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FALCON - A formação do Mundo Moderno

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Capítulo 1

Introdução

o estudo da formação da Idade Moderna pressupõe, como é natural, alguns esclareci-mentos preliminares, introdutórios mesmo, acerca daquelas noções presentes nessemesmo título, isto é, as,de !!adi?MQdema e delO!m.açi}!J.

A idéia de Idade Moderna remete-nos a uma antiga concepção tripartida do tempohistórico, ou s~ja:sua divisão em idades ou eras sucessivas, cronologicamente, conformetradição que remonta ao século XVII; temos, então, a existência de três tempos ou ida-des: Antigüidade, Idade Média e Idade Moderna,

Não é de hoje que se debate quer sobre as relações entre AI/figoS e Modernos, querentre 'Ie~_<?~~~dernos e.Época Medieval. Neste último caso, por exemplo, a discus-são tradicionalmente recai ora sobre a escolha de acontecimentos considerados marcosdecisivos do início dos Tempos Modernos, ora sobre a definição de certas característicasdistintivas do medieval e do moderno tomados como realidades históricas absolutamen-te diversas, quando não antinômicas.

No capítulo dos chamados acontecimentos decisivos, cabe um lugar de destaque aoconjunto das Grandes Navegações e Descobrimentos realizados nos séculos XV e XVI,principalmente pelospovos ib~ricos, Mas não ~~táas'5i~ tão dis~;-~-;eo tempo em que se

associava o início dos Tempos Modernos à influência das g'3..'!.~~sinve'!f~~s - a pólvora, opapel, a bússola e a imprensa - ou a determinados acontecimentos bastante conhecidos-a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453; a invenção da impressãocom tipos móveis por Gutenberg, nos anos-de 1440; a descoberta da América pelo ge- 3.novês Cristóvão Colombo, a serviço de Castela, em 1492; os Zomeços da Reforma Pro-testante na Alemanha, em 1517, com a divulgação das famosas teses contra as indulgên-cias, na catedral de Wittenberg.

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2 • A FORMAÇÃO DO MUNDO MODERNO,: ; f ',' ,. 1.:: I i ~ : i I: ii ,. " ELSEVIER

Todavia, tanto o recurso ao possível impacto d:l~:_ham~ld;lsgralldcs invenções como acrença no poder decisivo de certos fatos históricos mais célebres renderam a ser substituí-dos pela referência, como elemento explicarivo. aos processos e transformações maisnbrangenres, quer de natureza estrutural, quer conjuntura!. Exemplo desse último tipoforam as rransformaçôes ocorridas na conjuntura econômica européia entre a segundametade do século XV e o final do XVI, entre as quais se convencionou atribuir um lugarde destaque ao chamado deslocamento do eixo econômico da Europa do Mediterrâneo para (>

Atl.lllfi((l, o conseqüente declinio das principais cidades mercantis e manufarureiras daItália, e a·rápida ascensão das economias ibéricas - sobretudo a do comércio flamengo >,

logo seguida pela dos comércios holandês e inglês.

As explicações estruturais, baseadas ou não em pressupostos teóricos marxistas,identificam essa passagem da Idade Média para a Idade Moderna com o começo de umlongo período de transição do feudalismo para o capitalismo, em função da denominadacrise ga.11 da[cudalismo; teríamos aí, portamo, a identificação da Idade Moderna com operíodo da tra/lsiçã(>.fc'lIdal-capita!ista,cujas características e cronologia são bastante dife-renciadas )\.IS diversas formações sociais européias.

Enfim, parece lícito ainda hoje supor que ocorreram certas transformações bastantesignificativas nas sociedades européias ao longo dos séculos XV e XVI, embora talveznão mais seja possível interpretá-Ias daquela maneira um tanto otimista e radical, comoo fez Henri Hauser (1963), há muitos anos, quando escreveu o livro A modemidade do sé-culo X VI. Afinal, nem a modernidade propriamente dita, tal como nós hoje a identifica-mos, instaurou-se naquela época, nem se processou uma ruptura completa e abruptaentre a cultura medieval e a moderna. .

Atividades econômicas, estruturas e relações sociais, formas políticas, ideologias, ma-nifestações culturais, tudo afinal se modificou em maior ou menor grau, embora em rit-mos e proporções bastante diferenciados entre si. Tal conjunto permite-nos consideraressa época o começo de um período distinto do medieval, quaisquer que tenham sido aspermanências e continuidades então verificadas, Explica-se assim o hábito há muito di-fundido entre os historiadores de procurar sintetizar todas as transformações do períodoque então se iniciava utilizando a noção de moderno. No entanto, essa noção está muitolonge de constituir um conceito unívoco. A idéia de moderno significa apenas, em suaacepção mais ampla, de hoje, do momento atual, sendo plausível supor que para os homensdos séculos XV e xvr a visão de seu próprio tempo como moderno contivesse um certosentido de diferença absoluta em relação ao tempo anterior e, ao mesmo tempo, de come-ço de um tempo totalmente novo. Generalizou-se então, a partir dessas idéias, típicas daautoconsciência renascentista, a alusão ao assim chamado início dos Tempos Modernos, ouainda ao começo ou surgimento da modemidade. Quanto a esta última, no entanto, con-vém que se tenha em vista que a nossa noção atual a respeito das suas origens tende a situara época decisiva de seu aparecimento nas últimas décadas do século XVIII, em conexãocom o Ilurninismo, a Revolução e o advento do capitalismo industrial.

