nosso jeito de trabalhar, de comandar, de usar nossa autonomia.”O trecho em destaque reforça a ideia de que a ação é contínua. A mesma

intenção – mostrar uma ação em processo – poderia ser obtido da seguinte maneira: Ainda buscamos nosso jeito de trabalhar, de comandar, de usar nossa autonomia.

2º exemplo: “Certa vez, querendo me elogiar, um crítico escreveu: ‘[...] é uma excelente escritora, pois, embora sendo mulher, escreve com mão de homem’. Isso por si basta para reconhecer a carga de preconceito que sobrevive mesmo entre pessoas com certo preparo, inclusive mulheres, diga-se de passagem, [...].”No trecho querendo me elogiar, tem-se a ideia do modo como o crítico

escreveu para se referir a Lya Luft. Ao mesmo tempo, também podemos perceber que há uma relação de causa e consequência entre o que pensa Lya Luft e o que escreve o crítico.Vejamos:Um crítico quis me elogiar. Ele escreveu: [...] é uma excelente escritora,

[...].”

No esquema acima, temos duas orações independentes que, pela coordenação, serão escritas no mesmo período.

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, por isso

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UM CRÍTICO QUIS ME ELOGIAR, POR ISSO ESCREVEU: “[...] É UMA EXCELENTE ESCRITORA, [...]”

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Um crítico quis me elogiar – oração coordenada assindética.Por isso escreveu: “[...].” – oração coordenada sindética explicativa

A intenção do crítico foi que ressaltar que Lya, mesmo como mulher, escreve com mãos de homem – nada elegante os dizeres do crítico. A oração subordinada adverbial concessiva (embora sendo mulher) não precisaria do verbo sendo para que mesma ideia fosse dita (embora mulher). A economia de palavras deixa o texto mais leve e menos cansativo. Porém, sabemos que Lya escreveu ipsis litteris do que o crítico disse a respeito dela.

3º exemplo: “Esse preconceito é demorado e obstinado, e nós mulheres colaboramos com ele dando nossa melancólica parcela, por exemplo, no jeito como nos portamos, como nos vestimos, como agimos no trivial, ou quando estamos no poder, qualquer poder.”Com os mesmos argumentos do exemplo acima, também vemos uma

relação de coordenação, pois entendemos que a segunda sentença explique a primeira.Esse preconceito é demorado e obstinado e nós mulheres colaboramos

com ele. Nós damos nossa melancolia parcela, por exemplo, no jeito como nos

portamos [...].

Esse preconceito é demorado e obstinado e nós mulheres colaboramos com ele, pois damos nossa melancólica parcela, por exemplo, no jeito como nos portamos [...].

1ª oração: oração coordenada sindética. 2ª oração: oração coordenada sindética explicativa.

4º exemplo: “Não é por nada que boa parte das propagandas de quaisquer produtos usa mulheres quase nuas ou em trejeitos sensuais: vende, dá ibope, dá vontade de comprar... o que é um modo de poder. Falo com certa frequência na psicóloga que atende seus pacientes de minissaia ou profundos decotes, e digo que, lidando com a alma desses pacientes, a roupa não parece muito adequada. Nada contra a peça de roupa, desde que num corpo adolescente: adolescentes ainda não atendem pessoas com problemas psicológicos.”A sentença destacada pode gerar problemas de interpretação,

dependendo do leitor. Não seria difícil de entender que pessoa que usa “minissaias ou profundos decotes” é a psicóloga e isso não é o modelo de roupa adequada para quem cuida com (lida) com a alma de seus pacientes. Mas será que todos os que lerem esse texto terão essa

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1ª or.

2ª or.

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MÔNICA REGINA DE SOUZA

interpretação? Não seria possível que alguém entendesse que os pacientes são os que usam minissaia ou profundo decote?Podemos dizer que quem escreve tem três focos: foco na língua, foco no

escritor e foco na interação (KOCH; ELIAS, 2009, p. 32).O foco na língua é quando deixamos a cargo do respeito às regras

gramaticais a importância de um texto. “O texto é visto como simples produto de uma codificação realizada pelo escritor a ser decodificado pelo leitor, bastando a ambos, para tanto, o conhecimento do código utilizado” (2009:33).

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

O foco no escritor e quando este se vê “como um ‘ego’ que constrói uma representação mental, ‘transpõe’ essa representação para o papel e deseja que esta seja ‘captada’ pelo leitor da maneira como foi mentalizada” (2003:33). O foco na interação é quando a escrita tem a intenção de promover o encontro entre produtor textual e leitor. Para isso, aquele que escreve desenvolve estratégias para essa aproximação (2009:34):

ativação dos conhecimentos que compõem a situação comunicativa;seleção, organização e desenvolvimento das ideias;balanceamento entre informação explícita / implícita; nova / dada.

Tudo isso para compartilhar as informações entre quem escreve e quem lê;revisão da escrita ao longo de todo o processo, objetivando que o

leitor capte a intenção de quem escreve.

Enfim, diante desse breve relato, o que se quer dizer é o fato de que a escrita deve estar ao alcance do leitor. Quando há a possibilidade, por menor que seja, de que o leitor tenha algum impedimento para a compreensão do texto, é preciso que o produtor repense suas práticas de escrita. Portanto, a escrita com o foco na interação é o melhor caminho para um bom texto.Retornando ao fragmento retirado do texto de Lya Luft, se o trecho de

minissaia ou profundos decotes estivesse em outra posição, com certeza nenhum questionamento acerca da compreensão seria feita. Vejamos:“Falo com certa frequência na psicóloga de minissaia ou profundos

decotes que atende seus pacientes, e digo que, lidando com a alma desses pacientes, a roupa não parece muito adequada.”O trecho em que aparece o gerúndio (lidando com a alma desses

pacientes) também não dá muita clareza ao texto. Talvez a melhor opção fosse a escrita da seguinte forma:“Não é por nada que boa parte das propagandas de quaisquer produtos

usa mulheres quase nuas ou em trejeitos sensuais: vende, dá ibope, dá vontade de comprar... o que é um modo de poder. Falo com certa frequência na psicóloga de minissaia ou profundos decotes que atende seus pacientes, e digo que, para aquele que lida com a alma de seus pacientes, a roupa não parece muito adequada. Nada contra a peça de roupa, desde que num corpo adolescente: adolescentes ainda não atendem pessoas com problemas psicológicos.”

5º exemplo: "Enquanto nos portarmos feito crianças pouco inteligentes, ou enquanto nosso maior trunfo forem nádegas firmes, fica difícil reclamar que não nos respeitam o bastante. Estarei dando muito valor a exterioridades como saia, joias, trejeitos? Estou.”

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Para haver paralelismo entre os tempos verbais e, assim, deixar o texto mais harmonioso, o tempo da pergunta deveria ser o mesmo da resposta: “Estou dando muito valor a exterioridades como saia, joias, trejeitos? Estou.”O uso do gerúndio nos dá a ideia de ação contínua, isso é claro que

correto, mas este texto, em particular, tem muita ocorrência de gerúndio, o que o deixa cansativo. Se a resposta está no presente, por que não manter o mesmo tempo e modo verbal na pergunta? Essa é nossa opinião.Também poderíamos reduzir a sentença (gastar menos energia na

escrita e, consequentemente, na leitura) e assim escrevê-la: “Dou muito valor a exterioridades como saia, joias, trejeitos? Dou.”

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6º exemplo: "A aparência é nosso primeiro cartão de visita, dizendo coisas como: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente disso. O segundo cartão é a linguagem: se eu não sei nem articular direito meu pensamento falando ou escrevendo, não vou ser um grande candidato a um emprego razoável, pelo menos um cargo em que eu precise pensar... e falar.” 1º caso de gerúndio: a sentença no qual ele escrito tem valor

explicativo, já que a 2ª oração esclarece a 1ª.

A aparência é nosso primeiro cartão de visita. Dizemos coisas: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente

disso.

A aparência é nosso primeiro cartão de visita, pois dizemos coisas: eu me acho linda, eu sou sensual, estou consciente disso.

1ª oração: oração coordenada sindética. 2ª oração: oração coordenada sindética explicativa.

