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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos 674 ISSN 18089097 GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS EXPERIÊNCIAS LIBERTÁRIAS: DIFERENTES MOVIMENTOS SOCIAIS NA (RE)CRIAÇÃO CURRICULAR MOSQUERA, Carlos Riádigos 2 ESTEVES, Suzana Martins 3 RESUMO A educação e todo aquilo que a compõe como sistema para formar a seres humanos é em si mesma uma malha ideológica e social que ao mesmo tempo esta inserida dentro de diferentes sociedades, as quais interagem com ela em maior ou menor medida. Para compreender estes processos de interação precisamos entender as dinâmicas de pensamento e ação tanto das próprias escolas como de seu meio, o que supõe aprofundar a nível epistemológico e social para encontrar elementos constituintes e provocadores de práticas e ações. Partindo disto, se pretende em este trabalho entender como distintas experiências libertárias existiram e existem em diferentes movimentos sociais, e como estas podem influenciar o processo de criação curricular, entendendoas como inseridas numa rede de saberesfazerespoderes que movimenta o cotidiano escolar. Sendo assim, fazse necessário encontrar e articular práticas cotidianas, talvez influenciadas pelas experiências libertárias, pensando também como diferentes movimentos sociais contemporâneos interagem com estas. Palavraschave: Currículo. Cotidiano. Educação Libertária. Democracia. Movimentos Sociais. ABSTRACT Education and all that which makes up as a system to form human beings is in itself an ideological and social network and at the same time is inserted within different societies, which interact with it to a greater or lesser extent. To understand these processes of interaction we need to understand the dynamics of thought and action of both the schools themselves as their midst, which means deepening the epistemological and social level to find constituents and provocative practices and action elements. From this, it is intended in this work to understand how distinct libertarian experiences existed and exist in different social movements, and how these 2 (Pósdoutorando do Programa de PósGraduação em Educação/Faculdade de Educação, UFV Universidade Federal de Viçosa, Grupo de Estudos: Cotidianos em Devir, coordenado pelo professor Doutor Eduardo Simonini Lopes, MG, Brasil, email: [email protected]) 3 (Mestra pelo Programa de PósGraduação em Educação/Faculdade de Formação de Professores, UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Grupo de Estudos: Redes de conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar, coordenado pela Professora Doutora Inês Barbosa de Oliveira., Rio de Janeiro/RJ, Brasil, email: [email protected])

Experiencias libertarias diferentes movimentos sociais na recriacao curricular

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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos

674 ISSN 18089097 

GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

EXPERIÊNCIAS LIBERTÁRIAS: DIFERENTES MOVIMENTOS SOCIAIS NA (RE)CRIAÇÃO CURRICULAR 

  

MOSQUERA, Carlos Riádigos2 

ESTEVES, Suzana Martins3 

 RESUMO A educação e todo aquilo que a compõe como sistema para formar a seres humanos é em si mesma uma malha ideológica e social que ao mesmo tempo esta inserida dentro de diferentes  sociedades,  as  quais  interagem  com  ela  em maior ou menor medida. Para compreender estes processos de interação precisamos entender as dinâmicas de pensamento  e  ação  tanto  das  próprias  escolas  como  de  seu  meio,  o  que  supõe aprofundar a nível epistemológico e  social para encontrar elementos constituintes e provocadores  de  práticas  e  ações.  Partindo  disto,  se  pretende  em  este  trabalho entender  como  distintas  experiências  libertárias  existiram  e  existem  em  diferentes movimentos sociais, e como estas podem influenciar o processo de criação curricular, entendendo–as como  inseridas numa rede de saberesfazerespoderes que movimenta o  cotidiano  escolar.  Sendo  assim,  faz­se  necessário  encontrar  e  articular  práticas cotidianas, talvez influenciadas pelas experiências libertárias, pensando também comodiferentes movimentos sociais contemporâneos interagem com estas.  Palavras­chave:  Currículo.  Cotidiano.  Educação  Libertária.  Democracia. Movimentos Sociais.   ABSTRACT  Education and all that which makes up as a system to form human beings is in itself an ideological  and  social  network  and  at  the  same  time  is  inserted  within  different societies, which  interact with  it  to  a  greater  or  lesser  extent.  To  understand  these processes of interaction we need to understand the dynamics of thought and action of both  the  schools  themselves  as  their  midst,  which  means  deepening  the epistemological  and  social  level  to  find  constituents  and  provocative  practices  and action  elements.  From  this,  it  is  intended  in  this work  to  understand  how  distinct libertarian experiences existed and exist in different social movements, and how these 