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;1::\, .\ • 3ELSEVIER

A Idade Moderna, tal como aqui a entendemos, constituiu um período decisivo,culminando no advento da ~~,de . ·dad~ Tomada em si mesma, porém, essa épocapode serdescrita/analisada co. -:; sido a de. tr~rlsifà" d(>.!i:lldillislI/aI'ara (I ountalismoou, ainda, num sentido lIlal~·· c ·0, ~1Il0 .era n~alltlhsta,

Ao denominarmos era mercantílista O p~do cf...·~rrtl(ógico correspondente aosTempos Modernos ou à Idade Moderna, cstamos e~mcI!.~ubNlando os as-pec,tos econômico~ dessa época :tssimcomo. a iIldisso~iabilida(_nrfe ~~nô~nico e opolítico. que consunn uma de suas ~.nrnClpalscaracrensncas. No entanto, c~lVem se terpresente o tàto de que temos :IÍ. nax?1lade'i-1àse final do feudalismo e, portanto, a tran-sição do feudalismo para o caPitali»o 9'\!OS situa teori(,"lIlente"~e u~lla perspecti-va marxista. . .4!f ".a ..~<..

Ao longo ~a década de 1970. su~gir<\Il1n~v9."r~ nOla~!~r~n~~ hisroriográ-fico as qUJIS divergem bastante da hnha explicativa p . :~ad~tad~!'.'1: trabalhamcom a hipótese segundo a qual ter-se-ia estruturado.já a partir Jo sécul .,' I, lima ('(,-I/(>II/iainundo européia (F. Bra~~~!: 1979), ou um sistema mundia! moderno -e-. Wallersrein.1974), com características capitalistas.

Wallersrein, embora adote uma postura teórica basicamente weberiana, defendeque ~conceito de caf!talis/Uo como fenõm~no mundial- e si~têmico - tem amparotambém em algumas passagens do próprio Karl Marx em O Capital. Trata-se aqui de ci-tações bastante conhecidas de O Capital, e que não devem ser tomadas, no nosso enten-der, como afirmações capazes d.e.invalidar o conceito de capitalismo enquanto modo deprodução.

Na visão de WaUerstein, entretanto, o que deve ser posto de lado é o próprio con-ceito de capitalismo como modo de produção, pois, 110 seu modo de ver, capitalismo sig-

,nifica produção para lucro em 1/11I mercado, ou, se assim preferirmos, a busca e (/ realização do. 111m>por meio da comerciaiização de mercadorias. Logo, de acordo com tal raciocínio, as for-mas de organização do trabalho e da produção criadas ou postas sob o controle do capi-talismo, nas mais diversas regiões e sociedades do globo, ou, em linguagem marxista, osvariados modos de produção subordinados ao capitalismo mundial moderno nada maissão do que as maneiras mais lucrativas que o capitalismo trata de organizar, em cada tem- I'po e lugar, para atingir aquilo que constitui o seu único objetivo: o lucro na comerciali-zaçâo de mercadorias produzidas em condições diversas.

.-). Ao adotarmos esse tipo de abordagem, teremos de admitir:6,que o papel dos Esta-dos modernos europeus, como formações sociais distintas, na constituição do mercadointernacional e em suas disputas, assim como o papel do mercantilismo, típicos de umaépoca pré-capitalista, tomam-se de certa maneira irrelevantes;~)-1O âmbito daquelesistema mundial moderno, capitalista e europeu que se teria constituído já nos começosda Idade Moderna, o que está emjogo êa articulação, pelo mercado, de diversos modos depro-dução, ou seja, de formas diferenciadas de recrutar e remunerar mão-de-obra - tais comoo escravisrno, a servidão, a encornienda, a parceria, o arrendamento e o assalariarnento.

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úRMAÇÃO DO MUrlDC MODERNOE1.SEVIEH.1" t R r . ': ..

Logo, para concluirmos esta breve digressão, teria ocorrido somente uma transição,aquela qul', 110 século XVI, originou o sistema; assim, a acumulação deve ser encaradacomo procl'sso único em escala mundial (Gunder Frank, 1(77).

Bem, 1I0SS0 intuito foi tão-somente alcrtar o leitor para a possibilidade de outros ca-minhos interpretntivos e exposirivos diferentes daqueles que adotamos aqui. Nossaspreferências, certamente mais tradicionais, serão apresentadas nos tópicos a seguir, e que

I rêm como território comum a noção de Idade Moderna identificada com a transição doi feudalismo para o capitalismo.

Capítulo 2

.0 Novo Tempo: Circulação Econômicae Conhecimento do Mundo - Transição,Expansão Comercial e Mercantilismo

.;"~..Os três séculos (XVI-XVIII) correspondentes cronologicamente à Idade Moderna ca-racterizam-se no plano da história econômica por dois processos distintos, embora es-

"treitamente inter-relacionados: ~s rransformações estruturais que marcam a transição dofeudalismo para o capitalismo e a'lxp;nsão'mercantil que constitui a primeira etapado processo de unificação do mundo - ou de estabelecimento do assim denominado"sistema mundial (capitalista) moderno".

