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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USPFACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS – FFLCH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANADEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
DOUTORADO EM GEOGRAFIA HUMANA
GEOGRAFIA HISTÓRICA,DISCURSOS ESPACIAIS E
CONSTRUÇÃO TERRITORIALEM SANTA CATARINA
ORIENTADORES:Prof. Dr. Antonio Carlos Robert Moraes (in memoriam)
Prof. Dr. Manoel Fernandes de Sousa Neto
André Souza Martinello
São Paulo2016
Versão corrigida
2
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meioconvencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na PublicaçãoServiço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São PauloMg
MARTINELLO, André Souza MartinelloGEOGRAFIA HISTÓRICA, DISCURSOS ESPACIAIS e
CONSTRUÇÃO TERRITORIAL EM SANTA CATARINA / AndréSouza Martinello MARTINELLO ; orientador ManoelFernandes de Sousa Neto SOUSA NETO. - São Paulo,
2016.243 f.
Tese (Doutorado)- Faculdade de Filosofia, Letrase Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.Departamento de Geografia. Área de concentração:
Geografia Humana.1. Geografia Histórica. 2. Construção de/doTerritório. 3. Santa Catarina. 4. Território
catarinense (1738-1946) . 5. História Espacial ediscursos na conformação de espaços em Santa Catarina.
. I. SOUSA NETO, Manoel Fernandes de Sousa Neto ,orient. II. Título.
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Universidade de São Paulo – USPFaculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas – FFLCH
Departamento de GeografiaPrograma de Pós-Graduação em Geografia Humana
Nível: doutorado
GEOGRAFIA HISTÓRICA, DISCURSOS ESPACIAIS ECONSTRUÇÃO TERRITORIAL
EM SANTA CATARINA
Dedico a presente tese:Para todas e todos estudantes que têm me feito professor.
As minhas mestras e aos meus mestres, professoras-professores; mentoras e mentores que meinspiram nos caminhos da educação e do aprimoramento. Aos professores da família do lado
do pai e da mãe.Aos meus pais, que em certa altura de suas vidas graduaram-se professores e exerceram
magistério.
Doutorando: André Souza Martinello
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AGRADECIMENTOS
O tempo de ingresso no doutorado até a realização final da tese e o ato de discuti-lacom avaliadores levou aproximadamente quatro anos, entre 2011 e 2015 (quando dadefesa). Durante esses mais de quatro anos, certamente é quase impossível não esquecer,deixar passar ou perder de registrar algum agradecimento. Por eventuais falhas eprincipalmente pela consciência de que não conseguirei nomear justamente todas asinstituições e pessoas, primeiro registro um obrigado mais genérico e geral para quem dealguma forma ficou sabendo, acompanhou, me viu e vivemos de certa maneira o tempo deelaboração dessa tese e da busca do doutoramento. Meu obrigado para àqueles, que porfalha minha, eventualmente não estejam aqui registrado ou explicitado em nome. Foramvividos esses anos em diferentes lugares: vindo de Florianópolis, morei mais de um ano emSão Paulo, depois, em 2013 retornei para Santa Catarina. De Florianópolis fui paraBlumenau em 2014 e ali se deu a redação final do último ano. Além de ter feito pesquisaem arquivos no Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis morei em lugares diferentes econtraí dívidas e gratidão a quem ajudou. Se não mencionei todos nomes, reforço oobrigado (as pessoas sabem quem são).
A possibilidade de ingressar no doutorado em 2011 e ter remuneração com bolsa apartir de setembro de 2012 só se concretizou pelo apoio material e financeiro do“paitrocínio”. Assim como, todo apoio também material e econômico de viver em “casa demãe.” Grato ao meu pai, por completo e irrestrita presença e gigante apoio: Obrigado meupai, sem você eu não saberia como teria chego nas condições que foram sendo dadas. Foifundamental toda a super disposição paterna. Minha mãe também: porto de acolhida etotal, completo e irrestrito apoio, devo muito agradecer. Ter em vocês como parteimportante dessa dedicação da tese; ela também é muito fruto dos investimentos, na crençae presença de vocês.
Ao governo federal brasileiro: preciso registrar o formidável apoio da bolsa dedoutoramento pela agência de Capacitação de Pessoal de Ensino Superior, na ótima bolsaCAPES de doutorado que recebi entre 2012 e 2015: registro esse importante obrigado.
Ao Professor Antonio Carlos Robert Moraes (im memoriam), conhecidocarinhosamente como Tonico, me teve como seu orientando; e aprovou meu ingresso nodoutorado em Geografia Humana da USP. Tonico partiu antes da defesa final, conseguiuler e orientar até uns 2 capítulos quando da qualificação. Fez sua passagem, mas tambémnos deixou a lição de garra, persistência e do não desistir. Tonico viveu e reviveu, reergueu-se para deixar dito que se capoeira um dia cai, cai bem. Certamente que encobertos pelasensação de que havia ainda muito para ele fazer, mas muito Tonico fez.
Professor Manoel Fernandes de Sousa Neto assumiu em todos os momentos comrigor de gente de verdade uma orientação repleta de camaradagens, questionamentos e quefez com que a tese chegasse ao seu fim e a trajetória tivesse sido completa e completada.Esse é uma tese de dois orientadores, o da velha guarda que partiu e a nova vanguarda queManoel representa em sua geração. No processo da perda de um orientador que completouseu ciclo de vida, houve o encontro extremamente bem resolvido e aberto: - Manoel fez aorientação mais sincera que pessoas em luto poderiam fazer: tornou nosso encontro dedoutorando e orientador um trabalho intelectual. Leve, sereno e imaginativo, agradeço aoProf. Manoel essa transição de mais de um ano da orientação das mãos do Tonico para asdele. Com a defesa encerramos um belo ciclo; e uma amizade nasceu: obrigado!
Tanta gente a agradecer e por tantos por quês... e já que foi tão plural o nome pluralda pessoa plural: a Clenes, do Geopo – Laboratório de Geografia Política (USP). Obrigadopor me alertar na selva de pedra ou, a me ensinar a sobreviver nessa imensa Sampa, naquelagrande USP que cheguei acanhado, com medos e muito inseguro. Clenes tem o tom, o
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mapa, a alegria e emprestou a chave do laboratório para que eu pudesse freqüentar e usá-lo(junto com uma declaração regularmente renovada para meu livre acesso ao Geopo,mesmo nos finais de semana). Agradeço sua confiança e camaradagem, Clenes.
Aos colegas da badalada república de moradia: o “Solar (dos Príncipes)”; aprendimuito dessa vivência partilhando uma casa... não foi fácil e também não foi um drama. Eracaro, engraçado e uma diversidade nada rotineiramente ordinária. O meio ano que moreinessa republica parece ter sido para mim, a maior experiência utópica e imaginativa quevivi... muita música, muita conversa e muita gente enchendo o saco de todo mundo.Sobrevivi e depois mudei para uma pensão na Vila Indiana (a quem também registroagradecimento pelas amizades em ambos lugares que morei em Sampa em 2012 e 2013).
Muitas pessoas eu preciso agradecer desse processo: o colega Miguel Vieira deLima; a conterrânea e parceira amiga Maria Helena Lenzi (obrigado pelo diálogo nosmomentos de mais apuros e de angustias). A querida corajosa, guerreira e ativa amigonaSimone Affonso, a Simoninha: um obrigado pelo afeto e diálogo: mesmo longe é perto!
Preciso mencionar nomes de pessoas de vários cantos, lugares e circunstância comoCélia Sakurai (valeu!); Vera Lúcia Nehls Dias (embalou a ideia de pós-graduação desde uns10 anos atrás já passados....); Prof. João Klug (e toda comunidade amiga do Labimha-ufsc).Quero agradecer parceria de muitos amigos e camaradas, desde Vitor Hugo BastosCardoso, passando por Thiago Rodrigo Silva; super camarada Edison Lucas Fabrício; aSandra Onneing da Silva... aprendi muito com vários colegas de trabalho, estudos e vidauniversitária.
Pessoas de instituições como UFSC, UDESC, (o PGDR da) UFRGS,contemporâneos de FFLCH da USP, meu obrigado.
Da minha passagem pelo do Itajaí, particularmente Blumenau: esse é o melhor lugarpara um nascido itajaiense, mas vivido a infância e pré-adolescência em Guaramirim (SC) terido parar... a FURB é uma instituição que me abriu porta para possibilidade de lecionar nagraduação e conhecer muitos estudantes. Devo agradecimento para vários colegas dainstituição. Prof. Ivo M. Theis conseguiu ler uma parte do primeiro capítulo (a quemagradeço). Colega Luciana B. do departamento de ciências sociais também dialogou sedispôs em ler, agradeço. A partir do nome do atual diretor do Centro de Ciências Humanase da Comunicação (CCHC) da FURB, Prof. Celso Kramer, gostaria de agradecer todos osdemais colegas professores seja do departamento de História e Geografia, seja de outrosdepartamentos como da Educação (via coordenadora Rose Nazário), do ComércioExterior, do Serviço Social (Profª Cleide e Maria Salete)... ao excelente grupo de estudos ediscussões (e de amigos) do NPDR do PPGDR da FURB.
Obrigado aos estudantes que trocaram ideias e boas conversar. Ao Michel e todasua classe de História da FURB ano de entrada 2014-1: - obrigado por me iniciarem nomundo da docência na universidade. Agradeço à Larissa que me ajudou a colocar asimagens do Pequeno Príncipe no correr da apresentação inicial. Aos colegas da Uniasselvi(em Indaial-SC), mesmo tendo sido rápido o contato e passagem ali, agradeço tod@s.
São muitos obrigados, dívidas e agradecimentos: faço aqui de maneira genérica,mais uma vez, como um pedido de desculpas pelas omissões e esquecimentos. No fundo,as pessoas que de alguma forma ajudaram sabem quem são; eu também sei delas e aoencontrá-las de alguma forma as agradeci ou agradecerei. Àquelas que chegarem aqui e como passar dos olhos virem uma parte do meu trabalho, também podem e devem se sentirparte dele. Aos meus irmãos, obrigado por acreditarem em mim.
Para toda minha família, para todos meus colegas, para todos os meus amigos, paratodos meus professores e companheiros:
Eu não vim sozinho e não vou sozinho, eu só posso dizer meu muito obrigado pelapartilhar de irmos e das trocas no caminho.
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RESUMO
A presente pesquisa busca mapear alguns momentos relevantes, circunstâncias esituações marcantes na constituição histórica de “um espaço catarinense” e suasterritorializações. Passando pelo período colonial: quando rota de viajantes no circuitomarítimo a elegem como um ponto de parada e em seguida, pela criação da capitaniasubalterna (1738) da Ilha de Santa Catarina – toponímia que nomeia posteriormentetodo o Estado – e pela complexidade da anexação do Planalto (1820). Defende umaideia, a tese de como a localização da capital e sua sede administrativa é resultado dearranjos do período colonial, sendo herança que resistiu ao tempo (mais do que aconjuntura que a tornou lócus de poder) e permaneceu às mudanças. A sede da escolhada capital refletindo resultado e decisão de uma territorialidade militar. Já no final doséculo XIX, nos primeiros anos da República, discutia-se a Questão Missões e, napresente pesquisa, as relações do território brasileiro nesse período são problematizadasno segundo capítulo, quando é discutido as repercussões do fim do litígio (1895) nafronteira Oeste catarinense. Trata-se também dos usos sociais dessa querela e dasrepresentações do espaço: seja para usos e conquistas individuais, seja pelo movimentorepublicano, desejando encontrar símbolos que se opusessem a monarquia (do segundoimpério), validando a tese do Brasil na acepção espacializante. Presente também naconstrução de Santa Catarina, a ideia do espaço, antes da sociedade, como gerador deagregação ou indutor de coesão. Essa pesquisa discute um País em que heróisterritoriais são colocados em (ou ocupam) posições relevantes na representação danacionalidade, costumando atribuir-lhes poderes, por resguardarem áreas e manterem ouexpandirem fundos territoriais. Casos como Barão do Rio Branco, Barão de Capanema,Emil Odebrecht, e num caso paradigmático, governante catarinense representando-secomo um bandeirante na Viagem (em 1929) aos sertões de Santa Catarina. Através daanálise de espaços e poder, essa investigação defende como a construção territorialcatarinense é influenciada por dinâmica colonial, seja pela junção complexa de circuitose unidades “separadas” do litoral e planalto com anexação de Lages (1820), seja comorelação maior no contexto de disputas Ibero-Americanas. Um interior lentamenteintegrado reflete, por exemplo, quando em 1943 a União encampa uma áreadesanexando o extremo Oeste e até 1946, permanece submetido à governança federal,no Território do Iguaçu. Essa área que cobre tal Território, havia passado pelo litígiocom Argentina; tendo sido também contestado entre o Paraná e Santa Catarina, e para aqual um governante “leva” instituições estaduais catarinenses; é desmembrado por serconsiderado em abandono. É atribuída à área, quando da criação do Território Federaldo Iguaçu, a necessidade de maior e mais rápida integração ao Brasil (pois faz divisacom país estrangeiro). Embora se dizia da urgência da integração, três anos após éreincorporada aos seus estados de origem, Paraná e Santa Catarina. Enfim, a presentetese trata de discursos, concepções e construções (do espaço catarinense) em que seatribuiu a necessidade de integrar o território, apropriá-lo, para inventá-lo e fazer existirabrangência de uma comunidade catarinense, num espaço entendido como (de) SantaCatarina.
Palavras-chave: Território catarinense; Geografia Histórica; Santa Catarina; Integração;Discurso espacial
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ABSTRACT
The present research intends to map some relevant periods, circumstances and situationsthat constitute the history of the space corresponding to Santa Catarina and itsterritorializations. One advances the colonial period, in which the sea route was the onlypossible way to move, then the subordinate captaincy (1738) of Santa Catarina Island –toponymy that will name the whole state later and, finally, its complex attachment to thePlateau (1820) occurs.We defend the thesis according to which the location of thecapital city and its administrative headquarters are consequence of the colonial period,whose heritage resisted the elapsed time (more than the conjuncture which made it thelocus of power) and stood amidst all changes.Choosing the capital city as the seat ofgovernment reflected the decision made by military territoriality. This reasearchdiscusses the end of the dispute (1895) in the western border of Santa Catarina, in thefirst republican years. These are also the social uses of this litigation and of therepresentations of space, either for individual uses and conquests or for the republicanmovement, yearning symbols that would impose upon Monarchy and Second Empire;that all validates the thesis that contemplates Brazil under a spacial perspective. In theconstruction of Santa Catarina, one may consider the idea of space, before the one as asociety, generating aggregation or inferring cohesion. Thisresearch discusses thiscountry, in which some territorialheroes are placed in (or occupy) relevant positionsrepresenting nationality. Hereupon power is attributed, which protects some areas,maintaining or expanding territorialfunds. Some cases can be mentioned: Baron of RioBranco, Baron of Capanema, Emil Odebrecht, and the most oustanding of all a governorfrom Santa Catarina who is represented as a trailblazer in the Voyage (in 1929) inlandwithin the same state. Through the analysis of space and power, this investigationdefends how the social construction of Santa Catarina is influenced by colonialdynamics, either because of the complex junction of circuits and ‘separate” units of thecoast and the plateau, by attaching Lages (1820), or because of the relations in thecontext of the Iberoamerican disputes. The inlands, slowly being integrated reflect, forexample, the fact in 1946 when the Federation takes control of an area undoing theattachment of the Far West, which remained submitted to the federal government, in theTerritory of Iguaçu. Finally, this thesis deals with some discourses, concepts andconstructions (related to the space of Santa Catarina), within which the necessity tointegrate this territory, appropriate it, by inventing it, made it exist as a community, inthe space understood as (belonging to) Santa Catarina.
Keywords: Santa Catarina territory; Historical geography; Santa Catarina; integration;space speech
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“Em nossa época, entretanto, devemos conceber oEstado contemporâneo como uma comunidade humana
que, dentro dos limites de determinado território – a noçãode território corresponde a um dos elementos essenciais do
Estado – reivindica o monopólio do uso legitimo daviolência física.”
Max Weber (2004, p.56), Ciência e Política: duas vocações
“De início, o amor pela Geografia me veio peloscaminhos da poesia – da imensa emoção poética que sobe da
nossa terra e das suas belezas: dos campos, das matas, dosrios, das montanhas; capões e chapadões, alturas e planuras,
ipuêiras e capoeiras, caatingas e restingas, montes ehorizontes; do grande corpo, eterno, do Brasil. Tinha que
procurar à Geografia, pois.”João Guimarães Rosa (20-XII-1945), em
discurso de posse na Sociedade Brasileira de Geografia
“As formas geográficas também se apresentam comorelação a obedecer e se materializam mediante um conjunto
de normas e ou regulações jurídicas, sociais e culturais quenão só balizam como causam impactos diferenciados sobre
os lugares e as regiões; as formas de propriedade e deapropriação territorial são dois exemplos mais
significativos.”Maurício de Almeida Abreu (2010, p.19), em
Geografia Histórica do Rio de Janeiro.
“Nós, os geógrafos éramos, então os proprietários dadiscrição dos lugares, tarefa que hoje está entregue a mídia,
sobretudo à televisão. O mundo entra em nossa casa com os jornais,as rádios, a telinha.
A Geografia perdeu o monopólio da descrição. Elatem, então, que fazer outra coisa para poder conversar mais
com os cientistas sociais”.Milton Santos (2000, p.50), em entrevista na obra
Território e Sociedade
“A autolocalização do indivíduo no mundo éessencial na formação de sua consciência social.”
Antonio Carlos Robert Moraes (2002, p.14) emA contribuição social do ensino de Geografia
10
SUMÁRIO
Até que nem tanto geográfico assim. Abrindo um texto com Antoine Saint-Exupéry:convite informal para leitura 13
Introdução 24
Geografia Histórica: volver 35
CAPÍTULO I-Bases Para Emergência do Território “Catarinense” 40
Das disposições para sínteses e abrangências 40
Territorialidade do Estado-nação (mercado em primeiro lugar, na América) versusTerritórios Sociais, diálogo teórico nas “convivências” tensionadas no Brasil 41
O Brasil como território. O território como Brasil 45
Espaço barganha. Política e território, caso da criação da Província do Paraná, 1853 49
A localização da capital em uma ilha: “rugosidade” e longa duração na relação com amontagem territorial catarinense 53
E o que é uma rugosidade? Milton, explica. Uma ilha e seus usos: permanências 55
Baía(s) da ilha: navegar é preciso, parar é necessário. Quando o mar faz a ocasião 58
Capilariza, Capital. Não capitaliza a Capital? A ponte para a rugosidade vencer ou o uso daponte para capital acontecer 61
Territorialidade do navegar, antes da territorialidade militar. Ou, “Uma baía doContinente,larga e cômoda, que os franceses chamam de ‘Bom-port’.” – Anson 71
A certidão e a toponímia, Santa Catarina: a ilha que nomeou uma Província/Estado 84
CAPITULO IIAlguns Usos da Questão de Palmas e do Litígio Brasil Argentina: Sentidos e EstratégiasDiscursivas a um Fundo Territorial 98
Territórios ambíguos, interesses republicanos? 98
Câmara/Congresso diz não a Bocaiúva, não à Argentina. Sim, ao Arbitramento 113
Engenheiro geógrafo cartógrafo e o mapa Questões dos Limites. Emil Odebrecht nas tramasdas representações do espaço cartografado na geo(e)política no Império 119
A Alemanha que se via desde o Brasil. O Brasil visto com olhar alemão 123
Sucesso na polêmica Questão do litígio: engenhosa rede de apoio ou ascensão 127
11
Olhando e temendo a vizinhança. Valores da área em litígio: natureza e território 132
A vitória (foi) dos mapas e do Barão do Rio Branco: trajetórias e contexto do “herói territorial”nacional, por excelência 138
Do Visconde para o Barão: o sucesso, de pai pra filho 141
Convencer para manter território: Palmas pertence ao Brasil. Alguns argumentos 150
CAPITULO IIIUm Bandeirante no Último Ano da Década de 20, do Século XX: O caso do Oeste de SantaCatarina e a Viagem do Governador em 1929 160
(Auto-)constituidores, (desbravadores) do Sertão, não-geógrafos, mas “temáticasgeográficas” 178
O Bandeirante (brasileiro-germânico) a nacionalizar o Sertão: Adolpho Konder 184
CAPÍTULO IVTerritório Federal do Iguaçu (1943-1946) 197
Territórios ao Oeste 197
Imposições: da criação do território e da extinção do mesmo 206
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro/SGRJ e a redivisão territorial do País 202
Sertanismo prévio, prepara a Marcha: contextos para apropriações 217
Atos simbólicos e atos falhos? Ordinários e extraordinários no Território 221
Onipresença estadunidense ou uma face da norteamericana no território? 225
CONSIDERAÇÕES FINAIS 228
REFERÊNCIAS 231
ANEXOS 244
12
INDICE DE IMAGENS (MAPAS), GRAVURAS, TABELAS e BOXES
TÍTULO PÁGINA
Imagem 1: Áreas com presença de colônias planejadas em caminhos da integração 29
Tabela 1 Movimentação dos Portos de SC para ano de 1969 por Ferreira (1971) 67
Imagem 2 Exemplo de Representação cartográfica da Ilha Brasil de Cortesão (1955) 76
Box 1: Alguns fatores e destaques na constituição de uma territorialidade marítima na ilha82
Tabela 2: Ano de instituição de Vilas na hierarquia urbana colonial, Azevedo (1956) 85
Imagem 3: Carta Topográfica Administrativa da Província de Santa Catharina (1848) 93
Imagem 4: Área total do Litígio 100
Imagem 5:Colônias Militares e áreas pretendidas pela Argentina até 1888 e após 102
Imagem 6: Linha Imaginária acordo Bocaiúva 111
Box 2: De Blumenau para o Império, do Império para a República 121
Imagem 7: Emil Odebrecht fazendo trabalhos de topografia e de localização geográfica 122
Imagem 8: Carta resultado da Comissão Mista em que atuou Emil Odebrecht 132
Imagem 9: Colônias militares brasileira fundadas fora da área de litígio 134
Imagem 10: A legenda no rodapé da foto, “regionaliza” parte de SC como sertão 164
Imagem 11:Trajetória da Excursão do Governador Adolpho Konder em 1929 166
Imagens 11 e 12: Capas de publicações de livros de época da expedição ao Oeste 180
Imagem 13: Estados existentes (alguns “desmembrados”) e os Territórios Federaisinstituídos em setembro/outubro de 1943 pela Lei nº5.812 de 13 de setembro 198
Imagem 14: Administração Território do Iguaçu sem Santa Catarina 199
Imagem 16 Abrangência do Território Federal do Iguaçu e localização da capital 203
Reprodução da imagem Cartográfica da área Contestada pelo PR e SC 204
Imagem: Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro/SGRJ, 2ºsem.1933 216
Imagem: Menção em jornal O’Estado (Florianópolis) de Ex-Presidente dos EUA,publicidade 226
13
ATÉ QUE NEM TANTO GEOGRÁFICO ASSIMAbrindo um texto com Antoine Saint-Exupéry: convite informal para leitura
“Voei, por assim dizer, por todo mundo.E a geografia, é claro, me serviu muito”.
Piloto, antes de encontrar com o Pequeno Príncipe(Antoine de Saint-Exupéry)
Você que chegou até essas palavras, ofereço um convite inicial. Antes de entrar
em um texto mais formal, acadêmico, vamos pensar em uma possibilidade mais ampla e
até lúdica de convidar e a encorajar que adentre nos capítulos dessa pesquisa? Propus
um convite nem tanto geográfico assim... a partir de uma obra de literatura, chamar a
refletir sobre apropriações e relações com espaços. Vamos seguir personagem de
Antoine de Saint-Exupéry.
O principezinho chegava onde morava um velho debruçado na escrivaninha e
atolado em uma floresta de papel de grandes livros. Tratava-se do 6º planeta daquela
jornada que fizera para se instruir. Fora conhecer os demais mundos – alguns aos
redores do seu planetinha. Todos os seis planetas por onde andou, eram habitados por
homens, pessoas retratadas pelo escritor da história como sendo do gênero masculino.
Após ter se despedido da rosa, a flor havia ficado plantada e parece ter sido tratado pelo
autor da obra como ela, do gênero feminino, então, ficara lá fixada, enquanto o jovem
partiu, literalmente, para outros mundos.
Ele havia passado pelo 1º lugar, habitado por um rei (como o desenhou em
aquarela o autor). Não lhe agradou a forma de vida levada naquele planeta reinado por
um único morador, o próprio monarca. Não havendo ninguém além do próprio rei a ser
governado, mandado, dirigido... reino, sem súditos é um reino?
Principezinho percebeu uma autoridade tão inútil quanto
inválida, afinal, estando só, em seu próprio mundo qualquer um
seria auto-governo de si mesmo, hierarquias concentradas em
um indivíduo só e seu umbigo. A quem reinar se não a si
próprio? Coisa que todos que vivem sozinhos em seus próprios
reinos fazem, pois, para se autogovernar não é necessário ser
rei; sendo rei de si mesmo não se deixa de ser súdito. Reinar sobre si mesmo invalida a
existência de rei e de príncipe(zinhos). Em terras em que todos são reis, não parece
14
haver súditos. Em terras em que todos são súditos não há valia de reinados.
Principezinho sabia disso, ele também vivia em um mundo solitário.
O 2º planeta em que passara, morada do vaidoso, também pareceu bem
esquisito. Nenhuma graça cuidar-se tanto, impecavelmente, querer
mostrar-se aos outros e vivendo ali isolado, submerso em seu
próprio mundo. Por que e para que existir-se vaidoso se nem havia
espelhos? Ali nunca passara alguém; vaidade como fim em si
mesma e para auto consumo, utilidade não parece ter. O vaidoso
portava um chapéu para quando fosse aclamado, ao tirá-lo da
cabeça faria disso um movimento de agradecimento pela presença
de Outro(s). Com a presença do(s) Outro(s) há possibilidades da
vaidade existir. Só com o próprio reconhecimento – único – de si
mesmo, vaidoso algum se realiza. A vaidade requer o Outro para ultrapassá-lo, competi-
lo, legitimá-lo; vaidade na solidão não gera vaidade. O principezinho achou monótono o
movimento de bater palmas para o vaidoso tirar o chapéu da cabeça agradecendo. Fez
uma pergunta: “Mas o vaidoso não ouviu. Os vaidosos só ouvem os elogios.” (SAINT-
EXUPÉRY, 2009, p.42). Pediu para ter o prazer de ser admirado, pois vivia a sós. O
viajante ali de passagem então afirmou: “– Eu te admiro – disse o principezinho, dando
de ombros. Mas de que te serve isso? E o pequeno príncipe foi-se embora.” (SAINT-
EXUPÉRY, 2009, p.42).
No 3º planeta vivia um bêbado, sendo visita mais curta e a que deixou o
protagonista de Antoine de Saint-Exupéry na mais
profunda tristeza. Talvez tenha sido essa a personagem
que mais ignorou o passageiro príncipe; tiveram um
curto diálogo. O bêbado estava acomodado em silêncio
em torno de várias garrafas vazias e outras tantas cheias.
O principezinho resolveu perguntar o que ele fazia ali
naquele planeta. A resposta circulante foi a de que bebia para esquecer a vergonha que
sentia por tanto beber; achando essa mais uma escolha estranha, partiu em viagem até o
4º planeta, morada de um empresário.
Sem nem perceber que seu próprio cigarro, o
empresário imerso em cálculos, contas, somas, muitos
números, não levantou a cabeça e, nem respondeu à
15
chegada do príncipe. O empresário havia se auto declarado – dizendo ao forasteiro –
como sendo um sujeito sério, com um gosto empresarial pela exatidão. Diz ter sido
incomodado apenas três vezes naqueles 54 anos em que habitava o planeta. A chegada
do príncipe era a terceira das vezes, em que o incomodavam em seu introspectivo
trabalho. Foi tenso o diálogo travado; estando o empresário entre os cálculos nas
ocupações numéricas. Relata ter tido uma crise de reumatismo por falta de exercício,
afirmava em seguida: “Não tenho tempo para passear. Sou um sujeito sério.” (SAINT-
EXUPÉRY, 2009, p.44-45). Com paciência de observador, O Pequeno Príncipe
questionou o concentrado empresário, cujo pensamento parecia ser tão circular ou
viciado como era do bêbado. Mas a paixão de quem vivia nesse planeta não estava na
bebida e sim, no desejo da riqueza:
- E o que fazes com essas estrelas?- O que faço com elas?- Sim.- Nada. Eu as possuo.- Tu possuis as estrelas?- Sim.- Mas eu já vi um rei que...- Os reis não possuem. Eles “reinam” sobre. É muito diferente.- E de que te serves possuir as estrelas?- Serve-me para ser rico.- E de que te serves ser rico?- Para comprar outras estrelas, se alguém achar.(SAINT-EXUPÉRY, 2009, p.45)
E foi se embora mais uma vez o principezinho. Fazia da sua viagem reflexões e,
embora, parecendo ser ingênuo pensou consigo mesmo, deveria ser divertido o que fazia
o empresário “É bastante poético. Mas sem muita utilidade.” (SAINT-EXUPÉRY,
2009, p.46). Criticando a forma de vida levada no planeta do empresário, o príncipe
pensava assim: quando cuido no meu planeta, dos vulcões – mesmo extintos – e da flor,
sou útil. O pequeno provocara, a respeito da forma do empresário viver naquele planeta
e assim questionou: “Mas tu não és útil às estrelas... O empresário abriu a boca, mas não
encontrou nenhuma resposta, e o principezinho se foi...”. (SAINT-EXUPÉRY, 2009,
p.47).
Ao chegar ao 5º planeta reparou o observador viajante ser o menor de todos até
então visitado. Mas “Tinha o espaço suficiente para um lampião
e para um acendedor de lampiões...” (SAINT-EXUPÉRY, 2009,
p.47). Era esse, a morada do acendedor e já na chegada, O
Pequeno Príncipe não entendia porque um lugar sem casa, sem
16
mais gentes – apenas, como demais planetas, um único morador – teria um lampião e,
uma pessoa para acendê-lo e apagá-lo. Mesmo achando diferente, o principezinho
constatou ser menos tolo do que o rei, o vaidoso, o bêbado e o empresário, pois “Seu
trabalho ao menos tem sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer
mais uma estrela, ou uma flor. Quando o apaga, porém, faz adormecer a estrela ou a
flor. É um belo trabalho. E, sendo belo, tem sua utilidade.” (SAINT-EXUPÉRY, 2009,
p.47). Mas ali também havia um problema. Um tal regulamento fazia com que o
acendedor devesse apagar e acender insistentemente o único lampião. Esse constante
acender e apagar se devia, pelo fato do planeta ter passado a girar mais rápido, e para
piorar, sem o estatuto haver acompanhado a mudança de aceleração daquele planeta,
fazendo com que todo movimento do dia e noite regulasse completamente o que
passava ser o único afazer do acendedor. Anteriormente, dizia o acendedor, apagava de
manhã e acendia à noite, tendo o dia para descansar e a noite inteira para dormir. Com
seu planeta girando cada vez mais rápido, o intervalo da intercalação entre noite e dia
passou a ser frenético e a regra de como deveria funcionar o lampião continuava a
mesma de quando o planeta girava mais lentamente: de noite acendê-lo, de dia apagá-lo.
Agora, a cada um minuto ele fazia essa função e a desfazia no minuto seguinte.
O principezinho gostou do acendedor, antes de ir embora e lamentando, suspirou
pensando ser o único com quem poderia ter feito amizade, mas sendo um planeta bem
pequeno não haveria lugar para dois. Respeitou-o porquê o viu como fiel ao
regulamento (portanto, cumprindo um acordo). Mas também se identificou, pois ele – o
próprio principezinho – recuava sua cadeira, lá no seu planeta, fazendo provocar ele
próprio o pôr do sol e, indicara ao acendedor, fazer o mesmo. Sugeria o príncipe ao
acendedor: sendo o planeta pequeno poderia em três passos contorná-lo e, andando bem
lentamente iria ficar sempre com sol, retardando à noite, assim, o dia poderia durar o
tempo que ele quisesse usando de uma lenta caminhada. Mas o acendedor o surpreendeu
com o oposto quando afirmou:
- Isso não adianta muito – disse o acendedor. – O que eu gosto mais navida é dormir.- Então não há solução – disse o príncipe.- Não há solução – disse o acendedor. – Bom dia.E apagou o lampião.(SAINT-EXUPÉRY, 2009, p.50).
O jovem partiu e continuou suas reflexões fazendo um balanço mental dos cinco
planetas e personagens com quem interagiu. Prosseguiu viagem e antes de alcançar o 6º
17
planeta matutou: “Esse aí”, pensando sobre o acendedor em relação aos demais que
conheceu, nos outros planetas, “seria desprezado por todos os outros, o rei, o vaidoso, o
beberrão, o empresário. No entanto, é o único que não me parece ridículo. Talvez
porque é o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio.” (SAINT-
EXUPÉRY, 2009, p.50).
Chegando ao 6º planeta, estava agora em área dez vezes maior que os demais
cinco planetas em que passara. Quem falou primeiro dessa vez foi o morador dali.
Habitado por um velho escritor de enormes livros
exclamando a quem chegara: “– Ora vejam! Eis um
explorador! – exclamou ele, logo que avistou o
pequeno príncipe.” (SAINT-EXUPÉRY, 2009,
p.51). Sentou junto da mesa de trabalho daquele
senhor, estava ofegante de tantas viagens. A primeira
pergunta também veio daquele que portava livros,
questionando o viajante de onde ele vinha. Mas a curiosidade juvenil ou a petulância do
principezinho o fazia perguntar, antes de responder ao ancião dos livros:
- Que faz o senhor aqui?- Sou geógrafo – respondeu o velho.- Que é um geógrafo? Perguntou o principezinho.- É um especialista que sabe onde se encontram os mares, os rios, ascidades, as montanhas, os desertos.- Isso é bem interessante – disse o pequeno príncipe.- Eis, afinal, uma verdadeira profissão!E lançou um olhar, ao seu redor, no planeta do geógrafo. Nunca haviavisto planeta tão grandioso.- O seu planeta é muito bonito. Há oceanos nele?- Não sei te dizer – disse o geógrafo.- Ah! (O principezinho estava decepcionado.) E montanhas?- Não sei te dizer – disse o geógrafo.- E cidades, e rios, e desertos?- Também não sei te dizer – disse o geógrafo pela terceira vez.- Mas o senhor é geógrafo!- É verdade – disse o geógrafo. – Mas não sou explorador. Faltam-meexploradores!(SAINT-EXUPÉRY, 2009, p.51).
Aquele especialista das informações de onde se encontram os mares, as
montanhas, os morros, os desertos e as cidades, sabia aonde os encontrar dentro de
livros, apenas. Tratava-se de um compilador de gabinete, pouco importava em qual
planeta morava para fazer o que fazia. Sabia muito pouco de onde vivia, a morada das
suas informações estava dentro dos textos que os tratava como sagrados. Fazia de um
18
tipo de reunião de informações, denominando-as de Geografia, sua mais completa
alienação do que o cercava.1 Descritor de tantos conceitos, organizador de verbetes de
alguns elementos da natureza, contraditoriamente tão interessado e curioso. Segundo a
descrição do texto e, aparência dos cabelos e barba branca do desenho em aquarela feito
por Antoine de Saint-Exupéry (2009, p.52), possuía uma idade avançada e com ela
acumulado muitas informações ao longo da vida, mas limitado no saber de tanto e de
tudo, pelos escritos que cabem em livros e relatos de exploradores. Nunca ele próprio
um peripatético, nem viajante.
Por mais intrigado que estivesse por perceber um tipo de saber ambíguo, o
jovenzinho resolveu pedir indicação ao geógrafo. Mesmo que àquele senhor não se
visse como um explorador e, por isso, não vivenciado a experiência direta de ter
caminhado ou ido aos lugares pessoalmente, nem visto com seus próprios olhos o
planeta em que estava inserido, afinal, vivia entre as páginas de longos livros; mas,
talvez, ele poderia, mesmo assim, dar alguma sugestão de planetas a percorrer e a
lugares a conhecer. Desde que não fossem perguntas a respeito ali do seu planeta, pois,
enfim, nunca havia explorado e ele tinha muito pouco a dizer, já notara o viajante.
Como se novamente questionando a função desse tipo de Geografia, o jovenzinho
demandou-lhe: “– Qual planeta me aconselha a visitar? – perguntou ele. – A Terra –
respondeu o geógrafo. – Goza de boa reputação...” (SAINT-EXUPÉRY, 2009, p.54).
Dirigi uma espécie de concepções sobre alguns planetas, nos passos da trajetória
percorrida pelo pequeno príncipe até aqui. Conduzindo formas de representações de
vidas em planetas, de uma narrativa inventada pelo autor Antoine de Saint-Exupéry.
Não o fiz com intenção de apontar alguma possibilidade de reflexão mais profunda e
uso da literatura em discussão ou pesquisa de Geografia Humana, macro-campo no qual
se insere a presente tese de doutorado. Também não propus discutir como os textos
criados intencionalmente como ficção literária, possibilitariam problematizar interações
entre pessoas imersas em territórios diferentes e que, acredito, há, inclusive, necessidade
de apontar etnocentrismos dentro de algumas posições ou reflexões do principezinho, a
começar pela: a) forma de nomear a personagem e sua corporeidade (um príncipe que se
1 Como não lembrar, a famosa frase de Milton Santos (2008, p.328) no livro A natureza do espaço, naqual considerou sobre alienação: “Quando um homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar,cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é sede de uma vigorosa alienação.”
19
não branco, mas de cabelos loiro/galego) e b) sua constante busca de comparação ou
legitimação dos Outros com base na vida levada no seu planetinha de origem.2
Comecei por recortar trechos desse romance de relevante capilaridade na
literatura internacional/mundial com intenção de aqui discutir algumas formas de –
independente de serem discursivas – apropriação de terras, mesmo que tenha se passado
metaforicamente fora da Terra. Se fossemos proceder dando estatuto de verdade para
essa obra de ficção, diríamos que até mesmo “não em Terra” todas as personagens e
planetas que percorreu o príncipe estavam espacializados, no sentido de enraizados em
algum território ou brincando com as palavras, todos eram planetarizados. Só quando o
pequeno se desloca entre os planetas não nos é informado à maneira como o faz.
Evidentemente trata-se do território da livre imaginação, forma de abordagem literária
que não estou me vinculando nesse presente texto, embora tenha utilizado de trechos do
romance, quando entendi como úteis para dar sentido à narrativa que construí.
Interessei trazer da narrativa, das vivências sob aqueles planetas percorridos pelo
príncipe pequeno, as formas de tratamento de espaços, em que o autor nos apresenta
personagens em interação e de certa forma, imersos. O único a, e com o perdão do
neologismo, se “desplanetizar” e arriscar-se a ser – para usar uma expressão do autor da
obra – cativado, fora o protagonista. Considerando a narrativa construída para dar
sensação de experiências do jovem viajante, mediando o texto do autor do romance,
quero trazê-lo como possibilidade de abrir discussão. Quero com ele, chamar ao
estranhamento e suspensão das maneiras quase naturalizadas com que são concebidas
as formas de posse, descrição e construção social de sentidos de espaços. As
delimitações dos espaços, suas formas, tamanhos e silhuetas ou contornos, carregam
tempo.
Se refiz nessa tentativa de preâmbulo informal, alguns trajetos do príncipe, foi
para enfocar nos usos e atribuições dadas a algumas espacialidades, às variedades de
pessoas e, portanto, de vidas neles inscritos ou ao menos, descritos.
2 Tal qual àqueles olhares direcionados buscando a sua própria cultura, encontrando-a (ou desprezando-a)nos Outros. Da dificuldade de distanciamento, separação ou suspeição do contexto originário de algum(a)autor(a) em relação ao que ele(a) vê é, por exemplo, uma crítica que Durval M. de Albuquerque Junior(2011, p.99) faz a Fernand Braudel, mas que para o mesmo autor não se aplica ao Michel Foucault.“Braudel viaja, mas não sai de casa, não sai do lugar. Braudel encontra o Mediterrâneo e o mundo queeste havia criado onde quer que vá.” Ainda para Durval M. de Albuquerque Junior (2011, p.97): “Braudelparece estar longe de ter aprendido, com a etnografia, a estranhar sua própria cultura, a se tornar umestrangeiro em sua própria terra, como foi sempre a tentativa da vida e da obra de Foucault.” Em algunsdiálogos dos percursos ou das formas das trajetórias do Pequeno Príncipe, alguns “olhares” desse viajanteme pareceu mais próximo daquele Braudel criticado por Durval do que pelo elogiado Foucault.
20
A intenção dessa proposta de preâmbulo de tese está, em convidar de maneira
menos usual e mais imaginativa, a refletir nas possibilidades diferentes de usos de terras
(no caso do príncipe, planetas). Entendendo como sendo diversas, tanto as formas de
apropriar de materialidades, como as interações, com o que denominados genericamente
de: espaço(s). Quero com essa tese, tematizar algumas camadas de interpretações dadas,
em épocas diferentes, a uma determinada parte do território brasileiro. Não quero tratar
exclusivamente de períodos, mas enfatizar problemas; relacionar ambos, sem recusá-los.
No recorte da abordagem, a pesquisa se insere nas discussões da Geografia História e/ou
Geoistória.
A temática. Tendo sido criado durante o Estado Novo (1937-45) cinco territórios
federais nas fronteiras Oeste brasileira, pretendi aqui focar um desses cinco territórios.
Esse é o ponto de “chegada” no último capítulo. Considero curioso de saída, por
exemplo, o nome de uma dessas cinco unidades federais criadas, ter sido denominada
“Território do Rio Branco” (que por sinal não é o que estudo aqui). Homenagem e
evidência direta ao conhecido diplomata brasileiro, Barão do Rio Branco. É a esse
Barão que se atribui papel de conseguir o reconhecimento internacional dos limites e
delimitação da fronteira do Brasil com Argentina, tema tratado no segundo capitulo
dessa tese, na qual discuto a repercussão da arbitragem dos Estados Unidos em 1895,
sobre o litígio. É quase dessa mesma área de Palmas (ou região de Misiones para os
argentinos que a reivindicaram) que se cria o Território Federal do Iguaçu cuja
existência de 1943 até 1946 é o tema do quarto (ou último) capítulo dessa pesquisa.
Entre a arbitragem dos limites na Questão de Palmas em 1895 e a
criação/extinção do Território Federal do Iguaçu (1943) ocorreu no ano de 1929, a
considerada primeira presença física de um governante catarinense naquelas paragens
chamadas de Oeste catarinense, temática tratada no 3º capítulo dessa tese. Aqui, há um
enlace e relação que me vez acreditar na possibilidade de mobilizar o principezinho de
Exupéry, para convidar ao(s) leitor(es) a interpretarmos, como também alguns relatos da
Viagem aqui mencionada (estou me referindo agora, a chamada Viagem de 1929, do
governador de Santa Catarina, Adolpho Konder) fizeram representações dos espaços,
assim como entendo ter feito, através de algumas personagens, o autor d’O Pequeno
Príncipe. Trata-se de discutir também formas (às vezes sutis) de apropriação espacial.
Uma concepção minimamente informada não trata de geógrafos como
descritores, “escrevedores” ou relatores dos topônimos dos lugares em oposição aos
exploradores. Essa concepção dos fazeres de geógrafos já é, de muito tempo criticada e
21
vista como ultrapassada. E, pode-se entender dentro do próprio diálogo entre
principezinho e geógrafo, como Antoine de Saint-Exupéry parece querer mostrar um
tipo de crítica a essa noção de Geografia apartada da “realidade mais imediata” em que
está inserido os sujeitos, atores e agentes que fazem o campo geográfico existir.
Entendo existir no diálogo entre o principezinho e o geógrafo, algumas possibilidades
de reflexão epistemológica da Geografia como um campo de saber (MORAES, 2000).
Como mencionei, se convido você para continuar a leitura desse trabalho é para
a partir de um tipo de literatura, abrir outra perspectiva, não para nos encerrarmos nela.
Afinal, a presente tese não está inserida dentro das especialidades de análises literárias,
pensei, portanto, em um uso livre, poético e convidativo das passagens do príncipe por
alguns planetas, particularmente pela presença no romance de Exupéry, daquele velho
geógrafo com sua velha Geografia. A esse senhor do alto da sua escrivaninha, a quem o
autor encarregou de recomendar o passeante a conhecer a Terra, pela reputação da
mesma, diz o geógrafo ao príncipe.
A própria ideia da expressão territorialização existe no nosso contexto planetário
terráqueocêntrico3; um tipo de consciência de existências de outros planetas e de outras
formas de vidas pode ser uma interessante contribuição ética, mesmo que parcial da
obra de Saint-Exupéry. É parcial porque os sujeitos dos outros planetas são todos
tratados tão igualmente aos tipos sociais e identitários dos terráqueos, por isso,
mencionei no inicio, por exemplo, que todos seis primeiros planetas narrados e seus
personagens descritos como do gênero masculino. Diferente da rosa, àquela planta que
ficou na casa (na verdade, o planeta) do príncipe, enquanto ele pegava um rumo da
mobilidade. Parece haver no enredo de fundo, a privação do espaço público ao
feminino, e a livre circulação e acessos aos espaços ao masculino (que são quem
dominam todos os seis planetas percorridos).
Obra publicada pela primeira vez no andar da Segunda Grande Guerra, em 1943,
poderia refletir as normatividades das relações sociais da época, mas independente
disso, os tipos dos moradores descritos no livro generificam os planetas, seria exemplos
de relações de espaços generificados. Mas, acredito que também haja partes de maior
3 A tentativa de ironia é limitada, principalmente pelo heliocentrismo, mas quer se propor tentativa dediálogo com algumas discussões do antropocentrismo como faz Bruno Latour (1994) em Jamais fomosmodernos: ensaios de antropologia simétrica. “Os relativistas foram convincentes quanto à igualdade dasculturas, uma vez que consideram apenas estas últimas. E a natureza? De acordo com eles, ela é a mesmapara todos, uma vez que ciência universal a define. Para escapar a esta contradição, eles precisam entãolimitar todos os povos a uma simples representação do mundo fechando-os para sempre na previsão desuas sociedades [...].” (LATOUR, 1994, p.104).
22
contribuição ética e crítica das formas de vida nos planetas; terminarei a seguir esse
preâmbulo sugerindo algumas delas. Mas quero voltar à temática da tese para amarrar,
partindo do pressuposto conceitual, de que as diferentes territorializações não se
constituem de uma maneira única, universal e exclusivamente homogênea, mas quase
toda territorialização é atravessada por poder(es) que às vezes, chegam a conviver,
mesmo em disputa pelo (pré)domínio. Ou de como os espaços também são utilizados,
mobilizados e usados pelas pessoas para angariar status e variados capitais; parte disso
que se trata nessa tese.
Quero aqui lembrar, para relacionar, àquelas quatro grandes variadas maneiras
de conceber e interpretar as formas de gestão e modos clássicos de apropriação
(VIEIRA, BERKES, SEIXAS, 2005), quais sejam: a) Propriedade Estatal; b)
Propriedade Coletiva (ou livre acesso); c) Propriedade Privada; d) Mista. A partir dos 6
planetas que percorre o príncipe viajante, acredito ser possível fazer associação a
algumas maneiras de apropriação e gestão do que podemos denominar de: recursos,
solo, terra ou, patrimônios naturais (no caso da obra literária, falava-se de planeta). O
mais radical exemplo de apropriação privada é a do empresário que a tudo deseja
possuir, pois, ao valorar o mesmo, buscava conquistar progressivamente maiores
domínios. Quero fazer daquele relato, um exemplo de perspectiva de desapossamento
coletivo (HARVEY, 2005). Para alguém empreender a posse das estrelas, desejando
privar todos os demais do poder sobre as mesmas (mas, ao mesmo tempo, esperar que
todos tenham interesse por possuí-las); e por conseguinte, da riqueza como sinônimo da
exclusividade e valor na individualidade. Noção que o príncipe via sem sentido para as
pessoas e, mais ainda, para as próprias estrelas (elas são “donas” de si mesmas).
O planeta do rei, talvez o melhor paralelo esteja na intenção do governo das
pessoas e dos corpos e em segundo plano, governo dos espaços. Talvez, por isso, a ele
rei, convinha ali habitar o principezinho: governar espaços sem vida social é como
governar espaços desprovidos de sociedade; natureza. Já no mundo do bêbado é quase
um livre acesso, o planeta não teria regramento de apropriação. Ou ainda, poderia ser
um exemplo, de regra mista de apropriação do planeta, ou abandono por não uso.
Considero oportunamente possível, sim, convidar para leitura das páginas que
seguem essa tese, com um “preâmbulo” que relatou de alguma forma, o príncipe que
partiu do seu planeta e encontra tipos humanos, até que o geógrafo o recomende ir até a
Terra.
23
Fiz uso – ou para alguém, um abuso inapropriado? – do texto de Antoine de
Saint Exupéry, piloto postal que chegou a pousar várias vezes na Ilha de Santa Catarina,
quando em direção a Argentina. Utilizava de uma praia para (aterrizar e decolar e) fazer
paragens, inclusive, sendo atribuído a ele, a influência na toponímia do local em que
fazia seus pousos (campo de pesca em francês virou): Campeche. Ao longo dos
próximos capítulos da tese, quem a ler, talvez lembre em fazer comparações, por
situações paralelas ou não, com reflexões de Exupéry. Particularmente, considerei
válido, do ponto de vista geográfico, mobilizar nessas páginas iniciais, trechos d’O
Pequeno Príncipe, pela possibilidade de querer ali exemplificar apropriação, discursos e
usos de espaços e também olhares dissonantes, dúbios e ambíguos do ser geógrafo.
Sábio de coisas inscritas dentro de imensos almanaques, cujo utilidade decepciona ao
viajante.
Apresentei como eu entendi e interpretei parte dos diálogos do príncipe quando
passando pelos planetas, fiz com intenção de homenagear a obra e autor, mas não
apenas como inspiração, lembrar que o mesmo texto clássico também possui seus
limites, posto que é vivo, ainda lido, circula, é popular, pode e merece ser discutido por
vários ângulos. Mas quero declarar enfatizando a possibilidade do uso político de
algumas discussões ali descritas, espero tê-lo feita e convido para continuarmos nas
paginas seguintes outras discussões de usos – por isso, território – espaciais, agora sim,
na Terra, particularmente em partes do que chamamos Brasil.
24
INTRODUÇÃO
Integrar para criar, com essas palavras intitulava a primeira versão do pré-
projeto de investigação da presente pesquisa, quando a apresentei em maio do ano de
2011. Fazia parte da candidatura para ingresso na pós-graduação em Geografia Humana
a entrevista com orientador pretendido. O diálogo com Professor Dr. Antonio Carlos R
Moraes se deu desde 17 de maio de 2011; orientação iniciou com base naquele projeto.
O tema, Santa Catarina. Mais especificamente, o histórico da constituição de
uma comunidade de interesse(s), com papel relevante na construção de integração e
coesão do espaço catarinense. Hipótese: como construção social, o território catarinense
também havia sido colocado dentro de um dispositivo de constituição imaginada da
sociedade. Como quer Benedict Anderson (2005), símbolos, rituais, crenças,
linguagens, veículos de comunicação, monumentos, História, Geografia, mapas, entre
outros, a enfatizar, instituir e fazer criar as semelhanças. Consolidar sentimento de
pertença, palidecer diferenças; esquecer no cotidiano as oposições, as distâncias e os
estranhamentos (estrangeirismos) entre “membros” de uma mesma comunidade. Qual
teria(m) sido a(s) maneira(s) de Santa Catarina requerer4 como uma unidade
particularizada do Brasil, ao mesmo tempo, guardar uma heterogeneidade sócio-espacial
tão complexa? Essa era uma das questões de fundo.
Durante bom tempo da entrevista e primeira conversa com professor Antonio
Carlos R. Moraes, ficamos tratando das possibilidades da discussão em torno de um
governador do Estado de Santa Catarina ter – fato que não completou um século – se
utilizado de uma Viagem por áreas catarinenses, como dizendo ser uma Bandeira. De
um movimento com presença do governante ao extremo Oeste e fronteira, fazia-se um
bandeirante. A mítica “bandeira paulista” em pleno ano de 1929, vinha a falar do
território, mas também, de processos de apropriação de áreas, invenção de sentidos,
criação de regiões e acima de tudo, constituição de comunidade de pertencimento. Não
seria o governante um desses “símbolos de força” na tentativa de cimentar, agregar e
juntar o que parecia estar disperso, separado? Corporificando o espaço do Estado na
representação dos símbolos, serviços e agências como, hino, bandeira, escola, correio,
cartório, polícia e o próprio corpo do governante, sendo levado a ser visto nas paragens
4 Excelente estudo inspirador foi criativa pesquisa Álvaro L. Heidrich (2000) tratando do regionalismo noRio Grande do Sul, livro publicado pela editora da UFRGS intitulado, Além do Latifúndio: geografia dointeresse econômico gaúcho. Originalmente uma tese de doutorado em Geografia Humana (USP).
25
mais distantes, da alteridade daqueles sertões, Outros geográficos. Análise dessa
discussão é realizada no capitulo 3º da presente tese.
A política, os interesses, a economia, o Estado, enfim, os usos sociais dos
espaços geográficos ao longo do tempo, conduziram uma difícil, lenta e mesmo nunca
completa (e artificial, porque criada) “homogeneidade” territorial de Santa Catarina.
Uma análise de longa duração temporal ajuda a compreender os processos da
emergência de uma particular parte do mundo, construída como espaço catarinense
(aqui não se pretende atingir completude de 3 ou séculos sobre essa territorialização).
Mas, afinal, quando começa um espaço, Santa Catarina? Eis, uma daquelas
perguntas inesperadas de entrevistador, que desmonta o entrevistado; e eu ali com uma
questão lançada a mim sem saber respondê-la. Vindo de Santa Catarina, interrogado por
um Professor mineiro radicado em São Paulo, afirmei na entrevista: – Não sei... titubiei,
balancei, dei graças a Portugal e apelei: - Foi Capitania de Santana.
Ufa! De todo, uma entrevista de ingresso ao doutorado (como quem quer um
emprego) não se tinha jogado fora por uma “simples rotineira” pergunta. Entretanto, não
diz muito coisa, ou se for é pouco, pois não era simples assim, recorrer as Capitanias
Hereditárias como explicação segura, tranqüila e confortável, como àqueles que buscam
uma gênese sempre acabam encontrando-a. Antes disso, já nos ensina a escola básica, o
Tratado de Tordesilhas terminava no sul da América portuguesa em Laguna (SC),
orgulhem-se brasileiros-catarinenses! Realmente, não se tratava desse tipo de discussão
a buscar a origem pela origem. Compreender formação territorial, certamente envolve
um grau de criticidade e complexidade, muito mais dos que fazem cronologias.
Marco fundamental da base de formação territorial de Santa Catarina está na
criação da capitania subalterna em 1738, como discuto no Capítulo 1º dessa tese, com
uso de literatura que já tratou dessa temática. Sendo, apenas, inicialmente, sua
abrangência a Ilha do mesmo nome. Com a expansão incorporando outros domínios e
enclaves “marítimos portugueses”, passando a serem juntados a ela, São Francisco e
Laguna... Santa Catarina adentra as duas primeiras décadas do século XIX como uma
estreita faixa de terra litorânea e nada mais.5 Armações baleeiras implantadas nas baias
mais propicias, com uso de mão de obra escrava, produção de farinha de mandioca, o
5 “Até o início do século XIX, a Capitania de Santa Catarina restringia-se, na prática, apenas ao governoda ilha que lhe inspirava o nome e às pequenas vilas litorâneas de São José, São Miguel, Laguna e SãoFrancisco do Sul.” (MACHADO, 2004, p.124)
26
destaque no período colonial não é tanto econômico, mas muito mais militar e
claramente estratégico.
A partir do ingresso no doutoramento em Geografia Humana e amplitude da
leitura do período colonial, vim a compreender esse momento como de fundamental
importância para as bases e emergência do território de Santa Catarina. Estou
convencido de quem não recuar, fugir ou evitar esse período – séculos XVIII e XIX –
simplesmente, não bem articulará dimensão tempo, na dinâmica espacial catarinense e
sua relação direta com demais espaços Ibero Americanos.
Propus fazer no primeiro capítulo, um panorama mais abrangente, tratando da
discussão de quando se delimitou uma toponímia Santa Catarina. Ao colocar relevância
da discussão desse período na criação do espaço Santa Catarina, optei por tratá-lo junto
da sua capital. A localização da sede administrativa na Ilha – que vai nomeando ao
incorporar cada vez mais largas faixas de espaços – foi decidida no período colonial;
poderia ser ela, a capital, uma rugosidade no território? Quero defender esse ponto de
vista de interpretação, além de sugerir a possibilidade de ampliar a própria noção do
conceito de rugosidade para além de formas fixas, as decisões e atitudes políticas. Essa
ideia da capital marítima militar, como uma rugosidade da sede de governo é
apresentada no primeiro capítulo, no debate sobre armação territorial.
Ressalva: talvez, a melhor data e período nem esteja no século XVIII – não seja
estritamente, 1738 – mas antes, 1680, a fundação da fortificação para assegurar aos
portugueses a margem esquerda do Rio da Prata, a Colônia do Sacramento, a quem
progressivamente a Ilha vai ser ponto de apoio. Meio que “posto avançado” do Rio de
Janeiro, meio que “ponto de apoio” ao Sacramento na empreitada portuguesa, em querer
dominar desde o Amazonas até o Rio da Prata. Nessa imensa América portuguesa, cuja
unidade natural só aparece aos olhos portugueses, e claro, na sua cartografia bastante
intencional; nos mares do sul, à Ilha passou a ter um certo destaque de centralidade.
No arco de proteção às vulnerabilidades meridionais da América portuguesa,
parece haver certo apoio e concatenação, como por exemplo, assim interpretou já no
finalzinho do século XIX, Paranhos Júnior, – o Juca – Barão do Rio Branco, num dos
seus processos mais célebres, o primeiro em que atuou na defesa do Brasil em litígio
fronteiriço; nesse caso, com a Argentina. Conhecedor de história, apaixonado por mapas
e profundo observador das dimensões do Rio da Prata, o Barão escreveu6 como uma
6 “[...] o general Silva Paes”, segundo disse Barão do Rio Branco (2012, p.86) quando por volta de 1749,retorna esse general português para Europa: “chegava do Brasil, onde estivera quatorze anos no Rio de
27
espécie de “macro” Brasil meridional, muitas vezes defendido e “em guarida” por
mesmos projetos e indivíduos, como é o caso, por exemplo, de José da Silva Paes. Que
segundo o Barão, Paes passa por Colônia do Sacramento, barra do Rio Grande e na Ilha
de Santa Catarina; sendo um projetista e militar, articulador da fortificação portuguesa e
de buscar domínios do Prata. A Ilha está na dinâmica de disputa da conquista do Prata.
Certamente, se não “o início”, mas há uma ruptura na influência da constituição
da territorialidade de Santa Catarina, com a fundação em 1680 da Colônia do
Sacramento.
Mas Santa Catarina não ficou apenas à beira mar. E por conta dessa
circunstância espacial de até 1820 ter sido apenas e exclusivamente marítima, ou ao
menos, litorânea, abre-se à condição que marcará a complexidade de uma dinâmica
territorial dúbia – que talvez influa até os tempos presentes? – e de lenta agregação.
Quando se anexa a ela a área do planalto – até então – paulista, passa-se a exercer em
uma mesma administração Estatal do espaço, duas dinâmicas de formação social
diferentes.
Em 1820, por decisão do rei, o município de Lages foi desmembrado daprovíncia de São Paulo e anexado à de Santa Catarina, ao que consta para terassistência mais próxima da capital litorânea, em razão da crise sofrida porLages devido aos constantes conflitos com indígenas na região. Mas aproximidade com a capital litorânea era apenas geográfica. O único caminhoque então ligava Lages ao litoral, a estrada Lages-Laguna, era apenas umapequena picada que descia da serra [...]. (MACHADO, 2004, p.124) (destaquesfeitos por mim)
A circunscrição em uma mesma esfera – Santa Catarina – com a entrada (dos
caminhos das tropas) do Planalto, na até então circularidade marítima, constitui um
alargamento de espaço. Mas, no processo de ampliar a “delimitação” catarinense, havia
as cadeias das Serras Geral e do Mar como limite entre litoral e as áreas de cima da
serra. A desanexação de Lages, colocando-a como à Santa Catarina dará um tom dúbio,
no sentido de não naturalmente integrador, aos processos de busca da construção
territorial catarinense, pós 1820.
Janeiro, em Santa Catarina no Rio Grande do Sul e em Colônia do Sacramento.” Nessa outra passagemreforça a ideia de uma gestão com certa coesão de um território da América portuguesa meridional,segundo do Barão do Rio Branco (2012, p.74): “De 1735 a 1737, a praça da Colônia, então comandadapelo general Vasconcelos, foi de novo atacada e assediada pelos espanhóis. Uma expedição dali saída,sob o comando do general Silva Pais, ocupou (19 de fevereiro de 1737) e fortificou a barra do Rio Grandedo Sul, e estabeleceu os postos militares do Taim, Chuí e São Miguel. Nesse território do Rio Grande doSul já havia, ao norte do Jacuí, vários estabelecimentos portugueses, fundados por brasileiros de Laguna,de Curitiba e de São Paulo.” (RIO BRANCO, 2012, p.74).
28
É com esse problema de diferentes circuitos econômicos, diferentes formas de
apropriação e uso do solo e marcantes diferenças de estabelecimento de propriedades e
relações de trabalho que marca uma dificuldade de fundação de algo em comum.
Certamente, partilhar um mesmo espaço é que não foi. Como fundar o comum, no que
parece desagregado? Uma Santa Catarina do litoral e uma Santa Catarina do Planalto,
ambas um território em construção. Uma terceira Santa Catarina estaria no Oeste, há um
dia ser alcançada da condição de sertão. Na presente tese, se entende como tal
conjunção é que, quase sempre, tornará em suspeita a existência do território
catarinense, talvez, por isso, e se apelará com regularidade à necessidade de colocá-lo
em processo de construção: integrando, abrindo meios de circulação mais ágeis, tentado
alcançar comunidade de partilhas, em meio a interesses nem sempre tão comuns assim.
Aprofundando em três momentos, para dar ênfase nesses rituais de fundação: no
capitulo 2º a repercussão e uso do resultado da fronteira Brasil e Argentina com o voto
do presidente – Cleveland – dos Estados Unidos (em 1895). Em seguida, o capitulo 3º a
já comentada Viagem do governador ao Oeste de Santa Catarina em 1929 e por último,
4º capitulo trata da criação e extinção de um território federal que incorporou as terras à
Oeste do Rio do Peixe, entre 1943-1946 (voltando à jurisdição de Santa Catarina –
como afirmava o acordo de 1916 – com a Constituinte de 1946).
O que se defende em “lampejos” de fatos extremamente relacionados ao espaço
social – e em flashes temporais – é tanto a concepção territorializada do Brasil, como os
embates, lutas e tentativas de fazer instituir uma Santa Catarina integrada, mas não
enquanto organização societária e sim enquanto um território. Ao buscá-lo incorporá-lo,
facilitar passagens, união, enfim, aproximar o que parecia tão distante é o que se
pensava como criação de Santa Catarina. Por isso a idéia de integrar para criar: a meta
estava em tentar homogeneizar, vincular à capital como influência e ativa, tornar o
espaço trafegável, coesa para fazer existir um espaço catarinense comum. Era no espaço
que articulado, se daria a articulação da sociedade que estaria “em cima” desse espaço,
como se, por exemplo, fosse apenas o formato de um tabuleiro de xadrez a condicionar
os movimentos das peças.
A ideia de fazer integrar o território catarinense foi colocada em prática mesmo
antes do século XX. No novecentos, por exemplo, vários núcleos coloniais com
imigrantes estrangeiros são criados nos caminhos que fazem essa ligação entre áreas
litorâneas e planalto, para ajudar no processo de integração. É possível explicar
29
parcialmente, grande parte dos incentivos à colonização em Santa Catarina, tratada
como mecanismo de integrar regiões (Planalto e Litoral).
Em parte, é como resultado do diagnóstico da desintegração que se passa a
valorizar e criar núcleos coloniais. Estou, portanto, de acordo com a interpretação de
Paulo Pinheiro Machado (2011), como já também manifestei em outro trabalho, da
defesa dessa análise.7 Quando Machado (2004; 2011) entende a criação estratégica de
várias colônias teve, entre outros fins, a intenção de auxiliar em apoios logísticos na
realização de deslocamentos. Para esse autor, a colonização em Santa Catarina, através
da venda de terras aos imigrantes europeus, foi dirigida com a finalidade de promoção
da integração viária da Província: “O governo dirigiu a colonização para a subida da
serra, entre outras razões, para a expulsão de indígenas, a manutenção de estradas e a
conseqüente conservação de caminhos de comércio entre o planalto e o litoral.”
(MACHADO, 2011, p.06).
Imagem 1: Áreas com presença de colônias planejadas em caminhos da integração
Imagem disponível gentilmente, da pesquisa e arquivo particular levantado pelo Prof.Dr. Alcides Goularti Filho (UNESC), de Criciúma, a quem agradeço. Chamo atençãopara além da topografia da imagem, às linhas avermelhadas representando caminhos, eos respectivos projetados coloniais que muitas vezes forneciam mão-de-obra paraconstruções dessas estradas e também manutenção das mesmas.
7 Dissertação de Mestrado (em História) na UFSC, (MARTINELLO, 2012) intitulado: Insulares SantasCatarina: construção territorial, vínculos de pertencimentos e discursos da desintegração (1950-1970).
30
A imagem anterior (nº01) localiza muito claramente as colônias instaladas no
século XIX nessas “manchas” representadas como esverdeadas nas bordas de estradas,
como a linha vermelha que apresenta o caminho entre o planalto (Lages) com o litoral.
Do norte ao sul de Santa Catarina, há colônias implantadas para auxiliarem nas
conexões.
A colonização é também resultado dos interesses de fazer existir e manter
estradas em Santa Catarina, tornando tais espaços trafegáveis e confiantes a passagem,
ampliando, portanto, a comunicação. A ideia da necessidade de aberturas de caminhos
passa a vigorar como um dos principais projetos do Estado. Passando-se a planejar e ser
completada por eixos viários, a comunicação do território, por isso, demandar a
colonização que, por sua vez, resultaria em integração. No Brasil Independente, a
primeira colônia em Santa Catarina criada, em 1829, justamente nas “bocas do sertão”
(PIAZZA, 2000, p.30); chamada de São Pedro de Alcântara, localizada para apoiar a
existência e manutenção do caminho para o Planalto. Sendo a primeira das comunidades
rurais germânicas estabelecidas, buscava-se o progressivo contato entre espaços, como
também assim interpretou8 Giralda Seyferth (2009, p.275).
Alguns projetos de colonização em Santa Catarina foram colocados em prática,
baseando-se seus discursos, entre outros, na ideia de possibilitar maior facilitação da
circulação por estradas. Passa haver um entrelaçamento e mesmo enredo, quando se
tratava de termos como: estradas, colonização, agricultura, abastecimento, apropriação e
conquista (estabelecimentos de propriedades privadas) do espaço. Parte influente da
política territorial do Estado de Santa Catarina no século XIX ocorre na prática, via
projetos de colonização em pequenas propriedades rurais. São partes de uma mesma
engrenagem e não devem ser encarados setorialmente ou “independente” de uma
mesma política: população e território. Quando no segundo capítulo da tese apresento o
caso de um geógrafo-agrimensor “escalado” para mediar áreas do litígio com a
Argentina, no Oeste, nas correspondências dele – Emil Odebrecht – é perceptível uma
forte vinculação à região em que se insere como imigrante (Vale do Itajaí), em um
processo colonizador.
8 Para Giralda Seyferth (2009, p.275): “A fundação de São Pedro de Alcântara, em 1829, marcou o inícioda colonização estrangeira em Santa Catarina. Naquele núcleo, situado no caminho do sertão queconduzia cargueiros à Vila de Lages, no planalto, 146 famílias alemãs e 112 soldados da mesma origem,[...] receberam lotes de terras para cultivo.”
31
Algumas das tão famosas colônias de imigrantes europeus, criadas em pontos
específicos do sul do Brasil no século XIX, foram pensadas como estratégicas para
contato entre dualidades que informam muito desse enredo territorial: litoral e interior
(Sertão) e, também, como garantidor de domínio do espaço nas históricas disputas na
macrorregião da bacia do rio da Prata. Pode recorrer-se ao fator locacional como chave
para a compreensão da instalação de colônias em determinados pontos de Santa
Catarina: “[...] a colonização com imigrantes surgia como solução para povoar [com
brancos] o território, especialmente em algumas bacias hidrográficas que pudessem
assegurar a comunicação por terra com o planalto atravessando a Serra do Mar.”
(SEYFERTH, 2009, p.275). Acredito que muito das identidades, vínculos de
pertencimento e concepção do passado de comunidades e de indivíduos catarinenses se
ancore, nesses projetos de colonização em pequenas propriedades agrícolas familiares.
Se de um ponto te vista territorial, é possível afirmar a existência de constituição
de regionalismo, acredito que uma das mais difundidas maneira de – se é que se pode
falar dessa forma – se pensar catarinense, muitas vezes é associada a um padrão de
ocupação e peculiar ao Brasil. Embora uma interpretação ensaística, acredito que em
algumas das áreas de Santa Catarina de forte presença e vinda de imigrantes no século
XIX e XX, com população de origem européia ou descendente – em lotes de faixas de
terras – influenciou na identidade de pertencimento comunitária, regionalismos, com
imaginário, vínculos e até sentimento de pertença às vezes “extraterritorializados”9 –
ligada à comunidade local e a narrativa do processo de colonização. Com “brasilidade”
ou identificação de símbolos identitários ambíguos, pode-se argumentar como hipótese
de saída de investigação, a constituição de regionalismos, em que, um peso muito
importante é atribuído à vinda, chegada, instalação em lotes coloniais e processo de
territorialização de imigrantes europeus. Como se houvesse um hiato nessa identidade,
9 Um exemplo muito marcante da permanência de vinculação com uma Alemanha em processo deconstrução nacional será visto no subtópico do cap.2 sobre Emil Odebrecht. Aqui quero apontar tambémo caso de uma revista de Blumenau divulgando aos seus leitores que lessem a biografia do, como diz operiódico, mais sábio dos naturalistas, Alexander von Humboldt. “– Dr. Karl Fouquet – Instituto HansStaden – São Paulo – 1959 – O Dr. Fouquet, autor do trabalho que nos foi oferecido, com honrosadedicatória, é um nome conhecido nos meios intelectuais do Brasil e da Europa, pelas suas valiosascontribuições ao estudo de personalidades que prestaram serviços [...] ao engrandecimento cultural ematerial do Brasil. [...] Karl Fouquet tem-nos dado obras interessantes à história de Santa Catarina, comoa biografia do Dr. Blumenau e o relato minucioso de sua atuação no estabelecimento que fundou asmargens do Itajaí. O livro que temos sobre a mesa, é uma esplendida contribuição às comemorações docentenário da morte de Alexandre Von Humboldt, cuja vida e obra o dr. Fouquet focaliza com absolutasegurança e elegância de linguagem. É um trabalho que não pode faltar na biblioteca de todo homem deinteligência, dada a universalidade da fama de Humboldt como um dos maiores sábios naturalistas detodos os tempos.” Blumenau em Cadernos, Tomo III, janeiro de 1960, n.01, p.37.(destaques meus)
32
pois se relacionam fortemente com o regional e com o imaginário da nação em que são
“originários” seus sobrenomes, dando um pulo (às vezes esvaziando) identificações com
nação, Brasil.
Um regionalismo com carga de descendentes de estrangeiros e
“eurodescendentes”, como contribuintes com o País, ao seu próprio modo, pois o Brasil
os recebeu, mas, não se percebem brasileiros. Apenas, por serem parte do processo de
instalar-se e constituírem apropriação do espaço (realização de posse da propriedade
privada rural), algumas vezes visto como um sinônimo de estarem melhorando o Brasil
e ajudando na construção da nação. Entretanto, tais discursos positivados de
melhoramento do Brasil pelos imigrantes e seus descendentes, se daria no trabalho
realizado – como se discutiu, como dito, no cap.2ª a respeito de Emil Odebrecht – na
própria comunidade menor, desde seus lotes coloniais até apoio àqueles que ficaram na
Europa: enviando a eles recursos, apoios e mesmo a impressão de estarem fazendo
(continuando, expandindo) no Brasil um progresso semelhante, ao que seus familiares
antepassados haviam feito na Europa, com a diferença daqui ser uma missão árdua:
domar a natureza francamente hostil.
Houve interesse e preocupação em facilitar comunicações com apoios mínimos e
essenciais dos caminhos, por isso, da concessão de terras próximas a eles e a
colonização nessas estradas. A colonização desempenou um papel central na
constituição de circuitos de trocas e lucros em Santa Catarina e, mais ainda de
comunidades de interesses (MORAES, 1991).
Por que se deve conceder terras próximas de caminhos depassagem? Porque assim os ‘caminhantes’ podem achar casas para seabrigar e canoas para o transporte, quando necessário. Esse fato éextremamente importante, porque a própria possibilidade de se utilizarum caminho, está na existência de um pouso no seu percurso. Se aestrada está abandonada e não é utilizada, é porque ela não serve comorota comercial, e ela não é utilizada pelos comerciantes, porque não háao longo de suas extensões um lugar em que se possa pernoitar ou quesirva de abrigo. (SALOMON, 2002, p.156).
A abertura de estradas, como um dos impulsos importantes para a criação de
colônias, não parece ter sido exclusividade de Santa Catarina. Basta lembrar, como faz
Paulo P. Machado (1999), das importantes concessões de terras para a criação de
colônias que fizeram parte da proposta de integração de algumas regiões no Rio Grande
33
do Sul.10 Mas em Santa Catarina, parece esse processo de colonização ter desembocado
em regionalismos.
Também não podemos aceitar que a colonização significou “ocupação” no sentido
de não existência anterior sociedades nessas áreas que passaram a ser de colonização.
Não estou de acordo com a idéia de que os vazios demográficos foram ocupados
primeiramente por colonos, pois tais fundos territoriais foram motivadores da cultura
imigratória, embora não fossem desocupados. Certamente, houve constantes tentativas
de esvaziar a presença indígena em variados espaços. Ainda que muitas áreas fossem
tratadas como imensas florestas vazias, o Estado demonstrava também saber da
existência de moradores ancestrais em muitos lugares. Como bem disse Luisa Wittann
(2007, p.61), “A violência contra os índios estava na base da colonização.” Essa
historiadora realizou farta pesquisa que demonstra como o aparato estatal chegou a
conhecer e a travar planos em detrimento da reprodução sócio-cultural dos indígenas,
inclusive com ações diretas contra tais populações, vindas de governantes.
Luisa Wittmann (2007) compreendeu como a implementação de caminhos foi um
dos importantes e fortes mecanismos para submeter aos colonizadores as populações
que viviam antes da chegada dos brancos: “A solução da questão indígena viria através
da transformação da selva em morada do moderno. A mata receberia estradas que,
rasgando o verde, permitiriam a subjugação dos chamados selvagens. A vitoria de uma
outra cultura mudaria os índios.” (WITTMANN, 2007, p.61).