2  (Pós­doutorando  do  Programa  de  Pós­Graduação  em  Educação/Faculdade  de  Educação,  UFV  – Universidade  Federal  de Viçosa, Grupo  de  Estudos:  Cotidianos  em Devir,  coordenado  pelo  professor Doutor Eduardo Simonini Lopes, MG, Brasil, email: [email protected]

3 (Mestra pelo Programa de Pós­Graduação em Educação/Faculdade de Formação de Professores, UERJ 

– Universidade  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro, Grupo  de  Estudos:  Redes  de  conhecimentos  e  práticas emancipatórias no cotidiano escolar, coordenado pela Professora Doutora Inês Barbosa de Oliveira., Rio de Janeiro/RJ, Brasil, e­mail: [email protected]

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GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

can  influence  the  process  of  curriculum  creation,  understanding  them  as  a knowledges­doings entangled network that moves the school routine. Therefore,  it  is necessary  to  find  and  articulate  everyday  practices,  perhaps  influenced  by  the libertarian experiments also  thinking how different  contemporary  social movements interact with them. 

 Key  words:  Curriculum.  Daily  life.  Libertarian  education.  Democracy.  Social movements.  

 

Pensamento­ação libertário: movimentos sociais contemporâneos e educação 

 

  O  relato  pós­colonial  (Dussel,  2008;  Santos,  2007)  veio  a  marcar 

significativamente  as  identidades  nos  movimentos  dos  anos  60,  que  sacudiram  a 

algumas sociedades ante diferentes  injustiças globais deixando o discurso nacional e 

de utilidade (Rawls, 2002) em um segundo plano. Nos Estados Unidos, os movimentos 

hippie e pacifista fizeram questão de relacionar as intervenções militares com a busca 

de lucro por parte da indústria armamentística, com a guerra de Vietnã como exemplo 

paradigmático.  Esta  atividade  serviu  como  ponto  de  referência  para  o movimento 

estudantil europeu de 68, que junto aos incipientes sucessos feministas, antirracistas e 

indígenas podiam presagiar grandes e iminentes mudanças. 

  Os movimentos  sociais  contemporâneos  bebem  de  correntes  culturalistas  e 

pós­coloniais e nutrem­nas ao mesmo tempo. A  isto  lhe acompanha uma perspectiva 

neomarxista e  fenomenológica em  frente  a  análises mais estruturais e marxistas de 

décadas  anteriores,  pelo que  as  subjetividades  coletivas,  as  redes  de  pertence,  a 

relação entre o  local/global ou as redes sociais digitais  jogam um papel de crescente 

relevância  (Gohn, 2012). São portanto novas  formas de organização do protesto e a 

ação  coletiva,  com  elementos  definitórios  como  (Gohn  &  Bringel,  2012,  p.  9):  a) 

aparecimento de um  ativismo  internacional  e multinacional multiescalar  com  novas 

temáticas,  relações  e  instrumentos  de  ação;  b)  uma  renovação  dos  atores  sociais, 

desde posições de esquerda e opostos a regimes militares, para o ativismo indígena e 

rural ou em defesa da diversidade cultural e sexual; c) o paradoxo democrático de que 

os povos exigem a cada vez mais democracia e ao mesmo tempo que a representação 

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GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

institucional  é  a  cada  vez  mais  questionada;  d)  as  grandes  mudanças  no  palco 

internacional  e  no  regional;  e)  a  crítica  ao  eurocentrismo  e  ao  "ocidocentrismo", 

abandonando discursos como primeiro e  terceiro mundo ou centro e periferia, para 

outros como norte­sul, local­global, ou inclusive o "glocal". 