2º caso de gerúndio: há uma relação de condição com um fato (se não sei nem articular [...] (condição), não vou ser um grande candidato [...] (fato).

Se eu não sei nem articular direito meu pensamento / quando falo / ou escrevo,

não vou ser um grande candidato a um emprego razoável,

pelo menos um cargo / em que eu precise / pensar... / e falar.

1ª oração: oração subordinada adverbial condicional. 2ª oração: oração subordinada adverbial temporal. 3ª oração: oração subordinada adverbial temporal. 4ª oração: oração principal.5ª oração: oração principal (vou ser candidato a pelo menos um cargo).6ª oração: oração subordinada substantiva completiva nominal.7ª e 8ª orações (pensar... e falar.) – orações subordinadas substantivas

objetivas diretas.

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1ª or. 2ª

or.

1ª or.

2ª or.

3ª or.

4ª or.

5ª or.

6ª or.

7ª or. e 8ª or.

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Mesmo que o gerúndio (falando / escrevendo) indique o modo pelo qual “eu” não sei articular meu pensamento, manter o paralelismo verbal (falo / escrevo / vou) deixa o texto mais harmônico.

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7º exemplo: "O comportamento das crianças e adolescentes e seus conceitos sobre o mundo (eles os têm desde cedo, não se iludam!) refletem sua casa. Um pouco incômodo: querendo ou não, somos seus primeiros modelos, e eles percebem muito bem o que é natural e o que é fingido em nós.A sentença marcada é indicativa de condicional (se queremos ou não). A

autora optou pela reduzida (oração subordinada adverbial reduzida de gerúndio).

8º exemplo: "Observo muita gente, e não só jovens, dando de ombros ou rindo ao assistir a uma entrevista de alguns dos nossos líderes (ou escutando belas frases sobre ética): também na vida pública, o respeito tem de ser conquistado e merecido.”As sentenças em destaque são orações subordinadas adjetivas restritivas

(que dão de ombros / ou que riem ao assistir a uma entrevista / ou que escutam belas frases).

9º exemplo: "Sendo humanos, homens, mulheres e crianças, somos ainda animais predadores, querendo ocupar espaço a patadas. Se pudermos, em vez de falar, rosnamos; em lugar de curtir, cuspimos em cima. A gente precisa ser domesticado desde o dia em que nasce.Vamos dividir as orações (e reescrevê-las) para que possamos analisá-las

mais adequadamente:

Somos humanos: homens, mulheres e crianças. Somos animas predadores.

VEMOS DUAS ORAÇÕES INDEPENDENTES.

1ª oração: oração coordenada assindética: Somos humanos: homens, mulheres e crianças.2ª oração: oração coordenada sindética adversativa: PORÉM somos

ainda animais predadores.3ª oração: oração subordinada adjetiva restritiva: que querem ocupar

espaço a patadas.RESUMO ANALÍTICO: 14 ocorrências de gerúndio.

NÃO FUI EU!

O que ocorre com muitos escritores é o que Lya combate neste artigo: a circulação de textos na internet atribuídos a autores famosos. Lya exige respeito daqueles que postam textos, poemas, frases ou quaisquer outros “dizeres” na internet. Muitas são as vezes nas quais essas pessoas escrevem coisas preconceituosas e as atribuem a autores importantes, o que acaba por difamá-los. Foi exatamente isso que ocorreu com Lya Luft, por isso seu desabafo.

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É um texto cretino, dizendo entre outras bobagens que numa palestra para mulheres, que nunca dei, eu falava "coisas inteligentes" fazia mais de uma hora, e ninguém reagia. E que então decidi usar de um recurso especial: "Revelei minha idade, e toda a plateia fez um ahhhhhh de espanto. Primeiro, eu jamais diria que falei para uma plateia pouco inteligente, e nunca precisei revelar minha idade: ela sempre foi de domínio público, tão natural quanto ter olhos azuis e me chamar Lya.”

É preciso atenção quando consultamos algo na internet: o mesmo veículo de informação que ajuda (e muito!) também destrói (e muito, também!).Já na primeira sentença, temos a presença do gerúndio.

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1º exemplo: "Há semanas venho recebendo, via e-mail de amigos ou conhecidos, um texto com meu nome, às vezes até com minha fotografia, mas que não é meu.”Ideia de continuidade. A autora nos dá a impressão de que vem

recebendo (ideia de continuidade), por diversas vezes, o mesmo texto.

2º exemplo: "Pessoas me abordam para dizer que o receberam de outras, e eu negando, tentando esclarecer: não fui eu!!! Eu não o escreveria.”A autora quer que entendamos que ela, insistentemente, nega e tenta

esclarecer que não é autora do texto que circula pela internet – daí o uso do gerúndio. Entretanto o presente do indicativo seria mais enfático – "Pessoas me abordam para dizer que o receberam de outras, e eu nego, tento esclarecer: não fui eu!!! Eu não o escreveria.”

3º exemplo: "É um texto cretino, dizendo entre outras bobagens que numa palestra para mulheres, que nunca dei, eu falava "coisas inteligentes" fazia mais de uma hora, e ninguém reagia.” Há uma relação de fato e explicação – É um texto cretino, pois diz, entre

outras bobagens, [...]. Menos palavras disseram as mesmas coisas.

4º exemplo: "Mas, nas raras vezes em que entro em algum blog, me assustam os comentários que qualquer um pode ali postar, sem dar seu nome, escrevendo as coisas mais disparatadas ou violentas, sem que o atingido possa se defender. Cansei de receber textos apócrifos, que seriam de Drummond, Pessoa, Veríssimo, Clarice e, agora, meu.” Acreditamos na redundância de informações, pois os comentários são os

próprios textos escritos os quais são considerados pela autora como (coisas disparatadas ou violentas). Na sugestão que damos, optamos pelo deslocamento de termos e pelo uso dos adjetivos diante do substantivo. Dessa forma, eliminamos a oração subordinada adjetiva restritiva (escrevendo as coisas mais disparatadas ou violentas = e que escrevem as coisas mais disparatadas ou violentas)."Mas, nas raras vezes em que entro em algum blog, me assustam os

comentários disparatados e violentos que qualquer um, sem dar seu nome, pode ali postar e sem que o atingido possa se defender. Cansei de receber textos apócrifos, que seriam de Drummond, Pessoa, Veríssimo, Clarice e, agora, meu.”

5º exemplo: "Na prerrogativa deste espaço, a quem interessar possa, estou mais uma vez avisando: o tal artigo em que eu teria assombrado uma plateia de mulheres apalermadas revelando o mistério dos meus 71 anos não é meu.”

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Presença de continuidade da ação, mas, novamente, acreditamos que o presente do indicativo seja mais enfático: "Na prerrogativa deste espaço, a quem interessar possa, mais uma vez aviso [...].

6º exemplo: "O melhor nesses casos é não ligar, não dar bola, achar graça. Achei graça por algum tempo, mas, quando um número cada vez maior de amigos ou leitores me vem dizer que receberam o tal artigo, com foto, quem sabe com musiquinha atroz (já circularam por aí poemas meus ou falsos com todo tipo de musiquinha), já estou sorrindo menos. Aviso aos navegantes: vão continuar circulando por aí textos meus, falsos e reais, bons e muito ruins. Esses, não fui eu!”

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A autora continua sua ênfase no fato da continuidade da ação, por isso optou pelo gerúndio, mais uma vez, para encerrar seu texto.RESUMO ANALÍTICO: 8 ocorrências de gerúndio.

O QUE DEVEMOS AOS JOVENS

Lya se surpreendeu com o comentário feito acerca de seus textos, pois disseram que ela se “referia aos jovens como arrogantes, mal-educados.”

Fiquei surpresa quando uma entrevistadora disse que em meus textos falo dos jovens como arrogantes e mal-educados. Sinto muito: essa, mais uma vez, não sou eu. Lido com palavras a vida toda, foram uma de minhas primeiras paixões e ainda me seduzem pelo misto de comunicação e confusão que causam, como nesse caso, e por sua beleza, riqueza e ambiguidade.