É preciso sempre ter em mente que a ideia de colonização pioneira significa
também, a diminuição de acesso a bens da população nativa que até então tinha nos
recursos daqueles espaços a sua base de reprodução material. Isto por que, no começo
do século XX, quando havia referência em documentos oficiais aos (considerados
naturais do lugar) autóctones, geralmente era para descrever a necessidade de
catequização de indígenas e criação de “aldeamentos” como forma de pacificação. Ao
contrário de pensar como vazios não habitados, é demonstrado pelos textos do governo
que se tratava, muitas vezes, da presença dos indígenas como o problema. “A violência
dos chamados caçadores de bugres marca a história catarinense.” (WITTMANN, 2007,
p.61).
10 “As colônias provinciais foram fundadas em regiões mais distantes – onde ainda havia terras públicascom o objetivo de dirigir a ocupação territorial no sentido da integração viária da Província.”MACHADO (1999, p.24-25).
34
As expressões usadas demonstram qual o posicionamento que o aparato
governamental seguia. Se houvesse muitos indígenas em determinada região ou
localidade, poderia ser descrita como “infestada de silvícolas”. Quando se tratava das
estradas e interesses de circulação, principalmente de colonizadores, as mensagens de
governo deixaram claro que tratavam os indígenas como se houvessem invadido áreas e
espaços, impedindo caminhos de serem construídos ou percorridos. Os grupos indígenas
eram tratados como entraves à circulação, e a opção seguida foi a de realizar proteção
aos colonizadores. “Em 1836, é criada na província de Santa Catarina, uma Companhia
de Pedestres com o objetivo de, entre outros, ‘proteger, auxiliar e defender os moradores
de qualquer assalto do gentio, malfeitores e fugitivos’ [...]”. (SALOMON, 2002, p.250).
Os indígenas foram colocados entre os inimigos que ameaçavam dos brancos
colonizadores.
As políticas de promoção do governo declaravam proteger a vida de quem
desejasse passar pelas estradas, mesmo que fosse necessário, para isso, se precaver
atacando “silvícolas” (tratados como não-civilizados), conforme os relatórios do
governo no início do século XX expressavam. Os indígenas não eram vistos como
pessoas pelas ações Estatais (MACHADO, 2004, p.58). Os projetos de intervenção
buscavam, acima de tudo, confinar essa população: “[...] os confinamentos indígenas
terão a função de isolar estes grupos com intuito de torná-los dóceis para a vida em
sociedade. Durante anos se fará o elogio a esta ‘pacificação’.” (SALOMON, 2002,
p.259).
A longa política de integração do território de Santa Catarina esteve associada e
colocada em prática, paralelamente, à preferência pelo embranquecimento da
população. E a governamentalidade (FOUCAULT, 1970) favorecia e instrumentalizava
o aparato Estatal em favor do imigrante colonizador: “Desde que foram criadas, as
companhias de pedestres tinham a função de afastar os indígenas para este interior
desconhecido do qual não deveriam sair. [...] empurrá-los para dentro deste espaço e
não permitir que a vida errante dele se afastasse.” (SALOMON, 2002, p.255). Dos
brancos, esperava-se o papel de fazerem a integração do litoral-interior. A colonização
européia em Santa Catarina foi mais do que a formação de um campesinato com acesso
às pequenas e médias propriedades de terras. O processo de formação territorial é
profundamente violento em relação à cultura indígena. Uma das primeiras comunidades
rurais germânicas pode bem exemplificar como dela esperava-se, em conseqüência da
colonização, a integração, como assim havia sido planejado:
35
A localização de São Pedro de Alcântara, por sua vez, revela a intençãode povoamento, partindo de um ponto estratégico, pois veio aconcretizar antigo projeto de instalação de um povoado que tornasseseguro o caminho para o planalto, ameaçado por temidas incursõesindígenas. (SEYFERTH, 2009, p.276.)
Percebe-se, ao analisar mensagem dos governos catarinenses que, ao defender
interesses de circulação e livre acesso dos colonizadores, torna os habitantes autóctones
aqueles que deveriam ficar reservados a espaços nos quais não passassem estradas, nem
“pessoas”. Aos indígenas é atribuído o papel de tornarem inoportuno o deslocamento de
valores e de proprietários desses valores.
Ao tratar algumas populações autóctones como intrusas e estranhas, o
posicionamento governamental opta por lógicas que queriam naturalizar-se e se impor
como dominantes, sendo que uma territorialidade colocou-se àquela existente
preteritamente. Numa espécie de “reclamação”, conforme consta no relatório do
governante, apresentado no ano de 1916, defendia claramente o lado dos colonizadores,
quando dizia: “É sabido que em Blumenau e outros pontos os selvícolas inquietam os
colonos, destroem as suas propriedades quando não os atacam, massacrando-os.”
(SCHMIDT, 1916, p.76). Embora, no mesmo documento tenha afirmado que “Torna-se,
pois, impossível a localização de colonos nas regiões frequentadas pelos índios.”
(SCHMIDT, 1916, p.76), sabe-se de não autodeterminação ou respeitado limite da
“territorialidade autóctone”, mas sobreposição ou imposição da colonização em espaços
de vida das culturas indígenas. (MARTINELLO, 2012).
No terceiro capítulo, a Viagem e presença de um primeiro governador de Santa
Catarina ao Oeste, fez do imaginário da conquista e nacionalização do Sertão, o mote do
mito Bandeirante.
Geografia Histórica: volver
Estariam membros da comunidade de geógrafos reescrevendo ou, desejando
escrever, suas próprias histórias? Não se trata disso, quando pretende conjugada em
uma expressão só, discussões de espaço e tempo. Não é uma reivindicação de uma
minoria, apontando como se vítimas das mutuamente apartadas11 História da Geografia
11 Como Maurício Almeida de Abreu (2010, p.17) afirmou, é desejável cultivar pontos de encontros ealgumas concordâncias, para haver mais aproximação; como lembra o autor um dos maiores paradigmasda afinidade entre temáticas dessas disciplinas está nas gerações fundadoras do movimento dos Annales:“Para que essa contribuição seja efetivada [A Geografia Histórica], é importante, entretanto, que algumasbarreiras que a separam da história sejam eliminadas. Sabemos que no início do século XX a separaçãoentre essas disciplinas era bem menor. Os historiadores não dispensavam a análise dos ‘quadros’ naturais
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ou Geografia da História. Mas, nem por isso, seria menos legítimo, caso geógrafos
desejassem maior movimentação e refinamento, uma “própria” abordagem de sua
comunidade (seu campo), com “suas versões” do passado. Não é algo menor, pesquisar
como na Geografia ocorreram históricas disputas nas formulações de conceitos, nas
validações de temas e objetos ou sujeitos a serem questionados. Tanto possível, quanto
uma história da geografia que buscasse compreender, por exemplo, a percepção dos
embates nas elaborações de currículos escolares e universitários.
A Geografia tem sua história: mas tal perspectiva não seria o foco da Geografia
Histórica; embora também, não deixe de ser parte relevante. De maneira que, ao menos
no Brasil, tem sido até comum quem se proponha a fazer estudos em Geografia
Histórica, também realizado pesquisas sobre aspectos da história da disciplina. Às
vezes, parece confusa a difícil margem de delimitação da História dos Pensamentos
Geográficos, com Geografia Histórica. Mas não significa a mesma coisa. Considero o
nome de quem mais bem tenha feito associação entre Geografia Histórica e História(s)
da Geografia: Antonio Carlos R. Moraes (1991). E não o fez de maneira simplória e
descritiva (longe disso), como se paralelos simples. Conseguindo bem associar crítica e
criativamente, subcampos, como variáveis chave da Geografia Humana.12
As versões sobre o passado estão em disputa e, portanto, das formas de se fazer
História. Buscar convencimento e mobilizar “a maioria” para consolidar interpretações,
não deixa de ser competição para imposição de sentido(s). Até mesmo, do que venha a
significar História, o que por si só configura um aberto e constante litígio.13 Já não é
mais simples e nem confortável, dialogar com quem se acomoda na visão ingênua e
pronta sobre a ideia de existir uma restrita “verdade” (quase sempre é a verdade de
quem próprio a anuncia). No mínimo, não se poderia recusar como muito se compete,
para tornar hegemônica alguma versão do mundo; e quando aparentemente hegemônica
determinada interpretação, logo alguns passam a tratá-la como a mais verdade(ira).
e territoriais que balizavam os processos sociais que estudavam, e não foram poucos os que elegeram umrecorte espacial para circunscrevê-los – a tradição de estudo da Escola dos Annales prova isso muito bem.Os geógrafos, por sua vez, dedicavam uma boa parte de suas monografias ao estudo do processo históricoda região analisada, buscando nele elementos que os ajudassem a singularizá-la. É verdade que poucosforam os estudos que conseguiram verdadeiramente interar tempo e espaço, ou melhor, período e lugar eregião. A monumental obra de Braudel sobre o Mediterrâneo, assim como certas obras clássicas dageografia regional são assim, exceções e não a regra.” (ALMEIDA, 2010, p.17).
12 “[...] ver a geografia humana em si, como uma modalidade de história.” (MORAES, 2005a, p.39) éabordagem presente no marcante livro desse autor: Território e História do Brasil, por exemplo.
13 Ver mais em: JENKINS, Keith. A história repensada. 4ªed. São Paulo: Contexto, 2013.
37
Então, disputa-se a verdade, se disputa das formas de se ver(em), negarem ou silenciar –
tentando, dirigir sentidos – sobre “o que se passa” ou o que se passou.
O método e os recortes temáticos das proposições da Geografia Histórica, não
visam em si (ou não se propõe) ser uma interpretação, congregando descontentes com
caminhos da disciplina História ou, descontentes com os descaminhos da Geografia.
Antes, é uma formulação intelectual tratando de discussões consideradas pertinentes a
temporalidade dos espaços, “[...] abrindo-se, portanto, para a ótica de conceber a
geografia como uma história territorial.” (MORAES, 2005a, p.15). E até mesmo, das
condições das espacialidades influírem na História. “Enfim, o desenvolvimento
histórico se faz sobre e com o espaço terrestre, e, nesse sentido, toda formação social é
também territorial, pois necessariamente se espacializa.” (MORAES, 2005a, p.47)
Geografia Histórica tem como meta, a espacialização envolvida nas rupturas, na
continuidade do fluir e existir temporal. Teria suas maneiras (métodos) “peculiares” de
atribuir sentidos ao passado; na mesma proporção, em que, observa o espaço presente,
em tentativas de retrospectivas temporais. Segundo a opinião de Maurício Almeida de
Abreu (2010, p.17), pode-se fazer Geografia Histórica, sem necessariamente chegar até
o tempo presente ou explicá-lo na sua plenitude: “A análise de lugares (assim como a
das regiões) não precisa, entretanto, estar informada pelo presente; pode-se muito bem
concentrar a investigação em tempos pretéritos.” (ABREU, 2010, p.17).
Já na visão de Antonio Carlos R. Moraes deve-se, sim, ter o presente como uma
das metas mais importante, tanto de ponto de partida para retrospectivas, como para do
passado vir a contemporaneidade: “[...] a análise geográfica pode (e deve) utilizar o
presente como referência de reconstituição histórica no estudo da formação dos
territórios.” (MORAES, 2005, p.60).
Entendo como uma das proposições da Geografia Histórica, a meta mais geral e
pretensiosa, creditar à associação entre ser e estar; quando e onde; nas mútuas
influências do existir no tempo e espaço. Por oposição, talvez pudéssemos inquirir,
como duas as principais e maiores negações para uma melhor existência da Geografia
Histórica: a) recusa o simples correr da cronologia e dos fatos, como se a História
andasse sem gravidade (ou independente do onde); b) o simplório elenco das coisas
distribuídas sobre o espaço como se estagnadas, amorfas14 ou sem mudanças, como se
congelamento eterno.
14 Para Maurício de Almeida Abreu (2010, p.16), além da ampliação da concepção de espaço como emmovimento, mudanças e não estanque, houveram também ampliações de várias possibilidades de
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Para Maurício de Almeida Abreu (2010, p.22), a Geografia Histórica busca
discutir a compreensão dos processos sociais e das formas espaciais, em algum período
de tempo e em algum lugar do espaço. Das coisas distribuídas sobre o espaço
(conformadoras de espacialidades), sua distribuição, os acontecimentos e a existência
(mesmo quando aparentemente, apenas, “fatos”), também influenciados por quem os
“sustenta”, dá chão, permite eventos se desenrolarem. E por assim permitir, ao permitir,
seria também o espaço uma dimensão a considerar influente, mas não isolada, associado
ao tempo. Espaço social, um fator; ator e agente a ser levado em conta, na mesma
hierarquia do que outras dimensões (nem sempre determinante, nem só submisso).
Inclusive, o espaço podendo influenciar em ritmos, (em maiores ou menores)
acelerações e particularizar eventos, como os escalonamento temporal proposto por
Fernand Braudel (tempo curto/fato; médio/conjuntura; longo/estrutura).
Há muito mais fatores de ordem espacial do que sonha nossa vã historiografia;
assim, como há dimensões temporais complexas, não unidirecionais, nem prontas (ou
estagnadas) do passado, como parece nem sequer sonhar parte de nossa vã Geografia.15
Estou de acordo plenamente, com a seguinte afirmação do geógrafo histórico Maurício
de Almeida Abreu: “Sem a recuperação da produção material das sociedades do passado
não é possível resgatar as âncoras espaciais que deram suporte à constituição dos
lugares e, por conseguinte, a produção de sua história.” (ABREU, 2010, p.19)
Seria enfadonho, para não dizer infantil, imaginar que a Geografia Histórica
pretendesse impor uma visão de como se faz História. Ou ainda, como dentro da
Geografia (para os demais geógrafos) quisesse tomar lição e ensinar-lhes da(s)
história(s) do(s) espaço(s). Antes, é uma possibilidade do fazer geográfico. É um
discurso acadêmico (treinado, informado e baseado em parâmetros) a respeito do espaço
na cadência passado/presente. Não se trata de uma simples cooperação entre disciplinas,
interpretação, não mais sendo aceito uma essencial única sobre um lugar, região, enfim, como se apenasuma matriz conceitual ou teórica conseguisse acessar uma verdadeira e essência de um espaço. ““O quemudou nas últimas décadas, isto sim, foi a antiga vinculação com a concepção de espaço e, porconseguinte, com a ideia de que regiões e lugares se definiam por sua estrita singularidade na superfícieda terra. O estudo das regiões e dos lugares não morreu: o que desapareceu foi a crença de que tanto umacomo outras constituem um arranjo espacial final e único, a síntese, por assim dizer, de uma determinadaparcela da superfície da terra.” (ABREU, 2010, p.19).
15 Há um campo bastante consolidado, atuante e produtivo de Geografia História no Brasil que não vê asfronteiras entre essas disciplinas como intransponíveis, e sim, como possibilidades de diálogos.Certamente conjunto da obra deixada por Antonio Carlos R. Moraes é uma das referências de destaquenessa produção. Vale apontar a abordagem da Geografia Histórica desse autor que: “Nesse enfoque oterritório passa a ser visto como um resultado histórico do relacionamento da sociedade com o espaço.”(MORAES, 2005a, p.52).
39
mas de pensar como espaço não é uma externalidade aos fatos e eventos temporais e
socioambientais. Por outro lado, para muitos historiadores, não seria o passado, um
lugar? Mesmo que não se permita freqüentá-lo, mesmo se “se vá” apenas por signos,
símbolos e restos de discursos – como o escrito – e mesmo que não se consiga sair do
presente; a História costuma fazer do tempo, lugares. Mesmo quando – ou somente
assim permitido – lugares imaginados.
Não se consegue mudar efetivamente de tempo, não há máquinas para tanto.
Mas isso não significa que o espaço também não deixe de ser um veículo de
mudança(s), tal como o tempo. Enfim, espaço agente que carrega mudanças. É preciso
estar, para ser. Assim como – e para apenas citar uma expressão antiga em desuso, por
ultrapassada – uma Antropogeografia não poderia querer impor da Geografia a ensinar
aos antropólogos como realizarem suas interpretações, a Geografia Histórica não quer
ensinar as dinâmicas da esfera terrestre aos historiadores. Mas pode ter possibilidades
de gerar encontros entre ambas; às vezes com problemáticas de certa afinidade e
maneiras de pensar questões, para além das fraturas e fragmentações departamentais.
Tenho pra mim, a Geografia Histórica configuraria em uma das características
daquilo que o Prof. Antonio Carlos R. Moraes nos disse em uma das suas últimas
reuniões de orientação, na sua sala do departamento de Geografia da USP em 2014. Boa
discussão ocorrida na presença do Prof. Manoel F. de Sousa Neto e do colega de
doutoramento também orientado pelo Tonico, Miguel Vieira de Lima. O Prof. Antonio
Carlos R. Moraes como que um apaixonado pelo que fazia, deu um sorriso e nos sugeria
como uma de suas indicações a não serem esquecida: das sutilezas da Geografia.
Geografia Histórica, uma das sutilezas da produção de saberes e do fazer geográfico.
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CAPÍTULO I
BASES DA EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO “CATARINENSE”
Das disposições para sínteses e abrangências
Estudos de “síntese”, apanhados geral e trabalhos panorâmicos, parecem ter
pouco prestigio nas humanidades no momento em que redijo essa tese. A presente
pesquisa não quer ser um desses, embora também não negue a pretensão da síntese mais
ampla.
Vivemos uma época onde John Monteiro (1999, p.259) constatou, no final do
século passado, como sendo “Na atual conjuntura de hiper-especialização acadêmica
[...]”. Max Weber que viveu até 1920 já afirmava: “Em nosso tempo, obra
verdadeiramente definitiva e importante é sempre obra de especialista.” (WEBER,
2004, p.24), para depois ponderar: “A intelectualização e racionalização crescentes, não
equivalem a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos.”
(WEBER, 2004, p.30).
Parecendo hegemonia do contexto de relativa marcação de discussões por
exclusividades, singularidades, caso(s) único(s), particularidades, em um geral de
individualidades, esta pesquisa segue na contramão da predominante tendência de
contradizer generalidade.16 Saudando abordagem denominada por Antonio Carlos R.
Moraes (2014, p.12) como:
[...] afã totalizante [que] contrasta-se bem com as proposições metodológicasmais recentes, marcadas por um caráter “aberto”, de forte índole não conclusivae com uma ótica singularista, postura que constitui uma das característicasessenciais das perspectivas autodenominadas “pós-modernas”.
Flertando com àqueles recortes – com resultados, às vezes, positivos – de abordagens
gerais, embora não seja esse o tom de todo a pesquisa, essa é a ênfase dada neste
primeiro capítulo. Traçarei discussões dos aspectos de “bases” e da “emergência”
territorial de Santa Catarina, em uma clara e evidente inspiração em trabalhos
precedentes de outros autores, como uma espécie de revisão de literatura específica, ao
estilo de estado da arte. Sigo a escrita relacionada, algumas vezes, tanto com aspectos
geohistóricos do território brasileiro, como com discussões conceituais.
16 “A origem dos principais métodos clássicos em ciências humanas reside em macro-teorizações dotadasde uma vontade totalizadora, que unificam num mesmo discurso um sistema filosófico e uma teoria geralda história e/ou da sociedade.” (MORAES, 2014, p.12).
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Territorialidade do Estado-nação (mercado em primeiro lugar, na América)
versus
Territórios Sociais, diálogo teórico nas “convivências” tensionadas no Brasil
É certo que, os espaços são invenções, assim como os conceitos também os são.
Mas os sentidos dados a ambos, suas possibilidades de significados alteram-se,
modificam-se e sofrem transformações ao longo do tempo. Espaço(s): tão
polissêmico(s) quanto as tentativas dos conceitos em defini-lo(s). Há quem enfatize
nele(s) – na categoria17 mais abstrata espaço(s) – as continuidades, as regularidades e
mesmo as ancoragens sociais construídas e “cristalizadas”, auxiliadoras da manutenção
das permanências. É como tentarei fazer em partes da presente pesquisa, conferindo
certa atenção a algumas permanências. De saída, explicito a concordância com a
afirmativa “Os espaços são acontecimentos, tanto como conceito, quando como práticas
e relações.” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2011, p.106).
A modernidade tipifica menos aleatoriamente a terra do que antes; faz do “uso
racional” do espaço uma estratégia de ganho (retorno).18 Se concordarmos com o texto
de uma conferência de 1906 de Max Weber (1986, p.415) quando diz: “Na Europa, o
mercado é mais novo do que o produtor.”; então, por oposição à tradição do passado (do
Antigo Regime) na “velha ordem econômica”, este tipo ideal fundado na América
institui, com a nova terra uma racionalidade19 controladora e lucrativa mais espessa: “O
mercado é mais antigo do que ele [o produtor] na América.” (WEBER, 1986, p.415).
17 Por exemplo, um conceito de época pode ser encontrado em Milton Santos (2002, p.150) dos anos dadécada de 1970 na obra, Por uma geografia nova, quando diz: “O espaço geográfico é a naturezamodificada pelo homem através de seu trabalho.” Já Renato Ortiz (1996, p.49) aponta a associação com amaterialidade: “Existe nas Ciências Sociais uma forte tradição em se pensar o espaço na sua relaçãoimediata com o meio físico. A evolução da Geografia, a escola de Ratzel, entre outras, é pródiga emexemplos dessa natureza. No entanto, mesmo quando nos afastamos do determinismo geográfico, cujainfluência foi grande entre os pensadores brasileiros no final do século XIX, está presente a ideia deterritório identificado aos limites de sua materialidade.” (ORTIZ, 1996, p.49). (destaques meus)
18 “[...] no mundo moderno os territórios estão vinculados ao domínio estatal do espaço, qualificando-secomo o âmbito espacial do exercício do poder de um Estado.” (MORAES, 2014, p.33). Embora nãosendo tão claro e entendível quais rupturas acompanham a modernidade, Michel Foucault também teriaproposto tal agenda de investigação, segundo afirma Durval M. de Albuquerque Júnior (2011, p.96): “[...]Foucault claramente propõe que se faça uma história da categoria espaço e esboça uma análise dapassagem da organização espacial característica da Idade Média, em que prevaleceria o espaço comolocalização, para a organização espacial do mundo moderno, onde prevalece o espaço como extensão;forma de organização espacial da qual estaríamos saindo para uma espacialidade marcada pela posição.”
19 O espaço vai se tornando, como disse Milton Santos (1997, p.43) cada vez mais instrumentalizado. Aideia de racionalidade costuma se apregoar como mais capaz e não deixa de ser uma verticalidade. Autointitulando-se racional, mobiliza discursos buscando hegemonizar e dominar; desqualificando “Outras”práticas de gestões, usos, posses ou apropriações de terras como menos práticas, inferiores, enfim, não
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A América e sua agricultura (leia-se, a exploração/produção) nasceu produzindo
para o mercado. Claro, tratando no nível das abstrações dos tipos ideais. Em Alencastro
(2000, p.32), um exemplo mais palpável, “[...] o tráfico surge como vetor produtivo da
agricultura das ilhas atlânticas.” De maneira semelhante, Eugene Genovese arremata:
O surgimento de um mercado mundial – o desenvolvimento de novos gostos ede manufaturas, que dependiam de fontes não européias de matérias-primasincentivou a racionalização da agricultura colonial sob a dominação feroz de umpunhado de europeus. A mão-de-obra africana forneceu a força humananecessária para alimentar o novo sistema de produção em todas as sociedadesescravistas do Novo Mundo [...]. (GENOVESE, 1988, p.22).
Embora a apropriação de terras voltadas a produzir para o mercado (lógica
racional de mercado precede a produção na América, conforme Weber), tenha
influenciado diretamente em uma tipicidade de territorialidade nas Américas; territórios
mercantis, controlados por Estados metropolitanos, pode-se dizer; houve outras
territorialidades – não apenas para o mercado – convivendo com àquela imposta pelo
colonialismo.20 Mesmo quando resistindo ou não, sendo subalternas, marginais,
sobrepostas, submissas e dentro do desapossamento produtor de mercadoria, a começar
pela terra como valor de mercado, mesmo assim, havia e há também territórios sociais
(LITTLE, 2004) não submetidos totalmente àquela dinâmica mercantil. Se bem que do
ponto de vista nativo – dos autóctones e indígenas – a partir do século XVI “Segue-se
um processo de repovoamento colonial e mercantil fundamentalmente baseado no
implante de colonos europeus e de escravos africanos.” (ALENCASTRO, 2000, p.40).
Dito de maneira parecida por Antonio Carlos R. Moraes (2003, p.80): “A expansão
territorial – despovoadora na perspectiva dos índios, povoadora na óptica do
colonizador – marcou o desenvolvimento histórico do Brasil”. Ainda para o mesmo
autor: “Os territórios nacionais se formam a partir dos coloniais, e estes foram muitas
vezes construídos sobre as formações territoriais indígenas.” (MORAES, 2006, p.11).
Do ponto de vista conceitual, não há consenso em existir apenas um conceito
amplo, genérico e acabado de território. Ao contrário, cada vez mais se parece
demandar atributos, adjetivos ou explicações de como se está entendendo o sentido do
eficazes. Milton Santos (2004, p.110) perspicazmente captou assim: “As horizontalidades, pois, além dasracionalidades típicas das verticalidades que as atravessam, admitem a presença de outras racionalidades(chamadas de irracionalidades pelos que desejariam ver como única a racionalidade hegemônica).”
20 Aqui, de maneira genérica, pode caber entender com Milton Santos (2000; 2004) o colonialismo comoverticalidade querendo se impor, em horizontalidades possíveis de resistências por várias sociedades pré-colombianas. Os próprios “territórios sociais” na expressão de Paul E. Little (2004) são excelentesexemplos de horizontalidades que “não se entregam passivamente” às tentativas de sobreporem-se a elas.
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termo. “O território em si, para mim, não é um conceito” dizia Milton Santos (2000,
p.22) na entrevista tornada livro: Território e Sociedade. Território “só se torna um
conceito utilizável para a análise social quando o considerarmos a partir de seu uso, a
partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se
utilizam.” (SANTOS, 2000, p.22). Na obra Para uma outra globalização, Milton parece
ter buscado cunhar, bem sucedido, uma noção abrangente e possível de território, usado.
Tão fortemente associado apenas a uma compressão jurídica, como área de
domínio e influência do poder do Estado, justamente criticado por Paul E. Little (2004),
existe uma generalização da ideia de território, de maneira que até mesmos os
intelectuais e as reflexões pretensamente críticas, esquecem outros atributos territoriais,
não apenas Estatais. Alguns reducionismos se atrelaram à noção exclusivista de
território e, “[...] para a maior parte das ciências sociais contemporâneas, o conceito de
territorialidade é diretamente vinculado às práticas territoriais dos Estados-nação e tende
a ocultar outros tipos de territórios, como os territórios sociais.” (LITTLE, 2004, p.257-
258).
Para Antonio Carlos R. Moraes (2014, p.33) há uma clara dupla tradição
disciplinar, compreendendo diferente a definição de território. Com entendimento de
maneira diversa, há para ele, as trajetórias de reflexão geográfica e antropológica.21 “No
campo da geografia, assim como nas teorias do direito a afirmação de uma autoridade e
o exercício do poder define o território, que é um espaço qualificado pelo domínio
político.” (MORAES, 2014, p.33). Segundo esse mesmo geógrafo, “Já nas teorias da
antropologia, tal conceito qualifica a vivência de espaços específicos e a espacialidade
de relações simbólicas, notadamente aquelas referidas às identidades.” (MORAES,
2014, p.33). Para Renato Ortiz (1996, p.51), “Geógrafos e antropólogos partilham,
portanto, da ideia de que as culturas se enraízam em um meio físico determinado.”
Rogério Haesbaert (2005), não articula noções de território necessariamente aos
debates disciplinares, embora ele dê a entender como campos de saberes e suas
21 Não é viável separar esquematicamente e apenas em oposições, abordagens realizadas nas pesquisas deestudiosos da Antropologia e da Geografia. Muitas noções atribuídas a uma ou a outra são realizadas forae dentro delas. Há encontros, divergências, mútuas inspirações e diálogos, como fez em um texto MarceloJ. Lopes de Souza (1995) “O território: sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento”. Nele, oautor faz crítica ácida, para ao final elogiar: “Infelizmente, contudo, a Antropologia, com seus conhecidosvícios disciplinares (predileção pelo ‘desviante’, despolitização do discurso, desapreço para com oaprofundamento da análise do Estado...), tem dificuldades para alcançar uma interpretação ‘estratégica’dos problemas de sociedades complexas (conflitos sociais objetivos e suas causas, papel da produção doespaço enquanto variável essencial da reprodução do status quo) restringindo-se quase sempre, assim, achamar a atenção, ainda que muitas vezes apenas indiretamente, para os limites do discurso objetivista epausterizador das demais disciplinas.” (SOUZA, 1995, p.82-83). (destaques meus).
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tradições também ajudam a conformar sentidos diversos aos conceitos da expressão e do
que venha a ser discussão territorial. O autor assinala não ser muito fácil e nem prudente
tentar separar as dimensões do espaço social, porque é da sua possibilidade condensar e
expressar multiplicidades de elementos. Compreendendo a seguir citadas, por mim
sublinhadas quatro abordagens gerais, segundo elencou Rogério Haesbaert (2005, p.35):
[...] uma que parte da noção de território como dimensão físico-econômica davida humana, outra que vê o território como base de ordenamento político dasociedade; uma terceira, que parte da ideia de território como espaço deidentificação cultural; e uma quarta, a mais totalizadora, que vê o territóriocomo uma espécie de “experiência integral” do espaço pelos grupos sociais.
Essa última noção das quatro (acima) descritas por Haesbaert (2005, p.35), parece
guardar maior feição com a ideia de Milton Santos como se nota na citação a seguir;
enquanto a segunda (a do ordenamento político) parece mais característica da
concepção de território de Antonio Carlos R. Moraes.
O território foi tomado como elemento definidor de uma era, por assim dizer,
pós desencantamento do mundo e, principalmente para Max Weber (2003; 2004), para
quem parte fundante do conceito de Estado Moderno é visto como monopólio da
violência em uma delimitação determinada.22
Há resistências, na promoção do território Estatal nacionalista, quando da
expansão imperialista, por exemplo, ou mesmo chegando aos dias de hoje, em tempos
de globalitarismo. Volto às horizontalidades de Milton Santos (2000; 2004), para
perguntar não teria tentado em sua obra última (publicada inédita em vida), articular um
conceito mais abrangente possível de território (na classificação anterior citada de
Haesbaert, “experiência integral”), incluindo tantos aspectos quantos possíveis? Ao que
tudo indica a resposta é positiva! Na citação a seguir, é possível encontrar a intenção de
Milton Santos que vem acompanhando parte das obras do cidadão do mundo, em tentar
abarcar o máximo possível das palavras que expressam a complexidade envolvendo os
usos dos territórios em uma brincadeira dialética de síntese (território Estatal +
territórios sociais):
O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto desistemas naturais e um conjunto de sistemas e coisas criadas pelo homem. Oterritório é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e osentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do
22 Renato Ortiz (1996, p.12) validou essa discussão ainda como pertinente e não findada, “[...] o Estado-nação não desapareceu com a consolidação do processo de globalização. Estou convencido de que seupapel é fundamental em diversos setores, como o monopólio da força.” (destaques feitos por mim). EmBenedict Anderson (2005, p.22) a globalização não findou com as estratégias nacionalistas: “A realidadeé muito clara: o ‘fim da era do nacionalismo’ há muito profetizado, não está nem remotamente à vista.”
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trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre osquais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entenderque se está falando em território usado, utilizado por uma dada população. Umfaz o outro [...]. (SANTOS, 2004, p.96).
Nesse trecho de Santtos (estou considerando a classificação totalizadora da
“experiência integral” de Haesbaert 2005, já citada) parece estar a capacidade de, na
mesma ideia, abarcar tanto os territórios dos Estados nação, como também aquelas
territorialidades de pertencimento e de identidades, construídas culturalmente por
grupos e indivíduos – aqui tomado de empréstimo a noção de territórios sociais, de
Little (2004). Esses territórios sociais (co)existem, não apenas nas elaborações mentais
e intelectuais. Negar a existência de outros territórios23 em paralelo e convivendo
(menos em harmonia e mais em tensões com o mercado e) com o território Estatal é
uma característica muito presente ao longo da história (até recente!) do Brasil; como
discuto a seguir.
O Brasil como território. O território como Brasil
Estou de acordo com interpretações que percebem como, durante vários
contextos e momentos, recusou-se e tentou-se impedir a reprodução de áreas
autônomas, “independentes” e auto-gestadoras do Brasil pela própria população.24 Um
histórico pouco tolerante com territorialidades sociais e forte na gestão centralizadora
do território pátrio. Quilombos, Canudos, Contestado, seriam exemplos? Resistências de
territorialidades sociais e coerção de homogeneidade territorial Estatal. Antonio Carlos
R. Moraes (2001), considera um exemplo de extraterritorialidade:
O episódio de Palmares foi minimizado na história brasileira. Primeiro, valelembrar que Palmares durou quase cem anos, um século. No seu auge, por voltade 1650, chegou a ter 70.000 habitantes, que era mais ou menos a população daárea mais povoada da colônia, na época, o Recôncavo Baiano. Então não foi
23 “A modernidade é, talvez, a primeira civilização que faz da desterritorialização o seu princípio. Ela édescentrada, privilegiando a deslocalização das relações sociais.” (ORTIZ, 1996, p.68). Excelentecontraponto da discussão acerca da mundialização na obra de Renato Ortiz (1996). Ele busca articulaçõesmultidisciplinares de maneira a escapar de significados estritos de conceitos; afirma: “O desenraizamentoé uma condição de nossa época, a expressão de um outro território.” (ORTIZ, 1996, p.69).
24 Faço paralelos da existência de territórios sociais, no caso paradigmático de Canudos, ressaltando nãoter sido exclusivo, isolado ou único. Berthold Zilly (2000, p.314) lembra: “Esse Estado em miniaturadentro do Estado, situado no interior inóspito da Bahia, pode ser considerado uma iniciativa de auto-ajudarelativamente bem-sucedida de vítimas da civilização e da modernização, um movimento transformadoem organização que conseguia satisfazer sofrivelmente as necessidades básicas dos seus moradores e oslibertava da habitual opressão por parte de fazendeiros e autoridades. Se as condições de vida emCanudos não fossem pelo menos um pouco melhor do que em outros povoados da região, não seriapossível explicar o forte movimento migratório rumo ao arraial, com talvez uma centena de habitantes em1893, crescendo vertiginosamente para dez ou talvez vinte mil até meados de 1897 [...].”
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uma coisa secundária. Palmares foi uma clara situação de extraterritorialidadeno domínio português, era um Estado autônomo, que inclusive negociava comportugueses e holandeses. (MORAES, 2001, p.110) (destaques meus).
Movimentos sociais rurais foram bastante reprimidos no Brasil como Bertold
Zilly (2000) ratifica, nesse exemplo: “Sem dúvida, a comunidade de Canudos lesava o
monopólio estatal da violência [...].” (ZILLY, 2000, p.314).
Não é mero acaso, o Brasil, com sua área total ter um histórico de conflito e
acesso desigual fundiário tão marcante. Projetos sociais autônomos viáveis, foram
muitas vezes vistos com desconfiança ou perigosamente alternativos; tradicionalmente
tentou-se combater ou negando-lhes entendimentos e existências em seus próprios
termos. Recusou-se, em sua época, atenção, por exemplo, de ter havido em Canudos,
“[...] práticas democráticas como o uso comum do solo e dos rebanhos, assim como
uma espécie de mutirão, tudo em caráter voluntário, pelo menos em tempos de paz.
Havia escola e um rudimentar serviço de saúde.” (ZILLY, 2000, p.318). Negar a
existência de agência própria da maioria da população, velha baixa estima destinada ao
Outro pelos que estão acima, na cúpula da pirâmide social brasileira, reforça a
invisibilidade dada a partes integrantes do povo do País.25 Ainda em Canudos, vale
exemplificar, “[...] havia até uma ‘rua da Professora’. Esses traços”, diz Berthold Zilly
(2000, p.314) do corrente desprezo ao popular no Brasil, “não mereciam muita atenção
entre os seus primeiros cronistas [sobre Canudos], ligados à civilização inimiga.”
(ZILLY, 2000, p.314). Via-se em Canudos, território da barbárie.
Combateram-se, na primeira República, comunidades com modelos sociais
autônomos, e como “[...] não existem sociedades não espaciais (se bem que existem
sociedades não territorializadas)” (MORAES, 2014, p.25), o Estado em seu monopólio
da violência procurou colocar fim a tais territórios: Quilombos em época colonial e
continuando na República. Na busca de deslegitimação de territórios sociais, justamente
pelas ações e atitudes de protagonistas, estes foram tratados como desviantes ou
inimigos e mesmo integrante do território do País deveriam ser incorporados ou
eliminados:
Antonio Conselheiro e seus seguidores tinham de fato algo dos heróis antigos:eram – durante poucos anos – fundadores bem-sucedidos de uma cidadeautônoma, a maior das redondezas, um mini-Estado alternativo, que defendiamcontra as agressões do mundo inteiro, uma comunidade onde os humildes
25 Um exemplo sobre século XIX no Brasil: “Mas a percepção da elite imperial estava permeada por umaambiguidade, ou uma duplicidade: a elevada imagem que fazia de si mesma não tinha correspondência naimagem que fazia do país. A elite brasileira se considerava uma parte da civilização europeia condenadaaos trópicos. [...] implicavam um programa de ação – civilizar o Brasil.” (MAGNOLI, 1997, p.95)
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gozavam de mais respeito e dignidade do que em outras partes da hinterlândiabrasileira. Fossem as elites menos arrogantes, menos bárbaras, mais respeitosasda legalidade, mais dispostas ao diálogo, os canudenses poderiam ter sidocofundadores de um Estado diferente, menos injusto, menos excludente, maismoralizado, mais civilizado, cuja configuração exata, porém, é impossívelimaginar, não se podendo descartar o perigo de aberrações fundamentalistas.(ZILLY, 2000, p.338-339). (destaques feitos por mim)
Há sim, estratégias diversas e mesmo lutas dentro de território pátrio, expressos,
por exemplo, nas formas de apropriação, uso e gestão da terra, constituidoras de
diferentes territorialidades. Em uma abordagem teórica, se há um tipo ideal26 do
território Estado nação, há também conceitualmente, o tipo ideal dos territórios sociais
(LITTLE, 2004). Múltiplas formas de apropriação e diferentes regimes de propriedade
podem ser exemplos de assimétricas coexistências territoriais, mas que em última
análise precisam ser toleradas pelo Estado nação para permanecerem.27 Séculos de
ocupação efetiva apresentam um peso histórico importante, por exemplo, aos povos
tradicionais, como argumenta Paul E. Little (2004, p.265) “O fato de que seus territórios
[dos autóctones] ficarem fora do regime formal de propriedade da Colônia, do Império
e, até recentemente, da República, não deslegitima suas reivindicações, simplesmente as
situa em uma razão histórica e não instrumental [...]”.
Recentemente tem aparecido em algumas denominações de políticas públicas do
governo federal, a entrada de jargão e pronunciamentos por parte de agências oficiais do
Estado (como das secretarias do Ministério do Desenvolvimento Agrária/MDA),
atributos do território como pertencentes a coletividades civis, comunidades ou às
sociedades locais/regionais. É o caso das políticas públicas voltadas aos mais de 5.000
municípios rurais do País, visando entre outras, a implementação de infra-estruturas e
assentamentos no campo, enfim, de investimentos públicos da agenda de governo
(SABOURIN, 2015). Tais programas existentes ou mesmo extintos, levam a expressão
território em suas denominações, tais como, “Programas Territórios da Cidadania”/PTC;
“Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios”/PRONAT ou
ainda, “Planos Territoriais do Desenvolvimento Rural Sustentável”.
26“Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos – a começar pela família – recorreram àviolência física, tendo-a como instrumento normal de poder. Em nossa época, entretanto, devemosconceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites dedeterminado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado –reivindica o monopólio do uso legitimo da violência física”. (WEBER, 2004, p.56).
27 “[...] entidade territorial do Estado-nação impôs-se sobre uma imensa parcela da área que hoje é oBrasil, de tal forma que todas as demais territorialidades são obrigadas a confrontá-la.” (LITTLE, p.257).
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Pela nomenclatura nas justificativas para as escolhas das nomeações de tais
programas e, na aplicação de políticas públicas mais participativas (SABOURIN, 2015),
tem se apresentado planos em que protagonistas de pretensos territórios são, as pessoas,
movimentos sociais (ou seus líderes) ou prefeituras dos pequenos municípios do interior
ou agentes sociais do campo.
Algumas dessas políticas públicas desejam atingir ações transversais,
demarcando problemas que ocorrem (e atravessam) áreas de diferentes municípios.
Havendo busca de soluções comuns, para questões não restritas, o Estado alocaria
preferência de políticas públicas especificas (não apenas setoriais). O ponto positivo
estaria em buscar resoluções de problemas com noção de dinâmica sócio-espacial.
Mesmo que em tais políticas (algumas já citada) se nomeiem como territoriais, talvez,
em termos conceituais, seja “região” mais apropriado para nominar algumas dessas
ações; nada grave, afinal, propõem atravessar fronteiras de (territórios de) municípios.
Mas, para alguns analistas desses programas que incluem a palavra território no
nome das políticas públicas, a crítica feita ao Estado é que, ao difundir a expressão
território, busca representar o desenvolvimento de comunidades (particularmente rurais,
nesses casos). Então, questiona-se: não estariam esses projetos, domesticando
expressões mais candentes ou polêmicas, em um País marcadamente desigual? A
palavra território, nesses casos, estaria sendo usada em substituto, por exemplo, da
nomeação de outros conflitos (territoriais) como questão agrária/reforma agrária,
“latifúndio” ou para (não) designar a concentração da posse da propriedade da terra?
Tais temáticas aparentemente desaparecidas do dicionário político-social recente do
campo no Brasil, permanecem recheadas por nomenclaturas territoriais. Ainda no calor
da hora de políticas públicas com menos de uma década de aplicação, já surgem críticas
ao uso do termo território contra o social. Embora, ao mobilizar a expressão se deseja
tão somente (e com ressalvas) o desenvolvimento de espaços delimitados em áreas
rurais especificas do País, abarcando para tanto, participação de atores sociais, como os
movimentos sociais do campo. Mas, a inserção de um jargão: território, parece vir
acompanhado de adocicar e adormecer planos significativos de maior acesso à
propriedade da terra (PORTO, 2015). É preciso politizar o uso do conceito de território.
Para Paul Little (2004), na virada dos séculos XX para XXI, outros projetos
vindos do Estado, destinado ao norte do País, tais como o “Sistema de Vigilância da
Amazônia”/SIVAM ou o “Zoneamento Ecológico-Econômico”/ZEE, foram exemplos
da razão instrumental do Estado com sua noção de soberania exclusivista.
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Caracterizando, uma gestão centralizada e militarizada, para não dizer autoritária do
território do País, sem levar em conta a existência das pessoas. Negava-se, segundo o
autor, o pluralismo e autonomia dos indivíduos diretamente envolvidas ou que
sofreriam impactos da implementação das políticas. O apelo muitas vezes à segurança,
nesse caso, reduz diretamente a participação das pessoas na apropriação ou gestão
territorial como, por exemplo, no “[...] programa bilionário que utiliza a alta tecnologia
de espionagem para ‘vigiar’ a Amazônia brasileira de ‘cima’.” (LITTLE, 2004, p.278).
O uso desigual do território brasileiro tem uma longa trajetória.
Espaço barganha. Política e território, caso da criação da Província do Paraná, 1853
Na história dos atributos, concepções e ideologias geográficas do território
brasileiro é válido apontar como o espaço foi sistematicamente utilizado como moeda.
Seja em trocas e ganhos políticos como apropriação de áreas, seja na intenção de
domínio de pessoas, das esferas de administração e da capacidade de ter influências no
Estado. No século XIX durante o Segundo Reinado (D. Pedro II), por exemplo, foram
criadas apenas duas províncias no Brasil: Amazonas e Paraná. Já houve quem afirmasse
como as justificativas para criação dessas províncias não levava em conta a opinião da
população, mas “interesses essencialmente eleitorais de grupos políticos estranhos à
terra.” (GREGÓRIO, 2009, p.3036). Segundo pesquisadores da temática, a maioria do
Parlamento do Império representado pelas províncias existentes, quase nunca desejava
ver ampliado o número de políticos, pois significaria partilha de recursos e influências:
[...] a decisão sobre a criação ou não de novas províncias no Império dependiade debate e aprovação do Parlamento central, o que obrigava a que, para ter seusinteresses atendidos, as elites regionais lograssem transformar seus projetos empolíticas de interesse nacional. (GREGÓRIO, 2009, p.3043).
Dificilmente era possível convencer membros do parlamento a votarem
favorável à criação de novas províncias, pois na visão deles, isso resultaria em aumento
do número de parlamentares e, portanto, ampliação de concorrentes nas decisões do
Império. Outros fatores foram mobilizados para o sucesso na passagem de comarcas
para províncias autônomas; emancipação quase sempre realizada com vistas aos ganhos
e pressões das elites regionais. Os representantes políticos das províncias por não
desejarem ver o poder parlamentar pulverizado e ampliado os competidores por
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recursos barravam ou eram sistematicamente contrários à elevação de comarcas em
novas províncias.28
Já dentro da política dos conservadores, o discurso favorável a gerar novas
unidades provinciais estava focado na integração. A intenção de “junção” era com
sentido de aproximar o que se considerava áreas distantes da administração do Império,
sediado na Corte no Rio de Janeiro, para, em consequencia, exercer melhor o domínio, o
controle e, claro, evitar a temida fragmentação. Destaco como: “A relação entre
território e poder político era direta [...].” (GREGÓRIO, 2015, p.336). Para Gilmar
Arruda (2008, p.99):
A historiografia aponta, quase que consensualmente, como motivo parao desmembramento da província do Paraná, uma estratégia do PartidoConservador, então no poder, para impedir ou mesmo criar uma barreira para ascrescentes insatisfações políticas no sul do país, especialmente no Rio Grandedo Sul. (ARRUDA, 2008, p.99).
Segundo Vitor M. Gregório (2009; 2015) foram bem sucedidos àqueles que
associaram (ou amarraram uma articulação de) projetos e discursos de criação de
províncias aos interesses difundidos como nacionais, e que poderiam comprometer a
segurança do conjunto maior, tais como as contestações políticas, particularmente de
cunho separatista. Segundo o autor, a estratégia mobilizada para convencer sobre a
criação da província do Amazonas, foram usados os exemplos da Cabanagem, das
disputas de fronteiras com Inglaterra, França, além do histórico “cuidado” da navegação
no rio Amazonas. Mesma tática foi invocada na bem-sucedida “passagem” da 5ª
Comarca de São Paulo, em Província do Paraná, onde foram apontadas a Revolução
Farroupilha29 no Rio Grande do Sul (que buscava expandir área de atuação agregando
descontentes), a revolta Liberal de São Paulo, a navegação da bacia platina e outras
28 “[...] criação das províncias do Amazonas e do Paraná foram os únicos a alcançarem êxito no períodoimperial exatamente porque os grupos políticos dominantes destas duas regiões lograram articular seusinteresses com questões mais abrangentes – como os problemas relativos às fronteiras e aos movimentosarmados – consubstanciando-os, assim, em interesse nacional. Algo que os demais grupos com interessesemancipacionistas não conseguiram realizar.” (GREGÓRIO, 2009, p.3044). (destaques meus).
29 Silvio Coelho dos Santos (2007, p.23) fez assim, panorama do RS: “O Sul do Brasil foi teatro de váriasguerras. Em 1835, devido a dissensões políticas internas, irrompeu no Rio Grande [do Sul] a RevoluçãoFarroupilha. Os revolucionários intentaram a separação do resto do País, advogando uma estruturarepublicana de governo. As ideias libertárias passavam pela constituição de um Estado democrático, quenão era de interesse do Império. Durante dez anos correu sangue. A unidade do País, entretanto,prevaleceu. Mas os tempos de guerra não haviam terminado. Lutou-se contra Rosas e Oribe, na Argentinae no Uruguai. Depois, aconteceu a Guerra do Paraguai. Toda essa movimentação armada afetou a RegiãoSul, em particular o Rio Grande, pelo desenvolvimento de um forte sentimento de nacionalidade.”
51
tensões com países vizinhos nessa região. Estes aspectos foram levantados como
legitimadores do Paraná tornar-se uma província autônoma, emancipando-se de SP.
Entre apresentação do projeto, aprovação e implementação demorou
aproximadamente uma década para a chamada 5ª Comarca tornar-se Província do
Paraná. Assim, esses casos do Amazonas e do Paraná podem ilustrar como “[...] apenas
condições excepcionais, como levantes armados, invasões de fronteiras, questões
internacionais de grande importância, foram capazes de atrair a simpatia dos membros
do Poder Legislativo para a causa da criação de províncias.” (GREGÓRIO, 2009,
p.3043). Tais aspectos, reforçam a interpretação do Brasil como um território para
governar interesses de domínio.30
Concepção espacializante do Brasil, como sinônimo de seu território é que teria
contribuído para impedir uma maior recepção da nação, barrando a capilaridade
nacional participativa a respeito das decisões coletivas dos usos do território. Mas como
haveria de ter nação, recusando acesso mais igualitário, equilibrado e afetivo de
pertencer ao País? A ideia de jogo político e econômico na emancipação das províncias,
por exemplo, reforça essa concepção do uso espacial como elemento de monopólio para
alguns, quase sempre uma elite regional articulada.
Historicamente, não se promoveu representação das diversificações sociais de
acessos às terras no País, pois isso poderia ampliar noções de povoados territorialmente
resguardados, assim como a desigualdade do acesso ao solo. Ao negar-lhes cidadania,
negava-se, também, existência de seus espaços. Ou vice-versa, ao negar-lhes existência
territorial se lhes cassava a existência cívica. Mesmo se resistindo, como na bem
captada expressão territórios sociais, só pode ser entendida tal expressão, surgida do
conflito. O que fica mais claro nos exemplos apresentados por Paul Little (2004, p.279):
Também é importante indicar que ainda existem setores das ForçasArmadas do Brasil que promovem um nacionalismo exclusivista, cuja expressãomais nítida talvez tenha sido sua oposição à demarcação e homologação dasterras indígenas. Em razão dessa situação, os povos tradicionais esforçam-se pormostrar que seus territórios, à diferença de territórios étnicos em outras partesdo mundo, não representam uma ameaça ao Estado brasileiro. Não possuem finsseparatistas, não guardam exércitos próprios, consideram-se cidadãosbrasileiros. O que procuram é o reconhecimento de seus territórios e do modo
30 Buscava-se atingir maioria no Legislativo na permissão da criação de “novas” províncias, pois “[...] acriação de províncias corresponderia à formação de novas instâncias autônomas com finanças eadministração próprias, que mesmo subordinadas à Corte do Rio de Janeiro possuíam capacidade deelaboração e implementação de políticas específicas. Este elemento, somado ao fato de que uma novaprovíncia garantiria às elites regionais a eleição de representantes próprios no Parlamento central, gerarianesses grupos sociais grande interesse em contribuir para a criação destas novas instâncias administrativase, sempre que possível, garantir seu controle sobre elas.” (GREGÓRIO, 2009, p.3043). (destaques meus)
52
de vida que construíram ali. Assim, surgem conflitos quando os povostradicionais reivindicam os próprios espaços culturais, políticos e territoriais noaparelho único do Estado, principalmente quando confrontam não alegitimidade do Estado como tal, mas o nacionalismo homogeneizadorpromovido por alguns dos seus setores. Em última instância, o que esses gruposreivindicam são seus direitos – como cidadãos e como povos – sem questionar alegitimidade do Estado brasileiro. (LITTLE, 2004, p.279). (destaques meus)
Milton Santos (2004), com ironia, aponta a teimosia como forma de reprodução
social no Brasil daqueles cuja experiência de viver na escassez é larga: horizontalidades
dos espaços banais. Little chama atenção à “persistência cultural” como maneiras e
garantias da força da continuidade de grupos subalternos ou minorias, constituindo o
que ele denominou de territórios sociais.
Antonio Carlos R. Moraes, interpreta a consolidação do “Estado nação Brasil”
pelo usos e imposições de uma narrativa única de território, como projeto que
seqüestrou outras possibilidades de constituições, afirma como, por exemplo, a
geografia foi utilizada na promoção de uma ideia força de construção territorial do
País, como sinônimo de brasilidade. Tal ideologia se torna ativa – vitoriosa – quando
silencia, impede ou se sobrepõe a comunidades prévias, essas retratadas como
inexistentes ou inoperantes (por isso o título do tópico anterior: O Brasil como território.
O território, como Brasil):
Com a emancipação política de 1822 era necessário consolidar o novo Estadonacional, numa situação em que quase metade da população era constituída deescravos: nas dificuldades de identificar-se com uma nação, o Estado brasileirotoma o território como centro de referência da unidade nacional, vendo seupovoamento como a tarefa básica realizada no processo de construção do país.Tal concepção espacialista enraíza-se na cultura política do Brasil estimulandoargumentação de forte conteúdo geográfico que adentra pelo século XX,fundamentando algumas das principais interpretações do país nas primeirasdécadas republicanas. (MORAES, 2005 p.33) (destaques meus)
Como se “para fazer” o Brasil não houvesse gente capaz, nem culturas e vida
social, ou comunidades válidas e dignamente pertencentes. Como tocar um País com
um povo desqualificado, na visão fatalista das elites? Seria a existência do substrato
físico legitimador – pelos atributos da natureza – do processo em eterna construção do
território; imaginando o Brasil como algo inacabado. Fazer o País andar, nessa lógica,
significaria agregar mobiliários, realizar obras e erigir próteses: discursar do seu valor.
O desprezo e desconfiança31 da elite com “seu” povo (seu em sentidos contraditórios:
31 Embora a partir de fins do século XIX, visões deterministas tenham sido adotadas no Brasil em ummomento de crítica às teorias raciais (e até usada para tanto), a culpa é ameniza às pessoas e passa a recairao meio e lugares “inóspitos” em que se inserem. Nessa interpretação, o que passa explicar a “letargia” e
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pois necessitavam do uso da força de trabalho, mas cuja tutela queriam garantir, além de
silenciarem suas vozes) achata hegemonicamente a nação, como sinônimo de
exclusivismo territorial. O Brasil como área-recurso, matérias-primas, sertões, enfim,
como espaços opaco. Não uma nação comunitária, mas conquistada, explorada,
colocada como meta de produção. Um País de imensos vazios demográficos. Nessa
lógica, territórios sociais seriam empecilhos, problemas e impedimentos a serem
retirados do caminho do território formal.32
Mobilizo para a presente pesquisa a abordagem que trata de compreender
processos de construção territorial do Estado-nação, embora sabendo da (co)existência
das horizontalidades guardadas nos territórios sociais, que, enfim, não se pode recorrer
no vício de desprezá-las. Nesta escolha é preciso estar atento e pontuando como, no
caso do Brasil, utilizou-se de discursos sobre o território para implementar interesses
políticos via ideologias geográficas. Parte dos sentidos dessa “lógica territorialista” da
(“débil”) nacionalidade e das ações do Estado brasileiro, parecem herdadas de tempos
coloniais, como discutirei a seguir no caso de Santa Catarina.
A localização da capital em uma ilha: “rugosidade” e longa duração na relação coma montagem territorial catarinense
No contexto a partir da invasão europeia e da invenção ou construção moderna
da América Portuguesa (ou ainda, para os portugueses, “achamento do Brasil”), passou-
se a dar um certo tipo de uso bastante central para uma ilha do Atlântico Sul, local ou
localização tornada, inicialmente, parada de viajantes nos mares do sul. Iniciou-se, ali, o
que estou denominando como territorialidade marítima. Foi deixando de ser mero lugar:
mais do que um fixo e ponto de passagem na paisagem. Na camada seguinte do tempo
social, as relações políticas entre Portugal e Espanha na América reforçaram, os fatores
locacionais a/na mesma, em sentido de torná-la uma sede. Passou a ter no século XVIII
uma territorialidade militar. Sediadora e sedenta de decisões, lócus de governabilidade e
demais aspectos negativos da população, seria sofrerem impactos diretos dos espaços de sustentação.Segundo Antonio Carlos R. Moraes (1991, p.170) no contexto de início da República: “É um período demuitos ensaios que tematizam a tarefa das elites – a construção do país –, questionando bastante ‘o povodo que dispomos para realizar tal tarefa’. Observa-se claramente nesses escritos a visão do país como umespaço a se ganhar, sendo sua população apenas o veículo de tal ação.” (MORAES, 1991, p.170).
32 Relação de estabelecimento de jurisdições dos espaços e acordos para delimitações continua ocorrerainda muito tempo depois do Brasil se tornar independente: “O processo de expansão de fronteiras quemarcou a história territorial do Brasil colonial e imperial continua ainda hoje [...] de tal forma quepodemos falar de uma situação de ‘fronteiras perenes’.” (LITTLE, 2004, p.266)
54
morada da direção e de atores Estatais (militar) influentes. Fixos e cabeça de agente do
Estado colonial, na periferia. Lugar de mando e manobras; periférica, sim, e tipo de
centralidade de defesa e de alargamento de fronteiras.
Continuando esse primeiro capítulo, buscarei apresentar duas variáveis
principais: a) a colocação da ilha na rota das comunicações marítimas pelo seu uso por
viajantes (como se percebe através de alguns relatos desses) e; b) emergência da Ilha
como governança, resultado das decisões geopolíticas e ação (colonial) da metrópole.
Ambas marcam a influência direta na geohistória da construção territorial catarinense.
Considero pertinente também propor uma sugestão – embora, com certo caráter
ensaísta, mas não apenas – dentro desse quadro de constituição territorial. Na origem da
escolha há uns três séculos atrás de uma ilha, entre outras opções disponíveis nas beiras
de mares, como representação de certo poder metropolitano, de onde e até os dias de
hoje, está a capital33 do Estado de Santa Catarina. A escolha tem aspecto de
territorialidade militar, mas precedeu pela adensada utilização por embarcações
(configurando forte uso marítimo); aliás, não se trata apenas de ciclos como se fosse ora
marítimo e em seguida, apenas militar, mas sim de convivências, enquanto ascensão de
uso militar, a ilha manteve papel de apoio nas rotas de navegação. São essas
características do tempo social que a fundam como um tipo de sede.
Não é possível tratar dos elementos geohistóricos constituintes do território e de
regionalismos de Santa Catarina sem deixar de tratar também de sua capital. Entendo
como a decisão e escolha da sede governativa e sua fortificação (na primeira metade do
século XVIII) fizeram parte do contexto de disputa Ibérica, e, principalmente, do
interesse de domínio português.34 Maior imposição do poder real, significando
ampliação do domínio, da vigilância e do controle português, deu início ao “território de
33 No livro Segurança, Território, População, Michel Foucault (2008, p.20) diz: “Em todo caso, a cidade-capital é pensada [...] em função das relações de soberania que se exercem sobre um território.”
34 No século XVI o poder da metrópole portuguesa teme franceses, holandeses e indígenas, a partir dadécada de 1540 exerce uma política territorial mais firme, em Santa Catarina dois séculos seguintes, nosetecentos, portanto, a coroa torna a centralizar o domínio, como tratarei. Ressalto na América portuguesa“O momento de fundação da colônia não foi de maneira alguma o ano de 1500 e de seu ‘achamento’, masa implantação administrativa na Bahia de Todos os Santos e a definição de um projeto civilizatório. Épossível visualizar com nitidez a mudança de postura da Coroa portuguesa quanto ao Brasil no Regimentode 17/12/1548, outorgando a Tomé de Souza, primeiro governador-geral. Não se trata mais de aproveitardos jardins do paraíso, mas de tomar providências urgentes para ganhar uma guerra (que estava sendoparcialmente perdida) contra os indígenas e seus eventuais aliados franceses.” (OLIVEIRA, 2010, p.18).Controle e busca por estruturas gerou maior valorização dos espaços: “Na América portuguesa, emconsequência da ofensiva e de declínio do trato asiático, foram tomadas em 1543 medidas para opovoamento e a valorização do território. Quinze capitanias hereditárias acabaram sendo cedidas adonatários.” (ALENCASTRO, 2000, p.20) (destaques meu)
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Santa Catarina”, na expressão da época: uma praça militar. Defendo a característica de
sua base territorial herdada não apenas a emergência de Santa Catarina, mas o local da
capital. É possível apontar momentos da ilha no início de atratividades.
Resultando de presenças até hoje visíveis de registro da época de sua escolha
como sede do poder, como em (algumas ruínas) fortalezas/fortificações, traços e
resquícios na arquitetura e casaril colonial e, talvez até mesmo em parte, herança na fala
e linguagem35 do dialeto local? Estou entendendo a própria permanência da sede da
capital na Ilha até agora no século XXI, como uma longa e permanente rugosidade, que
afinal, o tempo demora a gastar; como diria Fernand Braudel (1989, p.25), “[...] a terra,
como nossa pele, está condenada a conservar as marcas das antigas feridas.” A sede
política governamental do Estado catarinense em uma ilha, uma ferida, enrugada:
iniciada como uma governança, militar.
E o que é uma rugosidade? Milton, explica. Uma ilha e seus usos: permanências
Milton Santos ensina; quando a duração da construção ultrapassa ao tempo
social em que foi construído, temos uma ruga: “As rugosidades são o espaço construído,
o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço.” (SANTOS,
(2002, p.173). Vestígios (inertes ou aparentemente inertes) de “estágios” anteriores,
transmitidos; são resistências, permanências e expressões de uma conjuntura ou de um
modo de produção não mais existentes – ou, criadas em outra época – as rugas nos
espaços não são de hoje... intervenções vindas de tempos pretéritos, suas funções e seus
usos cotidianos podem continuar as mesmas ou sofrerem alterações. São bases dadas,
com atributos antigos, refuncionalizados. Quase sempre suas formas denunciam o
período das suas criações, assim como as mesmas formas podem influenciar nos seus
usos sociais, mas não determinam. A forma não determina a função (nem vice-versa), é
o tempo quem a fará continuar e dirá dos novos atributos ou usos constantes e regulares.
35 Falares, sotaques, pronuncias e maneiras dos dizeres são constantemente modificados (“a língua éviva”). Caberia pensar nas possibilidades de testemunhos ou rugosidades não apenas nos espaços, mastambém nas gramáticas de enunciações e expressões antigas dos dialetos / nas formas das falas, porexemplo? Para autores locais, em uma abordagem de corte positivista, parte relevante de sentidosculturais de Santa Catarina estariam originados da época colonial: “A imigração açoriana e madeirensepara a costa de Santa Catarina, a partir de 1748, mormente para a Ilha sede da Capitania, em númerosuperior aos habitantes que ali se encontravam, não só contribuiu significativamente para a multiplicaçãoda população, como também emprestou à terra características básicas da sua cultura, dando à gentecatarinense uma feição que permanece até os dias atuais.” (CORRÊA, 2007, p.p.79). (destaques meus)
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Uma rugosidade é em parte, a utilização de uma dada construção diferente ao
destino a ela atribuído quando a originou, ou seja, uso de sua função é alterada, mesmo
precisando adaptar, parcialmente, a forma. Sua função não precisa necessariamente
mudar. Mas a forma da construção poderá caracterizá-la como uma espécie de ruga;
permanece a estrutura, originada em outro tempo social, usando-a diferente ao previsto.
Usos atribuídos podem modificar-se, sobre as (mesmas) formas já existentes.36
Mas não há regras quanto ao que deve ser ou deixar de ser: tanto as formas e as funções;
vale permanecer para existir. As relações sociais, as interdições, os hábitos, os poderes,
enfim, a cultura e a sociedade criadora de algumas formas espaciais fixas podem até ter
desaparecido (e desaparecem), mas, “sem que tais formas fixas desapareçam.”
(SANTOS, 2002, p.173). Por conseguinte, podendo existir várias rugas originadas de
diferentes épocas alocadas um mesmo espaço, Milton formulou a ideia da existência de
temporalidades convivendo: “dentro de um tempo existem tempos.” (2002, p.22). Isso
quer dizer, na linguagem miltoniana – se é possível de falar na existência de tal
gramática – na expressão do espaço, pela paisagem, pode apresentar acumulações
desiguais de tempo. Partilha mesmo espaço, rugas advindas de diferentes momentos:
“Cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Não existe um lugar onde tudo
seja novo ou onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com
idades diferentes.” (SANTOS, 1997, p.98). Espaço um acumulado de tempos diferentes.
Em um diálogo retirado de autor contemporâneo da literatura de crônica e
ficcção brasileira, Luis Fernando Veríssimo (2004, p.46), poderia ilustrar um pouco
dessa discussão, como segue: “– Porque um edifício fica. Também envelhece e se
deteriora, como as pessoas, mas fica. Continua onde estava durante toda a história. Fica
para lembrar a história.” Ainda do mesmo autor, “Mas um edifício fica. Para lembrar. –
Mesmo que não saiba bem o quê.” (VERÍSSIMO, 2004, p.47). Acredito, talvez um bom
trabalho atribuído aos geógrafos, esteja em explicar as existências desses edifícios, que
por si mesmos não manifestam sentidos, não se expressam sem olhar que os interprete.
“A sociedade não se pode tornar objetiva sem as formas geográficas.”
(SANTOS, 2002, p.244). Para tentar tornar mais didático, claro e direto essa discussão,
compensa retomar essa afirmativa de Antonio Carlos R. Moraes (2014, p.27): “Toda
sociedade para se reproduzir cria formas mais ou menos duráveis na superfície terrestre
36 “Tem-se, portanto, espaços produzidos herdados, constituídos cada um (conforme a escala considerada)de formas pretéritas concentradas pontualmente na superfície da terra e por uma dinâmica natural, fatoresque condicionam o uso dos lugares a cada conjuntura histórica considerada.” (MORAES, 2014, p.27).
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[...].” São, em poucas palavras, essas formas existentes e duráveis na paisagem –
visíveis – as rugosidades. “Tais formas, que expressam uma quantidade de valor
(trabalho morto) incorporado ao solo, substantivam na paisagem (congelam, em certo
sentido) relações sociais específicas.” (MORAIS, 2014, p.27).
O que vai definir (re)existência, perpetuação, permanência e continuidade de
algumas intervenções humanas/sociais no espaço, costuma ser proporcional ao valor
atribuído. Se “determinado elemento”/edificação valer um valor em deixá-lo ali, em pé,
fixo, permanente, não destruí-lo, sua continuação no tempo o tornará uma ruga,
resistindo como “testemunho de um momento do mundo.” (SANTOS, 2002, p.173). Às
vezes deixam estruturas permanentes, por exemplo, por demandarem muito trabalho
derrubá-las, ou substituí-las, assim, reutiliza-as (forma perpetua, na função que pode ser
outra). Às vezes, abandonam-se construções, ficando marcas na paisagem, ou seja,
novamente, rugas. Formas espaciais podem desaparecer e desaparecem, se considerado
de baixo valor agregado da mesma (pouca disposição de trabalho e energia na sua
construção); tenderá a ser eliminada, substituída e destruída, não possibilitando
(re)existir, logo, se desagregado do espaço não se tornará uma ruga, desaparecendo
como marca do tempo que a fundou.
O valor e a liquidez da edificação influenciam na constituição, ou não, da ruga:
“A durabilidade no tempo de uma forma construída repousa em muito na quantidade de
valor nela agregada, ou seja, na quantidade de trabalho despendido em sua construção.”
(MORAES, 2014, p.28). É formadora da rugosidade a capacidade de um atributo no
espaço conseguir permanecer às mudanças sociais e dos tempos, dos modos de
produção e das ressignificações de seus usos. Se é verdade que “O homem trabalha
sobre herança” (SANTOS, 2002, p.174), tais heranças, em Geografia, são rugosidades.
Na reflexão de Milton, assim explicado por um comentador desse autor: “Enfim,
a vivência social do espaço cria ‘rugosidades’ que duram mais que os estímulos e
objetivos que lhes deram origem.” (MORAES, 2014, p.27). É assim que penso então,
uma sede de poder atribuída ou localizada na Ilha de Santa Catarina, pela sua longa
permanência, uma ruga (com continuidades e rupturas). Vou tentar explicar porque
defendo essa ideia a seguir, colocando essa rugosidade dentro da perspectiva territorial
catarinense. Quero trazer ao palco essa discussão – colocar o dedo na ruga – debate que
tanto geógrafos como historiadores em Santa Catarina têm realizado, principalmente
pelas polêmicas em relação à desconfiança da localização da capital. Como se eu
questionasse e tentasse explicar para você que aqui lê, a problemática: “Por quê é aonde
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é, a capital de Santa Catarina?” Defendo a tese, segundo a qual, parte relevante da
resposta dessa questão está na própria emergência do território de Santa Catarina.
Baía(s) da ilha: navegar é preciso, parar é necessário. Quando o mar faz a ocasião
Nessa interpretação não esqueço, das escolhas, ou melhor, das estratégias e
decisões na montagem dos territórios e também, teoricamente, quero alargar a própria
noção de rugosidade. Não apenas para as benfeitorias, patrimônios (embora elas
certamente tenham influenciado) e materialidades físicas continuadoras (trabalho morto,
capital fixo), presente com as construções acumuladas e certa inércia imposta por
mobiliários. As infra–estruturas arranjadas e modeladoras da paisagem podem constituir
rugosidades, sim, as construções influíram, mas não só.37 Não apenas.
A escolha é sempre política e intencional de sediar o poder espacialmente, e
geralmente envolve fatores de ordem estratégica, segurança, econômica, etc. Dos fatores
que parecem ter sido usados como justificadores nas escolhas da Ilha de Santa Catarina,
dois deles precisam ser ressaltados como fundadores de territorialidades: 1º) a
localização da ilha e sua Geografia como apoio para embarcações, útil para um circuito
movimentado no mar e; 2º) estar em um ponto estratégico para os interesses de
Portugal, fazendo ali sediar um governo de defesa, tornando a Ilha de Santa Catarina
uma Praça Militar, quando da criação da capitania subalterna (em 1738). Esses dois
aspectos (locacional e geoestratégico) são importantes para compreender o caso da
emergência catarinense, sendo sua base territorial. Dentro desses vetores à Ilha são é
atribuídos papéis; (menos coadjuvantes e,) mais protagonistas, quando é constituída a
territorialidade militar.
A realidade de um ecossistema, instituída pela existência física da Geografia de
uma área, possibilita e informa racionalidades, convence e ajuda nas decisões. Embora
tenhamos perdido de vista, é naquele contexto de uma circulação mercantilista e
principalmente de reforço38 do controle do poder régio que ascendeu a decisão no
37 “O espaço social constitui-se, de um ponto de vista preliminar, em uma condição de realização dequalquer sociedade. Simplificadamente traduzível pelo binômio terra + benfeitorias sob a moldura daslocalizações específicas e da regionalização da produção, do consumo, do poder e das ideias, ambientehominizado e culturalizado através do trabalho, ele é um suporte para as sociedades concretas, ou, parausar uma metáfora muito badalada entre estudiosos do Social, o ‘palco’.” (SOUZA, 1988, p.24-25).
38 “[...] entre os séculos XVI e XVIII, houve – guardadas as particularidades de cada país – um processocrescente de centralização de poder das monarquias europeias. No caso específico de Portugal, verificam-se a partir do reinado de Dom João V (1706-1750) políticas públicas de reforço da autoridade régia pormeio de, entre outras medidas, submissão da nobreza e do clero ao reino e da reversão das capitanias
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século XVIII de no Atlântico aceitar ou, melhor, promover uma sede política à beira
mar, o que ajuda a criar “[...] as cidades voltadas para o mar em locais importantíssimos
do mundo da colonização.” (SILVA, 2012, p.66).
Repito os dois contextos marcantes: a primeira camada seria o uso da ilha como
um porto, ponto de parada nas rotas das viagens em uma dinâmica predominante até
metade do século XVIII. A partir da fortificação e atração de famílias açorianas e
madeirenses, mas principalmente, o contexto da criação da capitania subalterna da Ilha
de Santa Catarina, a camada de uso atribuído a Ilha passa ser mais militar e de cunho
estratégico na administração do espaço colonial português, como discutirei; passando a
ter centralidade da gestão do território e não apenas, porto para uso das embarcações.
A respeito de Salvador e Rio de Janeiro serem exemplos para a discussão; as
palavras de um criativo estudioso do período colonial, ajudam a compreender elementos
fundamentais: “A baia da Bahia e a baia da Guanabara são realizações naturais
insondáveis. Suas utilização, especialmente na condição de capital, levou e leva em
muito conta essa particularidade estratégica.” (SILVA, 2012, p.66). Vê-se, portanto,
como diria Milton Santos (1997, p.26) em Metamorfoses do espaço habitado “As
formas, pois, têm um papel na realização social.” No caso de análise aqui proposta, as
formas seriam as baias, os portos mais favoráveis, as penínsulas, as ilhas... algumas
particularidades na imensidão do mar, havendo diferenciações espaciais há preferencias.
As paradas e os lugares escolhidos para atracar eram fundamentais para
proveitosa realização dos deslocamentos. Não fora assim também em outras paragens
oceano afora? É o que se percebe em vários enclaves portugueses no grande período das
navegações e de ampliação de poder metropolitano, segundo Alencastro (2000, p.17):
“Moçambique ganhava ainda relevo por causa de sua situação de porto de escala na rota
da Índia. À espera do fim das monções marítimas, as frotas portuguesas invernavam nos
portos moçambicanos.”
Dependendo a estação do ano, as correntes e marés fortaleciam a ideia de partes
do oceano como propicio para chegada e acolhida das embarcações. Nada melhor do
que as baias e, para quem sabe navegar, porto é preciso. A escolha em parar em
determinado ponto e não em outro, também envolvia os afazeres das frotas no
desembarque e na capacidade de oferecer reconstituição necessária de materialidades
para continuar viagem. Mas, sem dúvida, a qualidade de destaque de algum porto estava
hereditárias à Coroa, movimento esse que se acentuaria com o ministro plenipotenciário Sebastião José deCarvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1750-1777).” SILVA (2008, p.14-15).
60
nas capacidades que oferecia, principalmente, facilitar chegadas e partidas: “[...] pouco
após o meio-dia, o vento soprou do sul e nos colocou em situação de passar entre a
ponta setentrional da Ilha de Santa Catarina e a da ilha vizinha do Arvoredo.” (ANSON,
1996, p.61), assim descreveu um navegador inglês quando em 1740 lançou âncora nas
imediações da ilha.
Para ilustrar a atração de uma boa baia para condutores de embarcações naquele
regime de centralidade da navegação, se acreditarmos na observação feita por esse
mesmo viajante inglês, reforça a aprazia do tranqüilo ponto de parada, “[...] no estado
presente do Brasil e da Ilha de Santa Catarina”, diz Anson sobre a necessidade de deixar
seu relato sobre a passagem em 1740 para os futuros navegantes, “esta ilha vem a ser de
maneira geral, o melhor lugar de refrescamento para nossos armadores, que se querem
render ao mar do sul.” (ANSON, 1996, p.69). Independente da vontade ou indiferença
política, a ilha parecia atrativa a viajantes: o mar era o caminho de então e a porção de
terra, o abastecer.
Do ponto de vista dos deslocamentos marítimos (o mar, como a principal das
“vias” de deslocamentos), naquele eixo movimentado, era boa “beira de terra” àquela
ilha e sua interface de terra firme, continente. Fronteiriça por duas baías, a norte e a sul.