No caso do primeiro desses processos, há pelo menos três aspectos a sublinhar:

G O conjunto do processo histórico desse periodo considerado em termos defosefrl1aldo feudalismo, ou ainda, se assim se preferir, como a época prê-capitalista por exce-lência.As atividades de caráter mercantil, inclusive suas conexões e ramificações financei-ras e coloniais, que, vistas em conjunto, correspondem ao ,!,erca/!tilismo ou ao sistemamercantil.Os processqs relacionados com a acumulação "primitiva" do capital, cujas formasvariáveis, conforme o setor produtivo considerado, constituem as assim chamadasprecondições da Revolução Industrial.

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3.

~Em relação ~_~~~l1do desses processos, caracterizado pela construção do mercado

mundial, trata-se do desenvolvimento dos mercados europeus e extra-europeus quedefinem a estruturação de diferentes circuitos mercantis mais ou menos articulados à ex-ploração colonial segundo as variadas formas assumidas por esta última.

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8 • A r o R M .• ç t o o o M UNO o M o o E R N o \. FI.SEVIEH

processo geral que abrange todos os aspectos &1 vida das sociedades européias: j;í sob a

ótica da segunda, a crise teria sido, na verdade, a l'inl,l!clII decisiva lJue abriu caminho para

o rriuulo do c.rpit.ilismo.

() século X V II é: a época de uma crise que ati:ta o homem todo, em todas as suas ativi-

dades, econômica, social, política, religiosa. cienritica. artística, c em todo () seu ser, no

"llIago d•.•seu poda vital, da sua sensibilidade e da sua vontade. A crise é: pl'rmJn cnre ...Tendências contraditórias coexisrir.un longamenre, misturadas ... Não só coexistem lia

IIICSllla~pOCI na Europa, mas ainda no mesmo Estado, 110 mesmo grupo social, 110 mesmo

homem. contraditórias e dilareradas.4

Quando examinamos a história do capitalismo concebida desse modo, torna-se claro

que devemos datar sua !;ISt'inicial na Inglaterra, não no século XIII ... , nem mesmo no sécu-10 XIV ... , mas lia segunda metade do século XVI e início do XVII, quando o capital.come-çou ;1 pelletrar lia produção em escala considerável, seja na forma de uma relação bem ama-

durecida entre capitalista e assalariados, ou lia forma menos desenvolvida da subordinação

dos urtcsâos domésticos que trabalham em seus próprios lares para um capitalista 110 chama-do 'sistema de trabalhar caseiro .... 5

4~. A partir de meados do século XVIII, ou mesmo duas ou três décadas antes de 1750,

conforme o autor considerado, o capitalismo tende a se expandir com rapidez na Euro-

pa Ocidental. Diversas vcuoluções econômicas assinalam a expansão européia, também ve-

rificável do ponto de vista do comércio e da exploração coloniais. Sintetizando tais

transformações está o conceito de revolução burguesa ou de dupla r(,w/llítlO- as grandes

mudanças econômicas e sociais abrangidas pelo conceito de Revolução Industrial e as

mudanças políticas, sociais e ideológicas que correspondem ao conceito de Revolução

Liberal. Temos aqui, na verdade, a Revolução Industrial l/l.e/esa c as rCllo/IIÇÕCSliberais - IllI

dcmocràtico-burouesas, segllndo lI/IIa tenninologia mais tradicional -, isto é, a Rell('/II(iio Amcri-{tI/ia c a Revolução Francesa:

A grande revolução de 1789-1848 represento~l o triunfo não da indústria como tal, mas

da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da sociedade liberal

burguesa ou de classe média; não da economia moderna ou do Estado moderno, mas das

economias e Estados de uma região geográfica do mundo particular (parte da Europa e algu-

mas áreas da América do Norte), cujo centro eram os Estados vizinhos e rivais - Grã-

Bretanha e França. A transfonnação de I 789-1848ié essencialmente a convulsão social ger-

minada que teve lugar nesses dois países e propagou-se a partir daí para o mundo inteiro.

Mas não é errado encarar essa revolução dualista - a Revolução Francesa, bem mais po-lítica, e a Revolução Industrial (britânica) - não tanto como algo que pertence à história dos

dois países que foram seus portadores e símbolos, mas como as crateras gêmeas de um vulcãoregional bem mais amplo.f

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: • 9.-.»:

Vista COlIJO Ulll todo, aj:lSejill,d d".Ii'//(f,d;s/lw correspondeu historicamente a rrans-

formaçôes as mais variadas, associadas tanto ;\ progressiva desesrrururaçâo das relações

feudais COIIIO ao avanço lento, 11.10 raro irregular, das relaçôes capitalistas. Quando a

nossaatenção se concentra nessas últimas, a tendência é sempre destacar aquelas que

cousritucm as manifestações de proccssos e tendências cujo sentido vem a ser o do ad-

vento do capitalismo, dai o hábito de intituLí-las prccondiçõe« d« RCI'"fll(':;I' Industrial: a

acumulaçâo (primitiva) de capital; a /iber<l("" da m;lo-de-obra e os progressos técni-co-científicos.

Na realidade;n t'lSl' tinal do ft'udalismo corresponde a uma fase de transição caracte-

rizada pela coexistência de elementos típicos do feudalismo, em processo de progrcssiva

desagrl'ga~'ão, e de outros, propriamente capitalistas, ainda emergentes.

I.