A autora fala, em seu texto, da responsabilidade (ou responsabilidades) que família, escola e poder público têm sobre os jovens. Chama-nos a atenção ao bom exemplo que todos devemos dar a nossos jovens para que estes tenham a quem seguir. Ela também fala do respeito que sempre teve ao tratar sobre juventude, pois Lya declara que

Tenho muita empatia com a juventude, exposta a tanto descalabro, cuidada muitas vezes por pais sem informação, força nem vontade de exercer a mais básica autoridade, sem a qual a família se desintegra e os jovens são abandonados à própria sorte num mundo nem sempre bondoso e acolhedor.

1º exemplo: "Tenho refletido muito sobre quanto deve ser difícil para a juventude esta época em que nós, adultos e velhos, damos aos jovens tantos maus exemplos, correndo desvairadamente atrás de mitos bobos, desperdiçando nosso tempo com coisas desimportantes, negligenciando a família, exagerando nos compromissos, sempre caindo de cansados e sem vontade ou paciência de escutar ou de falar.” Também vemos a relação de fato e explicação, ou seja, temos uma

relação de coordenação entre as orações.1ª oração: Tenho refletido muito sobre quanto deve ser difícil para a

juventude esta época em que nós, adultos e velhos, damos aos jovens tantos maus exemplos.2ª oração: Corremos desvairadamente atrás de mitos bobos,

desperdiçamos nosso tempo com coisas desimportantes, negligenciamos a família, exageramos nos compromissos e sempre caímos de cansados e sem vontade ou paciência de escutar ou de falar.Duas orações independentes que podem ser unidas pela coordenação:Tenho refletido muito sobre quanto deve ser difícil para a juventude esta

época em que nós, adultos e velhos, damos aos jovens tantos maus exemplos, pois corremos desvairadamente atrás de mitos bobos, desperdiçamos nosso tempo com coisas desimportantes, negligenciamos

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a família, exageramos nos compromissos e sempre caímos de cansados e sem vontade ou paciência de escutar ou de falar.

2º exemplo: "Penso sobretudo no desastre da educação: nem mesmo um exame de Enem tranquilo conseguimos lhes oferecer. A maciça ausência de jovens inscritos, quase a metade deles, não se deve a atrasos ou outras dificuldades, mas ao desânimo e à descrença. De modo que, tratando dos jovens e de suas frustrações, falo sobre nós, adultos, pais, professores, autoridades, e em quanto lhes somos devedores.”Temos uma oração subordinada adverbial temporal reduzida de

gerúndio (tratando dos jovens e de suas frustrações). Também acreditamos no paralelismo verbal para manter certa organização das ideias: De modo que, quando trato dos jovens e de suas frustrações, falo sobre nós, adultos, pais, professores, autoridades, e em quanto lhes somos devedores.

3º exemplo: "Tenho sete netos e netas. A idade deles vai de 6 a 21 anos. Todos são motivo de alegria e esperança, todos compensam, com seu jeito particular de ser, qualquer dedicação, esforço, parceria e amor da família. Não tenho nenhuma visão negativa da juventude, muito menos da infância. Acho, sim, que nós, os adultos, somos seus grandes devedores, pelo mundo que lhes estamos legando. Então, quando falo em dificuldades ou mazelas da juventude, é de nós que estou, melancolicamente, falando.”Ação durativa – que lhes estamos legando.Ação durativa – estou falando. No segundo caso de ação durativa, o paralelismo verbal soa-nos mais

enfático: “Então, quando falo em dificuldades ou mazelas da juventude, é de nós que, melancolicamente, falo.”RESUMO ANALÍTICO: 8 ocorrências de gerúndio.

Ao todo, foram constadas 67 ocorrências nos textos de Lya Luft.

4.3 Análises dos textos de Roberto Pompeu de Toledo

BRASILIENSES

Neste texto, o autor fala de três assuntos, todos separados por barras: políticos corruptos, caso Uniban e a orientação dada aos pedestres de como usar as calçadas.Na primeira parte do texto, o autor distribui medalhas – como em uma

Olimpíada – para os destaques da política. Quanto deboche! Justos, por sinal!

Medalha de bronze, empatados: 1) Aquele em que o governador, escarrapachado no sofá, é despertado da sonolência pela mão amiga que lhe estende os maços de dinheiro. "Ah, ótimo", ele diz. Justificativa do prêmio: a naturalidade com que o governador

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saúda a oferta, embalada por um "ah, ótimo" tão protocolar como o que saudasse a chegada do cafezinho. 2) Aquele em que a deputada entra na sala, recebe o dinheiro, abre a bolsa, guarda o dinheiro e se vai. Justificativa: a simplicidade do ato.Medalha de prata: o filme da oração, em que três dos propineiros se abraçam e agradecem ao Senhor a graça concedida. Justificativa: a força da fé, mesmo em circunstância em que o comum das pessoas não esperaria sua presença.Medalha de ouro: o filme em que o presidente da Assembleia de Brasília, sentado diante do distribuidor da propina, recebe os maços e os vai alocando, primeiro, nos diferentes bolsos do paletó, depois nas meias. Justificativa: a didática exposição do caráter clandestino da propina, mas não apenas isso. O filme leva a palma também por seus valores estéticos. O personagem está bem vestido, exibe uma silhueta esguia, e os movimentos que executa, primeiro com os braços, conduzindo as mãos aos bolsos, em seguida com as pernas, levantando uma, depois a outra, para alcançar as meias, mostram flexibilidade e boa coordenação. É o estilo a serviço da corrupção.

Na segunda, o autor abre um espaço (como se fosse uma nota de rodapé) para falar do caso da aluna da Uniban. Toledo critica a atitude de alguns alunos da Universidade de Brasília que, quase pelados, escreviam em seus corpos: “O corpo é meu. Eu uso o que eu quiser; eu sou mulher.” No texto, o autor fala que, como são alunos da UnB e tidos como “gente de mente aberta”, eles quisessem dizer: “Sim, nós podemos!”

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Na terceira, o assunto é a campanha do Ministério das Cidades para orientar os pedestres a atravessarem a rua e como usarem as calçadas. O autor se surpreende que essa campanha tenha partido do Ministério das Cidades; para Toledo, o motorista é que deveria ser instruído de como usar as “faixas de pedestres.”

1º exemplo: “Medalha de ouro: o filme em que o presidente da Assembleia de Brasília, sentado diante do distribuidor da propina, recebe os maços e os vai alocando, primeiro, nos diferentes bolsos do paletó, depois nas meias.”É possível ver a cena e o movimento contínuo da ação: primeiro, aloca os

maços de “dinheiro” nos bolsos, depois nas meias. É a ação em ação.

2º exemplo: “O filme leva a palma também por seus valores estéticos. O personagem está bem vestido, exibe uma silhueta esguia, e os movimentos que executa, primeiro com os braços, conduzindo as mãos aos bolsos, em seguida com as pernas, levantando uma, depois a outra, para alcançar as meias, mostram flexibilidade e boa coordenação. É o estilo a serviço da corrupção.”Ação contínua – com o uso do gerúndio, o autor nos deixa perceber a

maneira como o “vencedor da medalha de ouro” executou seus movimentos para guardar seu “prêmio”. 3º exemplo: “Esclareça-se desde logo que o que está em pauta é a faixa

de pedestres sem semáforo. Com semáforo as coisas se simplificam: o sinal fecha, os carros param. Nesses locais nem precisaria haver faixa zebrada. Bastaria uma linha sinalizando o ponto em que os carros devem parar.”O gerúndio está na construção de uma oração subordinada substantiva

subjetiva.

“Bastaria uma linha / sinalizando o ponto / em que os carros devem / parar.”1ª oração: oração principal.2ª oração: oração subordinada adjetiva restritiva.3ª oração: oração subordinada completiva nominal.4ª oração: (parar) – oração subordinada substantiva objetiva direta.Em nossa opinião, o trecho ficaria mais adequado se assim estivesse escrito: Bastaria uma linha que sinalizasse o ponto em que os carros deveriam parar.É a adequação entre os verbos do futuro do pretérito do indicativo (bastaria / deveriam) com o subjuntivo (sinalizasse).RESUMO ANALÍTICO: 3 ocorrências de gerúndio.