Entre elas, ao meio, uma península da ilha com maior proximidade ao continente. Porto
estratégico aos olhos de estrategistas, tais como do Conselho Ultramarino – ao fim e ao
cabo – de Portugal. Ter ali uma governança não foi uma escolha ao acaso, mas isso só
viria acontecer na metade do terceiro século da colonização portuguesa.
Quem ler a tese (O enigma da capital) do pesquisador Daniel Afonso da Silva
(2012), irá perceber como Salvador e Rio de Janeiro também foram influenciados pelas
condições geográficas para sediarem a capital em seus respectivos tempos. Os fatores
locacionais influenciam as decisões das escolhas políticas. Em tempos de navegação,
quem tem as melhores baías com os melhores portos, sai na frente na atração de
viajantes precisando abastecer. O suporte da ilha de Santa Catarina parece ter sido
fundamental para aqueles tempos de grandes deslocamentos pelo mar.
Queiramos ou não, mesmo com muitas rupturas e mudanças, e quase
desaparecimento da força39 ou passagem desse circuito que a ajudara eleger como sede
(na verdade, desaparecimento do seu porto no século XX), até hoje, ali se encontra a
39 “O desenvolvimento bastante lento do mercado local, embora crescessem as atividades urbanasadministrativas e de serviços, fez com que o porto de Florianópolis diminuísse sua importância até perderpor completo seu papel de relevância econômica, nos meados do primeiro quartel do século XX.” (LIMA,2002, p.80)
61
“capital dos catarinenses”, que parece ter demorado a se tornar uma capital de fato; pelo
menos, simbolicamente. Então, diferente e inverso do dito pelo poeta contemporâneo:
“O passado é uma roupa que” ainda nos serve.40 Não porque estaria cristalizado na
natureza, não se trata de uma interpretação que naturalize a sede da capital para toda
eternidade, mas que entenda sua localização como uma escolha na lógica de uma época.
A possibilidade de usos para navegação dos espaços insulares colocou a ilha na rota;
atribuições, como mais a frente discuto com relatos de viajantes.
Capilariza, Capital. Não capitaliza a Capital? A ponte para a rugosidade vencer ou ouso da ponte (prótese) para capital acontecer
Uma rugosidade, já o chamei, mas o é também pelas construções feitas. E
algumas das construções ali foram edificadas, por ter sido lugar escolhido como sede da
Capitania (como veremos). Rugosidades nela agregadas, ou dos usos dos lugares
escolhidos, pois mesmo que sejam constantemente reconstruídos, a própria eleição ou
atribuição dada para algum lugar, pode ser uma ruga. Trapiches, edifícios,
estabelecimentos, prédios, usos regulares de lugares e como se espera de toda ruga para
ela ser, resistiu: os bens materiais construídos a ajudaram a permanecer sendo capital de
direito: uma herança de origem colonial portuguesa. Ter dentro de si, ou acolher nela
edificações públicas, parecem ter ajudado a mantê-la centro político. Mostra Marlon
Salomon (2002, p.228) de certa tentativa de transferir a capital, tirando a sede
administrativa dessa localização, vista por alguns como problema. Como foi em 1853:
Coelho lembra que esta “inconveniência” em ali continuar a sede da província,já havia sido objeto de discussão um século atrás, quando se tentou muda-lapara algum sítio em terra firme, o qual acabou não ocorrendo muito mais por“capricho” do que por “conveniência pública”, por já haver na vila casa deresidência de governador, igreja e armazéns reais [...]. (SALOMON, p.228).
Para não se dar importância das construções na ilha edificadas, na década de 50
do século XIX se dizia das mesmas como acanhadas e simplórias (ou insignificantes).
Na opinião de alguns, não deveria ser por elas, construções, que a capital continuaria na
ilha. (SALOMON, 2002). Mas, acho, essas construções que ajudam na força do lugar.
Por outro lado, alguém poderá fazer um sincero contra-argumento a essa ideia da
localização da capital de Santa Catarina como uma ruga, ao também chamar de
rugosidade justamente a sua não centralidade. A, talvez, também longa duração em não
40 Licença poética. Trecho da letra Velha roupa colorida. Provavelmente, difícil de convencer algumestudioso de história que “O passado é uma roupa que não nos serve mais”, afinal, em Como nossos paisa questão parece reforçar o inverso: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais...”.
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ter sido sempre, uma capital a polarizar. A não continuidade poderia ser também uma
ruga a competir, com a ruga de sede do poder? Não é pra tanto, se compararmos com
outros casos no Brasil, como Minas Gerais, quando constrói a primeira capital na
República, Belo Horizonte, desencadeando “[...] um processo de desapropriação da
população então residente se inicia, a fim de abrir espaços a nova metrópole que surgia
de forma apressada.” (COSTA, SCHWARCZ, 2000, p.42). Em lei de dezembro de
1893, promulga-se como quatro anos o tempo de construção da nova capital para os
mineiros. Em dezembro de 1897 a inauguração da mesma – do araial Belo Horizonte,
em capital – “Para celebrar a data, ao anoitecer, como que por um desses encantos
modernos, a cidade ficou, de repente, toda iluminada para suas centenas de lâmpadas
elétricas que pontilhavam a cidade.” (COSTA, SCHWARCZ, 2000, p.43).
Literalmente, tirou-se a capital de origem colonial portuguesa; a chamada de
histórica Vila Rica (atual Ouro Preto) não deixa de ser uma ruga que passou quase
completamente todo o século XIX, mas deixou de ser capital de Minas Gerais para a
cidade planejada sê-la. Como informam as autoras de uma obra sobre o período, Belo
Horizonte vislumbrava um desejo de modernidade, de conquista de tempo por vir, “[...]
afinal era a primeira [capital de Estado] cidade republicana planejada que ganhava vida
e mostrava que o futuro estava por aí, bem à nossa frente.” (COSTA, SCHWARCZ,
2000, p.43). Não coube na busca daqueles tempos modernos, manter na Vila Rica de
então, a metrópole que sonhava-se chegar. Goiás também, no século XX, sairá sua
capital da época de Província, de uma vila da época da colonização portuguesa para
uma nova capital construída; como diz Lucia Lippi Oliveira (2008, p.15):
A construção da nova capital do estado de Goiás, a cidade de Goiânia,inaugurada em 1941, foi um importante marco na política de conquista dointerior. Goiânia, assim como a cidade de Volta Redonda (acoplada àsiderurgia), fez parte da política de ocupação de novos territórios, da montagemde comunicações entre espaços anteriormente isolados. (OLIVEIRA, 2008 p.15)
Esse não é caso catarinense, em que o Estado não operou transferência física da
sede de governo, acomodando-se na escolha feita pela lógica metropolitana portuguesa.
Em um País, em que a última capital antes da construção de Brasília, foi sede menos de
200 anos e, em um histórico de 460 anos teve três capitais, todas àquelas que
permaneceram capitais de Províncias e Estados podem ser consideradas rugas. Isso para
mim não diminui o argumento, por que cada rugosidade é um particular e tenderá a ter
múltiplas e mútuas influências com o estado que tem nela a sede administrativa.
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O que teria influenciado permanecer na ilha são muitos e variados fatores,
possivelmente tendo alternado ao longo do tempo as vantagens e críticas de ali
continuar; não é a proposta dessa pesquisa entender tal questão; a tangenciarei. O fato é
que no começo do séc. XX “Apesar das pressões para remover a capital do estado para
o interior, a elite não só conseguiu mantê-la em Florianópolis, como também conseguiu
canalizar recursos públicos para a remodelação da capital.” (PEDRO, 1997 p.312).
Uma pesquisa mais detalhada em dados e fontes documentais poderá averiguar a
hipótese de como, talvez, sua timidez como a capital vai aumentando com a decadência
da importância do circuito marítimo. A sua não completa capacidade de receber novos
meios de transportes, sem diversificá-los, portanto: “[...] decaiu somente a partir do
declínio do uso da vela nas embarcações que se dirigiam para o Rio da Prata e mesmo
às frequentes viagens científicas ou simplesmente exploratórias de circunavegação do
globo, na segunda metade do século dezenove.” (CORRÊA, 2007, p.68)
Com a progressiva diminuição do uso de embarcações e mesmo a extinção de
seu porto, na Ilha não se substitui outros meios de transportes, não sendo servida de
vários outros nodais para comunicação, mas caracterizando quase que apenas pelo
rodoviário e o de pouquíssimo uso social no início do século XX, o aéreo (comercial):
“O transporte rodoviário começava. A aviação civil também. No final dos anos 1920, a
Ilha servia como escala técnica para os vôos de empresas europeias que ligavam Buenos
Aires ao Rio de Janeiro à Europa.” (LIMA, 2002, p.102). A decadência do porto não
significou ampliação de variedades de outras maneiras de locomoção; é como se a ilha
fosse se isolando, pois perde o sentido de centralidade como era forte no regime de
navegação.
O que a fez capital “originalmente”, não foram apenas suas boas baías e portos
(de uma territorialidade marítima como veremos), e sim, o poder (da territorialidade)
militar. Embora tenha ficado a rugosidade sede administrativa, que talvez, se poderia
pensar como simbólico originado nos fortes militares, hoje em ruínas, do porto, pode-se
dizer que muito pouca (ou até nenhuma) rugosidade restou. A existência do porto não
garantia a ela uma capilaridade com os interiores do território de seu estado, mesmo
quando portuária é representada como isolada de outras demais partes de Santa
Catarina. E, parece também ter durado muito tempo, como a melhor possibilidade de
chegar até ela, apenas, pelo mar: “[...] o declínio do porto de Florianópolis”, afirma a
urbanista Débora da Rosa R. Lima (2002, p.80) “ocorreu porque seu contato com o
interior da província nunca fora facilitado, e nunca houve uma estrada de ferro que
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ligasse ao interior para trocar mercadorias, não estando ele diretamente ligado ao
escoamento da produção.” Não implementar diversidade de meios de chegar até a Ilha
dificultava o acesso e os vínculos do interior com sua capital (ela passa a ser a isolada):
De outro, a sua localização geográfica é um problema. A partir domomento em que estabelecer ligações se torna propício ao aumento docomércio, da agricultura e ao crescimento da população, através da integraçãodos diversos pontos que compõem a província, percebe-se que a cidade situadanuma ilha termina por se isolar, na medida em que as ligações com o continentese tornam difíceis. (SALOMON, 2002, p.227).
A ampliação de deslocamento por meio de caminhos, estradas, transportes por
terras, as futuras rodovias, não são naturalmente compatíveis com a Ilha que possui duas
baias como área de distanciamento ou, separação, do continente. Talvez, a entrada do
circuito automotor para deslocamentos tenha diminuindo e até estranhando ali na Ilha
existir a capital. Afinal, mesmo quando ligada ao continente por ponte, haveria de se ter
estradas na própria interioridade da Ilha. Coisas que não se constrói da noite para o dia.
Momentos contraditórios de uma capital: assoreamento do canal do porto e
baixo escoamento de mercadorias, progressivamente até o limite da não
operacionalidade do mesmo, assim como, antes disso, a inauguração da ponte Hercílio
Luz.41 Não há consenso na literatura de que a ponte tenha significado diretamente uma
conexão maior da capital com o território catarinense. Até por que a capital não
acompanha a incorporação de novos meios de transporte, fora sua ponte, como
mencionado. Para alguns, materialmente, passou haver uma verdadeira ligação,
tornando o deslocamento independente dos fatores climáticos e das intempéries. A
ponte supera as baias como marcações do limite entre ilha e continente e, realmente, em
termos financeiros significou um investimento econômico por parte do Estado, bastante
relevante, assumindo a posição da preferência pela Ilha como a capital:
[...] a construção da primeira ligação ilha-continente, cujo custo total excedeu10 vezes a receitas orçamentarias do Estado; mas que significou o grandeenfrentamento da cidade com seus limites físicos de crescimento, o que, decerta forma, garantiu a permanência da cidade como capital do Estado. (LIMA,2002, p.99)
41 Para Tamara Benakouche (1996, p.42): “[...] a demanda local dirigia-se mais para a melhoria dosserviços marítimos, que funcionavam de forma bastante precária; por outro, havia um movimentopressionando pela transferência da Capital para a cidade de Lages, no Planalto Catarinense. Seuspartidários viam a construção da Ponte como uma obra faraônica.” O projeto de construção da ponteenvolveu discordâncias. Para quem dependia da navegação, a prioridade deveria estar na melhoria dessaforma de deslocamento. Para quem pensava no automóvel como nova forma de deslocamento, as estradaseram prioridade. O projeto da ponte é da primeira década do século XX, mas inaugurada no ano de 1926.
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Entretanto, mesmo a ponte projetada42 para também sustentar ferrovia, o
projeto ficou apenas circunscrito em uso veicular, sem ter existido um caminho de ferro
que chegasse até ela, reforçando a ideia de uma integração bastante parcial. Pelas
indicações da literatura sobre a temática, o maior impacto da construção da ponte foi
uma progressiva urbanização da capital, sem corresponder maior relação com o interior:
A ligação ferroviária com o restante do território, que iria determinar ofim do isolamento da capital com outras partes do Estado, nunca foi efetiva;porém a intenção de superar e enfrentar os limites de tal isolamento,representados claramente com a construção da ponte, irão determinar odirecionamento da cidade daí para frente. (LIMA, 2002, p.100).
Talvez, possa ser legitimo argumentar, como foi o benefício43 da ponte mais
bem usado em favor de um tipo de crescimento econômico para a própria Ilha do que
para as demais partes de Santa Catarina. Questão ainda a ser melhor pesquisada, não
apenas elencando quais critérios de análise para pensar as melhorias com a ponte ou
não, mas sim problematizando: a existência da ponte passa a ser argumento utilizado
para não mais justificar a ideia de estar a Ilha – isolada – e sem ligação por terra.
Gostaria de questionar: teria a capital, com a ponte, se integrado ao território
catarinense, assim como as demais regiões teriam visto a partir dela – a ponte –
definitivamente conectados à capital? Há quem responda negativo a questão: “Mesmo
com a primeira ligação com o continente [ponte], em 1926, a cidade/ilha não conseguiu
impor-se ao conjunto do Estado.” (KUNTZ, 2013, p.152)
Parece legitimo a hipótese de saída de pesquisa, questionar: quando se inaugura
uma ponte ligando Ilha ao continente, tempo social em que a forma reflete a nova
função (e, portanto, um relevante sintoma das estradas e não mais da navegação), talvez,
ali passa-se a desconfiar cada vez mais da Ilha como a capital. A presente pesquisa não
tem necessariamente respostas para essa questão, o fazer dela – interrogar – já é um
desafio intelectual a ser legitimado em debates acadêmicos e esferas de discussões
críticas públicas/abertas. Antes de por um fim, quer-se debater o problema.
42 “[...] é construída a primeira ligação ilha-continente, que também foi projetada e executada parasuportar uma linha ferroviária.” (LIMA, 2002, p.100).
43 A maior parte do balneário de praias e baias do Continente fronteiriço à Ilha passa à jurisdição daadministração do Munícipio da Capital (deixa de ser de São José/SC). Praias passaram a ser badalas poruma elite da capital, havendo mais rapidamente infra-estrutura, segundo argumenta Débora da Rosa R.Lima (2002, p.117): “Em 1944, o Interventor Federal em Santa Catarina, Nereu de Oliveira Ramos (daoligarquia Ramos), assinou o decreto nº951 que agregou o Estreito à capital, desmembrando-o de SãoJosé. É interessante observar que o município da Capital, pelo decreto, tenha passado a ter uma partecontinental que a estendeu da Ponta do Leal, ao norte, até à praia do Abraão, ao sul, tomando para acapital, desta forma, justamente as praias onde a elite florianopolitana veraneava.”
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A construção da Ponte Hercílio Luz impôs-se, já nos finais dos anos[19]10, como uma condição necessária à manutenção da Florianópolis comocapital de Santa Catarina. Até então, todo o transporte de pessoas, animais emercadorias, entre Continente e a Ilha, era feito através de barcos. A travessianem sempre se realizava de forma tranquila e regular, dependendo dascondições climáticas e, mais especialmente, do regime de ventos e marés.Diante das frequentes interrupções nos serviços de barcos, e dos problemas queisto trazia, surgiu, no Planalto Catarinense, um movimento reivindicando atransferência da capital para essa região, no caso, para a cidade de Lages, entãoo seu principal centro urbano. (BENAKOUCHE, 1996, p.36-37).
Se o discurso de defesa do projeto e da construção da ponte não conseguiu
necessariamente executar a busca de unidade regional de Santa Catarina e, de alcançar
uma coesão territorial, ao menos parece que a obra imponente deu maior credibilidade à
capital continuar tendo a mesma sede.44 Talvez, a partir da presença da ponte, isso tenha
sido usado para calar as oposições à Ilha como a sede do poder. Segundo o governador
idealizador da obra parece ter afirmado, em setembro de 1920, a ideia da capital como
cérebro – na metáfora corporificada45 – estava desgrudado das demais partes do corpo.
A ponte seria uma espécie de pescoço, pois “[...] afirmará praticamente a união e a
integração do nosso território, e das nossas aspirações, evitando que a cabeça mutilada
continue fora do corpo.” (HERCÍLIO LUZ, Apud, BENAKOUCHE, 1996, p.43).
Entendo que permaneceu ambiguamente como uma capital “centro” e periferia,
passando por tensões, deslegitimidades (e relegitimidades), coerção, contestação e
mesmo até certo grau relativo de capilaridade (às vezes de pouca integração) e baixa
afinidade com “partes” do território que governara. Uma reportagem de revista de
circulação nacional chegou a mencionar o aspecto de outros municípios desejarem atrair
para si, a sede administrativa catarinense e isso quando da construção de outras pontes,
na reportagem dos idos de 1972, chancelava como foi a partir da primeira ponte que se
calou as tentativas dali tirar à capital e, principalmente, a indústria imobiliária com altos
índices de consumo de cimento:
Ligada permanentemente ao continente, sem depender mais dos caprichos dovento, Florianópolis cresceu e calou as antigas contestações de Lages eBlumenau, insatisfeitas com a sua condição de capital. As pequenas indústrias
44“A posição de Florianópolis como centro político-administrativo do Estado se afirma, a partir domomento em que, não mais isolada do restante do território, vai aos poucos se integrando à sua dinâmicae exercendo seu papel com maior credibilidade.” (LIMA, 2002, p.101). (destaques meus)
45 Arquitetar um espaço visando sentido de dar ordem ao edifício é uma maneira de “capitalizar umterritório” segundo Michel Foucault (2008, p.23) nos diz, em Segurança, Território e População. Adaptarnovos desenhos do suporte físico, para promover a circulação foi pensado como uma boa forma do espaçoresultaria (ou condicionariam) bons exercícios nele. No caso de Nantes, na França, diz Foucault: “Vê-seque o problema era a circulação, ou seja, que para a cidade ser um agente perfeito de circulação, deveriater a forma de um coração que garante a circulação do sangue.” (FOUCAULT, 2008, p.23).
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foram brotando nas imediações, e a construção civil consome hoje mais cimentoque as três outras principais cidades do Estado (Joinville, Blumenau e Lages)reunidas. (REVISTA VEJA, nº225, 27 Dezembro 1972, p.53).
Teria a ponte sido usada para deslegitimar as vozes solicitantes de mudanças da
capital. Isso de alguma maneira refletiu no regionalismo que tendeu a avaliar com
alguma desconfiança a capital continuar dentro da Ilha, mas (por causa da ponte) não
mais, apenas, ilhada... O ascender de uma elite econômica na área de pecuária do
planalto também influenciou nesses questionamentos da administração do Estado
continuar na Ilha:
Grande parte da força da elite local [de Florianópolis] vinha do controle que asfamílias possuíam sobre os cargos públicos em nível estadual e federal. Porém,já a partir da década de [19]10, esses grupos perderam em parte sua influênciapolítica, com a paulatina ascensão de políticos oriundos da região de pecuáriado planalto catarinense. (PEDRO, 1997, p.312).
Além de ascensão de grupos no interior a concorrer com os estabelecidos na
capital, poderia se questionar: quais elites de outras partes e regiões de Santa Catarina
buscaram ocupar o lugar de uma tradicional elite ilhéu governante do território
catarinense? Não seria o caso de apontar limites para certa rugosidade, relativa, quando
“resbalava” ou não conseguia ter centralidade ou polarização? Ou seja, não é porque o
poder tinha como sede administrativa na capital a Ilha, que fora dali sempre a emanar as
lideranças política; às vezes poderiam se instalar, mas eram originados de outra região.
Uma maior afinidade da Ilha, a partir da inauguração da ponte com o território de Santa
Catarina não significou, necessariamente, liderança na pujança econômica. Do ponto de
vista do crescimento capitalista, por exemplo, outras regiões também começaram a
destacar-se; talvez isso ajude a compreender a demora em realizar o projeto do
reconhecimento social da sede administrativa do governo de Santa Catarina.
Tabela 1 Movimentação dos Portos de Santa Catarina para ano de 1969, segundo Ferreira (1971)
1º) Imbituba 900.000 toneladas
2º) Itajaí 494.043 toneladas
3º) São Francisco do Sul 125.000 toneladas
4º) Florianópolis 57.519 toneladas
5º) Laguna 1.628 toneladasÉ possível observar posição de menor destaque do porto da Capital. Ref.: FERREIRA, 1971, p.118
Na comparação de movimentação portuária da capital com os demais portos de
Santa Catarina para o ano de 1969 (Tabela 1), segundo dados elencados por Ferreira
(1971, p.118), é perceptível um desnível bastante grande de Florianópolis,
provavelmente dentro da conjuntura de decadência de seu porto, finalizando atividades.
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A capital nem sempre capitalizava, ao menos não na velocidade/pujança de
crescimento como passa-se a ver em outras regiões, líderes em termos de produção
econômica, mas ela resiste como liderança de sede de governança:
[...] embora Florianópolis não estivesse no centro das transformações por quepassava o Estado de Santa Catarina nas primeiras décadas do século XX – e quefinalmente o integravam ao contexto econômico nacional –, resistiu agora comoCapital do Estado, apesar das pressões contrárias, e dos movimentos à mudançada sede do governo catarinense para o interior do Estado. (LIMA, 2002, p.106-107).
Aconteceu, para estudiosos da história catarinense, beneficiamento da capital por
reter, pelos tributos, parte do crescimento econômico ocorrido em outras regiões de
Santa Catarina. Nas primeiras décadas do século passado: “Embora, no início do século
[XX], a capital estivesse em pleno declínio econômico, o mesmo não ocorrerá com as
demais áreas do estado de Santa Catarina.” (PEDRO, 1997, p.312). Como afirmou
Joana Mª Pedro (1997, p.313): “A indústria, o comércio e a agricultura, principalmente
no vale do Itajaí, estavam em plena expansão. Florianópolis acabou então sendo
beneficiada como capital do estado pelo crescimento econômico das demais áreas.”
Feitos tais ponderações e questionamentos com breve discussão ensaística para
provocar a entrada no panorama histórico da base territorial de Santa Catarina,
impossível não falar da ilha que nomeou todo o Estado. Impossível não lembrar como,
embora hoje pareça irrelevante, houveram manifestações em diferentes épocas ao longo
do tempo tentando tirar dali a capital. Por isso, a vejo como uma ruga, mais pela época
que lhe deu esse status e pela resistência na permanência, ultrapassando outros tempos
sociais em que a navegação, destaque do litoral, ter fortalezas, sede de governança
militar ou um porto já não causava mais alguma relevância.46 Estou discutindo alguns
contextos na relação de como a sede da administração do Estado resistiu na Ilha.
Uma Capital Vacilante, assim a chama pesquisa mapeadora de alguns discursos
considerados como limitadores ou reivindicadores de ali não continuar sendo uma
capital aonde era e, é. A constatação como da falta de riqueza, pouco urbana, não ter
pujança econômica e sim muita pobreza: “Dentro dos debates para a transferência da
46 “Por não possuir uma ligação ferroviária com o interior do Estado ou com o restante do país, o porto deFlorianópolis havia-se transformado, basicamente, em um porto de serviços [...].” (LIMA, 2002, p.107).A passagem a seguir de Kuntz (2013) faz uma explicação funcionalista, não histórica, com interpretaçãona qual não concordo, para ele: “O comércio, e depois o porto que se instalou na ilha, se não deram a elalogo de início o status oficial de Capital, mas fizeram da cidade um ponto importante, que logotransformaria o povoado e sua popularidade em oficialidade, nascendo assim, a Capital do Estado.”(KUNTZ, 2013, p.43). Alguma centralidade de governo na Ilha inicia com a capitania subalterna de 1738.
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sede administrativa, Florianópolis teve esse posto questionado primeiro por ser uma
cidade cuja falta de dinamismo socioeconômico impedia de ostentar o título de Capital
catarinense.” (KUNTZ, 2013, p.29). No processo de progressiva industrialização de
algumas antigas colônias e passagens delas de áreas rurais para urbanizadas, em termos
econômicos algumas tenderam a ultrapassar a capital em capacidade de acumulação de
riquezas. Como se então as demais regiões ao contribuírem mais, estivessem a sustentá-
la. Havendo uma elite a coordenar destinos dos recursos públicos do Estado, isso pode
ter reforçado imagem de privilégio a incomodar a sede na Ilha; pela drenagem do cofre:
A área central de Florianópolis, neste início de século [XX], passou porinúmeras reformas e melhoramentos. Convém destacar que na época a cidadenão possuía nenhuma atividade que permitisse qualquer nova forma deacumulação: o porto continuava em declínio; o comércio, em constantedecadência, restringia-se ao consumo local; a produção industrial era diminuta;a produção agrícola da ilha não abastecia suficientemente a população local.Vinham de outras localidades do estado os produtos necessários. Portanto, asreformas urbanas, realizadas em Florianópolis no início do século XX,dependeram, principalmente, da força de sua elite política. (PEDRO, 1997,p.312). (destaques meus)
Àquelas cidades fundadas originalmente como núcleos coloniais de imigrantes
europeus, não se viram necessariamente refletidas na pobre e singela capital, passada a
ser remodelada, e as demais partes do estado, talvez, a concebiam como uma sede
distante. Um segundo fator apontado como certo desconforto da sede administrativa
estava mais uma vez, assim como se dizia no século XIX, na sua localização47 “[...] o
fato de a cidade situar-se em uma ilha, o que a deixaria com poucas condições de
crescer e ter os aparatos que uma Capital necessita.” (KUNTZ, 2013, p.29).
No começo dos anos da década de 1990 e embalados pela elaboração da
constituinte estadual no ano anterior, o Parlamento catarinense chegou a colocar em
votação a proposta de um projeto apresentado na Assembleia Legislativa de Santa
Catarina/ALESC a respeito da ideia de transferir a capital para o centro geográfico do
território catarinense, ao meio de todo o estado, município de Curitibanos. A maioria
dos deputados votou contrária a matéria, de maneira que não se chegou a realizar
consulta em plebiscito, mas essa proposta contestava tanto um maior equilíbrio na
distribuição dos impostos como também a distância da capital. Estando Florianópolis
longe dos demais municípios, acusando-a de abandono: “A ideia para levar a Capital
47 Se até o século XVIII é por ser uma ilha, valorosa no circuito da navegação, que a gera algumacentralidade, ao final do século seguinte, o discurso parece ter se invertido, passando ser problema.
70
para outro ponto de Santa Catarina ganhou fôlego nas discussões, como meio para uma
melhor articulação entre os municípios e sua Capital.” (KUNTZ, 2013, p.119).
As posições contraditórias atribuídas a capital ao longo da história catarinense
dizem um pouco, se não, muito, das relações com as demais partes, do pertencimento ao
do território do estado que ela é dado a governar. Sem desejar promover etnocentrismos
e rusgas, é necessário refletir como a história da constituição da capital é também, em
parte, a geohistória do território de Santa Catarina. Aliás, até 1820, quando então o
planalto era paulista (e passa ser de ou em) Santa Catarina, a área de influencia da
atuação da capitania catarinense reduzia-se estritamente e, apenas, uma não muito
larga48 área do litoral: “[...] a Capitania de Santa Catarina compreendia uma estreita
faixa litorânea, com suas ilhas, entre elas aquela onde estava localizada a administração
da Capitania, a vila de Nossa Senhora do Desterro.” (ROSSATO, 2007, p.21).
Florianópolis é o nome republicano que a capital passou a ter ao final do século XIX
(em substituto à Desterro).49
A pouca integração não ocorrera apenas da Ilha com o continente e seu território
a ser governado, mas dentro – interno – da própria Ilha. Ao menos no século XVIII as
freguesias50 às vezes pareciam “tão ilhadas” (o que não significa isoladas), distantes e
independentes do “núcleo” urbano central primário – o mais próximo do continente e da
ilha – o centro político agregador (o espaço pioneiramente citadino). Parecia distante
das próprias outras freguesias localizadas na Ilha. As históricas relações contraditórias
de outras regiões e partes do território de Santa Catarina, diz de suas relações (conflitos,
desconfianças e de relativa lentidão de agregação) com sua capital; inclusive, com
tentativas de desbancá-la.
48 Em termos temporais, a anexação de Lages (em 1820) a Santa Catarina durou aproximadamente 2 anosdo período colonial, pois em 1822 o Brasil é independente. Mas o importante é chamar atenção para ofato de que a incorporação do planalto definitivamente marca muito o traçado do que viria a ser oterritório dessa Província. Como lembra Adelson A. Brüggemann (2008, p.47), a partir da construção deuma estrada ligando (as capitanias de São Paulo e Santa Catarina) de Desterro à Lages, pago pelo eráriode Santa Catarina fundamentará a ampliação da capitania para o interior: “Assim, a abertura do caminhopara a vila de Lages deve ser destacada como contribuição fundamental para o delineamento dos limitesda capitania de Santa Catarina.” (BRÜGGEMANN, 2008, p.47)
49 Na homenagem que o mesmo governador idealizador da ponte (obra que leva seu nome) faz a FlorianoPeixoto, pela vitória do presidente na Revolução Federalista e que na Ilha foi palco de resistências ealguns lugares do interior de Santa Catarina, maior apoio ao Marechal de Ferro. Em termos simbólicos, a“toponímia” da capital é resultando de uma batalha e imposta pelo governador a uma cidade vencida, oque mais uma vez reforça a lógica de domínio do espaço bastante autoritária, mesmo simbolicamente.
50 Segundo Luis Augusto da Silva (2008, p.87) “No interior da própria Ilha de Santa Catarina, aspequenas freguesias formavam também espécies de ‘ilhas’ isoladas entre si [...].”
71
Talvez, tenha sido mais uma cicatriz (ou ruga) cartográfica do que uma
imposição; algo como uma legitimidade coercitiva. Não quero explicar, a seguir, como
se em um processo de ordem natural desse espaço tornou-se sedentário do poder. Antes
de dar uma resposta final e conclusiva, é preciso colocar em discussão, trazer ao debate
e propor uma reflexão menos apaixonada do que deveria ter sido e sim, elevar as
possibilidades de fazer também as histórias dos espaços e suas relações com suas gentes
e como um fator, embora não como um agente pronto, acabado ou determinante. Se os
espaços influem, possibilitam, predispõem, autorizam, permitem, dão suporte, enfim,
estruturam, não governam. Ou melhor, não influencia no governar tudo e sempre do
mesmo jeito, como veremos. As discordâncias também (con)formam territórios e as
ações das agências humanas é quem, por fim, dão sentidos aos espaços e talvez até, os
permitam serem determinantes, quando os são (alguém dirá, questionando
legitimamente: “se é que são” determinantes). Proponho a seguir, compreender o
contexto que a inventou – a ilha – como uma governança e esse aspecto está
diretamente relacionado à emergência do território de Santa Catarina; de duas
territorialidades iniciais, a marítima e, principalmente, a militar.
Territorialidade do navegar, antes da territorialidade militar. Ou, “Uma baía doContinente, larga e cômoda, que os franceses chamam de ‘Bom-port ’.” – Anson
Não havia o Brasil antes de 1822, e nem imediatamente após a Independência.
Não quanto uma nação pronta em si mesma, nem uma comunidade e unidade (colonial)
integrada, monolítica. “Se, na conjuntura da descolonização, falava-se numa unidade
territorial brasileira, é preciso, no entanto, considerar que ela era mais aparente que o
real. Ela ainda estava em construção.” (PICCOLO, 2005, p.577). Havia um “Brasil só”,
mas aparecia nos desenhos e na governamentabilidade do Conselho Ultramarino.51 “A
unidade do domínio Brasil existia somente no mapa.” (SILVA, 2012, p.15). Nem
mesmo uma América portuguesa havia, não: “Terra que não era toda uma só.”
(ALENCASTRO, 2000, p.20). Segundo Luiz F. Alencastro (2000), o rotineiro contato e
51 Como afirma Antonio Carlos R. Moraes: “De uma figura mítica do imaginário medieval celta,reproduzida e difundida pela cartografia seiscentista, o Brasil passava a existir como uma entidadegeopolítica da administração colonial portuguesa, dotada de uma unidade dada pelo olhar do ConselhoUltramarino ao governar estas terras.”(MORAES, 2010, p.60) (destaques feitos por mim). “Nesse sentido,poder-se-ia argumentar que não havia uma consciência política interna da unidade brasileira, porém talconsciência existia na visão metropolitana, a qual inclusive buscou apresenta-la como uma unidadenatural [...].”(MORAES, 2006, pp.50-51). Segundo afirma Demétrio Magnoli (1997, p.126) “A unidadeterritorial passou, regra geral, a ser encarada como uma herança [...] de um suposto legado colonial.”
72
existência de um verdadeiro fluxo entre áreas dispersas tornava o Atlântico mais uma
via de encontro e superação de distanciamentos do que, apenas, separação entre os
enclaves fundados/dominados por portugueses nos dois lados do oceano.52 Podendo, em
determinado período da época colonial, ter ocorrido maior identificação e proximidade
(de trocas) entre áreas distantes do império português do que, entre as “mais próximas”.
A menos quando interessava defender-se e resguardar a posse, podia se aglutinar
ajuda; influenciados por noção de distâncias e de proximidades, completamente próprias
aos respectivos momentos. A abertura de alguns caminhos e melhoria de estradas
também visavam alcançar apoio entre diferentes partes, como aparece ter ocorrido com
maior força, a partir do século XVIII:
Desde o início do século XVIII, quando os franceses e espanhóisameaçavam os domínios portugueses, para fortalecer a resistência a essasinvasões estrangeiras, foi criada a regra de defesa mútua entre as capitanias. Issoimplicava que qualquer unidade administrativa atacada por estrangeirosreceberia ajuda das demais capitanias, desde que estivessem integradas porcaminhos que ligassem uma à outra. Para isso, foi necessário estabelecercomunicações terrestres e/ou fluviais entre elas. (BRÜGGEMANN, 2008,p.132).
Os regimes de ventos e navegabilidade influenciaram diretamente, durante certo
período colonial, na composição territorial e afinidade das colônias portuguesas.
Exemplo, ainda durante o período da união das Coroas Ibéricas (entre 1580–1640),
estabeleceu-se “[...] a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão decidida em 1621,
com um governo separado do Estado do Brasil, responde perfeitamente ao esquadro da
geografia comercial da época na navegação a vela.” (ALENCASTRO, 2000, p.20).
Há consenso bastante generalizado no debate que constata não ter havido, na
gestão de territórios portugueses além mar, como a América portuguesa, uma unidade
contigua tão significativa que desembocaria automaticamente – de territórios coloniais –
em território nacional, independente. Unidades às vezes muito mais dispersas e
autônomas, algumas até mais ligadas ao exterior, do que interligadas entre si.
Dependendo o período histórico e o critério das representações cartográficas, percebe-se
bastante diferenças de um mapa de época em relação às divisões de jurisdições internas
na contemporaneidade. “Nossa história colonial não se confunde com a continuidade do
nosso território colonial.” (ALENCASTRO, 2000, p.09).
52 “Na verdade, os condicionantes atlânticos, africanos – distintos dos vínculos europeus –, sódesaparecem do horizonte do país após o término do tráfico negreiro e a ruptura da matriz espacialcolonial, na segundo metade do século XIX. Tais condicionantes marcam a originalidade da formaçãohistórica brasileira.” (ALENCASTRO, 2000, p.21). (destaques feitos por mim).
73
Não se trata de uma aparente contradição a eliminar decididamente e
completamente a influência ou não, da gestão territorial dos tempos coloniais. De um
lado, entender a não reprodutividade automática das divisões e governanças na América
portuguesa para os tempos seguintes do Brasil pós-Independência, por outro, não
recusar de todo como às práticas coloniais puderam influenciar na constituição do
território do País. Essa reflexão reforça a tese de Benedict Anderson (2005, p.83)
quando afirma “A configuração original das unidades administrativas americanas foi,
até certo ponto, arbitrária e fortuita, assumindo os limites espaciais das diversas
conquistas militares.” Contudo, existindo mudanças: “Mas, com o decorrer do tempo,
acabaram por adquirir uma realidade mais consistente sob a influência de factores
geográficos, políticos e econômicos.” (ANDERSON, 2005, p.83)
Com isso, quero chamar atenção para o fato da dinâmica temporal ser um
veículo de permanências e mudanças: “[...] a noção que se tem da transformação das
capitanias em províncias e destas nos estados – continuidade que em certo sentido de
fato existiu –, não deve encobrir as rupturas e diferenças entre uma formação e outra.”
(SILVA, 2008, p.65).
É necessária retrospectiva para acompanhar estabelecimentos das fronteiras e
limites internos em cada parte da América portuguesa. A consciência da importância de
uma abordagem de Geografia histórica serve muito bem para discutir e compreender o
moroso – repleto de tensões – processo da constituição de jurisdições das governanças,
das áreas a serem, posteriormente, constituídas do território catarinense:
Deve-se ressaltar que o mapa da capitania de Santa Catarina, nãopossuía os contornos atuais. Seus limites estavam circunscritos às proximidadesda costa marítima. O povoamento por vicentistas, no século XVII, e porportugueses, no século seguinte, ocuparam apenas as planícies litorâneas. Até oinício do século XIX, o território correspondente aos municípios de Bom Retiro,Urubici, Lages, Campos Novos, Curitibanos e todo o oeste pertencia à capitaniade São Paulo. O interior paranaense também fazia parte dessa capitania[paulista]. (BRÜGGEMANN, 2008, 19).
É impossível projetar no passado colonial, uma mesma cartografia do Brasil
atual, sendo até “[...] anacronismo do procedimento que consiste em transpor o espaço
nacional contemporâneo aos mapas coloniais para tirar conclusões sobre a Terra de
Santa Cruz.” (ALENCASTRO, 2000, p.20). Ainda para o mesmo autor, “A
continuidade da história colonial não se confunde com a continuidade do território da
Colônia.” (ALENCASTRO, 2000, p.20). Para Augusto da Silva (2008), deve-se rejeitar
narrativas colocando, desde tempos imemoriais, um espaço do que seria Santa Catarina
74
sem a percepção das alterações existentes. Essas simplificações inventam no passado
uma divisão do espaço no presente, como que buscando as origens de seus mitos
fundadores territorialistas. (Destaques na citação a seguir, feitos por mim):
Com base nas reflexões de Antônio Manuel Hespanha sobre as relaçõesentre poder e espaço, assim como de Antonio Carlos Robert Moraes sobre aformação territorial do Brasil Colonial pôde-se problematizar a estruturapolítico-geográfica do Governo da Ilha de Santa Catarina e rejeitar asrepresentações históricas que projetam num passado remoto as atuaisconfigurações territoriais do Estado Catarinense. (SILVA, 2008, p.16).
Considero pertinente reforçar a interpretação que entende a emergência no
período colonial, mais como uma concepção espacializante de Brasil do que, um
território brasileiro propriamente dito. Explico-me. Tem-se acordado, naquela literatura
interessada em discutir aspectos territoriais do Brasil, não ter existido, no que se
convencionou nominar período colonial, tanta articulação homogênea e equilibrada
entre diversas partes do Império português na América.53 Uma coisa foram os discursos
das intenções de integração e da vontade de homogeneizar, outra as efetivas interações:
“[...] não tinha fundamento a ideia veiculada de que a nação brasileira tinha sido gestada
no passado colonial. Assim, falar em homogeneidade/uniformidade, no pensar o
político, não se sustenta.” (PICCOLO, 2005, p.577).
Já pelo final do setecentos, por exemplo, a difusão da ideia de emancipação e
liberdade promovido por Joaquim da Silva Xavier, Tiradentes, ocorria numa
abrangência do que muito mais tarde passaria a ser considerado o centro54 do Brasil;
onde foram mais fortes o republicanismo e as maiores presenças dos clubes Tiradentes
(CARVALHO, 1990, p.67). “Tiradentes era o herói de uma área que, a partir da metade
do século XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele buscou, num primeiro momento, tornar
independentes.” (CARVALHO, 1990, p.67). Não havia como termos um herói nacional,
antes da nação. Embora existam heróis nacionais que construam a nação, portanto, pré-
existam a ela, a inventam. No Brasil, antes da nação brasileira, poderiam ter havido
áreas mais coesas ou conectadas entre si mesmas. O movimento liderado por Tirantes
53 Para Antonio Carlos R. Moraes (2006, p.50): “Tomar as referências geográficas como supostosconstitui equívoco similar ao anacronismo histórico, pois se trata também de construções sociais,inventadas no jogo político da sociedade.”
54 José M. de Carvalho (1990, p.67) atribui parte do sucesso dos lideres do movimento, justamente seuscontatos, disposição espacial a qual se encontravam e vínculos de proximidade: “Um dos fatores quepodem ter levado à vitória de Tiradentes é, sem dúvida, o geográfico.” (CARVALHO, 1990, p.67).
75
parece indicar, ao menos, certa comunicação e mútuas influencias, mas a ideia do País e
das articulações do território do Brasil não se processava da maneira como ocorre hoje.
Tanto assim, logo após a Independência, a busca de evitar com que áreas viesse
a fragmentar-se em Estado territorial (nacional) independente é tema candente.
Reforçando a ideia de não ter existido tal unidade, mas o inverso (destaques meus):
[...] a manutenção da integridade territorial e, pari passu, de uma perspectiva deexpansão das fronteiras colocou-se como sendo a mais emergencial das tarefasdas elites políticas do Império. Entretanto, não herdava-se da colônia apenas umterritório em vias de fragmentação, mas uma sociedade estruturada sobre otrabalho compulsório dos escravos, vastos fundos territoriais em disputa naregião do rio da Prata e um Estado por construir sobre as ruínas da antigacondição da colônia. É claro que herdava-se também os acordos comerciais coma Inglaterra, as dividas portuguesas em libras e uma série de instituiçõeserigidas à moda francesa. (FERNANDES DE SOUSA NETO, 2004, p.06).
Havia distâncias, dispersões, imensas áreas e mesmo certa tradição de tentativa
de mitos unificadores, como houve a ideia de uma certa Ilha Brasil. Discurso utilizado
pelo poder metropolitano tanto para legitimar domínio – ainda mais de ilhas, algo tão ao
gosto “das práticas” marítimas portuguesas – quanto visando configurar exclusividade
de apropriação de “terra homogênea”, sendo uma ilha facilitaria domínio pela metrópole
em relação à suas concorrentes. Busca por uma unidade geográfica econômica humana
a ser defendida, influenciou na criação de produções cartográficas. Destacando nelas o
Rio Amazonas e o Rio da Prata, como se essas macro bacias hidrográficas tivessem uma
mesma nascente no interior (CORTESÃO, 1955, p.66).
Pela região correspondente hoje ao bioma Pantanal, proximidade do atual Norte
do Estado do Mato Grosso do Sul e, Sul do Estado do Mato Grosso, estaria localizado
uma espécie de grande lago, formador do imenso rio ao norte e um outro rio ao sul. Para
Jaime Cortesão (1955, p.71), houve interesses na intencionalidade em individualizar um
espaço, para criá-lo como um produto português: “a lenda geográfica do grande lago,
origem comum dos dois rios que insulavam o Brasil, tão reproduzida no século de
Quinhentos, reflete o conhecimento dos vastíssimos pantanais em que o Paraguai, se
perde na ocasião das cheias.” (CORTESÃO, 1955, p.71)
O potencial de simultaneidade como “uma mesma área representada” em mapas,
chama a atenção de Benedict Anderson (2005), quando ele aponta a capacidade de, a
partir dessas cartas, gerar sensação de agregação, dependendo da forma como são
representadas. Partilhar imagens de um espaço colocado como sendo comum, mesmo
abstratamente nos símbolos cartográficos, tem papel de ajudar na sensação de ser uma
76
área comunitária. Alguns mapas podem ter potencial de atuar na constituição imaginada
do pertencimento aos espaços representados como coesos. Delimitada, traçada, exposta
e inventada em desenho, os mapas contribuem na invenção da nação, principalmente
tais como àqueles de corpos únicos, forte símbolo na criação e do gerar pertencimento
de simultaneidade. “Seriam esses mapas também uma forma de apropriação simbólica
desses territórios.” (BRANDT, 2012, p.36).
Logo nas primeiras décadas do século XVI já apareceram desenhos em cartas de
localização, da porção de terra sendo Ilha Brasil. “Na carta de Lôpo Homem de 1519”,
escreve Jaime Cortesão (1955, p.64) sobre a apropriação do espaço através de
demarcações nos mapas, “duas bandeiras portuguesas, colocadas respectivamente ao
norte do Amazonas e ao sul do Prata, marcam claramente a intenção de fixar pelo delta
amazônico e o estuário platino os limites do Brasil, embora aí não figure o traçado da
linha divisória.” (CORTERSÃO, 1955, p.64).
Título da Imagem 2: representação da América Portuguesa como unidade insular século XVI
Imagem 2 Exemplo de Representação cartográfica da Ilha Brasil (Ref.: CORTESÃO, 1955, p.121)
77
A imagem (nº2, pág anterior) é um exemplo, para ilustrar a difusão da produção
de representações sobre a Ilha Brasil como uma primeira unidade natural de corpo
coeso, único, difundido pela cartografia colonial. Ao representar a um Oeste, ao interior,
as nascentes dos dois grandes rios conformadores da Ilha Brasil, certamente ampliava
muito além do Tratado de Tordesilhas a área a ser dominada pela coroa lusa. Quando da
vinda do 1º donatário da Capitania de São Vicente, os portugueses já difundiam ser um
corpo de terra homogêneo e nessa invenção, acabam por serem seguidos pelas
cartografias produzidas em outras nações.55 “Em resumo: ao terminar a 3ª década de
Quinhentos, ou seja quando Martim Afonso parte para o Brasil, os portugueses já
tinham ideia de uma unidade geográfica humana, a que, deram a forma geométrica da
Ilha-Brasil, mito expansionista lusoamericano.” (CORTESÃO, 1955, p.71).
Portanto, pode-se afirmar, através de esforços da criação de representações de
união – e apelo à unidade natural – como, embora, delimitado, não havia predestinação
geográfica do território do Brasil; por isso, inventavam-se tais coesões de terra.
Circunscrito, mas não coeso. A Ilha Brasil, um mito territorial de corpo inventado.
Nas partes do sul da América Ibérica (se o termo não for muito abrangente, se
não: na imensa área Platina da América) duas formações sociais são destacadas para
compreender a territorialidade do que viria a ser a partir do século XVIII, Santa
Catarina. Paul Singer (1968) em sua tese doutoral, explica: “Santa Catarina constitui, no
período colonial, zona de transição (do mesmo modo que o Paraná e o Rio Grande do
Sul) entre dois focos importantes de colonização e povoamento: São Vicente (e São
Paulo) ao norte e o Estuário da Prata ao Sul.” (SINGER, 1968, p.81-82).
Para as rotas de navegação quem vinham da Bahia ou Rio de Janeiro, no sentido
Sul, ou vice-versa, subindo em direção ao norte, vindo do Rio da Prata, avaliavam-se os
melhores pontos de atracagem àqueles de aguada, parada para embarcações,
considerando-se porto natural por excelência. A forma das suas baias, a população ali
presente e mais ainda a geografia Atlântica de uma ilha de tipo continental, com
regimes de ventos e marés, tornava ponto de acolhida nas rotas das navegações,
atribuindo-lhes funções de destaque. E como bem diretamente já se afirmou “[...] não há
como se desconsiderar o papel do mar como meio de circulação geográfica.”
(MORAES, 2010, p.308). É nesse meio de circulação geográfica que a ilha de Santa
55 “[...] conceito mítico duma Ilha Brasil, tão divulgado desde os meados do século XVI, pela cartografiaportuguesa, e da qual os cartógrafos franceses, holandeses e alemães à compita o copiaram.”(CORTESÃO, 1955, p.67).
78
Catarina passou a ser visitada, conhecida e ponto de apoio na rota das navegações; sua
existência vista como atrativa. Os usos dos espaços insulares a colocaram no importante
circuito das rotas feitas.
Uma quantidade de viajantes, atraídos principalmente pelo Rio da Prata e
imediações, deixou relatos e impressões diversas, muitos deles coligidos no livro Ilha
de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX, obra
organizada no século XX, por Martim A. P. de Haro (1996). Nela percebe-se tanto
presença de variadas origens da nacionalidade dos estrangeiros, como também trechos
denunciadores da presença e de aspectos da colonização portuguesa, quando, por
exemplo, Amédée François Frézier na primeira década dos setecentos, assim disse da
ilha de Santa Catarina: “É uma floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro.” Ainda
segundo o mesmo viajante, os moradores de “12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá à
beira mar nas pequenas enseadas fronteiras à terra firme”; ali viviam portugueses, parte
de europeus fugidos (ou desterrados), alguns negros “vê-se também índios, alguns
servindo voluntariamente aos portugueses, outros que são aprisionados em guerra.”
(FRÉZIER, 1996, p.23).
Nos relatos de alguns viajantes no início do século XVIII, percebem-se
expressões tanto de temor como de admiração nas descrições feitas – elogiando a
exuberância ou considerado perigo – das matas da Floresta Ombrófila Densa (Mata
Atlântica) da ilha e, de partes do litoral, enxergado pela navegação costeira realizada.
Chegava-se a descrever como se fosse uma elevada excessiva presença de
vegetação, causadora de temor e também como barreira e refúgio. Apresentada em
constantes relatos a sugestão de não freqüentar as áreas de cobertura vegetal, associadas
ao desconhecido; tais opiniões negativas, invertiam-se quando avistavam próximo as
florestas os elogiados pássaros, as árvores e demais plantas conhecidas pelos próprios
viajantes, ainda mais se pensadas como úteis. Diz Frézier, (1996, p.22): “[...] entramos
em uma propriedade abandonada de onde carregamos para nosso escaler quantidade de
laranjas doces, limões e grandes limas.”
Pareciam se impressionar com a quantidade de animais, inclusive para se
abastecerem, “chamou-nos a atenção”, relatou Frézier em passagem de 1712, “manadas
de bois selvagens.” Mas pareciam ver, ao menos assim descreveram, as terras cerradas
com matas como lugares não indicados a frequentar. Pelo motivo de serem áreas
consideradas fechadas de mato, viajantes diziam, quem ali estivesse pela exuberância da
floresta poderia considerar-se protegido. Segundo entendeu Georg Shelvocke quando
79
aportou em 1719: “A ilha é toda coberta de matas inacessíveis, de forma que, com
exceção das plantações, não existe uma só clareira nela toda.” (SHELVOCKE, 1996,
p.46).
É perceptível nos textos dos viajantes, como muitos esforçavam-se a darem a
entender terem lido relato de alguém já passado por onde descreviam estar. Faziam
constantes lembranças de trechos percorridos por outros e dos dizeres dessas presenças
prévias. Inclusive, pelas referências feitas, “citavam-se” uns aos outros nos seus relatos
de impressões. Mencionavam paisagens e situações ou momentos e espaços
relacionando, às vezes, seu depoimento em texto com “bibliografia” de outro viajante,
previamente passado por ali. Mesmo sendo muito influenciados uns nos informes dos
outros, também se fazia críticas, inclusive, satíricas, permitindo constatar uma relativa
autonomia intelectual e perfil autoral nas opiniões de alguns daqueles viajantes. Quando
se encontravam no porto de parada, também os próprios viajantes se avaliavam;
descreviam-se entre eles. Teciam comentários e opiniões jocosas. Como fez Betagh
(1996, p.56) quando não deixa de ser atento e irônico na forma de relatar a presença de
cristãos endinheirados de passagem pela ilha, provavelmente vindo de regiões auríferas,
mineradoras e indígenas em direção à Europa:
Eu devo informar ao leitor que La Jonquière tinha a bordo de seu naviouma boa soma de dinheiro real e aproximadamente vinte padres, alguns dosquais tinham estado por muitos anos no Peru, Chile e no Paraguai, comomissionários propagadores da fé. Lá haviam enchido seus bolsos, sendo que oevangelho provara ser um negócio lucrativo. (BETAGH,1996, p.56)
Essa prática de associar impressões com autores de outros relatos preexistentes e
às vezes, até citações de textos publicados, conduziram, direcionando de maneira quase
homogênea, ou de maneira muito parecida, às impressões dos próprios viajantes. Muitos
vinham com pré-concepções, bem informados previamente e dispostos a encontrar o
mundo visto pelos relatos de outros aos quais, se utilizavam como fontes.
Parece se conceberem (se viam) como viajantes; percebiam-se em movimento,
denunciavam os Outros e o enriquecimento de menor status, como na citação última,
acima feita. Mesmo assim, embora fossem pessoas diferentes e inclusive, passando em
épocas distintas, às vezes, repetia-se algum relato e impressão, para dizer como algo
continuava igual. Citavam-se depoimentos, como espécie de alerta, dizendo dos riscos
por quem ali passara antes, ou ainda, de como já havia mudado alguma característica,
80
anteriormente descrita por algum outro viajante.56 E acima de tudo, criavam-se tantas
expectativas prévias com esses relatos, só comparável com a quantidade dos desejos em
instruir e prevenir: “[...] nós deixamos sem arrependimento uma ilha, da qual nós
tínhamos formado as mais elogiosas ideias, mas que, quanto aos víveres, aos refrescos e
à hospitalidade, não corresponderam de maneira nenhuma à nossa expectativa.”
(ANSON, 1996, p.72). Claramente, nem todos concordavam entre si.
Muitos também pareciam desejar seus relatos como legítimos e servindo para
algo, úteis, ao precaver. Descrevendo alertas, manuais indicativos de como proceder nos
mares do hemisfério sul da América “[...] nós chegamos ao ancoradouro na Ilha de
Santa Catarina e vimos que ele correspondia muito bem às nossas expectativas; lá
existia madeira suficiente, mas que deveria ser cortada com nossas próprias ferramentas,
já que os ilhéus não as possuíam.” (SHELVOCKE, 1996, p.33). Nos relatos de alguns
viajantes, aparecem elogios a quem deixara úteis informações e precisas instruções.
A pesquisadora Luciana Rossato (2007) estudou os olhares dos viajantes e
algumas das opiniões tão comuns entre eles e as mútuas referências ou trocas de
informações. Comenta ela, como uma estratégia dos próprios relatos e intenção de
mencionar outro viajante já tendo percorrido o palco e lugares relatado, feito de maneira
tão fiel e semelhante descrição, cujo estatuto em outro paradigma poderia até ser
apontado como uma cópia: “A despeito da autoria ser nomeada, constata-se a repetição
de ideias em comentários sobre determinada região que, numa outra área de
conhecimento, poderia ser considerada como plágio.” (ROSSATO, 2007, p.18). A
estratégia de citar ou copiar um prévio relato, buscava atingir um estatuto de autoridade,
maior reconhecimento e credibilidade ao próprio depoimento escrito: “Nesse aspecto, a
repetição de comentários e, muitas vezes, de opiniões sobre o outro constitui um aspecto
que contribui para reforçar a veracidade do texto produzido.” (ROSSATO, 2007, p.18).
Buscava-se reconhecimento ao mencionar autoridade e estatuto de verdade para o dito.
A densidade das florestas como potencial a dar segurança aos moradores –
embora a mesma mata vista como fechada, considerada perigo para quem não soubesse
os segredos de ali sobreviver – é um exemplo dessa repetição dos comentários entre
vários e diferentes viajantes. Se na passagem em 1719, viajante Shelvocke (1996, p.47)
diz: “Não têm eles, nenhum local que possam chamar de ‘cidade’, nem tampouco
56 Exemplo da referência de outro viajantes citado no texto, desprende-se, ainda, do relato de ShelvockeBetagh (Apud Haro, 1996, p.47): “Quantos às excelentes casas de moradia mencionadas pelo Sr.[Amédée François] Frézier [que esteve na ilha em 1712], nenhum de nós logrou ver nenhuma delas.”
81
qualquer fortificação de qualquer espécie, com exceção das matas.” Esse mesmo
viajante argumentou como estaria na Mata Atlântica a proteção para quem precisasse,
por exemplo, refugiar-se: “Estas [florestas], com efeito, são um ótimo refúgio, para
onde podem escapar com segurança em casos de ataques.” Tal referência, menção ou
metáfora das matas como uso de sistema de defesa natural, aparece no relato de Frézier
(que Shelvocke e outros mencionam em seus textos) passado pela ilha sete anos antes,
em 1712. Quando viajante diz como as pessoas possuíam poucas espingardas e rara
pólvora; viviam tranquilamente, pois tinham a floresta: “[...] estão, no entanto,
suficientemente defendidos pelas matas onde uma infinidade de espinheiros de toda
espécie as torna quase que impenetráveis, de sorte que, tendo sempre a retirada segura
[...].” (FRÉZIER, 1996, p.23).
Outro aspecto, muitíssimo regular nos depoimentos escritos dos viajantes, estava
na satisfação de uma boa parada das embarcações da ilha. Também nesse aspecto
mencionam-se “a si mesmos” ou uns aos outros para reforçar, ou comparar a qualidade
das informações ou credibilidade dos relatos dos viajantes. Algumas vezes também tais
menções envolviam detalhes logísticos, cartográficos, ou melhor, as práticas para evitar
encalhes, profundidade das baias, alertas de possíveis naufrágios ou outros problemas
nas embarcações. O que e onde era mais pertinente fazer quando a embarcação ancorada
e recomendações à tripulação após chegada em solo, também apareciam em seus textos.
É importante entender a territorialidade marítima conformada como certo lugar
de parada, portanto, de encontros entre os viajantes e constante interação entre eles
próprios. Vindos de lugares diferentes, com destinos e intenções diversos; estratégico
lugar para as rotas. Tendo diversidade de frequentadores, reforça um caráter badalado
da ilha. Shelvocke (1996, p.37) conta da presença de uma embarcação com bandeira da
França, comandado pelo navegador Dumain Girard e da interação que tiveram, “Eu” –
escreve o chefe da tripulação inglesa – “também comprei dele 60 queijos e 300 libras de
manteiga para completar o nosso estoque de provisões.” Assim, viajantes realizavam
seus abastecimentos vários, inclusive comercializações direta, entre as próprias
embarcações e não, apenas, entre populações locais e viajantes, ocorrendo transações
comerciais entre os próprios europeus, passando a dar uso próprio (ou influenciando)
nas dinâmicas das relações sociais com os espaços ilhéus.
Tanto os relatos de época, como também a literatura já muito bem cobriram a
atração da ilha na recomposição das embarcações para continuar viagem; esse é um tipo
de territorialidade dos usos socioespaciais da ilha. É importante mencionar como “O
82
litoral é, contudo, uma zona de contato não apenas na perspectiva da geografia física,
mas igualmente na ótica do estudo da relação espacial entre sociedades.” (MORAES,
2010, p.308). Elenco a seguir, a partir de análise realizada dos relatos de viajantes,
alguns aspectos mencionados nos usos e paradas dos considerados portos naturais da
ilha de Santa Catarina e as justificativas de ali aportar:
Box 1: Alguns fatores e destaques na constituição de uma territorialidade marítima na ilha
- Abastecimento alimentar (carne, legumes, frutas, frutos do mar, peixes),para consumo próprio da tripulação, tanto para ampliar estoques das embarcações comoevitar consumir o que as embarcações portavam, incentivava-se consumo disponível nosrecursos naturais da ilha e mediações;
- Acesso a água potável e outras bebidas tais como vinho, cachaça, oulíquidos como tipos de vinagres para limpar embarcações, por exemplo;
- Elogio à comunidade local: seja algumas autoridades, população“acolhedora” (ou ao menos, vista como não hostil) e disponível às trocas mercantis,escambo e demais apoios (ou mesmo alguns serviços/atenção) aos viajantes;
- Acesso à madeira, matérias primas e alguns outros materiais/ferramentaspara reparos;
- Considerações positivas de diversidade de produtos a serem encontrados.
Fonte: organizado por mim, com base nos relatos de viajantes acessado em HARO (1996).
Não havia apenas passagens instantâneas ou momentâneas do curto tempo de
parada. Às vezes as condições climáticas, as estações do ano ou os regimes de
navegação favoráveis ou não, definiam maior ou menor tempo de permanência na ilha.
Além de completarem seus estoques e aprovisionamentos, relatos afirmam chegarem até
a realizar produções agrícolas no tempo em que estavam atracados. Um viajante que
pretendia ficar uns dois ou três meses ali aguardando “[...] uma melhor época para
navegar ao largo do Cabo Horn. Por isso, tão logo lançou âncora, mandou alguns dos
seus homens cavarem uma pequena horta e semearem alguns alfaces e outros tipos de
verduras para salada.” (SHELVOCK, 1996, p.37). Em uma concepção contemporânea,
hoje, se poderia dizer que muitos desses viajantes fizeram da ilha lugar de moradia,
mesmo não permanente, mas que deixavam marcas: “Tem-se naturalizado algumas
árvores frutíferas de Portugal” (CASAL, 1943, p.134). Manuel Aires de Casal (1943,
p.124) assim disse de quando registrou a sua passagem: “Todas as hortaliças de
Portugal aqui prosperam, principalmente as cebolas.”
83
A interação entre viajantes/tripulação com a ilha era intenso, envolvendo
diferentes aspectos e sujeitos, inclusive um consumo complexo de recursos não
desprezíveis. Os relatos de viajantes ajudam a visualizar a apropriação e relação
mercantil realizada por eles: “[...] bem em frente à parte extrema sul da Ilha de Santa
Catarina, eles têm gado preto em grande número, algumas cabeças das quais nos foram
fornecidas e que compramos a preço razoável.” (SHELVOCKE, 1996, p.47). Vários
relatos dedicam-se a descrever e a tentar convencer como a ilha era um lugar favorável
ao abastecimento, “Eles desfrutam das bênçãos de uma terra fértil e um ar muito
saudável e não têm falta de nada, a não ser de roupas.” (SHELVOCKE, 1996, p.47).
Aspectos até aqui elencados e citados sobre a ilha são para dizer da
territorialização implementada a partir de uma porção de terra no mar. Trata-se de um
período “quando as condições naturais prevaleciam na definição das ‘vocações locais’.”
(MORAES, 2014, p.28). É sobre o que talvez se pensasse como vocação dos aspectos
naturais da ilha, que possibilitou nela instituir uma territorialidade de tipo marítima.
Não bastava para a apropriação territorial da metrópole, que quem na ilha
estivesse e em contato com quem por ali parava embarcações, se sentisse protegido por
densas matas ou pudesse buscar refúgios ao interior. Ser um bom lugar para as
embarcações e sua condição favorável a tornam de interesse não apenas para a
navegação, mas para o poder. Era necessário, na visão colonial, o próprio Império
precaver-se e, fortificar, como um lugar de defesa. E não para defender a própria ilha
apenas e estritamente, mas para, do lugar dela, apoiar toda vontade de domínio da
macro região da bacia do Rio da Prata e da parte meridional da América portuguesa.57 A
ilha passa a ser colocada com uso indispensável no apoio da manutenção do domínio.
Então passa-se, ao que estou denominando de uma segunda camada de
territorialização, agora mais claramente Estatal (período que vai se somar à centralidade
da navegação/localização da ilha), a escolha da mesma como um ponto de defesa e
estratégia militar portuguesa. Passa a ser planejada como ingrediente, ou melhor, uma
peça indispensável no exercício e estratégia de defender e conservar os domínios
meridionais da metrópole (SALOMON, 2002, p.12). É aqui um particular importante na
base territorial de Santa Catarina, a ilha passa a ser Ilha: entra como elemento de
destaque na maior precisão do que venha a ser governar: “[...] governar ligada ao
57 A partir daí (como discuto no próximo tópico desse capítulo) “A Ilha de Santa Catarina” – afirma a tesede doutorado Augusto da Silva (2008, p.14) na qual concordo com as interpretações do autor – passa aocupar “posição peculiar no Sistema Colonial. Sua principal função era servir de base militar para adefesa de espaços mais valorizados do ponto de vista econômico.” (SILVA, 2008, p.14) (destaques meus)
84
exercício de defender, conservar e ordenar os domínios do soberano, a qual se estende
até o início do século XIX.” (SALOMON, 2002, p.65).
Vale dizer novamente, lugar favorável de passagem, parada e ponto de uso como
porto, constitui um tipo destaque (e mesmo “lugar de encontro”) naquela época de
predomínio de regime de navegação, como tratei até aqui: de uma territorialidade
marítima. Agora, entramos no Estado como agente modelador direto das atribuições ao
espaço, cuja função primordial passa a ser ajudar a resguardar. Aqui “nascerá a ruga.”
A certidão e a toponímia, Santa Catarina: a ilha que nomeou uma Província/Estado
Na Carta Régia de 11 de agosto de 1738, Dom João V ordenava que fosse
separada de São Paulo e submetida ao Rio de Janeiro a Ilha de Santa Catarina. O
momento era de centralização de um poder das capitanias do Centro Sul, tendo a figura
o governador Gomes de Freire Andrade e a sede o Rio de Janeiro. Tal procedimento tem
sido identificado como a certidão de nascimento da Capitania da (Ilha) de Santa
Catarina (SILVA, 2008, p.57). Seja para nas narrativas de efemérides ou em discussão
histórica, 1738 costuma ser apontado como importante marco de circunscrição de
atributos próprios e políticos ao espaço, Santa Catarina.58 Mas estava bem distante de
ser o território catarinense de hoje em dia, longe disso. Embora defendo a ideia de na
longa duração da capital, ter ali seu momento de início, com territorialidade militar.
A bem elaborada tese de doutoramento de Augusto da Silva (2008), trata a
respeito do caso da territorialização militar Estatal de Santa Catarina, bastante
localizada inicialmente na Ilha de Santa Catarina e seu continente frontal próximo,
principalmente com a decisão de ali realizar a implementação de fortificações e maior
controle do sul da América portuguesa.59 “Inicialmente a Capitania de Santa Catarina
limitava-se ao território insular e continente imediato, em 1742 passa a incluir Laguna,
58 Trecho (publicação comemorativa) em que a carta régia é vista como primitiva Santa Catarina: “DomJoão 5º promulgou, em 11 de agosto de 1738, a Carta Régia, ordenando que o brigadeiro José da SilvaPaes passasse à Ilha para fortificá-la, separando de São Paulo a Ilha de Santa Catarina, colocada sob ogoverno do Rio de Janeiro, unificando assim o comando litorâneo até o rio da Prata. Este documentomarca a criação da capitania subalterna de Santa Catarina, especificando que Silva Paes exercesse o seugoverno, tornando possível assim, embora ainda não estivesse integrado todo o atual territóriocatarinense, considerar o brigadeiro como sendo o primeiro governador de Santa Catarina.” (VIEIRAFILHO, 2001, p.86). (destaques meus)
59 Orlando Valverde (1957, p.264) assim ressalta a importância da maior Ilha do Atlântico Sul daAmérica portuguesa e o motivo pelo qual os portugueses atribuíram a mesma um papel estratégico-militaressencial para a manutenção, conquista e posse da apropriação espacial da macro-região do Prata: “ODesterro era a chave das comunicações com o Prata, por isso, os portugueses fortificaram toda a ilha,mais do qualquer outra parte da costa sul do Brasil [...]. A ilha passou então, a ser o trampolim dasarrancadas luso-brasileiras para o sul.” (VALVERDE, 1957, p.264). (destaques meus)
85
em 1750 São Francisco e em 1820 o restante do território catarinense, abrangendo
Lages [...].” (LIMA, 2002, p.60).
Quando no imediato da criação da capitania subalterna e governo na Ilha, não
significa jurisdição para além de si mesma e vizinhança. Aos poucos, a ela vão sendo
agregado outros espaços a serem administrados, ampliando possibilidades de maiores
áreas subordinadas ao governo ali localizado.60 Mas não era assim antes da criação da
praça militar na Ilha, pois “Até 1738, a Ilha de Santa Catarina vinha sendo comandada
por um sargento-mor, subordinado ao capitão-mor de Laguna e, ambos, ao governador
da capitania de São Paulo.” (SILVA, 2008, p.49). Havia uma classificação da hierarquia
dos lugares, em ordem de importância na lógica colonial. Em 1726, quando a então
(desde 1714) freguesia, de Nossa Senhora do Desterro havia subido ao status de Vila, a
autoridade que “assim a distingue” o faz em Laguna.61 Se acompanharmos, na ordem
temporal da criação oficial de algumas Vilas, descrita por Aroldo de Azevedo (1956),
será perceptível como Desterro assumiu essa posição, após São Francisco (no século
XVII) e Laguna já terem elas mesmas acessado a essa categoria.
Tabela 2 Ano de instituição de Vilas na hierarquia urbana colonial, segundo AZEVEDO (1956):Ano Nome
1653 Nossa Senhora do Rosário do Paranaguá (atual Paranaguá)
1660 Rio de São Francisco do Sul (atual São Francisco do Sul)
1693 Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba (Curitiba)
1714 Laguna
1726 Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis)
1751 São Pedro do Rio Grande do Sul (atual Rio Grande / RS)
1774 Lages
1797 Antonina
1798 Castro
1808 Porto AlegreNa ilha de SC a vila reconhecida em 1726. São Francisco e Laguna foram vilas, antes de Desterro.
Na tese intitulada, A Ilha de Santa Catarina e sua terra firme: estudo sobre o
governo de uma capitania subalterna (1738-1807), o pesquisador demonstra como
60 “Quando a capitania de Santa Catarina foi criada em 1738, tornando-se independente da capitania deSão Paulo, porém subalterna à do Rio de Janeiro, sua extensão territorial estava limitada às proximidadesda Ilha de Santa Catarina. As vilas de Laguna e São Francisco do Sul ainda compunham o territóriopaulista. A primeira foi incorporada à capitania de Santa Catarina em 1742, e a segunda em 1750”(BRÜGGEMANN, 2008, p.39). (destaques meus)
61“O dr. Laines Peixoto esteve na Vila de Laguna, como Ouvidor, que era da Ouvidoria de Paranaguá, em1726. Nessa ocasião, a 27 de março, elevou à categoria da Vila a povoação da Ilha de Santa Catarina, soba invocação de Nossa Senhora do Desterro.” (BLUMENAU EM CADERNOS, Tomo XIII nº1 janeiro1972, p.16)
86
principalmente a partir de fundação (quase em frente a Buenos Aires na outra margem
do Rio da Prata) da Colônia do Sacramento por Portugal em 1680, desperta uma maior
atenção da Espanha em relação ao Atlântico Sul e abre um processo de longas disputas
entre os dois países Ibéricos que adentra até o começo do século XIX.
A Carta Régia cria a Ilha de Santa Catarina como uma capitania e a coloca na
esfera do (ou no campo de força submetida ao) Rio de Janeiro, sendo resultado tanto do:
a) contexto geopolítico de disputa entre as Coroas espanhola e portuguesa, assim como
da b) organização interna da própria relação colônia e metrópole. Promove-se uma
territorialidade diferente, dando uso mais militarizado da Ilha, até então bastante central
no regime de navegação, como já tratado. Na afirmação de Marlon Salomon (2002), até
então a ilha teria desempenhado um papel pouco importante do ponto de vista dos
interesses portugueses. Próximo do insignificante para a administração colonial, era
usada como um deposito de indesejados, “[...] o poder lhe reserva o lugar de exílio da
desordem.” (SALOMON, 2002, p.12). A não ser para os usos da navegação, ela não
parecia muito importante:
Durante muito tempo, ela esteve esquecida pela soberania portuguesa: no finaldo século XVII, por exemplo, os primeiros súditos que nela haviam seacomodado, perderam quase todas as suas vidas durante uma pilhagemempreendida por piratas ingleses ou holandeses, sem que isto tenha lhechamado à atenção. (SALOMON, 2002, p.12).
Na tese de Salomon (2002), a mudança esteve em passar a tratar a ilha como
apoio de governança “[...] relacionada à defesa e a conservação do território. O que se
deve estar em estado de segurança é o espaço; todas as maneiras possíveis de se
defende-lo nada mais são do que um esforço de torná-lo seguro, protegido do inimigo
exterior que o ameaça.” (SALOMON, 2002, 246). Estou interpretando a criação da
capitania subalterna da Ilha de Santa Catarina como a sobreposição da territorialidade
marítima – central para a navegação – por uma territorialidade militar, promovida com
lógica defensiva do Estado colonial. Nesse processo dos usos que configuram seu
território de maritimidade para militar, vai receber destaque bem maior.
O papel secundário da Ilha começa a mudar, entretanto, a partir do momento emque os novos povoados fundados no sul e, também, a Ilha de Santa Catarinapassam a desempenhar a função de entreposto de apoio na preparação demateriais de construção dos mais diversos para a instalação da Colônia doSacramento. (LIMA, 2002, p.55)
87
Segundo argumento de que São Paulo62 já aparecia no momento uma capitania
com menor capacidade de controle, no olhar do Conselho Ultramarino, somadas outras
razões de centralização administrativa e do poder, foi realizado a transferência de
algumas áreas a serem governadas (submetidas) por esferas metropolitanas sediados no
Rio de Janeiro. Logo na primeira década do século XVIII a coroa portuguesa compra as
Terras de Sant’Ana que no século XVI haviam sido concedidas63 a Pero Lopes de
Souza (irmão de Martim Afonso de Souza) e, ao comprá-las, mantém Santa Catarina na
jurisdição da Capitania de São Paulo, criada em 1709. Depois, com a reestruturação
administrativa do controle régio, ambas são (transferidas) submetidas, no intervalo de
uma década, para o Rio de Janeiro:
[...] modo de ampliar ainda mais o controle régio sobre determinados espaçosestratégicos do império português, Dom João V tomou uma série de medidasque reduziram o poder jurisdicional dos capitães-generais de São Paulo: a antiga‘Minas de Ouro’, criou a capitania geral ‘das Minas’ (1720); anexou a esta aadministração das minas de Goiás e Cuiabá (1738), transformando-as, dez anosdepois, cada qual, em capitanias gerais; transferiu para a jurisdição do Rio deJaneiro a Ilha de Santa Catarina (1738), o Rio Grande de São Pedro (1738) eLaguna (1742); e, por fim, o próprio governo de São Paulo, passou a ser umadependência [em 1748] administrativa do Rio de Janeiro. (SILVA, 2008, p.45).