NOVOS CAMINHOS E NOVOS MUNDOS:A EXPANSÃO COMERCIAL

Os antecedentes medievais

Durante os séculos XI e XIII verificou-se nas atividades agrícolas e artesanais na Europa

Centro-Ocidental um conjunto de rransformações, por vezes definidas como uma e:!S-

pécie de revolução econômica, que repercutiram no crescimento das trocas mercantis. Si-

tua-se aí historicamente o chamado rcnascimento utbano medieval. As cidades que mais

prosperaram foram ;}S da Itália centro-setentrional, as do sul dos Países Baixos e aquelas

situadas âs margens do Báltico. Acumulação de capital, ampliação da circulação mone-

tária, surgimento de novos instrumentos de crédito, aumento dos empréstimos aos

príncipes e às instituições eclesiásticas, circulação cada vez maior de mercadorias, quer

no Mediterrâneo, quer pelo vale do Reno, entre o norte da Itália e o mar do Norte, são

contemporâneos do crescimento e da multiplicação dasleira.s, sobretudo as da regiào deChampagne, na França.

A crise do final da Idade Média (séculos XIV-XV) interrompeu por algum tempo o

surto de prosperidade e expansão demogrâfica, Todavia, já a partir dos meados do sécu-

lo XV são evidentes os sinais de recuperação econômica, com o início da expansão ma-

rítima, comercial e colonial, liderada pelos países ibéricos.

Para que se possa realmente entender essa passagem dos tempos medievais aos mo-

dernos, ou o começo da transição feudal-capitalista, talvez seja conveniente dividir esta

exposição em três tópicos principais: a natureza socioeconômica, política e cultural das

transformações ocorridas entre os séculos XI e XV; as características dos grandes circui-

tos comerciais na época moderna; a expansão extra-européia e as hegemonias mercantis

ao longo da era mercantilista.

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u • A FORMAÇÃO DO MUNDO MODERNO• j " t r (I;: r- ~ v .r : !!~li v :'> ELSEVIEH

As principais transformações socioeconômicas. políticase culturais durante a chamada Baixa Idade Média

O Il'u&tlismo, como modo de produção, significa a separação entre a propriedade da terra e

sua posse ou exploração, isto é, entre senhores e camponeses (servos ou não). A expansão

econômica desencadeada a partir do século XI esteve estreitamente ligada às pressões demo-

~>r.Íficascrescentes, à introdução de técnicas novas ou aperfeiçoadas e a um movimento in-

tenso de ocupação de novas áreas para o cultivo agrícola. Como uma das conseqüências de

tais mudanças, alteraram-se algumas das características das relações entre senhores c servos

em algumas regiões, com a tendência, por exemplo, à substituição das prestações em trabalho.\!r,ltl/if{) na chamada resctva scnhotial por pagamentos em produtos ou mesmo, em certos ca-

sos, em moeda ou algum tipo de equivalente monetário. Alguns historiadores denominam

esse processo liberação da mão-de-obra camponesa, sendo considerado por eles o efeito mais

importante daquela comutação de setviços antes descrita. Para outros, porém, o conjunto for-

mado por todas essas transformações configuraria urna verdadeira revolução agrícola.

Do século XI ao XIII, um conjunto de progressos na economia rural constituiu umaverdadeira revolução agrícola. A difusão dos moinhos a água e a vento, a elevação do rendi-

mento do trabalho dos animais de tração, os aperfeiçoamentos da charrua, os progressos darotação trienal dos solos, o aparecimento de novas culturas, são seus principais aspectos. To-das essas novidades concorrem para o vasto movimento de ocupação de novas terras que au-

menta consideravelmente a superfície das terras cultivadas da Cristandade?Há ao mesmo tempo um grande crescimento da população, uma verdadeira revolução

de/l/ográficQ. A revolução agrícola lhe está, aliás, intimamente ligada, pois ela responde l de-manda ampliada de produtos alimentares. Essas transformações contribuem para modificar

as condições econômicas e jurídicas da exploração dominial e para melhorar as condiçõesjurídicas e sociais dos camponeses: as corvéias são substituídas por pagamentos em dinheiro,os servos são em certos casos liberados.8

As mudanças ocorridas no setor agrícola não devem ser separadas de outras duas não

menos decisivas: o surto comercial, favorecido pela expansão rural, e o renascimento

urbano, em estreita conexão com o surto agrícola e mercantil. Teria então ocorrido,

como propõem alguns, uma verdadeira revolução comercial e uma revolução urbana?

Uma revolução comercial e uma revolução urbana acompanharam a revolução agrí-cola. Um comércio de grande raio de ação desenvolveu-se no Ocidente e entre o Ociden-

te e as regiões bizantinas e muçulmanas: transportes por terra e sobretudo por mar (graças àbússola e a um novo tipo de leme). As moedas difundiram-se, e foram cunhadas para o co-

mércio internacional novas peças de our~ e ci~prata. C~rtas regiões especializaram-se naprodução de artigos e mercadorias para exportação (vinho, sal, lã, panos) (... ) As cidades se

desenvolveram e obtiveram privilégios e liberdades que conduziram com freqüência, naFrança e na Itália, à formação de com unas auto-administradas. As cidades foram o centrode organizações onde triunfou a divisão do trabalho.9

