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Garantismo versus Ativismo
Ou o velho embate do cidadão contra o Estado.
Resumo: Eis que o busilis principal. O garantismo defende o cidadão e suas garantias
fundamentais enquanto que o ativismo defende o Estado, no seu afã principal de exercer
o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o Direito,
formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação da
própria lei.
Palavras-chave: Garantismo processual. Ativismo Judicial. Ideologia política.
Constitucionalismo. CPC/2015.
Abstract: Behold the main busilis. The guaranty defends the citizen and his fundamental
guarantees while activism defends the State, in its main effort to exercise the creative
role of the courts by bringing a new contribution to the Law, forming the jurisprudential
precedent, anticipating, often, the Formulation of the law itself.
Keywords: Procedural guaranty. Judicial Activism. Political Views. Constitutionalism.
CPC / 2015.
Introdução
É sabido que as ideologias políticas atuam como lentes a alterarem a forma de como se
vê o processo e, por esse motivo pode se afirmar que existe clara divisão entre os
processualistas liberais, adeptos de laissez-faire, que enxergam o juiz como um vigilante
noturno, que deve somente cuidar do fair play processual... E, de outro lado, os
processualistas socialistas que são adeptos a um sóciosanitarismo, defendem que ao juiz
compete resolver com justiça social, os conflitos subjacentes, não somente a lide.
Há ainda os processualistas fascistas que acreditam num dirigismo a todo custo, entende
firmemente que o julgador deve ter papel cunhado na monocracia com características
policialesca e inquisitorial.
Já os processualistas social-liberais são seguidores do chamado gerencialismo, divisam
o processo como uma microempresa a ser administrada de forma estratégica, por meio
do chamado manager judge.
2
Calorosos debates surgem quando essas correntes se digladiam, seja para criticar o
garantismo (que se filia aos liberais) ou criticar o ativismo (que se filia aos socialistas,
fascistas e também aos socioliberais).
Lembremos que as ideologias políticas influenciam grandemente como se enxerga a
estrutura básica do Estado e principalmente sua ordenação normativo-constitucional.
Evidentemente que tais ideologias políticas igualmente influenciam as metas, tarefas e
finalidades a serem cumpridas pelo Estado, e a escolha dos meios técnicos necessários
para essa consecução (policy).
Daí por que não é difícil concluir que poder indeclinável das ideologias transforma a
visualização e funcionamento administrativo-funcional do Estado-juiz, bem como o
modo de formular e fundamentar as decisões judiciais1, a forma de seleção para
ocupação de cargos judiciários e os de apoio. E, ainda, e principalmente quais tarefas
competem ao Estado-juiz para o desempenho específico da função jurisdicional.
É engraçado perceber notadamente que tal influência ideológica pesa sobre o principal
instrumento a serviço da justiça não-criminal, o processo civil, e também sobre a forma
de interpretá-lo.
É notória a profunda imbricação entre o direito processual e as ideologias políticas, o
que é parcamente estudado pela doutrina no Brasil, apesar de receber detida análise
tanto no restante na América como na Europa. Particularmente por Juan Montero Aroca,
na Espanha, por Adolfo Alvarado Celloso, na Argentina, Glauco Gumerato Ramos no
Brasil e Girolamo Monteleone e Dranco Cipriani na Itália que constituem os ilustres
garantistas, que se opõem ferozmente contra o ativismo sustentado por doutrinadores
como José Carlos Barbosa Moreira, no Brasil e outros como Augusto Mário Moreelo,
Roberto Berizonce e Jorge Peryani na Argentina.
1 O CPC de 2015 apontou inovações pertinente ao exercício jurisdicional, em consonância o moderno
direito processual constitucional e reforça a vinculação de certas decisões e adequação à teoria dos
precedentes judiciais. Evidencia-se o papel do STF como Corte Constitucional e a motivação que isso representa a força e o poder dos precedentes no Código Fux. Analisa-se então, o Incidente de Demandas
Repetitivas e o Incidente de Assunção de Competência. A cultura jurídica brasileira, apesar de ser
popularmente remetida à tradição do civil law, vinha reclamando uma prática de maior respeito aos
precedentes judiciais, tal qual observada em países integrantes do sistema common law
3
As ideologias esquadrinham uma espécie de antropologia filosófica onde subjaz certa
metafísica que reflete sobre os homens e sobre suas interrelações, seja com a natureza
ou seja com Deus.
Logo esse pressuposto filosófico acabará esquematizando a forma como o jurista
entenderá as vocações das partes e dos julgadores, tal como homens unidimensionais
que o reducionismo ideológico deles faz, principalmente no tramitar do processo
judicial.
Não é à toa, que as partes são vistas pela concepção socialista de processo, de caráter
cooperativo, ou como bens homens preconizados por Rousseau, que precisam ser
tutelados pelo Estado-provedor.
Por outro viés, já na vertente liberal clássica, temos uma verve adversarial, onde as
partes são consideradas como lobos belicosos conforme preconizou Thomas Hobbes
"homo hominis lupus" e que têm que ser protegidos pelas impetuosidades de Leviathan
e, que precisam ser salvo de si mesmos já que vivem sob o regime bellum omnium
contra omnes.
É verdade que entre tantas as concepções existentes sobre o processo civil, as ideologias
políticas se infiltram em inúmeras concepções e nas construções dogmático-processuais
que são consideradas como técnicas.
Muitos dos debates dogmáticos se resumem a ser ingênuas confrontações de técnicas,
mas no fundo, o real embate, é ideológico, muitas vezes desprezado pela intelligentsia
processual pátria. Diferentemente que acontece nos chamados países hispanohablantes,
nossos irmãos latino-americanos.
Enfim, percebe-se um processo de autoalienação e de abdicação intelectual. E, já se
enxerga o processo mais como instrumento técnico à disposição do Estado-juiz, mais é
igualmente um instrumento político, eivado de técnica revelada como um conjunto de
normas analíticas, hermenêuticas e pragmáticas, tendo como fim a aplicação do direito
material à solução dos conflitos de interesses.
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Revela-se o processo como político, pois o Estado ao monopolizar a distribuição da
justiça, dela se vale para enfim promover a paz social, ou pelo menos a pacificação
social. Eis o motivo do por que a estrutura e dinâmica do processo civil obedecer a uma
certa lógica substancial híbrida, em que as razões de neutralidade técnico-jurídica e
motivações de índole político-axiológica se interpenetram.
Desta forma, percebe-se a grave e crítica inadequação metodológica que contamina a
dogmática prevalente, cujo isolamento sistêmico não permite aos processualistas, o
trânsito saudável da ideia de instrumentalismo processual tão bem capitaneada por
Cândido Rangel Dinamarco no Brasil e que provém uma comunicação franca com o
direito constitucional e a ciência política. Apesar de que gradualmente esse quadro vem
se alterando no Brasil, cujo rigor cientificista asséptico, fazem os doutrinadores tratar o
processo civil apenas como mero experiente gélido.
Não se pretende obviamente traçar a evolução da ideologia e nem seu emprego
terminológico, mas é certo que passou a ser principalmente entendida como um
conjunto de crenças, opiniões e valores que pode ter um ponto de vista conservativo,
fornecer uma perspectiva, na qual identificamos a chamada visão de mundo, e traduz
uma compreensão e explicação para a ordem vigente, além de ajudar a modelar a
natureza e funcionamento dos sistemas políticos.
De sorte, que a ideologia política atua como espécie de cimente social a produzir a
estabilidade social e ordem, trazendo algum ponto de vista modificativo, traduzindo um
certo modelo de futuro desejável e ainda explicar como a mudança politica para esse
futuro pode ser materializada.
Sobre o processo civil, a ideologia fornece a cosmovisão para explicar e compreender o
sistema processual civil positivo vigente, interferindo no discurso doutrinário; ajudar
também a modelar o próprio sistema processual vigente, o que influencia o discurso
normativo, embora tal influência não atue de forma automática, pois a história aponta
que a edição de leis democráticas em regimes autoritários e de exceção.
Também proporciona dentro de uma certa comunidade de operadores desse sistema, um
paradigma ou uma cultura unificada de interpretação e aplicação. Assim, a ideologia
política dita ao juiz como pode interferir na forma de interpretar e aplicar a lei
processual.
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Assim, se projeta um futuro desejável para o sistema jurídico-processual, inspirando
reformas legislativas e também novas formas de interpretação da lei processual civil
vigente.
Também pode identificar as circunstâncias que acarretam a resistência da comunidade
jurídica contra essas modificações. Pois revela a força da ideologia dominante para
obter a conservação do sistema processual vigente.
Enfim, a ideologia política desempenha na área do processo civil uma vigorosa função
jurídico-positiva, além de função teórico-cognitiva e prático-social.