WOODY ALLEN NO RIO

Toledo, com sua tradicional ironia, apresenta assuntos que W. Allen poderia tratar, caso seu filme fosse rodado no RJ.

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1ª or.

2ª or.

3ª or.

4ª or.

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GERÚNDIO: UMA VISÃO DIACRÔNICA

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Há uma campanha para que Woody Allen escolha o Rio de Janeiro como locação para um de seus próximos filmes. O que não falta são assuntos para a história. Woody sai do supermercado com o carrinho cheio e começa a descarregar a mercadoria no porta-malas do carro. Tira as verduras, a carne, o azeite e, quando enfim tira o sabão em pó – surpresa! –, aparece um cadáver no fundo do carrinho. O filme também pode começar num consultório de psicanalista. Woody, no divã, diz à doutora (Mia Farrow, reconciliada com o ex-marido em razão do excitante projeto de filmar no Rio) que, não bastasse o abalo que sofreu em Nova York com o caso das torres gêmeas, agora vem ao Rio e assiste à cena de um helicóptero abatido no ar. Em uma terceira possível história, o fraco e indeciso Woody, querendo mostrar à namorada (Scarlett Johansson), como em Bananas, que pode virar um bravo, decide subir ao Morro dos Macacos para caçar o temido FB. Segue-se que se revela tão audaz que acaba aclamado como o novo chefe do tráfico e então…

No mesmo texto, o autor fala da escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016. O autor fala do “prazo” de que o Rio precisa para estar apto a sediar tal evento; aliás, o autor diz dos “prazos” que o Brasil deve ter: “O Brasil precisa de prazos.”

O pior que pode acontecer é a cidade recair nos modelos da Rio 92 e dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Nos dois casos, armou-se uma cidade Potenkim para recepcionar os visitantes. Potenkim, para quem não sabe, era o ministro que antes da viagem da rainha Catarina da Rússia à Crimeia mandou armar cenários pelas aldeias por onde ela passaria, de modo a impressioná-la com a beleza e a prosperidade da nova conquista de seu império. É fácil armar um esquema policial-militar que garanta a tranquilidade por três semanas, mas é também uma vergonha. É contemplar os estrangeiros com uma fantasia e os nativos, condenados à volta da rotina selvagem assim que o evento termina, com um desaforo.

1º exemplo: “Tira as verduras, a carne, o azeite e, quando enfim tira o sabão em pó – surpresa! –, aparece um cadáver no fundo do carrinho. "Quem disse que estávamos precisando disso?", reclama sua namorada (Diane Keaton). "Você nunca presta atenção na lista de compras."O verbo estar + gerúndio dá à ação a continuidade da qual o texto

precisa para a representação da cena. A sentença também poderia ser escrita da seguinte forma: "Quem disse que precisávamos disso?"

2º exemplo: “Em uma terceira possível história, o fraco e indeciso Woody, querendo mostrar à namorada (Scarlett Johansson), como em Bananas, que pode virar um bravo, decide subir ao Morro dos Macacos para caçar o temido FB.”Dividindo as orações para que possamos melhor classificá-las:

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MÔNICA REGINA DE SOUZA

01 – oração principal;02 – oração subordinada substantiva objetiva direta;03 – oração subordinada adverbial final;04 – oração subordinada adverbial modal reduzida de gerúndio;05 – oração subordinada substantiva objetiva direta.

Vejamos uma nova escrita para o trecho.Em uma terceira possível história, o fraco e indeciso Woody decide subir

ao Morro dos Macacos para caçar o temido FB e mostrar à namorada (Scarlett Johansson), como em Bananas, que pode virar um bravo.Acreditamos que o trecho acima esteja mais objetivo, o que facilita o

entendimento.

3º exemplo: “Nenhum dos entrechos está à altura de fazer pelo Rio o que os filmes de Allen já fizeram por Londres e Barcelona, sem falar de Nova York – a câmera demorando-se nos encantos dessas cidades e no melhor que podem oferecer? Calma, apressado leitor. Ainda não chegamos ao fim. Intervalo para comprar pipoca."Ideia de uma ação que está em evolução. É o gerúndio em oração

reduzida: uma câmera que demora nos encantos dessas cidades [...].

4º exemplo: “O prazo que o Rio ganhou é estreito a ponto de exigir ação imediata, mas largo o suficiente para o cumprimento dos objetivos. Um inimigo é a retórica, que tão brasileiramente considera que um problema está sendo enfrentado tão logo se começa a fazer discurso dizendo que está sendo enfrentado. Outro é a condescendência, tanto das autoridades quanto de eminentes cariocas, quando se refugiam no argumento de que outras cidades conhecem tanta ou mais violência, ou de que só partes da cidade são afetadas."1º caso: está sendo enfrentado – ação durativa.2 º caso: dizendo – um caso de oração adverbial modal reduzida de

gerúndio.3º caso: está sendo enfrentado – retorna à ação durativa.

5º exemplo: “Também se civilizou. Ninguém estaciona nas calçadas e respeitam-se as faixas de pedestres. Woody confessa que, como o diretor cego de Dirigindo no Escuro, que simulava construir cenas que na verdade lhe eram sopradas, não teve nenhum papel na regeneração da cidade.”O título do filme – Dirigindo no escuro – mostra o uso do gerúndio como

ação durativa.

6º exemplo: “Em seus filmes, Woody Allen frequentemente faz a mocinha ficar com ele no final. Neste, ele conhece uma turista espanhola (Penélope Cruz) e o resto da história é a câmera mostrando o casal a beijar-se no alto do Corcovado."

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Também um caso de ação durativa.RESUMO ANALÍTICO: 8 ocorrências de gerúndio.

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EM DEFESA DO MURO DE BERLIM

Este texto tem a particularidade de não haver ocorrências de gerúndio. O tempo verbal mais usado é o particípio. Como a escolha do autor foi retratar a lembrança pela data em que se comemora a queda do muro de Berlim (09 de novembro), todo o texto é um “retrato” de acontecimentos marcantes no passado e sua importância para o mundo. Eis os fatos lembrados.1º - A queda do muro de Berlim:

Que bom que o Muro de Berlim foi construído. Se não tivesse sido construído, não teria sido destruído. E, se não tivesse sido destruído, como assinalar no curso da história, da maneira vistosa e dramática que merece, esse evento capital que foi o desmoronamento do mundo comunista? Com que cenário? Com que povo? Com que artefato, concreto como um muro, contra o qual investir? Ainda bem que existem os eventos simbólicos a marcar a marcha da história.

2º - A queda da Bastilha e a Revolução Francesa:

A derrubada do Muro de Berlim é evento da mesma natureza da queda da Bastilha. Claro que não foi a investida contra a mal-afamada fortaleza da Rua Saint-Antoine, em Paris, ainda mais que àquela altura já andava meio desativada, como prisão, e não continha senão sete escassos prisioneiros, que determinou a Revolução Francesa. Mas, sem o episódio da Bastilha, como dar corpo e - de fundamental importância - como dar uma data ao conjunto de transformações ocorrido naquele período da vida francesa?

3º - A Independência do Brasil

A própria história brasileira contém um exemplo similar - o "independência ou morte" das margens do Ipiranga. O evento salvou o advento da independência do destino de, submerso num mar de "processos", apresentar-se sem corpo e sem data. Os atos simbólicos têm o efeito de agarrar o tempo e forçá-lo a uma parada, majestosa e densa como uma escultura. Eles dão inteligibilidade à história da mesma forma como a sucessão das estações dá inteligibilidade ao ano.

4º - A derrocada do Império Soviético e as tiranias do Leste Europeu

A queda do Muro de Berlim, no dia 9 de novembro de 1989, permitiu que, na semana passada, houvesse uma festa na capital alemã e comemorações pelo mundo afora, pelos vinte anos da data. Sem ela, como comemorar a derrocada do império soviético e as tiranias do Leste Europeu? Uns indicariam as greves conduzidas na Polônia pelo movimento Solidariedade de Lech Walesa.