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\) !~,~y\l ;l~,íP:' l:k\U~.'\\.I\(1 !·t,)Nl'I.\~;I..\ t \(INHii.:MtNl!.llltl.,,; U />1 () (I : h ,'\ h',: , ,\ i). I. X i',\ N ~,".,{! t ',l M1. :,! :.\: i. t.i i i-~\ ,\ N : i! : -,,\1 \ I • 11

Um dos efeitos mais evidentes do crescimento das cidades foi o aumento das transa-

çôes comerciais entre campo e cidade, cabendo a esta última o papel de centro integra-

dor das atividades mercantis e artesanais. Teríamos aí então, conforme velha e quase es-

quecida tese, a passagem de uma economia dita de subsistência, ou natural, para uma

outra, mercantil e monetária.I

Ampliaram-se assim tanto as transações locais e regionais como, em muitos casos, aque-

las realizadas com regiões mais ou menos distantes através de extensas rotas terrestres e/ ouI .

marítimas. Sob o controle das b'1.lÍldas e corporaçôes mercantis eartesanais, o domínio eco-

nômico urbano sobre o campO' circundànte tendeu a ampliar-se - ê o domínio da chamada

política econômica utbana, monopolista e fi~calista. Os núcleos urbanos foram também refúgios

privilegiados para aqueles que desejavam escapar às imposições servis, pois, conforme se di-

zia eutão, o ar da cidade toma o homem livre. Entretanto, sabe-se hoje, seria muito arriscado

imaginar uma oposição ou contradiçã9 radical entre cidades e propriedades feudais.

Desde cedo os comerciantes procuraram integrar aos circuitos mercantis regiões

cada vez mais distantes e periféricas el~l relação aos dois principais pólos econômicos de

então: as cidades italianas - Veneza, Gênova, Florença, Milão, Pisa, entre outras - e as

cidades flarnengas - Bruges, Gand, Yprês, Liêge e Antuérpia. Assim, as rotas mercantis

avançam para o leste, através das regiõés eslavas, para as margens orientais do Mediterrâ-

neo, sobretudo a partir das Cruzadas.Acumulando capitais, desenvolvendo ou criando

novos métodos e técnicas comerciais) como a letra de câmbio, os comerciantes euro-

peus empreendem também algumas trrmas de colonização no Mediterrâneo, em uma

espécie de antecipação ou prelúdio di! expansão atlântica.I

!A colonização do mundo atlânti~o é geralmente considerada um fenômeno sem prece-

dentes e portamo inteiramente navoj Esse ponto de vista é errôneo, pois existiram, no finalda Idade Média, colônias no Meditenrâneo oriental ou Levante e é de lá que são originárias as

técnicas de colonização que se expa1diram através do mundo atlântico. Quando se estuda

as concessões de terra feitas nas colônias atlânticas, constata-se as filiações com a colonizaçãomedieval de um lado, e, de outro, as a,daptações de instituições metropolitanas medievais aonovo meio colonial. \O I

[Os historiadores da colonização] desconhecem certos aspectos da colonização medi-terrânea medieval que anunciam a colonização atlântica na época moderna, notadamente asatividades agrícolas e industriais. Uma combinação desses dois aspectos caracteriza a produ-

ção do açúcar de cana pela qual as repúblicas italianas se interessaram desde que, após a pri-meira Cruzada, adquiriram possessões na Palestina. I I

À primeira vista, as relações entre a escravidão colonial e a história social da Europa me-

dieval não são evidentes, pois, em geral, acredita-se que a escravidão desapareceu da maiorI

parte dos países europeus no final da Antigüidade. Na realidade, se a servidão foi, muito mais

do que a escravidão, uma estrutura característica da sociedade medieval, aquela última con-tudo subsistiu em numerosos países eljlropeus durante todo o período que separa a queda do

Império Romano do Ocidente da epopéia das grandes descobertas. 12

!

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12 • AFOf~M::,(AO UO MUNDO MODERNO

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Cabe rambém mencionar aqui a importância para esse surro mercantil e urbanodo desenvolvimenro do conceito de luxo. da ostentação de riqueza entre os membrosda dite senhorial e a alta burguesia. Nuvos hábi~llS de consumo, em parte associados àimporrnçâo de produtos orientais, valorizaram dIversos tipos de mercadorias, como ostecidos de ,eda e algOltio, louças, pedras preciosas, tapeçarias, bronze erc. Bem maisconhecidas vieram a ser, porém, as chamadas cS,faiarias, de preço unitário elevado econsumidas em pequenas quantidades na culinária, na perfumaria e na medicina.

Por especiarias e drogas designa-Se um conjunto de produtos na quase totalidade Ve-getais e em pequeno número animais ou mistos! que servem de condimentos. mezinhas,

masricatórios (berel, areca), excitantes (cubebas, pedra bazar), ou esrupefacienres (ópio),

perfinues e ungüentos, e cores de tinturaria (paú-brasil, açafrão, anil). A maior partc tem

polivalência de: funções (.... ) Deste conjunto de dezenas de especiarias e drogas destaquemos

as seis que representam de longe o maior volume 'de tráfego (... ) pimenta, gengibre, canela,maçâs, noz-moscada e cravo (... )13

Os grandes circuitoJ comerciais!