  A  influência  exercida  pela  corrente  libertária  nestes  movimentos 

contemporâneos é  importante e não pode ser deixada de  lado à hora de aprofundar 

sobre as raízes do pensamento dos mesmos. E é que estes desejos libertários não têm 

data  de  início,  vêm  acompanhando  ao  ser  humano  desde  sempre.  Assim,  o

antiautoritarismo pode ser visto no pensamento socrático, a filosofia estoica, a cultura 

do taoísmo e inclusive no budismo.  

 As mesmas  tensões  éticas  e  culturais  podem  ser  encontradas  na  revolução  de Espartaco;  nas  lutas medievais;  na  organização  comunal  italiana;  nos  elementos mais  radicais  da  revolta  dos  camponeses  em  Alemanha  no  século  16;  nas revoluções americana e francesa no final do 18; nos amplos setores do iluminismo; na dimensão mais acentuada e  radical da unificação  italiana; Na organização das comunidades  camponesas  na  Rússia  zarista;  E  todas  as  revoluções  e  formas  de rebelião  individual  e  coletiva  que  reivindicam  uma  maior  autonomia  e  uma liberdade mais ampla. (Codello, 2007, p. 16)

 

  Estas novas formas de pensamento e organização social emergentes situam o 

debate  não  só  nos  aspectos  econômicos,  senão  também  nos  relacionados  com  a 

própria  forma  de  viver  e  nos  organizar,  possibilitando  que  sejam  focados  desde 

diversos  campos  de  conhecimento.  Desde  sua  heterogeneidade,  se  vislumbra  um

verdadeiro  ressurgimento  de  qualidades  como  a  compaixão,  a  solidariedade e  uma 

ética perigosamente igualitária (Davis, 2012), brindando caminhos muito interessantes 

para pensar a nível educativo desde uma perspectiva democrática baseada na  justiça 

social (Riádigos Mosquera, 2015). 

  As contribuições à justiça social de muitos desses movimentos contemporâneos 

são  importantes  para  ampliar  as  concepções  que  sobre  esses  dois  conceitos  se 

manejam  tanto  a  nível  social  como  acadêmico.  Compartilham  uma  clara  tendência 

para a equidade, entendendo que “a justiça social pode e deve ser equitativa, o que

implica  que  possa  ser  parcial,  dado  que  obriga  a  prestar mais  atenção  e  ajuda  às 

pessoas e coletivos sociais mais desfavorecidos” (Riádigos Mosquera, 2015, p. 11). Esta

forma de entender a justiça social vê na democracia não só um sistema de organização 

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GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

social baseado em leis e instituições, senão também um conjunto de ideias e intenções 

relacionadas  com  a  solidariedade,  a  cooperação,  a  paz,  a  interculturalidade,  a 

ecologia… e em definitiva valores que suponham  um  benefício  social  que  caminhe 

principalmente em duas direções: 1. Centrar nas maiorias sociais, as mesmas que se 

têm que  conformar  com o  60% dos  recursos mundiais  já que o  1%  controla o  40% 

restante  (Stiglitz, 2011); 2. Superar a  ideia de benefício unicamente  sujeita aos bens 

materiais, ampliando a mesma para dimensões como a felicidade e o bem­estar geral, 

a  bondade,  o  altruísmo  (Kourilsky,  2012),  etc.  Estes  movimentos  propuseram 

importantes  contribuições  nesta  direção,  fazendo  que  sua  horizontalidade  e 

heterogeneidade  constituintes  sejam  também  propostas  políticas  a  discutir  para 

implementar no resto da sociedade, baseando nessas ideias. 

  Uma base comum destas mobilizações em diferentes continentes é o desejo de 

que  o  núcleo  das  decisões  e  debate  sociopolíticos  se  centrem  em  todos  os  seres 

humanos e situem o benefício econômico­financeiro ao serviço das populações e de 

forma  sustentável  com  o  planeta.  Seu  permanente  processo  de  reinvenção  e  sua 

heterogeneidade  intra e  intergrupal, conformam outros dois rasgos definitórios; esta 

diversidade, apesar de marcar diferenças locais e/ou culturais entre pessoas e grupos, 

pode ser entendida como uma fortaleza democrática que não perde de vista essa base 

comum contra o domínio hegemônico financeiro. 