Num mundo pós-moderno ou de modernidade líquida e globalizado, marcado
notadamente pelo consumismo, fragmentação social, a perda do senso comum e
legitimação tópica de poder, não haveria mais lugar para os sistemas globais de
interpretação do mundo social.
Apesar de rotineiramente tem se frustrado nessa aposta. Pois no fundo, se presencia
simplesmente a superação histórica de principais tradições ideológicas e ao surgimento
de novas formas ideológicas (como os feminismos ecológicos, os fundamentalismos
religiosos, os multiculturalismos, os ambientalismos e, panteísmos etc).
E, se assim não o for, é inegável que as ideologias clássicas ocidentais tais como o
socialismo, liberalismo, conservadorismo, fascismo e o neoliberalismo, bem como suas
clássicas subdivisões (como o marxismo, comunismo ortodoxo, o socialdemocrata,
liberalismo clássico, o liberalismo social, conservadorismo autoritário e o
conservadorismo liberal e, etc), ainda têm influenciado profundamente as básicas
formas de compreensão e de aplicação da política, das tarefas e funções do Estado,
especialmente da jurisdição, atingindo consequentemente a estrutura e dinâmica do
processo civil.
Ainda é possível traçar com relativa tranquilidade uma divisão entre os processualistas à
direita (afetos a uma concepção neoprivatista ou ao liberalismo clássico do processo) e
ainda os processualistas à esquerda presos à chamada concepção social do processo.
Mas, se registra ainda os mais variados posicionamentos intermediários, tais como a
concepção social-liberal do processo.
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Em resumo, é a velha contenda armada entre o liberal e o social, que dá sentido a maior
parte das principais disputas do pensamento processualista, apesar de que os paradigmas
fascistas e conservador também formem relevantes linhas do pensamento dogmático-
processual.
O mais firme Leitmotiv do liberalismo clássico é o indivíduo, um valor supremo e acima
de qualquer grupo social, é o ser humano dotado de razão, ser pensante e capaz de
definir seus próprios interesses e ir atrás deles.
Para satisfazerem tais interesses pessoais, os indivíduos devem desfrutar de uma
máxima liberdade, compatível com uma liberdade similar para todos, mediante o gozo
dos mesmos direitos (similar à igualdade jurídico-formal) e, com isso, serem
recompensados conforme o seu talento e sua disposição para o trabalho (significando
desigualdade meritocrática).
Assim, nesse contexto, os liberais entendem ser inevitáveis as desigualdades de riqueza,
posição social e poder político (por força de um princípio darwinista-social da
sobrevivência do mais adaptável).
E, ainda entendem que a igualdade social é injusta porque trata os indivíduos que são
naturalmente diferentes entre si, da mesma maneira. Assim, por mais que sejam livres
de interferências, possam agir de acordo com as suas próprias escolhas e desenvolvam
moralmente aprendendo com os erros, é também necessário que estes estejam
protegidos contra o governo (que é potencialmente tirano).
Observa-se que a escolha moral do que seja bom, cabe ao indivíduo dentro de sua
autonomia pessoal, e não ao governo, que deve limitar-se a uma neutralidade moral, que
é circunscrita à garantia dos direitos subjetivos.
Eis aqui a chave-mestra do liberalismo econômico: permitir o exercício autônomo do
egoísmo material por cada indivíduo, livre das intervenções do Estado na economia, o
que faz nascer o conjunto de pressões impessoais que despontam num mecanismo de
autorregulação regido pelas forças da oferta e da procura, ao chamado mercado, o qual
pela mão invisível de Adam Smith, tende a naturalmente a promover o bem-estar e a
prosperidade econômica.
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A proteção contra a tirania dos governos dá-se por meio de uma organização político-
econômica fundamentada em valores como democracia, economia de mercado,
descentralização administrativa e constitucionalismo2.
A concretização desses valores deve enfim direcionar-se a formação do chamado Estado
mínimo soberano, o que não se confunde com a estadofobia dos anarquistas, cuja
função seja delineada e limitada à preservação da ordem interna, à manutenção da
segurança pessoal e à proteção da sociedade contra os ataques externos, conforma
aludia Locke, o Estado é como um guarda noturno.
Como Thomas Jefferson, que afirmava que "o melhor governo é o que menos governa".
Afora isso, não se viabiliza uma sociedade equilibrada e tolerante onde seja plausível a
maximização do domínio autossuficiente, irrestrito e livre da ação de indivíduos e das
associações voluntárias.
Daí, já se percebe que a autoridade politica vem "de baixo", pois o Estado é composto e
instituído por indivíduos e para os indivíduos com a finalidade de proteger os direitos
naturais e ser um árbitro neutro, que aplique as regas do jogo, principalmente quanto
entrarem em conflito uns com os outros (o que traduz a vital relevância de Judiciário
que tenha uma independência formal e de neutralidade política).
Assim, o individualismo, a liberdade negativa, a razão, justiça e tolerância faz nascer
uma espécie de laissez-faire processual civil, tão preciosos até mesmo hoje em dia para
a composição de lides empresariais.
Bernard de Mandeville defende na sua "A fábula das abelhas: vícios privados,
benefícios públicos" que foi editado entre 1714 e 1723, traduziram uma versão mignon
dos liberais que defende que tudo quanto seja entendido como vício pelos homens tais
como a ganância, inveja, vaidade e orgulho são considerados fundamentais para a
2 O garantismo explícito do CPC/2015 começa a se apresentar logo em seu primeiro aritgo quando
defende o primado da Constituição Federal e se desenvolve de forma a separar claramente o direito da
moral, como uma decorrência direta da legalidade estrita. E, no campo hermenêutico, busca evitar o uso
de ponderações calcadas num constitucionalismo principiológico que eleva a atuação do ativismo judicial
e traz um decisionismo resultante de ponderação e proporcionalismos. É bastante razoável entender como
possível a extensão do conceito de constitucionalismo apregoado por Ferrajoli ao movimento
contemporâneo de supranacionalidade das fontes de Direito na construção de um modelo jurídico que
tenha como eixo central de sua concepção a proteção aos direitos fundamentais e direitos humanos de
modo que não se tornem meras promessas vazias e despidas de realizaçaõ concreta, fugindo-se da apatia
de sua irrealidade e ineficácia.
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prosperidade da nação, pois é o desejo humano na busca do autointeresse que tem com
consequência a estabilização para a sociedade: ou seja, a defesa do bem-comum que não
é produto da retidão de pessoas e de suas virtudes, mas simplesmente de seus vícios
individuais e de seu amor próprio.
O sistema adversarial prega algo bem similar dentro da dinâmica processual civil.
Assim quanto mais o juiz tiver subsídios para bem julgar, quanto mais deixar as partes
se digladiarem livremente, dentro de uma saudável arena de desordem, até o
esgotamento supremo das discussões sobre todos os fundamentos e argumentos. Assim
não se sabota a tão desejável presteza jurisdicional, caso as partes se percam em
infindas hostilizações mútuas e nas discussões periféricas.
Nesse sentido, vislumbra-se a sacralização iluminista do contraditório ad nauseam,
compondo uma relativa tolerância à astúcia, sem espaço para o pronunciamento judicial
moralizante, e para um juiz que acaba e se resume em ser apenas um árbitro passivo, o
vigilante noturno, mandatário das partes, um guarda de trânsito, que cuida somente do
fair play e apenas para que o processo não descambe em deslealdade nociva e
insuportável, daí se combata à litigância de má-fé e erguido sobre a responsabilidade
subjetiva do improbus litigator.
Dentro desse contexto, o processo é tido como coisa das partes, ou sache der parteien, e
não como instrumento do juiz, pois o julgador não pode sujar as mãos e tem que se
manter assepticamente puto, não pode ter iniciativas probatórias, e nem cautelares, deve
guiar-se somente por atuação do tipo tabua rasa.
Cumpre somente às partes municiá-lo com os elementos objetivos de convencimento,
tendo em vista que as partes são as senhoras de seus próprios interesses. Desta forma,
não pode ser concedida pelo juiz nenhuma medida ex officio, a não ser que existe prévio
requerimento das partes que gozam de firme igualdade meramente formal, não podendo
o juiz igualá-las mediante qualquer provimento compensatório.
O perito então passa a ser mera testemunha qualificada da parte que o indica. E, os ônus
probatórios são predefinidos mecanicamente em lei, a cada uma das partes, sem existir a
possibilidade de invertê-los.
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O juiz traçado por Montesquieu, o bouche de la loi, não tem o poder de flexibilizar o
procedimento legal, não pode customizar o procedimento, que é predominantemente
escrito, sendo possível a celebração prévia de acordo entre as partes, visto que o juiz é
mero “convidado de pedra”, e as partes são as donas do processo. Enfim, o juiz
fundamentalmente se destina aplicar ao caso concreto o direito objetivo que regula a
relação de direito material controvertida, e não promover uma política pública
supraindividual de pacificação social (privatismo particularista).