Os circuitos medievaisI

Diversas rotas terrestres e marítimas ligavam os gr~ndes centros comerciais europeus en-tre si bem C0l110 às áreas por eles abastecidas ou n~s quais se abasteciam de-mercadorias.Considerando-se os dois grandes pólos econômicos já citados - as cidades italianas e fla-mengas - verifica-se que até o final do século XiII o comércio entre eles, através dosAlpes e da Champanhe, constituía o principal eix~ econômico intra-europeu.já no sé-culo XIV, condições políticas adversas - sobretudo os efeitos devastadores da chamadaGllerra dos Cem Anos -levaram ao declínio das ~ndes feiras daquele eixo ao passo quese intensificavam as comunicações marítimas ent~e o Mediterrâneo e o Mar do Norte,fato que beneficiou enormemente os portos ibétc'os do Atlântico. Verificou-se tam-bém nessa época o deslocamento das comunicações terrestres norte-sul para o Vale doReno, origem da prosperidade de diversas cidades do sul da Alemanha, como Nurem-berg, Augsburgo e Colônia.

Do centro-norte da Itália partiam as rotas márítimas exploradas pelos venezianos,genoveses, pisanos, entre outros, para as regiões 40 Mediterrâneo oriental (Constanri-nopla, Trebizonda, Alexandria, São João d' Acre), bem como para o ocidental, estabele-cendo contatos com os comerciantes de Barcelona, Marselha, Narbona, Baleares etc.Por outro lado, no norte da Europa, inúmeras rotas mercantis ligavam Flandres aos por-tos franceses, ao vale do Reno, ao Báltico, com destaque aqui para ascidades hanseáticas- Lübeck, Bremen, Hamburgo, Dantzig, entre mpitas outras. Já naquela época, o valordas mercadorias negociadas e o lucro propiciado Pielas transações situavam em primeirolugar as relações das cidades italianas com os portosdo Mediterrâneo oriental e do Egito,

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pois era para Lí que afluíam as mercadorias transportadas por caravanas vindas das maisdiversas e distantes regiões da Ásia.

Modernosi . o capital comercial expandiu-se com rapidez em conseqüência das novas e crescentes

oportunidades de lucro geradas pelo estabelecimento de rotas mercantis transoceânicas,pela conquista e exploração de terras no Novo Mundo e pelo tráfico de escravos africanos.Na Europa, um capital financeiro ainda incipiente movimentava as primeiras b"lslIs(Antuérpia, Londres, Lyon), ao mesmo tempo que estimulava práticas especularivas varia-das. Intensificavam-se as associaçôes de interesses entre comerciantes-banqueiros e prín-cipes (os Pugger, de Augsburgo, e o imperador Carlos V, por exemplo). Com a Reformareligiosa, em países como a Inglaterra, por exemplo, as secularizações das propriedadeseclesiásticas propiciaram boas oportunidades de investimento do capital comercial.

Entre os séculos XV-XVI e o século XVIII, o desenvolvimento do capital comer-cial pode ser resumido em termos da formaçâo/expansâo de dois grandes circuitos oucomplexos de rotas e trocas comerciais: o intra-europeu e o extra-europeu.

O circuito intra-europeu predominou até por volta de 1750 e compreendiaquatro complexos regionais: do Mediterrâneo, do Atlântico, do Báltico e da EuropaCentro-Oriental. As diferenças regionais. tanto naturais como socioeconômicas, faziamtransitar nesses circuitos intra-curopeus os cereais, os vinhos, o sal, as lãs, o peixe salga-do, madeiras, metais e sabão, além de relógios, livros e artigos de luxo. O gado desloca-va-se "em pé", e certos artigos eram extraídos ou fabricados em locais específicos, o queproduziu uma certa especialização no interior de cada um desses circuitos regionais.

O comércio dessas regiões européias COIII aquelas que se poderia chamar de transe-ceânicas compreendia um pequeno leque de exportações e um apreciável e semprecrescente volume de importações, geralmente reexportadas para outros portos e regiõesda Europa. Dentre as exportações pode-se mencionar certas manufaturas - panos de lã,artigos de metal, ferro, couro e madeira, além de artigos de vidro, papel e seda. Haviaainda a exportação de armas de fogo, panos de algodão e bugigangas para a costa africanae também, em alguns casos, para a Ásia, sendo importante lembrar que o comércio com

. as regiões asiáticas tendia a consumir quantidades cada vez mais significativas de prata.Por volta de 1750 os mercados europeus ainda deixavam muito a desejar em termos

de articulação, e a economia monetária convivia com enormes bolsões de economia natural.Os circuitos extra-europeus, cujo auge se situa no século XVIII, compreendiam

três grandes áreas além das respectivas subdivisões regionais: América, Índias e China. AAmérica abrangia as colônias inglesas da América do Norte, as colônias ibéricas e as cha-

madas "Índias Ocidentais" - as ilhas antilhanas e o Caribe. Sob a designação genérica deÍndias estão englobados a Índia propriamente dita, ou o subcontinente indiano, a Insu-lindia ou lndonésia, a região da Malásia ou península malaia, e o arquipélago das Filipi-

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• A FORMAÇÃO DO MUNDO MODERNO.ao "t I ,'! \ \,\11 i' R li d r ;~: IH' -, ELSEVIER

lias. Em relação ao comércio da China, trata-se na verdade não só do Império Chinês,mas também do arquipélago japonês e das áreas do chamado Sudeste da Ásia.

Quanto ao continente africano, deve-se distinguir até certo ponto as regiões oci-dentais. mais articuladas com as regiões americanas - em função, sobretudo, do tráficode escravos -, das regiões orientais, no Índico, mais ligadas ao comércio com a Índia, oMar Vermelho e o Golfo Pérsico, embora participassem também do tráfico de escravosatravés do Atlântico.