Com base naquele documento da transferência da esfera de São Paulo para
maior centralização no Rio de Janeiro, a literatura regional costuma projetar a primeira
manifestação de uma (“gênese” de) unidade territorial de Santa Catarina. Se bem que,
de alguma forma – mesmo que não totalmente efetiva – o tratado de Tordesilhas e as
Capitanias Hereditárias também já haviam atribuído linha divisória e empoderamento
dessa parte do espaço sul da América portuguesa, inclusive, cartograficamente64
localizada. “O primeiro mapa publicado na Europa que traz o nome de Terra de
Sant’Ana referindo-se a esta parte do litoral sul brasileiro, é um mapa de Juan de La
62 O autor do livro “História dos Estados brasileiros” faz menção cronológica das áreas criadas a partir deespaços que conformaram, em certo período, a capitania São Paulo. Quando menciona Santa Catarina,usa 1738 como o marco temporal: “Verdadeiro fracionamento do espaço tradicional da capitania de SãoPaulo, com a formação de Minas Gerais (1720), Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1738), Goiás e MatoGrosso (1748). Por fim, São Paulo passaria à jurisdição da capitania do Rio de Janeiro, em 1748, vindo arecuperar sua autonomia somente depois, em 1765.” (ALVES FILHO, 2000, p.209)
63 “[...] o rei de Portugal, pela Carta Régia de 21 de janeiro de 1535, doou a Pêro Lopes de Souza [...]áreas de terras: uma de 30 léguas de costa, em Itamaracá [Baía da Traição e Igaraçu]; [Capitania de SantoAmaro: Caraguatatuba e Bertioga], e outra de 50 léguas de costa, no Sul, que seria a Terra de Sant’Ana.”(PIAZZA, 1970, p.27-28)
64 Piazza (1970, p.28) afirma que o nome terras de Sant’Ana também se repete no planisfério de AlbertoCantino datado de 1502, nele “trazendo outras informações referentes ao litoral catarinense, que foramfornecidas a esse cartógrafo por Américo Vespúcio.”
88
Cosa, publicado exatamente em 1500.” (PIAZZA, 1970, p.28). E menos de três décadas
depois, “Em 1539, o Mapa Mundi de Diego Ribeiro, sucessor de Caboto como
Cosmógrafo Real de Carlos I, em Sevilha, fez constar, pela primeira vez a denominação
de Santa Catarina para a ilha e a baía que a acompanha.” (CORRÊA, 2007, p.74). Há
quem diga ter sido em 1526, a ilha nomeada de Santa Catarina, tendo aparecido alguns
anos antes, em 1519 grafado pela primeira vez em um mapa como Ilha dos Patos.
(LIMA, 2002, p.52-53). E foi em 1534 que a ilha foi integrada na capitania concedida.
[...] antes da efetiva fixação dos exploradores europeus, a ilha era uma densafloresta habitada por índios denominados carijós, inçada de onças e veados, quea chamavam Meiembipe (montanha ao longo do canal, sendo que ao canalchamavam Jureremirim (boca pequena, ou simplesmente “Estreito”). (LIMA,2002, p.51).
A respeito dessa parte meridional da América, é preciso lembrar, Portugal
conhecia tão bem, pois, o ponto final do meridiano traçado, conforme registra Oswaldo
Cabral (1968, p.14), nenhuma outra donatária foi concedida ao sul da capitania (de
Sant’Ana) doada a Pero Lopes. E como lembra nossa vulgata, se limitada a essa área
traçada pelo Tratado de Tordesilhas, “Santa Catarina teria apenas cinco por cento do seu
atual território.” (SACHET; SACHET, 1997, p.17). A partir do fim da União Ibérica – a
“junção” das coroas tira sentido do Tratado de Tordesilhas – e principalmente, umas
cinco décadas a partir da fundação da Colônia do Sacramento em 1680, o olhar voltado
para a ilha tende a instituí-la dentro da lógica de defesa e proteção, uma territorialidade
de base militar Estatal, colonial.65
Mas antes de submetida ao Rio de Janeiro, é central mencionar como alguns
autores apontam – no que considero territorialidade marítima – a influência de São
Vicente e São Paulo ter sido de relevância na área hoje denominada litoral catarinense.
Identifica-se em alguma revisão de literatura de história de Santa Catarina, três
argumentos principais ou fatores apontados para a “polarização” ou grande presença
vicentista/paulista. Primeiro o fato dos irmãos Sousa: Martin Afonso e Pero Lopes
possuírem faixas donatárias contíguas. Segundo devido aos descendentes de ambos
manterem-se em uma longa disputa jurídica de herança, faz com que tanto as terras de
65 Silva (2008, p.64) assim interpreta a territorialidade de base militar: “Segundo classificação de AntonioCarlos Robert Moraes, toda a construção de território associa e hierarquiza três dimensões: militar,jurídica e ideológica. Em alguns casos pode ocorrer de haver uma identidade fortemente marcada que setransforma no meio jurídico e consegue se afirmar, em algum momento, diplomática ou militarmente; emoutros, a conquista do espaço se impõe por um aparato militar e uma legislação forte, com a criação daidentidade a posteriori, a partir do território. Este parece ter sido o caso de Santa Catarina, não obstante aformação militar e jurídica ser posterior à instalação dos três primeiros povoados.” (SILVA, 2008, p.64).
89
Martin e Pero fossem “juntadas”66 – por legado – indo parar nas mãos de D. Lopo de
Sousa (CABRAL, 1968, p.15) que as vende à coroa portuguesa em outubro de 1709 e
tendo a Coroa realizado as escrituras em 1711; o terceiro elemento importante se deve
às fundações dos primeiros67 núcleos de povoamento colonizador. A constante presença
e exercício de poder, como apreender indígenas, por exemplo, pelos vicentistas nas
áreas denominados atualmente de Santa Catarina, torna regular suas presenças e
influências nos usos desse espaço litorâneo.
No século XVII ocorrem três fundações de povoados no litoral de Santa Catarina
(São Francisco do Sul; Desterro/Florianópolis; Laguna) que representavam o interesse
da colonização portuguesa nessas áreas. Nas palavras de Paul Singer (1968, p.82): “A
partir de São Vicente, pequenos grupos de colonizadores foram descendo a costa e
ocupando alguns pontos do litoral: São Francisco do Sul em 1645, Desterro
(Florianópolis) presumivelmente em 1651, Laguna em 1676.” Enfatizando a ideia de
influência de Portugal no patrocínio dessas fundações, a opinião de Orlando Valverde:
[...] adotaram as autoridades portuguesas uma política firme e conseqüente,embora disfarçada, de ocupação do litoral e do planalto [meridionais], oratomando diretamente a iniciativa, a maioria das vezes, porém, incentivando agente de posses de São Paulo a fazê-lo, seduzida pelas concessões de sesmariase de títulos e cargos honrosos. (VALVERDE, 1957, p.107).
É preciso registrar a localização de disputas em que se encontravam as
povoações meridionais iniciadas por vicentistas e paulistas, naquele contexto de
incerteza de domínio do Atlântico Sul, entre as competições das coroas Ibéricas pois, se
“São Vicente é indiscutivelmente português; o rio da Prata é castelhano. Entre os dois
pontos, estendia-se o largo território de soberania ainda duvidosa, muito pouco habitada
66 Algumas vertentes de história de Santa Catarina vão buscar descrever a esfera de influência dosvicentistas nas fundações e domínio na capitania chamada de Sant’Ana e depois capitania de SantaCatarina, por exemplo a forma como Oswaldo Rodrigues Cabral (1968, p.15-16) descreve esse contexto:“De sucessão em sucessão, de herdeiro a herdeiro, por falecimento sucessivo dos que diretamentedescendiam de Pero Lopes, a sua donatária foi cair às mãos de D. Lopo de Sousa, que já era donatáriotambém por herança, da Capitania de S. Vicente. Juntavam-se assim, nos começos do século XVII, asheranças dos dois irmãos, a de Pero Lopes e de Martin Afonso, o que vem a explicar a influencia queentão vieram a ter na vida catarinense, as Vilas de S. Vicente e S. Paulo.” [...] “Este, enfadado com longolitígio, que atravessava todo o Século XVII, resolveu vender as terras que constituíam a legítima de PeroLopes e pediu licença para à Coroa, para aliená-las por 44 mil cruzados a José Góis de Morais. Todavia, omonarca achou que o negócio convinha muito mais à Coroa e, assim, pelo Alvará de 22 de outubro de1709, resolveu comprar as terras por 140 mil cruzados, tendo sido passada a escritura de venda a 19 desetembro de 1711.” (CABRAL, 1968, p.16-16).
67 “A partir de meados do século XVII, grupos partindo de São Paulo, São Vicente e Santos – dessa vezcom perspectiva de fixação à terra – deram origem aos povoados de Paranaguá (1648); Nossa Senhoradas Graças do Rio São Francisco do Sul (1658); Curitiba (1668); Santo Antônio dos Anjos da Laguna(1682) e Nossa Senhora do Desterro, na Ilha de Santa Catarina (1690).” (SILVA, 2008, p.37).
90
por europeus, em que se desenrolaria a luta entre as duas correntes colonizadoras.”
(PRADO JÚNIOR, 2012, p.164).
Essa política de competição ibérica pelo domínio de espaços na América – volta
a ocorrer após a União Ibérica e fundação da Colônia de Sacramento, já dito – informa a
decisão portuguesa de assentar colonos açorianos e madeirenses nas proximidades de
áreas junto de atuação direta das fortificações edificadas. “O interesse efetivo no
povoamento do Sul começaria somente a partir da segunda metade do século XVIII,
quando sua ocupação se tornaria oficialmente agressiva.” (LIMA, 2002, p.54). A
política de colonização com imigrantes vindos das ilhas de Açores e Madeira faz parte
desse contexto da territorialização militar.
Dois séculos antes das construções de fortalezas, também em uma conjuntura de
competição e conquista territorial, contudo, em um momento ainda de menor definição
e anterior a União Ibérica, o navegador veneziano, a serviço da Espanha, Sebastião
Caboto, chama a – até então, nominada pelos indígenas como Yurú-Mity (Jurumirim) e
conhecida por muitos navegadores/viajantes como Porto dos Patos de – Ilha de, Santa
Catarina.
Caboto não emprestou apenas seu nome para a navegação costeira de
cabotagem, mas também o nome de sua esposa68 a quem ele resolveu homenagear
assim chamando a ilha. Se a Carta Régia de 1738 é considerada, como já mencionado, a
certidão de nascimento, é essa a toponímia atribuída a ilha vai nomear todo território de
Santa Catarina. Não deixa de ser irônico e simbolicamente representativo daquele
contexto colonial do século XVI, o fato, bastante aceito entre os pesquisadores, de ter
sido o navegador à serviço da Espanha a nomeá-la. Foi no contexto da territorialidade
marítima que ela recebe o nome (dado por alguém à serviço da Espanha!), poderia essa
toponímia também ser uma rugosidade, se alargarmos o conceito e usos da noção das
rugas.
Outra curiosidade dessa nomenclatura a ser mencionada, é o fato de embora o
nome do espaço ir “espraiando” junto com o alargamento espacial do poder inicialmente
centrado na Ilha, o adensamento populacional maior do núcleo urbano passa a ser
68 Ver, por exemplo João Carlos Mosimann (2004, p.13). A seguir, lembro a interpretação de Caio PradoJunior (2012, p.162): “Em 1526 reaparecem também os castelhanos. Sai naquele ano de Sanlucar deBarrrameda, com destino às Molucas, a expedição de Sebastião Caboto. Desde Pernambuco, onde sedetém, vem o almirante ouvindo referências, cada vez mais precisas, das riquezas imensas da Serra daPrata. Faz escala ainda em Cananéia e Santa Catarina – que batiza com este nome em homenagem à suamulher, Catalina Medrano, cujo aniversário, em 25 de novembro, coincide com a data de sua chegadaàquela ilha.” (PRADO JÚNIOR, 2012, p.162).
91
reconhecida e nominada por Desterro (e muito mais tarde, somente no final do século
XIX troca-se o nome para: Florianópolis). Em outras palavras, embora o nome tenha
sido socialmente usado para toponímia da ilha e depois de toda a Província/Estado, o
núcleo populacional que vai se urbanizando na península mais próxima do continente (o
centro urbano condensado), acaba por ter um nome diferente do original atribuído a
Sebastião Caboto no final do ano de 1526.
A cidade, enquanto, Capital, costuma ser identificada pelo nome
(Desterro/Florianópolis) diferente do nome da Ilha que a abriga. Chamo atenção como
no Brasil atual, as duas maiores metrópoles do País – e apenas elas – capitais de Estado
também levam respectivamente o mesmo nome das suas unidades federativas: São
Paulo/SP e Rio de Janeiro/RJ. Teria sido por estar contida dentro da Ilha que a capital
de Santa Catarina tem um nome urbano, mas a Ilha que lhe dá sede, tem outro nome (o
mesmo nome de todo Estado)? Talvez para diferenciar-se de demais freguesias e
apontar como local de comando o núcleo urbano inicial – a cidade sede da paróquia –
possuir outro nome, sendo que ali, historicamente “[...] a cidade, antes de conhecer o
urbanismo, através da geometria, conheceu a fortificação.” (SALOMON, 2002, p.240).
A Ilha de Santa Catarina foi uma praça militar, e assim a denominavammuitas das autoridades portuguesas em meados do século XVIII. Entre asfortalezas construídas nas extremidades norte e sul da ilha, no centro dela,encontrava-se a vila de Nossa Senhora do Desterro, tudo sob o comando doBrigadeiro [José da Silva Paes]. (SILVA, 2008, p.163). (destaques meus)
Entretanto, é preciso enfatizar como a expressão para nomear a Ilha de Santa
Catarina teve uma temporalidade própria para ser utilizada também ao continente, o que
possivelmente permite acompanhar a ampliação da jurisdição da área de poder da
governança dessa Ilha que teve dispersado o uso do seu nome.
Santa Catarina significava, no momento da criação do governo, em 1738, tãosomente a ilha. Apenas no correr da segunda metade do século XVIII, emdecorrência da ampliação dos limites jurisdicionais desse governo – e somentenesse âmbito –, é que a designação começou a significar, além da Ilha, parte docontinente. (SILVA, 2008, p.63).
Seja como for, embora tenha se espacializado o nome Santa Catarina para além
do título original apenas para Ilha, ela fora geralmente considerada uma capitania
subalterna, não apenas ao Rio de Janeiro, ou a São Paulo. Manuel Aires de Casal (1943)
anotou, quando passa na já não mais Capitania: “Esta província faz parte do bispado do
Rio de Janeiro, é da correição do ouvidor de Porto Alegre.” (CASAL, 1943, p.137).
92
Quando da criação em 1723 da Ouvidoria (e chegada do Ouvidor em 1724),
separada de São Paulo foi localizada em Paranaguá e cobria jurisdição sobre as vilas da
costa sul (CABRAL, 1968, p.49). Mais de duas décadas depois, em 1749, quando da
criação da sede do ouvidor-geral em Nossa Senhora do Desterro ela cobriu até a
Província de São Pedro. Mas em 1812, retorna a subalternidade pela transferência da
sede geral da ouvidoria para Porto Alegre “que passou a ser a cabeça de comarca com as
mesmas jurisdições que tinha a anterior.” (SILVA, 2008, p.73). Em 1807, a Capitania
de Rio Grande de São Pedro do Sul é “desanexada” pois, também fez parte daquela
carta régia de 1738 subalternizá-la ao Rio de Janeiro. Ou seja, quando é elevada na
hierarquia (passando) de capitania sujeitada ao Rio de Janeiro para Capitania Geral, leva
consigo em 1807 Santa Catarina, que passa agora a ser submetida a então Capitania
Geral de São Pedro (SILVA, 2008, p.91).
Na prática, a sub-capitania de Santa Catarina continuou (SILVA, 2008, p.91)
prestando contas ao vice-rei do Brasil e a partir de 1808 com a transferência da sede do
Império de Lisboa para o Rio de Janeiro, passou a fazer diretamente à corte, o que
confirma a emergência de um centro interno na América portuguesa (MORAES, 2009,
p.68).
Em linhas gerais, a construção das fortificações (entre 1739 e 1743 foram
construídas 4 fortalezas) é a base militar implantada na Ilha e mediações sob o comando
do Brigadeiro José da Silva Paes, deveu-se a posição que naquela geopolítica de defesa,
considerava a insularidade estratégica, motivo também pelo qual é instalada uma
Intendência da Marinha em 1817, que funciona até 1832. (BALDIN, 1980).
Por outro lado, de alguma forma pode-se sugerir como a nomeação e
consideração de uma capitania (mesmo subalterna) e sua localização, reforça e mesmo
gera uma base de formação territorial, como pode-se apreender com a representação a
seguir (imagem 2), do século XIX, mas na qual observa-se um espaço tanto de São
Paulo, do Rio Grande do Sul, como de Santa Catarina, bastante delimitados.
Em 1849: as duas comarcas desta Província, criadas em 1833, passarão adenominar-se de Primeira e Segunda Comarcas, e sua divisão será pela forma: aprimeira compreenderá os municípios da capital, São Miguel, Porto Belo e SãoFrancisco; a segunda, os municípios de São José, Laguna e Lages.(SALOMON, 2002, p.111).
Embora, em julgamento de hoje, pode-se afirmar que desde 1738 seja
considerada um “departamento autônomo”, Santa Catarina se caracterizou pela
subordinação às capitanias gerais. De maneira que a Independência em 1822, “teve
93
grande importância na estrutura de Desterro, tornando a administração pública mais
complexa.” (LIMA, 2002, p.68)
Título da Imagem 3: Carta Topográfica Administrativa da Província de Santa Catharina, 1848
Imagem 3: O presente mapa (autoria de J.H. Leonhard?) apresenta detalhes das 2 comarcas, 3cidades, 4 vilas e 21 freguesias existentes em Santa Catarina em 1848, assim como linhasdemarcatórias entre as Províncias. Disponível no Arquivo Nacional (cuja referência é: F2 MAP229);presente documento partilhado pelo pesquisador Prof Dr. Alcides Goularti Filho, a quem agradeço.
Especialistas opinam como somente a partir de 28 de fevereiro de 1821, Santa
Catarina deixa de ser subalterna, pois passa a ter “pelo menos juridicamente condição de
igualdade às demais unidades políticas do Brasil, quando as capitanias passaram a
denominar-se províncias.” (SILVA, 2008, p.91).
Vale enfatizar, há também quem lembre como a Provisão de 20 de novembro de
1749 ao criar a Ouvidoria da Ilha de Santa Catarina, separada da de Paranaguá, teria
realizado uma circunscrição de área com autonomia própria para Santa Catarina. Mas é
importante registrar como ainda na territorialidade marítima foi a pedido vindo de
Paranaguá que se começa a abrir em 1736 um caminho69 por terra, ligando São
69 “Data de 1736 a Carta Régia do Ouvidor de Paranaguá, Manoel dos Santos Lobato, mandando abrir aestrada do litoral catarinense, ligando São Francisco à Ilha de Santa Catarina. A estrada conservou-se
94
Francisco à Desterro, assim como, a passagem desta última em 1726 de Freguesia para
Vila (como já comentei), aconteceu com a presença de uma autoridade em Laguna,
vinda de Paranaguá. É a territorialidade militar que ao demandar maior protagonismo da
Ilha, junto com a presença (sede) de um governador militar, lhe atribuirá, em certa
medida, maior autonomia.
Entretanto, é preciso ter a noção da imagem (nº 2) anterior, só fazer sentido após
a incorporação de Lages à Santa Catarina, fato ocorrido em 1820, posto que a fundação
de Lages por Correia Pinto em 1771 é um empreendimento paulista e localizava a parte
mais meridional da Província de São Paulo. “Com o estabelecimento da mineração, por
outro lado, progrediu a criação de gado em direção ao sul. Deste movimento, de origem
paulista, nasceu Lages, em 1771, no interior do Estado.” (SINGER, 1968, p.82).
A pesquisa da tese de Adelson Brüggemann (2008) defende, como foi a abertura
de um caminho entre a Província de Santa Cataria até a Província de São Paulo, fator
importante para ajudar a legitimar a área de Lages, como pertencente à Santa Catarina.
A fundação de Lages é fruto da política de expansão paulista, particularmente do
Governo de Morgado de Mateus. Após a ocupação espanhola da Ilha de Santa Catarina
em 1777 e seu retorno ao poder português somente no ano seguinte com o Tratado de
Santo Idelfonso70 em 1778 é que será progressivamente argumentado como a
comunicação por terra entre Lages e Desterro é extremamente estratégica e pertinente
para a manutenção de uma base militar que afinal, havia sido testada com derrota, na
ocupação espanhola. Era preciso ter resguardado um contato mais efetivo entre Planalto
e Litoral.
Tendo formado, inicialmente como uma capitania subalterna, qual legitimação
para explicar a carta régia de 1738, como marco fundante de Santa Catarina e,
particularmente, da territorialidade militar? Deve-se também tal referência pela
implementação de um efetivo governador, de execução das obras para as fortificações e
estratégias que configuram uma territorialidade devido a fixação física (mesmo que não
completamente autônoma) do poder militarizado.
O Brigadeiro José da Silva Paes, na realização da fortificação da Ilha de Santa
Catarina, acreditava na importância de trazer população (não inimiga de Portugal) com
moradia regular e constante, seja para auxílio e manutenção desses fortes, seja na
praticamente a mesma até a construção da BR-101. Em muitos trechos, ainda hoje é usado o traçadodeterminado naquela remota época.” (BLUMENAU EM CADERNOS, Tomo XII nº7, julho 1971, p.135)70 “[...] os tratados internacionais que legitimam as fronteiras: o Tratado de Madri e o Tratado de SantoIdelfonso, que praticamente definiram as atuais fronteiras do Brasil.” (MORAES, 2001, p.112)
95
produção de bens de consumo direto: alimentos, retaguarda civil e na execução do uti
possidetis. Quando toma posse da capitania, Paes solicitou ao Rei de Portugal a vinda
de casais açorianos para colonização, sendo atendido quase dez anos depois, quando,
entre os anos de 1748 e 1756 emigraram dos Açores mais de 4 mil pessoas para viverem
em terras meridionais da América portuguesa.
Para Paul Singer (1968) essa é uma segunda corrente migratória após, os
movimentos de fundações vicentistas e, caracteriza-se pela disputa ibérica:
A segunda corrente seria provocada pela histórica disputa entre Portugal eEspanha pelo domínio do Estuário da Prata. Ao ensejo desta luta, o governoportuguês promove, entre 1748 e 1756, a vinda de alguns milhares de casaisaçorianos ao Sul do Brasil. Os açorianos aportavam na Ilha de Santa Catarina,sendo estabelecidos na mesma ou no continente, no litoral fronteiriço; partedeles foi enviada a Laguna e outros contingentes ao Rio Grande. Desde modoprocedeu-se à ocupação (parcial) da costa catarinense, nos séculos XVII eXVIII, com vicentistas e açorianos. (SINGER, 1968, p.82).
O historiador Walter Piazza (2000, p.28) afirmou que as levas de açorianos
instalados em Santa Catarina, estão bastante documentadas historicamente e o mais
relevante, tal movimento demográfico criou uma marca importante na configuração
territorial de muitas regiões catarinenses, a colonização por imigrantes em pequenas
propriedades rurais: “A documentação existente, quer nos arquivos portugueses de
Lisboa ou das Ilhas, nos mostram como se formou a cultura da imigração.” (PIAZZA,
2000, p.28). Na interpretação de Orlando Valverde (1957, p.113), José da Silva Paes
inaugurou um novo ciclo na história do povoamento. Portanto, pode-se ter como
hipótese, um fator marcante de um regionalismo catarinense e da territorialidade-estatal
de Santa Catarina, a característica da busca, afirmação e controle de domínios através de
fortificações e da atração populacional especifica para atender aquela relação de poder
no ordenamento do espaço de então. É marcante a ocupação em pequenas propriedades
de terra, em uma constituição territorial de corte militar Estatal, colonial.
É todo esse contexto, na minha opinião, que será a base da capital de Santa
Catarina ser aonde é, por isso, a “ruga” da sua localização guarda sobre ela alguns
outros resquícios como as atuais ruínas em fortalezas e a própria sede urbana na
península central.71
Mas, se é verdade que o estabelecimento de núcleos e comunidades rurais-
pesqueiras lança as primeiras bases da caracterização de uma formação social de
71 “A península na qual a cidade foi fundada está situada na Ilha, na parte mais próxima do Continente, nasua face oeste, “abraçada” pelas Baías Norte e Sul.” (LIMA, 2002, p.50).
96
pequenos proprietários de terra, em caráter familiar de produção (campesinato) ou
também caracterizada como pequena produção mercantil, não se deve estender ou
entender esse tipo de apropriação do espaço como sendo exclusivo e único em Santa
Catarina. Muito menos que não significou a colonização em pequenas propriedades uma
territorialização profundamente violenta na ótica dos territórios sociais das nações
indígenas (seja kaingang ou guaranis), pois passam progressivamente a ser colocados à
margem dos projetos de apropriação de terra, portanto, tendo que confrontar com a
concepção territorialista do Brasil, como discutido no início desse capítulo.
Na apropriação de terra e territorializações, as formas de produção e apropriação
do espaço, não são necessariamente caracterizadas pelo domínio mais equilibrado e
igualitário; e sim também pelas posses de grandes extensões de terras, como ocorre nos
campos de cima da serra ou planalto meridional conectado em 1820 à Santa Catarina:
Na região serrana, a apropriação privada das terras teve início com oestabelecimento das primeiras fazendas, em meados do século XVIII, quandomuitos particulares já possuíam títulos de sesmarias expedidos pelo governadorde São Paulo. As áreas variavam de 5 mil a 20 mil hectares, reproduzindo noplanalto serrano o mesmo padrão latifundiário dominante no Brasil. Desdecedo, muitos campos naturais foram ocupados por alguns fazendeiros de Lagese Curitibanos. (MACHADO, 2004, p.74). (destaques meus)
Portanto, se há uma cultura imigratória de colonização em pequenas
propriedades dirigidas pelo Estado na territorialidade militar que se inicia no litoral a
partir da fundação da capitania, por outro lado, a fundação de Lages no planalto em
1771, significará um encontro e convivência – dentro da área territorial da mesma
província – de duas formações sociais, particularmente a partir da desanexação de Lages
de São Paulo em 1820 e passando a fazer parte de Santa Catarina. Aliás, passa a fazer
parte da área de jurisdição de Santa Catarina, mais do que apenas Lages, somente. Junto
é boa parte do Continente do Sul, expressão para se referir ao Planalto Meridional
segundo aparecia em documentações do século XIX (SOUZA, 2014, p.92).
Paulistas desciam o planalto em sentido sul para capturar índios e torna-los
escravos e passaram a usar dos caminhos e picadas dos indígenas tanto como forma de
chegar até eles, como também para deslocamento de animais, como o gado. Por isso,
pode-se dizer que na passagem de uma territorialidade marítima, para uma
territorialidade militar, progressivamente também vai aos poucos juntando litoral e
planalto em uma capitania só, o que em termos temporais do período colonial aconteceu
efetivamente durante uns dois anos. Quando Brasil se torna independente em 1822
97
Santa Catarina não é mais apenas o litoral, mas há nela uma clara base territorial ibero
americana, cuja emergência tentou-se mostrar até aqui.
*
Nesse primeiro capítulo busquei assentar as bases da emergência (e formação)
territorial, traçando um debate da compreensão histórica da criação e particularização do
espaço denominado Santa Catarina. Realizado uma revisão de literatura, pretendendo-se
sintético, busquei bastante apoio em debates de “fontes secundárias”. A resposta tentou
alcançar a pergunta, nessa narrativa questionadora: qual história territorial de Santa
Catarina? Pensando que é possível72 fazê-la, por quê a sua sede de capital foi e é, aonde
é... Desde quando começou como uma Província do Brasil Independente (pós 1822), a
sede da capital de Santa Catarina é em uma Ilha que recebeu um nome no século XVI,
no século XVIII é tornada uma Capitania e o nome dado à Ilha vai se alastrando litoral
afora (talvez explicada com agregações que são feitas a partir de São Francisco, Laguna
e Lages). A redistribuição da jurisdição da administração traz Lages e sua área do
planalto a fazer parte de Santa Catarina em 1820. São essas bases importantes para
estabelecimento do território catarinense, argumentei como sendo de uma
territorialidade marítima para militar e que estabeleceram camadas de usos importantes
na Ilha, formando-a como um ponto chave na longa duração, uma rugosidade, até hoje
uma capital.
Santa Catarina vê a definição da resolução da delimitação de sua fronteira oeste
com a Argentina resolvida no final do século XIX, mais especificamente no ano de
1895. Quais algumas das repercussões desse resultado, do reconhecimento internacional
da fronteira e quais discursos e atributos recaíram sobre consolidação da linha
demarcatória entre Brasil e Argentina, mais particularmente entre Províncias do Paraná
e Santa Catarina com a Misiones, Argentina? É o que trato a seguir, no capítulo
segundo. Vamos a ele.
72“Se é possível fazer uma história econômica, uma história cultural, uma história política, também épossível fazer uma história a que eu daria o nome de história territorial, que é tentar captar a formação deuma sociedade abordada a partir de seu território.” (MORAES, 2001, p.105).
98
CAPITULO II
ALGUNS USOS DA QUESTÃO DE PALMAS E DO LITÍGIOBRASIL ARGENTINA:
SENTIDOS E ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS A UM FUNDO TERRITORIAL
Territórios ambíguos, interesses republicanos?
Parte da imprensa brasileira fez repercutir durante vários dias dos primeiros
meses do ano – principalmente fevereiro e março – de 1895, o resultado do laudo
arbitral lido em Washington pelo presidente estadunidense, o democrata, Grover
Cleveland. As notícias distribuídas naqueles papéis de jornais73 que eram impressos às
vezes, em mais de um momento de um mesmo dia. Um “periódico” – informava em seu
cabeçalho ser do Partido Republicano – de Curitiba, com data de 10 de fevereiro de
1895 fez, de uma notícia em sua primeira capa, uma constatação de vitória pacífica: “A
alegria da paz reina por todos os corações brasileiros.” (A REPUBLICA, 10/II/1895,
p.01). Era uma meia verdade.
Mal havia passado os quatro anos da simbólica instauração da república em 15
de novembro de 1889. Aqueles primeiros tempos do “novo regime”74 ao qual mais tarde
e em retrospectiva alguém considerou como sendo momento de consolidação da
República (HERMES, 1945, p.30), circunstância em “que se estendeu da sua
proclamação até a posse de Prudente de Moraes, caracterizado como um período de
agitações, revoluções e incertezas [...].” (ANDRADE, 1999, p.109). Substituição da
Monarquia ainda não tinha efetivamente se capilarizado, seja pela maneira abrupta e de
73 Jornais paranaenses consultados no arquivo da Biblioteca Pública do Estado do Paraná/BPP, Curitiba.Mais informações, verificar nas referências finais as fontes separadas da bibliografia. Como explicado nasconvenções no início desse trabalho, foram alterados as expressões da escrita para os padrões atuais.
74 Em excelente pesquisa de alguns temas pouco abordados sobre os primeiros anos da República noBrasil está no livro do estadunidense Steven C. Topik (2009, p.125), para esse autor, com o qualconcordo, a substituição da Monarquia foi feita de maneira autoritária: “‘Jamais uma revolução de talmagnitude foi realizada com tão pouco entusiasmo’, ironizou a ‘Economist’ londrina quando militares nocampo de Santana, no Rio de Janeiro, derrubaram o regime imperial. A revolução, cujos defensores maisradicais compararam à Revolução Francesa, foi na realidade um golpe de Estado.” (TOPIK, 2009,p.125). (destaques meus) Em uma carta de fevereiro 1890 para sua família na Alemanha, Emil Odebrecht(1835-1912) responsável por levantamentos na área de litígio ainda no Império, como abordo mais emfrente, denominou a criação da República no Brasil de ditadura militar: “Não podemos esperar muitacoisa boa da nossa ditadura militar (Militärdiktatur), que não larga da mão o comando e está convencidade poder tratar o povo como uma horda de carneiros!”. (ODEBRECHT, 2006, p.423).
99
rarefeita participação popular na implementação da nova ordem política seja porque,
não havia dado tempo para ter entrado “no hábito” da desigual cultura política brasileira
de então.75
O neófito sistema republicano passou a interferir diretamente nas interpretações
de alguns fatos envolvidos diretamente ao território do País. Republicanos tentaram
(e)levar ao máximo da esfera de visibilidade, algumas atribuições de nacionalidade pelo
território. Atores sociais com destaque aos militares membros do exército, sustentadores
e idealistas da recente República, buscaram chancelar as representações de conquista e
segurança territorial como (e)feito seu, resultado de um momento de superação
monárquica. O território como um dos apoios para literalmente fazer institucionalizar a
República, “Enfim, foi nesse período de transição da Monarquia para a República (e do
trabalho escravo para o trabalho livre) que a visão da identidade pelo espaço parece
adquirir certo relevo na representação simbólica do Brasil.” (MORAES, 1991, p.170).
Não se vivia propriamente em tempos de paz. As formas de tratar a informação
vinda dos Estados Unidos, pode ser vista como um uso para ajudar a difundir tanto uma
coesão interna – num espírito de pertença e orgulho do País recém “trocado” de
comando – como também, um calmante aos exaltados ânimos, particularmente pela
ainda presente Revolta Federalista76 (ocorrida de fevereiro 1893 até agosto de 1895).
O já citado impresso “A República” (que lembrava ser um Jornal da manhã)
dizia: “[...] foram anteontem, iluminados todos os edifícios das repartições federais e
estaduais”. (A REPUBLICA, 10/II/1895, p.01). O mesmo jornal havia publicado no dia
anterior – 09 de fevereiro – as trocas de telegramas entre várias partes do Brasil em tom
bastante comemorativo. O comandante do 5º Distrito localizado em Curitiba, por
exemplo, general Santos Dias, telegrafou a cidade a essa altura já com o novo nome:
75 O forte tom da expressão a seguir de José M. de Carvalho (2013, p.27) embora, contundente, refletesim, o baixo grau de identificação (ou de participação) política da população, com suasinstâncias/instituições de decisões e poderes estatais (destaques meus): “Tratava-se de uma Repúblicasem povo”. (CARVALHO, 2013, p.27). Parte do presente capítulo dialoga com obras desse autor,particularmente o livro “Formação das Almas. O imaginário da República no Brasil.” (CARVALHO,1990).
76 Criativas pesquisas de Luís C. Villafañe G. Santos (2012; 2010), torna suas publicações leituranecessária para quem discute esse período, principalmente o Barão do Rio Branco e a política externabrasileira: “O laudo do presidente Cleveland concedendo ao Brasil a posse sobre todo o território emquestão foi conhecido em fevereiro de 1895, já no governo de Prudente de Moraes, e transformouimediatamente Rio Branco em uma celebridade no Brasil. Ainda em estado de guerra civil, pois aRevolução Federalista só seria encerrada em agosto daquele ano, a vitória na questão dos limites com aArgentina era um fato que unia todos os brasileiros.” (SANTOS, 2012, p.83-84). (destaques meus)
100
Florianópolis77 (substituindo a então chamada, Desterro) dizeres destinado ao coronel
Moreira César, “Mandei iluminar edifícios militares e mais festas, músicas, etc.”
Encerrava o telegrama, segundo saiu publicado: “Aperto de mão” (A REPUBLICA,
09/II/1895, p.02). Ao coronel em Palmas, impresso no jornal, o general termina o
telégrafo com um comemorativo rugido: “Brasil vitorioso questão Missões arbitragem.
Norte América decidiu favorável nossa cara Pátria. Urrah!”. (A REPUBLICA,
09/II/1895).
Imagem 4: Área total do Litígio, 30.621 km² segundo: Ferrari (2010, p.63); Doratioto (2012, p.41)
Ref. (FERRARI, 2010, p.63) Imagem 4, área total compreendida do litígio
Motivados para comemorar, segundo descrevia tal jornal republicano de
Curitiba, um quartel general chamava atenção pelas músicas, por queimar muitos
foguetes e “Na madrugada, bandas de clarins percorreram as ruas tocando alvorada.” (A
REPUBLICA, 09/II/1895, p.01). Afinal, saíra o voto da decisão a quem iria pertencer as
terras que estavam na arbitragem do presidente estadunidense: a área de Palmas
77 “A Revolução Federalista tinha se estendido desde o Rio Grande do Sul aos três estados do sul do país,tendo sido ocupada Curitiba em janeiro de 1894. [...] em maio, o Paraná foi recuperado pelas tropaslegalistas que, em abril, ocuparam a capital dos revoltosos, Desterro. Essa cidade posteriormente foirebatidaza como Florianópolis em homenagem ao marechal.” (SANTOS, 2012, p.62).
101
disputada pela Argentina com o Brasil era confirmadamente, brasileira. Alguns
políticos, militares, funcionários de Estado e aqueles que exerciam algum poder de
mando, governo ou influência política, pareciam mais do que festejar, desejavam
“republicanizar”78 a decisão do árbitro, passada a ser lida como sendo em “nosso”
favor.
As positivadas publicações em jornais, anteriormente citadas, não se tratavam de
simples opiniões desprovidas de intencionalidades. Faziam mostrar palavras
transmitidas por telégrafos como se notícias fossem e, com significados de realização
coletiva. Algumas daquelas publicações tratavam de buscar ampliar visibilidade dos
políticos de então, escrevendo como se realizasse mais do que uma chancela definitiva,
uma incorporação de área; na promoção do se sentir nacional, porque havido se não a
expansão, pelo menos a manutenção de espaço. A forma de elevar o território como um
dos entes sagrados da nacionalidade brasileira, se renovava e reproduzia;79 em parte,
resultado da influência e “herança colonial” atrelado e relacionando ideia de pujança e
dádiva, com proporção de domínio de espacialidade.80
Fizeram daquele momento uma comemoração nacional e, do resultado buscaram
de variadas formas capitalizar em nome do sistema político recente; como dessa opinião
dirigida do jornal paranaense, o qual destaco: “[...] só com a República podia ser
resolvida tão longa questão.” (A REPUBLICA, 09/II/1895, p.01). A garantia do
domínio de um espaço e o consequente reconhecimento do limite da fronteira argentino-
brasileira foi utilizado como estratégia discursiva, para afastar a Monarquia ou para
78 Evidentemente há diferentes maneiras de entender a expressão “republicanizar”. Luís C. Villafañe G.Santos (2012, p.57) a utiliza sobre a estratégia de aproximação brasileira de países americanos,particularmente dos EUA. Não se trata de noção neutra mas sim, polissêmica: “[...] a republicanização dapolítica externa se traduziu em um anseio de americanização, executada de forma atabalhoada. Havia umadesconfiança contra as potências europeias, cujo ímpeto imperialista alcançava seu zênite. Existia, poroutro lado, um sentimento de identificação com os Estados Unidos. A modernização era vista por muitoscomo a americanização do Brasil e prosperava em sentimentos favorável ao estreitamento dos laços coma potência do norte. Esse desejo encontrava eco nos Estados Unidos, que nas décadas de 1880 e 1890estavam vivendo um momento de redefinição de sua inserção internacional.” (SANTOS, 2012, p.57)
79 Há quem pense diferente, mas discordo, parcialmente, dessa afirmação “[...] a ideia de que o Brasil seconfunde com o Estado brasileiro.” (RICUPERO, 2000, p.13). Entretanto, para esse mesmo o autor:“Delimitar o território é o primeiro ato de inserção do país no mundo.” (RICUPERO, 2000, p.06)
80 “[...] a colonização é em si mesma um processo de relação entre a sociedade e o espaço. A colonizaçãoenvolve uma sociedade que se expande e os espaços onde se realiza tal expansão, implicando apropriaçãoda terra e submissão das populações autóctones. A colônia representa também a consolidação dessadomínio, sendo assim o resultado da conquista territorial.” (MORAES, 2006, p.09). “E a históriabrasileira é exemplar nesse sentido, na medida em que todos os condicionantes da conquista espacialmantêm-se ativos num país marcado pelo domínio de vastos fundos territoriais.” (MORAES, 2006, p.09).
102
substituindo representações ligadas à coroa, acoplar ideários republicanos no imaginário
da nacionalidade. Como disse Francisco Doratioto (2012, p.34), desse contexto em que
“o Estado, tomado pelo pensamento positivista, desconstruía os heróis da Monarquia.”
A invenção da República buscava constituir-se e construir-se; o imaginário de conquista
e invulnerabilidade do território também fora utilizado para tanto. Eventos tratados
como causadores de comoção nacional eram bem-vindos, porque dependendo da forma
como seriam interpretados, poderiam ajudar a instaurar símbolos para a República.81
Imagem 5: Colônias Militares e áreas pretendidas pela Argentina até 1888 e após
O Império brasileiro fundou colônias militares fora do litigio até 1888, quando Argentina passa areivindicar área maior do que havia feito até então. Observar localização das colônias nºs 1, 2 e 3.
Noticiavam-se comemorações, afinal, a “quantidade” de espaço – retratado
como se fosse algo – de todos brasileiros, não fora desmembrada nem diminuída. Ao
que dizia o jornal paranaense, viera telegrama do governo federal destinado ao
comandante militar dali de Curitiba, para mandar tocar bandas militares de música e
81 “A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria tarefaque iria perseguir a geração intelectual da Primeira República (1889-1930). Tratava-se, na realidade deuma busca das bases para a redefinição da República [...].” (CARVALHO, 1990, p.32-33).
103
iluminar a frente dos edifícios. Também naqueles telegramas que os jornais diziam
reproduzir, se percebe as maneiras diferentes com que o general do 5º distrito sede na
capital paranaense se reportava às diferentes hierarquias – ao menos, assim saiu
impresso nos jornais –. Somente em telegrama dirigido a um coronel na capital do País
terminava com a saudação82 realizada pelos ideólogos e partidários do regime
republicano: “Saúde e Fraternidade”. Aos telegramas para “a periferia” não aparece ter
se desejado saúde, nem fraternidade; nesse mesmo (tendo sido o único) dos telegramas
colocados nas páginas do jornal, em que foi feita menção a área resultado da arbitragem
vir a ser futuramente, uma nova unidade federativa do País.
Uma certa tímida noção dessa área ter alguma independência, fazendo parte do
Brasil dentro de uma esfera de autonomia como as demais províncias, também já havia
aparecido indiretamente, três anos antes da arbitragem. Em 1892, um oficial da marinha
e diplomata (Henrique C. R. Lisboa), alertava – ou defendia o posicionamento – como
não aceitável realizar votação, a quem as pessoas de Palmas desejariam pertencer. Tal
escuta, de opinião de moradores do espaço em litígio poderia (segundo autor de texto
disponível no acervo da biblioteca do Arquivo do Itamaraty no Rio de Janeiro), gerar
uma espécie de argumento com uso para outra nação (a Argentina, propriamente).
[...] o território de Missões entraria a formar parte tão integrante da Uniãobrasileira como qualquer dos estados federais: a vontade de trocar nacionalidademanifesta pelos habitantes desse território seria um ato de rebelião que nenhumanação vizinha poderia apoiar ou provocar, por mais que o resultado doplebiscito pudesse ser-lhe favorável. (LISBOA, 1892, p.36).
Para àquela “ex-área em litígio” passasse a ser um novo Estado deveria se tornar
independente ou, emancipada de partes das províncias do Paraná e de Santa Catarina.
Chamo atenção (na citação a seguir em destaque) para o fato de ser mencionada, pelo
General em Curitiba, a ideia de uma nova futura unidade federativa. Mas só fez essa
menção quando se reportou ao Rio de Janeiro e não aos demais telegramas ao interior
mais próximo do palco que definitivamente “abrasileirava-se”, por decisão final do jure
dos EUA: “Viva Brasil Republica! Viva futuro Estado Missões! Saúde e Fraternidade”
(A REPUBLICA, 09/II/1895, p.02).
82 No Brasil “[...] o tratamento por cidadão foi adotado – cidadão presidente, cidadão ministro, cidadãogeneral –, substituindo o solene, imperial e católico “Deus guarde Vossa Excelência” da correspondênciaoficial; foi introduzido o Saúde e Fraternidade.” (CARVALHO, 1990, p.13) (destaques meus)
104
Misiones era o nome atribuído à área83 por argentinos. O autor do laudo
brasileiro na questão, Barão do Rio Branco, recusava tal uso em preferência de outro
topônimo, o de: Palmas; o que exemplifica a denominação e a nomenclatura de algo ou
lugar como uma “luta das classificações”, feliz expressão de Pierre Bourdieu (1989,
p.115) sobre a disputa e os conflitos pelo poder de dar (ou atribuir) nomes.
Nomear está envolvido em disputas nas sociedades (ou é parte das relações
sociais e de poder), às vezes, por uma busca menos do nome em si e mais da expressão
de autoridade por ter nomeado; dos créditos resultado da nomeação. Se Rio Branco
argumentava não ter havido a fundação ou presença de nenhum daqueles redutos das
missões dos Jesuítas, não justificando para o brasileiro, a mesma expressão de
nomeação realizada pelos argentinos; sua disputa estava mais pelo poder de nomear do
que pelo nome.84 E claro, para delimitar a diferença: “A fronteira, esse produto de um
acto jurídico de delimitação, produz a diferença cultural do mesmo modo que é produto
desta.” (BOURDIEU, 1989, p.115). Na correspondência entre republicanos e militares
republicanos frequentemente ocorria à presença da expressão Missões e nem sempre,
Palmas. Às vezes, alternavam entre uso das duas, parecendo não demonstrar grande
preocupação entre os militares da relação entre nome e a legitimidade da posse, questão,
aliás, dedicada aos estudos do Barão do Rio Branco. Mas voltemos, no parágrafo a
seguir, a ideia de um novo Estado (da União) na área que passara por litígio. Ideia
manifestada seletivamente e não presente em todos os telegramas.
Se, para o telegrama à capital do País foi usada uma palavra, com sentido de que
na área da vitória do litígio haveria possibilidade de criar-se um novo Estado, no mesmo
jornal aparece o telegrama enviado – assinado pela mesma autoridade – para região de
fronteira, Xanxerê, agora com uma sutil diferença. Muito próximo da influência da área
de decisão desse litígio, o telegrama para um capitão, como saiu no jornal, faz menção
83 Se do lado brasileiro partes das terras estavam sob jurisdição de Santa Catarina e Paraná, na Argentinaa unidade federativa que fazia divisa, denominada de Província de Misiones. “[...] (o Barão não gostavada última denominação [Misinoes] pois entendia que o território nunca tinha feito parte da provínciajesuítica de Misiones).” (RICUPERO, 2000, p.24).
84 No capítulo IX, do Tratado da Questão de Limites entre o Brasil e a Argentina, o Barão do Rio Branco(2012 [1ªed: 1894], p.211) inicia defendendo a não aplicação da expressão “Missões” para o ladobrasileiro: “[...] Misinoes – designação que alguns escritores brasileiros têm adotado nestes últimostempos. Do ponto de vista argentino, ela é bem aplicada porque o litígio versa sobre qual deve ser o limiteoriental do território argentino de Misiones; mas do ponto de vista brasileiro, e considerando-se a históriageográfica da América do Sul, essa designação é imprópria e inexata, porque o território brasileiro que aRepública Argentina deseja adquirir com a substituição do Pepiri-Guaçu e Santo Antônio do Tratado de1777 pelos dois rios mais ocidentais, inventados em 1788 e 1791, nunca fez parte da antiga província deMissões da Companhia de Jesus no Paraguai, depois chamada pelos espanhóis – província de Misiones.”(RIO BRANCO, 2012 [1ªed: 1894], p.211). (destaques meus).
105
ao pertencimento nacional e não à emancipação da área e, nem encerrava com a
saudação típica dos primeiros anos republicanos, mas dava vivas à República.85
A quem estivesse mais próximo da região de Palmas o quesito apontado como
importante a se dizer e lembrar em telégrafo parece ter sido: ali também se tratava de
ser, antes de tudo, Brasil. Recortando esse aparente detalhe, quero estranhar como
naqueles anos do início da República, parece não se dar ao direito ou ao menos, não
estimular autoridade local e, de uma região a vir a ser (uma nova) “unidade federada”
do País, nem a desejar que repercuta ideia de um nova Província. Ao menos – é o que
parece – pelas comunicações realizados pelos centros de decisões, nesse caso capital do
Paraná com a capital do País, mencionou-se possibilidade de novo Estado ser criado.
Mas não ocorreu menção quando se remeteu telégrafo à região que congregaria (ou
resultaria) nesse possível e, futuro, novo Estado.
Contudo, se chamei essa atenção não apenas para apontar diferenças de trato ou
das relações de forças a permitirem instituir qual destino da circunscrição –
aparentemente – conformadora de hierarquias espaciais, como resultados de poderes
entre centralidades e fronteiras periféricas, mas trouxe esse tema para esse texto, porque
mais tarde em conseqüências e após instituição do Território Federal do Iguaçu (no ano
de 1943, como discutirei no 4ª capitulo), vai emergir um certo regionalismo que buscará
no resultado da arbitragem dos EUA em 1895, um dos momentos fundadores (ou ídolo
da “origem” e congregação da unidade) da região. Essa é também uma das referências
mais antigas que encontrei sobre a criação de outro Estado, a ser desmembrado de área
do Paraná e Santa Catarina. Aliás, alguém dirá como aquele sonhado Estado das
Missões chegou a ocorrer, com o nome de Iguaçu, o território federal (entre 1943-1946).
As difusões de telegramas em jornais e seus dizeres tratados como novidades a
serem retransmitidas, publicadas, comemoradas e divulgadas fazem parte de busca de
legitimação do que José M de Carvalho (1990, p.10) denominou como “extravasamento
das visões da república para o mundo extra-elite, ou as tentativas de operar tal
extravasamento”. No livro A formação das almas, o imaginário republicano no Brasil,
Carvalho (1990) se ocupou de compreender muitas tentativas e esforços de
(auto)legitimação para justificar (e naturalizar a derrubada da monarquia e) instauração
republicana. Como ele mesmo entende: “O povo estava fora do roteiro da proclamação,
85 “[Ao] Capitão Menezes – Xanxerê 7 [fev.] – Decisão arbitragem governo Norte-Americano favorávelnossa querida Pátria. Viva a Republica brasileira! Vivam as Missões brasileiras! General Santos Dias.”(A REPUBLICA, 09/II/1896. p.02)
106
fosse este militar ou civil [...].” (CARVALHO, 1990, p.52). O caso brasileiro é: retirada
ou substituição da Monarquia por uma República, sem uso de apoio ou opinião do povo.
Esse autor tratou das disputas simbólicas, ideológicas, portanto, principalmente,
políticas, na verdadeira batalha – que, ainda segundo o próprio Carvalho (1990, p.12),
chegou a durar quase um século – para assegurar uma mudança do imaginário
nacionalista marcado pela família Imperial, mais particularmente na figura de Pedro II e
Isabel, domesticando (novos) símbolos, agora após 15 de novembro de 1889, para
esfera de valores republicanos. É pertinente ressaltar como os últimos meses da
Monarquia haviam sido um dos seus áureos momentos de maior prestígio popular,
principalmente pelo fim da escravidão decretada no ano anterior, em 13 de maio de
1888, “[...] caso tivesse sido tentada qualquer revolução do tipo pretendido, o povo que
em Paris saiu às ruas para tomar a Bastilha e guilhotinar reis não teria aparecido. As
simpatias das classes perigosas do Rio de Janeiro estavam mais voltadas à Monarquia.”
(CARVALHO, 1990, p.26).
As interpretações desse momento feitas por Steven C. Topik (2009) são muito
semelhantes às de – se não, inspiradas em – José Murilo de Carvalho (1990); ambos
lembram como a família real e os políticos monarquistas não haviam se planejado
quanto à maior sustentação monárquica, “O Império foi derrubado mais por falta de
respaldo do que por verdadeira oposição.” (TOPIK, 2009, p.125).
Não é à toa que para a República “pegar” ou como dizemos ainda hoje, cair no
gosto popular, seus promotores passaram a manejar símbolos e discursos buscando
atingir várias esferas, em particular: as camadas sociais mais simples, como os libertos.
“[...] o novo regime receberia pouco apoio doméstico. Afinal de contas, o Império caíra
precisamente no momento em que desfrutava de próspera economia e da intensa
popularidade interna gerada pela abolição da escravatura.” (TOPIK, 2009, p.124).
Do ponto de vista de representações geográficas, considero a tese de José Murilo
de Carvalho (1990) reafirmada como válida e pertinente. A partir de documentos da
época, pode-se notar a mobilização de aspectos, “conceitos” e ideologias geográficas
(MORAES, 2005) que mediadas por diferentes formas de discursos, passaram a ser
utilizadas para buscar real identificação da nascente República. Foi o que tentei tratar
até aqui nesse capítulo, algumas intencionalidades através de promoção de palavras e
descrições de atos, acabando por atribuir sentidos ao resultado da arbitragem sobre
limites entre Países e mais ainda, atribuindo sentidos sobre àquele espaço com o fim de
107
uma disputa litigiosa. “A mudança da forma de governo recoloca o tema da unidade
nacional e do ordenamento (ou reordenamento) do Estado.” (MORAES, 1991, p.170).
Que a própria forma política, República e, sua instalação no Brasil possa ser
interpretada como uma ideologia, não é lá um dissenso ou novidade. Chamo atenção
para a possibilidade de tratar como parte das ideologias geográficas para e pela
República o resultado da formalização do limite de fronteira com a Argentina, afinal,
pode-se notar “[...] as representações do espaço como um dos materiais constitutivos da
esfera do discurso político, um dos assuntos das constelações ideológicas.” (MORAES,
2005, p.93). No livro Ideologias geográficas. Espaço, cultura e política no Brasil,
Antonio Carlos R. Moraes (2005), buscou estimular a realização de pesquisas levando
em conta papéis de imperativos territoriais no Brasil, relacionando, quando possível,
com o tratamento das formas espaciais como produtos históricos. Com base nas
discussões desse autor, tratei aqui de rastrear parte das políticas (ou fragmento de
discursos) daquelas ideologias e seus contextos ou intencionalidades de formulação.
Como a produção social do espaço possui histórico e suas formas de construção
variam ao longo do tempo, as concepções a respeito dos mesmos espaços também não
são únicas, nem estanques e automáticas, estando envolvidas em relações de força e
interesses. A mim, não é constrangedor assumir como as formas de tratar ou conceber
os espaços não são prontas, auto-explicativas ou dadas a priori: “Dizer que a produção
do espaço social é um processo teleológico significa que ele envolve uma finalidade.”
(MORAES, 2005, p.15). Aqui se crítica àquelas noções de espaço como se existissem
arraigadas nele mesmo, o acompanhassem previamente de maneira encrustada como
uma essência (natural), pronta, evidente, universal, acabada e próprio para
macronarrativas. Ao contrário de uma espaciologia86 estou de acordo em perceber como
nos anos iniciais do novo regime, as divergências (“internas”) entre os republicanos
alterou completamente o sentido atribuído ao mesmo litígio; utilizando de concepções
dispares de um mesmo espaço.
Embora afirmativa evidente, vale dizer: mesmo inserida “dentro do território do
Brasil”, o espaço da área de Palmas não é predeterminado brasileiro por natureza, mas
por promoções de acordos, reconhecimentos e principalmente, convenções. Não foi por
pretensa força intrínseca espacial tornado brasileiro, mas por construções sociais
86 Significa assumir estar de acordo com algumas ideias do clássico e polêmico artigo de Marcelo J. L. deSouza (1988), quando o autor diz (destaques meus): “[...] Espaço e Sociedade não podem ser vistos comodois elementos autônomos de um conjunto, [nem] dois entes separáveis.” (SOUZA, 1988, p.26).
108
perceptíveis temporalmente. A tentativa de evitar o nome argentino (Misiones) para a
área, como fazia Barão do Rio Branco, é um claro exemplo dessa invenção de sentido.
Apontar alguns interesses e destinos propostos à área em disputa com Argentina
será forma de responder à questão (Territórios ambíguos, interesses republicanos?),
com a qual iniciei esse capítulo, considerando influencias mobilizadas dentro dos jogos
de forças, resultantes das relações de poder que em última análise se espacializam
(RAFFESTIN, 1993). E como respondo essa questão do presente capítulo: entendo a
mobilização de discursos opostos, como estratégias pelo interesse de legitimidade
republicana (não em si do interesse público no sentido da “coisa pública”, res publica),
na vontade de imposição da forma política “não-monárquica” ou pós monarquia.
Em dezembro de 1891 Quintino Bocaiúva assina um artigo, em tom de
defensiva, intitulado apenas: “Questões Missões”, publicado em Jornal da capital, O
Prava, disponível no Arquivo do Itamaraty (na cidade do Rio de Janeiro). Nele, o
primeiro chanceler republicano brasileiro já fora desse ministério quando publicado tal
texto (deixou o cargo em fevereiro de 1891), afirma ter sido procurado pelo ministro das
Relações Exteriores da Argentina “poucos dias depois de proclamada a República”.
Escreve Bocaiúva ter dito àquele ministro sobre a tão longa competição pela área:
Respondi a sua excelência [ao ministro argentino] que o momento não meparecia o mais oportuno para tratar de grave e debatido assunto, mas que nomeu caráter de membro do governo provisório encarregado do ministério dasrelações exteriores da República não podia recusar-me oficialmente a aceitarqualquer gestão diplomática. (BOCAIUVA, 15/XII/1891, p.01).
Diz Bocaiúva ser sua obrigação receber oficialmente esse, ou qualquer outro
“representante de potencia estrangeira e amigos.” E parece se posicionar de maneira
mais clara sobre qual sua concepção da República brasileira, particularmente em relação
aos Países vizinhos, pois, diz, não perceber como algo estranho as relações com a
Argentina nem em seus sentimentos pessoais e, nem do governo provisório. Ainda mais,
comemorava Bocaiúva, porque o Brasil acabava de ingressar na família das Repúblicas
americanas. O tema do litígio, disse Bocaiúva ter informado ao outro chanceler, seria
estudado e resolvido em conselho de gabinete, e solicitou comunicação escrita sobre o
tema, que ele mesmo, Bocaiúva, levaria “ao conhecimento dos meus colegas.”
(BOCAIUVA, 15/XII/1891, p.01).
No relatório anual apresentado ao chefe do Governo – que então se chamava de
– Provisório em 1891, Bocaiúva também não incluiu nenhuma informação sobre o
acordo entre Argentina e Brasil, pois argumentava necessidade de sigilo até quando o
109
mesmo fosse decidido pelo Parlamento. “Tendo ambos os governos convencionado não
dar-lhe publicidade”, escreve o ministro das Relações Exterior do Brasil “antes de ser
oportunamente apresentado aos parlamentares de um e de outro país, de cuja aprovação
dependem, deixo de inseri-lo neste Relatório, aguardando a deliberação do Congresso
Nacional”. (BOCAIUVA, Relatório, 1891, p.35).
A posição de alguns republicanos da geração de Bocaiúva era de que o Império
brasileiro tinha sido demasiadamente distante dos Países vizinhos. Chamo atenção ao
simbólico das comunicações, o nomear e aos atos de inspiração da Revolução Francesa.
Nessa documentação dos anos iniciais do chamado governo “provisório” (da
República), quando o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Enrique Moreno87
inicia o tal memorando – solicitado por Bocaiúva – chama-o de cidadão.
Já mencionei aqui como expressões pensadas como próprias da Revolução
Francesa foram mobilizadas pelos republicanos e, aplicadas no contexto do pós
derrubada da Monarquia. Fizeram isso, tanto por dizerem acreditar no fim do Império
como uma reprodução da “Queda da Bastilha” cem anos depois da França, mas também
por entenderem o 15 de novembro de 1889 como uma revolução. Entretanto, as
nomenclaturas importadas da França não parecem ter sido usadas tão amplamente ou
genericamente assim, muito menos coerentemente com o contexto de onde diziam se
inspirar. Ironia maior ainda dessa complexa trama de contrariedades, se dá quando a
França reclama ao Brasil, a morte de franceses no contexto da Revolução Federalista.88
E nem todos ministérios ou setores do Estado parecem ter estimulado a usar as
tais saudações de inspiração francesa. A Proclamação da República partindo de dentro
do Exército não congregou tão completamente a Marinha, como se pode perceber nessa
informação do jornal Diário do Comércio de Curitiba de março de 1891, quando
informou em sua segunda página, “a fórmula saúde e fraternidade foi suprimida das
87 Esse ministro já havia tentando tal pedido de partilha da área ainda no Império, em comunicaçãosecreta: “Repetindo proposta de Argentina feita em 1885, o representante desse país no Rio de Janeiro,Enrique B. Moreno, propôs confidencialmente, em fevereiro de 1889, que o território litigioso fossedividido entre os dois países. O Conselho de Estado analisou e recusou com unanimidade a proposta,sugerindo que a questão fosse levada a arbitramento.” (DORATIOTO, 2012, p.43).
88 Como aparece em maio de 1895, no relatório anual do ministro – na época Carlos Augusto de Carvalho– das Relações Exteriores ao Presidente da República sobre o ano anterior, “República Francesa.Reclamação pelo desaparecimento dos engenheiros Buette, Müller e Etienne, foram segundo se diz,fuzilados em Santa Catarina, por ordem do coronel Moreira Cezar, governador desse Estado, e o Dr.Déville, também, segundo se diz, foi degolado no Rio Grande do Sul, quando fugiu depois da batalha deSarandy.” (CARVALHO, Maio de 1895, p.07)
110
comunicações oficiais dos ministérios da marinha e agricultura.” (DIARIO DO
COMÉRCIO, 30/III/1891, p.02).
Ao que parece, nem só por decreto entrou no hábito as saudações inspiradas na
Revolução Francesa e, também nem só por estar ou não instituída tais saudações que foi
ou deixou de ser realizada. Barão do Rio Branco foi um dos que não abriu mão do título
nobiliárquico, como um claro sinal de não desistir, completamente, de suas convicções
monárquicas. “Continuava a assinar seu nome utilizando a palavra ‘barão’, apesar da
proibição do governo provisório do uso de todos os títulos nobiliárquicos, e os ofícios
que enviava já de Washington terminava sem a nova fórmula oficial: ‘Saúde e
Fraternidade’.” (DORATIOTO, 2012, p.48).
Um jornal da época aqui tratada – os anos por volta do resultado do final do
litígio, início de 1895 – noticiou como uma corporação de barbeiros da capital de Santa
Catarina quando solicitou direito de não trabalhar aos domingos após as 10 horas da
manhã, assim denominou a uma autoridade, segundo publicado (destaco): “Nós, abaixo
assinados, oficiais de barbeiro, pedimos ao cidadão presidente da intendência, para
criar uma lei obrigando, aos domingos, o fechamento das barbearias desta capital, das
10 horas da manhã em diante. Esperamos ser atendidos.” (A REPÚBLICA. 19/II/1895,
s/ pág).
Mesmo ainda presentes àquelas expressões absorvidas como sendo da
Revolução Francesa certo tempo depois da proclamação da República, mantinham a
profunda hierarquia social brasileira. Como lembra José M. de Carvalho (1990, p.126),
da readaptação feita e mediação de símbolos para a assimétrica sociedade do Brasil: “À
igualdade jacobina do cidadão foi aqui logo adaptada às hierarquias locais: havia o
cidadão, o cidadão-doutor e até mesmo o cidadão-doutor-general.” (CARVALHO, 1990).
Voltando a relação entre os ministros das relações exteriores da Argentina e do
Brasil, mais particularmente na continuação do texto de Bocaiúva no jornal O Prava,
quando ele afirmava transcrever a carta recebida do ministro argentino. Bocaiúva faz
um uso desse memorando, de maneira a dar entender uma espécie de convencimento
por parte do imperador brasileiro, como se esse tivesse aceito doar Palmas, dividindo
irmãmente as terras, como aparecia no texto dito sendo de autoria do ministro argentino.
Bocaiúva resolve transcrever correspondência vinda da Argentina, mantendo-a
em espanhol, publicada abaixo do seu artigo no jornal do Rio de Janeiro, e na descrição
do texto do argentino aparecia como simpático ao imperador o posicionamento de
fragmentar Palmas entre os dois Países. É como se Bocaiúva usasse do diplomata
111
argentino para dizer estar cumprindo uma promessa feita antes da República.
Monarquistas logo trataram de contatar o exilado imperador para desmentir Bocaiúva e
demais republicanos que tivessem “colocado” palavras na boca do monarca, como
afirmando a divisão (SANTOS, 2012). Jogar para o passado de antes do período
republicado, como sendo o crédito original e início da ideia de dividir (fracionar, doar
ou partilhar) área com a Argentina, tornou-se um discurso recorrente, mesmo certo
tempo depois do voto vindo dos EUA colocar fim ao litígio.
Imagem 6: Linha imaginária demarcatória da divisão assina por Bocaiúva noTratado de Montevidéu de 1890, segundo Ferrari (2010, p.67)
Em obra disponível no acervo da biblioteca do Arquivo do Itamaraty (no Rio de
Janeiro), publicado por dois autores já no século XX, ano de 1901, ainda permaneceu a
tentativa de difundir a ideia de divisão como vindo do Segundo Império. Segundo
disseram Clovis Bevilaqua e Gregório T. Azevedo (1901, p.60): “Já nos últimos anos da
monarquia, muitos estadistas se inclinavam para uma divisão do território litigioso”.
Argumentava-se da ideia da divisão ser legítima pelo resultado de paz trazido com ela.
112
Entretanto, a ideia acompanhava de gritante contrariedade, pois ao contextualizarem a
necessidade de paz, justamente um momento de muita tensão, desconfiança e mesmo
conflito da instalação republicana, tal contexto não era o mesmo para o império desejar
doar a área, mas sim a quem buscava – era o caso de republicanos – se legitimar na
arena política. Por meio da divisão, dizia-se, “assegurávamos a paz que nos era
sobretudo preciosa no momento da transformação política que se operava com surpresa
e desconfiança das potencias europeias.” (BEVILAQUA; AZEVEDO, 1901, p.60).
Na geopolítica do Segundo Império, parecia ter se dado sinais mais beligerante
do que passividades em perder terras. Jamais parece ter aceito sugestão de divisão,
doação ou compartilhamento da área, partindo, inclusive, do Império brasileiro a
proposta ao Congresso argentino, de ambos governos nomearem uma comissão mista de
igual número de membros, para percorrerem a área; resultando em tratado de setembro
de 1885. Como registrado no dossiê da defesa do Brasil entregue em 1894 ao governo
estadunidense: “A Comissão Mista brasileiro-argentina começou os seus trabalhos em
1887 e terminou-os em 1890.” (RIO BRANCO, 2012, p.525).
Foi recorrente em discursos de republicanos, dar um grande mérito de assinar o
Tratado de Montevideo a Quintino Bocaiúva, mas uma dificuldade completa de assumir
como algo também da República o projeto dessa partilha-doação. Entre outros motivos,
talvez, pela expressão de inviolabilidade do território, como uma espécie de traição
nacional. Doar a área para argentina pareceria – para o início da República, que era
quem tinha a intenção – menos traumático se atribuído a ideia como sendo original à
família real, exilada. Ou ao regime colocado em extinção, passado como antigo.
Chegou-se a interpretar como uma certa dor, a eventual perda dessa área, como
fez o próprio Juca Paranhos no texto do processo de defesa do Brasil, dando um tom
sentimentalista ao afirmar sobre a acordo assinado por Bocaiúva: “Na República
Argentina esta solução foi festejada com grande entusiasmo. No Brasil, porém, ela
produziu o mais profundo sentimento de dor e levantou unânimes e veementes
protestos.” (RIO BRANCO, 2012, p.254). Há quem tenha recorrido, mobilizando ideia
de sentimentalidade brasileira para explicar o contexto da culpa da Câmara dos
Deputados, não ter votado em favor da partilha com Argentina. Passou-se a culpar,
como se argumentando, de uma incapacidade de compreensão (ou falta de
frieza/racionalidade) política dos brasileiros, apaixonados. Sendo à passionalidade
popular e sua consequente emotiva pressão, pois a assinatura do Tratado de Montevideo
“despertou uma verdadeira tempestade de protestos patrióticos, uma condenação geral,
113
pois que o povo não saber ter o cálculo frio do raciocínio que prevê os acontecimentos e
procura afasta-los ou dirigi-los. Sua força é o sentimento [...].” (BEVILAQUA;
AZEVEDO, 1901, p.60).
Pouco apareceu, entre republicanos, o assumir a autoria ou o projeto da ideia da
doação de área presente no Tratado de Montevideo como algo seu (projeto daquela
República inicial), mas aparece, paradoxalmente, positivando a liderança de Bocaiúva
na assinatura desse mesmo Acordo de 1890. O tema dele (doação de área), seria algo
ruim: coisa do Império; a assinatura da doação algo novo: coragem, coisa da República.
Câmara/Congresso diz não a Bocaiúva, não à Argentina. Sim, ao Arbitramento
Quintino Bocaiúva tentou utilizar estratégia discursiva persuasiva, na ideia de
que a forma da decisão sobre a questão de Palmas viria renovada, superando às
aparentes surradas discussões do Império, enfocando nas mudanças de quem decidiria
sobre as relações exteriores do Brasil. O ministro Bocaiúva defendeu, quando ele se
explicou ao Congresso Nacional brasileiro, colocando a Monarquia como ultrapassada.
Segundo é possível ler em texto da época no Diário do Congresso Nacional, utilizando-
se de oratória com expressões parecendo tentar convencer da ideia de partilha, na sua
arguição argumentou em favor da Câmara. Seguiu o discurso informando a existência
de maior interação e poder do povo, via representante institucional, o Congresso.
Bocaiúva argumentou como após o fim do antigo regime, passou haver uma
maior partilha do poder quanto às decisões das relações exteriores do País. Seguindo
sua defesa, diferente da – em suas palavras – “índole do regime passado”, quando o
Império não tomava atitudes de escuta(r) aos políticos, que ali lhe ouviam “[...] desde os
primeiros dias do Governo Provisório, em conselho de ministros do governo
revolucionário, ficou ajustado que nenhum contrato desse gênero [internacional] se faria
sem a cláusula da sua sujeição ao juízo e à deliberação dos representantes da nação.”
(BOCAIÚVA, 18/II/1891, p.475). Dizendo diferente de antes da República, alguns
acordos e posicionamento das relações exteriores do País não eram mais – argumentava
– decididos unilateralmente.
Republicanos, como Bocaiúva, fizeram claramente uma leitura ou, tentativa de
difusão de como o Império leria – ao apontarem como poder autoritário, monodecisor –
às relações com a Argentina. Partidários do novo regime tentaram divulgar suas
interpretações sobre a forma de resolver a questão, acompanhando de como os
monarquistas entendiam o tema. Acusavam nas entrelinhas, por exemplo, da coroa ser
114
menos disposta à divisão de poder, além de expressar “nacionalismo débil” ou de uma
tal fraqueza política, que o faria perder área de Palmas. Passam a utilizar uma noção de
boa gestão de território, como justificativa de um bom governo, de uma boa política.
Recorrem as acusações ou a constatações do regime monárquico ser menos americano,
ou do imperador desprezar tal área e poderia doar a mesma. Alguns republicanos, enfim,
mobilizariam “possíveis” opiniões monarquistas, quase sempre como oposta do novo
regime. Interessados como estavam em se estabelecerem e imporem sua interpretação
como mais aceita possíveis, uma das maneiras de tratar o regime que os precedia, era
apontando como territorialmente menos capazes de pro(mo)ver o Brasil.
Certa altura argumentou Quintino Bocaiúva, o acordo dividindo a área entre
Argentina e Brasil era legítimo e havia sido assinado, pois, o governo provisório
permitiria a decisão final ser tomada pelo Congresso. A maneira hábil de Bocaiúva
negociar ou defender(-se) daquele acordo foi a de mobilizar a ideia de uma menor
eqüidistância das relações entre os poderes. Buscou legitimidade para aprovação desse
acordo, dizendo da chancela que a República dava ao Congresso. Mas não fora bem
recebido Acordo de Montevidéu, nem por políticos, nem pela imprensa. O secretário do
ministério das Relações Exteriores, Visconde de Cabo Frio, por exemplo, considerou
necessário “afastar-se” da imagem como se apoiasse tal acordo; declarou-se contrário.
Conhecedor da diplomacia brasileira e herdeiro de certa tradição monárquica, Cabo Frio
que recebera título de Visconde em maio de 1889, fará um laudo e parecer bastante
objetivo, sugerindo como o Brasil não precisava evitar arbitragem. Dizia não haver
motivos da existência do acordo fechado no Uruguai, pelo primeiro ministro
republicano das Relações Exteriores do País. Para Cabo Frio, o Brasil não tinha motivos
para doar a área, nem o que temer quanto à garantia de legitimidade da posse.
A opinião do Visconde do Cabo Frio presente em uma correspondência
guardada nos fundos do Arquivo do Itamaraty, data de junho de 1891. O conhecido
secretário faz um arrazoado “técnico” de probabilidades e com possibilidades de como
deveria comportar-se ou (re)posicionar o governo brasileiro, após o Congresso ter
rejeitado o “Tratado de Montevidéu”. Elencando possíveis situações, circunstâncias de
estratégias geopolíticas com ganhos ou perdas, Cabo Frio entende o tratado como uma
maneira da Argentina e Brasil evitarem diretamente um terceiro País como árbitro, pois
a decisão do jure, presidente de outra nação, poderia fazer perder toda a área para um
dos dois. Mas a suposição do acordo assinado em Montevidéu, alerta Cabo Frio,
115
entendia condições favoráveis de domínio pelo governo argentino, “cumpre examinar se
era suposição é fundada.” (CABO FRIO, s/ data, mês VI de 1891).
Para o Visconde, às condições eram favoráveis ao Brasil, seja na comprovação
dos respectivos nomes dos rios ou, seja como argumento de prévia posse, no sentido de
“primeiro” domínio (aparecerá como forte recorrência para legitimar a área o principio
jurídico do uti possidetis).
A posição do Visconde reflete uma discordância interna do ministério em
relação ao papel do ministro Bocaiúva; Cabo Frio não concordava com a assinatura do
Acordo de 1890 e acreditava como mais favorável a possibilidade de rejeitar o mesmo.
Mesmo sendo a arbitragem uma alternativa não muito desejável para os interesses do
Brasil para manter a área, também defendia não ser interessante abandonar ou desprezar
o arbitramento, pois dizia, havia melhores provas em favor das terras serem brasileiras
do que argentinas. Por outro lado, Visconde do Cabo Frio parece ter captado uma certa
insegurança por parte da Argentina, segundo apontou, havia uma recorrente tentativa
argentina de negociar simples e diretamente com o Brasil, tentando a resolução por
divisão da área entre os dois, mesmo após a assinatura de intenção da arbitragem.
O Governo argentino sabe que o [rio] Santo Antonio-Guaçu não écontracovertente do Chapecó, porque o seu Ministro Senhor Moreno fez quatrotentativas para obter divisão do território, duas antes do tratado de arbitramentoe duas depois: mas há de sustentar o contrário e não podemos impedir que assimfundamente o seu pretendido direito. Responderemos e cabalmente. (CABOFRIO, mês VI de 1891).
O documento assinado por Bocaiúva, no artigo 5º do Tratado de Montevidéu
dava uma relevante expectativa a respeito da confirmação desse acordo pelas casas
legislativas dos dois países, pois assim previa: “[...] ratificações serão trocadas na cidade
do Rio de Janeiro logo após a sua aprovação pela Assembléia Constituinte dos Estados
Unidos do Brasil e do Congresso Argentino.” (TRATADO DE LIMITES DE
MONTEVIDEU, 25/I/1890). Parecia ter estado no horizonte de expectativas de quem
assinou tal acordo, que o mesmo se realizaria; mas, dado poder ao Congresso brasileiro,
chamado a opinar a casa do povo, não foi aprovado o Acordo de Montevidéu. Vetou-se
em discussão de sessão secreta, o que se considerava “excessos de Bocaiúva”. Luis C.