O objeto litigioso é definido apenas pelas partes, sem que o juiz tenha qualquer
ingerência sobre o seu conteúdo. E, onde o devido processo legal é visto como conjunto
de direitos e garantias fundamentais, atribuídos às partes e oponíveis ao Estado-juiz, a
fim de que o processo possa ser monocraticamente decidido, sob uma visão bilateral e
dialética, sem os poderes exacerbados a qualquer dos sujeitos do processo
(garantismo3).
Tão-somente as partes podem eventualmente desconstituir a coisa julgada material por
meio de ação rescisória ou de querela nullitatis insanabilis, razão pela qual o juiz não
poderá relativizá-la de ofício.
E, na trilogia estrutural da ciência processual, o aspecto mais estudado é o processo, em
especial nas situações jurídicas ativas processuais, que as partes podem assumir diante
do Estado-juiz.
O juiz símbolo do liberalismo clássico é o juiz anão, reativo, agnóstico, singelo
organizador do duelo das partes, bem ao gosto do processo germânico antigo que sobre
do weberiano desencantamento do mundo e que não acredita em soluções justas ou
corretas.
3 O garantismo é teoria jusfilosófica, criada pelo Luigi Ferrajoli, no final do século XX, mas com raízes
no Iluminismo do século XVIII que pode ser entendido de três formas distintas, mas correlacionadas.
como modelo normativo de Direito, como uma teoria crítica do Direito, e como uma filosofia pol´tiica.
Numa primeira acepção é sistema de vínculos impostos ao Estado em garantia dos direitos dos cidadãos,
sendo possível cogitar-se em níveis de efetividade do garantismo normatizado na Constituição de um
determinado Estado nas práticas judiciárias desse Estado.
Numa segunda acepção, é uma teoria jurídica da validade e da efetividade do Direito, fundando-se na
diferença entre a normatividade e realidade, isto é entre Direito válido (deve ser do Direito) e último,
garantismo é uma filosofia pol´tiica que impõe o dever de justificação ético-política (externa) ao Estado e
ao Direito, não bastando a justificação jurídica (interna).
Neste último sentido, pressupõe a distinção entre Direito e moral, entre validade e justiça, tão preciosa ao
positivismo, e a prevalência desta última, a justificação externa. No Brasil prevalece a ênfase grande na
aplicação penal e processual penal da teoria, agindo de forma reducionista para a consolidação da teoria
nos outros ramos do Direito.
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Não é difícil então concluir que para os liberais clássicos, numa lei processual civil
(como a espanhola, rotulada de ser preponderantemente garantista) torna-se a
previsibilidade um cântico sagrado, a vigência de regras do jogo, são claras e imutáveis
e de um procedimento construído dentro more geométrico, que se desenvolve sempre
sob as ordens da Lei (always under law), por meio de recursos e raciocínios conceptos-
subsuntivos, é conditio sine qua non para a exclusão da arbitrariedade e prepotência
judicias, portanto, e para a atuação não limitada das partes dentro do livre mercado
processual.
A chama social foi alimentada pelas condições cruéis e muitas vezes desumanas em que
vivia e trabalhava a classe operária. E, por essa razão, surgiu como crítica à sociedade
de mercado liberal e como tentativa de ofertar uma alternativa ao capitalismo industrial.
Da mesma forma que o credo liberal, o socialismo compartilha a fé nos princípios da
razão e do progresso.
No entanto, a chave do desenvolvimento não está no egoísmo individual competitivo
(gerador de agressividades), mas, na cooperação mútua (geradora de afeição e
solidariedade) a ser estimulada pelo Estado.
Os homens podem ser motivados não só por incentivos materiais (como por exemplo:
recompensas financeiras), mas morais (contribuição para o bem comum). São vistos
como criaturas eminentemente sociais, unidas por sua humanidade comum e tão-
somente capazes de superar os seus problemas sociais e econômicos apoiando-se na
força da comunidade.
Por consequência, a iniciativa humana coletiva tem mais valor que o esforço individual.
Mais, os homens são identificados como seres plásticos, de comportamento e identidade
moldado não pela natureza, mas pela cultura através de experiências de interação
intersubjetiva, circunstâncias da vida social e participação em entidades de caráter
coletivo.
Em face disso, enquanto que os pensadores liberais estabelecem clara distinção entre o
indivíduo e a sociedade, os socialistas acreditam que o indivíduo é inseparável da
sociedade. E, nessa dimensão, sustentam que os seres humanos são naturalmente iguais,
mas se diferenciam por sua desigualdade de oportunidades.
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Em resumo, a desigualdade humana reflete a estrutura desigual do sistema capitalista.
Daí, por que a igualdade meramente formal dos liberais lhes soa como algo inadequado.
Com isso, o principal valor do socialismo e grande missão da autoridade governamental
é a promoção da igualdade social, que fortalece a coesão e a estabilidade social.
Registra-se originariamente, o socialismo foi associado à ideia de "política de classes",
ora por entender que os homens pensam e agem conjuntamente com aqueles que
compartilham a mesma posição socioeconômica (o que, nos evangelhos civis de Karl
Marx e Engels) e toda sorte de chave para a compreensão da História, ora por entender
que o próprio socialismo signifique a expressão de interesses de classe trabalhadora, a
qual lutava para emancipar-se.
Essa visão clássica, todavia, acabou fenecendo por força da desindustrialização, da
redução da classe trabalhadora tradicional e do crescimento da classe média, o que
desmentiu Marx e sua gafe teórica biclassista.
De sorte que as utopias sociais hard propagadas pelo marxismo clássico e comunismo
ortodoxo, foram fundadas na crença de que o motor da história é a luta de classes e de
que o capitalismo acabaria abolido pela revolução proletária e substituído pela
sociedade sem classes, sem propriedade privada, sem desigualdades sociais e de
economia baseada na coletivização estatal e na planificação centralizada.
Tais ideias sofreram profundas revisões, e geraram linhas suaves do pensamento
socialista, que passou a ser chamado de NEW LEFT4, ou neomarxismo ou dentro outras
coisas, se recriminam o determinismo primacial da economia e o status privilegiado da
classe proletária, a social democracia, fundada na noção de que o capitalismo,
conquanto seja defeituoso em distribuir riqueza, ainda é a única forma confiável de
gerá-la, motivo pelo qual à luz dos ditames da justiça social e dos princípios liberais
democráticos pode ser pacificamente corrigido e humanizado por regulação social e
econômica de um Estado que se direcione a erradicação da pobreza).
4 A Nova Esquerda ou new left é um termo utilizado para se referir aos movimentos políticos de esquerda
surgidos em vários países a partir da década de 1960. Eles se diferenciam dos movimentos esquerdistas
anteriores que haviam sido mais orientados por um ativismo trabalhista e, adotam uma definição de
ativismo político mais amplo, comumente chamado de ativismo social. Nos EUA a nova esquerda está
ligada aos movimentos populares tal como o hippie, e os de protesto contra a guerra do Vietnã, e pelos
direitos civis que visavam a acabar com a opressão de classe, de gênero sexual, de raça e sexualidade. Já
na Europa, a nova esquerda foi movimento intelectualmente dirigido e que buscava corrigir as falhas e
erros dos antigos partidos políticos que desenvolviam a justiça social e se tornaram inativos.
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A chamada “terceira via” que repele o andar com os próprios pés preconizado pelos
liberais, rejeita a socialdemocracia, a assistência do berço ao túmulo, e admite
pragmaticamente a economia globalizada acima do Estado, aceita as diferenças de
classe e as desigualdades econômicas, e defende uma assistência social tão-somente aos
excluídos, mediante uma politica meritocrática de oportunidade, não esmola, que,
embora fraternal contrabalanceie direitos e responsabilidades.
De qualquer maneira, todas essas correntes ideológicas de inspiração socialista são
permeadas por idealizações como a igualdade material, a justiça social, com
preocupação com os pobres, colaboração5, prevalência do social sobre o individual,
solidariedade e planificação estatal. Transplantados para o âmbito jurisdicional, esses
valores acabam infundindo uma espécie de sociosanitarismo processual, até hoje tão
estimados às lides sobre os welfare rights, isto é, as lides trabalhistas, previdenciárias e
assistenciais.
Desenvolvimento
Eis aqui, ao contrário da concepção liberal clássica de processo civil não se está apenas
preocupado em compor lides. O cavalo de batalha da vanguarda socialista é resolver
com justiça social o conflito subjacente. Não por outro motivo a figura processual
central se toma o juiz, como juiz gnóstico, investido nos poderes iniciáticos de transpor
a realidade verossimilhante, in status assertionis.