5º - A Revolução de Veludo

Uns indicariam as greves conduzidas na Polônia pelo movimento Solidariedade de Lech Walesa. Outros se inclinariam para as

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manifestações que compuseram a "Revolução de Veludo" da Checoslováquia. Mas qual das greves e qual das manifestações, se foram várias? Mais seguro seria apontar para o dia da ascensão de Mikhail Gorbachev à secretaria-geral do Partido Comunista - 11 de março de 1985.

RESUMO ANALÍTICO: 0 ocorrência de gerúndio.

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UMA VIRADA, UMA DOENÇA E UMA SOLUÇÃO

Três assuntos são tratados neste texto: pré-sal, reeleição do presidente da Colômbia e o turismo.O primeiro “Uma virada” fala da importância, antes dada ao “etanol”,

agora do pré-sal. Uma virada: se antes o álcool tinha valor como fonte de energia (importância esta que ia dos produtores de cana ao Itamaraty), hoje o pré-sal é o auge da questão,

Raramente se veem reviravoltas de tal magnitude. De campeão do biocombustível, o Brasil tornou-se o maior torcedor mundial pela sobrevivência do petróleo. Para a universalização do uso do álcool como fonte de energia, mobilizamos boa parte de nossas forças, dos produtores de cana-de-açúcar ao Itamaraty, até dois anos atrás. Era o tempo em que reinava a palavra "etanol". O auge desse período foi a visita do então presidente George W. Bush ao Brasil, em março de 2007, ocasião em que o presidente Lula recorreu ao melhor de sua lírica para cantar as maravilhas do álcool combustível, e ouviu respostas simpáticas do americano. Um pouco mais tarde naquele mesmo ano, no entanto, uma outra palavrinha faria seu triunfal ingresso em cena – "pré-sal". Uma fabulosa quantidade de petróleo havia sido descoberta nos mares brasileiros.

O segundo “Uma doença” fala da vitória do presidente da Colômbia, que conseguiu a aprovação do Congresso para que seja feito um plebiscito em favor da “re-reeleição”. O termo “doença” é dado por Toledo pelo fato de a “febre” do continuísmo, iniciada por Hugo Chávez, já estava ganhando adeptos.

O novo nome do golpe, na América Latina, é "terceiro mandato". O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, deu um importante passo para ganhar o seu ao obter do Congresso, na semana passada, aprovação para a realização de um plebiscito em que o povo decidirá se a Constituição deve ser alterada para permitir a re-reeleição. Até tu, Uribe! Até então, a febre do continuísmo estava restrita à banda bolivariana dos dirigentes latino-americanos, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez, de quem Uribe é inimigo.

O terceiro “E uma solução” fala das Ilhas Turks e Caicos, no Mar do Caribe, que eram refúgios de piratas e que se transformou em “atração aos turistas”. Em 70, tais ilhas ganharam o “autogoverno” e com isso veio a corrupção. Para dar “solução” ao problema da corrupção, a Inglaterra reassumiu o

governo dessas ilhas. Foi um processo de “recolonização”.

As ilhas Turks e Caicos formam um pequeno país de cerca de 30.000 habitantes, no Mar do Caribe. Antigos refúgios de piratas e traficantes de escravos [...].Por essa mesma época, as ilhas começaram a atrair quantidades crescentes de turistas, seduzidos por suas maiores riquezas – o sol, o mar e as areias. [...] e com a prosperidade veio o quê? O quê? Ora, o que mais poderia ser? Veio a corrupção. A decisão da Inglaterra, diante de tal estado de

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coisas, foi iluminada: revogou o autogoverno. [...] foi aberto o precedente da recolonização.

1º exemplo: “Para que tanta pressa? Os bons brasileiros esperam que o mundo continue confiando nesse meio seguro, eficiente e mais do que testado de mover os carros que é o petróleo.” Ideia de continuidade.

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2º exemplo: “A decisão da Inglaterra, diante de tal estado de coisas, foi iluminada: revogou o autogoverno. Em outras palavras, recolonizou Turks e Caicos. O governador que representava a rainha Elizabeth, até há pouco uma figura decorativa, assumiu de fato o governo. Foi uma inovadora solução que, pensando bem… Por que não? Tomem tento, Américas do Sul, Central e Caribe. Para certos males endêmicos, foi aberto o precedente da recolonização.”Ideia de condição: pensando bem... / se pensarmos bem...RESUMO ANALÍTICO: 2 ocorrências de gerúndio.

POLITICOLÍNGUA, SÉRIE SARNEY

Ironicamente, como é de seu feitio, Toledo fala da criação, por Sarney, de um significado par o termo “atos secretos”.

Atos aos quais faltou a formalidade da publicação – Expressão preferida pelo presidente do Senado, José Sarney, a "atos secretos", para designar as nomeações, exonerações, promoções, aumentos de salários e outras medidas que seus promotores preferiam manter longe das vistas do público. A intenção de lavar pela linguagem um procedimento delituoso lembra o Delúbio Soares dos "recursos não contabilizados" invocados em lugar de "caixa dois", à época do mensalão. Os atos secretos do Senado equivalem ao caixa dois dos procedimentos administrativos.

1º exemplo: “A família foi invocada pelo presidente do Senado ao queixar-se da injustiça que estariam praticando contra ele, logo ele… "eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho de vida austera, de família bem-composta" [...]”Ação contínua.

2º exemplo: “Prova de quão bem-composta é a família é a atenção que merecem mesmo os ramos mais afastados do núcleo central. Vera Macieira Borges, sobrinha de Marly, mulher de Sarney, descolou um ato secreto que a fez funcionária do Senado mesmo morando em Campo Grande, sem função a exercer por lá.”Ideia de concessão (oração subordinada adverbial concessiva reduzida

de gerúndio): “embora ela more em Campo Grande.”

3º exemplo: “Edinho confirmou a notícia com orgulho e altivez: ‘No Maranhão a gente faz parte de uma grande família política. Liberei para trabalhar no convento porque, trabalhando para o presidente Sarney, ele está trabalhando para nós’. O conceito de ‘grande família’ veio a calhar.”Ideia de condição (se trabalha para o presidente Sarney...) associada à

ideia de continuidade (ele está trabalhando para nós).

4º exemplo: “Que insuportável o cheiro das estrebarias. O que lá se produz é não apenas necessário, como obedece aos propósitos do grão senhor. Mas por que fazê-lo deixando escapar o som e o cheiro? O Sarney

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que José Sarney imagina no espelho é o literato sensível, o detentor da sabedoria, o benfeitor das gentes e o salvador da pátria. Acreditaria José Sarney em José Sarney?”Ideia de modo – a forma como “o som e o cheiro” são liberados.RESUMO ANALÍTICO: 5 ocorrências de gerúndio.

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MÁRTIRES DA GLÓRIA

É traçado um paralelo entre o personagem Giovanni Drogo (do livro O Deserto dos Tártaros, do italiano Dino Buzzati, publicado em 1940) e os astronautas da Apollo 11, aqueles que foram os primeiros a pousarem na Lua.

A trajetória do trio de astronautas da Apollo 11 não poderia, à primeira vista, oferecer contraste maior com a de Giovanni Drogo. Na vida de Drogo não aconteceu nada. Na deles aconteceu de serem os primeiros a empreender uma viagem de desembarque na Lua. Drogo esperou em vão pela glória. Os astronautas conheceram a glória de uma empreitada que por milênios pareceu impossível.

1º exemplo: “Giovanni Drogo, o personagem central da história, é um militar que ganha seu primeiro posto no remoto e isolado forte Bastiani, situado na fronteira norte de um país indefinido, e ali permanecerá até o fim da carreira. As tarefas são repetitivas e inúteis. Nada acontecia por ali fazia anos, e continua não acontecendo. Drogo tem chances de mudar de posto em busca de uma vida com mais ação e mais propósito, mas deixa escapá-las todas.”Ação contínua e duradoura.

2º exemplo: “Drogo envelhece esperando o que nunca acontece. Passaram-se os anos, mas ele ‘não pensa que o futuro se reduziu terrivelmente, não é mais como antes, quando o tempo vindouro podia parecer-lhe um período imenso, uma riqueza inexaurível que ele não corria nenhum risco em esbanjar’.”Mostra a forma como Drogo envelhece: esperando [...].