O desenvolvimento de cada um desses circuitos constitui uma história ligada às res-pectivas formas de inserção no mercado internacional, às variações conjunrurais deste,bem como a fatores e circunstâncias típicos de cada um deles.

A economia européia durante os séculos XV e XVIe os efeitos iniciais das grandes navegações e descobrimentos

A expansão da economia européia

A economia européia durante a segunda metade do século XV e ao longo de todo o sé-culo XVI caracteriza-se pela expansão considerável tanto da produção em geral comodas atividades mercantis. É provável que a tendência à alta dos preços, então dominante,tenha contribuído bastante para o aumento geral das atividades econômicas, além de darmuito incentivo à especulação monetária e financeira. Outro fator a considerar nessaexpansão foi o rápido crescimento populacional e suas repercussões sobre o consumo eos movimentos migratórios. Tendo em vista o conjunto dessas transformações, algunshistoriadores criaram a expressão "revolução econômica do século XVI", ao passo queoutros deram preferência à noção de revolução comercial.

Foi tão radical o deslocamento do comércio internacional, cujo centro passou do Me-diterrâneo ao Adântico e especialmente aos portos do Mar do Norte, que nos anais da histó-ria da Europa se lhe vem dando tradicionalmente o nome de Revolução Comenial do SéculoXVI. Foi efetivamente uma das grandes mudanças de centro de gravidade registradas pelaHistória (...) Significou que, daí por diante e pelo espaço de uns 350 anos, os grandes avan-ços econômicos haveriam de ser encontr.:dos sobretudo num raio de 500 milhas a partir daBélgica.14

As navegações e descobrimentos constituíram, em boa medida, uma das resultantesdessa expansão geral da economia e contribuíram, por sua vez, para acelerar tal expan-são. Em um certo sentido, por sinal, a noção mesma de Revolução Comercial sublinha doisfenômenos muito importantes: a rápida ampliação e diversificação dos mercados e o im-pacto representado pelo afluxo de metais preciosos. Em ambos os casos, cresceram ex-ponencialmente as possibilidades de lucro dos empresários, em associação, muitas vezes,com os negócios dos príncipes.

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o impacto dos grarydes descobrimentos sobrea produção agrícola e manufatureira

O afluxo de metais preciosos - que acel~r()u o movimento de alta dos preços - bem comoo aumento dernográfico - que estimulou a demanda do ponto de vista do consumo -induziram à produção de maiores quanitidades de produtos para o mercado - alimentos,matérias-primas, panos, madeiras, vidjos, artigos metálicos etc.

A pressão dessa demanda ampliada sobre a produção levou a algumas inovações sig-nificativas em certo; setores p~odutivof' embora essas inovações tenham ocorrido commaior freqüência somente em alguns Raíses ou regiões da Europa, como a Inglaterra, aFrança, os Países Baixos, e, em menor escala, a Suécia, a região do Reno e algumas dascidades italianas.

Dentre tais inovações destacam-se aiintrodução de relações capitalistas de produçãona agricultura - em primeiro lugar, a prftica dos cercamentos, mais intensa em algumas re-giões da Inglaterra -, e a organização das manufaturas - de tipo disperso comuns em di-versas regiões rurais, ou de tipo concentrado, mais encontradas nas cidades. Não menosimportantes, no entanto, foram certos progressos técnicos a partir da melhor utilizaçãoda energia hidráulica e da invenção de ~ngenhos mecânicos para multiplicar a eficiênciaprodutiva do trabalho dos artesã os. I

Alguns outros aspectos podem ser Fencionados, tais como: a introdução de novasculturas agrícolas, sobretudo o milho ~ a batata; a tendência ao aumento dos investi-mentos de capitais na ampliação da prcjdução de mercadorias, sobretudo aquelas desti-nadas à exportação; e a multiplicação d~ atividade de comerciantes e empresários, inclu-sive com o estabelecimento de muitaslmanufaturas.

Bem maior do que a influência do~ grandes descobrimentos sobre a produção foi aque tiveram sobre as atividades mercantis. Houve um aumento quantitativo e qualita-tivo do comércio europeu, e uma expansão geográfica, quando o Atlântico passou aoprimeiro plano de importância para as tividades comerciais, ao mesmo tempo que seprocessou um declínio relativo das pri cipais cidades mediterrâneas, conforme se de-sarticulava o monopólio italiano do c amado comércio oriental.

O capital comercial fortaleceu-se astante, atuando sempre, como lhe era caracte-rístico, na esfera das trocas, ou seja, gan ando na diferença entre o preço de compra e ode venda das mercadorias. A indústria de construção naval desenvolveu-se rapidamen-te, sobretudo nos Países Baixos e na I1glaterra.

Enquanto Portugal estabeleceu, per menos por algum tempo, o monopólio sobreas especiarias e outros produtos orienta,s, a Espanha concentrou seus esforços na explo-ração/extração e no transporte da prata e do ouro do Novo Mundo para Sevilha. Ospaíses ibéricos lançaram-se, em temposldiferentes, à conquista e à colonização das terrasamericanas, dando assim origem ao qUi se poderia chamar de os primeiros impérios co-

loniais da era moderna. !