Através desta big science que é a Sociologia, ele desmascara a realidade verdadeira em
suas mais profundas contradições, mediante análise microscópica marginal, que dá de
ombros para os princípios clássicos do direito probatório.
Em resumo, faz-se vistas grossas ao adágio "o que não está nos autos não está no
mundo”, quod non est in actis non est in hoc mundo e a fria verdade formal dá lugar à
efervescente verdade material.
5 A compreensão da mediação sob a ótica garantista revela-se uma reflexão inovadora, na medida em que
trocam as lentes, optando por aquelas em que a Constituição é o ponto de partida e o filtro da realidade
percebida. A mediação se apresenta como uma adequada a judicialização dos litígios, visando o diálogo
entre as partes, o consenso e o resguardo das garantias colocadas e instituídas pela Constituição.
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Assim, em síntese, o juiz do fabianismo6 processual é aquele que segue o script
hegeliano da reconciliação com a realidade. Para tanto, o processo deixa de ser
instrumento à disposição das partes para tornar-se instrumento público colocado à
disposição do Estado-clínica para a implementação ex cathedra de uma política de
equalização social ou publicismo social.
E, ainda mais; ao juiz são conferidos os amplos poderes extroversos (princípio
inquisitivo) que ele tem de exercitar como uma missão soteriológica para reequilibrar as
forças entre as partes e fazer prevalecer a igualdade substancial entre elas.
Para a concepção socialista, o juiz bom é o juiz a la Robin Hood, que é o executor das
ideias dos grandes ícones do romantismo social.
Assim, em favor do elo mais fraco da relação processual, a iniciativa passou ser
conhecida como parcialidade positiva. O juiz excepcionalmente pode flexibilizar o
procedimento-padrão legalmente previsto, conquanto que via de regra, seja praticado
um procedimento sumário e preponderantemente oral, poderá inverter o ônus da prova,
relativizar pro misero, as asperezas da res iudicata, o que explica a disseminação contra
legem no Brasil, da coisa julgada secundum eventum probationis, especialmente nas
lides previdenciárias e assistenciais, interferir na formação do objeto litigioso, suprir as
lacunas probatórias (isso não afrontaria a imparcialidade?) e conceder provimentos ex
officio (como por exemplo, as tutelas de urgência).
O ativismo autoritário seria sócioequilibrante, que os críticos veem como práxis
esquerdizante7.
6 O socialismo fabiano ou fabianismo é movimento político-social britânico nascido no final do século
XIX, encabeçado pela Sociedade Fabiana que fora fundada em Londres no dia 4 de janeiro de 1884 e,
propunha, como finalidade institucional, o desenvolvimento da classe operária para torná-la apta a
assumir o controle dos meios de produção.
O socialismo fabiano era caracterizado pelo pragmatismo, rejeitando as ideias utópicas. Não consistia em
um movimento revolucionário, mas tinha, como escopo, a progressão em um sentido socialista das
instituições já existentes. O fabianismo era a favor de uma alternativa à propriedade dos meios de
produção para pôr um fim ao sistema econômico denominado capitalismo. Defendeu, igualmente, a saúde
pública e o ensino gratuito para todos os cidadãos, assim como a normatização detalhadas das condições
de trabalho visando a atenuar o abuso do emprego de mão de obra de crianças e o exacerbado número de
acidentes de trabalho. Os primeiros panfletos da Sociedade Fabiana defendiam os princípios da justiça
social, como a introdução de um salário-mínimo em 1906, e a criação de um sistema de saúde universal
em 1911. 7 O termo esquerda ou guachiste foi popularizado por Lênin em seu livro "A doença do esquerdismo
infantil do comunismo” de 1920.
14
Por isso, o julgador deixa de ser inerte anêmico da heresia liberal para se tornar um
apaixonado, poliburocrata soixante-huitard8, um rei-filósofo de Platão, um centralizador
das iniciativas, interessados nas mazelas socioeconômicas da relação jurídica material
controvertida e predisposto e erradicá-las.
Com isso, já se percebe que o foco dogmático maior sai do processo e recai sobre o
estudo da jurisdição, a qual é vista menos como jurisdictio, e mais como imperium
(poder de concretizar direitos). Isso faz com que a cláusula do due processo of law, do
processo civil justo, seja o processo efetivo, aquele que consegue transformar a
realidade social.
Além disso, o processo passa ser um “bem de todos”, uma propriedade do povo, posta
sob a custódia de um mandatário judiciário, que deve desempenhar os seus misteres
com visão social e sentimento altruísta.
Sendo o magistrado um “grande timoneiro a la Mao” não se é de estranhar que o
contraditório seja apenas permitido dentro de rédeas firmes, sem que as partes se
percam em longos e febris debates, muitos dos quais estéreis.
Ora, se o processo é instrumento social, ele não pode se perder em artimanhas, ofensas,
astúcias e outras imoralidades como a litigância de má-fé e reprimida incisivamente.
Diante de todas essas considerações, pode-se concluir que, para uma visão socialista, o
lema de ordem em lei processual civil deve ser a transformação social, especialmente
em favor dos excluídos e marginalizados, se o juiz não tiver poderes para modificar o
status quo, o processo não cumprirá a sua finalidade última.
Semelhante ao processualismo social é o processualismo gerado pela ideologia fascista.
Não é fácil definir o fascismo. Os nacionalismos frustrados e desejos de vingança mal
resolvidos desde a Primeira Guerra Mundial vieram à tona no seio da classe média baixa 8 Movimento da primavera de 1968, a França emergiu da reconstrução do pós-segunda grande guerra
mundial com uma economia que era forte e crescente. Os bens de consumo eram abundantes e o produto
interno bruto da França superou da Inglaterra pela primeira vez em duzentos anos. Charles De Gaulle era
o presidente da França... Mas, com o fim dos anos sessenta também coincidiu com a chegada da explosão
populacional, as crianças nascidas entre o 1945 até 1965, após a Segunda Grande Guerra Mundial. A
nova geração de jovens estava enfrentando uma sociedade francesa autoritária, de moralidade
conservadora. A religião, o patriotismo pela autoridade foram os valores da geração adulta na França em
1968.
15
(comerciantes, pequenos empresários, fazendeiros, artesãos, etc), atingida pela crise
econômica de 1930 e comprimida entre os crescentes poderes das grandes empresas e
do trabalho organizado.
Com isso floresceu um ódio tanto ao capitalismo livre mercado, quanto ao socialismo
(planificação centralizada), o que fez despontar o chamado corporativismo, em razão do
qual as classes sociais não lutam entre si, mas trabalham em harmonia9 para o bem
comum, mediadas pelo Estado.
A base desse novo modo de produção seria uma comunidade nacional espiritual e
organicamente unificada sob a coesão social incondicional, expressa no lema l'union fait
la force, a união faz a força, e regida por um Estado totalitário, sob o governo pessoal de
uma liderança forte e incontrastável (il duce, der führer).
Para que isso fosse viabilizado, era indispensável que a s ideias iluministas de
igualdade, liberdade e progresso e fraternidade da Revolução Francesa de 1789 fossem
aniquiladas por valores marciais como o poder, guerra, ordem, autoridade, obediência,
lealdade e heroísmo.
O individualismo deveria ceder lugar, consequentemente, a uma nova concepção de
homem: um herói, absorvido pela comunidade e motivado pelos sentimentos de dever,
honra, abnegação, glória e fidelidade absoluta ao chefe supremo e todo-poderoso.
Daí se vê que o fascismo jamais se preocupou com a elaboração de um sistema racional
e coerente: tratava-se de uma disparada miscelânea de ideias Hugh Trevor-Roper10. De
todo modo, é possível ainda identificar alguns princípios fundamentais, tais como:
9 É mesmo difícil conciliar a tarefa de um juiz que seja imparcial e simultaneamente cumpre certo
ativismo. É assim que, no Estado Democrático, o garantismo em sentido estrito alia-se à ideia de
garantismo positivo, que não se limita apenas a proteger o indivíduo do Estado, mas busca no Estado o
instrumento de afirmação de direitos fundamentais da coletividade e não somente de um indivíduo. 10 Hugh Redwald Trevor-Roper, Barão Dacre de Glanton (1914-2003) foi um historiador do início da
Inglaterra moderna e da Alemanha nazista. Foi professor de História Moderna na Universidade de
Oxford. Trevor-Roper argumentou que a história deve ser entendida como uma arte, não uma ciência e
que o atributo de um historiador bem-sucedido era a imaginação. Ele via a história como cheio de
contingência, com o passado nem uma história de avanço contínuo, nem de declínio contínuo, mas a
consequência das escolhas feitas por indivíduos no momento.