3º exemplo: “Quanto a Giovanni Drogo, para quem quer saber o fim da história – a guerra acaba estourando, sim, na fronteira norte, mas bem no momento em que, velho e doente, ele é retirado do forte para dar lugar a alguém apto ao combate.”O verbo acaba atua como intensificador da ação – a guerra estourou.RESUMO ANALÍTICO: 3 ocorrências de gerúndio.

ELLE, O DE SEMPRE

Pela palavra Elle, com duplo “l”, logo sabemos de quem se trata: Fernando Collor de Melo. O texto critica o “bate-boca” entre Collor e Renan Calheiros contra Pedro Simon.

Pode sentir-se defendido quem tem em sua defesa a dupla formada pelos senadores Renan Calheiros e Fernando Collor de Mello? Há defesas que ferem como ataque. Num primeiro momento funcionam, como funcionou a furibunda blitz desfechada pela dupla contra o senador Pedro Simon, na memorável sessão do Senado da última segunda-feira. A torrente de insultos,

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insinuações e, da parte de Collor, assustadoras caretas lançadas contra Simon intimidou o senador gaúcho a ponto de, como ele afirmaria mais tarde, ter sentido medo físico. Mas o ônus de carregar pela vida afora, e biografia adentro, o fato de ter contado com tais defensores supera o alívio momentâneo.

1º exemplo: “Buscando inspiração no aparelho digestivo, ordenou a Simon que ‘engolisse’ as próprias palavras e ‘as digerisse como julgasse conveniente’. Chamou o honrado senador de ‘parlapatão’.”Relação de causa e consequência:

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2º exemplo: “E enquanto isso armava seu impressionante repertório de expressões fisionômicas e exalações corporais, um conjunto que, querendo sublinhar indignação, acaba por revelar um perturbador descontrole. A respiração era pesada como a do touro ao investir contra o pano vermelho.”Relação de concessão: mesmo que queira sublinhar indignação, acaba

por revelar (acaba revelando, por que não?) [...].RESUMO ANALÍTICO: 2 ocorrências de gerúndio.

O ABSURDO CHAMADO HONDURAS

O autor chama a América Central de “aberração”, pois é fruto “um erro geológico” que fez uma “tripa” de terra resistir a seu destino lógico, que seria a submersão no oceano. “Sem ela, os oceanos Atlântico e Pacífico teriam ampla comunicação.”

Como Honduras fica na América Central, Honduras também é uma aberração.

1º exemplo: “Sem ela, os oceanos Atlântico e Pacífico teriam ampla comunicação. Teria sido evitado o drama que foi a construção do Canal do Panamá, incluindo o escândalo financeiro da primeira tentativa de sua abertura, tão rumoroso que a palavra "panamá" virou sinônimo de negociata.”Aqui, o que vemos é o termo incluindo com valor de inclusive. Ou seja,

não há a presença do gerúndio. 2º exemplo: “O simples fato de haver nações, com o consequente

aparato de fronteiras, exércitos, nacionalismos e xenofobias, já é questionado pelos mais idealistas. Transportado para a América Central, o argumento multiplica-se por mil. Se fosse habitada por árabes e judeus, uns roçando as costas dos outros, ou indianos e paquistaneses, ou chineses han e chineses uigures, ainda se entenderia caber tanto conflito em tão exíguo cenário.”Gerúndio que expressa modo: uns roçando as costas dos outros.

3º exemplo: “Não; são países que falam todos a mesma língua, exceto Belize, são todos cristãos e possuem composições étnicas iguais, ou

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Buscando inspiração no aparelho digestivo,

causa

ordenou a Simon que ‘engolisse’ as próprias palavras e ‘as digerisse como julgasse conveniente’consequênci

a

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quase. A América Central é uma amostra eloquente da forma, abusiva e abusada, como as nações brotaram e continuam brotando na face do planeta Terra.”Gerúndio que expressa a ideia de continuidade, ação durativa: e

continuam brotando na face do planeta Terra.RESUMO ANALÍTICO: 3 ocorrências de gerúndio.

Total de ocorrências de gerúndio nos textos de Roberto P. de Toledo: 26.

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4.3. Análises dos textos de Lya Luft e Roberto P. de Toledo

Ao fazermos uma análise dos oito textos escritos por Lya Luft, vemos com clareza que a autora escreve com emoção e sentimentalismo. Os assuntos tratados em seus textos são temas que afetam as pessoas, pois retratam dilemas, dores, angústias, ou seja, sentimentos que todos temos e vivenciamos.Gustavo Bernardo (2000: 33) retrata bem a maneira como Lya Luft se

expressa em seus textos: “Todo mundo que escreve deve deixar para o leitor o esforço de pensar sobre o que leu, e não o sacrifício de adivinhar o que se queria ter dito – esse é o ponto.” Em nossa opinião, a autora lança questões e deixa que o leitor pense sobre elas. De certo, por ser o texto um revelador de quem escreve, é impossível que a opinião da autora não seja revelada, “Quem se fala afirma a si mesmo no ato da fala e da escrita, firmando ideias e estilos pessoais, justinho para entregar ao outro o que o outro não tem – mas precisa demais” (2000: 34).Platão & Fiorin (2009: 251), quando falam de Viés, corroboram com o

pensamento de Gustavo Bernardo. Para os autores, costuma-se acreditar que os fatos da realidade, quando retratados, não pode “haver nisso subjetividade alguma e que os relatos desse tipo merecem toda a confiança porque são reflexo da neutralidade do produtor do texto e de sua preocupação com a verdade objetiva dos fatos.” Todavia, os mesmos autores dizem que essa forma do autor se colocar diante do texto que ele produz não verdade.

Mesmo relatando dados objetivos, o produtor do texto pode ser tendencioso e ele, mesmo sem estar mentindo, insinua seu julgamento pessoal pela seleção dos fatos que está reproduzindo ou pelo destaque maior que confere a certos pormenores. A essa escolha dos fatos e à ênfase atribuía a certos de pormenores dá-se o nome de viés.

Não há texto impessoal, imparcial, distante, principalmente nos textos que escolhemos para analisar suas formas de escrita e de se posicionarem diante do mundo.Ainda citando Gustavo Bernardo (p. 33),

Enfatizo, no entanto, que se preocupar com o leitor representa preocupar-se com o seu entendimento preciso, mas não equivale a subordinar-se humilhantemente, não equivale a escrever apenas o que o outro quer ver escrito. Escritor e leitor não são o mesmo sujeito, são sujeitos diferentes e a diferença deve ser, além de respeitada, ainda defendida com unhas, dentes e verbos. [...]. O outro precisa de mim e eu preciso do outro, porque ambos precisamos da diferença.

Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira considera Lya como uma escritora “intimista, pois, para Níncia, Lya lembra Clarice Lispector ao revelar o “caminho de dentro”. “Lya Luft desvenda através de seus escritos o

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submundo em que vive a mulher”, e a própria sociedade. "Sua escrita é uma volta ao interior da casa, ao interior do desejo, encenando o mito do eterno retorno que é uma das principais marcas da escritura feminina".Quando se trata de Roberto P. de Toledo, também podemos dizer que o

autor escreve sobre temas que envolvem fatos que afetam a sociedade, como política e economia, por exemplo. Entretanto a forma como tais assuntos são tratados é um pouco diferente do trato dado por Lya. Todos escrevem sobre o mesmo assunto da mesma maneira? Evidentemente, que não.

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Roberto P. de Toledo é mais irônico e julgador. Juliana Tomé Alves7, em sua dissertação, fala das “vozes sociais” presentes nos textos de Toledo. O autor produz “artigos de opinião”, ou seja, para Juliana, Toledo deixa clara e evidente sua “opinião” sobre os fatos.

[...] o enunciatário dos artigos de opinião de Toledo são aqueles que relacionam os elementos que compõem esse tipo de texto – como os adjetivos, as ironias, os discursos reportados – e que está informado sobre o acontecimento abordado nele, para, assim, atribuir-lhe uma significação, levando-o a uma resposta ativa diante do que lê.