Villafañe G. Santos (2012, p.52) explica bem todo esse contexto:
[...] Quintino Bocaiúva, foi nomeado ministro das Relações Exteriores dogoverno provisório, permanecendo de 15 de novembro de 1889 a 23 de janeirode 1891. Como sinal dos novos tempos nas relações com os países americanos,ele assinou com o governo argentino, em 25 de janeiro de 1890, o Tratado deMontevidéu, pelo qual se abandonava o acordo alcançado pela diplomacia
116
imperial para submeter à discussão da posse da região de Palmas a umaarbitragem pelo presidente dos Estados Unidos e procedia à divisão do territórioentre os dois países. O excesso americanista foi condenado na imprensa e noParlamento, que rejeitou o acordo. Ao assumir seu mandato como presidenteeleito pelo Congresso, Deodoro substituiu Bocaiúva por Justo Leite Chermont.
O Congresso brasileiro não aceitara perder nenhum pedaço da área, preferia ir ao
árbitro, já combinado entre as partes; sendo os EUA. Acredito que o posicionamento do
Visconde de Cabo Frio contrário a esse tratado, parece ter sido opinião ouvida entre
membros do parlamente brasileiro. Mas, destacou-se principalmente, o relatório
contrário à divisão elaborado pelo general Dionísio Cerqueira; a decisão foi passada às
mãos do presidente estadunidense:
A Câmara dos Deputados brasileira, em sessões secretas realizadas nosdias 6 e 7 de agosto de 1891, escutou as explicações de Bocaiúva e no dia 10desse mês aprovou parecer redigido pelo general Dionísio Cerqueira, contrárioao Tratado de Montevidéu e favorável ao recurso do arbitramento.(DORATIOTO, 2012,p.45)
Duas interpretações diferentes ocorrerem e foram alteradas nos quatro primeiros
anos republicanos. O primeiro projeto republicano de destino a área de Palmas é o de
que deveria ser doada, repartida ou fragmentada deixando integralmente ou parte para a
Argentina, agindo assim, o Brasil simbolicamente atava-se, enfim, com afinidade aos
Países vizinhos. Deixava-se de ser um País monárquico, se voltando à América,
igualando-se como referência mútua em demais republicanos Países americanos. Nessa
visão “ser republicano” seria partilhar da fraternidade americana e reduzir a imagem do
Brasil, como único a ter sido longamente governado por um Imperador nas Américas.
Com essa posição, Quintino Bocaiúva assinou um protocolo de intenções entre Brasil e
Argentina de 1890 em Montevidéu (já mencionado Tratado de Montevidéu).
Mas, a versão promovida na prática foi ao contrário dessa, sendo a que discuti as
repercussões aqui no início, qual seja sinteticamente: vangloriar a recusa de qualquer
doação ou partilha das terras consideradas legítimas do Brasil e comemorar a arbitragem
dos Estados Unidos como um ganho conquistado pela nascente República (mesmo
sendo o arbitramento algo previsto no último acordo internacional da Monarquia
brasileira com a Argentina, em 7 de setembro de 1889).
Esse segundo projeto (após derrota na Câmara e fim do arbitramento dos EUA)
– a posição vencedora – tratou-se de dizer como uma vitória da República e,
aparentemente, “denunciar” como monarquistas àqueles que haviam planejado “perder”
117
tais fundos territoriais.89 Nesse caso, ser republicano passou a ser (significou) proteger
território, incorporá-lo em um discurso nacionalista, usando-o do imaginário do espaço
e da materialidade do mesmo como legitimador da própria intervenção dos militares,
que puseram fim ao “regime anterior”. Essa linha de raciocínio dos usos e sentidos do
território, interpretações que tenho problematizado aqui, ajudaram a dar sentidos à
região e principalmente, da vitória da arbitragem em prol do Brasil, um sentimento
nacionalista. Na circunstância da República tentar ampliar e popularizar sua
legitimidade, o resultado da arbitragem vinda dos EUA chegou em boa hora, mesmo
que inversa da posição dos primeiros republicanos que haviam assumido chefia do
Estado e alguns deles já haviam até saído do poder, caso do Bocaiúva.
Ambigüidade esteve no enlace entre – na falta de melhor expressão – o “apetite”
territorial da oligarquia brasileira, considerada como apoio relevante instauradora da
República, mais ainda, no fato de terem sido os republicanos a negociarem tal área de
Palmas em favor dos argentinos, assim que se iniciou o governo Provisório.
Paradoxalmente, são republicanos quem haviam feito um acordo de doação de parte
dessa área para o País vizinho, assim como dizem ser ganho republicano passado a
utilizar-se desse resultado de litígio, em favor da causa maior, o Brasil República.
Conclusão, o agrupamento republicano não deixou de ser tão heterogêneo e diverso,
como qualquer grupo social e político humano parece ser, porque mediados por poder.
Os ufanismos daquele momento refletem também, em certa medida, respostas (e
reposicionamento) às denuncias vindas dos monarquistas, de que republicanos eram um
risco à nacionalidade, pois acusados de anti-patriotas, por terem propostos inicialmente
dividir ao meio a área em que a Argentina contestava como sua. Se o nacionalismo
estava em jogo, a conquista do território era forma de promover-se como mais nacional
do que Outros. O ministro Quintino Bocaiúva, republicano histórico, assumiu logo no
início da República a pasta do Ministério das Relações Exteriores e buscou implementar
uma política que se representava como pró ativamente voltada aos países latino
americanos, na tentativa do Brasil se reconhecer como República como eram demais
países, ao mesmo tempo buscando neles reconhecimento do novo regime implantado.
89 No conjunto das obras de Antonio Carlos Robert Moraes (2000), (ver o livro Bases da formaçãoterritorial do Brasil, por exemplo) o autor discute a noção de Fundo Territorial (expressão cujo créditoatribui a Lênin). Espécie de “poupança” de terras, de recursos e de bens e áreas, com enorme capacidadede serem convertidos em capital, lucro e exploradas, mesmo que possam estar durante certo tempo emnão uso ou, aparentemente, abandonadas. Tal noção de “poupança de espaço” (res)guardada paravalorização futura está embutida nas lógicas de colonização metrópole versus colônia, mas tambéminfluiu diretamente em várias concepções e práticas no Brasil na concepção territorial e nacional do País.
118
Segundo opinião de muitos daqueles republicanos de primeira hora, o exclusivismo
americano da política brasileira como monarquia, acabava por ser uma maneira de
distanciar-se e não ser identificado com toda a América.
Entretanto, deve-se também entender como recorrer à própria categoria,
arbitragem, como sendo um posicionamento bastante republicano, pois a Monarquia
brasileira, junto com o governo chileno costumavam ser contrários a assumir apenas tal
forma de chegada em acordo e, consenso nos litígios. Durante a primeira conferência
Pan-Americana, quando a mesma estava ainda acontecendo, mudou-se o regime político
do Brasil (da Monarquia para República) e nesse contexto, a posição brasileira é
alterada, como explica Luís C. Villafañe G. Santos (2012, p.50):
Em novembro de 1889 ainda estava em curso, em Washington, a PrimeiraConferência Pan-Americana, convocada pelo governo estadunidense. Oencontro durou de 2 de outubro de 1889 a 19 de abril de 1890 e contava comuma agenda ambiciosa: desde temas políticos, como a arbitragem obrigatória,até a proposta da criação de uma união alfandegária que reuniria rodos os paísesdo continente. As instruções para a delegação brasileira, preparadas peladiplomacia imperial, colocavam o Brasil contra todos os objetivos propostospara o encontro. O isolamento brasileiro só seria quebrado pela companhia doChile que, vencedor da Guerra do Pacífico, não queria ver sua posse dasprovíncias de Tacna e Arica, conquistadas no conflito, sujeitas ao exame e auma arbitragem retroativa por parte de outros países. Com a queda do Império,a chefia da delegação brasileira passou a Salvador de Mendonça, um dossignatários do Manifesto Republicano, com a autorização para dar um novo‘espírito americano’ às antigas instruções. Salvador de Mendonça passou acoordenar-se com os anfitriões e com a delegação argentina e conseguiu-se aaprovação do princípio da arbitragem obrigatória, com a abstenção solitária doChile. (SANTOS, 2012, p.50). (destaques meus)
Foi, portanto, nessa conferência realizada nos EUA a decisão do Brasil em
aceitar com os demais Países, o arbitramento na resolução dos litígios territoriais e
internacionais na América. Buscava-se demonstrar maior posicionamento do Brasil com
os EUA, desejando o reconhecimento rápido da República recém implantada; a
afinidade entre ambos os Países passa a ser costurada diretamente, no âmbito da
Conferência Pan-americana e mesmo a alternância do nome do País de Monarquia
brasileira para Estados Unidos do Brasil, diz muito dessa aproximação.
Na conjuntura da passagem da Monarquia para República e a vitória brasileira
na arbitragem, o paradoxo esteve no primeiro momento os criadores da República
perceberem a partilha do território como maneira de se verem e integrarem como
americanos, por outro lado, dois anos depois do fracasso de Bocaiúva, o discurso
comum mais recorrente vira justamente o inverso: passa-se a apontar como a República
foi quem possibilitou tal área não ser desagregada. Estou entendendo não ter havido
119
interesse republicano como base de construção de nacionalismo, mas sim, dupla
interpretação de destino a Palmas, cujo paradoxo refletia parte das disputas internas
entre republicanos e parte importante, por sobrepor-se à Monarquia. O que talvez unia a
ambos, esteve na busca de expressão da nacionalidade pelo território, perdê-lo (ou doá-
lo) significaria nos tornarmos mais americanos, como defendia Quintino Bocaiúva.
Mantê-lo (não dividir), significou ganho da causa republicana (que aproveitara o fato
para), promovendo vínculos nacionais brasileiros, ajudar a apagar lembranças do regime
monárquico. Como se pode entender, foi dado aquele espaço em litígio, diferentes
atributos, camadas com variados sentidos, buscou-se atingir diferentes interesses.
A seguir, recuo ao tempo das últimas décadas do império para tratar de algumas
representações de alguém a serviço do Império do Brasil, a partir da presença de um
engenheiro geógrafo cartógrafo na área de litígio com Argentina. Pretendo discutir outra
forma de uso dessa competição pelo domínio da posse do espaço, do ponto de vista
alguém presente, que leu o momento e tirou vantagem. Aponto também, mesmo não tão
diretamente e a partir de exemplos desse personagem, a existência de levantamentos da
área na política imperial, buscando maior reconhecimento territorial.
Engenheiro geógrafo cartógrafo e o mapa Questões dos Limites. Emil Odebrechtnas tramas das representações do espaço cartografado na geo(e)política no Império
“Há pouco recebi as férias solicitadas e irei passar a festa de Natal comos meus, deixando para o próximo ano os trabalhos no Iguaçu. Então,minha velha Mãezinha, feliz Anovo Novo!”
(Emil Odebrecht, 1882)
Assim nessa despedida, na epígrafe acima, ia encerrando o engenheiro geógrafo
e cartógrafo, uma carta de final de ano destinada à sua mãe na Alemanha. Ele avisava
estar entre Guarapuava (PR) e Guairá, mais precisamente em Ivaí (PR). Informa na
correspondência, tratar-se do local para preparo da instalação de telégrafo, “No
momento trato dos preparativos para a exploração da região das Missões até ao Paraná,
onde em breve deverão ser instalados os telégrafos e trens.” (ODEBRECHT, 2006,
p.388). O alemão naturalizado brasileiro há mais de uns 20 anos não via seus familiares
– pai, mãe, irmãos etc. – na Alemanha (tendo ele vindo ao Brasil em 1857 e, morar
definitivamente, em 1861). Mas matinha correspondência com certa frequência e
regularidade com membros da família (“os” Odebrecht) ficados na Europa.
120
A depender em qual lugar do território do Brasil estivesse – reclamava – era
mais rápido e fácil comunicação com o exterior, do que entre as regiões brasileiras.
Como disse na carta datada de outubro de 1888 para sua irmã na Alemanha, as
correspondências das áreas urbanizadas com o coração do Brasil (representado como
sendo “as selvas”) era mais difícil do que com a Europa: “Com certeza deves ter
notícias mais recentes de [minha esposa] Berta do que eu, visto que as cartas demoram
aproximadamente dois meses para chegarem de Blumenau até aqui, ao coração da selva
brasileira.” (ODEBRECHT, 2006, p.422). Sua esposa Berta, quando escreveu de
Blumenau para cunhada na Alemanha, descreve o mesmo: “A carta de Emil para ti
demorou quatro semanas da Serra até aqui, demorou mais do que as cartas que vêm daí.
Por certo o Emil entregou a carta a um tropeiro, eles costumam demorar este tempo.”
(ODEBRECHT, 2006, p.424).
Ele próprio havia – segundo Emil informa em carta de maio de 1882 remetida de
Curitiba, para sua mãe – trabalhado atuando no “término dos trabalhos de exploração
das linhas telegráficas daqui até a região de Missões e ao Paraná.” (ODEBRECHT,
2006, p.386). Há tempo envolvido em instalações de linhas telegráficas e medições de
áreas, Emil desejava ter um posto de trabalho fixo, mais próximo da esposa e dos filhos,
na região da colônia Blumenau (SC). No final do ano seguinte, em 1883, escrevendo de
Guarapuava (PR), pronunciando ter que retornar, ainda, para a região por ele
considerada selvagem: “Infelizmente a minha esperança de receber um cargo mais
confortável e próximo ao Itajaí ainda não se concretizou, e após as minhas férias terei de
voltar mais uma vez ao selvagem oeste dessa Província!” (ODEBRECHT, 2008, p.395).
Foi nomeado em 1881 para Repartição Geral dos Telégrafos e durante
aproximadamente os seis anos seguintes – de 1882 até 1888 – esteve em campo
(emprestado à Comissão Mista da Fronteira), na área do litígio em que a Argentina
reivindicava a posse. O levantamento do terreno, os trabalhos de campo com referencial
de localização geográficas, as informações e anotações produzidas por Emil Odebrecht
sobre a área, prospecções levadas ao Império pelo Barão de Capanema90, reforçam a
90 Guilherme von Schüch, o Barão do Capanema, possuía amizade pessoal e canal de contato direto comD. Pedro II. Engenheiro, Capanema chefiou os telégrafos e era filho do naturalista Rochus Schüch queveio ao Brasil com a comitiva da (esposa de D. Pedro I) Maria Leopoldina. Segundo Silvia F. de M.Figueiroa (2005, p.439): “O engenheiro e naturalista Guilherme (Wilhelm) Schüch, Barão de Capanemafoi sem dúvida, um expoente da elite imperial que circulou por importantes espaços institucionaiscientíficos e técnicos, tendo atuado de forma bastante significativa para a implementação da uma culturatécnica-científica no Brasil e para o consequente fortalecimento da engenharia e dos engenheiros, assimcomo das ciências geológicas e naturais. Sua trajetória profissional, talvez até por circunstância da origem
121
existência de uma política direta sob financiamento da corte, no conhecer ao máximo
possível aquele espaço. Na geopolítica do Império, a figura de Emil Odebrecht ajuda a
compreender tanto as concepções de um europeu no – por ele – considerado “mundo
selvagem”, assim como, de uma clara intenção no Segundo Império de levantar
informações favoráveis a tal espaço continuar fazendo parte do Brasil. A concepção de
destino do espaço é certamente diferente daquela atribuída dos primeiros republicanos.
Antes de detalhar mais a respeito de Emil Odebrecht, gostaria de chamar atenção
para dois aspectos pertinentes, a seguir:
Título do Box 2: De Blumenau para o Império, do Império para a República
a) Primeiro, de onde vem91 o técnico contratado para atuar nessa área do litígiocom a Argentina? Vem de Santa Catarina, mas não de Desterro. Não, portanto,da capital da Província, mas da colônia Blumenau – essa pertencenteformalmente à Itajaí até 1882 – permitindo fazer uma ilustração de exemplo emrelação ao discutido no capítulo anterior, sobre a não polarização de Desterro ou,de Santa Catarina passar a não ter na sede administrativa da Província umacapital “completa”. A própria localização do escritório sede para os trabalhos naárea de litígio estava em Curitiba, segundo Emil Odebrecht comenta em suascomunicações. Tal lugar (sede do escritório) de planejar os trabalhos na área dePalmas não sendo Desterro, pode ser associado à sua baixa interação ou nãotanta capilaridade discutida no 1º capítulo, anteriormente (ver: capítulo I).
b) Segundo aspecto que gostaria de chamar atenção está no fato do Barão do RioBranco, estudar, trabalhar, deixar anotações e elaborar análise de conhecimento(na elaboração da defesa do Brasil quando da entrada na arbitragem) a partir demapa produzido e elaborado com bastante atuação de Emil Odebrecht, comoveremos. Isso permite, de saída, apontar duas características fundamentais: comoa lógica de argumentação, para a defesa da área ser do Brasil buscará, a base deorigem colonial. Da América portuguesa, portanto, dos usos do espaço aointeresse de Portugal e segundo; a base cartográfica de trabalho é resultado dageopolítica do segundo reinado, como a produzida por Emil Odebrecht,“financiada” com claro interesse do Império.
Levantamentos de Emil Odebrecht são mais do que produção cartográfica
familiar – já que seu pai chegou ao Brasil como integrante da comitiva da Imperatriz Leopoldina deHabsburgo –, esteve inextricavelmente vinculado ao Segundo Império.”
91 Seria pertinente detalhar uma rede étnica nas comissões e trabalhos telegráficos do Império (como a“Repartição Geral dos Telégrafos”), pois alguns documentos dão pistas nessa direção. Em carta aHermann Blumenau (ex-diretor da colônia cujo seu nome leva, Dr. Blumenau já havia partido do Brasil)o Barão do Capanema agradece a indicação de Emil: “Enquanto Odebrecht se encontrava com sua turmanum barranco do Iguaçu, entre os rios Chopim e Paraná, Capanema escreve longa carta em Curitiba, em10.08.[18]83, ao Dr. Blumenau, que se encontrava na Alemanha [...]: ‘Estou voltando de uma cavalgadaa Guarapuava, onde inaugurei a Estação Telegráfica, vistoriei as picadas abertas pelo meu pessoal e otraçado da estrada que tem aclive constante nada maior que 8%. Primeiramente tenho que expressar-lhemeu agradecimento pela recomendação de Odebrecht’.” (ODEBRECHT, 2006, p.158-159). Um doselogios mais recorrentes de Emil à Capanema (nas cartas que engenheiro Odebrecht escreve para família)era por conversarem, Barão e ele, em língua alemã.
122
Emil Odebrecht (1835 – 1912) exerceu diferentes funções como funcionário do
Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. E antes disso, durante a Guerra
contra o Paraguai recebeu credibilidade por ter sido voluntário pela colônia Blumenau
(pertencente ao município de Itajaí, cujo desmembramento se daria a partir de 1882).
Em Santa Catarina foi, por exemplo, diretor adjunto da colônia Azambuja, no sul da
mesma província. Tendo feito seu lugar de moradia92 no Vale do Itajaí “Trabalhou ao
lado do Dr. Blumenau, encarregado da demarcação e medição dos lotes coloniais e da
exploração dos caminhos que ligariam a nascente colônia com o planalto e com outros
centros de população da província.” (BLUMENAU EM CADERNOS, 1958, p.135).
Quero sugerir discutir aqui no presente tópico desse segundo capítulo, como um
“não nativo brasileiro” – um não nascido no do Brasil, mas naturalizado – também fez
uma leitura dos (seus) trabalhos na área de disputa. Ele buscou acessar algum ganho em
ter levantado informações sobre o espaço.
Imagem 7: Emil Odebrecht fazendo trabalhos de topografia e de localização geográfica
Sem confirmação do lugar, provavelmente sendo área em litígio (ref. ODEBRECHT, 2006, p.166)
92 Na carta de 18 de agosto de 1878 para mãe e irmãos, Emil expressa do seu patrimônio em Blumenau eantes, caracteriza como “selva” o início de uma colônia no qual dirige e, de onde desejava sair pararetornar à sua casa: “Conforme já lhes escrevi em cartas anteriores, fui transferido para uma recém-fundada colônia no sul da Província de Santa Catarina, felizmente em caráter provisório, já que eu veriacomo impossível viver nesta selva com a minha família, onde falta até o imprescindível para a suamanutenção: escola, médico, comunicação, etc., além disso investi uma quantidade por demais grande naminha propriedade, de modo que nem poderia me desfazer dela agora, sem ter prejuízo significativo;tenho porém a certeza de voltar ainda no decurso deste ano.” (ODEBRECHT, 2006, p.383).
123
Emil não teve tanta sorte no projeto de logo voltar a ser indicado em trabalhos
pelo Vale do Itajaí. Previu errado o tempo93 e a possibilidade de conseguir obras nas
proximidades e cercanias de Blumenau, aonde estabelecera a família. Passados mais de
dois anos, em janeiro de 1885, escreveu de Blumenau para Alemanha, ainda vinculado
aos levantamentos topográficos nas áreas de litígio: “Quando essas linhas [que escrevo]
chegarem a Anklam [Alemanha], já deverei ter partido para a minha viagem às Missões
e ao Rio Uruguai, para fazer um estudo dos terrenos entre o Iguaçu e o Uruguai [...].”
(ODEBRECHT, 2006, p.404). Às vezes e sem regularidade, Emil tentava visitar a
família nuclear em Blumenau, mas chegou a ficar 13 meses direto nas terras do litígio.
Exercendo funções com bastante mobilidade e pouca fixação próximo da família
(tal distanciamento era recorrente nas suas lamentações), principalmente entre as
décadas de 1870 e 1880. Chamo atenção para outra forma de utilizar do litígio, como
tratarei a seguir; problematizando o próprio uso do atuar na área, como possibilidade de
mobilizar acessos e abrir portas aos próprios familiares (filhos) de Emil Odebrecht.
A partir de algumas das correspondências privadas, cartas trocadas com seus
familiares, sugiro apontar como o engenheiro geógrafo cartógrafo representou e viu, a
área do litígio em que atuou diretamente em campo. Seria mais evidente tratar, apenas,
do engenheiro descrevendo como hostil, inóspito, distante e um nada “perdido” – mas
que Brasil e Argentina não queriam perder – a considerada selvagem área.
Acredito, um alemão mesmo naturalizado a exercer papel na delimitação de uma
parte do território nacional, desperta atenção pela complexidade das identidades a
permearem tais discursos (germânico no auxilio da manutenção de terras para o Brasil).
Passarei pelas representações da natureza selvagem do “Brasil distante”. Mas, aponto na
conclusão do tópico: ele acessou rede de relações no Império visando outros objetivos.
A Alemanha que se via desde o Brasil. O Brasil visto com olhar alemão
Na década anterior a sua ida para as áreas das Missões (como ele próprio assim
chamava), percebe-se nas suas correspondências para família da Alemanha, o momento
político de comoção e união do Estado nacional moderno alemão. Muitas das opiniões
do engenheiro Emil sobre o Brasil, contidas em suas cartas, tratam de influências dessa
93 Em 13 de janeiro de 1883 escreveu na carta para a mãe: “Amanhã início a minha viagem paraGuarapuava e de lá até o Iguaçu, para explorá-lo até sua foz no Paraná, um trabalho que deverá durar umano.” (ODEBRECHT, 2006, p. 388). Emil acabou ficando mais 5 anos; até 1888 esteve na região, nesseperíodo tendo estado com sua família no Vale do Itajaí sem regularidade, uma vez por ano, em média.
124
conjuntura de fundo: um contemporâneo da unificação e formação alemã, mesmo
aparentemente olhando de longe, desde solo americano para terras da Europa.
Na correspondência de março de 1871 é possível perceber como se acompanhou
da colônia Blumenau, alguns fatos da Guerra Franco-Alemã. Inclusive, mandou-se
capital doado pelas pessoas da comunidade, daqui, para a Alemanha em Guerra. O fato
de terem formado um fundo com apoio em dinheiro e o envio do mesmo, pode apontar
para manutenção de contatos e mesmo vínculos de pertencimento ou estar envolvido
sentimentalmente com o País da Europa: “Vocês nem imaginam o quanto esta guerra
deixou-nos nervosos e como ainda nos preocupa.” (ODEBRECHT, 2006, p.381). Assim
disse o engenheiro atento a terra em que moravam seus pais, em carta para eles.
Emil escreve lamentar estar fora da colônia, fazendo-o perder a festa, pois,
segundo informa aos familiares, ocorreu em Blumenau comemoração pela vitória
alemã: “A notícia da capitulação de Paris foi aqui recebida com grande júbilo,
infelizmente não pude participar das grandes festividades, pois estava enfiado no mato.”
(ODEBRECHT, 2006, p. 381). Pede desculpa aos familiares pelo que considerou envio
de poucos recursos, dizendo a colônia Blumenau não estar recebendo investimentos
suficientes da Corte, além da mesma ser nova, recente.94 Assim, explicou justificando
não ter sido enviado mais apoios em recursos: “[...] não tivesse esta Colônia em seus
inícios sido tão tristemente abandonada, até reprimida pelo governo (com as outras
colônias acontece quase o mesmo), a coleta teria alcançado bem outro resultado.”
(ODEBRECTH, 2006, p.381).
Além de escrever ter ficado apreensivo pelo irmão militar (Rudolph), nas forças
armadas na época da guerra Franco-Prussiana, vai avaliar defendendo certa capacidade
de observação causada pela distância; vista de longe, a Alemanha seria para Emil, um só
País. Unido: “Aqui no exterior vê-se como o alemão é amalgamado com sua pátria, o
quanto ele ama a terra onde nasceu.” (ODEBRECHT, 2006, p.381).
É com essa experiência de vivência prévia em outra nação, no País de origem,
cujo enquadramento “prévio” é utilizado para interpretar o Brasil, como aparecia para
Emil: “desordem costumeira do país”, cujas correspondências enviadas para família, por
exemplo, estavam sendo prejudicada pelo desmazelo do serviço postal. Ou, em outro
caso, a chegada de vírus por culpa do que Emil considerava ser, do não cuidado dos
agentes do Estado: “Poucos meses após a minha partida de Blumenau a varíola foi
94 Na década seguinte, em março de 1882, diz o inverso, como “a colônia está em condição de viver por sisó.” (ODEBRECHT, 2006, p.385).
125
introduzida no país, trazida por navios aportados no Rio [de Janeiro], em consequência
da imperdoável displicência das instituições públicas.” (ODEBRECHT, 2006, p.384).
Desapontado, desabafava nas cartas para seus familiares, suas críticas sobre o
Brasil, entendendo como a principal falta, a não coerência da administração: “o
Governo taxou os produtos transportados de uma província para outra!” E avaliava
ironicamente: “Por aí tu podes deduzir quão sábia é a providência do Governo daqui”
(ODEBRECHT, 2006, p.386). Nas suas cartas, Emil fazia regulares críticas ao Estado
brasileiro, mas também buscou acessá-lo de alguma forma, é assim como o interpreto.
Suas referências estão na Europa, percebe-se claramente nas avaliações feitas do
Brasil, tendo como um ideal de Alemanha, exemplo do parâmetro para suas análises.
Ao mencionar em uma correspondência, avaliando positivamente a gestão do gabinete
cujo mais tempo exerceu presidência no Segundo Império, o Visconde de Rio Branco
(pai do Juca Paranhos, futuro Barão do Rio Branco, como veremos), Emil o compara ao
famoso chanceler prussiano. Talvez, também para exemplificar aos seus familiares na
Alemanha qual sua consideração sobre o Visconde, o denominou como sendo,
“Paranhos, o Bismarck do Sul.” (ODEBRECHT, 2006, p.382).
Como se percebe nesses exemplos, o vínculo com a Alemanha continuava
estreito, inclusive fazendo levar seus filhos para “estagiarem” em casas de comércios de
outras localidades ou municípios da Província, para aprenderem o idioma português –
habituados como estavam no falar dialetos alemães em Blumenau –. A sensação de
simultaneidade com a Alemanha, não significou não ter existido vivência intensa do que
ocorria no Brasil. Acompanhava sua trajetória de imigrante com nacionalidade
brasileira, uma inserção bastante favorável em algumas relações sociais, como no
trabalho de telégrafo. Quero mencionar, como exemplo de sua adaptação brasileira, o
fato dele ter enviado regularmente notícias do Brasil para seus familiares da Alemanha,
como o que passou a se tornar problema – as cheias – o transbordamento do Rio Itajaí-
Açu; quando em 1880, segundo seu relato, 40 pessoas se afogaram. Na mesma carta,
menciona a fome causada pela falta de água em uma região já bem mais distante de
Santa Catarina; o que permite perceber estar socializado e bem informado (e querer
informar) sobre o Brasil, como escreveu em 30 de setembro de 1880 para àqueles da
Alemanha: “Vocês com certeza já leram nos jornais que no norte do Brasil milhares
morreram de fome porque a seca que já perdura há anos está matando toda a
vegetação.” (ODEBRECHT, 2006, p.383).
126
A respeito da hipótese de ter existido uma rede étnica dentro de algumas
estruturas do Estado monárquico brasileiro, um depoimento de Emil Odebrecht reforça
essa forte possibilidade. Ele menciona como no Departamento de Telégrafos a maioria
dos funcionários é de alemães, de maneira que havendo algum interesse seu, de
transferir-se (saindo do Ministério da Agricultura, onde estava), é para tal instituição
preferida. Diz, em carta aos familiares, como já havia tomado a providência na
instituição de avisar sua preferência de ser alocado nesse setor (dos Telégrafos) em que
há, segundo Emil, alemães na maioria dos funcionários. E é o que realmente faz,
originalmente funcionário do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em
1881 é nomeado inspetor da Repartição Geral dos Telégrafos.
Antes de iniciar trabalhos nas Missões, Emil estava encerrando outro trabalho de
medições das divisas (“Leste”) próximas ao litoral entre as Províncias de Santa Catarina
e Paraná, após encerrado esse processo, ele iria ao Oeste, devendo antes findar
levantamento dessa faixa mais litorânea. “Conforme já lhes escrevi, tive de deixar os
meus [filhos e esposa] em meados de janeiro para terminar os levantamentos
geográficos dos terrenos entre Dona Francisca e Morretes.” (ODEBRECHT, 2006,
p.385). Segundo aparece nessa documentação de origem privada (fundo de trocas de
cartas entre os familiares), ele dizia estar satisfeito principalmente com a notícia de
aumento do salário. Emil era um funcionário do Estado imperial brasileiro e nas cartas
desse período, não reclama do valor ganho, ao contrário, faz elogios de como seu
recebimento tomara boas proporções. Esse ponto precisa ser destacado.
Diferente do contentamento com o salário recebido, menor elogio era atribuído a
floresta a qual adentrava. Descrevendo um deserto monótono, formador do espaço não
civilizado, pois natural; é de aparência negativa nos relatos de Emil Odebrecht sobre as
áreas das Missões: “Aqui nestas quase ilimitadas selvas virgens tudo é quase igual como
no alto mar ou no deserto de areia: a eterna monotonia é cansativa, ainda mais que com
um olhar, apenas, se vê tudo de uma vez só.” (ODEBRECHT, 2006, p.390).
Das concepções dessa área que Emil esteve aproximadamente seis anos,
levantando informações entre maio de 1882 até dezembro de 1888, descrevia-se como
atuando em serviços por jornadas. Certamente os tipos de levantamentos e saberes
daquele espaço interessavam diretamente à geopolítica da coroa, por mantê-lo tanto
tempo seguido em trabalhos de campo. Em grande quantidade das cartas por ele
escritas, aparece a regularidade com que dizia desejar finalizar seus levantamentos
geográficos das Missões. Percebe-se na leitura das cartas, como esteve sempre pensando
127
em encerrar um ciclo de trabalhos e logo conseguir o plano, cada vez mais postergado,
em ser remanejado para perto dos familiares – esses que denominava nas cartas aos
outros – como sendo “os meus”. Em uma das primeiras cartas suas vindas da área em
litígio, diz do sonho e da frustração de alguém vindo da (expressão dele) supercultura:
Que eu no momento estou metido nas profundezas da selva e ocupado com aexploração do Rio Iguaçu. [A esposa] Bertha certamente já te escreveu,provavelmente ficarei longe de casa mais uns cinco a seis meses, já que estesserviços serão prosseguidos até o rio Paraná; então espero conseguir umemprego definitivo mais cômodo em Blumenau (pelo qual muito almejo).Eugen acredita que a vida aqui na selva teria fatos e coisas fascinantes einteressantes – para um europeu citadino vivendo numa supercultura! –, masnão! (ODEBRECHT, 2006, p.390)
Para Emil, segundo expressou nas suas cartas, não pareceu nada confortável
resistir nas funções a ele atribuídas. Penso ser legitimo problematizar: por que, afinal,
deve ter ficado então mais de meia década em levantamentos dos terrenos nas áreas do
litígio? Acredito não haver uma única resposta unidirecional, mas percebe-se pelas
cartas enviadas, além dos fatores como afinidade e cumprimento de funções a ele dadas
a quem estava subordinado (ao Barão de Capanema), o bom salário e dívidas que
menciona ter feito ou desejo de poupança. Mas também ao fato de buscar colocar algum
de seus descendentes, no quadro de funcionários dos telégrafos ou de outras instituições
do Estado Imperial brasileiro. Foi com trabalhos de geodésia, agrimensor, geografia,
topografia... enfim, de levantamento e refinamento de informações sobre o espaço,
nesse processo percebeu caminho de destaque, abrindo outras portas, para ele e os seus.
Sucesso na polêmica Questão do litígio: engenhosa rede de apoio ou ascensão
O que parece ter feito permanecer tanto tempo no Oeste e justifica sua presença
“aqui na floresta virgem”, em circunstância por ele descrita como estando separado da
família e passando por privações muitos meses, se devia, nas palavras do próprio Emil,
ao “salário que me possibilitará oferecer aos meus a garantia de sustento. Eu havia feito
grandes dívidas, agora este problema já passou, e poderemos reservar a metade do meu
salário sem que nos falte nada.” (ODEBRECHT, 2006, p.391). Antes de tudo, parece o
emprego fixo com garantia de certa estabilidade (mesmo que naquela época do séc. XIX
parece ter ocorrido momentos em que o Estado fazia demissões95). Sendo, a
95 Comentário da explicação do próprio Emil, em carta de agosto de 1878: “A situação do Brasil é nomomento extremamente triste, a falência do Estado é iminente, e em função disso está havendo um
128
regularidade do bom salário, um dos aspectos muito mencionado por Emil como
positivo na valorização de seus serviços como geógrafo cartógrafo.
Mas, não fora apenas a remuneração e os ganhos seja como funcionário cedido à
Comissão Mista de Fronteira, seja na Repartição Geral dos Telégrafos (em 1888 é
nomeado engenheiro chefe do distrito de Santa Catarina na Repartição dos Telégrafos,
cargo no qual se aposenta em setembro de 1891), mas principalmente uma figura muito
influente na rede de contatos acessada. Houve no exercício dos trabalhos de
levantamentos do terreno na área de litígio, um contato direto e mais íntimo com
algumas autoridades do Império, particularmente com o considerado Barão do
Telégrafo, o Barão de Capanema. Nos mais de seis anos em campo, Emil Odebrecht foi
algumas vezes até o Rio de Janeiro ou Curitiba levar informações e explicar os trabalhos
de reconhecimento; como se percebe na carta de outubro de 1886, sobre o fim do ano:
Infelizmente vou ter que passar a Noite de Natal no Rio de Janeiro, para ondefui convocado para uma conferência com o Assessor do Barão de Capanema,Chefe da Comissão de Regulamentação das Fronteiras. Depois disso podereidescansar alguns meses em Blumenau, já que os trabalhos das Comissões deambos os lados só começarão em abril. (ODEBRECHT, 2006, p.416)
Em circunstâncias públicas, de ações do Estado monárquico, por exemplo, às
vezes era uma das autoridades presentes junto do Barão de Capanema. E chegou a ser
mencionado nominalmente, nas cartas que Capanema enviada ao Imperador Pedro II,
como na qual o Barão informa, em 1888, o mapa da área estar próximo de ficar pronto:
Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Excia. que acabo de receberofício do auxiliar da Comissão de Limites, Engenheiro Emílio Odebrecht,datado de Porto União da Vitória, em 1º do corrente, participando-me que haviaterminado em comum com os auxiliares argentinos, tenentes Montes e Meneses,o reconhecimento do Rio Jangada. O engenheiro Odebrecht levantou a planta doRio Iguaçu, do Porto União até a foz do Jangada, ligou este a alguns pontos datriangulada, e verificou assim a exatidão da planta levantada pelos oficiais docontingente. Quando chegaram os oficiais argentinos eles verificaram econferiram essa planta desde o ponto em que eles tinham levantado o rio até asua foz, encontrando tudo conforme, retiraram-se para Curitiba, onde foramentregues as plantas para incluir no mapa geral do território litigioso, ebrevemente de este estar concluído. (ODEBRECHT, 2006, p.165)
Em algumas das correspondências, diz Emil aos seus familiares, comunicava-se
ele e o Barão de Capanema em língua alemã, fato assumido pelo próprio Emil com
vaidade e muita satisfação. Em novembro de 1883 escreveu em carta estar aguardando o
Barão em Guarapuava (PR) para a inauguração dos telégrafos. E segundo captou da
grande enxugamento no quadro de funcionários públicos, já tendo sido demitida quase a metade, e agorase passarão muitos anos sob estas circunstâncias vigentes [...].” (ODEBRECHT, 2006, p.383)
129
interação entre ambos, entendeu uma simpatia e disposição em favor dele; Emil deixou
o registro quando escreveu à esposa: “O Barão faz tudo o que percebe ser do meu anseio
ou gosto.” (ODEBRECHT, 2006, p.393). E aproveita para avisá-la pela mesma carta, ao
terminar as coordenadas em Palmas e Chopim, ele irá passar dessa vez, as festas de final
do ano com a família. “Somente terei de determinar mais algumas coordenadas em
Palmas e Chopim, e então viajarei diretamente ao Itajaí, provavelmente por
Curitibanos.” (ODEBRECHT, 2006, p.393). Pois, o Barão – Emil, avisa a esposa – “ele
mesmo me ofereceu férias em Blumenau, sem que eu as tivesse solicitado.”
(ODEBRECHT, 2006, p.393).
Em 1883, Emil informa na carta para esposa ter conseguiu realizar marcações
(de localização) importantes, no minucioso levantamento do espaço. Ele demoraria
ainda mais cinco anos atuando até 1888 (informação anacrônica, posto que ele não sabia
até quando ficaria nos trabalhos das Missões; sabemos agora, olhando o passado). Ali,
logo no primeiro ano de trabalho, Emil já percebeu como sua função começara a receber
destaque (mais importância) e mesmo imbuída de uma questão internacional de certo
peso. Era a valorização do território – e a centralidade da dimensão espacial no Brasil
como sempre nos lembra Antonio Carlos R. Moraes – na influente concepção brasileira
sobre o País que Emil vai vivendo, percebendo e tentando, a partir da importância que
dão aos seus trabalhos de terreno, galgar oportunidades para si e os seus. “Também
tenho a certeza de que meu trabalho serviu para esclarecer a dúvida sobre a questão de
fronteiras, tão importante para o Brasil quanto para a República Argentina, uma missão
que já muitos tentaram cumprir antes de mim, mas não tiveram o mesmo sucesso.”
(ODEBRECHT, 2006, p.393).
Uma reflexão de análise do tempo de seus trabalhos nas Missões nota-se uma
política do Império – se não para resolver em definitivo a questão litigiosa, ao menos –
para se cercar ao máximo de informações favoráveis ao Brasil. A busca de quem
consegue legitimar sua verdade do espaço esteve na disputa entre Argentina e Brasil.
Quando do dossiê e exposição de documentações ao árbitro, entregue por Rio Branco
nos EUA em fevereiro de 1894, o Barão faz menção tanto a Emil como ao argentino,
ambos representantes dos seus respectivos Países na Comissão Mista, nessa seguinte
passagem: “O reconhecimento do [rio] Jangada, ou San Antonio Guazú, foi feito em
consequência da decisão, por uma partida mista dirigida pelo engenheiro Odebrecht
(Brasil) e pelo tenente Montes (República Argentina).” (RIO BRANCO, 2012, p.252).
130
Em janeiro de 1887, na carta para familiares da Alemanha, parece ser claro a
expectativa de quem trabalhava na linha de frente no “conhecimento da área”, como a
chegada ao fim do levantamento se daria logo. Em consequência, o reconhecimento da
posse do Brasil; ideia nas cartas de Emil, ele acreditava como logo iria findar o litígio:
Em maio [de 1887] voltarei às Missões, por Curitiba, onde umaComissão Argentina-Brasil à qual também pertenço, trata dos assuntos relativosà fronteira; espero que a mesma chegue à conclusão ainda este ano, então tereimeu próprio campo de ação definitivo aqui perto, talvez já logo em Blumenau[...]. (ODEBRECHT, 2006, p.417)
Quando mais próximo de finalizar os trabalhos de campo nas Missões, mais
próximo Emil parecia garantir uma transferência de trabalho, indo fixar-se no Vale do
Itajaí. Exercendo alguns papéis parecidos com profissões atualmente conhecidas ou
denominadas de Topógrafo, Engenheiro Cartógrafo, ou Geógrafo georeferenciador
(entre outas), Emil percebeu como passou a ser cada vez mais aprovado (requisitado)
pelo valor atribuído ao espaço da área em litígio (e por isso ficou nela, 6 anos).
O firme propósito de manter a área pertencente ao território brasileiro e a disputa
pela Argentina e Brasil, acabaram valorizando seus levantamentos de campo e Emil
compreendeu esse contexto e foi até o fim nesses trabalhos, utilizando possibilidades de
retornos positivos a serem colhidos; como fez. Desse saber ao qual o poder agiria
melhor e resultaria uma das principais maneiras de arguir o domínio do mesmo. Saber
das potencialidades e realidades do espaço é saber dominá-lo ou saber o que estaria se
perdendo, mas é também buscar conhece-lo ao máximo, para mais e melhor legitimar a
manutenção de sua apropriação. Emil exerceu papel do sujeito chancela do saber/poder:
[...] não há espaços de poder que não sejam imediatamente espaços de saber.Isto exige do historiador da região que se questione sobre os saberes que lhederam forma, que lhe deram identidade, que a definiram, que a demarcaram,que lhe deram uma visibilidade e uma dizibilidade, que a nomearam, que arecortaram, que lhe deram rosto, característica. Um dado recorte espacial ésustentado, explicado, justificado, legitimado por dadas formas de saber, que sematerializam em ações e discursos, práticas discursivas e não-discursivas. Aregião é, em grande medida, fruto dos saberes, dos discursos que a constituírame que a sustentam. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2008, p.58-59)
Se relacionarmos com uma obra publicada em 1895, já após o fim do
arbitramento, percebe-se melhor a ideia de convicção da importância da área, por ser
antes de tudo, terra. Mas também, segundo o texto A propósito da Questão Missões, de
autoria de Alcides Cruz (1895) disponível na Biblioteca do Arquivo Histórico do
Itamaraty (no Rio de Janeiro), o fator concorrência parece ter sido levado em conta na
disputa e na valorização do mesmo. “A tenacidade e empenho sustentado pela
131
Argentina para se apoderar desse quase El Dourado equivalem a uma verdadeira
propaganda em favor dele.” (CRUZ, 1895, p.14).
Para o pensamento brasileiro do momento, a busca da Argentina para dominar o
espaço, ajudava a significar amplitude de valores atribuídos ao mesmo. Ao desconfiar
da intenção argentina, como se indo com tanta sede ao pote, fazia o lado brasileiro
valorar ainda mais a área e querê-la manter para si.
Logo que Emil percebeu a altura atribuída às suas funções, passou a questionar
como através dela retornaria para eles (a esposa, os filhos...) mais ganhos, além,
“apenas”, do salário. Haveria mais conquistas e vantagens? Talvez começasse a traçar
maneiras de converter o reconhecimento dos trabalhos de levantamento de terreno e de
produção de uma mapa; mais benefícios tudo isso poderia gerar: “Será que finalmente,
uma vez, este sucesso me trará alguma vantagem?” (ODEBRECHT, 2006, p.393). Essa
pergunta, a esposa Berta leu na carta em que Emil comentava do seu bem-sucedido
trabalho de levantamentos nas Missões.
Emil Odebrecht pode ser localizado como um personagem parte desse processo
de conhecimento da área na geopolítica do Império. Exercendo papel de se submeter a
“ser indivíduo fronteiriço”, mas nesse caso, considerado o portador de elementos da
modernidade: possuidor da técnica e da competência, um não brasileiro a ajudar a
melhorar o Brasil, na concepção da época. Era indivíduo na fronteira, particularmente,
identitária, de alemão e brasileiro, como se “abrindo à modernidade” na selva.
Na percepção de Emil, Barão de Capanema estava bastante satisfeito com seu
trabalho. Confessa a mulher a grande possibilidade de no ano seguinte fazer excursões
diplomáticas, ainda secretas em 1883. Será dos resultados desses trabalhos nas áreas de
litígio, segundo ele previu: “através deles me tornarei conhecido e sei que poderei
ajudar muito os nossos meninos, por exemplo, deverá ser fácil conseguir algo para o
[filho mais velho] Edmund na Oficina dos Telégrafos no Rio [de Janeiro], mais tarde
quando ele tiver aprendido bem seu ofício.” (ODEBRECHT, 2006, p.393). (destaquei)
Realmente se concretizou tal abertura de caminho para ascensão social e
contatos chaves aos herdeiros. Basta lembrar como o filho mais velho, Edmund
Odebrecht foi funcionário da Oficina dos Telégrafos no Rio de Janeiro e mesmo para o
filho mais novo, mais tarde quando “[...] mandou o caçula dos rapazes, Adolf (nasceu
em outubro de 1882), para a Escola de Engenharia do Rio de Janeiro, onde se formou,
seguindo as passadas do pai: como geógrafo, cartógrafo e funcionário público (da
Repartição dos Telégrafos).” (ODEBRECHT, 2006, p.382) (destaques meus).
132
O caso do litígio aqui tratado é justamente da figura que é atribuída papel
definidor de garantir essa área. Como mais em frente veremos às imagens atribuídas ao
Barão do Rio Branco: uma espécie de progenitor do espaço. Sem antes finalizar, lembro
depois de tanto tempo servindo ao Império nos levantamentos de área, enfim, Emil
Odebrecht conseguiu retornar ao Vale do Itajaí, em um melhor cargo e situação que
ficou uma década planejando chegar. O ajudar no conhecimento do (saber do) espaço
lhe abriu caminhos, e o Estado brasileiro era seu ganha pão e da família. Contato com o
Barão do Telégrafo facilitou caminhos aos seus. Parece, adentrar a selva nos trabalhos
geográficos, lhe valeu. E aos descendentes também. O Estado brasileiro ajudara.
Imagem 8: Carta resultado da Comissão Mista em que atuou Emil Odebrecht
Anotações e estudos (provavelmente) realizados pelo Barão do Rio Branco. Carta produzida no IIImpério (Uma das imagens utilizadas no estudo preparatório para elaborar defesa do Brasil).
Disponível do acervo da Mapoteca do Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro
Emil soube utilizar em seu favor, capitalizar, o resultado de suas entradas ao
Oeste, atuando no papel de ajudar legitimar a localização de onde era Brasil e diminuir
as incertezas. O resultado material de seus trabalhos, além da cartografia como se
percebe na imagem anterior (nº 8), está também em facilitar algumas colocações para
seus filhos, como no caso do mais velho ter se tornado funcionário dos Telégrafos na
capital do Império. Será somente o filho mais novo o único da prole do casal a ter
133
frequentado universidade. Para alguns dos demais, o capital simbólico, os contatos das
redes de relacionamentos aberta com sua função de atuar em levantamento de área,
abriu outras portas. Além do capital simbólico, ir progressivamente aumentando com
suas incursões e levantamento de informações ao interior, o capital social (os saberes
formais) aos quais portam os indivíduos, influenciam na desigual distribuição dos
poderes. Talvez, por ir acumulando no Oeste (da selva ao espaço em litígio como foi
percebendo ser Emil uma situação favorável a ele), o simbólico de auxilio em seus
saberes ajudarem no manter o território do Brasil, Emil em carta para esposa recomenda
que ela continue a manter os filhos na escola. É dessa gramática do campo escolar o
aprimoramento do capital social. O engenheiro cristalizava os capitais simbólicos, pois
em País em que a manutenção de área é sagrada, quem apoia essa conquista, sacralizado
também se torna.
Olhando e temendo a vizinhança. Valores da área em litígio: natureza e território
No arquivo de documentação do Acervo do Itamaraty no Rio de Janeiro estão
separados alguns documentos, divididos em ordem de Países que fazem fronteira com o
Brasil. Segundo pode-se discutir de algumas dessas documentações disponíveis na
“Pasta Limites” no Setor Argentina, o Império brasileiro parece ter estado atento, com
agentes monitorando o que se passava no território argentino, principalmente ao
departamento fronteiriço ao litígio de Palmas. O Brasil colocava certa atenção no caso,
acompanhando e produzindo relatórios a respeito da área. Sobre a federalização de
Misiones, quando colocou um governante (ou seja, transferência de domínio provincial
para o nacional) pela república Argentina, por exemplo, eram informações observadas
pelo Brasil e descritas nos relatórios produzidos. Segundo relato destacado pelo
secretário do Itamaraty em “[...] março de 1881 um decreto dividiu em cinco
departamentos o território de Missões”. (BARÃO DO CABO FRIO, 11/II/1889).
Para compreender a dinâmica territorial argentina, se deve levar em conta outros
fatores do que, apenas, ter espaço fronteiriço com o Brasil e área de disputa entre os
dois Países. Como explica sinteticamente a pesquisa de Bruno Aranha (2014, p.52), a
federalização de Misiones também está relacionada ao processo de tornar Buenos Aires
uma influente capital da Argentina. Junto de uma geopolítica internacional, há também
o processo interno argentino a ser mencionado:
Após o fim da Guerra do Paraguai em 1870, Misiones foi formalmenteintegrada à província de Corrientes. No entanto, o objetivo do governo centralde Buenos Aires de colocar essa região estratégica de fronteira sob seu domínio
134
direto resultou no decreto da federalização desse território em 1881, criandoassim o Território Nacional de Misiones, ainda que sob protesto de Corrientesque perdia uma parte importante de seu território. (ARANHA, 2014, p.51-52).
A resposta do Império brasileiro, sob a política vizinha, foi criar duas colônias
militares na área de Palmas, mas fora da área de “dúvida” stricto sensu. Como
representado nas imagens (ver mapas nº4 e o da próxima página, nº7), produzidas agora
na “atualidade” como maneira de visualizar tanto a área em disputa, como a sede das
colônias militares fundadas pelo Brasil na década de oitenta dos oitocentos. Desde ao
menos a segunda metade do século XIX, ocorria ruídos e tentativas de diálogos entre os
Países para reconhecimento da área, mas a partir de 1881 e até mais cinco anos após a
derrubada da Monarquia, será no ano de 1895 que ocorrerá o resultado final.
Imagem nº9. A partir de 1888 a Colônia Militar de Chopim será vista como dentro dolitígio, pois, Argentina ampliou área de reinvindicação, colocando-se até o rio Jangada.
135
No ano de 1859 é baixado decreto Imperial (nº 2502) para criação de duas
colônias militares, nos rios Chopim e Chapecó, mas são efetivamente fundadas mais de
duas décadas depois, em 1881. Segundo a interpretação de Juca Paranhos, sabendo pela
imprensa do estabelecimento de tais núcleos militares, a Argentina passa claramente, a
não reconhecer a posse brasileira e então, tratá-la como em litígio.
Teve [a criação das duas colônias militares], porém, o efeito de revelarque a República Argentina já não se limitava, como em 1876, a manifestardúvidas sobre a exata posição dos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio. Pelaprimeira vez um seu representante oficial, dirigindo-se ao governo brasileiro,considerava litigioso o território a leste desses dois rios e assinalava como limiteoriental da pretensão argentina os rios Chapecó e Chopim. (RIO BRANCO,2012, p.238). (destaques meus).
A partir das trocas de algumas correspondências entre Argentina e Brasil ao
longo do tempo é possível observar, como os diálogos e debates às vezes eram tensos. O
ainda Barão do Cabo Frio, cujo título nobiliárquico de Visconde recebeu em maio de
1889, certa vez afirmou ao governo do País platino – em fevereiro de 1889 – como não
havia sido fundada nenhuma Colônia Militar do Império na área (ou sobre ela) em
litígio, como reclamava o governo argentino, e sim, bradava Cabo Frio, em lugares que
não eram nem reivindicados pela argentina, o caso das Colônias Militares de Chapecó e
Chopim.96 Embora, a Argentina ao passar a ampliação da área total considerada em
litígio (ver imagem nº7, na página anterior), coloca reivindicação da área que ia até o
Rio Chopim, a partir de 1888, passa a ser mais, até o Rio Jangada.
Na opinião de um autor brasileiro, que no século XX fez um estudo panorâmico
do histórico litigioso, a estratégia da Argentina para não perder seu Estado de Misiones,
caso viesse o Brasil algum dia reivindicá-lo foi – como uma espécie de contrapartida –
desejar adentrar em área brasileira, assumindo como sua a área. Embora bastante
ensaístico e sem mencionar base documental, Ruy C. Wachowicz (1985) defendeu a
ideia da questão de Palmas como um grande blefe diplomático, pois para ele “Na
prática, o grande objetivo geo-político da Argentina era conservar argentino o território
de Misiones.” (WACHOWICZ, 1985, p.51). Mas, é importante dizer, as estratégias e
dissimulações aconteciam internamente e externamente às duas nações. Houve
96 Ainda antes da República em comunicado que parece ter sido enviado ao governo argentino (ourepresentante do mesmo) o Barão, três meses depois tornado Visconde do Cabo Frio, assinou o ásperodizer: “[...] peço licença para assegurar Sua Excelência que não está bem informado quando diz que ascolônias militares subsistem e se aumentam apesar da declaração feita ao Sr. Dominguez. Essas colôniassão fundadas, na margem esquerda do rio Chapecó e na direita do Chopim, isto é, em territórioreconhecidamente brasileiro, fora do que se acha em litígio entre os dois países.” (BARÃO CABO FRIO,11/02/1889) Documento Lata 443, maço 11 do Arquivo do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
136
momentos, em que se se chegou a pensar mais na resolução em guerra, do que na
política de chancelaria. Talvez Wachowicz, quisesse ter dito como a Argentina temia o
Brasil reivindicar algo ou parte da sua província de Misiones, principalmente pelo apoio
das forças brasileiras nessa área argentina durante a Guerra do Paraguai; mas, não foi o
que Wachowicz disse e, sua interpretação, não apresenta base documental alguma.
Paranhos Júnior, o Juca (futuro Barão do Rio Branco), em carta privada no
começo da década de 1880, deixa claro sua preocupação beligerante e sobre as forças
armadas brasileiras, das consequências de eventual entrada em conflito aberto. Como
afirma Luís C. Villafañe G. Santos (2012, p.69), mesmo vivendo em Paris ou Liverpool,
Paranhos Jr. mantinha-se ao que ocorria na região do Rio da Prata. Chegou a acreditar
como, desde o início do Império, essa era a vez de maior situação de vulnerabilidade:
[Paranhos Júnior] Manteve aceso seu interesse por essas questões e, emespecial, tinha viva a memória das negociações de seu pai, em que atuou comosecretário. Assim, por exemplo, em 1882, escreveu ao barão Homem de Melosobre a fronteira ainda indefinida com a Argentina:Fico muito inquieto com nosso negócio de Missões, porque se os argentinosaproveitarem a ocasião teremos de passar por grandes vergonhas. Não temosesquadras, não temos torpedos, não temos exército, e os argentinos tem tudoisso. Pela primeira vez, desde que o Império existe, achamo-nos assim à mercêdos nossos vizinhos [...] (SANTOS, 2012, p.70)
Rio Branco foi um regular estudioso de variadas questões da região do rio da
Prata e tendo também, bastante interesses nas forças armadas e situação militar do
Brasil; parece ter tido uma opinião bastante pessimista, quanto ao preparo brasileiro em
eventual declaração de guerra contra argentina. O importante a sublinhar é sido
aventada tal possibilidade de confronto aberto. Fiz essa menção e citei a opinião de Juca
Paranhos, apenas para apontar como foi à guerra uma possibilidade sugerida de ocorrer.
Quero encerrar esse tópico, discutindo trechos de dois documentos sob a guarda
da Biblioteca do Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio de Janeiro). Um do ano de 1892
intitulado: O tribunal arbitral, cujo autor menciona ser diplomata e oficial da Marinha,
Henrique C. R. Lisboa (cuja algumas passagens de seu texto mencionei anteriormente)
e, a publicação em 1895, chamada: A propósito da Questão Missões de Alcides Cruz.
Para Henrique C. R. Lisboa (1892), as principais justificativas do Brasil em
manter seus interesses na promoção de uma firme política de manutenção da área em
litígio, estava em algumas características intrínsecas à região, entre elas, à riqueza
natural. A dúvida de quem iria pertencer o espaço na disputa Brasil versus Argentina,
parecia prorrogar a consolidação de apropriação contínua. Afirma ideia, como se a
137
própria natureza desejasse pôr fim à dúvida (do litígio), pois a não certeza dificultava o
acesso aos recursos da área de Palmas “[...] cujo exuberante natureza só almeja o fim
desta disputada de trinta anos, para prodigiar, em beneficio geral, tesouros acumulados.”
(LISBOA, 1892, p.31). (destaques feitos por mim).
Uma concepção bastante semelhante de uma poupança guardada pela natureza
aparece também, na qualificação da região feita por Alcides Cruz (1895, p.14) quando
menciona a existência e possibilidade de “produtos de exploração mais lucrativa”, como
a erva-mate, mandioca, batata, trigo, milho, algodão, feijão, centeio e “multidão de
plantas têxteis”. Mas além de uma riqueza da diversidade da flora, Cruz (1895) aponta
suposta vantagem climática97 pela não localização em “latitude tórrida”. Não sendo nem
área de frio ou inverno intenso, nem calor concebido de maneira bastante pejorativa:
“quanto ao clima pode-se dizer, sem reservas, que é o melhor do sul do Brasil; nas
margens do [rio] Uruguai não há neves, nem tampouco o calor tem a africana
intensidade do de, Santos ou Rio [de Janeiro].” (CRUZ, 1895, p.14-15).
Do ponto de vista estratégico, a perda da área significaria também, uma
vulnerabilidade de comunicação, acesso e contato com a Província do Rio Grande do
Sul. Essa é inclusive, uma das preocupações mais centrais e recorrentes na defesa de
Palmas ao Brasil em várias opiniões e autores, embora seja mencionado Santa Catarina,
quase sempre a ênfase atribuída à região de Palmas é mantendo-a, facilita conservar o
Rio Grande do Sul como parte do Brasil. Perdendo Palmas, o extremo meridional
brasileiro estaria vulnerável em segurança na defesa de manter essa parte do País, o que
ficaria menos conectada. Essa mesma argumentação irá aparecer também no dossiê de
1894, assinado pelo Barão do Rio Branco (2012), no qual diz ser Palmas, vital para
mantar ligação terrestre com Rio Grande. “[...] a posição especial desse território, que
lhe é indispensável para a sua segurança e defesa e para a conservação das
97 Mobilizar o clima (ou fatores climáticos) como particularidade positiva de espaços do sul do Brasil,tomam evidência e emergem em discursos no século XIX, delimitando áreas especificas. A ideia de climanão tropical ou menos ligado às representações feitas às zonas tórridas, reverbera em um tipo deregionalismo (e particularismo vinculado à Europa e) mais propício à adaptação de europeus em solobrasileiro, considerando menos salubre. Para Marlon Salomon (2005) o clima (somado a imigração) foiuma das representações na invenção do Sul do Brasil no século XIX. Hermann Blumenau, por exemplo,indicou áreas de Planalto como aclimatação saudável aos alemães, em uma perspectiva determinista: “Noplanalto das regiões do sul do Brasil, partindo da Serra do Grão Mongol (Lat.16-17º S. Br.) na Provínciade Minas Gerais até a fronteira oeste da Província do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, encontra-seuma ou duas embocaduras de rios com mangues e alguns lugares de vales cerrados. Até mesmo o climada faixa litorânea do Rio de Janeiro e São Paulo perde sua inospitalidade assim que se chega nas encostasdas montanhas, que estão entre 2 e 10 léguas do litoral, sendo que nesta região vivem muitas famíliasalemães cujo estado de saúde nada deixa a desejar.” (BLUMENAU, Apud SALOMON, 2005, p.104).
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comunicações interiores entre o Rio Grande do Sul e os outros Estados da União
Brasileira.” (RIO BRANCO, 2012, p.68).
Henrique C. R. Lisboa (1892) destaca como a existência de uma cunha
argentina em território brasileiro seria desfavorável na manutenção de integração (e
coesão) com uma área de tradição de rebeldia e autonomia.98 Mais uma vez, é um
exemplo da centralidade da noção de espaço, como análise do Brasil: o seu território.
Perder essa parte do Oeste de Santa Catarina e do Paraná para a Argentina seria,
segundo o autor cujo texto é datado pela época da revolta Federalista, uma verdadeira
ameaçada e vulnerabilidade militar devido a consequente menor contiguidade entre Rio
Grande do Sul e o Brasil. Nas palavras de Henrique C. R. Lisboa (1892, p.28), se a
Argentina ganhasse tal espaço, parte do Brasil sofreria risco de divisão (destaques
sublinhados a seguir, feitos por mim).
Efetivamente, suposta adquirida pela República Argentina a fronteiraque ela pretende, penetraria o seu domínio até o coração dos estadosmeridionais do Brasil, segregando quase, pela aproximação desse domínio àspraias do Atlântico, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina do resto da União.Considerada a situação relativa das suas nações sob o ponto de visto estratégico,é evidente a ameaça resultante de tal domínio. (LISBOA, 1892, p.28).
Já no texto de Alcides Cruz (1895), a interpretação feita é da influência do
tamanho das propriedades rurais, chamando atenção para a ideia do tamanho da
apropriação de terra gerar resultados sociais diferentes, se comparado com as grandes
propriedades. Para ele, “a pequena lavoura na cultura da pequena propriedade” torna
agricultores mais vinculados a terra, pois, da parcela do solo sabem tirar sustento, dando
em consequência, inestimável valor. O estilo de apropriação em fracionamento da terra
em lotes, o autor propõe o Estado brasileiro realizar na área de litígio, pois essa maneira
de colonização significaria maior capacidade de industrialização. Da pequena
propriedade “é que deve surgir o futuro tipo industrial das sociedades.” (CRUZ, 1895,
p.15).
98 O uso de autonomia em relação ao poder metropolitano, constituiu uma característica marcante nadimensão política da história territorial da Capitania (e depois Província) de São Pedro do Rio Grande doSul, como caracteriza Helga I. L. Piccolo (2005, p.78): “Com a apropriação de terras e organizaçãoeconômica e social do território apropriado, constitui-se, na capitania de São Pedro, um poder privado quese fortaleceu, agindo com muita autonomia, demonstrando capacidade de arregimentar “gente” para adefesa desse território, o que significou defender as terras integradas ao seu patrimônio pessoal. Essepoder privado seria instrumentalizado pelo Estado português, incapaz de, com seus efetivos militares,assumir a defesa do território que lhe interessava por razões geoestratégicas e econômicas, em face daspretensões do Estado espanhol sobre a região platina. Ao não lhe ser possível prescindir do poder privado,personificado nos chamados “senhores guerreiros”, o Estado português tolerou a sua autonomia de ação.E este autonomismo, como princípio de vida e de ação, foi (e sempre seria) reivindicado e defendidopelos proprietários de terra, ou seja, a elite estanceira.” (PICCOLO, 2005, p.78). (destaques meus).
139
Uma sugestão preferencial de projeto (e destino) à área confirmada do Brasil,
seria torná-la semelhante aos núcleos de colonização de imigrantes europeus que o
Império vinha fazendo em partes florestais do sul do Brasil, pois em uma lógica
parecendo em processo desencadeador, ajudaria na valorização daquele espaço. “A
aglomeração de famílias, dá nascimentos ao povoado, o povoado eleva-se a cidade. As cidades
ligam, cooperando reciprocamente para a expansão comercial que começa a florescer, o capital
associa-se, circula largamente e a nação está com sua riqueza garantida.” (CRUZ, 1895, p.16).
Antes de encerrar o presente capítulo no qual problematizarei alguns usos do
território (já passamos por republicanos, por Emil Odebrecht e pela geopolítica da
Monarquia desejando conhecer melhor o espaço), considero pertinente também, para
evitar confusão, reforçar como a área própria da Argentina contigua ao litígio (o
território do seu País, da nação argentina) tinha como nome do Departamento – a certa
altura da história argentina, federalizado – chamado Misiones. Usavam do mesmo nome
para seu Departamento e para área de litígio com clara estratégia para buscar
legitimidade por continuidade. A resposta do Império brasileiro, sob a política vizinha,
foi criar duas colônias militares na área de Palmas, mas fora do litígio stricto sensu.
Como representado nas imagens anteriores (ver mapas nº4 e o nº7), produzidas “agora
na atualidade” como maneira de visualizar didaticamente tanto a área em disputa, como
a sede das colônias militares fundadas pelo Brasil, na década de oitenta dos oitocentos.
Tendo discutido alguns atributos ao espaço, sigo no tópico a seguir, mais
especificamente a figura de um monarquista servindo à República. A aproximação do
Barão com republicanos acontece a partir do momento em que ele – Rio Branco – é
colocado dentro do processo de elaboração, como o autor do laudo brasileiro sobre o
litígio, atuando na elaboração de um dossiê para garantir a posse da área ao Brasil.
Chegamos no defensor representante do Brasil na Arbitragem.
A vitória (foi) dos mapas e do Barão do Rio Branco: trajetórias e contexto do “heróiterritorial” nacional, por excelência
O nome podia mudar e mudou de lugar,mas o lugar ficou onde estava(Barão do Rio Branco, 2012 [1ªed: 1894], p.168)
Nada mais rotineiro e esperado de tratar a relação de litígio de uma área em
reivindicação por duas nações, pela discussão da fronteira. Evidente. Ainda mais em
uma pesquisa no campo da Geografia, junto do caso das duas nações possuírem linhas
140
de limites entre si. Bons estudos já fizeram esse recorte e diálogo pela fronteira e não
tenho a pretensão de questioná-los aqui, mas, sim, dialogar. Não escapo da discussão,
embora não seja propriamente a maior ênfase. Exemplos de muito boas pesquisas feitas
das – embora seus autores não chamem assim, eu entendo o litígio como – lutas pelo
direito de governar; as pesquisas de Maristela Ferrari (2010), originada de uma tese de
doutoramento em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, assim
como a de Adelar Heinsfeld (1996), originalmente uma dissertação de mestrado em
História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUC/RS. Ambos
trabalhos acadêmicos publicados em livros por editoras universitárias. Por sua vez, o
trabalho de Ruy C. Wachowicz (1985) é de uma época em que não se demandava uma
visão menos etnocrêntrica ou (auto)crítica, sendo o mesmo mais engajado por se
posicionar favorável à sua própria nação e com rotineira desconfiança da política
argentina, sem algum refinamento teórico, nem base documental. Usei a obra desse
autor ou em diálogo com ele, apontando possíveis limitações que consegui identificar.
A partir do conhecimento de alguns documentos da época e da revisão de
literatura sobre o tema, considero uma espécie de adesão, ou “permissão” da Argentina
e do Brasil a uma verticalidade99 ao possibilitarem a decisão, chamada a vir de outro
ponto que não de seus territórios (decisão de fora desses dois Países), a quem iria
corresponder, de fato, a tal área. Está relativamente bem coberta nesses estudos recentes
a discussão do litígio, embora eu tenha usado de documentação diversa da literatura
produzida até então, para, a partir de pesquisa documental, colocar outras questões. Por
isso, meu diálogo com os estudos já realizados vai menos pelo caráter da geopolítica –
quase sempre o melhor campo ao qual se inserem – e mais pela discussão da história
territorial, particularmente, discursos de legitimidade de apropriação. Da literatura de
análise da conquista, posse, apropriação e representação dos espaços, no sub-campo da
formação territorial, como entende Antonio Carlos R. Moraes (2000; 2005; 2009).
Reflexões, na qual parte de proposições desse autor são tributárias em diferentes trechos
dessa pesquisa. Na discussão a seguir, somo diálogo e em revisão de literatura com
pesquisas produzidas a respeito do Barão do Rio Branco.
99 Relembro aqui uma das tão férteis e boas discussões realizadas por Milton Santos (2002, p.245) a partirde Lênin, que penso, não deveríamos esquecer: “[...] as relações verticais nos indicam as relações de umasociedade com as outras sociedades.” (SANTOS, 2002, p.245). Em poucas palavras, a verticalidade podeser entendida como uma abrangência de um território a ser governado, sofrer alterações ou receber ordensvindas de uma escala distante dele próprio. Um ponto do território influenciado/controlado por outro, emuma relação nem sempre tão evidente ou perceptível.
141
Luiz C. Villafañe G. Santos (2012, p.10), chama atenção para o fato do
tratamento de Barão do Rio Branco, como um dos símbolos fundadores da nação
brasileira parecer deslocado no tempo. Não sendo mera curiosidade, pois, – lembra o
autor do ótimo livro O evangelho do Barão, Rio Branco e a identidade brasileira –
trata-se, de um dos founding fathers (heróis fundadores, “pais da nação”) que não viveu
no momento da Independência em 1822, afinal, nem havia nascido ainda, vindo ao
mundo posteriormente, em 1845. O mesmo autor afirma costumar termos em Rio
Branco, um dos importantes sujeitos na consolidação do nacionalismo, como esteio
ideológico do Estado brasileiro, um dos santos nacionais (SANTOS, 2012, p.13). A
República Velha ao qual também atuou – como ministro das Relações Exteriores entre
os anos de 1902 até 1912 – representa a estabilização da nova ordem oligárquica.
Na busca de conciliação, consenso e apresentação de política externa como
manutenção contínua e linear, sem promover ideia de ruptura, a cabeça de um
monarquista convicto teria auxiliado no lançamento de “base para concepções políticas”
da forma do Brasil fazer sua inserção no mundo. Alguns acreditam a simplória
concepção da Relação Exterior brasileira, como se independente da política interna,
sendo uma tradição originada com o Barão e perpetuada até hoje, em diversos discursos.
Interessa aqui, principalmente, focar nos momentos antes de Rio Branco tornar-
se ministro, função ao qual tomou posse aproximadamente treze anos após a
proclamação republicana, ficando uma década em poderoso cargo, quando faleceu.
Como tratei na primeira parte (nos tópicos anteriores) do presente capítulo, a respeito de
algumas atribuições dadas ao espaço e, da busca de uso do mesmo como as intenções e
mobilizações discursivas do litígio entre Argentina e Brasil, agora proponho não focar
necessariamente no contexto desse resultado. Relativamente, continuo sem focar apenas
nas discussões envolvendo, a primeira resolução de litígio de divisa e fronteira ocorrido
na República. Sendo também, primeiro dos acordos fronteiriços e processo de
legitimação de posse de terreno dos quais participou Barão do Rio Branco,
acontecimento público a possibilitar visibilidade a ele próprio. “Rio Branco, inclusive,
só alcançou notoriedade muito depois, quando se divulgou o laudo sobre o território de
Palmas. A partir daí, Rio Branco experimentou uma intensa atividade política, até sua
morte, em 1912.” (SANTOS, 2012, p.126).
Inclusive o resultado dessa vitória ao Brasil na arbitragem, segundo as memórias
do filho mais velho do Barão, o embaixador Raul de Rio Branco (1942, p.19), foi
142
literalmente um divisor de água na vida de seu pai;100 o antes e o depois da arbitragem
dos EUA é marcante na vida do Barão. Sem dúvida, a decisão do presidente dos EUA,
passa o autor do dossiê do Brasil, a ser mais conhecido entre os brasileiros. No mesmo
ano do resultado final do litígio, em obra intitulada A Propósito da Questão Missões,
Alcides Cruz (1895) mencionou – diretamente – o Barão como sendo filho de gente
ilustre e de um certo alguém – do Visconde –. “O Barão do Rio Branco, filho de um
homem que muito se elevou na vida pública, herdou as qualidades paternas.” (CRUZ,
1895, p.16).
Da mesma forma afirmou Rubens Ricupero (2000, p.07); até o voto de
arbitragem dos limites por Cleveland, Rio Branco não se destacava publicamente, sendo
ele mais conhecido como um reflexo das ações paternas, como também escreveu
Joaquim Nabuco à época, no editorial do Jornal do Comércio em nove de fevereiro de
1895. (RICUPERO, 2000, p.11). Personagem até então de menor aparência, o resultado
do laudo do presidente estadunidense, parece ter sido um momento fundamental do
lançar o Barão nos holofotes da esfera pública. Vindo de um alto cargo de indicação
política na burocracia consular, segundo afirma Francisco Doratioto (2012, p. 34): “Foi
na realidade, o primeiro personagem pública da era republicana a conquistar a nação.” É
consenso entre seus biógrafos como se “Demorou em se fazer notar, só alcançando o
primeiro grande sucesso aos cinqüenta anos, na questão de Palmas ou das Missões.”
(RICUPERO, 2000, p.07).
Das questões de fronteiras do Brasil, a Monarquia tinha resolvido duas delas,
com o Uruguai e com o Paraguai; a primeira (com a Argentina) na República, o Barão
conseguiu capitalizar muito do resultado favorável, para si próprio.
Do Visconde para o Barão: o sucesso, de pai pra filho
Barão do Rio Branco é considerado um dos ministros mais longínquos à frente
da pasta das Relações Exteriores, cargo de alta confiança exercido durante o mandato de
quatro consecutivos diferentes presidentes da República (quais sejam: Rodrigues Alves,
Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca). Seu pai, o Visconde de Rio Branco
(1819-1880) também é referenciado como o gabinete mais duradouro do Império. Com
recorde de quatro anos (entre 1871 até 1875) constantes na chefia – do conselho geral –
de demais ministros e de toda governança no Segundo Império (BARMAN, 2012,
100 “[...] é preciso considerar que a vida do Barão do Rio Branco se divide em dois períodos distintos: oque precede a missão arbitral de Washington (1893) e o que veio depois.” (RIO-BRANCO, 1943, p.19).
143
p.355), no mais alto dos postos abaixo do Imperador. Visconde foi ministro da Marinha,
três vezes ministro dos Negócios Estrangeiros, Ministro da Fazenda, ocupou diversos
cargos de relevo no Império e a partir de 1862, escolhido Senador vitalício por Mato
Grosso. (SANTOS, 2012, p.62-63).
Defendo a existência da profunda influência de Visconde na bem-sucedida vida
política ou pública do Barão. Para compreender circunstância decisivas de trajetórias, da
ascensão, das escolhas e mesmo do posicionamento nacionalista, e entre outros, político
e ideológico do filho, Paranhos Júnior – o Juca – é preciso relacioná-lo ou compreendê-
lo em paralelo às trajetórias do Paranhos, pai. Exercício, aliás, que não farei aqui em seu
conjunto maior esgotando-o (até porque outros autores já se detiveram a isso), mas, sim,
relacionando pontualmente influências do Visconde em ganho de possibilidades ao
Barão, favorecendo Paranhos Júnior tornar-se uma autoridade e personalidade pública.