  Recolhem  ademais  alguns  aspectos  dos  movimentos  antiglobalização, 

protagonistas  a  partir  de  momentos  como  o  levantamento  zapatista  de  1994,  as 

manifestações de Seattle em 1999 contra a OMC e em 2000 contra o FMI, e de Génova 

em  2001  contra  a  reunião  do G8,  experiências  que marcaram  uma  nova  forma  de 

protestar,  mais  diversa  e  global,  com  identidades  translocais  e  em  movimento, 

escapando da exclusividade do contexto nacional  (Carballo da Riva & Echart Muñoz, 

2012). 

  Compartilham  uma  série  de  reivindicações  de mudança  ante  situações  que 

consideram  incompatíveis  com  a  democracia  baseada  na  equidade. Apesar  de  suas 

diferenças, têm em comum, em todos os casos, a preocupação pelo caminho que suas 

sociedades estão tomando baixo a influência neoliberal. Suas demandas expressam­se 

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GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

habitualmente em plataformas tanto do espaço público real como virtual, através de 

assembleias, ocupações, manifestações, conferências, grupos de trabalho, foros, sites, 

wikis, blogs, redes sociais, etc., e que se encontram na maioria dos casos a disposição 

de  qualquer  pessoa  para  sua  consulta  através  de  internet,  por  exemplo.  Para 

estruturar  estas  demandas,  e  por  ser  dos  movimentos  de  maior  complexidade 

logística, tomaram­se como referência Democracia Real Ya (DRY) e o 15M (movimento 

dos “Indignados”)  em  Espanha,  Occupy  Wall  Street  e  Anonymous:  1.  Direitos  e 

liberdades: básicos, individuais e grupais fundamentados na equidade; 2. Participação 

democrática: direta e contínua, apartidista, horizontal e assembleária; 3. Economia e 

fiscalidade:  equitativa,  com  controle  estatal  e  cidadão,  e  com  empoderamento  dos 

governos face ao capital; 4. Mudanças legislativas: leis eleitorais equitativas, separação 

de poderes real, abolição de  leis contrárias aos Direitos Humanos, e aplicação de  leis 

para  a  proteção  social;  5.  Dignificação  da  política:  perseguição  da  corrupção, 

eliminação  de  mordomias,  democratização  dos  partidos  políticos,  obrigação  de 

programas políticos vinculantes; 6. Serviços sociais públicos: universais e de qualidade, 

com  serviços  de  proteção  social  efetivos;  7. Mundo  trabalhista: medidas  contra  o 

desemprego, partilha do  trabalho, condições  trabalhistas e salário mínimo dignos; 8. 

Cultura  de  paz:  inclusão  como  pauta,  empoderamento  das  minorias,  os  saberes 

tradicionais,  cumprimento  das  leis  de memória  histórica  e  luta  contra  todo  tipo  de 

violência, exploração e discriminação; 9. Meios de  comunicação: democratização em 

sua posse e fortalecimento dos meios públicos, com  liberdade, ética e veracidade de 

jornalismo  independente; 10. Ciência,  tecnologia e propriedade  intelectual: cultura e 

ciência  públicas,  abertas,  livres  e  independentes,  apoiadas  em  plataformas  como 

Copyleft e software  livre; 11. Consciência planetária: democratização e uso ecológico 

dos  recursos  naturais,  justiça  climática  energética,  reforma  agrária  e  garantia  de 

soberania alimentar; 12. Desmilitarização: contra as guerras e o colonialismo, redução 

da despesa militar, fechamento das fábricas militares. 