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A abertura dasgralltks rotas do mundo ;ulIPI/Olleuonnemenre IIcomércio da Europa eSIl;1 riqueza. Os metais preciosos se acumulam nokais de Sevilha; eles [Irão da Esp.mha a pri-nu-ira poréucia européia. Mas a partir dai o ouro <l a prata ido seesparr;lInarpor toda a Euro-pa. Esse .ifluxo de metais preciosos multiplica ;,slespécit.·s monetárias: por sua abund.incia,

das baixam de valor, o que provoca urna alragedl dos preços das mercadorias durante todoo s':'culo XVI. É a inflação: COIIIa moeda valendl) menos, í: preciso maior quantidade parapagar pelo mesmo objeto. O magistrado t'c()lIoml~tafrancês.jean Bodin compreendeu bemisso qU311110 escreveu: ..A principal e quase úllica~lcausada carestia é 3 abundância de ouro ede prata, 'iUt' é hoje neste reino maior do que foi nos últimos quatrocentos anos." No con-junto, os preços quadruplicam de 150 I a 160 L':'

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As hegemonias mercartis na Europana época do mercrntilismo

Os séculos XV e XVI - expansão ibé~ica e hegemonia flamenga

As grandes navegaçóes oceânicas, os dcsc"f,r;/IICII(f,s. as conauistas e os orimórdios da colonizaçâo das terras recém-descobertas constituem as etapas sucessivas de um processo~---..jl~~-J,J

que se pode denominar empresa mercantil ibérica, ~lIe teve como marca característica aparticipação das coroas de Portugal e de Castela, bem como a da Igreja Católica, emtodas essas etapas.

Os empreendimentos portugueses tiveram ~nício em 1415, com a conquista deCeura, no Marrocos, e culminaram no final do séFulo XV: com o sucesso da viagem deVasco da Gama à Índia, em 1487-1488, e com a 5hegada de Pedro Álvares Cabral à en-tio denominada Ilha de Vera Cruz (o futuro Brasil), em 1500. Os castelhanos, afora aconquista do Arquipélago das Canârias, no começo do século XV, apenas' no final dessemesmo século puderam efetivamente lançar un~ sério desafio aos portugueses, pois,com as viagens de Colombo e a conseqüente destoberta da América, eles puseram emrisco a hegemonia marítima lusitana. Resultou de~sa disputa e da intervenção do papadoa assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494, 4ue estabeleceu o Metidiano de Tordesi-lhas, isto é, uma linha divisória imaginária no sent~do norte-sul que deveria passar a 370léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, separando as terras a oriente - pertencentes àCoroa de Portugal- daquelas situadas a ocideme!- pertencentes a Castela. Entretanto,somente após a grande viagem de Fernão de Madlhães, entre 1518 e 1522, colocou-seo problema da divisão através do oceano Pacífico! tendo em vista a disputa pelo Arqui-pélago das Molucas. Assim, em 1529, pelo Tratado de Saragoça, ficou estabelecido ummeridiano 17graus a leste daquelas ilhas, ficando IPortugal com as regiões orientais e aEspanha com as ocidentais, em conseqüência do que coube à coroa lusa o Arquipélagodas Molucas e aos castelhanos, o das Filipinas. I

De acordo cornVictorino Magalhães Godinho (1968), a expansão ibérica configu-ra um complexo histórico-geográfico que se define a partir das décadas finais do século XV e

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É, portanto, de evidência que, em meio à aparente prosperidade, a nação empobrecia.Podiam os empreendimentos da Coroa ser de vantagem para alguns particulares: assim, osfeitos de África rendiam tenças e graças à fidalguia: com o tráfico da Cuinê enriqueciam cer-ros mercadores; mas para que esses lograssem proveitos, recaía sobre os povos o fardo dosimpostos e o agravo das levas. para o serviço militar, que'um estado perpétuo de guerras exi-gia, ao mesmo tempo que no país escasseavam os braços. Sucedeu, porém, que o ganho dealguns, poucos, depressa se tornou, como sempre, sedução para todos. ",

Para os espanhóis, superada, após 1520, a fase das chamadas viagens de reconheci-mento, iniciou-se a era dos conquistadores, cujos exemplos mais conspícuos são o de Cor-tez (sobre os astecas, no México) e o de Pizarro (sobre os incas, no Peru), A partir de1550, a coroa de Castela inicia a retomada dos poderes delegados aos primeiros conquis-tadores e passa ela mesma a empreender e administrar as novas conquistas com legiões demilitares, missionários e funcionários. Inicia-se assim a organização da colonização pro-priamente dita: exploração das minas de prata e ouro (Zacatecas e Guanajuato, no Mé-xico, e Potosi, no Peru), desenvolvimento das grandes plantações tropicais, nas terrasbaixas, e grandes hadendas visando a criação extensiva de rebanhos. Tudo isso à custa, naverdade, de variadas formas de trabalho compulsório impostas aos indígenas, nas terrasaltas, e, sobretudo, aos escravos africanos, importados, nas terras baixas.

Voltando ao caso português, verifica-se que a defesa e a ocupação efetiva da Terra

de Santa Cruz significaram, na prática, a conversão da empresa mercantil em empresacolonizadora, sempre subordinada, é claro, aos objetivos mercantis iniciais. Da utiliza-ção do indígena como trabalhador submetido a um processo de escravização - eram os