Ambos os autores, agora com base no uso do gerúndio, fazem uso desse tempo verbal de acordo com as intenções de seus textos.No texto de Lya Luft, percebemos que a ação é sempre duradoura,

contínua. É como se os fatos se repetissem e as cenas pudessem ser criadas na mente do leitor, isto é, os textos de Lya são mais vivos e “sentidos” pelo leitor. Talvez por isso mesmo, o gerúndio apareça mais vezes.Já Toledo, pelas características do próprio autor, apresenta sua opinião

de forma direta, sem rodeios e em nada sentimental. O leitor lê o que acontece. Os fatos retratados em seus textos são verdades (não que os de Lya não sejam). O autor, com cinismo, ironia e deboche, conta aquilo que vemos no Brasil e no mundo sobre política, economia, corrupção. Os fatos são repetitivos (e bem sabemos que por muito tempo ainda serão), mas o autor fala de um fato ocorrido e sobre ele expõe suas opiniões e críticas. Talvez por isso mesmo o gerúndio apareça menos.

5. O gerúndio e os textos contemporâneos

Neste capítulo, trataremos da presença do gerúndio em diversos gêneros textuais: entrevistas, artigos, reportagens, contos, textos jornalísticos, dentre outros.Uma das razões do uso do gerúndio é a indicação de que uma ação está

em curso, está em andamento. Na capa da Revista Veja (Estamos devorando o planeta), o título da matéria principal bem demonstra uma ação em curso, visto que o que estamos fazendo a nosso planeta é, realmente, devorá-lo sem piedade. Percebemos essa “movimentação contínua e ininterrupta” da ação em função da estrutura: verbo estar + gerúndio.Mas isso nem sempre é possível. Vejamos a sentença: Vou estar

passando sua ligação agora.É claro verificarmos que a estrutura verbal é a mesma (verbo estar +

gerúndio), porém a sentença acima não deixa a ideia de “movimentação contínua”, senão o que se quer demonstrar é a execução da ação naquele exato momento.

7 Autora da Dissertação de Mestrado A plasticidade da voz crítica: os textos de Roberto Pompeu de Toledo na Revista Veja.

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Melhor seria: Vou passar sua ligação neste momento.Também em consulta à mesma revista8, lemos a nota: “Lula continua

repetindo aos interlocutores mais próximos uma espécie de ameaça. Diz que, se na reta final da campanha a parada estiver muito complicada para Dilma, ele pedirá licença do cargo e rasgará o Brasil de ponta a ponta em campanha.”No período acima, mais uma vez vemos que a intenção do produtor é

marcar a continuidade da ação, ou melhor, no caso acima, é deixar evidente a insistência do Presidente Lula ao dizer para seus interlocutores que, se for preciso, ele sairá em campanha a favor de Dilma Roussef.

8 Idem (p. 68).68

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“O vice José de Alencar foi internado [...]. Não era nada de grave e os exames revelaram ainda que o tumor principal continua diminuindo de tamanho. Há dois meses, ele media 14 centímetros. Agora está com 5 centímetros [...].”A sentença acima bem poderia ser assim escrita (12a): “O vice José de

Alencar foi internado [...]. Não era nada de grave e os exames revelaram ainda que o tumor principal diminui de tamanho. Há dois meses, ele media 14 centímetros. Agora está com 5 centímetros [...].”Entretanto, o exemplo 12 dá-nos a ideia de que a melhora do vice-

presidente é real, pois percebemos que aquilo que é causa de sua doença (o tumor) vem diminuindo, gradativamente. A frase passa-nos certa esperança, o que é reforçado pelo termo ainda.Ao analisarmos a sentença (12a), percebemos que o verbo no presente

(diminui), mesmo com o uso do intensificador ainda, transmite uma ideia fria, mais informativa que sentimental.Outro exemplo de que o termo intensificador justifica o uso do gerúndio:

“Ao receber o Nobel da Paz, Obama faz um discurso bem equilibrado entre pacifismo e pragmatismo, e acaba apresentando ali, justo ali, sua melhora defesa da guerra.”A sentença acima tem a estrutura (acabar + gerúndio), porém ela não

teria o efeito de chamar a atenção do leitor para o fato de que, na entrega do prêmio Nobel da Paz (acaba apresentando ali, justo ali), o homenageado ressaltaria a importância da guerra, se os intensificadores estivessem escritos. Vejamos: “Ao receber o Nobel da Paz, Obama faz um discurso bem equilibrado entre pacifismo e pragmatismo, e apresenta ali sua melhora defesa da guerra.” Com certeza, esse tipo de chamada jornalística não seria tão atraente ao leitor.Outra constatação dos intensificadores é o exemplo abaixo, também

retirado da mesma matéria: “Mas o fato é que ali, justamente na cerimônia de entrega do Nobel da Paz, Obama acabou fazendo sua melhor defesa da guerra. Se ajudar a trazer a paz, não terá sido em vão.”Em uma revista para adolescentes – Capricho –, analisamos a entrevista

dada pela cantora Claudia Leite, musa de muitas adolescentes. Em quinze perguntas feitas, a cantora não deixou de responder sem o uso do gerúndio. Como a entrevistada atendia às expectativas de uma revista para adolescentes (e sobre amenidades), com certeza sua intenção foi a de se aproximar dos jovens leitores. Seguem alguns recortes.

Claudia Leita conquistou o Brasil, vivendo em clima de Carnaval o ano inteiro. Agora, a meta em 2010 é conquistar mais fãs ainda, partindo para a

carreira internacional.

Pergunta: Antes disso, você fazia faculdade... Resposta: Isso... Por causa do trabalho como cantora, estava

faltando (faltava) muito. Então decidi trancar. Lembro como se fosso

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hoje! Estava chovendo muito (chovia), fui tirar o carro da garagem, ele enguiçou e eu comecei a reclamar. Eu andava trabalhando (trabalhava) muito, estava muito cansada e não conseguia conciliar [...].

Pergunta: Quanto trabalho e problema... Resposta: Sabe um dia DAQUELES? Fui de ônibus, desci e fui

andando (andei) na chuva até a faculdade. Quando andei mais um pouco, vi uma tenda – A Barraca do Babado – vendendo minhas meias (que vendia) [...]. Tudo o que era do Babado.

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Pergunta: Nos dias de folga, você carrega no “look”? Resposta: Nada! Fico de cara limpa. Nem saio... Fico em casa,

lendo, assistindo filme...

Pergunta: Qual o seu maior segredo de beleza? Resposta: Vou contar um segredo – Às vezes, você está vendo (vê)

uma mulher impecável, linda na TV. Mas joga ela (sic) dentro da água e vê o que acontece! Maquiagem, cabelo escovado... Tudo vai embora!

Pergunta: Sua música Máscaras já está tocando (toca) nas rádios sem parar no rádio. O que vem por aí? Resposta: Estou na fase de selecionar as músicas e de já imaginar

como vai ser a história de cada uma. Estou dando uma de roteirista...

Pergunta: Você vai atuar mostrando os bastidores da TV? Resposta: Quero ir um pouco além. [...]. O glamour, a luz, aquela

coisa do palco, tudo é muito bonito. Por trás, existe muito trabalho. [...] é fundamental que você trabalhe, seja honesto e tenha pessoas que te amam a sua volta, trabalhando com você. (e tenha pessoas a sua volta que te amam e trabalhem com você).

6. Quando o gerúndio compromete o entendimento

Entender e se fazer entendido é o que se pretende quando escrevemos, porém, é fato que nem sempre isso ocorre. No encadeamento das sentenças alguns fatores podem influenciar para que o texto não alcance o seu objetivo, ou seja, transmitir a mensagem com eficiência. Um texto com excesso de preciosismo, frases desconexas, estruturas não tão bem articuladas, compromete o entendimento do leitor.“Escrever é uma atividade que exige do escritor conhecimento da

ortografia, da gramática e do léxico da língua” (KOCH; ELIAS, 2009, p. 37). Tudo isso deve ser usado para atender às expectativas do leitor. Qualquer que seja o motivo da leitura de um texto (até mesmo ler por obrigação), o produtor deve ter a preocupação de se fazer entender. Vejamos o que diz Irandé Antunes (2008:63).