Em parte, de maneira não determinante, Barão parece ter se percebido na larga
influência paterna sobre sua vida e ele mesmo reconheceu a forte direção de seu pai,
segundo aparece no relato das reminiscências do filho do Barão. Raul do Rio-Branco
(1942, p.11) escreveu que seu pai (a)creditava “[...] que a educação, não apenas do
professor mas principalmente da família decide do futuro. Por isso, ele [Barão] tinha
imensa pena dos órfãos, privados na sua meninice dos conselhos e sobretudo dos
exemplos que nos orientam na vida.” (RIO-BRANCO, 1942, p.11). Houve uma espécie
de circulação de saberes, de uma educação informal, que o Barão atingiu pela vida
privada. Viveu uma super estimulação na experiência direta, conhecendo in loco tanto
os ambientes históricos de disputas como o Rio da Prata, assim como personalidades
políticas, diretamente envolvidas no topo da administração do Estado brasileiro.
Já entenderam o Barão como diplomata, jornalista, geopolítico, geógrafo,
historiador etc. (BECKHEUSER, 1943; HEINSFELD, 2000; MORAES, 2012), tal
literatura está bem adensada e não busco contradizê-la. É certo ter sido um erudito de
seu tempo, resultado também por influência direta do capital cultural, social e político
herdado na socialização101 com seu pai e o imediato meio – inclusive intelectual –
101 Nas palavras do memorial escrito pelo primogênito Raul do Rio-Branco (1942, p.42): “Foi nessa época[da Guerra do Paraguai] que meu Pai começou a colecionar plantas e mapas das regiões, fotografias doscampos de batalha e toda sorte de informações a respeito da guerra, quer diretamente, quer por meio derelações que foi estabelecendo com personalidades notáveis como o Duque de Caxias, o General AndradeNeves, o General Osório, o brigadeiro Antonio da Silva Paranhos, seu tio, Floriano Peixoto e PiresFerreira, então jovens oficiais de terra, os almirantes Silveira da Mota, Saldanha da Gama, Custodio deMelo, Wandenkolk, Maurití, então jovens oficiais do mar, alguns dos quais mortos no campo [...].”
144
permitido de vivenciar. Segundo registrou um de seus filhos: “[...] meu Pai se
encontrava com os homens notáveis da época.” (RIO-BRANCO, 1942, p.60)
Sabe-se do interesse, paixão e dedicação do Barão pela história militar do País;
como pesquisador, autor e pensador engajado em formulações de narrativas dando
sentido ao passado do Brasil, particularmente de uma geração romântica, ao qual
pertenceu. Várias figuras-chave e membros da alta patente na Guerra da Tríplice
Aliança contra o Paraguai, colegas de Visconde, foram do convívio na juventude de
Juca. Dentro da sua casa, pode escutar relatos da vida política do País, em diálogos entre
autoridades ao grupo (Partido Conservador) qual pertencia Paranhos, pai.
Barão inspirou-se e teve como fonte de informações, muitas figuras ilustres que
estiveram em acontecimentos do qual ele tornava-se autor de textos.102 Preocupado em
defender o que considerava pertinente evitar com que se caísse no esquecimento,
algumas batalhas, vitórias e realizações conformadoras de uma grande nação. Entre as
histórias de grandeza da pátria, estaria àquele fio condutor explicativo de conseguir
manter unida, proporção elevada de uma mesma área e a continuidade de governança
sem quebras de radicalidades (como se apenas essas lavassem à fragmentação
territorial). Uma ideia de harmonia política, com domínio de vasta área continental.
Essas foram uma das justificativas pela sua elevada admiração de Pedro II, por
exemplo. A escravidão vista como um atraso era uma das críticas, na história de um dos
últimos países a ter fim ao trabalho compulsório; algo degradante e na afirmação de
Raul de Rio-Branco (1942, p.58) sustentador “da ociosidade nas classes superiores.”
O cognominado comum em uma sociedade de mercês como o Império do Brasil,
ao promulgar ou conceder algum título de nobreza, também poderia acompanhar quase
sempre um novo nome a ser incorporado ao de batismo ou do nome formal de registro.
Rio Branco, vem de um topônimo localizado na então Província do Mato Grosso, por
onde Paranhos era Senador e conseguira com que seu filho mais velho fosse eleito, pela
primeira vez candidato, deputado representante por essa Província, sem nem necessitar
a presença física de Paranhos Júnior por aquelas paragens. Elegeu-se deputado vivendo
no Rio de Janeiro e sem sair da capital para fazer campanha. O nome recebido com
título pelo pai, Visconde de Rio Branco, marcante por ter como referência uma
circunstância de área em disputa, como explicou Cristina P. de Moura (2003, p.30):
102 Por exemplo: “Foi nesse ano de 1876 que meu Pai publicou em dois volumes os comentários à históriada guerra da Tríplice Aliança, obra cujo texto original fora escrito em alemão por Schneider, leitor do Reida Prússia, depois Imperador da Alemanha, Guilherme I.” (RIO-BRANCO, 1942, p.64).
145
“Rio Branco era o nome de um pequeno rio ao sul do Mato Grosso, onde o Paraguai
desejara fixar a fronteira com o Brasil, em vez do Rio Apa, onde Paranhos conseguiu
estabelecer os limites, com mais vantagens para o seu país”. O lugar deu nome a pessoa.
Sendo esse mais um caso de título nobiliárquico no Brasil em que a toponímia
passou a ser usado para nome de gente, algo comum na sociedade monárquica brasileira
do século XIX. E não deixa de ser uma toponímia ligada à vitória do território, do
resguardo do mesmo. A relação de influência, destaque ou vinculação de determinada
figura política com alguns lugares tendeu influenciar ao nome – muitas das expressões
originados em línguas indígenas – que acompanhavam ao título de nobreza. Não seria
mero acaso um topônimo vir da Província por onde o político era Senador; sua
influência no Mato Grosso, seu papel na região desde a Guerra do Paraguai e demais
questões do Prata, informa o recebimento da alcunha de Rio Branco com o título do
nome de um curso de água em área fronteiriça.
É comum aparecer em certa literatura de epopéia biográfica, um posicionamento
tratando a vida do Barão do Rio Branco como um líder nato ao estilo self made man.
Excessivamente elogiosa como fez, por exemplo, o seu filho Raul de Rio-Branco (1942)
em livro intitulado Reminiscência do Barão do Rio Branco, obra cujo embaixador e
primogênito afirmou relatar, via sua memória de filho do Barão e neto – segundo
apontam biógrafos, nunca tendo se conhecido neto e avó – do Visconde, obra que
começara a escrever vinte anos após a morte de seu pai Juca, o Paranhos Júnior. Já mais
recentemente, um pequeno ensaio de Rubens Ricupero (2000), também apresenta uma
concepção elogiosa e bastante liberal de um – parece até ironia, Barão – que se fez por
si mesmo. Ricupero (2000), pouco enfatiza as indicações, habilitações e mesmo algumas
possibilidades viabilizadas por ser Barão herdeiro de uma figura ilustre do Império.
Segundo esse mesmo autor explica a trajetória de Rio Branco, como um feliz
desencadeador de boas oportunidades, interpretação com a qual não concordo pela
aparência frágil, mas principalmente por evitar tratar ou mesmo silenciar de aspectos
(aparentemente) “menos” ilustres. Uma afirmativa como a seguir, é realizada como se
não existisse àquelas práticas personalistas de uma sociedade de compadrio e do favor:
“É a história de uma ascensão [a do Barão] conquistada graças a esforços e resultados,
passo a passo, e legitimada por êxitos adicionais, sem favorecimentos, na linha da frase
norte-americana ‘nada como ter o sucesso para ter sucesso’.” (RICUPERO, 2000,
p.24). Definitivamente, se essa linha estadunidense ocorre, não parece caso do Brasil.
146
Não considero efetiva a ideia de não favorecimentos para caminhos seguidos por
Rio Branco, a começar pelo título nobiliárquico de Barão recebido em 1888 e depois
sua recusa de evitar usá-lo como desejavam alguns republicanos pós-novembro de
1889. Penso que aqui, não cabe deixar de apontar os pontos em que ser filho de um
Visconde foi muito favorável e usado pelo próprio Barão em uma sociedade
nobiliárquica e em seguida, na República. Há quem pareça evitar lembrar dos favores
ou indicações como se “estragasse” ou diminuísse a biografia do biografado.
Se considerarmos não sermos salvadores de biografias, mas interessados em
entender sociedades/pessoas em suas respectivas épocas e mobilidades é pertinente
associação com uma literatura crítica social, tal como àquela produzida por Pierre
Bourdieu (1996). Esse autor ao apontar as ascensões em redes de sociabilidades, nas
formas de decifrar códigos e símbolos sociais como uma das formas de desnaturalizar a
ideia de trajetória bem-sucedida e individual.
O capital social portado por indivíduos, informam muito de suas capacidades de
sucessos e “fracassos”. A recusa, portanto, de tratamento heróico se faz ao apontar em
quais redes (se) sustentam algum personagem, evitando uma ilusão biográfica. Não há
heróis que resistam as redes e cultura que os suportam.103
Encontrando situações de contatos, preferências, escolhas, pressões, vínculos e
capacidades habilitadas, distribuídas desigualmente nas relações de poderes em uma
sociedade, passamos a recusar a ver os movimentos das pessoas como genialidades,
líderes natos ou mais simploriamente, pré-determinados. Entendo que Ricupero (2000)
não cumpre bem essa a tarefa saudável de distanciamento, até pelo grau de
encantamento pelo indivíduo que estuda, acaba mais por fortalecer certo heroísmo de
um Barão, ao invés de compreender as tecituras que constrói, está imerso e, o autor
acaba participando da condução de uma teleologia para tal personagem. Em certa altura
afirmou (destaques meus): “Desde então [do resultado da Questão de Palmas] e até a
103 Os três tipos ideais de liderança(s) cunhados por Max Weber (2003; 2004), me parecem apropriadosao (Juca) Paranhos Júnior, até em esferas e situações diferentes. Líder tradicional quando da ocupação decargos via ação direta de seu pai, seja como professor substituto no colégio Pedro II, como Promotor deJustiça em Petrópolis (RJ) ou a indicação ao mais rendoso Consulado. Eleito duas vezes Deputado peloMato Grosso, tendo apenas na última, das duas eleições feito campanha pessoalmente. Líder burocráticoquando assume a defesa do Brasil na Questão de Palmas, assim como anteriormente o cargo em Liverpoole no ministério das Relações Exteriores a partir de 1902. Barão falece sendo extremamente popular, líderpelo carisma com hábitos nos costumes de desfilar em carro aberto por uma Avenida no Rio de Janeiroque passou a levar seu nome e, era figura constante presente na imprensa. No livro O dia em que adiaramo carnaval, Luís C. Villafañe G. Santos (2010) bem destaque a construção desse mito chamado, Barão.
147
morte, dezessete anos mais tarde, [o Barão] não falhou em nada que empreendeu
[...].” (RICUPERO, 2000, p.07).
Minha crítica não é no sentido de inviabilizar todo o livro de Ricupero (2000)
Rio Branco, o Brasil no mundo, pois, pode haver trechos pertinentes e menos
apaixonados, mesmo o autor vendo o Barão infalível. Quero aqui não esquecer àqueles
mecanismos, pessoalmente de ordem pessoais, impulsionadores dos sucessos de Rio
Branco. Se também utilizo o texto de Ricupero (2000) é com intenção de apontar
quando segue por uma interpretação de encantamento com seu sujeito, quando, por
exemplo, chega a aplicar à ascensão do pai do Barão também uma narrativa liberal:
“Órfão sem riqueza, Paranhos pai subiu na vida por esforço próprio.” (RICUPERO,
2000, p.12). Discordo dessa interpretação que vê o individuo sem contextualizá-lo em
um conjunto social ao qual participa, adere e ajuda a criar. Numa sociedade escravista,
com forte marcador social da diferença na cor da pele, o pai de Juca, um branco, filho
de português, mesmo não tendo origem nobre, também acessou possibilidades que não
eram dadas a todos de maneira igual, equilibrada ou isonômica. Mesmo não sendo rico
de berço, teve acessos.
Desde a infância, “Juca Paranhos acompanhou o pai em algumas de suas tarefas
diplomáticas.” (SANTOS, 2012, p.64). Quando criança, morou em Montevidéu entre
1852 e 1854; esteve junto com seu progenitor em missões ao exterior em 1869. Depois,
entre 1870 e 1871, acompanha a viagem do Visconde nas missões do Rio da Prata nos
momentos finais da Guerra do Paraguai, quando o então major do exército brasileiro,
Floriano Peixoto conhece o jovem Rio Branco. Coincidência desse encontro valida a
ideia de existência da rede social de contatos e poderes do Visconde, ao qual o Barão é
inserido, ainda mesmo jovem Juca. Afinal, mais tarde, em 1893 será o ditador
presidente Floriano Peixoto quem nomeará o Barão do Rio Branco para atuar como
advogado brasileiro no litígio com a Argentina, por sinal, é preciso lembrar em destaque
(feito por mim): “questão [da Palmas] que seu pai foi um dos primeiros a negociar.”
(SANTOS, 2012, p.82). Indicou-se o Barão para liderar a defesa do Brasil em um litígio
que o Visconde havia sido o iniciador de negociações, antes do litígio ser criado. Além
disso, o Senador Paranhos havia dirigido mais de uma vez o Ministério correspondente
ao das Relações Exteriores, no Império chamado de Ministérios Negócios Estrangeiros.
Antes de ser convidado para assumir função de advogado na Questão de Palmas,
não há como negar como o primeiro grande salto conseguido por Barão foi ter sido
nomeado para consulado em Liverpool em um dos mais bem remunerados cargos do
148
Império brasileiro. Essa indicação certamente ele não conquistou sozinho. Mais uma
vez, ser filho de alguém lhe contou com uma sorte danada! Sendo dos maiores portos do
ocidente a época; no cargo de cônsul em Liverpool, Rio Branco permanece por mais de
vinte e cinco anos. Sua nomeação foi conturbada, demorou um ano para que
conseguisse sair a indicação oficial ao cargo. Envolveu relativa batalha dos líderes
políticos do Partido Conservador para efetivar sua indicação, junto da aprovação de
quem permitiria assumir rendosa função, a família imperial. Sinal de que no Império as
indicações para cargos também foram usadas em trocas e barganhas.
Seu pai já havia deixado o comando do Conselho Geral dos Ministros; Dom
Pedro II encontrava-se em viagem, mas na chefia do gabinete como primeiro ministro
era um amigo do Paranhos pai. Pressionaram de todos os lados para a regente nomear
Paranhos Junior. O ministro chefe do gabinete geral Duque de Caxias – “que o tratava
por ‘meu Juca’” (SANTOS, 2012, p.68) – chegou a colocar a disposição seu cargo, caso
a nomeação não saísse: vitória dos conservadores que conseguiram a indicação de Juca
em 1876. “A nomeação só foi arrancada durante uma ausência de Pedro II, quando a
regente, princesa Isabel, foi confrontada pela ameaça da Caxias de demitir-se da chefia
do gabinete se não lhe fosse concedida a nomeação do filho do Visconde.” (SANTOS,
2012, p.69).
Barão parte do Brasil e passa a percorrer Londres e Paris, escapando muitas
vezes do seu posto em Liverpool sem formal autorização. Acobertado, protegido e mais
uma vez apoiado nas boas relações e contatos chaves herdados da influência de seu pai,
Rio Branco desempenhará uma fluidez e alta mobilidade também na Europa, pois “O
barão de Penedo, ministro em Londres e seu chefe imediato, era um velho amigo de seu
pai e lhe facilitava as saídas de seu posto.” (SANTOS, 2012, p.70).
Liverpool além de muito oferecer com alta renda para quem ali atuasse,
favoreceria proximidade com a atriz, companheira de Rio Branco, mãe de seus filhos
que morava em Paris, mesmo ainda não casados, união aliás, polêmica para a época,
fato confirmado pela realização do matrimônio somente e após, Barão ter se tornado um
Barão (título recebido em maio de 1888, casamento em setembro de 1889). Inclusive,
ele vivia muito mais tempo e dias na França do que na Inglaterra. Quando na capital
francesa há quem diga, utilizava-se de uma fórmula pronta para resposta caso
encontrasse com algum brasileiro conhecido: cheguei ontem e volto amanhã.
(RICUPERO, 2000, p.19; MOURA, 2003, p.46). A leitura que faço é então, “ter mais
sorte do que os outros” no momento de ascensão social, de conquista de cargos ou de
149
nomeação para postos é resultado da capacidade de alcançar os interesses mobilizados e
o poder, nesse caso, favorável ao indivíduo Juca, em uma clara disputa concorrencial
desigual. Mas Ricupero (2000) não vê as assimetrias, quando afirma, por exemplo
(destaques meus): “Trabalhador obsessivo, Rio Branco esforçou-se em programar
cuidadosamente a fortuna, pondo toda sua virtú a serviço da criação de condições que
lhe possibilitaram ter mais sorte que outros.” (RICUPERO, 2000, p.07).
Não se trata de ter mais sorte do que Outros, mas a sorte (da nascença) de ser
filho de um político influente no Império. Ao menos, se entendermos por criação de
condições para ter mais sorte como algo normal das disputas, se não, foram de
vantagens de berço do filho do Visconde que possibilitam Barão chegar aonde chegou;
circunstância confirmada pelo recebimento do título nobiliárquico.
Em maio de 1888 quando da assinatura da Lei Áurea, o presidente do Conselho
de Ministros era um ex-auxiliar do Visconde de Rio Branco, Correa Oliveira. Em
homenagem ao Paranhos pai, seu antigo chefe e articulador da Lei do Ventre Livre,
Correa conseguiu de Isabel o titulo de Barão ao Paranhos Júnior. Visconde havia
falecido há aproximadamente oito anos e na esteira do fim da escravidão, Juca, tornava-
se o Barão do Rio Branco como menção homenagem ao primeiro ministro da década
anterior. Visconde de Rio Branco, promulgara a lei permitindo descendentes de
escravos nascerem livres. Dois momentos de ausências do imperador Pedro II foram
muito favoráveis a Paranhos Junior, em uma delas o gabinete conservador do Duque de
Caxias conseguira força de pressão para sua nomeação no consulado de Liverpool, que
lhe permitia estar na Europa e, o gabinete de Correa Oliveira ajudava-o tornar em 1888,
um Barão. Em uma sociedade escravista e depois, republicana, o filho do Visconde
conseguiu abrir boas portas para si, tendo-o como eficiente chave, a figura de seu pai.
Em 30 de março de 1893, devido ao falecimento de Aguiar de Andrade titular a
frente da elaboração do processo de defesa do Brasil na arbitragem, a legação de
Londres enviou o convite vindo do presidente Floriano Peixoto destino a Rio Branco.
Assunto: assumir o posto de defensor da área em litígio, o que faz de imediato.
Passou ele então a corresponder-se com o ministro em Buenos Aires, AssisBrasil, e fez procurar documentação para sustentar o pleito brasileiro em váriosarquivos da Europa. Em Washington, recebeu o apoio de Salvador deMendonça, ministro brasileiro junto ao governo estadunidense. Ainda durante oImpério, o republicano Mendonça havia sido indicado cônsul em Baltimore em1875, graças à “boa vontade” do visconde e, portanto, conhecia Rio Branco, aquem anos mais tarde acusou a desejar “guardar para si todos os louros davitória” (Mendonça, 1904, p.252) que ele iria colher no arbitramento. Essaavaliação, aliás, verdadeira, foi também compartilhada pelo segundo
150
plenipotenciário da missão, o general Dionísio Cerqueira, que, certamente jáfrustrado por não ter recebido a posição de advogado titular quando da morte deAguiar de Andrade, não pôde conter sua fúria ao saber que não tivera seu nomeincluído como coautor da exposição escrita Rio Branco e entregue ao árbitro.Nem Cerqueira, nem nenhum outro membro da missão. (SANTOS, 2012, p.82).
Após resultado favorável da arbitragem nos EUA, retorna para a Europa, mas
sem ir pessoalmente ao Brasil, mesmo sendo informado da popularidade do seu nome
devido ao ganho da Questão de Palmas e, todo uso que os republicanos fizeram do
mesmo, como tratei no começo desse capítulo. Enquanto está em Paris acompanhando
da saúde da esposa, aproveitando-se de credibilidade positiva com o resultado da
arbitragem de Cleveland, consegue do governo brasileiro sua nomeação como o
negociador do litígio agora na causa da fronteira da Guiana Francesa com Brasil
“Assim, sua permanência na capital francesa estaria justificada e ele se dedicaria a
estudar e colher documentos sobre a questão.” (SANTOS, 2012, p.84).
Mas, em setembro de 1896 o ministro das Relações Exteriores considerado
desafeto do Barão desde a Questão de Palmas, transfere de Paris para o Rio de Janeiro
as ações envolvidas à defesa brasileira da fronteira com a Guiana Francesa. Entretanto,
no Governo de Campos Sales, o nome de Rio Branco volta a ser lembrado para atuar no
processo, e ambos se encontram, quando da viagem do presidente eleito pela Europa.
Barão é designado ministro em Missão Especial na Suíça para tratar a respeito
da fronteira com a Guiana Francesa. Sobre essa nomeação, assim concluiu Luís C.
Villafañe G. Santos (2012, p.84): “A situação política de Paranhos era, outra vez, de
intimidade com o poder.” Não é da proposta ou recorte temático avançar muito mais
para os anos após a delimitação da fronteira com a Argentina, nem tampouco chegar na
década em que o Barão foi ministro no Brasil. Mas considero valer chamar atenção
como parte dos resultados dos ganhos de causa das fronteiras, tornou Barão cada vez
mais popular e inserido em grupos de poder e esferas de saber reconhecidos como
legítimos, tais instituições como Academia Brasileira de Letras, vaga assumida por
Barão em 1898. Assim como, a presidência de uma das mais reconhecidas instituições
de prestigio desde o Império, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB. Mas,
sendo, segundo registrou o primogênito do Barão, a Royal Geographical Society de
Londres a que lhe causou maior prazer104 no convite de ingressá-la. A indicação do
104 Provavelmente pela sensação de distinção e de tradição que assumiram empresas coloniais que foramas sociedades de geografia. Na descrição de Raul do Rio-Branco (1942, p.93): “Foi Reclus quem, emreconhecimento pelas informações preciosas que obtivera de meu Pai, a cujos conhecimentos geográficosrendia homenagem, sugeriu à Royal Geographical Society, de Londres, sua eleição como membro
151
Barão como membro correspondente no Brasil para ingresso na Sociedade de Geografia
inglesa, foi do renomado geógrafo francês, Elyséé Reclus.
Da mesma forma, ter sido convidado para liderar o ministério das Relações
Exteriores no governo de Rodrigues Alves também é resultado pelo largo crédito
atribuído aos saberes do Barão, principalmente após o resultado e resolução de
fronteiras, pois “para a opinião pública, as vitórias nas questões de Palmas e do Amapá
afiançavam um conhecimento ‘técnico’ insuperável das intrincadas questões da
diplomacia e das relações internacionais.” (SANTOS, 2012, p.90). As vitórias nesses
pleitos, tornaram o Barão com notoriedade de vulto, “desgrudando-se” da imagem,
apenas, de filho do Visconde.
É preciso mencionar também a continuidade dos usos de discurso de
legitimidades de posse, vindas do Império. Tanto a opção pelas formas de realização e
formalização de outros limites baseados no principio de ter sido domínio português via
o uti possidetis, assim como a recorrência a arbitragem internacional, “tinha precedente
na diplomacia de Pedro II, que assinou com a Argentina o tratado que conduziu ao
arbitramento da disputa de limites na região de Palmas pelo presidente dos Estados
Unidos.” (SANTOS, 2012, p.111). Como afirma esse mesmo autor, Luiz C. Villafañe
G. Santos (2012), desde o fim da década de 1840, o principio do uti possidetis
consagrado como uma doutrina, permaneceu como eixo das negociações do Brasil. O
Barão, também nesse quesito, pode ser considerado uma dessas figuras responsáveis,
em tempos republicanos, pela continuidade de uma política imperial, ele mesmo um
monarquista que não negara o baronato.105
Convencer para manter território: Palmas pertence ao Brasil. Alguns argumentos
Após a leitura da sentença, Zeballos cumprimentouRio Branco, afirmando: “queira aceitar, senhor ministro, minhas felicitações
pelo brilhante êxito que acaba de obter.” A resposta do Barão foi:“A vitória não é minha, nem do Brasil: é dos mapas”.
(DORATIOTO, 2012, p.52)
correspondente no Brasil. De todos os títulos e distinções honoríficas recebidas por meu Pai, em sua vida,foi essa que lhe causou maior prazer e que mais o lisonjeou, porque foi concedida [...] sob iniciativa deum homem como Reclus.”
105 Desconfiou-se que Barão atuaria trabalhando em favor da restauração da Monarquia, mesmo apósindicado como advogado do Brasil no litígio, parece ter sido colocado um espião a observá-lo: “O próprioRio Branco tinha sido alvo de acompanhamentos e espionagem em Washington, por parte do governobrasileiro, quando atuou como advogado brasileiro da questão de Palmas.” (SANTOS, 2012, p.93).
152
Quando do resultado do laudo arbitral em 05 de fevereiro de 1895, dessa forma
parece ter Barão respondido ao advogado argentino: a vitória fora cartográfica. Como se
assim tivesse sido mais verdadeira, legítima porque cristalizado no mapa e, claro,
sacramentada vitória, porque “comprovada” não pela vontade, mas por alguma
materialidade real. Com quais argumentos Rio Branco buscou convencer a posse, em
favor do Brasil? Antes vale mencionar, sendo no mínimo curioso, tratar das indefinições
fronteiriças não resolvidas pelas metrópoles Ibéricas, tampouco acordado, propriamente
pelos dois Países diretamente envolvidos ao recorrerem ao árbitro.
Para Rio Branco (2012, p.154), talvez nem seja preciso dizer, nenhuma das
informações dos tratados, das convenções e mapas por ele (selecionado e) citados na
Exposição de defesa do Brasil, favorece a pretensão argentina. E seria diferente, o
advogado apresentar provas contra a sua causa? Ele recorre ao período colonial e das
disputas pelo domínio do espaço Iberoamericano, para buscar deslegitimar a proposta da
Argentina e favorecer ao Brasil. Parte dos capítulos do texto da defesa é a associação
entre os acordos feitos pelos Países da Península Ibérica e suas possíveis marcas (ou
marcações) no território. “O Pepiri-Guaçu era, portanto, o rio demarcado em 1759, o
mesmo que o Brasil defende hoje.” (RIO BRANCO, 2012, p.195).
Genericamente, pode-se dizer em poucas palavras, Juca Paranhos na defesa
brasileira argumentou, como a área em litígio pertencia a Portugal, e tudo que fosse
Portugal na América, seria brasileiro.106 Barão dedica bastante discussão ao século
XVIII, principalmente ao Tratado de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777). Sendo o
Tratado Preliminar de Santo Ildefonso o “[...] último ajuste celebrado entre as duas
coroas de Portugal e Espanha sobre os limites das duas possessões na América
Meridional.” (RIO BRANCO, 2012, p.62).
Um segundo argumento bastante enfatizado e constantemente dito no texto do
Barão, afirma como principalmente a partir do século XVII, a elevada presença de
paulistas e suas livres circulações na área de Palmas, consolida e demarca com o
domínio, de fato, português. Rio Branco (2012, p.73) vai se remeter ao período da
União Ibérica (1580-1640) como ocupação mais ancestral de população não indígena
106 Rio Branco propõe “abandonar” a discussão sobre Tratado de Tordesilhas, alegando o mesmo não tersido cumprido por nenhuma das duas Metrópoles Ibéricas, assim como ambas terem assinado tratadosseguintes (além da própria União Ibérica 1580-1640) ter função desvalidara de Tordesilhas. A tese geraldefendida: o de Portugal era, Brasil é. “Ao Brasil pertence incontestavelmente o território que na Américado Sul pertencia a Portugal, com as perdas e aquisições que ocorreram depois dos Tratados de 1750 e1777; e, reciprocamente, aos Estados confinantes que foram colônias da Espanha pertence o que era dodomínio desta nação, salvas as alterações que assinala o seu uti possidetis.” (RIO BRANCO, 2012, p.64).
153
(não autóctone), argumentando paulistas terem “reivindicado” a área do que veria ser –
futuramente – Palmas para si e de domínio português, mesmo quando ainda vigente a
União Ibérica. Provavelmente, por associarem os missionários (Jesuítas) com a
Espanha, os paulistas – à procura de escravos indígenas e contrários a tudo que os
impedisse das suas incursões – convinham dizer estarem sob tutela portuguesa. Barão
informa o primeiro ataque paulista aos indígenas, na área de abrangência e
circunvizinhança de Palmas em 1630. Seguida de regulares tomadas de assaltos os
assentos das missões jesuíticas e suas destruições entre 1630 e 1638, inclusive com uma
frente liderada por Raposo Tavares (RIO BRANCO, 2012, p.213).
Do ponto de vista paulista, provavelmente, era visto como empecilhos à
escravidão indígena algumas das instituições associadas à Espanha da época da América
Iberoamericana (sob o cetro da coroa espanhola), de maneira aos paulistas combaterem
frontalmente tudo que fosse associado à causa da não escravidão. A leitura que Barão
(2012) faz na Exposição da Questão de Limites, não aponta a expansão paulista no
principal interesse no domínio e controle da mão de obra indígena, mas faz “dos
brasileiros de São Paulo” defensores da conquista de um espaço português na América.
Embora Rio Branco mencione o fator indígena como impulsionador das andanças
paulistanas, os interpreta quase como restauradores da coroa portuguesa (antes mesmo
da independência de Portugal ser refeita em 1640) e um sobrepeso desses mesmos
paulistas, como se figuras-chave e fiadores do domínio da América portuguesa.
Não teriam os paulistas se utilizado de tentativas de uma “não vinculação
espanhola”, para exercer com maior liberdade suas entradas na caça aos indígenas?
Barão do Rio Branco aponta que o fizeram em favor de Portugal. Não seria o inverso,
dizer-se de Portugal para promover a ideia do não poder das missões jesuíticas
(espanholas)? Barão parece ter encontrado nos paulistas uma maneira convincente de
apresentar “súditos”, representando interesses de Portugal na América, pois, mais de
uma vez, diz terem feito guerras em nome das terras portuguesas: “No mesmo período
[da União Ibérica] os brasileiros de São Paulo, chamados paulistas prosseguindo em
suas expedições pelo interior, expulsaram os espanhóis e seus missionários jesuítas das
posições que ocupavam em territórios considerados dentro da demarcação portuguesa
[...].” (RIO BRANCO, 2012, p.72).
154
A área de Palmas estaria fortemente presente no roteiro paulista.107 “Ibituruna
era, com efeito, o nome dado no século XVII à região entre o Uruguai e o Iguaçu, e os
montes Bituruna do roteiro paulista não podiam ser senão os da divisória das águas que
correm para aqueles dois rios.” (RIO BRANCO, 2012, p.217). Seria Palmas própria do
uso paulista e entendiam pertence-lhes; contudo deixado de lado por uma prioridade
quando “[...] passaram os paulistas a empregar-se principalmente no descobrimento e
exploração das minas de ouro no interior do Brasil (Minas Gerais e Goiás), e no
extremo oeste (Mato Grosso).” (RIO BRANCO, 2012, p.218). Embora, não tivesse sido
uma área tão fixamente consolidada e com tanta presença paulista, como nas regiões
auríferas da América portuguesa, por exemplo, no roteiro paulista das caçadas
indígenas, Palmas estava incluso. Barão dá entender uma fixação esporádica, errática ou
provisória dos paulistas pela área, com a tendência de ocorrer menos “nomadismo” com
estabelecimento de fazendas, já na circunscrição do Brasil independente.
Do século XVIII em diante, os paulistas não aparecem mais no texto do Barão,
apenas menciona seus resquícios, segundo descrito por comissões que deixaram
documentos. Barão passa a usar, apenas, o termo brasileiro: “Os habitantes era, e são,
em sua quase totalidade, brasileiro. Desde 1836 e 1838 ocupavam permanentemente o
Campo de Palmas.” (RIO BRANCO, 2012, p.239).
Em quase totalidade da defesa apresentada, Rio Branco tratou de documentar
suas constatações; enfatizou, principalmente, não serem apenas suas opiniões, mas, diz,
avaliações – quando da área ser portuguesa (brasileira) – aparecendo também na opinião
de comissões e comissários espanhóis. Ou seja, conseguir no relato, no documento
107 Esse herói territorial que Rio Branco passou a ter na identidade brasileira, parece ter como seus heróisda conquista ou constituição do Brasil, a bandeira paulista (defende apaixonadamente, por exemplo, aideia polêmica de Cabeza de Vaca não ter sido o primeiro a chegar na área, mas paulistas). Mencionacomo missionários espanhóis chegaram a criar postos de observações da movimentação paulista, paramanter-se distantes dos preadores de indígenas. É presente duas grandes ideias principais ao longo doprocesso assinado por Rio Branco, a sua concepção de mito fundador da Pátria e domínio de Palmas opapel central dos paulistas. Outra concepção fortemente presente no dossiê é a demora da Argentinapassar a reivindicar a posse da área, criando o litígio apenas recente. Vejamos essas duas principais linhasde defesa na seguinte passagem: “O Brasil funda o seu direito no fato de que já no século XVII oterritório a leste do rio Pequiri ou Pepiri, depois Pepiri-Guaçu, – descoberto pelos brasileiros de SãoPaulo, chamados paulistas, e não por Cabeza de Vaca, como ultimamente se alegou, modificando oconhecido itinerário desse governador espanhol, – era dominado pelos mesmos paulistas e fazia parteintegrante do Brasil. Funda o seu direito no uti possidetis da epoca da independência, que era o mesmoreconhecido pelos missionários espanhóis quando, desde o século XVII até meados do XVIII, mantinhama oeste do Pequiri brasileiro um posto de observação para dar notícia dos movimentos dos paulistas; posseigualmente reconhecida pela Espanha no Tratado de 1750 e admitida pelo próprio governo argentino,porquanto no largo período de 70 anos, decorridos desde 1810 até 1881, não manifestou pretensão algumaa fronteira mais oriental do que essa, e no período de 40 anos, decorridos desde a ocupação efetiva epermanente desse território por cidadãos e autoridades do Brasil, em 1838 e 1840, até 1881, não reclamouou protestou contra essa ocupação brasileira.” (RIO BRANCO, 2012, p.67-68).
155
escrito, no texto do Outro algo que legitime a “minha posição”, parece ter sido uma das
mais substanciosas tendências de buscar legitimidade, convencimento e credibilidade,
na defesa assinada por Rio Branco entregue em Washington em fevereiro de 1894.
Sobre caracterizar a presença de movimentações paulistas tratada como regular e
constante, Rio Branco vai dizer, por exemplo, como se chegou a ocorrer estratégias para
evitar as correrias inesperadas que os paulistas provocavam. “Até meados do século
XVIII os jesuítas de Misiones mantiveram no [Rio] Uruguai [...] um posto de
observação para dar aviso dos movimentos dos brasileiros de São Paulo, os paulistas.”
(RIO BRANCO, 2012, p.219). A presença paulista em Palmas e entorno, fazendo “as
correrias dos povos das Missões”, deixaram marcas, registradas no século XVIII pelas
comissões de reconhecimento e demarcações espanholas, segundo dizia o Barão. Já, os
indígenas e missionários, além de criarem as Espias108 para observação quando da maior
proximidade ou chegada de paulistas, passaram a se preparar de maneira a “fazerem
contenções” em resposta ao “avanço” paulista. “Desde o século XVIII tinham os
jesuítas armado e disciplinado militarmente os seus índios para resistir aos ataques dos
paulistas.” (RIO BRANCO, 2012, p.102).
Essa presença paulista reforça sobremaneira a existência da escravidão indígena,
influenciadora, inclusive, do afastamento das reduções jesuítas dessa área de Palmas.
Para o Barão, a presença paulista é presença portuguesa, por isso, o que havia de mais
ancestral de domínio brasileiro da área.
Basta dizer neste lugar que já em 1636 era nos Campos de Ibituruna, ou Terrados Biturunas, hoje Campos de Palmas, a leste do Pepiri, que os paulistas seconcentravam quando iam ao ataque das missões do Uruguai; que ali junto aoPepiri, tiveram um forte ou acampamento entrincheirado; que ainda em meadosdo século XVIII os jesuítas das missões mantinham ao ocidente do mesmoPepiri, no Jaboti ou Pepirí-Miní, um posto de observação chamado Espia, paradar aviso dos movimentos dos paulistas; que de 1636 a 1638 estes brasileirosdestruíram todos os estabelecimentos que os jesuítas do Paraguai acabam decriar ao sul e ao oriente do Uruguai, e que só em 1687 aqueles missionários, quehaviam concentrado os seus índios guaranis na mesopotâmia formada pelaaproximação do curso do Paraná e Uruguai, se animaram a voltar para amargem esquerda deste último rio, assentando os fundamentos de sete aldeias,todas muito distantes do Salto Grande do Uruguai e do Pepiri. (RIO BRANCO,2012, p. 84-85).
108 Exemplo nessa passagem: “[...] os índios de São Xavier fizeram ao lugar que chamam a Espia, porquenele os dessa povoação se preparavam para não serem surpreendidos nas incursões dos paulistas, a quemprimeiro estava mais exposta.” (RIO BRANCO, 2012, p.112)
156
Rio Branco chegou a repetir109 duas vezes (em partes diferentes do dossiê) a
mesma citação de um relatório de comissionados espanhóis, em que se credita, ao longo
dos trabalhos em campo para reconhecimento do espaço e demarcação – em março de
1759 – sinais da presença paulista, aparentemente do século anterior: desde pilão,
roçados, malocas, panelas de barro bem cozido e com ornamentos. O próprio Barão
sugere, o que poderíamos nominar de rugosidades na paisagem, “denunciando” ter
existido presença paulista, principalmente, muros e restos de fortificações de estilo
paulista: “Perto das cabeceiras do rio Saudade, afluente ocidental do Chapecó, e na
longitude da foz deste rio, encontram-se ainda hoje, no Campo Erê, os chamados muros,
que evidentemente são restos de fortificações antigas.” (RIO BRANCO, 2012, p.221).
Tais elementos de uma cultura material ou dos usos do espaço, Rio Branco
interpreta, pelos relatos das comissões demarcatórias de acordos dos Países Ibéricos,
como Palmas sendo um território paulista.110 Com ironia, Barão afirma “Os espanhóis,
porém, nunca pisaram o território hoje contestado e suas vizinhanças senão nas duas
ocasiões em que foram com os portugueses fazer a demarcação determinada pelos
tratados de 1750 e 1777.” (RIO BRANCO, 2012, p. 221). E quando pisaram gente da
Espanha ali, argumentou o Barão, registraram em seus diários, era os paulistas quem
deixavam marcas por ali. Claro, Barão sobrevaloriza tais relatos espanhóis, descrevendo
resquícios paulistas em Palmas. Barão cadencia discursos das disputas Iberoamericanas.
A luta de Rio Branco pelo convencimento, esteve em reconstituir a apropriação
predominantemente portuguesa/brasileira (caracteriza como paulista, até o século
XVII). Em seu dossiê pipocam, ou aparece saltando os olhos pela repetição das frases
109 Na edição publicada no ano de 2012, a repetição das citações (com pequenas variações de palavras)estão nas páginas 117 e 220 de Rio Branco (2012). Trata-se de uma passagem do Diário da primeirademarcação dos comissários espanhóis, cuja data, diz Barão, é 06 de março de 1759: “Não distante destesegundo recife se achou na margem um morteiro, isto é, pilão velho, que pelo seu feitio conheceram ospaulistas ser dos seus compatriotas, que o deixaram em alguma das suas antigas malocas, isto é, dasincursões que faziam contra os índios destes povoados e também se viu um pequeno roçado de muitosanos, que se atribuiu aos mesmos.” (RIO BRANCO, 2012, p.220). O advogado do Brasil no litígioapontou constatação de vestígios paulistas pela área também no Diário espanhol da segunda demarcação,no dia 11 de dezembro de 1789 em que cita o Barão: “[...] em 11 de dezembro, encontramos vários cacosde panelas de barro bem cozido e com ornamentos que sem dúvida devem ser de paulistas quandofrequentavam este rio, para fazer suas correrias aos povos das missões.” (RIO BRANCO, 2012, p.220).
110 Em muitas passagens do dossiê, Rio Branco naturaliza áreas como pertencendo ao Brasil, mesmo antesda Independência, em uma clara narrativa em que coloca a existência do País na natureza. Como tratouessa discussão Demétrio Magnoli (1996), no Corpo da Pátria. Vejamos nessa passagem: “Quandoadiante se tratar do território hoje contestado, da sua história particular, das expedições dos paulistas, ounaturais de São Paulo no Brasil, ficará demonstrado que nunca houve a leste do Pepiri estabelecimentoalgum, nem mesmo passageiro, dos espanhóis e seus missionários jesuítas, e que por eles foi esse rioconsiderado sempre, desde o século XVII, como fronteira do Brasil.” (RIO BRANCO, 2012, p.84).
157
de engajada defesa, em um claro tom de processo de julgamento. É assertivo e decidido
nas suas afirmações, buscando inscrever o espaço em uma presença e pertença
imemorial brasileira. “O território contestado foi certamente descoberto por brasileiros e
fez sempre parte integrante do Brasil.” (RIO BRANCO, 2012, p.224).
Do último capítulo da defesa, Rio Branco apontou como já haviam sentado em
mesas de negociações a Argentina e o Brasil, desde 1857, inclusive com assinaturas de
tratados prévios e promessas de agilidades nas negociações. Embora em 1858 a Câmara
e o Senado argentino tenham aprovado um tratado com o Brasil, o governo argentino
teria deixado vencer (expirado) o prazo do mesmo, também pelo contexto de guerra
interna na Argentina. Mas Barão não se faz de rogado e cita documentos (dos anos
cinquenta dos oitocentos) de autoridades e governantes argentinos, reconhecendo área
como brasileira.
Se do período colonial buscou justificativas nos espanhóis, para dizer ser
domínio português da área, com os Países independentes (adentra no século XIX),
tentará em discursos argentinos fontes para sustentar defesa brasileira. Citou passagens
de documentos, para defender como argentinos já haviam manifestado pensamento
como sendo do Brasil, o que a Argentina reivindicava como sua. O Barão é contundente
na pontual lembrança, como por quase cinco décadas não foi feita nenhuma reclamação
ou reivindicação por parte da Argentina.
Não obstante ter o Tratado de 1857 ficado sem efeito por falta deformalidade complementar da troca das ratificações, todavia é documentohistórico da maior importância no estudo desde pleito, porquanto prova que ogoverno argentino, concluindo esse ajuste, e o Congresso argentino, aprovando-o, reconheceram expressamente naquela data o direito do Brasil à fronteira doSanto Antônio, Pepiri-Guaçu e Uruguai, direito já reconhecido tacitamente, poisdesde 1810 até 1858 – durante 48 anos, – o governo argentino nunca formuloureclamação ou protesto de espécie alguma que manifestasse pretender fronteirasmais orientais do que essas (RIO BRANCO, 2012, p.230).
Barão buscou descrever possíveis créditos do Brasil com a Argentina, por ter
realizado um apoio frontal de guarnição de área (justamente Misiones) argentina na
Guerra do Paraguai, sem ter se apresentado interesses de apropriação de qualquer
terra.111 Apontou, por outro lado, como ao final da Guerra do Paraguai, a Argentina teve
111 Certamente a passagem a seguir apresenta um forte tom nacionalista, ainda mais em se tratando deuma circunstância da Guerra do Paraguai, entretanto, vale chamar atenção pela tentativa de transmitiruma ideia colaborativa, cooperativa e mesmo de um Brasil parceiro na relação com Argentina, pois oBrasil teria defendido (do Paraguai) a (futura) província de Misiones, inclusive durante Guerra doParaguai fora essa área do território argentino, guarnecida pelas forças brasileiras.: “O Brasil pode dizerque concorreu poderosamente para que o território de Misiones, entre o Paraná e o Uruguai, ficassedefinitivamente pertencendo à República Argentina. Concorreu para isso ocupando e protegendo esse
158
certa dificuldade em não “se acertar” com esse País, indo ambos ao árbitro – também
sendo os EUA – e perdendo o mesmo: continuou parte do Chaco reivindicado, a ser
área de quem era, o Paraguai.
Além de buscar fazer o que parece ter sido uma espécie de “reconstituição da
ocupação” brasileira na área, Rio Branco encerra o texto da defesa brasileira,
estranhando ou colocando em suspeita a demora da Argentina em reivindicar a posse da
área; segundo ele, os brasileiros poderiam dizer, ter a República Argentina durante 70
anos reconhecido a fronteira pelos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antonio. “A reclamação
argentina sobre o território brasileiro a leste do Pepiri-Guaçu e do Santo Antônio é de
data muito recente.” (RIO BRANCO, 2012, p.225). Alguns argumentos aparentemente
pensados como mais simplórios, como àquele questionador de estar sendo recente a
reivindicação argentina, fora deixado mais ao final do dossiê. Mas não significou ter
menos capacidade provocativa e de inferior validade de peso na argumentação.
Nem só com base histórica feita pelo Barão, a partir de Tratados entre Portugal e
Espanha, dos relatos das Comissões Mistas, das correspondências e acordos entre
chancelarias etc., mas também de exposição de análise discutindo as possíveis
contrariedades das posições e dos discursos da Argentina. Na abertura do dossiê
elaborado, o Barão inicia fazendo referência ao último recenseamento do Brasil, do ano
de 1890. Segundo afirma, dos 9.601 habitantes da comarca da Palmas, 9.470 eram
brasileiros e 131 estrangeiros. Mas, “Entre esses não havia um só cidadão argentino.”
(RIO BRANCO, 2012, p.59).
Em algumas passagens da arguição do Barão está presente não uma abordagem
da história para legitimar a brasilidade da área, mas fragilizar tentativas de legitimação
de posse pela argentina. Visando apostar na vulnerabilidade dos argumentos argentinos,
Barão questiona interesses de ressuscitar a questão das fronteiras pela Argentina, posto
que nunca havia feito qualquer reclamação com interesse pela área de Palmas, até 1881.
O ápice da crítica é apontar mapas oficiais da própria argentina, que localizavam a
abrangência de Palmas como parte do Brasil. Assim, Barão procurou estranhar o porquê
de não ter havido contestações argentinas, como haviam feito com disputas de áreas em
outras circunstâncias? “Se julgava ter direito ao território a leste do Pepiri-Guaçu e
Santo Antônio, devia ter protestado contra a sua ocupação administrativa, como
território durante a guerra, tomando sobre si a maior parte dos sacrifícios de sangue e dinheiro que aTríplice Aliança teve de fazer, e prestando ao seu aliado, depois da paz, [...] para que essa questão delimites tivesse solução amigável e satisfatória.” (RIO BRANCO, 2012, p.234).
159
protestou contra a das ilhas Malvinas ou Falkland pelos ingleses.” (RIO BRANCO,
2012, p.239). Enfim, questionava o Barão, por que demorara fazendo apenas um pouco
mais de uma década que o Estado argentino passara a dizer publicamente litigiosa a
área?
O documento foi entregue em fevereiro de 1894 nos EUA. Rio Branco propôs ao
advogado argentino na querela, Zeballos, que trocassem entre si cópias das respectivas
defesas, como relatou o filho, Raul:
Foi o caso que, tendo sido entregues as memorias pelas partes, meu Pai,ansioso por conhecer os argumentos contrários, propôs a Zeballos a troca dasmesmas memorias, que aliás já não podiam ser alteradas, fazendo-lhe ver avantagem, para cada qual, de descobrir alguma coisa imprevista naargumentação do outro. Mas Zeballos declinou a proposição [...]. (RIO-BRANCO, 1942, p. 126).
Proposta não aceita pelo argentino; à espera do tempo da decisão do árbitro era
obrigatória. Barão, entretanto, segundo relato de seu primogênito, “tinha sabido captar a
simpatia de uma jovem americana, noiva de um dos auxiliares diretos do Presidente.” E,
“Por ela”, escreveu Raul do Rio-Branco (1942, p.127) que esteve presente
acompanhando seu pai no dia da leitura do resultado na Casa Branca, “soube [o Barão]
que podia esperar sem muitas apreensões.” (RIO-BRANCO, 1942, p.129).
Tendo a resposta no ano seguinte às defesas apresentadas, era manhã de 05 de
fevereiro de 1895. As repercussões do voto do árbitro favorável ao Brasil foi o tema do
início desse presente capítulo. A República deitou e rolou com a boa nova. O Brasil
ganhava reconhecimento internacional de uma área, e junto, um novo herói; herói desse
território, dando início a uma figura de herói territorial.112
O laudo posicionando a defesa do Brasil foi assinado ao final, sem o nome civil
ou de batismo, e sem o claro e prévio título nobre de Barão, mas escrito, apenas, como
o nome que agregou desde seu pai: Rio Branco. Desde o Visconde, Paranhos pai,
passando pelo Barão, Paranhos Júnior, o simbólico da luta pelo resguardo e manutenção
do espaço brasileira é grande. Não se transmite, apenas, o que é possível do capital
político, mas também a luta pela manutenção brasileira, e do que lhe parecer ser visto
como essência(l), seu território.
112 [...] sem que fizesse derramar uma gota de sangue nem uma lágrima de mãe, ele ampliou o territórionacional, como nenhum conquistador militar pode fazer [...]. (RIO-BRANCO, 1942, p.205)
160
CAPITULO III
UM BANDEIRANTE NO ÚLTIMO ANO DA DÉCADA DE 20, DO
SÉCULO XX:
O caso do Oeste de Santa Catarina e a Viagem do Governador em 1929
A constituição do Sertão: o Oeste de Santa Catarina
Se hoje em democracia, interessa aos candidatos aos poderes eletivos percorrem
em momentos de campanhas eleitorais, o máximo de espaços, deixando-se serem vistos
por grande número de pessoas em um curto período tempo, buscando traduzir tal
exposição em maior número possível de votos, ao que parece, no Brasil atual, quando
eleito um governante as pessoas “já o conhecem”, mesmo que por meio das redes
sociais ou mídias/televisão. Talvez por isso, hoje, a visita de governantes à determinada
região possa ser tratada como uma presença convencional. Até porque o próprio
representante eleito pode ser “originário” da região, assim como há muitos discursos de
políticos que a exaltam, afinal, dali pode estar à vitória em um pleito.113 Mas, haveria
pretensões de regularmente insistir e reforçar lembranças de quando esteve em alguma
região pela primeira vez, uma autoridade, tal qual um governador?
Na cultura política de Santa Catarina, há várias datas fundantes no século XX
que os registros da história oficial costumam enfatizar. O ano de 1929 é uma delas.
Muitas pessoas nunca haviam visto a face do que se denominava114 na época,
Presidente, em referência ao que hoje chamamos Governador de Estado. E junto do
tempo, há um espaço: o Oeste catarinense.115 Para exemplificar a perpetuação dessa
referência, basta lembrar que ainda hoje se costuma cobrar, por exemplo, de
vestibulandos para que atentem a esse fato ou ainda, é um relato bastante presente em
113 Como lembra Sandra Lencione (1999, p.20): “Quem não conhece um político que busca sensibilizareleitores por meio de apelos ao regionalismo? Um político que disputa recursos orçamentários em nomeda defesa de interesses regionais?”.
114 Não fora sempre assim, pois segundo Jali Meirinho (1997, p.197) a Constituição estadual de 1928mudou o nome do chefe do executivo de governador para presidente.
115 Renk (2006, p.09) denomina de Oeste catarinense às regiões coloniais do extremo Oeste como o Riodo Peixe. Para autores de epoca aqui tratados, geralmente – na direção leste ao oeste – é após o Rio doPeixe que se localiza o Extremo Oeste.
161
publicações de livros paradidáticos de historia catarinense, ao qual o nome do
governante é marcado como o primeiro a ter ido até os limites finais das “nossas terras”,
quando se começa após o rio Peperi-Guaçu, a Argentina.
Entretanto, em uma abordagem da alteridade, o Outro não é apenas aquele que
está fora do território a qual pertencemos, nesse caso, o argentino, mas os próprios
habitantes desse Oeste, que o governador Adolpho Konder (1884-1956) é considerado o
primeiro a oficialmente ter estado presente. A maneira como nos documentos de época
referem-se à presença do governante, permitem interpretar como um espaço Outro do
litoral, dos vales e da serra catarinense, eram os: “não-integrados”, isolados e
desprovidos de contato que passavam a receber a sorte de poderem contar com visita de
uma ilustre autoridade. E, como foi apontado entre discursos oficias, os demais motivos
do governador se deslocar ao Oeste, estava na sua consciência da obrigação em
“abrasileirar” tal região, como relataram alguns dos secretários de governo, burocratas e
homens das letras que fizeram parte da comitiva (BOITEUX, 1931; COSTA, 1929,
D’EÇA, 1992).116
Colocar em prática o destino daquela região, fazendo-a brasileira. Duas as
principais características da Viagem do governador, na avaliação de um dos
participantes: o caráter de bandeirismo e de missão. Os três autores das descrições da
Viagem acreditavam na necessidade de conhecer os ainda não abrasileirados e
consideravam suas observações e presença relevante, pois realizadas em nome da nação,
como, a de garantir a apropriação das terras por brasileiros. Percebe-se a tendência de
uma narrativa, como se fosse a implementação mais do que um compromisso de
governo, uma aventura em que a própria equipe acompanhante do governador faz uma
descrição importante de si mesma e seus atos, buscando legitimar seu discurso e ação.
Cruzada pela fé profunda, pelo religioso civismo que nos aquece e anima;Bandeira, pelo espírito de aventura, pela esplêndida brasilidade [...] a tomarposse definitivamente e absolutamente de uma grande porção de SantaCatarina, em nome da Pátria. (D’EÇA 1992, p.79). [negritos feitos por mim]
O Oeste era o Outro em relação ao restante de Santa Catarina, em um claro
exemplo de tratamento de uma noção de Sertão: espaço distante a ser conquistado em
favor de um conjunto maior, ao qual, não necessariamente parece fazer parte os
habitantes desses Sertões, que embora apareçam nas descrições como sertanejos, são
considerados como população a ser diluída nos projetos colonizadores para tal espaço.
116Aqui utilizo a segunda edição do “Aos espanhóis confinantes” (D’EÇA, 1992), a primeira data de1929.
162
Trata-se do imaginário presente da cultura brasileira, do Sertão como desprovido de
qualidades e de “valores” a ainda serem descobertos, cadastrados e mesmo
reelaborados. A busca por entender a profundidade117 desses espaços, inventariando e
descrevendo o Sertão, fora inclusive, segundo Antonio Carlos Robert Moraes (2009),
um dos motivadores e legitimadores, em determinadas epocas, para existência e
justificativa dos estudos118 de geografia brasileira: “Descrever os sertões tem sido uma
das metas praticadas pelo labor geográfico no Brasil, aparecendo mesmo como um
elemento forte de legitimação desse campo disciplinar em diferentes conjunturas
históricas do país.” (MORAES, 2009, p.88).
Segundo esse mesmo autor, no curioso texto: “O sertão: um outro geográfico”,
embora seja difícil encontrar uma característica que o unifique ou qualifique enquanto
uma unidade conceitual, devido aos diversos elementos genéricos apontados, no Brasil,
o Sertão é uma entidade recorrente na história territorial. Em Santa Catarina dos anos
1920, nos relatos aqui analisados, percebe-se como a ideia que se tem do Oeste é de
sinônimo de Sertão, como uma busca do espaço estranho a ser conhecido, incorporado e
acima de tudo, passar a fazer parte de domínios territoriais a serem definitivamente
estabelecidos. É importante buscar compreender o destaque da noção de Sertão, pois
dependendo da forma como é interpretada, pode auxiliar nas interrogações a respeito da
presença do governador naquela ocasião, como segue o trecho que considerei
extremamente pertinente para o contexto catarinense aqui discutido:
O sertão é comumente concebido como um espaço para a expansão, como oobjeto de um movimento expansionista que busca incorporar aquele novoespaço, assim denominado, a fluxos econômicos ou a uma órbita de poder quelhe escapa naquele momento. Por isso, tal denominação geralmente é utilizadana caracterização de áreas de soberania incerta, imprecisa ou meramente formal.No geral, utiliza-se o termo sertão para qualificar porções que se quer apropriardos fundos ainda existentes no território nacional em cada epoca considerada.
117 No final dos anos 1920 em Santa Catarina, a ideia do Oeste como o Sertão, nos dá pistas de que haviafatores motivacionais para classificá-lo como uma oposição à civilização. Um dos principais interesses éincorporá-lo plenamente, mais do que apenas por via de invenção de rituais de fortalecimento deconsciência e identidades de pertencimento. Como bem abordou Antonio Carlos Robert Moraes (2009,p.96): “[...] a mera qualificação de uma localidade como sertão já revela a existência de olhares externosque lhe ambicionam, que ali identificam espaços a serem conquistados, lugares para a expansão futura daeconomia e/ou do domínio político. Transformar estes fundos territoriais em território usado é umadiretriz que atravessa a formação histórica do Brasil, alçando-se mesmo à condição de um projeto estatal-nacional básico do país.” Sobre a centralidade da noção de Sertão e sua relação territorial brasileira vertambém: Gilmar Arruda (2000): “Cidades e Sertões: entre história e memória” e Ricardo de Oliveira(2002) “Euclides da Cunha, Os Sertões e a invenção do Brasil profundo.”
118 Não seria a obra de Orlando Valverde (1957, p.16) um exemplo? Quando nessa passagem menciona:“Nem mesmo o homem, que atravessa a serra há quase 300 anos, conseguiu fixar-se nesta sertão hostil.Ela é, até hoje um deserto demográfico.”
163
Nesse sentido, trata-se de um qualificativo que induz um novo processo dedomínio territorial sobre os espaços enfocados, isto é, que introduz um novosurto de dominação política no âmbito espacial delimitado pela qualificaçãoproposta. (MORAES, 2009, p.90-91).
Para além de despertar curiosidades, naquela Viagem de 1929, muitas
fotografias119 e imagens da epoca foram colididas em um álbum, o que também
configura um processo de ritualização, catalogação, levantamento de material e
documentação a respeito do processo de reconhecimento de uma “nova” área. Alguns
desses álbuns fotográficos distribuídos entre comunidades e em contato com as
populações que o governador percorreu, como um mecanismo para as pessoas o
reconhecerem como agente de poder. É pertinente apontar a descrição que aparece
abaixo de uma imagem de floresta e serras ao fundo reforçando mais uma vez a
classificação a que foi atribuída ao Oeste catarinense. Entre o firmamento e a terra: as
imensidões do Sertão a serem acoplados ao território usado.
O presente capítulo “manuseia” uma massa documental para, a partir dos textos
e algumas imagens (como fotografias, por exemplo) a respeito da Viagem de 1929,
entender tanto a representação de um território que foi percorrido, assim como a
construção material desse território que é edificado em movimento: no próprio processo
de renomear, “batizar”, “cartografar”, descrever nomenclaturas locais, referenciar,
comparar, valorar e medir determinada área terrestre, afinal “[...] é a própria apropriação
que qualifica uma porção da Terra como um território.” (MORAES, 2005, p.45).
119 O álbum de fotografias, intitulado “Roteiro da excursão do Presidente Adolpho Konder ao ExtremoOeste Catarinense” foi republicado em edição fac-simimilar pelo: CEOM/Centro de Memória do Oeste(Org). “A Viagem 1929: Oeste de Santa Catarina, documentos e leituras.” Chapecó: Editora Argos, 2005.Nesse livro organizado pelo CEOM, também foram republicadas as obras de Costa (1929) e de Boiteux(1931). Sobre o tema, ver mais em Arlene Renk (2005; 2006).
164
Imagem 10: A legenda no rodapé da foto, “regionaliza” parte de Santa Catarina como sertão
Fotografia sem autoria (disponível em: CEOM, 2005), caracteriza aos que não fizeram parte daViagem de qual palco se tratava a “expedição” e para aqueles que habitavam nessas paisagensque se reconhecessem como habitantes dele. A Viagem de 1929 utilizou de fotografias comomecanismo de representação de poderes sobre os espaços. Regularmente aparecem imagens dogovernador, em situações ou atos “inaugurais” de desbravamento de área, realizando discursosentre pessoas e de encontro entre diferentes.
Os documentos analisados na primeira parte desse capítulo são além de
esporadicamente os relatórios anuais do governo de Adolpho Konder (1926-30), três
obras principais, duas delas publicadas no mesmo ano da Viagem e uma publicada em
1931. Trata-se dos diários e textos de três observadores (BOITEUX, 1931; COSTA,
1929; d’EÇA, 1929/2ed: 1992), todos funcionários de governo que após acompanharem
a viagem e no percurso da mesma, fizeram mais do que anotações ou relatos seqüenciais
por onde passaram. Elaboraram discursos interpretativos e constitutivos de análises das
pessoas, dos lugares e interpretando a região que desejavam incorporada. São
enunciados que buscaram descrever para demais partes do país (particularmente para os
catarinenses) de outras regiões, aquela parte do estado a ser integrada. Escritos no
“calor da hora” tais documentos recebem no presente estudo um tratamento
metodológico – são fontes primárias – articulando com bibliografia pertinente às
análises de cunho territorial, pois no olhar dos participantes “daquela missão” em 1929,
ao território catarinense que se quer ver incorporada a região Oeste e fazer uso dela.
165
A interpretação aqui seguida é aquela que entende que ao representar um espaço,
apropriá-lo e, portanto, territorializá-lo, está articulado o processo de reconhecimento: a
descrição das “qualidades” de uma determina porção do planeta (e suas variáveis
representações) e de empoderamento do mesmo: seus limites, nomes reconhecidos
como oficiais e área de abrangência de uma jurisdição. O caso da presença oficial de um
governador, pode bem ilustrar essa articulação entre o simbólico e o material, que
poderia ter na elaboração de um mapa ou na mudança do nome de algum lugar, por
exemplo, seu ápice. Estou completamente de acordo com a conclusão de Fernando
Vojniak (2005) quando ele observou alguns desses mesmos documentos que seguirei
analisando, uma sutil mescla: “A Bandeira Konder e seus atos e registros tornam-se
fundamentais para análises da produção do Oeste catarinense, pois o rito de passagem,
de conhecimento e reconhecimento do território produz, também, o território.”
(VOJNIAK, 2005, p.14). Afinal, é importante não esquecer, como disse Claude
Raffestin (2009, p.35): “A imaginação é um elemento constituinte da territorialidade,
porém, raramente é explícita.”
A primeira de algumas das imagens da obra “O Oeste Catharinense” – o autor
dedicou120 o livro a Adolpho Konder – Arthur Costa (1929, p.06) apresenta em seguida
ao sumário e antes de começar qualquer texto, uma “representação cartográfica” ao qual
mostra o trajeto de todo o percurso realizado entre 17 de abril e 18 de maio de 1929. Em
negrito está à saída de Florianópolis, os pontos de parada e o retorno, em um percurso
total de quase 3.000 km. Nota-se nesse desenho (a seguir, Imagem 3) como há uma
legenda explicativa no canto esquerdo inferior, detalhando os meios de deslocamentos
utilizados no percurso; mas também chama atenção a opção de onde foi localizada a
expressão, conforme a escrita da epoca, em maiúsculas: “EST. DE S. CATHARINA”.
O nome do Estado na mais extrema parte Oeste desse “mapa” ou melhor, a referencia de
um espaço cartografado, configura um interessante exemplo de representação do poder
que se torna visual a partir de uma carta representativa dá área total catarinense e da
região em particular. Pode-se bem problematizar tal desenho, ao se associar com a
afirmativa realizada por outro observador que também escreveu a experiência e assim
considerou ao percorrer a região: “Está pois integrada a Santa Cathatina, direi melhor,
120 Na dedicatória, expressa a Viagem como um exílio: “Ao Presidente Adolpho Konder. Lidimo eintrépido ‘bandeirante’ aquém se devem a ideia e o exílio da jornada ao Papery-Guassú’.” (COSTA,1929).
166
ao Brasil, extensa faixa de terra, cujo abandono – triste é dize-lo – era manifesto.”
(BOITEUX, 1931, p.25).
Imagem 11: Trajetória da Excursão do Governador Adolpho Konder em 1929
Imagem sem autoria (ref, COSTA, 1929, p.06) publicada no livro “O Oeste Catharinense”,destaques para: a) Localização da nomenclatura do Estado de Santa Catarina justamente noextremo-Oeste. b) Detalhamento no canto esquerdo inferior do total da distância realizada pordiferentes meios: “2893 quilômetros percorridos. [Destes:] 1085 em Estradas de Ferro, 1272 emAutomóvel, 200 quilômetros em lancha e 336 quilômetros a cavalo.” (COSTA, 1929, p.06).
O livro de D’Eça (1992) e Boiteux (1931) não utilizam nenhuma imagem. Mas
José Boiteux (1931, p.26), utiliza-se de uma metáfora da corporeidade humana para se
referir ao trajeto percorrido. Como se costuma fazer nessas comparações, elege-se um
membro primordial humano, tornado paralelo da “corporeidade” do espaço. A trajetória
percorrida pela expedição é comparada ao coração121 tanto pela importância da
localização, a partir do centro para o Oeste do território catarinense, como pela
amabilidade e afinidade com que as pessoas receberam os forasteiros vindos da capital.
121 “[...] dupla excursão pelo coração catharinense. Pelo coração, centro do território do Estado, e pelocoração, pois que tão repetidas e tão justamente prestadas foram as homenagens, carinhosas em extremo,por elle recebidas da população rural barriga-verde [...] até o ancião que, nunca tendo conhecido umgovernante, desde que Santa Catharina se abriu para a administração pública olhava nosso presidenteentre agradecido e admirado.” (BOITEUX, 1931, p.26).
167
Alguns dos municípios e localidades classificados nessa imagem anterior
possuem até hoje, os mesmos nomes, conforme se pode notar ao fazer comparações
com mapas atuais de Santa Catarina. Entretanto, no seu relato, Arthur Costa (1929)
parece tentar deslegitimar muitas das nomenclaturas e toponímias que acabara de
conhecer e promove uma tentativa de ridicularização dos nomes de lugares aos quais
não parecia concordar, não entendia o significado ou, considerava de pouca
representatividade simbólica. Começa dizendo em certa altura de seu relato: “[...] os
nomes dos lugares são de curiosa escolha.” (COSTA, 1929, p.58). Para em seguida,
criticar as nomeações de lugarejos: “Não têm conexão de sentido com o que deveriam
exprimir. É assim que em [na comunidade de] Flores não se encontra inflorecencia
alguma. Nenhuma corolla.” E arremata: “O mesmo em [na localidade de] Fartura, onde
passamos fome.” (COSTA, Ibidem). Essa disposição de inferiorizar as denominações já
existentes é acompanhada de outras descrições com desejos de subalternização e em
verdade, de uma sobreposição cartográfica, portanto, de um reordenamento do poder.
Como Milton Santos (1997) afirmou, o não conhecimento das histórias da
constituição de determinado espaço é uma relevante alienação das pessoas com sua base
territorial. Disso é possível encontrar exemplo do Oeste aqui discutido, como um
projeto de “resgate” de fundos territoriais em favor de membros externos a esse espaço,
fabricando em conseqüência um tipo de alienação das pessoas vivendo na região antes
da chegada das autoridades. Embora não seja necessariamente a retirada de posse
(desapropriação de terras), as tentativas bem-sucedidas de alteração dos nomes,
mudanças de toponímias e os discursos visando subalternizar/inferiorizar os nomes até
então utilizados, podem ser vistos como um primeiro momento de desapossamento
(HARVEY, 2013, p.330), mesmo que aparentemente não seja uma mudança material ou
tangível. Na lógica da expropriação, talvez a mudança do nome seja o primeiro passo
para efetivar uma nova captura desse espaço para uma nova lógica, como o da
afirmação da propriedade privada.
Ao adotar o posicionamento de tornar institucional novas nomenclaturas do
território, rebatiza-se lugares e os insere em mapas, buscando exercer melhor controle
sob os mesmos e em conseqüência, perda de algumas de suas referências até então
vividas. Ou, como refletiu Quaini (2009, p.130), o mapa pode ser considerado um dos
mecanismos mais potentes de transformação ou negação dos lugares. Percebe-se um
desprezo pelos nomes existentes e muito das toponímias passam a ser substituídas. A
forma de tratar as nomenclaturas dos lugares como desimportantes é perceptível no
168
relato dos membros da comitiva. Ao passear por uma corredeira, percebe-se a existência
de guias e auxiliares não-brancos vivendo pela região, como nota-se nesse relato, em
que autor recusa saber algumas toponímias: “O timoneiro – um caboclo destorcido que
se chama Areias – avisou-nos de que dentro de alguns instantes vamos passar a primeira
corredeira. E disse um nome. Mas a mim não me importa o nome.” (D’EÇA, 1992,
p.24).
No mesmo relato, mais em frente, o observador vai descrever como havia rituais
de batizados de locais, assim como comemorações de datas simbólicas da
nacionalidade. Outras características e práticas acompanhavam as mudanças de
nomenclaturas: “Amanhã, data de comemoração do descobrimento do Brasil, haverá
uma comemoração cívica: alvorada com salvas de revólver e, às nove horas,
hasteamento da bandeira nacional pelo presidente; depois: batismo do ribeirão que
banha o acampamento e que passará a se chamar ribeirão 3 de Maio.” (D’Eça, 1992,
p.75).
Um dos mecanismos de projeção de poder está na recomposição de nomes,
símbolos e valores. Esses avaliadores “externos” em típico movimento de expansão de
fronteira, elegem os nomes a serem mantidos, as vozes que vão considerar autorizadas a
auxiliarem nas (re)nomeações e as toponímias que passam a considerar válidas e
pertinentes na elaboração dos novos planos, desenhos, traçados e nomenclaturas. Seja
em cartas de localização ou nos documentos oficiais elaborados, houve uma busca por
invisibilizar muitas das toponímias existentes:
Durante a travessia, auxiliado por sertanistas e pelas informações doDr. Werner, um inteligente alemão ligado à Empresa Chapecó-PeperyLimitada, foi o presidente Konder, juntamente com o engenheiro Breves,corrigindo os enganos e preenchendo as omissões do mapa atual [...] edando nomes aos [locais] que os não têm, reunindo, assim, elementos para amelhoria de confecção do novo mapa do Estado, em preparação. (COSTA,1929, p.30). [destaques em negrito feito por mim]
A nomeação dos lugares é uma clara invenção social ou em uma linguagem
geográfica: um importante atributo das construções territoriais. Por isso, observa-se de
alguns agentes participantes da Viagem, uma super atenção para as possibilidades de
descrição, referencial e reconhecimento dos lugares; as práticas de inventário e re-
nomeação dos lugares é uma rotina realizada com atenciosa dedicação: “O Arthur Costa
examina pela centésima vez, a carta do Estado e assinala acidentes mínimos de
viagem”. (D’EÇA, 1992, p.30).
169
Às vezes trava-se uma batalha para fazer com que determinada nomenclatura
passe a valer e fazer sentido como denominação, se não reconhecido por todos, ao
menos seguida pela maioria e resguardada a continuidade desse nome pelas instituições
oficias. Afinal, como já se percebeu do próprio desenvolvimento da elaboração de
roteiros, portulanos, cartas e signos de localização, quando naqueles contextos de
incorporação, posse e conquistas de espaciais “[...] as necessidades de conhecer a
extensão real das colônias, assim como de lhe demarcar os limites, incidem sobre o
desenvolvimento da cartografia.” (MORAES, 1989, p.19). E desenvolvimento de uma
cartografia não apenas de relevos, bens naturais ou das particularidades de biomas, mas
também de nomenclaturas de tudo que seja denominável nos mapas. E, em se tratando
de influencia externa e região fronteiriça, o nacionalismo ali mais candente, sugere os
nomes refletindo e promovendo o espírito nacional. Remete-se também a ideia de uma
língua nativa, como se a caminho entre a língua portuguesa e as expressões indígenas:
Aproveitando a oportunidade e no afã de identificar verdadeiramente aregião percorrida, o presidente, o Breves, e o dr. Werner fizeram retificaçõestopográficas e hidrográficas, dando nomes a lajeados, a ribeirões, a acidentesnaturais, que ainda nem se achavam assinalados nos mapas !
Como é vasto e desconhecido este nosso querido Brasil !Mas, ao batizar essas águas novas, o presidente tem tido uma nobre
preocupação nacionalista: dá-lhe sempre nomes brasileiros: – Lajeado do Saci,Ribeirão da Bracatinga.
Nada de designação arrevesadas, que o caboclo não pode pronunciar enada significam.
Estamos no Brasil e o vocabulário brasileiro é farto e expressivo.E o manancial luso-guarani inesgotável e belo, como nenhum outro.
(D’EÇA, 1992, p.84). [destaques em negritos feitos por mim].
Entre aqueles burocratas que acompanham políticos, há alguns preocupados em
fazer menções ressaltando a distinção dos nomes, seja na importancia da pessoa em vida
e com a morte passando a ser alguma toponímia, ou também referindo-se a importância
da língua usada, sonoridade e o regular uso do que nomina. Oficiais de gabinete se
atribuem o dever de lembrar os nomes dos lugares, o por quê das autoridades
homenageadas e “pedagojizar” o texto mencionando regularmente as pessoas poderosas,
quem elas foram e o que fizeram. Algumas dessas narrativas evitam com que se caia no
esquecimento, tentando sempre fazer lembrar da “importância” do nome ao qual foi
atribuído a um dado lugar. Embora se falasse em toponímias favoráveis à pronuncia e
ao entendimento pelos caboclos, simultaneamente buscava-se uma substituição desse
grupo étnico por imigrantes brancos de origem europeia. Eram esses imigrantes, a
população preferencialmente aceita à colonizar o Oeste.
170
É possível observar alguns dos documentos formulados pela Viagem, como
naquele Álbum Fotográfico criado pela própria expedição, nele também se nota no
“mapa” (Imagem 3) antes aqui referido (COSTA, 1929) como no caso da localidade
Dionísio Cerqueira122 (atualmente município com o mesmo nome) é regularmente
nomeada de Barracão. Os próprios narradores tem dificuldades de chamá-la de Dionísio
Cerqueira devido às recorrências de referencia ao nome Barracão: “Meia-légua antes de
Barracão – Dionísio Cerqueira é um nome oficial [...].” (D’EÇA, 1992, p.105). O
silencio dos autores sobre quem a nomeou é questionador: fora o Estado do Paraná,
considerando sua área de abrangência, quando em 1903 eleva a povoação à vila e
nomeia de Dionísio Cerqueira, segundo informa a “Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros” (IBGE,1959, p.93). Quando práticas – como a nomeação – realizadas por
paranaenses, os autores catarinenses aqui tratados, não fizeram qualquer menção do
crédito ou lembrança de quem assim havia nomeado de Dionísio Cerqueira.