Em seus estudos da Europa moderna adiantada, Trevor-Roper não focalizou exclusivamente na história
política, mas procurou examinar a interação entre as tendências políticas, intelectuais, sociais e religiosas.
Seu meio preferido da expressão era o ensaio melhor que o livro. Em seus ensaios de história social,
escritos durante os anos 50 e 60, Trevor-Roper foi influenciado pelo trabalho da escola francesa dos
16
a) o antirracionalismo (que enfatiza o místico, a história, o passado comum, o
sentimento, o acultural, à vontade, o impulso, o instinto e os limites da razão e do
intelecto);
b) a luta que crê no darwinismo social e na guerra como forma de seleção natural dos
homens mais fortes;
c) o socialismo que desenvolve um coletivismo antimaterialista e faz com que o
capitalismo sirva aos interesses do Estado;
d) ultranacionalismo que acredita na superioridade de uma nação sobre as demais e
fomenta o expansionismo e o imperialismo;
e) a liderança que entende que a sociedade civil deve ser guiada por uma autoridade
carismática, liberta de qualquer limitação constitucional;
f) elitismo patriarcal (que rejeita a igualdade), crê no governo de uma minoria guerreira
masculina e disposta ao sacrifício, sobre as massas fracas, inertes e ignorantes,
destinadas à obediência cega.
Com o transplante da weltanschauung fascista11 para a seara jurisdicional, aporta-se ao
dirigismo processual à outrance. O processo assim se torna um regnum iudicis, em que
o juiz exerce uma monocracia formalista, legalista e policialesco e inquisitorial.
annales, especialmente Fernand Braudel e fez muito para introduzir o trabalho da escola dos Annales ao
mundo de língua inglesa. Na década de 1950, Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola
estava fazendo muito trabalho histórico inovador, mas foram "totalmente excluídos de Oxford, que
permanece, em questões históricas, um retrocesso provincial".
Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola estava fazendo muito trabalho histórico inovador,
mas foram "totalmente excluídos de Oxford, que permanece, em questões históricas, um remanso
provincial retrógrado".
Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola estavam fazendo muito trabalho histórico
inovador, mas foram "totalmente excluídos de Oxford, que permanece, em questões históricas, um
remanso provincial retrógrado". 11 Permita-se-nos, pois, fazer uma citação um pouco extensa de um artigo escrito em 1922 na revista
“Gerarchia” por Mussolini, in litteris:
“O que é o Estado? Nos postulados programáticos do Fascismo o Estado vem definido como a
encarnação jurídica da Nação.”
A expressão é vaga. O Estado, sobretudo o Estado Moderno é isto também, mas não só isto. Sem querer
fazer uma resenha de todas as definições de conceito de Estado através dos séculos pelos cultores da
ciência política parece-me que o Estado pode ser definido como «sistema de hierarquias». E depois de
chamar a atenção para o facto de os Estados serem, na sua origem, resultantes da ação de homens fortes e
decididos, continua: «não importa a fonte de origem com a qual o Estado legitima o seu privilégio de
criador de um sistema de hierarquias. Pode ser Deus e é um Estado teocrático, pode ser um só indivíduo,
a descendência de uma família, um grupo de indivíduos, e é o Estado monárquico ou aristocrático —
recordo-me do Livro de Ouro da Sereníssima — ou é o povo, através do mecanismo do sufrágio e temos
o Estado demo-constitucional da era capitalista: mas em todos os casos o Estado se exprime num sistema
de hierarquias, hoje infinitamente mais complexo que outrora...
«A decadência das hierarquias significa a decadência dos Estados.» As hierarquias, aristocracias, são,
pois, a mais viva expressão do Estado.
17
Por outro lado, os litigantes, são encarados como doentes inferiores, que destoam da
harmonia socio-orgânica e precisam ser espiritualmente curados com Justiça pelo
Estado Paternal (e se, possível, reconciliados), mas nunca em âmbito alternativo privado
extrajudicial: nada fora do Estado, conforme pregava Mussolini.
Aqui temos o juiz investido de poderes ilimitados e quase-místicos, afinados com a livre
recherce scientifique dos franceses e a Freirechlbewegung dos alemães, de transpor a
verdade formal trazida aos autos in status assertionis, e chegar-se à verdade material,
ignorando o adágio que diz o que não está nos autos não está no mundo.
Apesar disso, o juiz não manipula esses mecanismos probatórios com a intenção
sócioequilibrante dos aventureiros marxistas, isto é, com o objetivo de reequilibrar
partes socialmente desiguais; a sua iniciativa probatória dá-se a tout propos,
simplesmente para reafirmar a autoridade incontrastável do Estado.
Enfim, trata-se de uma redução destro-hegeliana, e ad Hitlerum da reconciliação com a
realidade. É como se a jurisdição, segundo a dicção de um dos maiores teólogos do
Estado, fosse o fim último, próprio e absoluto além de inamovível.
O razoável em si e por si, que tem o supremo direito contra o indivíduo cuja a maior
obrigação se centre em ser membro do Estado. Não por outro motivo se admite que
arbitrariamente o juiz sem uma finalidade específica, venha a impor aditamentos
oficiosos ao objeto litigioso; supra oficiosamente os pressupostos processuais,
investigue e fixe fatos não-alegados; flexibilize o procedimento-padrão, inverta o ônus
da prova, relativize a coisa julgada sem provocação das partes, especialmente em favor
da própria Fazenda Pública em juízo.
Conceda provimentos ex officio, o ativismo autoritário publicístico radical. Nesse
sentido, para a concepção fascista tem mais-valia o juiz-general, o linha-dura monista,
que seja a prima donna do espetáculo processual.
A aristocracia, o partido, é o Estado. A Nação no sentido democrático tradicional é preterida. O anti-
igualitarismo é a base de toda a weltanschauung fascista. Conjugando a liberdade como adesão à vontade
universal na sua expressão ideal superior, o Estado, vendo Estado e Partido como aspectos diversos de
encarar um mesmo todo, chegamos à conclusão que o Fascismo como forma política é um sistema
aristocrático, um transpersonalismo aristocrático.
18
Logo, o processo deixa de ser instrumento à disposição das partes para tornar-se um
instrumento do Estado-juiz a serviço de uma pacificação à fórceps, e, portanto, um
instrumento de dominação (publicismo estatal e adorador do Estado).
Com isso, o foco dogmático recai sobre o estudo da jurisdição, a qual efetiva os direitos
subjetivos, não para transformar subversivamente a realidade social em favor dos mais
necessitados, mas para alimentar o cio dominador do Estado.
Além disso, a mais importante transcendência da jurisdictio e de suas palavras revela-se
em ser a imanência do poder judicial de imperium e de sua ação realizadora.
O processo civil passa a ser um bem público, uma propriedade do Estado, colocado sob
a custódia de um patriciado cartorial, composto de agentes judiciais plenipotenciários.
Sendo o juiz o Führer, não se é de estranhar que o contraditório venha ser reelaborado à
luz da cooperação orgânico-espiritual entre as partes, sem que estas se percam em sua
dialética febril e mesquinha do abjeto homo economicus liberal.
Ou seja, sob o comando do ideal de cooperação monocêntrico-judicial, o contraditório é
considerado como menos que um debate dialético simétrico (desentendimento entre os
formalmente iguais) e mais entendido como diálogo eclético e assimétrico (tentativa de
entendimento, não raramente sendo forçada, entre os materialmente desiguais).
Enfim, se o processo é um instrumento público-estatal, e não pode se perder em
armadilhas, ofensas, astúcias entre outras imoralidades próprias aos lobos capitalistas
selvagens, assim a litigância de má-fé é demonizada ao extremo.
Diante dessas considerações, pode-se concluir que, na visão fascista, a palavra de ordem
numa lei processual deve ser a efetividade, sem que o juiz tenha poderes para
materializar as suas resoluções, o processo não passa de mero antro de pronunciamentos
inofensivos.
É o que foi feito, segundo os garantistas, pelo CPC português de 1939, as modificações
operadas no ZPO alemão pelo Decreto de 8 de novembro de 1933, o Code di Procedura
19
Civile italiano de 1940 e o CPC austríaco de 1895, de Franz Klein12 (que o garantismo
afirma ser a opus magnum do fascismo processual), o nec plus ultra do protagonismo
autoritário judicial e o organon metodológico de todos os ativistas judiciocratas.
Também existe acirrada discussão sobre a identidade do chamado liberalismo moderno.
Os neoliberais, veemente apegados aos postulados básicos do liberalismo clássico,
entendem que os padrões da doutrina liberal foram traídos por essa nova forma de
governo e que a expressão liberalismo social é uma contradição em termos.