  Estas reivindicações conjuntas estão relacionadas em maior ou menor medida 

com uma série de elementos constituintes da corrente libertária. Assim, as diferentes 

propostas  dentro  da  cada  movimento  foram  se  construindo  colaborativamente 

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durante meses  através  da  rede  e  de  forma  autônoma  e  autogestionada,  algo  que 

começou a aparecer e crescer especialmente em Maio do 68. “No núcleo da proposta

da autogestão acha­se a  ideia, muito cara a nossos avôs  libertários, de que o mundo 

pode funcionar sem padrões mas não pode o fazer sem trabalhadores… A autogestão

promove  a  organização  de  todos  e  não  uma  organização  acima  de  todos".  (Taibo, 

2013, p. 84). Assim mesmo, se mostram apartidários mas sim políticos, apostando pela 

democracia  direta  e  recusando  como  únicas  a  delegação  e  a  representação, 

procurando  ao  mesmo  tempo  crescentes  cotas  de  descentralização  e  redução  do 

tamanho das  comunidades políticas para  seu adequado  funcionamento democrático 

mediante o ciudadanismo e a soberania popular. Defende­se  também a necessidade 

de aprofundar nos valores democráticos, criticando por isso o uso que destes fazem as 

democracias  liberais  nas  que  o  poder  econômico  está  sobre  o  político  e  a  vontade 

popular. Certos posicionamentos anticapitalistas também são comuns, na luta contra a 

exclusão  e  a  exploração,  a  desigualdade  e  a  marginalização,  e  a  ordem  única  da 

propriedade  privada,  imaginando  um  novo  tipo  de  sociedade   (Errejón,  2011) 

desmercantilizada. O caráter pacifista e antimilitarista, contrário não só aos exércitos, 

senão fundamentalmente à violência estatal e estrutural, como a do empresário sobre 

o(a)  trabalhador(a),  a  do  homem  sobre  a  mulher,  a  da  polícia  contra  as  pessoas 

imigrantes  etc.  São  também  internacionalistas  e  localistas,  pelo  que  acham  que  é 

necessário atuar  localmente pensando globalmente. Ademais, utilizam o conceito de 

rede  para  a  construção  espacial  e  intelectual,  pelo  que  a  interconexão  múltipla 

assembleária e a horizontalidade são elementos constituintes, recusando o tradicional 

papel  das  lideranças  como  única  fórmula  de  articulação  coletiva.  Também,  o  forte 

caráter ecologista marca a cercania para correntes como a animalista e a vegana. 

  Para que os diferentes contextos educativos possam colaborar e se beneficiar 

dos avanços  sociais e em matéria de direitos e  liberdades, é necessário apostar por 

formação  humana,  ética,  solidária,  atual,  de  qualidade,  e  sobretudo  crítica,  e  que 

recolha as necessidades dos discentes, de modo que tenha acordos por aceitação das 

condições e não por coerção. Este último ponto é necessário para evitar a desconexão 

dos discentes do que sucede dentro das escolas e as salas, para o qual precisam gozar 

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de  autonomia  e  cotas  de  participação  efetiva  dentro  dos  diferentes  conselhos  e 

assembleias  escolares,  para  legitimar  assim  acordos  habitualmente  debilitados  pela 

ausência de equidade participativa entre os diferentes coletivos. Para lutar contra isto 

se utilizam  ferramentas  como  a  coeducação,  a  transmissão universal dos  saberes,  a 

instrução  integral,  a  relação  igualitária  entre  docente  e  discente,  a  confiança  na 

investigação científica... que são aspectos habituais na pedagogia libertária e que estão 

agora  presentes  em muitas  teorias  pedagógicas,  apesar  de  não  se  reconhecer  essa 

influência libertária. 