Não apenas o nome, mas as diversas instituições formais ou informais dali
refletem naquele momento, segundo a descrição dos “viajantes”, uma polarização seja
da Argentina ou do Paraná e um profundo distanciamento das “coisas catarinense”. Um
dos autores relata que do consumo de necessidades ali não produzidas, eram adquiridas,
tais bens, procedentes de Buenos Aires e arredores da capital Argentina. É tratado como
inspiração, a maneira da República argentina fazer gestão e administrar sua fronteira;
com serviços do Estado muito mais presentes e constante em relação à fronteira
brasileira, os autores relatam admirados tanto a presença de autoridades argentinas
como uma maior influencia direta vinda diretamente da capital nacional. Mais do que
apenas perceptível a presença do Estado argentino até suas fronteiras, descreveu-se
como um exemplo de política pública a ser seguida pela lado brasileiro, como escreveu
Othon D’Eça, criticando o abandono visível e vivido pelos brasileiros que eram
absorvidos pelo lado argentino. O contraste da situação, faziam os brasileiros
recorrerem regularmente ao lado do rio para acessar os serviços públicos no País
vizinho: “Juiz de paz, Jefe de lo Resguardo, professores, comissários de polícia e até os
severos policiais de grandes bigodes e espadagão à cinta, tudo isso vem de Buenos
122 General Dionísio Cerqueira e Barão do Rio Branco envolveram-se em disputas tentando capitalizarempara si, a organização e solução do processo de arbitragem da fronteira com Argentina em 1895 queocorreu nos EUA. As fricções das relações dos dois naquele caso poderia ser um interessante exemplo dadiscussão que Bourdieu (2003) faz a respeito de quem se apodera da autoridade para instituir a região(ou outros espaços, obviamente). Em Santa Catarina, Dionísio Cerqueira, município que faz divisa com oparanaense Barracão (na ‘tríplice’) fronteira com o município argentino de Bernardo de Irigoyen.
171
Aires ou das províncias a ‘serviço de la frontera’ e portanto, a serviço da Nação
argentina.” (D’EÇA, 1992, p.107).
As pessoas buscavam abastecimento no mercado argentino e não eram descritas
nem como argentinos, nem como catarinenses, estavam em uma situação de (como
nomeia um dos autores: “paradoxo” da) fronteira. O território era brasileiro, mas a
maior parte do abastecimento não: “Um kilo de café, vendido em latas com rótulos
argentinos, moído em Buenos Aires, custa 10$; [...] uma cerveja, sendo a única que ali
se encontra da fabrica Qilmes, dos arredores de Buenos Aires, 4$500; uma caixa de
phosphoros, tambem argentinos, $500 [...].” (COSTA, 1929, p.39).
Mas, a fronteira não era apenas com outro Estado-nação, e sim também com um
vizinho dentro do País. Por isso, o caso do telégrafo relatado no livro de Costa (1929)
torna-se relevante para a análise aqui discutida, embora parecesse frustrante para as
autoridades de Santa Catarina a epoca participantes da expedição, porque o fato descrito
em relação ao telegrafo repetiu-se com relação com outras instituições, seja ela as
Escolas, os Cartórios e até mesmo o Exército; assim constata Arthur Costa (1929, p.47)
em uma interpretação que visava mudanças: “Há, entretanto, em relação às
denominações dos povoados catarinense e paranaense, uma confusão que é preciso
corrigir e aqui vai a denuncia para conhecimento de quem competir.” E o narrador,
detalha a análise em uma área bastante confusa a quem se pertence, inclusive para as
próprias pessoas de Dionísio Cerqueira:
Pois bem, a estação telegráfica desse povoado, [Dionísio Cerqueira],situado em território do nosso Estado, tem a designação deBarracão. Isso levou-nos a reclamar do agente contra tal erro e ele,justificando-se, mostrou-nos o material telegráfico recebido, inclusivecarimbos, no qual estava o nome Barracão. Mostrou-nos um Oficio doTelegrafo, dando àquela estação a designação Barracão. A estaçãocatarinense deve ser denominada Dionísio Cerqueira. A paranaense,aonde existe um radio, esta sim, seja Barracão. (COSTA, 1929, p.47-48). [destaque negrito feito por mim]
Já a respeito de Chapecó, esse mesmo autor vai sugerir nome para um município
que passe a ser desmembrado desse, pois considera a área territorial total bastante
elevada.123 Fica claro o interesse de fazê-lo território usado. Um tamanho muito grande
123 A comparação com a Rússia, chancela a tese de João M. Ehlert Maia (2008). Afinal, para Costa (1929,p.34) Chapecó “É a Russia catharinense.” Dados colhidos pelos participantes da Viagem foramlargamente repetidos, como fez Carlos Humberto Corrêa (1997, p.183) quando menciona a área domunicípio de Chapecó na epoca da Viagem de 1929 como a metade do tamanho da Bélgica; talcomparação está presente em Arthur Costa (1929, p.32): “Para termos uma ideia comparativa do tamanhodessa área municipal, consideremos que a Bélgica tem apenas pouco mais de 33.000; a Suíça 41.000; aDinamarca, 44.000 [quilômetros quadrados].”
172
do espaço a ser administrado, era visto como risco de surgimento de pontos autônomos
e independentes. Seria mera coincidência que Chapecó em 1943 seria desanexado de
Santa Catarina para constituir o Território Federal do Iguaçu? Ainda em 1929, fazia-se a
proposta de sub-divisões daquela imensa Chapecó que estimavam com área de quase
14.000 km² e um habitante por km². Sugeriu-se um nome ao novo município em
homenagem a uma autoridade tão importante para a região, tal como fora Dionísio
Cerqueira. Lembra que a homenagem àquele que fez o voto de arbitragem em favor do
Brasil, na causa da disputa com a Argentina (na “Questão de Palmas”) o presidente
estadunidense Gover Cleveland, era o que nomeava um município paranaense chamado,
Clevelândia. Mas enfatizava a relevância, do considerado pela literatura especializada
(SANTOS, 2012; HENRICH, 2010) um dos fouding fathers da nação brasileira.
Propunha homenagear Barão do Rio Branco, ao nomear alguma nova área a se
desmembrar de Chapecó, como defendeu: “Deve caber aos catarinenses perpetuar o
nome de Rio Branco em um dos melhores, mais prósperos e formosos rincões de
Chapecó.” (COSTA, 1929, p.47). Nesse caso, a referência ao Barão como um dos
homens mantenedores da integridade territorial do País é clara, no caso brasileiro, bem
poderíamos nominar também aqueles considerados “heróis territoriais”.
José Boiteux (1931, p.08) também vai fazer menção a nomes de políticos e
daqueles que estamos considerando de: “heróis territoriais”, ou seja, figuras da cultura
política do País que são representados em uma perspectiva positivista, como
responsáveis pela dimensão e união de todo espaço brasileiro, nomes consideravelmente
bastantes utilizados para nomear municípios e toponímias em geral. Senão, vejamos. Na
passagem pelo Planalto Norte catarinense, Boiteux (1931) descreve a importância do
Conselheiro Mafra124, que fez um longo laudo ou tratado jurídico para defender Santa
Catarina como advogado, na disputa com Paraná no Supremo Tribunal Federal. Fora
dado seu sobrenome à uma área (município) fronteiriço ao paranaense. Ainda, seguindo
o relato desse trecho da Viagem, percebe-se a mobilização da identidade entre Paraná e
Santa Catarina que estaria, naquela ocasião, na comemoração do centenário do início da
imigração alemã para o Brasil, colonização acentuadamente marcante nas regiões
124 “Conselheiro Mafra” também nomeia uma das ruas mais movimentadas e conhecidas de Florianópolis(em que se localizam, por exemplo, o Mercado Público Municipal, a Praça da Alfândega e parte da PraçaXV de Novembro). Corta boa parte do centro da capital e está localizada paralela a rua Felipe Schmidt.Destaque para a obra Manoel da Silva Mafra (2002) “Exposição histórico-jurídica: por que do Estado deSanta Catharina sobre a questão de limites com o Estado do Paraná, submetida, por accordo de ambos osEstados, à decisão arbitral pelo advogado Conselheiro Manoel da Silva Mafra.” Ed. fac-similar.Florianópolis: IOESC, 2002.
173
fronteiriças aos municípios de Mafra e Rio Negro, esse último já em terras paranaenses,
mas que a comitiva também resolvera passar, saudando a comemoração, e o autor,
lembrando o histórico da personagem que nomeava aquela área catarinense, relatava:
A meia noite, encaminhamo-nos para a estação da Estrada de Ferro deS. Francisco do Sul a Porto União, afim de tomarmos o trem especial que, ás 8horas da manhã de 19, alcançava a sede do município de Mafra.
Nesta cidade, que se condecora com o inesquecível nome do eminentejurisconsulto e ilustre catharinense conselheiro Manoel da Silva Mafra,advogado que foi da terra natal na questão de limites com o Paraná, foramexaminadas as obras de construção do edifício da Colectoria, agora jáinaugurado e da grande ponte que liga aquela cidade é do Rio Negro. Visitamosa exposição comemorativa do 1º centenário da colonização naquele prosperomunicípio paranaense [...]. (BOITEUX, 1931, p.12-13).
As análises dos nomes já existentes, ou avaliação de remarcação das toponímias
eram acompanhadas de classificações dos lugares, quase sempre reforçando um
imaginário encantador e bucólico do Sertão ou, em oposição, traduzindo a ideia de um
“nome natural” de áreas sem relações sociais civilizadas e sim baseadas na violência e
disputas bárbaras. Na interpretação do autor de “O Oeste Catharinense: visões e
suggestões de um excursionista”, os afastados rincões eram vítimas do banditismo e
movimentos revolucionários. Repete-se na sua classificação, a imagem da solidão de
um vasto deserto, mas acredita ser possível desenvolver potencialidades de atratividade
de bens modernos. Dos trechos de avaliações de áreas presentes no texto, torna-se
possível identificar alguns dos imaginários do Sertão no Brasil, entre eles o diagnóstico
de potencialidades e serem desenvolvidas.
A forma como descreve uma localidade, de Irahy, por exemplo, chama atenção
ao positivar a importância da ida para morar no local, de um ex-participante nas lutas da
Guerra do Contestado (1912-1916). Irahy faz parte do veio da uma área de águas
termais subterrâneas e o relato de Costa (1929) enfatiza os potenciais já existentes e
sinaliza futuramente serem explorados, com sentido de valor contido (valor do espaço)
(MORAES; WANDERLEY, 1988, p55), mas que precisaria ser qualificado em infra-
estrutura, “salvando” da condição de isolamento e integrando-se à outras regiões. Trata-
se de análise que visa projetos de valorização criada (valor no espaço),125 quase sempre
pensados de fora e preparando o mesmo não para os moradores, mas para aqueles a
poderem se beneficiar dos serviços ou migrarem, atraídos, por exemplo, pela águas
125 A interpretação de valor no espaço refere-se ao trabalho realizado e depositado no mesmo, “espaçoreceptáculo da produção material”: ou valores criados. As formas preexistentes, a “natureza”, porexemplo ou realidades físicas de suas características, são os valores do próprio espaço. A discussão estáem Moraes e Costa (1988; 1984).
174
termais. O autor mencionou o que nominou como um Cavalheiro de algum episódio (ao
qual não menciona de qual se trata) da época da Guerra no Contestado, que interessado
pelas qualidades bem-fazeijas e saudáveis das termas resolveu viver por onde
justamente os governadores dos Estados vizinhos (Rio Grande do Sul e Santa Catarina)
estavam assinando um convênio de cooperação entre as respectivas polícias.
A nomeação da localidade de Irahy, escreveu Arthur da Costa (1929) foi dada
pelos indígenas devido a estância de águas especiais, significando na língua deles água
de mel e nessa estação balneária, impressiona-se o narrador, já havia um hotel em
funcionamento. O membro da comitiva relata seu conforto, dizendo se deliciando126 nas
águas do local, principalmente pelas condições da abstenção de banho, já que se
encontravam no Sertão passando por situações de privação de conforto e oferecimento
de serviços. Vale aqui registrar como “Antes de ser paisagem para ser contemplada, o
território é um sistema material para usar porque foi construído com valor de uso.”
(RAFFESTIN, 2009, p.33). Assim, descreveu-se como a amenidade atraia pessoas a
viverem por onde passava a comitiva:
Em Irahy, por exemplo, cujas águas são do mesmo lençol [das águastermas de Chapecó e do Rio Grande do Sul], reside José Vaccariano, nomeligado a certo episódio do ex-Contestado à construção da picada Mondahy-Barracão.
Contou-nos este cavalheiro que, estando gravemente doente,aconselharem-lhe as Águas de Mel.
Deu-se tão bem com ela que para ali mudou a sua residência e hoje sesente completamente curado. (COSTA, 1929, p.22).
Se o trecho acima, quando menciona o participe das batalhas no Contestado é
positivado (provavelmente por ele ter sido um dos membros civis que atuaram no lado
das tropas oficiais das armas do Estado), no mesmo texto o autor anuncia regularmente
ter passado por região levas de desordeiros, como os roubadores de gado e participantes
de movimentos revolucionários. Na “Picada de Mondahy ao Pepery” o autor lamenta o
trajeto pela mata fechada que faz a ligação, desde a divisa de Santa Catarina com o Rio
Grande do Sul até a Santa Catarina com o Paraná. A constante repetição de paisagens
126 Marcelo Lopes de Souza (2009, p.62) bem lembra como não são nada desinteressados e imparciais osrelatos de ufanismo da natureza e de idealização de bens que costumam a ser levantados pensando emtransformá-los em recursos: “Exaltar esses recursos e essas riquezas, das jazidas de minérios às belezasnaturais, sempre fez parte do discurso legitimatório da qualquer Estado-nação, ao lado da insistêncianaturalizante sobre a ‘personalidade própria e indivisível’ daquele espaço (discurso-argumento contra acobiça externa e discurso-vacina contra projetos separatistas internos).” Como também assinala AntonioCarlos Robert Moraes (2006, p.50): “Os próprios meios naturais se qualificam conforme os interessesmobilizados em sua ocupação, como mostra exemplarmente a colonização em áreas dotadas de recursosminerais valiosos.” Para acompanhar uma discussão completa sobre o tema, conferir a tese de livre-docência na Geografia Humana da USP: “Geografia, Capitalismo e Meio Ambiente” (MORAES, 2000).
175
em que se encontram cruzes fincadas no chão, sendo, como diz, verdadeiros cemitérios.
Resquícios de disputas ocorridas nas proximidades dessa picada, faz menção a falta de
comunicação entre as forças “legais” de defesa dos Estados (unidades federativas) com
a força (do Exército) nacional. Arthur da Costa (1929) narra com desapontamento o
trajeto da Viagem que estão fazendo, por ter sido também grande parte o mesmo
caminho feito quatro anos antes pela Coluna Prestes.127 Faz depreciação dos
participantes liderados por Prestes. Comenta a confusão entre a Brigada Militar
sulriograndense comandada por um tal coronel Claudino, que durante nove horas
manteve conflito aberto com as – por Arthur Costa (1929) denominada – Forças legais
do corpo de provisório e patriotas, comandadas pelo General Paim: atacam-se
mutuamente, achando estarem em combate ao inimigo de ambos. Engano que as matas
fechados do Sertão causam. Para Othon D’Eça (1992, p.104), não houve nenhuma
estratégia por parte da marcha da coluna, pois “Carlos Prestes nem sabia da marcha de
Paim Filho.”
Athur Costa (1929) menciona que na comitiva do governador, entre as pessoas
que os acompanhavam no trecho Monday - Dionysio Cerqueira havia soldados e
oficiais participes de encontros sangrentos que o autor passa a narrar. Possivelmente
eram esses os seus informantes do histórico de confrontos pela região [?], que
mencionaram a perseguição a Luis Carlos Prestes quando morreram trinta soldados da
polícia do Rio Grande do Sul e das “forças legais” das armas nacionais. “Enquanto as
forças de Claudino e Paim se chocavam, estava Prestes em Dionysio Cerqueira, a cerca
de seis quilômetros de distância.” (COSTA, 1929, p.28). Em uma estrutura textual
reforçando uma das instituições mais reconhecidas como portadoras da nacionalidade:
as forças armadas do país, o autor lamenta o que descreve como confusão entre fogo
amigo, caracterizando os homens armados ligados a Prestes como desertores inimigos
da população local e por onde faziam suas incursões. Nas palavras do autor, o perigo de
tais violências constantes, relatadas quando da passagem pela região que a torna
comparável e semelhante ao Nordeste do país: “Um dos grandes flagelos do Oeste
catharinense, como do Nordeste brasileiro, é o banditismo.” (COSTA, 1929, p.53).
[destaques negritos feitos por mim].
127 Simbologias da nacionalidade, são ali descritas pela história do País, como por exemplo a passagem doinspetor de fronteiras, General Rondon em 1930 e a Coluna Prestes, como a própria publicação do IBGE(1959, p.94), por exemplo, faz: “Em 1925, mo mês de março, a famosa coluna revoltosa Prestes chegavaa Dionísio Cerqueira, onde se deu o encontro com as forças comandadas pelo Gal. Paim e Cel FulgêncioMello, tendo Prestes conseguido evadir para o Paraguai.” A passagem da Coluna Prestes também deixatoponímias, como localidade de Separação, quando dividiram as tropas de Prestes e Juarez Távora.
176
A pesquisadora de referência do Oeste catarinense na contemporaneidade,
Arlene Renk (2006) analisou como houve a necessidade de implementação de políticas
públicas e mesmo de orquestração de um imaginário demovendo a representação dessa
região catarinense como um verdadeiro faroeste. A própria Viagem de 1929 parece ter
realizado promoção de acordos que desembocassem em menores criminalidades, como
um autor – Arthur Costa (1929) – que veio sendo até agora analisando, estava
exercendo o cargo correspondente ao de secretaria da segurança pública do governo
estadual catarinense, na ocasião da expedição. E os respectivos governadores dos dois
mais meridionais Estados do país, Getúlio Vargas e Adolpho Konder, assinaram um
acordo de combate ao banditismo na área de fronteira entre Rio Grande do Sul e Santa
Catarina. Para que realizasse uma efetiva atração de fluxos migratórios e venda de terras
a fim da colonização, alguns obstáculos eram necessários serem retirados, “O primeiro
destes esteve na associação da área à imagem de caos.” (RENK, 2006, p.55).
Certamente, pode-se notar, observando os relatórios e fala do governador, assim
como desses membros da comitiva aqui analisados, como se passou a ter uma
expectativa de desenvolvimento da região a partir da implementação de projetos de
colonização com um campesinato eurodescendente. Observa-se argumentos defendendo
tanto a vinda de pessoas para o estabelecimento de fazendas de criação como da
atratividade de imigrantes, para ao constituírem núcleos coloniais repercutir também no
Oeste o que havia marcado a formação social das outras regiões catarinenses: a
colonização em pequenas propriedades (tais como as dos Vales litorâneos) ou a criação
extensiva de gado (tais como os dos Campos de Lages). Aquelas expectativas podem já,
expressar um certo regionalismo catarinense – no olhar como referência o planalto e o
litoral, avaliava-se o Sertão – da Viagem de então, poderiam fazer-se projeto colocados
em práticas de suas realidades para esse “Oeste em descoberta”.
Basta observar, a interpretação de um cronista atual, para perceber uma ligação
ou representação semelhante da dispersão de um mesmo regionalismo em Santa
Catarina quando afirmou recentemente: “O modelo colonizador baseado no minifúndio,
semelhante ao do leste catarinense, ensaiava algum sucesso, de forma independente [nas
margens do rio Uruguai].” (MOSIMANN, 2010, p.436) No dizer da epoca, clama
Arthur Costa (1929, p.71): “Essas ótimas terras precisam ser povoadas de colonos e de
gado. Que riqueza imensa está sendo ali inaproveitada.” Identificava-se fundos
territoriais a fazerem então, parte do território usado por Santa Catarina, talvez não seja
mera coincidência o fato de durante a gestão de Adolpho Konder a erva-mate tomar
177
“impulso como importante produto do comercio catarinense.” (VIEIRA FILHO, 2001,
p.22).
A ideia de implementação de uma paisagem européia começa a ser idealizada
para o Oeste, quando se enfatiza a instalação de companhias de colonização de terras,
como afirmou Othon D’Eça (1992) a respeito da instalação da sede do escritório, de
uma dessas empresas de venda de lotes e propriedades. “Só agora vim a saber a espécie
de construção que se vai erguendo no alto de um morro, em [localidade de] Passarinho.
É a futura casa para a direção da colônia. Acastelada, com ameias e blockhaus,
dominará uma vasta extensão do [rio] Uruguai e emprestará àquela paisagem um ar
medieval.” (D’EÇA, 1992, p.48).
No relatório anual do governador, do ano de 1928, Adolpho Konder dava a
entender que as terras do Oeste já se encontravam em propriedade de muitas
companhias colonizadoras e que o incentivo estadual para fixação de imigrantes já não
era tão necessário. Realizavam-se colonizações por si mesmo, sem mais necessário
apoio direto do Estado. Vai defender, nessa fala um ano antes da Viagem, como o
principal problema de Santa Catarina não era mais de atração de colonização, mas de
meios de escoamento da produtividade e acesso aos mercados: “Assim, o antigo
problema do povoamento do nosso solo acha-se, nos dias atuais, substituído pelo
problema do transporte, da viação econômica, problema esse que há merecido a minha
melhor atenção.” (KONDER, 1928, p.77).
É claro ao analisar esses relatos de epoca, como também já se percebe estarem
sendo definitivamente colonizadas algumas das áreas do Oeste percorridas pelo grupo
do governador. Um autor compara como nas duas margens do Rio Uruguai, há
diferenças de colonização em relação ao Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, pois
“[...] enquanto que o governo riograndense conserva as suas [terras] completamente
devolutas” (COSTA, 1929, p.18), retardando, portanto, o uso desse estoque territorial,
Na margem catharinense, a contar de alguns anos, vêm-se formandonúcleos coloniais muito apreciaveis, como Palmitos, São Carlos, Cascaes,Mondahy, antes Porto Feliz, Itapiranga, inteligentemente explorados pelasempresas Sul do Brasil e Chapecó-Pepery Limitada. (COSTA, 1929, p.17-18).
Ademais, de uma forma ou de outra, essa primeira e inicial colonização
eurodescendente também ajuda na categorização do Oeste como Sertão inculto, pois
quando logo aparecem os iniciais clarões na mata e a fixação da territorialidade de
núcleos coloniais, faz-se avaliação do entorno maior e se percebe a presença de
cobertura vegetal, manutenção de florestas, portanto, “de Sertão” ainda predominante
178
no conjunto maior da região. A respeito de Monday, por exemplo, vai mencionar como
em oposição ao Sertão a: “Colônia fundada em mata aberta há sete anos, encontramos
ali traços fortes de civilização, pela organização do trabalho, sistematização das
energias, ordem admirável.” (COSTA, 1929, p.18).
A perspectiva de futuro para o Oeste – que os participantes que escreveram da
Viagem – atribuíram à região, estava fortemente embasada na possibilidade de
reproduzir as formas de desenvolvimento territorial das demais regiões catarinenses, de
formação social fortemente marcadas pela colonização (imigração em pequenas
propriedades de terra) européia e pelas estâncias e fazendas de criação ganadeira; a
expectativa era que nesse Oeste as duas formações sociais se repercutissem, em nome
da superação do Sertão, para tanto, como bem lembra Arlene Renk (2006, p.55)
“Vencer o caos e impor a ordem para chegar ao progresso era o imperativo.”
Mas, afinal, quem foram os relatores desse Sertão até agora debatidos,
analisados e colocados suas representações dessa região? Pode ser interessante entender
um pouco mais de quem se tratava. É o que se apresenta no tópico a seguir.
(Auto-)constituidores, (desbravadores) do Sertão, não-geógrafos, mas “temáticasgeográficas”
Nessa parte do texto, trata-se justamente de apresentações das três autoridades,
assessores ou, na expressão de Arlene Renk (2006, p.58), daqueles coadjuvantes. Foram
estabelecedores da epopéia de 1929 em escrita, em discursos reconhecido como válido
ou em comunicação letrada. Ao acompanharam o governador da época aos interiores de
Santa Catarina, o que na interpretação de um deles foi uma longa e áspera travessia
(BOITEUX, 1931, p.26); ou ainda um reforço de uma pretensa missão bandeirantista:
“Há um fim alto e nobre a cumprir e nós viemos [ao Oeste] para vencer” (D’EÇA, 1992,
p.48); para outro tratou-se de um exemplo de conquista, de “entradas” e de reforço do
nacional:
Essa jornada, verdadeira ‘bandeira’ empreendida no dias que vivemos,tem características de coragem, de ousadia, de resistência, de abnegação, quelembram os gestos dos nossos maiores, quando se internavam pelos sertões,desbravando o desconhecido e levando aos rincões mais afastados o cunho daconquista brasileira, assegurando pela posse largos domínios para a nossanacionalidade. (COSTA, 1929, p.07). [destaques em negrito feito por mim]
Ao invés de tratar tal evento – a Viagem do Governador – como uma lenta,
demorada, complexa e possivelmente até, “atrasada integração”, repercutiu-se antes, a
179
ideia de heroísmo por ter se submetido a condições de risco; desbravando áreas e
conquistando comunidades. Como se vivendo a experiência da simultaneidade de um
desbravamento, esse é o um caso de um típico exemplo de discurso do pioneirismo,
afinal, como parece ter dito Adolpho Konder, governador “de Santa Catharina: Aquela
região dá impressão de que é de quem ali primeiro chegar.” (BOITEUX, 1931, p.25).
Antes de fazer uma observação mais detidamente sobre cada um dos autores
aqui citados e por último do governador Adolpho Konder, faço a referencia a seguir de
suas obras sobre a Viagem, pois como aqui foram tratados como objetos centrais da
análise, para que fique claro ao leitor de qual obra está se tratando. Mais a frente penso
que essa sistematização ajudará a visualizar as diferenças entre os autores dos textos.
Dos livros, é importante dizer, de uma deles acessei apenas a segunda edição
(D’EÇA, 1992), publicada no centenário de nascimento do autor, não conheço a
primeira edição que já não se encontra em circulação e escasseia mesmo em arquivos.
Como há uma folha de rosto dos outros dois livros de epoca, coloco a seguir as capas
dos mesmos (imagens nº3 e nº4). Os demais documentos mencionados ao longo do
corpo do texto, seguem a definitiva regra, estarão todos localizados nas referencias
finais completas, inclusive, também, esses títulos que seguem:
BOITEUX, José Arthur. OESTE CATHARINENSE (De Florianópolis a DionísioCerqueira). Conferência realizada no Centro Catharinense, na Sociedade Geográfica (Riode Janeiro) e no Club XII de Agosto (Florianópolis) em 1929. Florianópolis: LivrariaCentral de Alberto Entre e Irmãos, 1931. 28 páginas
COSTA, Arthur Ferreira da. O OESTE CATHATINENSE. Visões e suggestões de umexcursionista. Rio de Janeiro: Villas Boas Cia., 1929. 74 páginas
D’EÇA, Othon. AOS ESPANHÓIS CONFINANTES. 2ª Ed. Florianópolis: FundaçãoCatarinense de Cultura/FCC; Ed. UFSC/; Fundação Banco do Brasil/FBB, 1992. 154páginas.
180
Imagens 11 e 12: Capas de publicações de livros de época da expedição ao Oeste de 1929
A seguir, apresentado um apanhado das ações e delimitações biográficas visando
entender quem são esses funcionários de Estado e autores desses textos. Utiliza-se para
tal principalmente o “Dicionário Político Catarina” (PIAZZA, 1994), buscando dar
ênfase nas suas vinculações com discursos geográficos e de constituição de
comunidades imaginárias, evitando para isso, seguir uma ordem cronológica das suas
realizações, mas focando na temática que possa envolver diretamente com a Viagem.
Tento a seguir, falar de suas biografias mais no contexto da expedição, do que fora dela.
*A “biografia” de José Arthur Boiteux (1865-1934; natural de Tijucas/SC), permite
interpretar pistas interessantes, a respeito da disseminação do discurso geográfico que
após a segunda metade do século XIX é tônica forte no Brasil (MORAES, 199, p. 170).
Ele foi autor de títulos de obras com abordagem temáticas de vulgarização ou
divulgação de cunho geográfico, como por exemplo: “Diccionário histórico geográfico
do Estado de Santa Catharina”, publicado no Rio de Janeiro em 1915, primeiro volume
e em 1916 o segundo volume, assim como no final do século XIX havia publicado o:
“Santa Catharina-Paraná: questão de limites”, também no Rio de Janeiro (editora T.A
Tribuna) datado de 1890.
Um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina/IHGSC que data de 1896 e da Academia Catarinense de Letras em 1920, o que
mais reforça ainda a hipótese de Antonio Carlos Robert Moraes (1991, p. 170) de que os
181
discursos geográficos no Brasil antecipam-se aos departamentos de cursos de
Graduação de geografia ou, que a institucionalização desse campo como uma
comunidade estritamente de geógrafos-profissionais – lembra esse autor – passa a se
constituir pós anos de 1930. Mas já ocorria, então antes do primeiro governo Vargas, a
busca constante por debates de temário envolvendo a geografia, como pode-se
exemplificar com o relatório anual ao governador em 1927, que menciona a ida de
Boiteux como representante oficial do governante do Estado catarinense a um evento
geográfico de então, realizado no estado de Espírito Santo:
8º Congresso de GeographiaA 23 de outubro, foi nomeado o Desembargador em disponibilidade José ArthurBoiteux, para representar o Estado no 8º Congresso de Geografia a realizar-seem Victória, em novembro.(RELATÓRIO ao governador. 24 de agosto de 1927 por Cid de Campo)
Muitas das discussões de temáticas (ou de ideologias) geográficas eram
realizadas por bacharéis, como era José Boiteux. Ainda, sobre aspectos de sua trajetória,
vale assinalar que assim como seu irmão Henrique Boiteux (um Almirante que
participou no apoio de Floriano Peixoto na Revolta da Armada), teve seus primeiros
estudos em Tijucas com um professor particular belga, Feliz Vaes. Fez uma carreira
bastante acentuada na política e como funcionário de Estado, seja na esfera federal ou
em Santa Catarina. Cursou até o segundo ano de Medicina no Rio de Janeiro. Mas
bacharelou-se, posteriormente, em 1911 na Faculdade Livre de Direito do Rio de
Janeiro.
Com a República, foi nomeado oficial de gabinete do Governador Lauro S.
Müller. Organizou a Seção Estatística e Comercial de Santa Catarina, ocupando em
seguida, função parecida, na Prefeitura do Rio de Janeiro. Teve vários mandatos tanto
como deputado e secretário de Estado em Santa Catarina (como por exemplo, Secretário
do Interior e de Justiça entre 1918-1920). Foi nomeado Juiz de Direito e
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado em 1922 (PIAZZA, 1994, p.120).
Tendo sido um dos secretários do governo Adolpho Konder, participou como tal
da expedição ao Oeste, tendo seu nome dado a escola fundada128 pelo governador em
128 Arthur Costa (1929, p.40), também relatou considerar a escola de fundamental importância para osentimento de nacionalidade nessa área de fronteira: “Entre as numerosas providencias de repressão decrimes, asseguração de garantias, aparelhamento judiciário e administrativo, criou o presidente Konderuma escola pública, a que deu o nome de José Boiteux, colocando-a sob o patrocínio deste dignocatarinense, com moldes correspondentes a essa alta mentalidade que tem o atual governo de bemorganizar as nossas repartições e instituições e eleger funcionários destacados para que, ali, no confrontoda fronteira, o sentimento nacional não sofra constrangimento.”
182
Dionísio Cerqueira, durante a Viagem, fato que ele comentou no seu discurso publicado
em 1931 e que mais uma vez reforça a junção entre formação territorial, ideologias
geográficas, regionalismo e apropriação do espaço: “Criou-se a escola, que tomou o
nome de José Boiteux. Não mais deixarão nossos conterrâneos de aprender a língua
nacional, pois que, para não serem analfabetos, iam a escola argentina, atravessando o
[rio] Pepery-Guassu.”(BOITEUX, 1931, p.24).
*Othon D’Eça (1892 – 1965) é natural de Florianópolis, a ele é atribuído como quem
lançou – se não ele apenas, mas entre os iniciadores – a ideia de criação de uma
Academia de Letras catarinenses, ao qual mencionado acima ter participado José Arthur
Boiteux. Tem uma das suas obras mais conhecidas em Santa Catarina o título publicado
pela imprensa oficial do Estado catarinense em 1957: “Homens e algas.” Em 1920, com
mais dois amigos lançou a revista mensal Terra, e a partir de 1923 no jornal “A
republica” de Florianópolis, iniciou uma publicação de uma novela, nesse mesmo ano
forma em Direito no Rio de Janeiro. Em 1926 foi nomeado juiz na comarca de Campos
Novos. Embora trajetória de administrador/jurista publico, também dedicou-se à
narrativa e a relação com o mundo das letras.
Tendo escrito o livro de maior número de páginas de todos os três, certa altura
da Viagem de 1929, Arthur Boiteux (1931, p.14) mencionou D’Eça como sendo o Pero
Vez de Caminha da comitiva, tal comparação aponta mais uma vez para a ideia de
descoberta, desbravamento e conquista desse (novo) Sertão/Oeste de Santa Catarina.129
Já Arthur da Costa vai relatar quando da passagem do governador Konder pelo Oeste,
um caboclo veio solicitar ajuda em um caso de enfermidade. O próprio médico de
comitiva, afirma o autor do relato, também se encontrava em muita febre e por isso, é
enviado Othon D’Eça no lugar dele à residência de morador solicitante de ajuda. Costa
(1929, p.61) ao fazer a descrição daquele fato, faz menção ao sobrenome de origem
nobre: “Os Gama d’Eça são fidalgos, descendentes, por linha bastarda, de Pedro, o
Cru.” Ao que parece, na Viagem de 1929 há entre os autores, uma referencia como se
estivessem reproduzindo a chegada dos portugueses em caravelas ao Brasil, como que
reforçando a máxima de estarmos “Num país onde, de tempos em tempos, se tem a
129 Na seguinte passagem: “Desde Passo Borman que o panorama se desnuda um revelação maravilhosade belezas. A estrada porém é sempre em descida. Há um trecho, porém, beirando umas rochas a pique,que Othon d’Eça, – o Pero Vaz de Caminha da Bandeira Catharinense no século XX, – classificoude colunas de um templo indígena, referindo-se igualmente a umas pedras de feitios esquisitos, quepareciam crescer dentro da neblina fumarenta que apagava a paisagem em torno.” (BOITEUX, 1931:14).
183
sensação da redescoberta [...]” (OLIVEIRA,2002, p.518), entretanto, a essa referência é
agregada o imaginário dos também “descobridores”: bandeirantes. Na constituição de si
mesmos, esses narradores tornam-se os portadores da civilização (e das salvações) em
meio ao Sertão, se pensam como responsáveis pelo futuro uso do espaço e como
planejadores desses fundos territoriais. Se viam ali com um papel missionário:
Nessa noite, em meio de uma trovoada tonitroante, apareceu umcaboclo.
Soube da passagem do presidente e vinha pedir auxilio do membro dacomitiva para pessoa de sua família, gravemente enferma.
O medico, dr. Manoel Xavier, nosso companheiro de jornada, ardia emfebre de 40 graus.
Improvisou-se, então, em esculápio o dr. Othon Gama d’Eça.O acadêmico, poeta, jurista e beletrista arvorou-se humanitariamente em
Hipocrates, e lá se foi, pela noite a dentro, através de ínvios atalhos, sob otrovão e a chuva, com uma malinha de medicamentos – a que havia trazido o dr.Xavier – á casa do caboclo, num percurso de duas léguas.
[...]O fato é que, cerca de meia noite, quando já dormia o barbaquá,
regressou o ilustre descendente de Pedro, o Cru, molhado como um pinto, apedir cachaça.
Lá fora, o caboclo renovava-lhe reiterados agradecimentos pela suaintervenção que havia salvo a doente...(COSTA, 1929, p.61).
A Othon D’Eça é atribuído pelos outros dois narradores, como se o mais atento
observador e detalhista. Sobre sua trajetória é importante mencionar que recebeu em
1935, o diploma de docente livre em Direito Público Internacional pela Faculdade de
Direito de Santa Catarina e em 1953 recebe o diploma de Catedrático de Direito
Romano pela mesma Faculdade. Em 1948 fora nomeado Secretário de Estado dos
Negócios da Segurança Pública de Santa Catarina, cargo que na epoca da Viagem de
1929, ocupava Arthur da Costa, cujo resumo biográfico é feito a seguir.
*Arthur Ferreira da Costa dos três autores da Viagem, é o único não natural de Santa
Catarina e o que por agora, menos informações consegui recolher até o momento.
Nascido em Santo Amaro da Purificação/BA em 1887. Assim como os demais, fez
carreira no Estado e bacharel em Direito (na Bahia) como Costa e Boiteux. Veio do seu
estado natal para Joinville (SC) em 1908 e ali atuou na advocacia e na polícia. Elegeu-se
deputado mais de seis mandados em Santa Catarina e eleito também Senador (ocupando
tal função durante os anos de 1935-1937). Exercia o cargo de chefe de Polícia do Estado
no mandato de Adolpho Konder quando fez parte da comitiva da expedição ao Oeste,
motivo pelo qual seu relato é mais atento e descritivo da criminalidade, “banditismo” e
184
lutas (guerras) no Oeste. Entre os três, é ele quem mais se dedicou a detalhar a
assinatura do plano de apoio mútuo de combate ao banditismo de fronteira assinado
entre Getúlio Vargas e Adolpho Konder em 1929, às margens do Rio Uruguai.
O Bandeirante (brasileiro-germânico) a nacionalizar o Sertão: Adolpho Konder
Uma das mais fortes representações de Sertão no Brasil, entende-o ou descreve
como ambiência em que se gesta a verdadeira brasilidade. A ideia do Sertão que acolhe
a nacionalidade – como bem historicizou Ricardo de Oliveira (2002) no relevante
artigo: “Euclides da Cunha, Os Sertões e a invenção de um Brasil profundo” – o livro
Os Sertões parece ter impactado decisivamente na formalização de mitologias da
brasilidade sertaneja; não seria curioso questionar, afinal, se há uma imensa
caracterização do Sertão como guardião das mais profundas raízes brasileiras, por que
em Santa Catarina do final dos anos 1920 o projeto de conquistá-lo teve a meta de
nacionalizá-lo? Talvez hoje, possa ser hegemônica a idealização do Sertão-nação
brasileiro, mesmo em Santa Catarina. Mas na epoca aqui tratada, as representações do
Sertão parecem ser justamente o inverso da afirmativa: “Falar em sertão significa falar
em brasilidade.” (OLIVEIRA, 2002, p.518).
Certamente houve – como aborda a literatura sobre o tema – uma passagem
bastante sensível da simples representação do Sertão barbárie, para a representação do
Sertão como uma sociedade, em que passou-se a acreditar que os brasileiros do interior
não seriam tão degenerados (não teria ocorrido tanto cruzamento de raças como no
litoral) e, para reproduzirem a vida em um meio tão hostil e inóspito, necessitavam
serem antes de tudo, fortes. (OLIVEIRA, 2002, p.523).
Devido também a maior lentidão da chegada da modernidade, assim como dos
costumes e sociabilidades exóticas quando vindas do estrangeiro, eram mediadas (pela
litoraneidade e) pela própria distância do interior, o que tornaria a vida sertaneja
autêntica e resultada de um fruto do próprio meio. Livre das influencias e modas
externas, seria a melhor espacialidade para reprodução de uma nacionalidade pura.
Ricardo de Oliveira (2002) bem argumenta como o impacto da obra de Euclides da
Cunha teria auxiliado na realização das alterações das representações do Sertão
incivilizado, para a imagem da tipicidade e mesmo no “processo de invenção de uma
paisagem nacional [...].” (OLIVEIRA,2002, p.521). Para esse autor, após Euclides da
Cunha, se vulgarizou uma ideia de pureza e essência do Sertão, forjador também de uma
185
gente original e “que no imaginário de uma geração, passou a expressar a alma
nacional” (OLIVEIRA, 2002, p.525). Inclusive passando a ser exemplo para os não-
Sertões a melhor forma de ser da brasilidade, como “É o caso dos intelectuais estado-
novistas que ressaltam a autenticidade e a originalidade presentes na vida sertaneja, as
quais deveriam guiar um novo projeto nacional para o país, que teria por eixo central a
incorporação dessas terras e suas riquezas.” (MORAES, 2009, p.92).
A partir dessa reflexão é de se sugerir hipóteses, questionando aqueles
levantamentos e textos130 que tenham justamente realizado reflexão diferente, tal qual as
que buscaram caracterizar o Sertão em Santa Catarina como carente de nacionalidade
brasileira e portanto, não como originalidade nacional. Artur da Costa (1929), por
exemplo, afirmou que embora Adolpho Konder esteja realizando desbravamento
naquele ano de 1929, essa tomada do Sertão já deveria ter sido realizada logo após o
acordo assinado (em 1916) entre os governadores do Paraná e Santa Catarina, quando
no ano seguinte suas respectivas casas legislativas endossaram legalmente a linha
demarcatória da divisa. Vai interpretar a demora da tomada de posse por parte dos
governantes catarinenses, como um risco da desnacionalização, pois:
Esta providencia [de ida pessoal de um governante de Santa Catarina aoOeste] deveria ter sido adotada pela lei 1147 de 1917, logo após a legalizaçãodo Acordo [entre Paraná e Santa Catarina], quando também deveria ter ido atéali o próprio chefe ou, pelo menos, alto representante do governo de então,realizando a obra bandeirante que vem fazer o presidente AdolphoKonder, abrasileirando e acatharinando aquele rico sertão e aquela lindacobiçada [Extremo-Oeste e região de Chapecó]. (COSTA, 1929, p.34).
É certo que para os olhares dos que se consideravam desbravadores, muitas
identificações foram feitas sobres os Sertões que percorrem no Oeste; menores foram
efetivamente os símbolos e aspectos relacionados a Santa Catarina ou de outras partes
do País que pela região – desejavam ver – mas, não encontraram. Os autores
registravam relações de pertencimento: da nação argentina; do Estados do Paraná e/ou
Rio Grande do Sul e mesmo de imigrantes de origem alemã que se encontravam nos
símbolos e referencias das populações daquele Sertão catarinense.
O questionamento que estou propondo realizar é se a própria mobilização da
ideia desse Sertão a ser abrasileirado, associado a outro signo forte como o Bandeirante,
130 Na pesquisa até agora realizada não há referência do Sertão em Santa Catarina como exemplificaçõesde brasilidade, justamente o inverso, como segue, por exemplo: “Com seu gesto bandeirante, de difícilimitação pelo esforço, resistência e coragem que reclama, fez o presidente Adolpho Konder odescobrimento dessa zona, apreciou [sic] ao vivo as suas enormes e infinitas possibilidades e as suasprementes e gritantes necessidades.” (COSTA, 1929, p.38). [itálicos como no original]
186
teria sido uma forma de Adolpho Konder construir uma plataforma política bastante
nacionalista, para um político como ele, do descendência germânica?
Sugerindo essa negociação de identidade étnica-nacional em alguns objetivos de
Konder, gostaria de propor algumas reflexões inspirado nas sugestões de Jeffrey Lesser
(2001), na obra: “A negociação da identidade nacional. Imigrantes, minorias e a luta
pela etnicidade no Brasil.” Embora talvez, nunca consigamos ter uma resposta plena,
estou propondo a seguinte problemática da Viagem de 1929: as formas de nomeá-la e
seus ritos; a emergência de um “espaço desconhecido” (Sertão) dentro de Santa Catarina
como um problema ainda não resolvido; e o “resgate” desse fundo territorial como uma
ação feita por brasileiros/catarinenses não seria todo esse processo uma espécie de
ideologia geográfica com a qual o governador negociara sua identidade (LESSER,
2001)?
Teria sido a própria Viagem de 1929 uma busca pela demonstração pública e
visível para demais moradores de Santa Catarina (e dos demais Estados do Brasil) não
originários da Alemanha, como era também o governador, um brasileiro?
Estou sugerindo que para aqueles que procuravam caricaturas germânicas,
poderiam encontrar no sobrenome Konder, em seu pai alemão (morador de Itajaí) e a
própria corporeidade de Adolpho, tornando-o reconhecido entre os descendentes de
alemães como um dos seus (partilhadores de uma mesma identidade de origem ou
etnia). Mas aos brasileiros, além de nascimento em Itajaí, de sua mãe luso-brasileira e
da língua portuguesa, haveria tal governante considerado a possibilidade de aderir e
buscar mais signos de brasilidade sobre si mesmo. Teria sido aquela Viagem uma dessas
possibilidades de mostrar (em um típico exemplo de negociação identitária) sua face
brasileira? Estou sugerindo esse argumento, consciente de que provavelmente, em
relação ao Sertão, uma constatação bastante diferente de outras regiões do Brasil foi
elaborado em Santa Catarina, particularmente por ter em seu extremo uma outra
territorialidade, ou seja, outro Estado-nação (Sertão fronteira). O que geograficamente
não ocorre, por exemplo, na região nordeste brasileira. O impacto da fronteira e Países
limítrofes, como caracteriza alguns dos Estados do extremo Oeste brasileiro de maneira
geral, de uma forma ou de outra, manifesta uma comunidade imaginada nacional
bastante própria e deve ser levado em consideração.
Entendo que entre as representações de Sertão que mais reverberavam nos ano
1920 no Brasil, predominava aquela que fora associada ao interior da região nordeste
187
(não litorâneo). Era de Sertões assim, desertificados131 e “nordestinizado” que
apareciam como dispersores da brasilidade e, provavelmente, as regiões de florestas
verdes ou campos florestais do Brasil meridional não se enquadrariam completamente
no detalhamento dessa representação, e mais ainda que o limite do “nosso Sertão”
catarinense se encontrava com o “Sertão deles”: da República Argentina.132
Estou de acordo, como podemos perceber através dos relatos de epoca, como
houve a caracterização de nacionalizar o Sertão em oposição a influencia argentina, não
estou, portanto, problematizando nem negando a peculiaridade dos Sertões em Santa
Catarina nos anos 1920 como sendo (tendo um “caráter”) e sua regionalização –
certamente tem – mas, sugiro a hipótese de que a eleição dos símbolos e formas de
incorporação desse fundo territorial foi particularizado pelo abrasileiramento do espaço
e mais ainda, pelo busca de reconhecimento da brasilidade de quem se representava
colocando em prática a conquista do Oeste. Elegeram-se como “novos bandeirantes”;
incorporadores de “novos espaços” à nação brasileira, mesmo que seu nome de família
fosse, Konder.
Quero fazer menção a respeito da expressão que nomeou a ida ao Sertão. Após
apresentar a seguir, uma discussão a respeito do governador-bandeirante; sigo fazendo
algumas explanações sobre a centralidade do rodoviarismo em seu governo, fazendo
simultaneamente menções biográficas de Konder e de sua trajetória política, usando
para tanto, bastante da documentação oficial produzida anualmente (os relatórios ou
mensagens) pelo próprio governo do Estado.
Embora me pareça bastante curioso que um filho de imigrante alemão seja um
bandeirante, antes sugiro um questionamento antropológico de estranhamento do uso
da expressão bandeirante, em pleno último ano da década de 1920. José Boiteux (1931,
p.28), creditou133 ao – que ele chamou de jornalista conterrâneo – Tito Carvalho, diretor
131 Mais uma vez faço menção ao excelente trabalho de Ricardo de Oliveira (2002, p.522): “A partir dofenômeno Os Sertões, percebe-se a delimitação do conceito de sertão articulado essencialmente à RegiãoNordeste e, mais especificamente, notamos algo mais significativo que foi o processo de identificaçãobásica da ideia de sertão com a simbologia referente ao deserto (uma espécie de completa desertificaçãono significado da palavra).”
132 Antonio Carlos Robert Moraes (2009, p.98) lembra como a noção de deserto na argentina pode muitobem ser associada ou colocada em comparativa de paralelo, em relação ao sertão brasileiro.
133 Nessa passagem: “Excursão, finalmente, que pela multiplicidade e relevância dos fins usados e jáalcançados pelo cunho patriótico que os ditou, tem valido, sem favor, ao Presidente Catarinense e a todosquantos o acompanharam o titulo de BANDEIRANTES DA BRASILIDADE, na fras em sob todos ospontos de vista feliz, de Tito Carvalho, distinto jornalista conterrâneo, diretor da Republica e destacadomembro da Academia Catarinense de Letras.” (BOITEUX, 1931, p.28).
188
do Jornal Republica de Florianópolis e membro da Academia Catarinense de Letras, a
ideia do titulo: “Bandeirantes da brasilidade” para participantes da Viagem de 1929.
Como bem lembra Antonio Carlos Robert Moraes (2000), o uso do imaginário
bandeirante está fortemente associado à execução de projetos de domínios e
incorporação de áreas, mas também com a manifestação de um tipo de heroísmo na
identidade nacional. O próprio Euclides da Cunha,
Considerava-se um bandeirante, um filho da roça, que se mostrou bastanteanimado antes de partir para os sertões da Amazônia, pois achava que seriapossível levar adiante este ideal; porque, não ‘desejava a Europa, o Bulevar, osbrilhos de uma posição’, desejava ‘o sertão, a picada malograda, a vidaafanosa e triste de um pioneiro’. (OLIVEIRA, 2002, p.532).
Estaria no imaginário do senso comum, serem os bandeirantes um dos principais
legitimadores da apropriação dos Sertões e da aquisição de benefícios à nação a partir
da transformação desses fundos territoriais em espaços definitivos/conquistados.
Bandeirantes seriam a mitificação de “heróis territoriais”, expressão que pode nomear
aqueles personagens a quem se atribui assegurarem domínios, estoque de espaço e o
atual e imenso desenho do Brasil, ou no caso de Euclides da Cunha, de terem
reconhecido e resguardado o melhor da brasilidade. Em Santa Catarina, Adolpho
Konder pode ser considerado um desses personagens mitologizados, que as narrativas
elegem como “heróis territoriais.”
Nessa interpretação, a regular busca pela conquista de mais espaços,
conformaria uma prática violenta de relações sociais, tendo como consequencia a
prática de não reconhecer a nacionalidade nas comunidades e vínculos entre as pessoas,
mas sim no espaço que a elas pertencem como membros de um Estado nação. Como já
discutido na introdução desse trabalho, seria o território uma espécie de “ente
agregador” de projetos, estando a população a reboque do mesmo. A figura do
bandeirante casa muito bem com o apetite do controle territorial da elite brasileira,
“Assim, o processo de apropriação do espaço exprime-se num tipo social específico – o
bandeirante – ao qual corresponderia um tipo de organização social também peculiar: a
bandeira, síntese da motivação expansionista fundante do Brasil.” (MORAES, 2000a,
p.25).
Em muitas situações no Brasil, buscou-se a identidade nacional via as
concepções de apropriação de espaços; um historiador em Santa Catarina relatando em
retrospectiva o que ele entende ter sido a Viagem de 1929, acabou por reforçar essa
centralidade do espaço na formação territorial brasileira, quando disse que Adolpho
189
Konder: “Descortinando o território desconhecido buscou a identidade catarinense.”
(MEIRINHO, 1997, p.199). Ou seja, a própria busca de incorporar projetos de futuro ao
Sertão, aparecia como uma identidade, confirmando um discurso de comunidade de
interesses catarinense, por exemplo.
Mas também houve quem tivesse entendido aquela Viagem como vontade
individual do governante e não das instituições do Estado; entretanto sendo o governo
limitado ao tempo e “provisório”, deve-se mencionar que é o Estado (e seus agentes e
burocracia) quem poderiam prover os interesses das comunidades quando o governador
voltasse para o Palácio Barriga-Verde, em Florianópolis. A interpretação do autor, a
seguir, acabou fortalecendo mais a figura individual do político, do que os resultados
que poderiam ocorrer a partir da tentativa de implementar os órgãos de governo na
região; diz que Adolpho Konder “marcou, com sua presença, a unidade hoje
inquestionável do Estado de Santa Catarina.” (VIEIRA FILHO, 2001, p.221). Nesse
caso, recolocando a figura individual (do “Bandeirante”), que personifica como agente
de unificação, o desenho do território.
Defendo a ideia de que a mobilização da expressão, Bandeirante, convinha ao
governador, pela: a) brasilidade relacionada ao termo; b) positivação das ações como a
de agregar espaços; c) constitui um imaginário de governador heróico: desbravador,
ativo e atuante; d) reforça as representações de progresso, civilização e superação da
natureza atribuídos ao Sertão. Enfim, mesmo sendo um governo da segundo década do
século XX, tratou-se de uma re-significação e reapropriação de um ator social da
história territorial do país:
O recuo do meridiano de Tordesilhas é comumente apresentado como um feitoestimulador do orgulho nacional, logo como algo como um alimento rico para adoutrinação patriótica. Toda a mitologização do bandeirante e do bandeirismobem atestam esse fato. (MORAES, 2000a, p.25)
Tal mitologia bandeirante, articulada com ideia da necessidade do Sertão ser
nacionalizado, colocava em prática uma ideia de governo realizando muitos atos com
uma única viagem de um mês. Incentivava a incorporação dos fundos territoriais,
solidificava uma auto-promoção (maior exposição “positiva”) que interessa a qualquer
governante em democracia e atribuía uma poderosa narrativa de imaginário comum aos
catarinenses: a necessidade de transformar o Sertão, como já eram as demais regiões
catarinenses. O Governador de Santa Catarina em 1956, quando da morte de Adolpho
Konder, afirmou que foi com a Viagem de 1929, que Santa Catarina tinha feito seu
encontro com seu próprio espaço, equiparado as fronteiras e as diversidades internas,
190
“[...] a preocupação do ex-governador [Adolpho Konder] era dilatar as fronteiras
culturais e econômico do Estado para que coincidissem com as fronteiras geográficas.”
(MOSIMANN, 2010, p.436). Não teria sido simbolicamente, esse o momento de tornar
o Oeste catarinense integrante do território usado em Santa Catarina?
Ainda pouco mencionei da trajetória política e das ações ao longo de seu
governo. Faço agora. Adolpho Konder (1884-1956) foi o primeiro governador de uma
geração a não ter sido participante do movimento republicano de 1889. (MEIRINHO,
1997, p.196). Por outro lado, também é daquela geração dos que ascenderam à vida
política anteriormente a Revolução de 1930. (CORREIA,1986, p.61).
Fez estudos primários na cidade natal (Itajaí), depois nas cidades de colonização
alemã: Blumenau e naquela em que cursou humanidades no Colégio Nossa Senhora da
Conceição, São Leopoldo (RS), onde nos tempos de estudante fora colega de Getúlio
Vargas.
Bacharelou-se em 1907 pela Faculdade de Direito em São Paulo, retorna para
Itajaí aonde funda o jornal “Novidades”. Ingressou no Ministério das Relações
Exteriores no Rio de Janeiro, ficando nesse cargo até 1913. (MEIRINHO, 1997, p.196).
Nomeado pelo Governador Hercílio Luz, secretario da Fazenda, Viação e Obras
Públicas do Estado, foi considerado o principal herdeiro político de Hercílio.134 No
período desse governo criou-se gabinetes especificas dentro do aparato do Estado
separando a administração de terras (e colonização) das estradas, como a criação, no
ano de 1918, da Diretoria de Terras, Colonização e Agricultura, instituição que, até ser
desmembrada, estava subordinada à Diretoria de Viação e Obras Públicas desde o ano
anterior – 1917 – quando essa última havia sido criada.135 Antes do desmembramento
institucional entre essas duas diretorias, estradas e colonização estavam na mesma
esfera político-administrativa do Estado de Santa Catarina.
Em agosto de 1926 é homologado pelo Partido Republicano Catarinense/PRC,
a candidatura de “Adolfo Konder, tendo como vice o lageano Valmor Argemiro Ribeiro
Branco.” (MEIRINHO, 1997, p.196), tal chapa política pode muito bem representar a
partilha de interesses tanto das elites das áreas de colonização em pequenas
propriedades como as da região estancieiras que caracterizam o planalto de Santa
134 “[...] não completando seu último mandato, Hercílio Luz deixou em seu lugar, na liderança política doEstado, Adolpho Konder, seu Secretário da Fazenda e Obras Públicas, que permaneceu à testa do Partido[Republica Catarinente/PRC] até 1930.” (CORRÊAO, 1984, p.25).
135 Lei n.1208 de 21 de outubro de 1918 instaurou a diretoria de Terras, Colonização e Agricultura,desmembrando-a da Diretoria de Viação e Obras Publicas. Ver: Adolpho Konder (1919, p.111)
191
Catarina. No discurso de posse, Adolpho Konder diz ter como metas principais:
“restaurar as finança públicas, desenvolver o aparelho educacional existente, construir e
conservar estradas de rodagem.” (KONDER, 1926, p.08). O programa de governo de
Adolpho Konder de 1926 é emblemático da intensa expectativa e positivação
representada no automóvel.136
No discurso publicado e lido num banquete em setembro de 1926 em
Florianópolis, Adolpho Konder enfatiza que mesmo aqueles Países que possuíam
extensos e bem organizados sistemas ferroviários, estavam sendo implantadas longas
estradas para automóveis. Aos Países de míngua ferrovia, interpretava o governador de
então, mais do que alternativa, impunha-se como solução o transporte em estradas de
rodagem. O governador dizia assumir-se inspirado no lema estadunidense de “manter a
América sobre rodas” e que bem caberia a Santa Catarina adaptar-se a essa tendência,
como forma de resolver os seus problemas de transporte. Inspirava ainda ao governador
catarinense, o que havia realizado Washington Luís quando fora governador do Estado
de São Paulo, pois: “[...] ligou, por meio de estradas de rodagem, impecavelmente
construídas, os pontos cardeais do grande Estado à sua majestosa Capital.” (KONDER,
1926, p.52). Adolpho Konder dizia acreditar que Washington Luís, na presidência da
República, reproduziria a toda a nação brasileira, sistema rodoviário moderno e
eficiente ao que havia sido implantado em São Paulo (MARTINELLO, 2012).
Na década anterior, em mensagem do governador de então, também havia
referência à modernidade norte-americana, mas para afirmar “o quanto humanitário” era
a utilização de presidiários na construção de estradas. Desejando tornar a população
carcerária em mão-de-obra na construção e conservação de estradas da Ilha de Santa
Catarina, remeteu-se e era tomado, como exemplo, os Estados Unidos, sendo referência
no tratamento de presos que dizia ser largamente usados na manutenção de estradas. Em
resposta à solicitação da secretaria de interior e justiça do Estado de Santa Catarina, foi
escrito, em 1919, um parecer favorável à utilização de detentos na construção de
estradas de rodagem. Nessa epoca Adolpho Konder já era o principal secretário do
governador Hercílio Luz, a quem apresentava os relatórios. Assim parece ter dito o
chefe de polícia, Gil Costa, dando como exemplo bem-sucedido da prática e uso “dos
apenados” na construção de estradas de rodagem nos Estados Unidos, São Paulo e
136 “Já disse um presidente brasileiro: governar é construir estradas. A frase traduz em mito a concepçãodas elites governamentais: o país visto como espaço (e não como nação), e um espaço que deve serconquistado e explorado.” (MORAES, 2005a, p.137-138).
192
Minas Gerais, segundo redigido no relatório de 1919: “Estou, assim, de acordo quanto
aos meios de dar à pena, entre nós, um caráter mais lógico e mais humano.” (KONDER,
1919, p.124).137 Autorizado pela autoridade policial, o trabalho de presidiários na
manutenção e conservação de estradas era legalmente e moralmente aceito, segundo
consta no relatório apresentado ao governador em 1919. A capital poderia contar com os
apenados para fazer melhoramentos de suas estradas de rodagem no interior da Ilha.
O discurso do rodoviarismo parece ter sido implantado em Santa Catarina –
segundo sua ênfase nos relatórios anuais – antes da esfera nacional, como é recorrente
atribuição dessa meta por Juscelino Kubitschek. Por outro lado, se São Paulo aparece
como referência de Adolpho Konder de um plano rodoviário bem realizado, talvez seja
exagero atribuir a decisão do sistema viário pelo presidente mineiro. Observando o caso
de Santa Catarina no Brasil, acredito haver um excessivo peso da escolha do
rodoviarismo atribuído ao governo do Presidente JK, o maior e grande responsável pela
(mono)opção em estradas de rodagem para veículos automotores. Como os livros
didáticos de história do Brasil ainda continuam a mostrar, JK favoreceu aos interesses
de empresas automobilísticas e não promoveu outros sistemas de transportes em
paralelo. Em Santa Catarina, a opção ocorreu (no mínimo) três décadas antes da
presidência de JK. Pode dizer-se que o rodoviarismo triunfa em Santa Catarina como
valor de modernidade e caminho138 para a integração, sendo projetado – ao menos é o
que consta nos discursos – antes da esfera nacional. A elite local no aparelho
burocrático administrativo tem, nos governos de Washington Luis, a referência principal
de articulador das rodovias, sinônimo de progresso.
Mas a referência aos Estados Unidos, em nível internacional, como padrão
rodoviário bem-sucedido é mencionado com maior vigor a partir do governo de
Adolpho Konder. Dentro do País, o destaque e inspiração é São Paulo. Na mensagem
governamental, em 1929, afirmava-se, a necessidade do constante melhoramento da
qualidade da rede rodoviária. Ocorriam “[...] exigências cada vez mais apuradas do
automobilismo, que já entrou definitivamente em nossos hábitos, até mesmo nos das
populações das regiões mais distantes.” (KONDER, 1929, p.88). O fato é que, desde o
início desse governo, a ênfase do discursivo do transporte e do deslocamento é atribuída
137 A frase é de Gil Costa. Relatório apresentado ao governador Hercílio Luz, por Adolpho Konder(1919), secretario da Fazenda, Viação, Obras Publicas e Agricultura, em 01 de maio de 1919.
138 Por redes rodoviárias se pensava fazer a ligação litoral-Sertão como fala Konder (1927, p.87) sobre asestradas de penetração, deveriam fugir dos traçados longitudinais (norte/sul), pois buscava “[...] recorreràs estradas de rodagem para comunicar o sertão com o litoral”.
193
quase que totalmente ao automóvel. O encantamento e mesmo a impressão de
modernidade recaía nos exemplos das estradas em outros contextos e se desejava trazê-
las a Santa Catarina.
Havia uma figura chave nessa inspiração e aliança com a elite governante de
Santa Catarina com o ex-governante de São Paulo e na epoca, presidente da República.
O fato do irmão dois anos mais moço que Adolpho, Vitor Konder (1886-1941) ser o
ministro139 da Viação e Obras Públicas no Governo Washington Luís. Certamente a
centralidade pela temática rodoviária e os constantes elogios às obras de viação do
presidente paulista, significavam também a capacidade de mobilizar recursos nessas
áreas, para Santa Catarina. Não está apenas na conquista desses fundos territoriais a
explicação para os discursos e projetos rodoviários do governo Adolpho Konder, mas
também o fato de seu irmão ocupar um posto-chave na esfera federal, o que pode
significar liberação de recursos.
De qualquer forma, pode-se perceber uma governamentalidade (FOUCAULT,
1979) das estradas em Santa Catarina, pós-1926, quando nesse ano é criada pelo
governo estadual, a Inspetoria de Estradas e Rodagens de Minas, para tornar mais
independente – segundo o discurso institucional – e eficiente a reconstrução,
conservação e fiscalização de estradas. No ano seguinte, 1927, é criada a Caixa de
Viação, visando, com ela, à arrecadação de fundos destinados, especificamente, às
estradas. Assim, são recolhidos valores, com impostos em: transmissão de propriedade e
viação terrestre/trânsito (KONDER, 1928, p.78).
É notável um amálgama do período do governo Adolpho Konder, em que
aparecem muito relacionados: a conquista da região identificada com o Sertão; a criação
mesmo que inicial de instituições (nacionalização) no Oeste; projetos e planos viários
de integração do espaço catarinense por rodovias e; imaginário de bandeirante. Nesses
projetos, um dos pontos em comum, mais sólidos, me parece, estava no fortalecimento
do poder sobre o espaço de Santa Catarina. Ações lançadas nesses anos 1920 é que
possibilitariam, por exemplo, a constituição de bem-sucedidos circuitos de trocas e
lucros, projetando aos catarinenses a meta e a identidade de integrarem seu território.
*
139 “Nesse setor de comunicação [Adolpho Konder] contou com o apoio federal, já que, no período, seuirmão Vitor Konder foi o ministro de Viação e Obras Públicas do governo Washington Luis.”(MEIRINHO, 1997, p.198).
194
Faço aqui alguns comentários breves, se trata ainda de considerações elaboradas
de maneira inicial a respeito da Viagem de 1929 para após, isso, fazer no próximo
capítulo um balanço panorâmico histórico da construção territorial dessa “unidade do
país”: Santa Catarina. Mencionando a seguinte passagem, que me parece bastante útil a
respeito da compreensão da “identificação do Sertão”; dos constituídores dessa
identificação (ou os auto-proclamados desbravadores) e por fim do governador como
um bandeirante, esses elementos parecem terem ligação na implementação de exercício
de territorialidade(s) estatal clássico: “O território exprime a visão geográfica do poder
em sua principal manifestação. A espacialização do exercício do poder qualifica um
espaço como território. E como bem assinala Michel Foucault, o poder não se define, se
exerce.” (MORAES, 2005c, p.114). Cabe tão bem interpretar o caso das formas de
exercer poderes sobre o espaço, certamente a Viagem de 1929, embora repleta de relatos
com imagens de amenidades, de congregação, união e comunhão, ela reflete antes a
vontade de um domínio, de poder. Por isso nomear e controlar as toponímias é um dos
objetivos importantes para atingir um melhor controle do território.
A autoridade maior representante do executivo estadual, ao recrutar e levar
consigo burocratas e funcionários da sua administração ao mais extremo interior de
Santa Catarina, teve entre alguns da comitiva que o retravam pelo heroísmo e
benevolência do ato de “adentrar” ao Sertão, tal visão de “empreitada” passa a ser
resultado da característica como se fosse um administrador estadista, exercendo através
de sua posição hierárquica, o símbolo de poder de Santa Catarina em direção ao Oeste.
A nomenclatura e aparato que carrega o imaginário Bandeirante lhe serve tão bem no
momento de reconhecimento da fronteira, que talvez não haveria outro signo disponível
da identidade catarinense a ser mobilizado. Por alguém cujo o pai, era professor e
comerciante (Markus Konder 1854-1898), apontam os biógrafos, é nascido em
Schweich na Alemanha e imigrou para o Brasil, fixando-se em Itajaí, casando com
Adelaide da Silva Flores, tendo o casal oito filhos, entre eles, alguns políticos, como
Adolpho e Vitor Konder, (além de Marcos Konder aqui nenhum vez citado) a ideia do
Bandeirante nacionalizando o Sertão garantia-lhe um certo distanciamento de sua
herança germânica.
Em certa altura, em tom de epopeia – quixotesca – mais que um governante,
entre as características apontadas da ação itinerante daquele governo, fora a coragem
para enfrentar o desconhecido e realizar o contato com o Outro, e levar-lhes – seja o
espaço seja as pessoas – as instituições e as representações de catarinense. Realiza
195
nomenclaturas das toponímias. Tais tipos de eventos inaugurais acabam se perpetuando,
mais pelas forças de rememorações e repetições de relatos instituidores da
origem/gênese do que necessariamente, na comunidades que receberam e acolheram as
autoridades. Os textos e as fotografias como os aqui mobilizados, foram escritos, antes
por atendentes do poder, possuem intencionalidades para tal uso. Menos para as
próprias pessoas da região, a representação da (Viagem) epopéia como um grande feito,
responsável pela origem da incorporação do Sertão, são também relatos externos.
Tratam-se de memórias que recaem sobre ela, a encobertam e não fazem menos do que
a subestimar, legitimando uma imposição cartográfica que acompanha a territorialização
do poder que chegou vindo de trem, lancha ou automóvel e acredita lançar racionalidade
e nacionalidade na “não civilização”.
O Oeste e o extremo-Oeste já existiam antes da passagem do primeiro
governador – talvez o que se buscou inaugurar foi o Oeste e extremo-Oeste catarinense
– assim como a América portuguesa existia antes da vinda140 da família real portuguesa
ao Rio de Janeiro em 1808. Entretanto, nas narrativas de culto a origem – como bem
criticou François Simiand – tentam fazer crer o quanto ganham os “espaços periféricos”
quando por determinadas situações, passam a ser (e a receberem) atenções centrais. Mas
tais abordagens, não querem compreender as peculiaridades e valores já presentes, e sim
ressaltar a figura da autoridade que chancela o que deve ou não ser, permanecer na e da
região e como devem ser chamados os lugares, rios, montanhas... enfim, impor uma
cartografia.
Seja representações e capitais (subjetividades ou materialidades), valores são
aplicados sobre determinado espaço que a figura do poder (uma autoridade, ou não)
deseja ser reconhecido como o mediador a inscrever a região na história. A meta é
140 Talvez aqui, essa tentativa de comparação não seja nada útil, a começar pelo fato de o Governocatarinense não ter sido transferido, nem mesmo as repartições públicas do Estado que mantiveram-sehistoricamente concentradas na capital, Florianópolis. Sem falar na diferença de quase um século e nãomais colônia. Outro impedimento dessa comparação é a complexa diferença da figura do poder real (oMonarca) em relação ao poder do Estado moderno, esse último caracterizado, por exemplo, pelomonopólio da violência dentro de seu território. Mesmo considerando não sendo uma comparação muitofiel, apenas faço essa indicação de que não são as autoridades que por decreto criam as forças dos lugaresda noite para o dia, muitas rugosidades se mantém inclusive após atos de “fundações”; afinal, entre aescolhas da América portuguesa, foi na “já estabelecida” Rio de Janeiro que a corte se fixa, gerando umanova e complexa centralidade: “a transferência da corte portuguesa para a colônia, em 1808, representouum fator essencial no processo de formação histórica do Brasil, notadamente em sua dimensãogeopolítica.” [...] “A centralidade geográfica instalada não dilui os conflitos inter-regionais, mas atuapesadamente no sentido de unificação territorial da colônia. Unidade que a elevação ao status de reino,em 1815, reforçou.” (MORAES, 2009, p.68).
196
promover-se (pela “coragem de enfrentar” o desconhecido) por tornar o Sertão existente
e, superá-lo.
Entretanto, para membros de uma comunidade, de uma vila, das colônias,
núcleos urbanos da região, a lembrança da presença de um governador – não o
questionamento de tal ato já ter sido ou não, esquecido – parece querer instituir e
lembrar os nomes daqueles que ali foram e estiveram de passagem mais do que das
comunidades que “receberam a Bandeira”. A memória oficial quer registrar menos os
que foram visitados e acionados como membros de uma comunidade imaginada,
catarinense e/ou brasileira e mais das autoridades e agentes do poder. No olhar de quem
estava “lá” no Oeste: são aqueles que chegaram, os litorâneos, os governantes, as
autoridades do poder é que eram os Outros.
E a quem interessa se não, aos que exercem o poder, os usos de representação
do: Sertão, bandeirante, integração? Acredito que “dinamizar” os fundos territoriais
acoplando-os em uma lógica que reproduzisse as histórias das formações sociais das
demais regiões de Santa Catarina, torna-se um mecanismo de visualização da
territorialização; mas para o governante em 1929 significou mais do que isso, me parece
também, ter sido uma estratégia interessante, pois ao mesmo tempo, que ser “de
origem” – filho de imigrante – tentar ser reconhecido como um melhor brasileiro
(LESSER, 2001), um nativo, Bandeirante. Ou numa narrativa epopéia, o retratará como
mais um bravo, “herói territorial”.
197
CAPÍTULO IV
TERRITÓRIO FEDERAL DO IGUAÇU (1943-1946)
Territórios ao Oeste
Duas boas dissertações de Mestrado trataram do Território do Iguaçu. Uma na
Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAM) de autoria de
Licério de Oliveira (1999), que estudou o regionalismo fermentado principalmente a
partir do Território Federal do Iguaçu e seus resquícios às áreas depois reincorporadas
ao Paraná e Santa Catarina. Outra dissertação na História na Universidade Federal
Fluminense (UFF) publicada em livro, autoria de Sérgio Lopes (2002), que estudou o
Território de Iguaçu no contexto da “Marcha para o Oeste” e as relações de força
política entre o Paraná, com representantes no Congresso Nacional e a insignificante
representação do Território do Iguaçu na formulação da Constituição de 1946, o que
impactou na sua dissolução e retorno das áreas paranaense e catarinense.
Nesse ano de 2015 acaba de sair também um novo livro, escrito por um autor
local, professor aposentado no município de Laranjeiras do Sul (PR), antiga sede da
capital do território. Trata-se de Arno B. Mussoi (2015), obra Território Federal do
Iguaçu, perspectivas para o Desenvolvimento Regional. Para ele, há duas principais
vertentes nas concepções dessa temática. Uma corrente a) Paranista; nessa concepção
entende o território federal como uma perda (amputada uma parte do Paraná), sendo
considerado para autores dessa vertente, mais importante o seu fim e retorno para
(re)estabelecimento dos espaços do Paraná (e Santa Catarina). Segundo depoimento em
entrevista, Mussoi afirma como nessa visão predomina a ideia “como se a criação do
Território do Iguaçu tivesse sido meio a toque de caixa. Meio sem muita importância.”
(MUSSOI, Depoimento oral, abril 2015, Laranjeiras do Sul-PR).
A segundo corrente, compreende o conjunto maior do País, observando não ter
sido apenas a criação de um território federal, mas com ele, outros quatro mais. Nessa
perspectiva, poderia ser nomeada, como focando nas b) Políticas varguistas. Tal
abordagem, na qual Mussoi se vincula, assim ele explica:
Prioriza a discussão das políticas de Vargas pré a criação do Território Federaldo Iguaçu (a linha nacionalista dele) e a marcha para o Oeste e a questão da
198
integração do território nacional, principalmente nas regiões praticamentedesabitadas. E a gente buscando documentos na imprensa do Paraná, temos aítrabalhos publicados em 1931, como 12 anos antes da criação do territóriofederal já tinha uma comissão para fazer um estudo aqui na região. Desde 1930,da subida de Vargas ao poder, já tinha interesse nessa ideia, 13 anos antes dacriação foi feita uma análise. Então, não é assim a toque de caixa como oWachowicz comenta. (MUSSOI, Depoimento oral, abril 2015, Laranjeiras doSul-PR).
A partir do desmembramento de áreas de jurisdição de cinco unidades
federativas: Amazonas, Pará, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina, no ano 1943, a
União criou cinco Territórios Federais: Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porá e
Iguaçu. O contexto daquele período caracterizado por conjunto de influencias, entre
quais se destaca duas principais: o momento político interno brasileiro com o Estado
Novo (1937-1945); a Geopolítica na Segunda Grande Guerra (1939-1945). Outros
fatores, como o projeto e discurso institucional da Marcha para o Oeste, a criação de
novas unidades da Federação, a busca por melhor controle das fronteiras, assim como a
centralidade do discurso geográfico e no caso do Sul, a fronteira com a Argentina, são
aspectos que contribuíram na compreensão do momento criação daqueles Territórios
Federais.
Imagem 13: Estados existentes (alguns “desmembrados”) e os Territórios Federais instituídosem setembro/outubro de 1943 pela Lei nº5.812 de 13 de setembro (ver anexo 2)
Ref. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Brasil_divisao_politico_administrativa_1943.PNG
199
Segundo Sérgio Lopes (2002, p.195), dizia-se que antes da criação do espaço
dos iguaçuanos, o Paraná possuía aproximadamente 199.897 km² e Santa Catarina
94.998 km². Após a criação do Território Federal do Iguaçu, descontada a área para
criá-lo, ficaram respectivamente, 148.445 km² área paranaense e 80.596 km² a área
catarinense. Representada anteriormente (na imagem 13), a nova divisão territorial das
unidades federativas brasileiras a partir de outubro de 1943.