A questão, porém, não é tão simplória. Pois o liberalismo social foi erguido sobre quatro
pulares que são o constitucionalismo, a democracia, a descentralização administrativa e
a economia de mercado. E, tais pressupostos sofrem, apesar disso, uma releitura
oxigenadora.
Pois se de um lado há o liberalismo clássico com seu enorme déficit de empiricidade, a
defender o livre mercado, vigiado por um governo mínimo e fomentado por indivíduos
egoístas, autoresponsáveis e titulares de pretensões negativas contra o Estado, os quais
buscam a maximização de utilidade e recompensa por critérios de meritocracia.
Do outro lado, está posicionado o social-liberalismo, onde o individualismo egoísta dá
lugar a um individualismo altruísta e progressista, que enxerga nos homens uma
interligação por laços de cuidado e simpatia, um caráter mais sóciocooperativo e, ainda,
uma busca por crescimento pessoal, ante o fracasso do livre-cambismo, e da
inviabilidade do empreendimento privado irrestrito, o capitalismo desregulado, tendente
a baixos investimentos, imediatismo e fragmentação social é retirado da anarquia
econômica e submetido pelo Estado a controles regulatórios de cima para baixo que
buscam promover a prosperidade, a harmonia na sociedade civil e a redução das
desigualdades dos pontos de partida.
Por conseguinte, o Estado mínimo dos liberais radicais (incapaz de corrigir injustiças e
desigualdades), e o Estado máximo dos socialistas marxistas (pesado, controlador,
ineficiente e opressor) cedem espaço para um Estado ágil e promotor, a liberalismo do
Estado, o qual embora continue sendo adversário de nivelamentos e uniformização
12 Franz Klein (1854-1926) foi um jurista e político austríaco, que serviu como Ministro da Justiça para o
fim do Império Austro-Húngaro. Em 1905 foi nomeado para a câmara dos Lordes. Serviu como ministro
da justiça entre os anos de 1906 a 1908, e novamente, de novembro a dezembro de 1916. Era um membro
da delegação austríaca do observador às negociações sobre o Tratado de 1919 de Saint-Germain-en-Laye.
E, após a queda da monarquia, não conseguiu a reeleição para o Parlamento.
20
sociais, ajuda as pessoas a se ajudarem, intervém por indução na economia e promover
serviços de bem-estar social, como saúde, habitação, previdência social e educação.
A liberdade negativa13 dos liberais clássicos cede lugar a uma liberdade positiva, à qual
subjaz a ideia de que liberdade também pode ser ameaçada por desigualdades e
desvantagens sociais muito intensas.
O transplante ao âmbito jurisdicional de relevantes topoi retóricos social-liberais (como
individualidade, liberdade positiva, cooperação, regulação e eficiência) faz nascer o
chamado gerencialismo processual civil.
Eis que se desconfia do sistema adversarial primitivo e liberal da common law, que
conduz ao desfecho da causa a morosidade inaceitável às exigências atuais de celeridade
(right delayed is right denied); o ardil e a astúcia são combatidos veementemente pelo
magistrado (que se baseia em sistema de repressão à litigância de má-fé) fundamentado
na responsabilidade objetiva do improbus litigator, o magistrado se torna um agente
regulador, que deixa de guardar soluções legislativas milagrosas e assume a
responsabilidade (accountability) pela boa gestão dos processos e passa a intervir
extralegal, não raro sob a racionalidade organizacional e por meio de técnicas de gestão
informática, para eliminar as travas que causam o congestionamento processual e para
um desfecho da causa em tempo razoável.
O processo é trabalhado como uma microempresa gerenciável pela macroempresa
judiciária, a qual atua sob o planejamento estratégico, produz decisões em larga escala
e, sendo composta por julgadores dotados de inteligência organizativa, capacidade
mobilizadora e liderança motivacional.
Nesse caso, o protagonista da relação processual não é a pessoa física do juiz ou das
partes, mas a administração judiciária e seu caudaloso staff assessorial, os quais sofrem
forte pressão por performance institucional satisfatória (que é medida à luz das
recomendações do New Public Management de Mark Moore), por indicadores
estatísticos e monitorização do alcance de metas objetivas.
13 Convém lembrar que o garantismo abrange tanto uma dimensão negativa como uma positiva. Na versão
negativa, implica uma limitação à função punitiva do Estado, enquanto na forma positiva cobra do Estado
uma gir, fazendo do juiz um agente de proteção dos direitos fundamentais. E, no aspecto positivo, vem à
luz o princípio da proibição de proteção deficiente, que também se aplica ao processo penal e serve de
justificativa para as tutelas diferenciadas.
21
Instala-se um nexo de complementação entre o processo civil (case management) e as
políticas públicas judiciárias (court management), ambos permeados pela filosofia just
in time.
O juiz visto como fornecedor, e as partes vistas como consumidoras do serviço
jurisdicional, operam em regime de colaboração para a produção trium personarum de
provas necessárias à maior proximidade possível entre realidade intraprocessual e
realidade extraprocessual (o que dá um certo tom social-democrático) e, o princípio da
cooperação probatória, tais medidas podem ser concedidas, tanto de ofício quanto a
pedido das partes, com vistas ao gerenciamento eficiente do processo.
Os ônus da prova são adaptativamente definidos pelo juiz à luz da teoria das cargas
probatórias dinâmicas. Tanto o juiz oficiosamente quanto as partes por meio de acordos,
podem imprimir flexibilizações sumarizantes ad hoc ao procedimento-padrão da lei,
inclusive mediante fixação de cronogramas ou schedules ou calendarização ou timing of
procedural steps, capazes de suprimir os tempos neutros ou mortos, ou ainda, os
buracos negros ou black holes do trâmite processual, adaptando-se de forma criativa às
particularidades do direito material e às exigências do caso concreto.
A forma mais eficiente de estancar o fluxo de processos intermináveis e, com isso, dar à
atividade jurisdicional maior rendimento de produção, são as políticas de conciliação e
meios alternativos de solução de conflitos (publicismo gerencial).
O objeto litigioso é um constructum colaborativo entre o juiz e as partes, o processo
legal devido é o processo eficiente, maleável, efetivo e ágil tramitando em autos virtuais
do processo eletrônico e calcado em legislação processual aberta, onde o juiz, sem
colocar-se em posição hierárquica, recebe poderes discricionários (judicial case
managemente powers) para a fixação de balizas de atuação para as partes (ativismo
regulatório) não se está preocupado com a trilogia estrutural do processo formada por
jurisdição, ação e processo, mas com a triologia funcional que é composta de eficiência,
organização e celeridade, dá-se extrema ênfase ao procedimento e, em especial, à
engenharia procedimental inventiva e particularizante, que é um dos saberes práticos da
good judicial governance; o juiz-símbolo do liberalismo social é o juiz manager,
produtivo, plástico, pragmático e informal que, advertindo sobre o colapso do
adversarismo mandeviliano e manietado pelos postulados da proporcionalidade e da
razoabilidade, estabelece marcos regulatórios de atuação para as partes, a fim de que
não façam um uso irracional do tempo processual e este tenha um desfecho abreviado
22
(em suma, dentro de espécie de moda pós-Keynes14 processual civil ou o managerial
judge não suprime o exercício do contraditório pelas partes, porém, imprime-lhe
planejamento calculado e algumas bitolas corretivas.
Ante todas as considerações não é difícil concluir que, para os social-liberais, em uma
lei processual: o slogan de inspiração deve ser flexibilidadade (conseguida por meio de
textos normativos concisos e redigidos sob termo vagos, conceitos jurídicos
indeterminados e standards jurídicos, que permitam ao juiz um raciocínio sobresuntivo.
Tudo ao gosto do fetiche business e das suas reengenharias laboratoriais corporativas15.
É importante registrar que o gerencialismo processual floresceu, pioneiramente, nos
EUA e na Inglaterra (nos quais recebe o nome de case management), que por força de
uma arraigada tradição liberal clássica, sempre foram adeptos do sistema adversarial.
Embora, dentro da visão liberal moderna, não mais exista um laissez faire e laissez
passer: o Estado intervém para dinamizar a vida social.
14 John Maynard Keynes (1883-1946) foi economistas britânico cujas ideias mudaram profundamente a
teoria e prática da macroeconomia, bem como as politicas econômicas instituídas pelos governos. O
trabalho de Keynes é a base para a escola de pensamento conhecida como kynesianismo, bem como suas
diversas ramificações.
Na década de 1930, Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, opondo-se às ideias da
economia neoclássica que defendiam que os mercados livres ofereceriam automaticamente empregos aos
trabalhadores contanto que eles fossem flexíveis na sua procura salarial. Após a eclosão da Segunda
Guerra Mundial, as ideias econômicas de Keynes foram adotadas pelas principais potências econômicas
do Ocidente. Durante as décadas de 1950 e 1960, a popularidade das ideias keynesianas refletiu-se na
influência de seus conceitos sobre as políticas de grande número de governos ocidentais.