[...] a atividade da linguagem é muito complexa, pois mobiliza tipos bem diferentes de saberes e de competências. Somado ao conjunto das regras linguísticas (gramaticais e lexicais) e das regras textuais, existe um terceiro: aquele relativo às normas sociais que regulam o comportamento das pessoas em situação de interação verbal (grifo do autor).

E quando uma “interação verbal” não ocorre, não temos “interação social”. Que diálogo pode haver se não há entendimento de quem fala/escreve para quem ouve/lê? Não nos esqueçamos de que, no diálogo, emissor e destinatário trocam de lado constantemente.

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Como nosso trabalho se baseia no uso do gerúndio, neste capítulo mostraremos como este modo verbal, às vezes, pode causar problemas no entendimento do texto.

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10.3.1 – Os reajustes da Taxa Mensal de Manutenção serão efetivados nos termos da Lei nº 8.880/94, e legislação subseqüente, anualmente. Entretanto, em havendo permissivo legal, desde já fica pactuado que a referida mensalidade será reajustada com a menor periodicidade legalmente permitida9

(grifo nosso).

O fragmento acima foi retirado de um contrato de plano de saúde. Como no parágrafo anterior, se temos no texto (no diálogo) a interação social, o contratante de um plano de saúde precisa (e deve) participar desse diálogo de forma precisa. É preciso ler e entender o que está sendo lido.Analisemos o fragmento em havendo permissivo legal. A presença do

gerúndio, que se mostra em estrutura jurídica, causa estranhamento ao leitor (talvez seja por isso que os contratos, além das letras miúdas, não sejam lidos pelos contratantes). Vejamos o texto modificado: “Os reajustes da Taxa Mensal de Manutenção serão efetivados nos termos da Lei nº 8.880/94, e legislação subsequente, anualmente. Entretanto, se houver permissão legal, desde já fica pactuado que a referida mensalidade será reajustada com a menor periodicidade legalmente permitida.”A forma como está escrita nos contratos, mais apropriada ao domínio do

texto jurídico, “demonstra descompromisso com o público-alvo desse tipo de texto.”Agora, analisemos outro exemplo: João é um homem muito interessante;

é viajado falando muitas línguas que foram aprendidas pelos locais por onde passou.No exemplo acima, o gerúndio é abusivo, pois não faz sentido com o que

se quer transmitir. A ideia de consequência é clara e o gerúndio não dá esse entendimento: João é um homem muito interessante; é viajado, por isso fala muitas línguas que foram aprendidas pelos locais por onde passou. Também se percebe a ideia de adição: João é um homem muito interessante; é viajado e fala muitas línguas que foram aprendidas pelos locais por onde passou.Outro exemplo jurídico com muitas ocorrências de gerúndio:O presente Contrato de Operação de Plano Privado de Assistência à

Saúde reveste-se de característica bilateral, gerando direitos e obrigações individuais para as partes, na forma do disposto nos artigos 1.092 e 1.093 do Código Civil Brasileiro, considerando-se, ainda, esta avença, como um Contrato Aleatório, regulado pelos artigos 1.118 e 1.121 do mesmo código, assumindo o (a) CONTRATANTE, o risco de não vir a existir a cobertura da referida assistência, pela incoerência do evento do qual será gerada a obrigação da CONTRATADA em garanti-la. Outrossim, este Contrato sujeita-se às normas estatuídas na Lei Federal nº 9.656/98 e legislação específica que vier a sucedê-la.

9 Exemplo retirado do artigo Peripécias na construção textual: o contrato de planos de saúde uma linguagem que não comunica.

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O texto acima, pela escolha das palavras, pela organização, pela inadequação no uso das pontuações e pela própria intenção do autor ao escrevê-lo, compromete em muito o entendimento de quem lê. A supressão das três ocorrências de gerúndio, além das de alguns termos, em nossa opinião, poderiam simplificar a escrita e, consequentemente, a leitura. Vejamos:O presente Contrato de Operação de Plano Privado de Assistência à

Saúde contempla característica bilateral, as quais geram direitos e obrigações individuais para as partes, na forma do disposto nos artigos 1.092 e 1.093 do Código Civil Brasileiro. Ao considerarmos, ainda, este acordo, como um Contrato Aleatório, regulado pelos artigos 1.118 e 1.121 do mesmo código, assumido pelo (a) CONTRATANTE, o risco de não vir a existir a cobertura da referida assistência pela incoerência do evento, será gerada a obrigação da CONTRATADA em garanti-la.

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Outrossim, este Contrato sujeita-se às normas estatuídas na Lei Federal nº 9.656/98 e legislação específica que vier a sucedê-lo.Diante das incongruências que vimos no que tange à escrita, percebe-se

certo desrespeito ao leitor, pois mesmo aqueles que têm conhecimento de certas estruturas linguísticas mais densas teriam alguma dificuldade para captar com rapidez a intenção de quem o escreveu. É preciso termos em mente que quem escreve tem um leitor no papel, já

que a linguagem é força social e é na sociedade que aquela se realiza, faz-se verdade. Sendo assim, valem as palavras de Bakhtin (1999:113):

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela apóia sobre mim numa extremidade, na apóia-se sobre meu interlocutor. A palavra é território comum do locutor e do interlocutor (grifo do autor; grifo nosso).

Humberto Eco (1984:99) diz que o texto é uma batalha entre dois exércitos, daí da necessidade do jogo de estratégia que o texto deve articular. Quem escreve ou fala espera a aceitação de quem lê ou ouve, o que ratifica o fato de que a “linguagem não é veículo; linguagem é ação”. Se não houver a interação entre autor / leitor e vice-versa, de nada adiantou a existência de um texto ou de uma fala.

CONCLUSÃO

“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-

las.”Voltaire

Entender e se fazer entendido é o que se pretende quando escrevemos. É pensando no leitor que devemos embasar a escrita de nossos textos. E onde entra a questão gramatical? É que nos ajuda a expor no papel a organização de nossos pensamentos, pois, por ela, estruturamos o nosso desejo de informar. Foi pensando nisso, que este trabalho estudou a presença do gerúndio

nos textos de Lya Luft e Roberto Pompeu de Toledo e na obra de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, apresentando as classificações de cada ocorrência e os diversos entendimentos que podemos ter a partir do material analisado. Notamos que, na evolução deste modo verbal, o gerúndio sofreu

evolução na escrita, porém não mudou sua forma de uso. Apresentamos diversos exemplos de Cláudio Brandão e Ernesto Carneiro Ribeiro que comprovam muitas de nossas análises na obra de Camilo Castelo Branco, principalmente.

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Percebemos que, de forma geral, o caráter modal é intrínseco ao uso do gerúndio, porém muitas outras possibilidades também foram vistas. Outro dado que notamos foi que dispensá-lo, em algumas vezes, seria mais propício ao entendimento.Um fato que deixamos registrado neste trabalho é a banalização do uso

do gerúndio quando o vemos naquilo que muitos chamam de gerunditite – prefixo (–ite) já nos dá a ideia de doença (otite, amigdalite, estomatite, dentre outras). Pelos exemplos apresentados, vimos que a intenção de quem o usa não garante a ação realizada. O uso ficou tão frequente que sua repetição (na mesma fala) deixa o ouvinte entediado e com a ideia de que o falante pouco sabe do verdadeiro uso do gerúndio.

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Ressaltamos que, nas análises das obras escolhidas, o desejo motiva o uso. Nos textos literários, o uso do gerúndio com o intuito de valor semântico à continuidade da ação é mais frequente; nos textos de caráter mais técnicos, o uso do gerúndio é mais comedido. Para que essa conclusão fosse mais sólida, precisaríamos de traçar um

perfil sociológico de cada autor e essa não é a intenção desse trabalho. Pelo menos não neste momento.O maior intento deste trabalho foi apresentar as ocorrências do

gerúndio em nível gramatical, o que conseguimos provar que é vasto, pois diversas foram as classificações dentro da gramática.

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