Acredito que a criação do Território Federal do Iguaçu coloca completamente
em cheque – e fortalece a suspeita – em tratar o ano de 1916 com o Acordo dos Limites
como o marco da incorporação “definitiva” da construção territorial catarinense, assim
também para a Viagem de 1929. Ao menos que não se considere a região Oeste como
parte integrante. Penso que à área emancipada como entidade Federal do Território do
Iguaçu, expressa as rupturas da invenção da integração de Santa Catarina. Trata-se de
um exemplo de um processo que não poderia, necessariamente, resultar na atual
cartografia.
Alguns atributos recorrentes na imprensa sobre a criação de Territórios em 1943a) Militares por serem região de fronteira; contexto da 2ª Guerra Mundial; importância
estratégica para segurança da nação e; para unidade da pátria.
b) Econômicos buscar e promover “progresso” visto como ampliação de contato da ervamate e pinhão com o mercado; tratar do ressurgimento econômico integrando interiorna esfera da circulação; aprofundar políticas de colonização em apropriação privada daterra.
Os aspectos militares e econômicos apontados como causas para criação de cinco
territórios federais foram condensados141 na expressão Marcha para o Oeste.
Quando o segundo governador indicado para assumir a chefia do Território, no
governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, faz uma representação gráfica do
funcionamento da estrutura dos órgãos da administração, é como se a área que pertencia
a Santa Catarina, sob jurisdição do Território Federal não tivesse sido catarinense. É
como se não reconhecesse o que era o Oeste catarinense, pois, informa ter
representantes (do Território) no Rio de Janeiro e em Curitiba, mas não em
Florianópolis, ou não em Santa Catarina. O que mais uma fez pode ser ilustrativo da
141 Não deixa de ser também um momento de forte mobilização de discursos associados a temáticas comexpressões próximas da Geografia acompanhados de muitas ideologias geográficas. (MORAES, 2005,p.97). Segundo reproduziu o Jornal Gazeta do Povo de Curitiba, 4ªfeira, 15 de setembro de 1943 p.08: “Arespeito da criação de cinco territórios federais, um vespertino ouviu o senhor Cristovão Leite deCarvalho, presidente do Conselho Nacional de Geografia, o qual disse que o Presidente da República, fezdiversos estudos a respeito, tendo traçado as diretrizes do projeto. Acrescentou – que se trata de uma leique encarando os mais patrióticos objetivos, vem de encontro com os vitais interesses do país e contribuiude maneira decisiva na efetivação da proclama marcha para o oeste.” (destaques meus).
200
condição de menor peso de influência da capital de Santa Catarina no que
corresponderia seu território.
Imagem 14: dos órgãos de apoio do governador não há representante de SC
Quando demonstra um organograma das funções e disposição do funcionamento da máquina doEstado do Território, os órgãos da burocracia, chama atenção ao fato do governo ter umrepresentante na capital federal – Rio de Janeiro – e um representante na capital do Paraná,Curitiba. Mas não aparece nem no texto, nem na figura da distribuição das divisões do Estado,nenhuma menção a Santa Catarina ou um representando em Florianópolis. É como se a parteque tivesse sido federalizada; não fosse de (nem tivesse pertencido a) Santa Catarina.
Um jornal de Santa Catarina, quando da criação do Território Federal do Iguaçu,
também não se viu nele alguma figura associada às terras catarinense, mas diz ter
encontrado sua silhueta o rosto de um ex-presidente dos EUA:
201
A capacidade de desejar encontrar alguma menção aos EUA, fez um jornal em
Santa Catarina dizer ter visto na área correspondente ao Território Federal do Iguaçu a
face do primeiro presidente dos EUA. O tal rosto de Washington é relevante e
expressivo dessa busca da uma artificial aproximação com EUA. O texto explicativo do
encontro de um contorno da “face” ou de uma cabeça do presidente Georges
Washington, questiona ao final da aparente coincidência da imagem, se não haveria uma
boa e feliz aproximação entre EUA e Brasil? Buscando criar algum vínculo, metáfora,
paralelo, “noticiou-se” a novidade do território, uma relação de “proximidade” entre os
Países; representa a nova subdivisão de área do Brasil, como se expressando o rosto
político estadunidense legitimando-se uma inventada onipresença dos EUA.
202
As justificativas que apareceram na imprensa escrita, quando noticiado em
páginas de jornais a criação dos territórios federais, quase sempre utilizou da
explicações e justificativas militares e/ou econômicas.
Na pesquisa realizada no Arquivo Nacional (do Rio Janeiro), encontrei alguns
documentos como correspondências, solicitações e troca de informações entre a
administração da capital Federal e as necessidades das autoridades para instalação desse
Território. Outros documentos menos comuns, tratam de algumas cartas de pessoas
solicitando emprego ou transferência. Também aparecem situações de solicitações de
propriedades agrícolas assim como de execução de projetos de colonização.
Imposições: da criação do território e da extinção do mesmo
“E dali para cá, com a entrada do território, nós ficamosmuito felizes, até entender o que era território... atécompreender, nem sabia o que era. Outros ficaram zangados,tirar um pedaço do Paraná! Depois sofreu de não tercontinuado.”
Geni Sathler 86 anos, Laranjeiras do Sul (PR), abril 2015
Essa epígrafe acima traduz um pouco do olhar da experiência de quem vivenciou
o início e o fim do Território Federal do Iguaçu, tendo lembranças daquele momento. A
desconfiança ou desconhecimento inicial, em deixar de pertencer a quem pertencia,
nesse caso ao Paraná e, depois, a frustração pela não continuidade, pois, voltaram outra
vez às áreas – catarinense e paranaense – a quem respectivamente haviam sido
“desmembradas”.
A percepção de ter sido “elevado” a um território trouxe consigo ideal de um
futuro melhor; tanto das pessoas que pela área habitavam, como por quem se deslocou
em busca de oportunidades. Muitas das expectativas geradas em consequencias das
instalações construídas, prédios edificados (muitos em madeira) e, principalmente, da
elevação de um povoado (Xagú) em uma capital de um território federal, com
estabelecimento de governadoria. Uma presença do Estado e proximidades de algumas
agências estatais fundadas seja com obras e com oferecimento de serviços públicos foi
logo sentida no início, e como resultado do fim do território, o inverso: o abandono.
Sentido de projeto abortado, interrompido. Não sendo a população questionada das suas
preferências, sem qualquer plebiscito, eleições ou votação para decidir em deixar de ser
Paraná e Santa Catarina e após 3 anos, voltar a sê-lo.
203
Fiz a menção desse depoimento oral na epígrafe, para também apontar como
nem sempre as intenções do Estado são decididas junto com as pessoas envolvidas. Esse
caso, sobretudo, sugerido do ponto de vista de alguém que viveu o período da existência
de diferentes governanças do espaço, sob gestão federal e mais, ilustra no caso
individual, a sobreposição do território na concepção do País, acima das opiniões das
comunidades, com tentativa de impor uma invisibilidade da presença de pessoas. Tal
como a discussão territorial apresentada por Antonio Carlos R. Moraes, em parte
considerável do conjunto de sua obra (como já discutido no Capítulo I). Por outro lado,
no caso catarinense, a desanexação dessa área poderia dizer bastante naquele período da
não relação desse extremo Oeste com a capital, Florianópolis (tema problematizado no
Capítulo I).
O trecho de depoimento usado na epígrafe, colhido com autorização em
trabalhos de campo em Laranjeiras do Sul (PR) em abril do ano de 2015, esse município
fora a capital do Território Federal do Iguaçu, e quando capital, possuía tal nome oficial,
como se observa na imagem a seguir e sua localização:
Imagem abrangência do Território Federal do Iguaçu e localização da capital
Área do Território do Iguaçu e sua capital, em representação cartográfica contemporânea
A discussão ou ideias sobre a criação de uma unidade do País nas mediações
dessa área, já apareciam nas comunicações entre militares, logo em seguida ao resultado
204
final do voto de arbitragem do presidente dos EUA, Grover Cleveland em fevereiro de
1895 (como discutido no Capítulo II). Também apareceu mesmo antes, quando se
desejava não perder a área em litígio para Argentina, alguns costumavam lembrar o
potencial (principalmente naturais) de tornar tal espaço em separado de Santa Catarina
e Paraná.
Reprodução da imagem Cartográfica da área Contestada pelo PR e SC
Mapa do acerco cartográfico da Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade de São Paulo.
Antes e durante o período da Guerra no Contestado (1912-1916), (MACHADO,
2004) quando governantes e políticos do Paraná não seguiam as determinações do
Supremo Tribunal Federal/STF nas três consultadas realizadas – ou julgamentos –
dando causa de ganho para Santa Catarina, ficou bastante conhecido o trabalho de Silvio
Romero142 sugerindo a união dos dois Estado em uma única Unidade Federativa. Para
evitar ressentimentos e disputas desse novo Estado que se chamaria, para Romero,
Iguaçu, a capital – da proposta de união dos Estados – também deveria ser outra (que
não Florianópolis nem Curitiba) e, localizada nas mediações do rio Iguaçu.
142 Segundo algumas pessoas envolvidas no acordo dos dois Estados realizado no Palácio do Catete noRio de Janeiro em 1916, por volta daquele ano, o Itamarati republicou o texto de Silvio Romero; é aomenos o que afirmou Thiers Fleming (1939, p.07) em artigo publicado na Revista da Sociedade deGeografia do Rio de Janeiro: (destaques meus) “[...] intensifica-se o ‘zum-zum’ de que o ‘acordo’ nãoserá assinado; notícias, de fonte catarinense, em certos jornais, pretendem quebrar a bela e patrióticaunidade de vistas da imprensa carioca a favor do acordo. Fala-se de novo no Estado de ‘Iguassú’ –formado pela união dos Estados de Santa Catarina e Paraná e o projeto de Sílvio Romero é reeditado peloItamaratí.”
205
E a capital?... Há de ser essa encantadora povoação a margem dobelo Iguaçu, sobre o território que cada um dos Estados considera seu, asetecentos metros acima do mar, e que tem o nome sugestivo de PortoUnião. Chamam-na ainda de União da Vitória. Os lugares têm tambémseus destinos... De União e Vitória vai ser a bela cidade que se há deedificar ali para a capital do poderoso, vasto e riquíssimo Estado do...Iguaçu ou do Guairá. (ROMERO, 1916, p.20).
O curioso não é si, apenas, a proposta de Silvio Romero de juntar Santa Catarina e o
Paraná em único Estado. Mas é muito relevante como 30 anos depois, a mesma ideia é
retomada pelo último e ex-governador do Território Federal, quando já extinto o
mesmo, Frederico Trotta afirma estar divulgando essa sugestão. Da junção desses dois
Estados, sairia maior força política, maior capacidade de competição com outras
unidades federativas do País, “[...] fazendo equilíbrio com São Paulo, Minas, Rio
Grande e Bahia.” (TROTTA, 1947, p.120).
Consolidando uma contribuição da grandeza territorial do Brasil, a opinião do
ex-governador também parecido embalada pelo ressentimento do fim desse território:
Já que não pode ser mantido o Território Federal do Iguaçu – seriainteressante que os dois Estados do Paraná e Santa Catarina sefundissem num só com a capital sediada em Porto União e União daVitória – ligação natural entre as duas unidades federativas e entre aszonas servidas de estradas de ferro e os sertões do oeste. Aspossibilidades desse novo grande Estado no ponto de vista econômico,administrativo e político seriam maiores do que a soma das duasparcelas quando consideradas separadamente [...]. A economiaresultante da fusão das duas administrações [...] criar-se-ia uma unidadede doutrina que muito iria beneficiar todas as regiões, mormente com oafastamento da capital da orla litorânea, pois é ponto pacifico queCuritiba e Florianópolis estão mal situadas como capitais. (TROTTA,1947, p.120).
Com o fim do Território do Iguaçu, as áreas que haviam sido desmembradas,
retornaram a mesma divisão do Acordo celebrado no Palácio do Catete em 1916, com
mediação do Presidente da República, dividindo o espaço entre os Estados que
contestavam como sua a área, ficando aproximadamente 20.000 Km² ao Paraná e
aproximadamente 27.000 km² para Santa Catarina. A imagem anterior demonstra como
a produção cartográfica, considerava nas suas representações do espaço, as dúvidas
sobre a quem pertencia.
Fora recorrente ideias (como as discutidas no próximo item), a respeito dessa
área – a que passou a cobrir o Território Federal – tornar-se independente do Paraná e
Santa Catarina. Uma década antes da implantação do Território Federal do Iguaçu,
houve uma difundida proposição dessa sugestão, como apareceu em algumas
206
publicações de uma revista que editava discussões envolvendo Geografia, em uma
sociedade com sede na capital federal, na época, Rio de Janeiro.
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro/SGRJ e a redivisão territorial do País
Quando se verifica a produção intelectual e propostas de análises territoriais do
Brasil, em décadas antes da institucionalização formal da disciplina acadêmica
Geografia, na(s) Universidade(s) brasileira(s), não significa ser correta a associação
direta da “não formação” de quadros, com a não existência de pensamentos de cunho
geográfico. Tem se consolidado diferentes pesquisas e questionamentos, apontando uma
relativa grande quantidade de debates, projetos, “propostas de soluções” de problemas,
pelo viés – o que se poderia considerar como sendo – da Geografia produzida antes da
criação dessa disciplina no Brasil.143 Essa foi, por exemplo, uma entre as grandes
preocupações de investigações de Antonio Carlos R. Moraes (1991): entender a
separação temporal do pensamento geográfico brasileiro; da posterior reflexão
acadêmica geográfica e o(s) por quê(s) da emergência discursiva tão antes da disciplina
(e demorada institucionalização da comunidade de geógrafos/as).
Muitas vezes, talvez na maior parte delas, um aparente “debate” foi reducionista,
não só simplificando ideias (de escolas geográficas nacionais) trazidas do exterior,
particularmente da Europa, mas legitimando variadas perspectivas conservadoras,
autoritárias e até racistas, com sustentação de “aporte” em considerados então,
renomados geógrafos. Chancelava-se um eurocentrismo nada discreto, mesmo nas
propostas dizendo serem as mais nacionalistas, ou pela admiração e desejo do
nacionalismo, embarcou-se em etnocentrismo vulgar, encontrando guarida na Geografia
européia. Desembocou-se em conjunto de interpretações generalizantes e rasteiras,
analisadas por Antonio Carlos R. Moraes (2005b) em Ideologias geográficas.
Embora algumas simplificações tenham dominado as discussões, alguns
argumentos (mesmo que não concordemos com eles) foram bem elaboradas; nem todos
usavam de interpretações mecanicista prontas. Quando se analisa parte dos debates
antes da constituição da disciplina Geografia no Brasil, não é suficiente tentar criticá-los
como se discursos incompetentes; mas entendê-los seus limites e contribuições, dentro
de uma lógica do período. Talvez até possamos vê-los – algumas das discussões – como
143 Ver a respeito, por exemplo: Luciene P. Carris Cardoso (2013) O lugar da Geografia brasileira;Manoel F. Sousa Neto (2004) Planos para o Império; Lia O. Machado (1995) Origens do pensamentogeográfico no Brasil; Sergio L. N. Pereira (1997) Geografias, caminhos e lugares da produção do sabergeográfico no Brasil; Fabio B. Contel (2014) As divisões regionais do IBGE no séc.XX; Antonio CarlosR. Moraes (2005) Ideologias geográficas.
207
não “menos importantes”, nem inferiores ao que fazem geógrafos na atualidade: crítica
válida a alguns ramos e posicionamentos de geógrafos atuais? Projetos a respeito do
território brasileiro e ordenamento territorial do País não foram só rasos; existindo não
apenas os voluntaristas “bem intencionados”.
Talvez, influenciados e redigidos por membros (ou sujeitos socializados em
uma) em mais altas esferas das instituições que mais recebiam recursos do Estado, as
forças armadas. Com certo grau de instrução e formação complexa, não disponível nem
tão rotineiramente existente nas esferas das formações de profissões civis, me refiro
principalmente a Marinha, mas também ao Exército, pode ajudar a interpretação da
existência de textos bastante explicativos e repletos de informações e propostas de
intervenção planejadas. Além, muitas vezes, da própria origem social dos sujeitos. 144
Seria muito simplificador, tratar intelectualidade do passado como menos capaz
e envolvidas em tramas, enlaces e enredadas em paixões, como se, apenas no presente,
tivéssemos capacidade de não nos envolvermos em embates políticos com interesses
claros. Ou como se, apenas hoje, conseguimos saudável distância do que “eles” não
faziam questão de propor a ter. Pode parecer caricatural, ou tentativa de resgatar
projetos do século passado para olhar o presente, não se trata disso. Como exemplo,
uma breve análise de um documento publicado no ano de 1933 pela Revista da
Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro/SGRJ, tratando a respeito da proposta de
refazer a divisão territorial do Brasil.
Gostaria de chamar atenção para o fato, de no mínimo uma década antes do
presidente Getúlio Vargas ter instituído cinco territórios federais em 1943 (quais sejam:
Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e Iguaçu), anteriormente, ter sido recorrente
discussões a respeito das espacialidades dos níveis dos poderes do Estado brasileiro. O
caso de uma Redação final da matéria vencedora, “selecionada” para sair impressa na
Revista da SGRJ é bastante ilustrativo, da complexidade de temas propostos nos
discursos realizados há mais de 8 décadas atrás. Mesmo não deixando de ser um
ideologia geográfica, é um documento que porta racionalidade, em linguagem
144 Existiam discussões e elaborações geográficas em outras esferas e instâncias do Estado; antes decriação do Conselho Brasileiro de Geografia (em março de 1937), por exemplo, o Ministério daAgricultura também fazia levantamentos que mais tarde foram alojados no Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística/IBGE. Como lembra Fabio B. Contel (2014, p.03): “"O estudo da configuraçãonatural do território já era realizado de forma pulverizada por órgãos do Governo Federal e autarquiasestaduais, principalmente aquelas ligadas à produção agrícola.” Sobre origem social de indivíduos e aprodução de saber geográfico, ver o caso, em Lincoln F. Secco (2008) Caio Prado Júnior o sentido darevolução.
208
sofisticada, com argumentos claros e propositivos. Mas, certamente, guarda distância de
participação popular tanto no que se refere à elaboração do projeto como na execução.
O texto assinado ao final como se em autoria coletiva, é menos assinatura de
indivíduos comuns (cidadãos da sociedade civil não aparecem), mas de representantes
de instituições. Várias autoridades representantes de “grupos” diferentes, todos homens,
parecem buscar legitimidade de poder, para creditar veracidade das análises e sugestões.
São das instituições que representam e seguem após os seus nomes145 como se
chancelando peso de autoridade ao documento. Apenas, afirma no início do dossiê, ter
sido redigido no contexto do debate proposto e realizado pela instituição SGRJ,
responsável também pela criação de “uma grande comissão nacional de redivisão
territorial e localização da capital.”
Como afirmou em recente livro – no qual a autora trata da SGRJ – de Luciene P.
C. Cardoso (2013, p.144), entre os anos de 1930 e 1945, o Estado brasileiro exprimiu
com vigor, uma cultura geográfica de raiz nacionalista. Mais do que apenas
nacionalista, poderia associar diretamente a uma dupla raiz, com influência de cultura
geográfica militar, pois parte da Geografia foi feita, inclusive, pelos próprios agentes
das forças armadas. Muitos discursos elaborados no âmbito da SGRJ fora uma das
expressões mais influentes durante o governo desse período. Diziam chamar para si, por
exemplo, a “responsabilidade” e tarefa do processo de nacionalização. Alguns membros
da SGRJ, ou autores dos artigos publicados nas páginas da revista dessa sociedade
geográfica, escreviam afirmar estarem dispostos a propor o combate ao que
consideravam ser um forte regionalismo brasileiro; culpado por ser dispersivo e
fragmentador da nação.146
145 Menciono a seguir os nomes segundo a ordem na qual saíram publicados (com data de 18 de outubrode 1933), não para apontar quem eram, mas como antes do nome havia o grau de hierarquia da“autoridade” e após o nome de registro civil, o cargo ocupada na instituição mencionada, usada paraampliar o peso de autoridade. “(Assinados): Everardo Backheuser, presidente da Sociedade de Geografia[SGRJ].; Hélio Gomes, relator da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres.; José Lessa Bastos, 2ªSecretário, pelo Clube Militar; Raymundo Pereira da Silva, Pelo Clube de Engenharia.; H. CanabarroReichardt, Pelo Instituto dos Advogados.; Tte. Coronel Raul Bandeira de Mello, Pelo Instituto deEngenharia Militar.; General Liberato Bittencourt e Capitão Edmundo Gastão da Cunha, Pelo ServiçoGeográfico do Exército.; Major Antonio Alves Fernandes Távora – Pela Sociedade dos Amigos deAlberto Torres.; José Pedro Carneiro da Cunha, Alcides Bezerra e Saladino de Gusmão, Pela Sociedadede Geografia do Rio de Janeiro.; Cap. de Corveta Antonio Alves da Camara e Capitão Tenente Ary dosSantos Rangel, Pelo Ministério da Marinha.; Major Raul Silveira de Mello e Major Mario Ramos, PeloEstado Maior do Exército.” (SGRJ, 2ºsem.; 1933, p. 140-141).
146 Concepção política que influenciou de maneira a hegemonizar toda uma época no sentido deconstrução nacional sufocada pela força do regional, mesmo que também tenha sido, embora parecendocontraditório, durante o primeiro governo do Vargas a realização da primeira regionalização oficialbrasileira, visando contribuir ao Estado e feito pelo próprio: “A primeira divisão regional oficial do Brasil
209
Essa versão não terá ruptura tão rápida, permanecendo tanto na criação do
Território Federal do Iguaçu, como no lamento quando da sua extinção. Como fez, por
exemplo, o último governador para quem “O que é bom em São Paulo ou Goiás, poderá
produzir resultados sofríveis, nulos, ou mesmo prejudiciais em Clevelândia, Iguaçu,
etc.” (TROTTA, 1947, p.08). Segundo Major Trotta: “O regionalismo deve ser posto à
margem quando não trouxer no seu bojo o real beneficio do torrão natal. Para os
brasileiros o Brasil deve ser em todo único.” (TROTTA, 1947, p.120).
Com perfil de propostas como àquelas de combate ao regional, colocava-se
como uma das metas da SGRJ, contribuir na busca por atingir harmonia do todo,
removendo desequilíbrios entre “as partes”. A concepção dessa Sociedade de Geografia
do Rio de Janeiro, que à partir de 1945 torna-se a Sociedade de Geografia Brasileira,
porta um discurso muito semelhante, ao que os governantes dos Territórios Federais
farão na década seguinte a esse relatório do começo dos anos 1930.
Em contraposição a um alegado “sentimento marcadamenteregionalista”, a Sociedade [SGRJ] decidiu formar um grupo de trabalho com afinalidade de estudar um novo desenho político-administrativo para [sic] o país.Denominado de “Grande Comissão Nacional de Redivisão Territorial eLocalização da Capital Federal”, o grupo seria coordenado por EverardoBackheuser, então vice-presidente da Sociedade de Geografia, e deveria somar[variados] esforços [...] (CARDOSO, 2013, p.145).
Para ocorrer um requilíbrio entre regiões e assim atingir um Estado de nação
plena, propuseram uma nova disposição das divisões internas dos espaços do País e a
reflexão de como a proposta de harmonização se daria. A elaboração do dossiê a
respeito da proposta da nova configuração seria feito por uma comissão. É o relatório
dessa comissão que é publicado na revista SGRJ e nele aparece em 1933, como um dos
territórios federais, o de Iguaçu. Portanto, nesse contexto, entre os principais objetivos
para criação de territórios estaria na busca por atingir maior grau de nacionalidade. Em
1947, no último relatório de governador do Território Federal ao presidente da
República, assim, por exemplo, mencionou Major Trotta:
[...] os municípios componentes do Território Federal do Iguaçu erampedaços sagrados da nossa Pátria e portanto tudo que fizéssemos debom, de aproveitável, o seria em proveito dos Estados para os quaisretornariam, trazendo como resultado final benefícios a toda aFederação, por isso que quanto mais ricos e mais bem aparelhados
foi realizada pelo IBGE no final da década de 1930, e se institucionalizou a partir da Circular No. 1 de 31de janeiro de 1942 da Secretaria da Presidência da República. O principal articulador e teórico da divisãofoi Fabio Macedo Soares Guimarães, então Chefe da Divisão de Geografia do Conselho Nacional deGeografia do IBGE.” (CONTEL, 2014, p.03)
210
estivessem suas unidades, mais rico e aparelhados estará o Brasil.(TROTTA, 1947, p.08)
O diagnóstico presente no início daquele documento da SGRJ estava em
completa sintonia com os discursos influentes e constantes entre as justificativas da
ascensão de Getúlio Vargas ao poder, assim como serão também a dos governadores
indicados para assumirem as governanças dos Territórios Federais, quase todos não
civis e sim, militares. Quero chamar atenção para àquela principal ideia de haver uma
forte concentração de representação política, para uma ou outra unidade federativa.
Constatavam: os Estados grandes, “com vastos recursos de natureza diversa”,
dominam “toda a administração federal revezando-se no poder, dele se aproveitando
para mais se enriquecerem com o precioso auxilio das rendas federais que drenam para
os seus territórios.” (SGRJ, 2ºsemestre, 1933, p.127). Esse tipo de interpretação
certamente interessava ao poder exercido por Vargas e quem o acompanhava, ainda
mais pós a polêmica disputa constitucionalista de 1932.
Houve mobilizações de discursos da unidade nacional, para legitimar a mudança
política de 1930, principalmente aqueles que pregaram necessidade de interromper a
não alternância ou excessiva continuidade administrativa, crítica indireta a (alcunha)
República Café com Leite. Certamente, a percepção de acúmulo de representantes do
poder concentracionista, era direcionada sobretudo à São Paulo. “No fundo, buscava-se
diminuir o poder das unidades mais expressivas da Federação, a propósito de promover
o equilíbrio entre os estados.” (CARDOSO, 2013, p145).
Mas o que eu gostaria mais de chamar atenção como uma das minhas principais
conclusões dessa pesquisa, está no fato da ideia consolidada nos anos das décadas de
1930 e 1940 de ter que haver e mesmo impor a força da União, devendo-se diminuir o
regional e evitar o “sobrepeso” político superconcentrado em São Paulo. Por outro lado,
não parecia nada contraditório a tais discursos e concepções, apelar, mobilizar ou se
utilizar de representações, imaginários ou concepções dos paulistas na representação de
um tipo de brasilidade; qual seja: a do dever de expansão, de seguir, adentrar e
conquistar os sertões. O último governador do Território Federal vai dizer que é
necessário dar estímulos para as pessoas irem viver e colonizarem tais áreas, assim
como havia estímulos econômicos num imaginário da época das Bandeiras: “A epopéia
dos bandeirantes só foi possível porque havia a acenar-lhes, no ocidente, possibilidades
de riquezas.” (TROTTA, 1947, p.12).
211
Ao mesmo tempo em que se parecia como um dos principais pilares e contexto
(do pano de fundo) das propostas dos Vargas um certo tipo de embate ou combate à São
Paulo e particularmente aos governos da primeira República, por outro lado, a parte
bastante influente da identidade nacional proposta, da ideia de Marcha para o Oeste, de
desbravamento dos sertões era também uma associação direta à bandeira paulista, ou ao
regionalismo paulista. Quero defender, portanto, como tenso sido um momento bastante
ambivalente e como requer o apelo nacionalista segundo Benedict Anderson, não
significa coerência, mas sim, envolvido mais em apelos emocionais, do que
propriamente, coerentes como racionalidade.
Vejamos em relação ao caso do Território Federal do Iguaçu. Em muitas
passagens do último relatório enviado pelo (ex-)governador Trotta, a ideia de levar,
construir ou fazer acontecer o Brasil e a brasilidade por meio dos novos Territórios
Federais, mobilizava uma metáfora de sertão e às pessoas que iam até os sertões, eram
verdadeiros bandeirantes: “[...] um grupo de abnegadas professoras, que como
bandeirantes deixaram o conforto de seus lares, o convívio de uma grande cidade, para
em pleno sertão, sem recursos, se dedicarem com entusiasmo exclusivamente ao ensino
[...].” (Relatório, 1947, p.68).
Não quero aqui negar a presença da conjuntura política que ajuda a embalar o
diagnóstico da SGRJ no período em que o mesmo é publicado. Interessa usá-lo
apontando como consequência e exemplo das paixões das circunstâncias, apresentando
propostas de discussão territorial brasileira. Alguém poderia muito bem tratar com esse
mesmo documento, uma rejeição de concepção que, de antemão, previsse como
hipótese, a vulgarização simplória de discussões em época pré-universitária da
abordagem de Geografia do Brasil. Não é possível reduzir as análises e sugestões de
alguns desses textos como se não maduras ou resultado de uma proto-geografia.147
147 Tanto no século XIX, como no séc. XX e antes da ascensão do governo Vargas, já haviam elaboraçõesdesejando alcançar uma política planificadora e territorial para o Brasil, quase sempre que desembocasseem mais integração e consequentemente, maior harmonia e coesão. Ver, por exemplo, tese dedoutoramento em Geografia Humana de Manoel F. Sousa Neto (2004) “Planos para o Império, os planosde viação do segundo reinado.” Os projetos de divisões regionais para o Brasil aparecem mesmo antes daconsolidação do Estado nacional, alguns feitos até por estrangeiros, como pontua Fábio B. Contel (2014,p.03): “Antes da primeira divisão regional oficial criada pelo IBGE em 1942, algumas propostas tiveramsignificativa projeção nos meios intelectuais e mesmo em órgãos da administração pública. SegundoIgnes Teixeira Guerra (1968, p.61), dentre as mais importantes divisões regionais do Brasil que fizeramparte dos debates que antecedem a divisão do IBGE, destacam-se as seguintes: a de André Rebouças(1889), dividindo o país em “10 áreas agrícolas”; Elisée Reclus (1893), dividindo o país em 8 regiões;Said Ali (1905), propondo 5 regiões para o Brasil; Delgado de Carvalho (1913), cuja proposta serviu debase para a primeira divisão oficial (por sua influência em Fabio de Macedo Soares Guimarães); Pierre
212
Embora, autores desses diagnósticos tivessem eles mesmos, interesses em indicar e
ocupar postos criados à partir de novas esferas da administração estatal. Havia intenções
não necessariamente postas, nem mencionadas no dossiê; com intencionalidades
submersas ao território.
Parto do documento proposto a redivisão territorial do Brasil publicado na
Revista da SGRJ para buscar apontar dois aspectos: 1) existência da discussão sobre
(re)ordenamento territorial muito antes da criação das cinco áreas colocadas sob
administração direta da União em 1943 e, principalmente; 2) compreender ter havido
discursos propositivos e polidos – como quisermos adjetivar ou denominar – usando de
discussão territorial do Estado brasileiro, para promover mais espaços de poder,
governança, cargos e atuação para o que talvez pudéssemos denominar, vulgarmente, de
intelectuais orgânicos do território. Não estranha serem membros das forças armadas
(ou pensamentos vinculados à militarização política do contexto) a dar amplo apoio à
ascensão de Vargas ao poder; e também, serem esses grupos um dos principais a
promoverem sugestões das administrações de “espaços do País” criados sob guarda-
chuva varguista. Na prática, foram os primeiros a ocupar os cargo e postos de comando,
quando criadas as instâncias (ou entes) dos territoriais federais.
Não estou convicto que era o Estado quem tutelava esses territórios, mas dentro
do Estado, àqueles com mais forças de pressão – as armadas – destaque para os
militares. Segundo a opinião dos que assinaram o dossiê da Comissão da Redivisão
Territorial, durante a elaboração da Primeira Constituição republicana brasileira, de
1891, houve quem pretendesse ordenar o território do Brasil em comarcas, tendo como
inspiração – na semelhança – dos departamentos franceses. Entretanto, não houve
profundas alterações, pois, manteve-se as subdivisões advindas do Império. As mesmas
Províncias passaram a ser Estados (partes da União), saindo vencedor um espírito
particularista “mais poderoso do que o sentimento da nacionalidade.” (SGRJ, 2ºsem.,
1933, p.128). O movimento de 1930, busca contrapor-se essa concepção tratada como
fragmentária do Brasil.
No caso brasileiro, genericamente, o mais curioso e complexo está na forte
tentativa de convencimento que parte importante das forças armadas desejam passar: de
servirem não apenas para resguardar o território do País, mas protetores do
nacionalismo. Como se, diria Antonio Carlos R. Moraes, salvaguardando o território
Denis (1927), que dividiu o país em 6 regiões; e finalmente Betim Paes Leme (1937), com suas 7 regiões(tendo como principal critério a estrutura geológica do território).” (CONTEL, 2014, p.03).
213
bastaria e seria o suficiente para resguardar o que há de mais nacional. Salvacionistas
das pessoas, inclusive delas mesmas e do “perigo das maiorias” ou as multidões;
quando fora recorrente, por exemplo, na última ditadura militar, afirmativas como da
necessidade de intervenção, pois brasileiros não sabiam votar. Cabendo então, às forças
armadas, proteger os bons eleitores brasileiros, até quando àqueles (“maus eleitores”)
que não soubessem exprimir seus votos nas urnas, passassem a fazê-lo. Suprimiu-se
votos de ambos, “bons” e “maus”, as forças, responsáveis, em tese, apenas, no
resguardo do território pelo monopólio da violência, é quem pretensamente saberiam
colocar o interesse da nação acima dos interesses “menores.”
A expressão semiótica da imagem a seguir, também dá um tom bastante ligado
ao militar aos territórios criados, ao ser dado voz aos membros das forças armadas para
explicarem o que se tratava essas novidades criadas, como noticiou na imprensa:
Territórios Federais instalados em 1943 tem uma relação direta com forças armadas
Criação de territórios federais
214
O objetivo da elaboração do diagnóstico de 1933, dizia se propor a defender a
ampliação e consolidação da unidade nacional. Para esse texto, uma boa divisão
territorial estaria subordinada a fortalecer os laços da união nacional. Claramente, a
ideologia geográfica – reafirmando a constatação de Antonio Carlos R. Moraes – triunfa
no discurso do período varguista. Os países de inspiração continuavam sendo, como já
tratado no Capitulo II, principalmente os Estados Unidos e a França.148 Mas,
claramente, uma inspiração mediada, pois silenciando os direitos dos cidadãos e mais
ainda, o voto livre em representantes, caracterizando a democracia representativa de
parte da Europa e da América do Norte. O dossiê publicado nas páginas da revista do
SGRJ faz referência não aos aspectos da(s) sociedade(s) e suas características
formadora dessas nações, mas o que parecia ser entendido como bem elaboradas gestões
territoriais; posto verem nesses Países como tendo centralização sem escancarados
desequilíbrios.
A desigualdade social não aparece em nenhum momento do texto, como se os
espaços fossem apenas desiguais por natureza ou por atributos de valor não humano. A
ideia era apresentar a defesa de uma centralização brasileira, meta de Vargas, mas como
resultado de (re)equilíbrios por nivelamentos das regiões. Aqui entra as propostas de
novas divisões internas brasileiras. As desigualdades são das regiões, mas internamente
a elas não se pauta outras desigualdades, como as de classe social, por exemplo.
Para os projetistas da necessidade de uma nova divisão das unidades federativas
brasileira, haveria que harmonizar o território das conformidade do País, com propostas
claras de evitar concentração, realizando para tanto, fragmentações das áreas já
existentes, com estabelecimento de alguns critérios para tais divisões. Quanto maior
população, menor a área total do espaço de uma unidade federativa: não poderia deixar
juntas uma grande quantidade de superfície com grande quantidade populacional.
Propunha-se também, estabelecer um tamanho máximo do território para as unidades
federadas e valendo também para tanto, o critério de preço do solo; quanto mais
dispêndio de capital por área, menor seria o tamanho total dessa unidade do País: “Onde
as terras forem mais valorizadas, aí ela será menor.” (SGRJ, 2ºsem., 1933, p.130).
Ainda segundo esse dossiê da Redação final da matéria vencedora (sobre a
comissão nacional de redivisão territorial), as normatizações das áreas correspondentes
148 “Os países em que as províncias, nas suas várias zonas geográficas, equivalem-se em força política,como a França e os Estados Unidos, obtêm mais sólido equilíbrio político e mais estável coesão.” (SGRJ,2ºsem., 1933, p.130).
215
às administrações abaixo do poder central – das unidades federativas, portanto – não
devem ser congeladas, mas tendo disposições de alterações dos critérios ao longo do
tempo. A nova divisão do País proposta, ou seus critérios para tanto, não era definitiva
nem “imóvel, rígida, antes se adaptará às condições novas que surgirem” (SGRJ,
2ºsem., 1933, p.130). As dinâmicas populacionais e das migrações, por exemplo,
poderiam gerar novos desequilíbrios e concentrações em áreas, devendo, em
consequência, desencadear novos rearranjos das divisões, tendo como um dos critérios:
a atração e efetivo crescimento demográfico e/ou superpopulação. A proposta de
repartir Estados do País buscou equivaler: superfície, população e eficiência econômica
(CARDOSO, 2013, p.146).
A própria nomenclatura das unidades deveria ser alterada, segundo essa
proposta. Mais uma vez é possível observar o auto grau de influência de uma acepção
varguista do território presente nesse dossiê, quando defendem o retorno do uso da
expressão das unidades brasileiras presentes durante o Império. “A expressão Estado
lembra a ideia de soberania, que pertence unicamente à Nação; a designação Província,
além de restabelecer nossa tradição histórica, está mais de acordo com o sentido de
autonomia política, que lhe cabe.” (SGRJ, 2ºsem., 1933, p.131).
O novo mapa das unidades internas do Brasil seria diferente, e entre essas
subdivisões apresentadas em 1933 na revista da SGRJ, estava ao que dez anos depois,
seria correspondente ao Território Federal do Iguaçu. Diferente do realizado em 1943,
com cinco territórios instituídos por decreto, o plano publicado pela SGRJ apresenta
proposta de 10 territórios como na imagem a seguir:
Proposta em 1933 de criação de 10 novos territórios federais, segundo comissão daSGRJ
216
Imagem, Fonte: Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro/SGRJ, 2ºsem.1933 p.134
A proposta diz ter enfatizado a criação de territórios em área de fronteira, como
emblema da mudança dos aspectos para nova (divisão) ordenamento do Brasil. Afirma
como emblema as área de fronteiras pelo baixo grau de densidade demográfica e
características – do que denominam de – despolicizadas das mesmas. Afirmam no
relatório acreditarem ser possível implementação imediata desses territórios, numa clara
visão de acelerar a incorporação de fundos territoriais. Já uma re-ordenação dividindo as
demais unidades do País, demoraria tempo mais longe e envolveria outra discussão.
Passava-se a ter como prioridade, nacionalizar a fronteira, para resultar em articulação
nacional. A justificativa, com argumentos como se de caráter fronteiriço na proposta de
criação do Território Federal do Iguaçu, em área considerada, aproximadamente 80.000
km² e o nome – sugerido em 1933 – para a capital seria: Aparecida dos Portos.
A respeito de capital, era também apontado, com um grau de timidez e menor o
destaque, a relevância atribuída a uma nova sede de administração e capital brasileira.
Embora esteja presente no título do dossiê a discussão da nova localização, poucas
linhas são deixadas a esse tema. Não sendo dado destaque de sugestão em edificar nova
capital do País, sugerem como a constituição de 1891 afirmava em seu artigo 3º,
pertencer a União, no Planalto Central uma área de 14.400 km² para futuramente
demarcar nova sede política e de governança do País. Do ponto de vista econômico,
afirmava-se como a transposição da capital ao interior iria dinamizar o rural, além de
217
protegê-la de ataques externos, aspecto muito mais vulnerável quando localizada à beira
mar como o caso do Rio de Janeiro, capital de então.
Um dos aspectos de continuidade a mais considerar, como tendo sido
literalmente implantados na década seguinte a esse dossiê, se refere a subordinação das
novas áreas – os territórios – criadas em subordinação direta à União. A proposta da
Comissão autora do texto publicado na revista da SGRJ, parece ter sido completamente
aceita e levada à cabo e em consideração, 10 anos depois, quando Vargas instala 5 dos
10 territórios sugeridos. Uma das afirmativas propunha: “Os territórios ficarão
subordinados à União, que os administrara até que possam obter autonomia política,
transformando-se em Província.” (SGRJ, 2ºsem., 1933, p.131). Não se propunha
autonomia política, quando da criação de tais territórios, pois isso parecia significar a
época a criação não de unidades ligadas à nação, mas de potenciais novos
regionalismos. Era mais uma vez, a gestão do território, entendido como sinônimo de
Brasil, o espaço, e não as pessoas que o fazem.
Por outro lado, aos Estado centrais e de maior consolidação no domínio político
e econômico do País, o diagnóstico parece ter temido qualquer proposta de
desmembramento. O mais polêmico não estava em instaurar territórios nas fronteiras
Oeste, mas na proposta de fragmentar as “Províncias” existentes. Tais propostas não
aparecem, embora se reclame dos gigantismos de uns em oposição aos outros Estados
anões.
Sertanismo prévio, prepara a Marcha: contextos para apropriações
Parte da década de 1930 e com maior destaque na seguinte, 1940, o Oeste
brasileiro, genericamente, recebe com maior evidência, a aplicação de projetos
envolvidos em movimentos populacionais e fluxos demográficos. Passando uma “re-
ocupação” a ser sobreposta ao habitat existente.149 Com característica de “frente”
impondo um tipo de fronteira agrícola e de usos de patrimônios naturais coletivos, via a
forma de apropriação privada do espaço. Por consequência, apropriação privada de
149 Segundo Álvaro L. Heidrich (2000, p.26) o uso do espaço como condição se sobrevivência,reprodução social e da garantia da moradia seria traduzida na expressão habitat; mas, não significanecessariamente sinônimo de território segundo esse autor: “A localização humana que forma um habitatainda não é, somente por isso, um território”. É necessário apropriação, delimitações de acesso eestabelecimento comunitário para garantir territorialização: “Enquanto a constituição de habitats consistena recriação da natureza como espaço humanizado, a constituição de territórios significa a instauração dodomínio de uma dada civilização sobre a sua existência material em relação à de suas congêneres.”(HEIDRICH, 2000, p.26).
218
“recursos naturais”, circunscritas e constituídos por ocupações de terras em fazendas e
transformação em áreas agropastoris. Pode-se dizer, mesmo parecendo em “atraso
tecnológico”150 até a década anterior – a de 1920 – parte relevante do interior do
território nacional do País estava sendo, literalmente, ligado pela fiação do telégrafo,
cuja figura de Comissão (liderada por Marechal Cândido) Rondon é emblemática.151
A nação por um fio, como bem chamou Laura A. Maciel (1999, p.171), quando
com a técnica telegráfica programada para conquistar o sertão, “amansar um território
ainda virgem”, tornar ordenada e produtiva aquelas regiões em que se passava a ter
maior contato e comunicação, via telégrafo. Entrou como parte de programas de
governos, conquistar o sertão; ainda na Primeira República, aplicando ordem e
progresso no/ao espaço. Contexto dos fundos territoriais serem incorporados num
acelerado processo de valorização do espaço.
Das vontades, projetos ou desejos de engendrar colonização até década de 1920,
quando da implantação de fiação do telégrafo, o ato colonizador passa a desenrolar-se
mais constantemente nas décadas seguintes. Uma territorialização foi sendo sobreposta,
sob uma lógica de gestão espacial já existente – particularmente, “em cima” de
territórios sociais indígenas de acesso livre aos recursos ou, de apropriação
comunal/coletiva sem, necessariamente, regramento aos patrimônios naturais –
passando a territorialidade a ser implementada, antes pelo sertanismo e posteriormente,
no processo ficado conhecido com a palavra inicial de marcha: a Marcha para o
Oeste.152
O sertanismo seria uma primeira verticalidade – pretensamente, racionalizante –
do século XX, a desembaralhar os territórios sociais (LITTLE, 2004), buscando aplicar
algumas dinâmicas para tornar o espaço indutor e promotor do mercado. Tornando a
150 “Ainda que superado pela radiotelegrafia, o telégrafo elétrico era considerado por ele [Rondon] omelhor instrumento para incorporação de regiões desertas.” (MACIEL, 1999, p.178).
151 O telégrafo elétrico passou a ser projetado como parte do instrumento de incorporação das áreasconsideradas desertas, como afirma Laura A. Macial (1999, p.178): “No Brasil, insistia Rondon, otelégrafo não se desenvolveu, prioritariamente, para diminuir as distâncias na comunicação (agilizando ocontato e a troca de informações), mas para penetrar, ocupar e conquistar territórios e povos inspirado nosexemplos dos EUA e na atuação de nações européias e suas possessões coloniais.”152 Inclusive expressão utilizada para nomear texto de um dos ideólogos – Cassiano Ricardo – do EstadoNovo de Getúlio Vargas, no qual será retomada a figura do bandeirante. Para Lucia Lippi Oliveira (2008,p. 15-16): “Com a obra A marcha para o Oeste, de 1940, Cassiano Ricardo estava dando sua contribuiçãofundamental para a montagem ideológica do Estado Novo. Sabemos que o Estado Novo teve comoprojeto mudar a imagem do Brasil e do homem brasileiro. Queria criar o homem novo – o trabalhador. Aocupação do interior e a recriação de tipos nacionais fizeram parte do mesmo processo, voltado para criaruma narrativa sobre o trabalhador brasileiro.”
219
terra, por exemplo, valor de mercado. Enquadramentos com regramentos e
“normatizações” passam a ser promovidos. Talvez, possa-se até ser um exemplo da
sobreposição do “meio técnico-científico” sobre o “meio natural”, em que uma das
grandes ou, principais alterações socioespaciais, passou a ser o reconhecimento
prioritário de um (exclusivo) regime de propriedade.
Numa nova relação com o espaço imposta, desejando tanto imobilizar grupos
sociais ali previamente estabelecidos – me refiro principalmente aos indígenas – sob
promoção da lógica de fixação de população, através, principalmente, da agricultura.
Rompendo-se com lógicas internas próprias das culturas que se reproduzirem no
espaço, à medida, em que eram contatados pelos “representantes” da modernidade ou da
modernização. Esse momento é da “abertura” do que é colocado como sendo, sertão. Se
dado a algum espaço a pecha: sertão, se assim é visto como merecido de condição ou
nomeação, deve-se ou projeta-se que seja “desertanizado”: como se a “satanice do
sertão” fosse nada propício ao ordenamento, nem a modernidade, como já discutido no
capítulo anterior (Cap. III), do movimento da incorporação dos fundos territoriais
tratados de sertão. Não por acaso, mas para assim “resgatá-los” de uma presenta
condição perdida e desarmoniosa. O tratamento de espaços como sertão é uma clara
característica de fundo territorial (MORAES, 2005).
A partir ou após as ações ou movimentos do sertanismo, se pensado em etapas, o
que nem sempre se dá de maneira ordenada ou “naturalmente desencadeada”, mas como
“tipos ideais”, em seguida ao chão preparado pelo sertanismo, realiza-se “a Marcha”.153
Previamente a Marcha para Oeste, o movimento sertanista é quem prepara terreno,
como se pode concordar dessa interpretação seguinte:
Desbravar, amansar, domar os sertões e tudo que neles havia, inclusive osíndios, eram decisões políticas de ocupação e conquista do espaço interiorembasadas em desejos de ordem e progresso traduzidos, por sua vez, em atos deforça, de vontade de subjugar e dominar e que hoje podem ser sintetizadosnuma única palavra: “sertanismo”. (MACIEL, 1999, p. 185).
As frentes de ocupação e invasão de terras ao Oeste podem ser consideradas em
dois momentos temporais relativamente distintos entre si. Uma em decorrência e
continuidade do sertanismo, com o propósito discurso de conquista, de manutenção e
expansão/asseguramento de espaços oestinos ao território brasileiro. Essa Primeira
153 Para Antonio Carlos Robert Moraes (2005, p.97) “A proposta da ‘Marcha para o Oeste’ induzia a ideiade uma segunda conquista do território pátrio, animando uma nova onda expansionista agoraimpulsionada pelo ideal da modernização. Observa-se a incorporação material das ‘novas terras’ sendonovamente acompanhada pela violência que marca o avanço da frente pioneira, e de novo conhecendouma apropriação simbólica do processo que o interpreta como uma nova epopeia na construção do país.”
220
Marcha, cobriria período cronológico da ascensão ao poder central do governante
sulriograndense (gaúcho) vindo – mesmo que apenas simbolicamente – da fronteira nos
anos de 1930 até a construção e, inauguração da nova capital federal no ano de 1960 no
Planalto Central. No que se refere ao Território Federal do Iguaçu, tanto esse primeiro
movimento sertanista como a colonização com a presença desse mesmo Território
parecem se dar mais em paralelos temporais, do que tão esquematicamente separados.
Mas, em seguida, a segunda onda da “marcha” ao Oeste, que não costuma ser
assim nominada, se daria pós 1964 com o Golpe Militar até os dias de hoje (?). A
característica desse segundo momento passa a ser já em momento muito mais de
tecnificação, modernidade e alta produtividade e “rentabilidade com maquinaria” na
agricultura, em uma política muito mais liberal, privatista e totalmente voltada ao
mercado. Inclusive tendo sido estabelecido expansão colonizadora dessas áreas para
aliviar conflitos e tensões agrárias de regiões já mais ocupadas e de consolidação de
apropriação mais “antiga”. Esse segundo momento, não chego alcançar e nem é
proposta da presente pesquisa. Embora não deixe de ser uma separação bastante
arbitrária dessas duas ondas das marchas para o Oeste, pois a criação dos cinco
territórios federais – aqui um deles tratado – espacialmente todos na fronteira Oeste,
abrangiam desde Santa Catarina o mais meridional, até o atual Estado de Roraima, o
mais ao norte. Quero dizer com isso, que a separação por critérios espaciais não
justificaria tal proposta dos ciclos de marcha como propus. Mas, considerando outros
elementos, seja político, econômico e principalmente movimento demográfico, em si,
entendo que “do Pantanal acima”, quero dizer, ao norte, após inauguração de Brasília e
mais ainda do Pós-Golpe Militar, são rupturas e consequências dessa primeira frente
ainda sobre batuta do governo Vargas.
Portanto, se o sertanismo consolida uma preparação possibilitando uma Marcha
para o Oeste, essa prepara e abre fronteira para a expansão da fronteira do meio-técnico-
cientifico-informacional de estabelecimentos de propriedades rurais altamente
concentracionistas, ao mesmo tempo que ultra modernizadas, voltadas principalmente à
produção de commodities. Questão não tratada na presente investigação.
Sobre a Marcha para o Oeste, aliás, vale mencionar, expressão marcha parece
condensar nela tanto sentido militar e até mesmo geopolítico – bélico – quanto menção
ambivalente ao mito do bandeirantismo e suas entradas em tempos imemoriais, como se
súditos da Coroa portuguesa a conquistar espaço, como queria Barão do Rio Branco
convencer que assim fosse (aspecto discutido no capítulo II). Antes de marcados por
221
fatores produtivos e de alta modernização, o que estou denominando de “primeira onda”
da Marcha para Oeste está inserida no contexto de apropriação de áreas, extração
madeireira e poderia ser metaforizada como após o fio do telégrafo, e a “fiação” da
cerca ou do arame farpado delimitando as possessões. Essa primeira onda acessa pelas
portas abertas no sertão pelos sertanistas e aprofunda as ocupações. Porta escancarada,
segundo parece ter mencionado Cândido Rondon: “A instalação de uma linha
telegráfica exigia uma série de trabalhos complementares que, acreditava Rondon,
deixariam ‘escancaradas as portas desses sertões, onde dantes não se podia penetrar
senão com forte companha armada’.” (MACIEL, 1999, p.178)
Se na expansão da fronteira de modernização agrícola da Revolução Verde pós-
1964 seria o crescimento de produção exponencial de commodities, a marca da primeira
onda da Marcha para o Oeste é fundiária, com frentes de expansão buscando
estabelecimento de propriedades:
A partir da década de 1930 no Brasil, uma série de movimento migratórios,muitas vezes acompanhados por pesados investimentos em infra-estrutura, modificou deforma contundente as relações fundiárias existentes no país. Esses movimentosespalharam-se por todo o território nacional e atingiram, de uma forma ou de outraforma, os diversos povos tradicionais. A expansão para o oeste do Paraná, nos anostrinte e quarenta, foi seguida pela Marcha para o Oeste, centrada nos Estados de Goiás eMato Grosso. Nos anos cinquenta desse século [XX], a construção de Brasília, comonova capital federal no Planalto Central, incentivou diretamente o povoamento massivodessa região. A construção das primeiras grandes estradas teve a função de dar acesso àvasta Região Norte para colonos, garimpeiros, fazendeiros, comerciantes e grandesempresas procedentes de outras regiões do Brasil. (LITTLE, 2004, p.266)
Atos simbólicos e atos falhos? Ordinários e extraordinários no Território
Gostaria de deixar claro, como no conjunto do material analisado e das reflexões
da presente tese, não é a proposta de uma análise na longa duração temporal, ao menos
não com apoio em pesquisa em documentação ou empírica. Nem tampouco, uma
história territorial total. Não busca cobrir tudo, desde a criação da Capitania Subalterna
(1738) tratada no primeiro capítulo, até a criação (1943) e a extinção (1946) do
Território Federal do Iguaçu, tema desse presente capítulo. Mas, sim, a proposta é a
partir de alguns momentos, circunstâncias no tempo, fazer recortes mais incisivos e ao
aprofundá-los (mas, não apenas ou somente com revisão de literatura). Para tanto, no
capítulo primeiro se utilizou menos de fontes primárias e mais de uma literatura de
segunda mão. Já nos demais seguinte, se tratou de revolver documentos e a partir deles
fazer à problemática acontecer; mantendo essa prática no presente 4ª capítulo.
222
As discussões nos capítulos já passados e o atual são lampejos – flashes – e
recortes, com certo grau de arbitrariedade, pois eleitos, tanto como momentos decisivos
na construção territorial, também pelas cargas simbólicas marcantes (parecem
momentos fundadores). Períodos e temáticas escolhidas, por ajudar a ampliar as
reflexões das construções sociais de aspectos geográficos, tais como as territorialidades.
Considerando-se, em parte, definidores e, ao mesmo tempo marcantes tanto da
construção do território de Santa Catarina, quanto de alguns discursos a respeito dos
espaços e intencionalidade que os acompanha, fugindo de um caso, apenas, paroquial.
Então, feita essa ressalva de ser uma proposta de análise em circunstâncias
específicas, que uma abordagem desejando incluir mais temáticas e maiores recortes
temporal poderia perder ou impedir profundidade. Cada capítulo está mais ou menos
enfocando em um período no tempo. Tendo dentre os fios condutores, análise das
narrativas e discursos sobre um espaço quase sempre “o mesmo”, desde o segundo
capítulo: Litígio de Palmas (1895); Sertão do Oeste (1929) e agora o Território Federal
do Iguaçu (1946). Pode-se dizer que estamos tratando de camadas sob camadas de
tempos diferentes, de uma área que se não é totalmente ou completamente a mesma
delimitação, também não deixa de ser diferente. É uma mesma região, e esses processos
aqui tratados, também a ajudaram na constituição de alguma unidade, portanto, de
regionalização. Mas acima de tudo, reforçam aquela tese na qual afirma (e na qual
destaco) como: “A constituição de um território é, assim, um processo cumulativo.”
(MORAES, 2005a, p.45). Algumas dessas acumulações territoriais foram aqui tratadas
para Santa Catarina.
Embora possa parecer excessiva e forçada comparação, com foco apenas nas
continuidades, o objetivo central do presente capítulo foi demonstrar como há relações
diretas com demais discussões e temáticas discutidas nos capítulos anteriores. Se
poderia dizer que é possível identificar na própria documentação e discursos do período
da década de 1940, como mantém, lembram, fazem ilações e/ou remetem a algumas das
questões aqui já tematizadas. Vale mencionar: há uma referência ao movimento paulista
como de ida ao sertão; de figuras consideradas eminentes ou simbólicas do discurso de
instauração da República; uma presença mais constante e rotineira dos EUA e de figuras
associadas a esse país. A grande ruptura certamente é o governo Vargas:
Modernizar a economia brasileira, povoando e equipando o território, era umameta explícita da ditadura varguista, que também fez intensa utilizaçãosimbólica da representação do espaço para a legitimação de suas ações. Navisão difundida pelo seu Departamento de Imprensa e Propaganda, o Brasil era
223
definido como a somatória de suas culturas regionais e a autenticidade do‘caráter nacional’ era localizada nas áreas distantes do interior e, portanto, osentimento da verdadeira brasilidade residiria nos sertões. (MORAES, 2010,p.67).
Quando da inauguração de um fórum justiça no que era a capital do Território
Federal do Iguaçu, um juiz menciona em uma correspondência, ter ocorrido até então,
naquela comarca, apenas duas audiências extraordinárias. A terceira a tornar fato seria
para inauguração das instalações da autoridade jurídica, em sua sede recentemente
edificada. Como já dito, antes desse fato considerado pelo juiz como extraordinário
(inaugurar o Fórum da capital do Território Federal), duas outras audiências já haviam
sido feitas, entre elas, uma para homenagear o defensor brasileiro na conquista da
garantia da posse no litígio de Palmas. Nas palavras do juiz, em “[...] comemoração
solene do centenário do nascimento do Barão do Rio Branco, jurista consagrado a quem
o Brasil deve a solução pacífica das suas mais rumorosas questões de fronteira.”
(MOURA, 12-VIII-1946, p.54). E o que mais chama atenção, é fórmula final de
despedida, acima do nome juiz. Tal como 40 anos antes, aqueles telegramas
comemorando a vitória brasileira na Questão de Palmas (discutidos no capítulo 2 da
tese), assim findava correspondência o juiz: Saúde e Fraternidade e seguia o nome do
magistrado.
Além da clara saudação inventada por republicanos, o juiz mencionava três
eventos extraordinários desde instalação da comarca: o primeiro da chegada da justiça;
o segundo da data de nascimento do Barão do Rio Branco e a terceira, a inauguração da
sede predial – Fórum – da justiça. Talvez essa forma de homenagear ao Barão do Rio
Branco como um fato extraordinário, esteja em não ver a justiça ligada às pessoas,
indivíduos com direitos que reconhecem a realização da justiça, mas o evento
extraordinário é lembrando a quem garantiu o espaço e a área em que se encontrava tal
comarca, como território brasileiro.
Já no que se refere aos nomes de algumas escolas que passam a ser fundadas
pelo governo do Território, foram adotados nomes de figuras consideradas ilustres para
a história pátria. Trata-se, de ídolos instaurados pelo movimento republicano, como é o
caso paradigmático da figura do Tiradentes. O governador do Território Federal baixa
um decreto (nº2), no dia do feriado 21 de abril, passando a nomear a escola de formação
para magistério, de Escola Tiradentes. Portanto, nesse período, mesmo parecendo uma
grande ruptura com Vargas, há também continuidades entre discursos republicanos.
224
Por outro lado, o coronelismo e patrimonialismo continuaram campeando,
mesmo após a extinção do território, ou melhor, junto desse próprio processo, como se
quando do momento de passar os bens federais para as entidades municipais e estaduais.
Era 31 de março de 1947. Iguaçu, já não é mais capital do Território Federal
(com o mesmo nome), mas pertencente ao Estado do Paraná. Chegara o momento de
finalizar as listagens com as demonstrações dos destinos das entregas e
encaminhamentos dos bens móveis e imóveis, que até então pertenciam ao (recém
extinto) Território Federal do Iguaçu. O (ex-)governador dali, já havia retornado à
capital Federal. E o presidente da Comissão de Inventário e Entrega dos Bens
Territoriais – Hélio Moreira – parece se ver em apuros. Já não parecendo mais haver
autoridades presentes, o poder de quem tem mais força, parece prevalecer. Uma espécie
de representante do governador fica pela região para fazer o levantamento das entregas
e organizar relatórios a respeito do destino dos bens. Faz um detalhado ofício com
inventário e respectivos termos de responsabilidades, dizendo do destino desses bens.
Encaminha descrição ao ex-governador que por sua vez re-encaminhou ao Ministério da
Justiça.
O relator do ofício sugere ao ex-governador, que o mesmo consiga um fiscal
para acompanhar as entregas e o cuidado dos bens. Para tanto, diz da necessidade de
acionar o Ministério da Justiça. Por qual razão, seria, a necessidade da vinda de um
fiscal para averiguar a recepção do patrimônio da União agora passando para os
municípios? Tal necessidade de ampliar controle e vigilância se devia pelo fato do
patrimônio público, que estava indo de acordo com a lei, para as mãos dos novos
responsáveis, estava nesse processo sendo dilapidado. “Por esta razão, sugiro a V.
Excia.”, afirmava o autor do relatório, “interceder junto ao Exmo. Sr. Ministro da
Justiça e Negócios Interiores para a designação de um fiscal do patrimônio Federal
junto às Prefeituras.” (MOREIRA, 31-III-1947, p.120). Entre as justificativas ao pedido
de um agente do Estado para acompanhar as transmissões de bens federais se devia,
segundo afirma o mesmo documento “algumas Prefeituras estão dispondo do material
recebido para diversos fins, apesar da circunstância de depositários e caráter de
responsabilidade.” (MOREIRA, 31-III-1947, p.119).
O fim do território, não significa que algumas políticas, bens e formas de
administração teriam continuidade. Ao contrário, pois, mesmo com aporte de estruturas
da União ali feita, ao que parece, não foi apenas o fim do território, mas também se
serviços e presença do Estado (de maneira geral). Na passagem desses bens, segundo é
225
relatado pelo presidente da comissão do inventário: “Já houve caso de Prefeito
determinar venda de material a particulares.” (MOREIRA, 31-III-1947, p.119).
Dos bens, mobiliários públicos construídos – como prédios de escolas, postos de
atendimento público – e infra estrutura ali realizada pelo governo federal, o caso mais
contundente entre os relatados, está o do delegado que literalmente ocupou a rádio da
capital, sem o menor pudor. Chegando então a se tornar impossível ao funcionário do
Estado federal (do ex-Território), conseguir passar a rádio, pois havia sido
completamente tomada pelo delegado local, segundo apontar relatou o responsável pelo
inventário: “A estação de rádio transmissora não foi entregue mediante termo de
responsabilidade em virtude da mesma, ter sido ocupada pelo delegado regional de
polícia do Iguaçu, Capitão Boileau Vandick da Silva Sidreira em 18 de janeiro de
1947”.
Sabendo dos fatos das realocações das estruturais federais para os entes
responsáveis, seja município, Estado etc..., ao delegado foi negado entregar-lhe a
estação de rádio que solicitava, como explicou o funcionário: “[...] em virtude de não
haver recebido ordens de entrega, razão pela qual foi a mesma ocupada, quase
militarmente, pela autoridade policial já referida.” (MOREIRA, 1947, p.188). Devido
tal domínio feito pelo delegado, “da referida estação rádio transmissora”, o funcionário
responsável por inventariar e informar das responsabilidades assumidas pelas
instituições resolveu então, protocolar legalmente como estando em posse do delegado
“apresentados à autoridade policial mencionada para a referida assinatura, tendo a
mesma recusado em fazê-lo”.
Onipresença estadunidense ou uma face da norteamericana no território?
Talvez possa parecer no mínimo curioso, ou até muito estranho ter sido feita
alguma associação com os Estados Unidos passados quase 50 anos da arbitragem em
favor do Brasil na fronteira com a Argentina (tema do Capítulo II). Quem se remeter
apenas a literatura produzida sobre a temática do Território Federal do Iguaçu, pouca
referência direta parecerá ao País da América do Norte. Percepção diferente tem quem
vê jornais dos anos da década de 1940. Observando as fontes do período (1943-46),
observa-se constante menção à variados “aspectos estadunidenses”.
Como se nota na imprensa escrita, mantinha-se regularidade de notícias
veiculadas (e associações deliberadas) a fatos dos EUA. Aspectos da cultura política
brasileira pareciam tratados como se em prisma estadunidense. E não foi diferente no
226
caso da criação de cinco território federais em 1943, espaços colocados sob gerência
direta na esfera da administração da união, em um momento marcante de centralização.
Se um jornal apontava em seu texto o histórico da Estátua de Liberdade154 ter sido
inaugurada pelo presidente Cleveland, numa espécie de “ato inaugural” universal, uma
propaganda de publicidade trazia imagem do rosto desse presidente estadunidense não
para falar do seu papel como árbitro da fronteira com Argentina, mas como uma espécie
de garoto propaganda na publicidade comercial. Em desenho apontando como sendo
Grover Cleveland e um trecho de um depoimento atribuído a ele, buscava-se convencer
pessoas a fazerem seguro. Uma seguradora publicava dizendo como concepção
preventiva e dramática da necessidade de precaver-se do destino, a inteligente decisão
do ex-presidente dos EUA. Aos chefes de famílias cabia resguardar-se dos azares da
vida, evitando deixar familiares mendicantes; para isso, bastava planejar-se. Se havia
marca ou recomendação deixada por Cleveland, seria na propaganda: fique segurado de
ninguém precisar dar esmola aos seus!
Menção em jornal O’Estado (Florianópolis) de Ex-Presidente dos EUA, publicidade
Um anúncio publicitário da companhia seguradora Sul América fora recorrente nas páginas do jornaldurante ano de 1946, fazendo menção de exemplo de precaução o presidente dos EUA, Cleveland. Apresença de símbolos, autoridades, instituições e noticias dos EUA eram muito recorrentes na imprensa.
154 A menção ao presidente Cleveland como inaugurador do presente da França aos Estados Unidosapareceu no mínimo duas vezes no Jornal O’Estado, 5ªfeira 02 de dezembro de 1943, p. 07 (como segueum trecho): “Desde que o Presidente Grove Cleveland inaugurou-a em 28 de outubro de 1886, ela temsido o grande marco da liberdade e o monumento que resume as esperanças e aspirações do gênerohumano.” (O’ESTADO, 02/XII/1943, p.07)
227
Um município do Paraná já tinha, desde 1909, alterado o nome em pretensa
homenagem ao presidente votante do litígio para o Brasil, em uma toponímia digna da
mais desconfortável estética e de gosto duvidoso, ficado registrado Clevelândia (PR).
228
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O argumento da presente tese, buscou a partir de momentos diferentes, tratar
sobre discursos a respeito dos espaços, a partir de diferentes ângulos e pontuando alguns
usos que se faziam, intencionalidades e interesses. Uma das linhas de condução que
perpassam todos os capítulos está em rituais de fundação ou atos de inauguração
perpassam vários das temáticas aqui tratadas: da certidão de nascimento “criando” a
capitania da Ilha Santa Catarina, seja do ganho de causa no litígio de fronteira com a
Argentina; a Viagem de um governante como um bandeirante a inaugurar áreas para
Santa Catarina, incorporando-a “definitivamente”. Seja ainda a criação e extinção do
território federal.
A tese busca entender, como resultado de uma base de colonização portuguesa,
juntando áreas de duas dinâmicas, uma do interior (circuito dos caminhos das tropas) do
Planalto paulista e outra circunscrição litorânea de base territorial militar de defesa,
deram um tom bastante lento e difícil na integração catarinense. Aliás, a integração
buscada em primeiro plano era do espaço: organizar uma disposição territorial, seria
sinônimo de conseqüente criação de uma comunidade imagina catarinense. Esse
processo falho (talvez até hoje incompleto), lento e resultado de construções sociais, se
exprime muito bem na dificuldade da capital de Estado (Desterro e depois da República,
Florianópolis) se impor. Durante muito tempo demais regiões não se identificaram com
a capital, nem chegavam a ela ou buscam acessá-la.
A letigimidade em tratá-la conceitualmente como uma rugosidade, não se deve
apenas ao fato de uma pesquisa em Geografia Histórica averiguar temporalmente sua
invenção como espaço de poder, mas como ao longo do tempo foi contestada e a
mesmo assim resistiu. Vindo do resultado natural de sua localização e condição
geomorfológica, influente no circuito da navegação e se poderia dizer simbolicamente,
até 1680 (ano fundação da fortificada Colônia do Sacramento), central na
territorialidade marítima dos mares do sul, passa a ser também colocada como uma
espécie de centro agora em uma territorialidade militar nas fronteiras meridionais da
América portuguesa.
Para melhor compreender o por que de ser ali nessa Ilha de Santa Catarina uma
sede de poder, é preciso retornar às condições e concepções da época colonial, e por
isso, uma ruga, por durar mais do que as condições que a consideraram central, há uma
decadência e extinção daquele tipo de circuito marítimo que a tornam super relevante
229
nas rotas das navegações, há extinção das disputas e conquistais ibero americanas; a
própria fortificação da ilha é testada menos de 5 décadas antes da Independência e
Portugal a faz útil, com prédios e construções que são rugosidades até hoje presentes,
como fortificações e certamente influenciaram tais construções na manutenção da sede
de governança, mas certamente houveram outros fatores a continuar.
O fato de que os discursos sobre os espaços (os discursos a respeito das
espacialidade) quase nunca são separados das intencionalidades que se deseja fazer uso
deles. As concepções que se fazem dos espaços não são sem intenções, e isso pode ser
observado tanto em cidades que desconfiam da capital continuar como sede na Ilha
requerendo transferir sede administrativa, mas também podemos observar nesse
trabalho como um engenheiro geógrafo cartógrafo se utilizou da mensuração, do
trabalho de conhecer, saber, medir e controlar melhor um espaço como meios de galgar
postos, confiança, símbolos e capitais para si e seus filhos. Discutiu-se também como a
centralidade da noção de território do País como quase sinônimo de Brasil, acaba por
eleger heróis nacionais muito relacionado à manutenção, conquista, alargamento e
domínio de fundos territoriais, fronteiras e ganhos de área. O caso paradigmático é do
Barão do Rio Branco, mas perpassa também Barão do Capanema, Marechal Cândido
Rondon, Getúlio Vargas, e um governador bandeirante como dizia ser, Adolfo Konder.
Heróis territoriais recebem uma carga tão relevante de influencia e simbolismo
na identidade nacional pelo fato da centralidade ao espaço e o peso do território na
concepção de Brasil ser tanto autoritária porque distribuído desigualmente o acesso ao
mesmo, como também por impor territórios sem levar em conta às comunidades,
pessoas, enfim, de ser resultado da cidadania, mas de às vezes, cassar a participação
popular nos destinos às gestões do espaço. A república faz um uso do espaço como
simbólico para impor uma maior capilaridade e reconhecimento popular, embora em seu
início tenha defendido doar área para Argentina, com o resultado do litígio as
comemorações são justamente o inverso dessa.
Pode-se dizer que se tentou abordar várias camadas de sentidos, interpretações,
concepções e discursos sobre uma área relativamente comum. Camadas de discursos
espaciais e concepções territorializadas ao longo do tempo em uma mesma região a de
Palmas (Missiones); o Sertão da Fronteira Oeste; a área do Contesto; o Território
Federal do Iguaçu. Menos um estudo cronológico, buscou-se atingir momentos, cenas,
de formulações e formações territoriais em Santa Catarina. Alguém poderia argumentar
que o fio condutor de todos os capítulos tenha sido menos o tempo e mais até, um autor:
230
Antonio Carlos Robert Moraes e um debate direto com suas análises. Tal argumento é
em parte verídico e legítimo, mas não só. Menos como rupturas e continuidades, nem
como apenas mudanças e permanências, a proposta foi mais de entender uma questão:
espaço e poder.
A emergência do território de Santa Catarina, passa pela emergência de
concepções territorializadas de País, de concepções espacializadas da sociedade, desde o
incentivo à criação de colônias para fazer integrar os opostos mundos do Planalto e do
Litoral. Emergência Santa Catarina na época colonial, mas emergência em paralelo e
posteriormente outras territorialidades, seja da navegação, seja dos caminhos das tropas,
seja com a construção da ferrovia São Paulo – Rio Grande. Há sim, uma emergência de
base territorial marcante, com a criação da capitania subalterna, definidor para os
estudos de Geografia Histórica desse espaço. Mas houveram outras características e
concepções que não devem ser desprezadas e que se movem nessa tentativa de fazer
Santa Catarina existir, arrumar a casa, seria literalmente, fazer arrumações dos edifício
da casa e quase muito pouco (ou quase nunca) aparecem os moradores, habitantes,
condôminos e gente que afinal, dá sentido e coloca em movimento o território. Os
espaços são colocados em contatos pelas pessoas, já bem lembrar Antonio Carlos R.
Moraes; sem vida social, o espaço não existe. Fazer integrar espaços com geografias
físicas de baixa ou pouca comunicação entre si pelos relevos e bacias hidrográficas,
parece nunca ter conseguido plenamente ter se alcançado. Sinal de quem não basta
apenas fazer com que o território seja favorável à circulação, conexão ou livre fluxo, é
preciso com que as pessoas se sintam parte dele, construtoras e o atribuam sentidos,
como pertencentes plenos que deveriam ser. Menos heróis territoriais, deveríamos ter
uma maior plena cidadania territorial, reconhecimento efetivo e jurídico dos territórios
sociais. Construir para integrar, não significa construir o território para fazer integração,
mas possibilitar as pessoas serem plenamente agentes do espaço e sintam a vida como
parte deles.
231
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ANEXOS
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-3304-3-agosto-1917-572722-publicacaooriginal-96000-pl.html
Legislação Informatizada - Decreto nº 3.304, de 3 de Agosto de 1917 -Publicação Original
EMENTA: Publica a resolução do Congresso Nacional que approva o accôrdo de 20 deoutubro de 1916, firmando entre os Estados do Paraná e Santa Catharina, estabelecendoos seus limites.
Decreto nº 3.304, de 3 de Agosto de 1917
Publica a resolução do Congresso Nacional que approva o accôrdo de 20 de outubro de 1916, firmandoentre os Estados do Paraná e Santa Catharina, estabelecendo os seus limites.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:Faço saber que o Congresso Nacional resolveu approvar a resolução seguinte:
Art. 1º Nos termos do accôrdo de 20 de outubro de 1916, firmado entre os Estados do Paraná e SantaCatharina, approvado pela lei n. 1.146, de 6 de março de 1917, deste, e lei n. 1.653, de 23 de fevereiro de1917, daquelle, os limites entre os mesmos Estados passam a ser os seguintes:
No littoral: entre o Oceano Atlantico e o rio Negro, a linha divisoria que tem sido reconhecida pelosdous Estados desde 1771;
No Interior: o rio Negro, desde as suas cabeceiras até á sua fóz no rio Iguassú, e por este até á ponteda Estrada de Ferro S. Paulo-Rio Grande; pelos eixos desta ponte e da mesma estrada de ferro até á suaintercepção com o eixo da estrada de rodagem que actualmente liga a cidade de União da Victoria ácidade de Palmas; pelo eixo da referida estrada de rodagem até o seu encontro com o rio Jangada; por esteacima até ás suas cabeceiras, e dahi em linha recta na direcção do meridiano, até á sua intercepção com alinha divisoria das aguas dos rio Iguassú e Uruguay, e por esta linha divisoria das ditas aguas na direcçãogeral do Oéste até encontrar a linha que liga as cabeceiras dos rios Santo Antonio e Pepiry-guassú, nafronteira argentina.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.
Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1917, 96º da Independencia e 29º da Republica.
WENCESLAU BRAZ P. GOMESCarlos Maximiliano Pereira dos Santos
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União - Seção 1 de 04/08/1917
Publicação:
Diário Oficial da União - Seção 1 - 4/8/1917, Página 8153 (Publicação Original)
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