A influência de Keynes na política econômica declinou na década de 1970, parcialmente com resultados
de problemas que começaram a afligir as economias norte-americana e britânica no início da década
(como a Crise do Petróleo) e também devido às críticas de Milton Friedman e outros economistas liberais
e neoliberais pessimistas em relação à capacidade do Estado de regular o ciclo econômico com políticas
fiscais. Entretanto, o advento da crise econômica global do final da década de 2000 causou um
ressurgimento do pensamento keynesiano. A economia keynesiana forneceu a base teórica para os planos
do presidente norte-americano Barack Obama, do primeiro-ministro britânico Gordon Brown e de outros
líderes mundiais para evitar a ocorrência de uma Grande Recessão nos moldes da crise de 1929. 15 O corporativismo atingiu seu ápice teórico na Itália Fascista em que o poder legislativo era atribuído às
corporações representativas de interesses econômicos, industriais ou profissionais nomeadas por meio de
associações de classe, onde os cidadãos eram devidamente enquadrados para participarem da vida
pol´tiica. No Brasil, isso se deu nos anos de 1930 até 1945 sob a liderança do Getúlio Vargos quando
implantou-se um modelo corporativo de Estado, o chamado Estado Novo, sendo a sua legislação
trabalhista firmemente baseada na Carta Del Lavoro de Mussolini.
Contemporaneamente, no entanto, o corporativismo ganhou outra coloração semântica, passando a
designar uma organização sindical monopolista, que agrupa e defenda, seja no âmbito local ou geal, os
interesses de certo grupo profissional ou econômico. Uma das formas de corporativismo é a prática de
nepotismo que é observada em sociedades desde a Idade Média até os dias de hoje. As vendas de
sentenças no Brasil, constituem ainda uma das mais banais formas de corrupção que o sistema
corporativista se utiliza, maculando gravemente a credibilidade do judiciário pátrio, e exibindo a
fragilidade do poder fiscalizador do Estado, que quando bem dirigido e bem intencionado é capaz de
trazer fecundos grutos para a sociedade humana.
23
Dentro do âmbito processual civil, isso significa técnicas próprias aos processualismos
socialistas e fascistas que são usadas não para compensar a hipossuficiência da parte, ou
para fortalecer o Estado perante a sociedade civil, mas para assegurar the just speedy
and inexpensive determination of every action and proceeding (Federal Rules Of Civil
Procedure dos EUA, Rule 1).
Ou seja, essas técnicas tradicionalmente tidas pelos garantistas como autoritárias, são
relidas à luz de mentalidade managerial. O autoritarismo dá lugar ao gerencialismo.
Aliás, tais tendências estariam maculando os sistemas nacionais dos países da
Comunidade Europeia, uma vez que esse gerencialismo processual ativista16 foi elevado
à condição de diretriz comunitária através da Recomendação R5 (1984) do Comitê de
Ministros do Conselho da Europa, adotada em 28.2.1984, diretriz encampada pelo
Dispute Act norueguês de 2005, por exemplo, especialmente pela regra contida no §9-4;
Apesar disso, o simplismo continua sendo travado no debate entre os garantistas17 e
ativistas. É preciso saber contra qual ativismo, os garantistas, marcadamente os
neoliberais, se insurgem; controle o proto-ativismo autoritário publicista dos fascistas,
contra o ativismo autoritário engagée do processualismo social, ou contra o neo-
ativismo gerencial do liberalismo moderno?
Ou seja, é necessário que os “papas do garantismo” 18 subestimem menos a
complexidade do fenômeno ativista, retornem a antessala, refaçam seu discurso crítico e
reassumam a discussão com argumentos menos inexatos.
16 As tentativas de aceleração do trâmite processual no Brasil estão fadadas ao insucesso, principalmente
por conta das leis processuais, e da ciência processual brasileira que é exclusivamente analítica, ou seja, é
voltada tão somente à fixação de pontos estáticos de compreensão do sistema. Para haver adequado
emprego das técnicas de aceleração processual não basta a definição de técnicas. Mas precisam-se
produzir tecnologias inovadoras, praeter legem, de aceleração processual e aprender a manejá-las de
modo estratégica. Assim carece se ter uma processualística menos analítica e mais pragmática. 17 Indicado pela Presidente Dilma Rousseff para assumir a vaga deixada pelo Ministro Cezar Peluso no
STF, o Ministro Teori Zavascki quando sabatinado pelo Senado Federal e ao responder ao
questionamento do líder do PSDB, Álvaro Dias(PR) disse: "Eu acho que os observadores são mais
habilitados para estabelecer rótulos. Eu acho que ser garantista ou não é tudo uma terminologia". Afirmou
aidna, que o impontante é o conteúdo das decisões. "Se ser garantista é assegurar aquilo que está na
Constituição, eu sou garantista, eu acho que todos devem ser garantistas. Mas o problema não é o rótulo
e, sim saber como se interpreta a Constituição". 18 Nesse sentido vale a pena citar o Papa Francisco: "Os direitos humanos não são violados somente pelo
terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e de
condições econômicas injustas que geram grandes desigualdades". O mesmo sumo pontífice assinalou
que a prisão preventiva quando usada de forma abusiva, constitui outra forma contemporânea de pena
ilícita disfarçada.
24
Afinal, a differentia specifica entre os ativismos como o socialista, publicista e gerencial
não é apenas de grau, mas sobretudo, de natureza (conquanto os garantistas cogitem
numa ginástica acrobática para equipará-los).
Enfim, entre o juiz-justiceiro, o juiz-general e o juiz-gerente existem enormes
semelhanças, especialmente de capacidade de mandar, ainda assim, persistem as
dessemelhanças, especialmente as de propósito, que são grandes e merecem uma análise
mais particularizada.
Eis que o busilis principal. O garantismo defende o cidadão e suas garantias
fundamentais enquanto que o ativismo defende o Estado, no seu afã principal de exercer
o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o Direito,
formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação da
própria lei.
Considerações Finais
Além do mais, é indispensável que os próprios ativistas19 também refinem o seu
discurso e esclareçam se o ativismo judicial que defendem está mais à esquerda ou à
direita, à gauche ou a droit.
Se o establishment ativista julga-se socialista ou fascista, então o debate entre o
garantismo e o ativismo, tal como se hoje desenvolvido, terá algum sentido, e enfim
revelará uma verdadeira dicotomia, mors tua vita mea20.
No entanto, se ele julgar-se social-liberal, então terá o ônus de demonstrar que o
garantismo neoliberal, em sociedades tecnológicas altamente complexas e na economia
de mercado globalizada, em que a litigância é massificada, crônica e explosiva, nada
19 Thamy Pogrebinschi considera ativista o juiz que: use o seu poder de forma a rever e contestar decisões
dos demais poderes do Estado; promova, através de suas decisões, políticas públicas; não considere os
princípios da coerência do direito e da segurança jurídica como limites à sua atividade. 20 A locução latina é de origem medieval, e significa sua morte, minha vida, ou a sua morte é a minha
vida. Além do tom dramático do sentido literal, este literal, este termo é utilizado quando dentro de uma
competição ou em uma tentativa de alcançar um objetivo só pode haver um vencedor: o ditado indica que
essa falha constitui pré-requisito para o sucesso de outro. É comumente utilizada para descrever
efetivamente um comportamento caracterizado por personagens oportunistas.
25
mais é do que um fóssil processual do Aufklärung oitocentista e propagador de uma
crepuscular sporting theory of justice (Roscoe Pound21).
Afora isso, é relevante frisar que, na prática, não existem sistemas processuais civis
puramente garantistas ou ativistas. Contemporaneamente, a tendência dos ordenamentos
jurídicos é fazer com que dentro de si coabitem em harmonia os princípios do
dispositivo e do inquisitivo, posto que seja inegável, sempre se constate a
preponderância de um sobre o outro.
De qualquer forma, o direito um instrumento de segurança para perquirição da justiça;
os dois valores convivem sem que um consiga anular ou nulificar o outro.
Por isso, em qualquer sistema processual concretamente considerado, sempre haverá o
convívio de qualquer sistema processual concretamente considerado, sempre haverá o
convívio simultâneo de elementos para a garantia das partes (funcionalizados à
concretização do valor-mor da segurança) e elementos propulsores da iniciativa judicial
direcionados à realização do valor-mor da justiça.
Noutra palavras: todo sistema processual não passa de uma heterogeneidade
dispositivo-inquisitiva, assim como o direito não passa de uma grande arquitetura de
concordância entre a justiça e a segurança.