  Apostando  por  esse  tipo  de  educação,  esta  poderia  obter  suas  raízes 

epistemológicas de  fontes diversas, de  forma que  se exercite uma  filosofia  inclusiva 

dos  saberes,  e  que  tenha  seus  princípios  fundamentados  em modelos  fortemente 

baseados  na  solidariedade  e  a  benevolência,  para  o  qual  é  necessário  voltar  a 

enfrentar  as  questões  morais  com  valentia  à  hora  de  fazer  frente  às  lógicas 

utilitaristas.  Neste  sentido,  Santos  (2007)  sustenta  que  a  enorme  diversidade  do 

mundo não é atendida por sua diversidade epistemológica, que está por ser construída 

através do que denomina Ecologia de Saberes. É fundamental nela o reconhecimento 

da  pluralidade  de  conhecimentos  heterogêneos  para  construir  uma  nova  forma  de 

perceber  o mundo,  através  por  exemplo,  do  estudo  das  injustiças  e  a  história  da 

dominação,  bem  como de  possíveis  caminhos de  entendimento  e  colaboração para 

sua  solução. Uma educação comprometida com outra  forma de  lembrar, de pactuar 

entre seres humanos para conviver, tem que ter estes elementos muito em conta. O 

respeito e valorização de diferentes formas de ser, conhecer e aprender é fundamental 

para  uma  paz  social  verdadeira  e  não  imposta,  uma  paz  baseada  na  justiça 

epistemológica. 

  A melhora e potencialização da educação é um dos elementos  fundamentais 

das  reclamações  globais,  o  que  inclui  uma  elaboração  e  negociação  curricular  para

lutar por um mundo com democracias que se articulem na justiça social. Apesar de que 

na  listagem conjunta das demandas todas as categorias podem estar relacionadas de 

uma  ou  outra  forma  com  a  educação,  por  ser  esta  o  meio  social  básico  para  a 

aculturação,  há  alguns  pontos  que  estão  especialmente  unidos  com  ela  e  que  se 

VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos

681 ISSN 18089097 

GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

apoiam pontualmente em  trabalhos  teóricos prévios  (Apple & Beane, 2005; Connell, 

1997;  Dubet,  2005;  Nussbaum,  2006;  Rawls,  2002;  Riádigos  Mosquera,  2015; 

Rudduck &  Flutter,  2007;  Santos, 2007;  Sen,  2010;  Simons,  1999;  Torres  Santomé, 

2011; Young, 2011). Serão esses pontos os que se desenvolverão a seguir: 1. Direitos e 

liberdades:  educação pública de qualidade, dotação de  recursos  equitativa,  garantia 

das  liberdades  básicas  dos  diferentes  membros  nas  comunidades  educativas;  2.

Participação  democrática:  direta,  real  e  comprometida,  legislação  e  interações 

pessoais  horizontais,  colaboração  da  sociedade  na  escola,  inclusão  de  todo  tipo  de 

vozes  e  coletivos;  3.  Mudanças  legislativas:  recentralização  em  direitos  e 

descentralização na prática  educativa,  favorecimento da  autonomia  e  autogestão, 

avaliação  democrática;  4.  Dignificação  da  educação:  eliminação  de mordomias  por 

cargo, democratização da vida escolar e o curriculum, docentes com alta formação e 

permanente,  minimização  burocrática,  melhora  de  canais  e  vias  para  a 

comunicação,  corresponsabilidade  comunitária;  5.  Serviços  sociais  públicos:  ensino 

primário,  secundário  e  universitário  universais,  de  qualidade  e  públicos,  reforço  do 

espaço  público,  sistema  de  bolsas  e  ajudas;  6.  Cultura  de  paz:  convivência, 

entendimento, diálogo, negociação,  tolerância e  interculturalidade  como  vias para a 

paz,  empoderamento  de  pessoas  e  coletivos  minoritários,  educação  anticlassista, 

antirracista  e  antipatriarcal,  diversidade  e  inclusividade  curricular  e  cotidiana;  7. 

Ciência,  tecnologia e propriedade  intelectual:  aposta por habilidades  como a análise 

crítica do discurso e a aprendizagem em  rede, promoção do conhecimento e ciência 

públicos,  abertos,  e  independentes;  8.  Consciência  planetária:  valores  ecológicos, 

alfabetização cívica em defesa da  justiça energética, a sustentabilidade e cuidado do 

planeta, democratização e uso ecológico dos recursos naturais e a soberania alimentar. 

 

Repensar o currículo: práticas libertárias 

 

  No  final  do  século  XIX  e  início  do  século  XX  no  âmbito  educacional,  os 

movimentos  libertários  chamavam  a  atenção,  para  a mentira  que  era  uma  escola 

governamental que dizia pretender  formar  indivíduos  livres, pois, para as elites não 

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seria  necessário  formar  indivíduos  com  vontades  próprias,  questionadores,  que 

construam  seus  próprios  pensamentos  e  definam  seus  caminhos  como  queiram.  A 

educação tinha que mudar já que era muito classista e governada para os interesses do 

Estado (Codello, 2007). Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) não acreditava que a escola do 

governo  fosse  criar  um modelo  pedagógico  que  revolucionasse  o  sistema  social  e 

melhorasse  as  condições  de  vida  dos(as)  trabalhadores(as).  Esta  escola  iria,  sim, 

ensinar as pessoas pobres a aceitar a estrutura social vigente, e ensinar que só se pode 

conseguir  melhorias  com  o  esforço  próprio  e  dentro  da  classe  social  à  que  elas 

pertencem.  Esses  indivíduos  seriam  assim,  considerados  uma  ameaça  ao  sistema 

dominante  vigente,  que  só  formaria  aos  discentes  de  acordo  com  seus  planos  de 

manutenção da ordem social. 

  As  ideias  libertárias continuam vivas, e não  se pode conhecer a configuração 

atual  da  educação  sem  reconhecer  as  influências  provenientes  das  propostas 

libertárias. Questões como a participação escolar, a educação não formal, a autonomia 

dos centros educativos, a educação popular não podem ser compreendidas em  toda 

sua profundidade se não se vislumbram as abordagens feitas pelas teorias  libertárias 

da educação. 

  A primeira reflexão que fez Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) sobre a educação é 

que  esta  é  um  problema  político.  Os  modelos  pedagógicos  daquele  momento 

(educação estatal laica ao estilo francês ou ensino religioso) não lhe satisfaziam porque 

no  seu pensamento obedeciam aos  interesses do Estado e do  clero. A preocupação 

dos  governos  em  estender  a  educação  às  camadas  populares  se  devia  sobretudo  à 

necessidade de mão de obra qualificada para que as empresas pudessem melhorar a 

produção.  Assim,  a  escola  estatal  seria  percebida  como  um  meio  de  dominação 

burguesa para controlar a mentalidade da classe operária, e a escola confessional (ou 

catequese) um modo de seguir com a religião para evitar a libertação do povo. 

  Assim,  os(as)  libertários(as)  consideravam  a  ação  educacional  imprescindível 

para  a  transformação  das  relações  sociais  e  econômicas.  As  práticas  pedagógicas 

libertárias pretendiam que os discentes fossem capazes de tomar decisões e que assim 

se responsabilizassem por seus atos. Não há democracia, liberdade e equidade, se não 

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contarmos com pessoas conscientes, capazes de pensar e decidir por si mesmas. Nesta 

concepção,  faz parte  do  processo  educativo  a  liberdade, para que os(as)  alunos(as) 

possam  demonstrar  livremente  o  que  pensam  e  serem  reconhecidos  em  sua 

individualidade.  O  ensino  tradicional  burguês  interessa  àqueles(as)  que  desejam 

reforçar na escola as desigualdades sociais e econômicas, sendo assim um espelho da 

sociedade. O(a)  aluno(a)  é  recompensado(a)  pela  obediência  e  estimulado(a)  a  não 

pensar. 

  Francisco Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) deixou claro em suas afirmações que a 

promoção  da  autonomia  do(a)  aluno(a)  é  fundamental  para  o  desenvolvimento  de 

todas as suas potencialidades, assim como a  liberdade e a felicidade do ser humano. 