A questão em destaque é saber, entretanto, qual é a dosagem ideal e ótima dessas duas
ideias-forças.
Não existe uma resposta universalmente válida, mesmo entre as grandes democracias do
Ocidente, um quid de inquisitividade sempre haverá e variará em razão de fatores
21 Roscoe Pound (1870-1964) foi estudioso e educador jurídico norte-americano. Foi decano da Faculdade
de Direito de Harvard de 1916 a 1936. Foi identificado como um dos mais citados estudiosos do século
XX.
Em 1922 Roscoe Pound e Felix Frankfurter empreenderam um estudo quantitativo detalhado do crime
que relata em jornais de Cleveland para o mês de janeiro 1919, usando contagens da polegada da coluna.
Eles descobriram que na primeira metade do mês, a quantidade total de espaço entregue ao crime foi de
925 pol., Mas na segunda metade, saltou para 6642 pol. Isso foi apesar do fato de que o número de crimes
relatados tinha Aumentou apenas de 345 para 363. Eles concluíram que, embora a "onda de crime" muito
divulgada da cidade fosse em grande parte fictícia e fabricada pela imprensa, a cobertura teve uma
consequência muito real para a administração da justiça criminal.
26
internos de natureza política, econômica, social e cultural. De todo modo, esse quantum,
para ser inestimável e ineliminável.
Haverá infinitas possibilidades combinatórias, entre as colorações sociais, publicista e
gerencial. É bom lembrar que a deusa grega da Justiça, a Diké22, se apresenta de olhos
desvendados e a espada em uma das mãos, e no processo civil, os olhos expostos
representa a vigília judicial sobre a atuação das partes, e a espada simboliza o ímpeto
mínimo, que é à força dos institutos naturais culturalmente domesticados, sem os quais
o direito fenece com branda ingenuidade.
Mesmo assim, a démarche garantista é razoável. Afinal, a prevenção contra o
despotismo está longe de ser uma dádiva-engodo do liberalismo clássico. Trata-se de
insight que se confirma no cotidiano forense, não raro os juízes ativistas descem ao
summoum malum da arbitrariedade.
Isso acontece com sofisticação na cultural político-administrativa subdesenvolvida do
Brasil, cuja tradição social-estatista, não resta superada, e herdou a velha e selvagem
estrutura autoritária, paternalista, patrimonialista, mercantilista e clientelista do Estado
burocrático e hierarquizado dos tempos de Pombal e da colônia.
Enfim, existe uma paradoxal combinação do nacional-socialismo do século XX e o
absolutismo modernizante dos fins do século XVIII. Não sem razão, a Exposição de
Motivos do CPC de 1939, já anunciava uma espécie de ativismo judicial23, o qual
22 Diké também cognominada de Dice, era filha de Zeus com Themis, viveu junto aos homens na Idade de
Ouro e, simbolizava a deusa grega dos julgamentos e da justiça, vingadora das violações da lei.
Iconograficamente, Diké aparece com a mão direta sustentando uma espada (numa alusão a força,
elemento indispensável ao Direito) e com a mão esquerda, por sua vez, sustentando uma balança de
pratos (referindo-se à igualdade como meta buscada pelo Direito), sem que o fiel esteja no meio, no modo
equilibrado. O fiel só vai para o meio depois da realização da justiça, do ato tido justo, pronunciando o
Direito no instante de "ison" (equilíbrio da balança). Percebe-se que nesta acepção grega, o dial de justo
(Direito) era identificado com o de igual (igualdade).
As diferenças físicas entre Thêmis e Diké, sendo que esta segurava a balança na mão esquerda, enquanto
Thémis era apresentada somente com a balança ou segurando a balança e cornucópia.
A venda nos olhos fora invenção dos artistas alemães do século XVI, que por ironia, retiraram-lhe a
visão. A faixa encobrindo os olhos significava a imparcialidade: ela não via diferença entre as partes em
litígios, fossem ricos ou pobres, poderosos ou humildes. Suas decisões justas e prudentes não eram
fundamentadas na personalidade, nas qualidades ou no poder das pessoas, mas somente na sabedoria das
leis. Atualmente, apesar de mantida ainda a venda, pretende-se conferir à Diké, a imagem de uma Justiça
que mesmo cega, concede a cada um o que é seu, sem conhecer o litigante. Sendo imparcial não distingue o sábio do analfabeto, o detentor de poder do desamparado, o forte do fraco, o maltrapilho do abastado e a
todos aplica o reto Direito. 23 Realizando abordagem histórica sobre o ativismo judicial, Luís Roberto Barroso apresenta a seguinte
definição: "é uma expressão cunhada nos EUA e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para
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ganhou alguns contornos mais específicos no CPC de 1973. Daí, o sincero respeito que
se deve devotar ao aggiornamento neoliberal europeu e à adequação de suas
preocupações à realidade judicial brasileira.
Aliás, no que se refere ao plano de ideias, os garantistas são dignos das mais elevadas
referências, seja porque inseriram na pauta acadêmica uma discussão importantíssima
para o aperfeiçoamento dos institutos processuais (que é a relação o direito processual
civil e as ideologias político-sociais), seja porque fizeram do cânone liberal um dado
quente e subversivo contra as estruturas potencialmente autoritárias das tecnocracias
estatais contemporâneas.
Mas, os ortodoxos garantistas têm simploriamente rotulado de autoritário e, muitas
vezes, até de comunista ou fascista, tudo que lhes pareçam oponente, o que vem
gerando acirrados e acalorados debates de baixo resultado útil.
Observa-se a influência certeira dessa ideologia garantista e ativista na Lei 13.105/2015
e que propõe um diálogo comparticipativo, um contraditório dinâmico, a possível
calendarização do processo, com possibilidade de ônus da prova e requerendo uma
robusta fundamentação detalhada e mais específica das decisões judiciais.
Daí, a necessidade de reflexões mais penetrantes e especialmente pelos garantistas,
sobre as raízes políticas ideológicas do gerencialismo processual inglês. Se essas
reflexões advierem dos juristas brasileiros, onde o debate entre o garantismo e o
ativismo ainda se mostra nascendo, tanto melhor, poderemos então iniciar novas
discussões, para definir os traços teóricos enfim assumidos por nossa ordem jurídica
processual vigente.
Nas palavras de Niklas Luhmann, o direito tem a (relevantíssima) função de estabilizar
normativamente as expectativas humanas e, numa sociedade cada vez mais complexa,
qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 a
1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras
práticas políticas nos EUA, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos
fundamentais. (...) Todavia, depura dessa crítica ideológica - até porque ser progressista ou conservadora -
a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros
dois Poderes." (In: BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática. Revista Atualidades Jurídicas, Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4.,
Jan./Fev. 2009. Disponível em http:// www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf.
Acesso em 06.3.2017.).
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caracterizada por um crescimento desorganizado (indeterminado) dessas expectativas,
essa função só será adequadamente alcançada por meio de uma seleção (normativa) de
tais expectativas.
Referências:
ALVES, Fabio Wellington Ataíde. Conflitos de Política Criminal entre agências
punitivas: um estudo. Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Disponível
em:https://periodicos.ufrn.br/transgressoes/article/download/6574/5087 Acesso em
06.3.2017.
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Democrática. Revista Atualidades Jurídicas, Revista Eletrônica do Conselho Federal da
OAB. Ed. 4., Jan./Fev. 2009. Disponível em http://
www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf. Acesso em
06.3.2017.
CARDOSO, Salomão Robert da Silva. O corporativismo no poder judiciário e suas
consequências para a sociedade brasileira. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10442 Acesso
em 07.3.2017.
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma espectroscopia ideológica do debate entre
garantismo e ativismo. Disponível em:
https://www.passeidireto.com/arquivo/26802103/uma-espectroscopia-ideologica-do-
debate-entre-garantismo-e-ativismo---eduardo-jo Acesso em 06.03.2017.
______________ Calendarização Processual. Revista do Ministério Público do Rio de
Janeiro. n.57. Jul/Set. 2015.
CHOUKR, Fauzi Hassan. Rumos do garantismo processual: Brasil e América Latina.
Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2015/06/12/rumos-do-
garantismo-processual-brasil-e-america-latina/ Acesso em 06.3.2017.
GRANJA, Cícero Alexandre. O ativismo judicial no Brasil como mecanismo para
concretizar direitos fundamentais sociais. Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14052 Acesso em
06.03.2017.
GRIMAL, Pierre. Justiça. Dicionário da Mitologia grega e romana. 3. ed. Rio de
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GRUPO do Ativismo Judicial IBMEC-RJ, UFU e PUC-Rio. Os fundamentos teóricos e
práticos do garantismo no STF. Disponível em:
http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2009/2009/aprovados/2009a_Dir_Pub_G
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Janeiro; 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
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