No  pensamento  libertário  de  Godwin  (Codello,  2007),  a  política  e  a  educação  são 

fundamentais para entender ao  ser humano e sua história de dominação. Para este, 

todos(as) somos iguais por natureza. Porém, o domínio de um ser humano sobre outro 

só poderia ser entendido por meio do autoritarismo. No âmbito da educação defendia 

que  nada  poderia  ser  imposto  à  força,  os  discentes  deveriam  se  guiar  por  sua 

curiosidade e não por uma imposição. Em sua principal obra, afirmava que a felicidade 

é o principal objetivo das pessoas, a qual não  se conseguiria  sem  liberdade,  razão e 

justiça.  E  para  sermos  seres mais  justos  em  nossas  ações  cotidianas  necessitamos 

melhorar nossa razão, que depende fundamentalmente do conhecimento. Portanto, o 

verdadeiro  objetivo da  educação  é  provocar  a  felicidade  individual,  e  em  seguida  a 

coletiva. Promover condições para que as pessoas se sintam úteis, sendo assim que a 

educação se basearia em três pilares: felicidade, virtude e sabedoria. 

  Portanto,  a  pedagogia  racional  libertária  possibilitaria  o  pensar  livre  do  ser 

humano, sem interferências doutrinárias e ideais preconcebidos, fazendo da escola um 

lugar em que não se reproduz a  lógica da exclusão. E esse é o objetivo da educação 

libertária: emancipar o indivíduo, para que este seja capaz de transformar a sociedade. 

Nessa perspectiva, Paul Robin (apud GALLO, 1997) afirma que a educação integral, 

 [...] se esforça por facilitar a eclosão e o desenvolvimento de todas as faculdades da criança,  para  permitir­lhe  o  conhecimento  de  todos  os  ramos  do  conhecimento humano e de sua atividade, de modo que ele não faça outras aquisições que não sejam aquelas baseadas na verdade científica. No entanto, depois de haver dado a todos esta base indispensável de realidade objetiva, deixa a cada um o cuidado de 

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continuar seu desenvolvimento, de levá­lo a fundo, segundo os acontecimentos, as necessidades e das capacidades especiais somente nos ramos dos quais dependa a satisfação de suas necessidades físicas e psíquicas (ROBIN, s/d apud GALLO, 1997, s/p.)  

  A  experiência  escolar  em  que  a  autonomia  é  vivida  intencionalmente, 

possibilita o surgimento de um novo tipo de  indivíduo, que rompe com as estruturas 

hierarquizadas  e  que  possui  capacidade  para  fazer  germinar  um  novo  tipo  de 

sociedade;  por  isso  a  importância  do  coletivo.  Para  Proudhon  (Codello,  2007),  a 

educação tem papel fundamental e precisaria de mudanças significativas,  já que esta 

era  classista e  governada de acordo  com os  interesses do Estado,  logo das elites. A 

principal  função da escola  seria assim preparar as pessoas para o  trabalho, desde o 

crescimento pessoal e da felicidade. Pois, o trabalho não seria alienado nas fábricas, e 

si  uma  instrução  politécnica  o  trabalho  manual  como  fonte  de  formação.  Para 

Proudhon,  igual  como  se  passa  na  ciência,  no  trabalho  tem  mais  valor  quem 

experimenta  do  que  quem  o  pensa.  Não  existe  portanto,  conhecimento  sem  a 

experiência. 

  Como o conhecimento se tece em rede (Santos, 2001), partimos desta premissa 

para  entendermos  como  a  experiência  do  diretor  Orlando  Corrêa  Lopes  nos 

movimentos sociais, da Escola Visconde de Mauá, se fez  importante em seu processo 

de (re)criação do currículo da escola que dirigiu. Segundo Kropotkin (Codello, 2007), a 

anarquia  era  a  organização  da  solidariedade  e  o  Estado  era  o  reino  do  egoísmo. 

Portanto, a divisão hierárquica do  trabalho apoiada na divisão do  trabalho manual e 

intelectual é um dos principais  assuntos das desigualdades  sociais, e para  combater 

esta desigualdade a formação integral era naquele momento a que mais contemplava. 

Dentro  desta,  a  ciência  e  a  tecnologia  seriam  fundamentais  para  igualar  as 

desigualdades verticais. 

  O pensamento libertário considera a individualidade, aquilo que torna cada ser 

único,  como um  aspecto  importante  da  humanidade,  reconhecendo  que  não  existe 

individualidade  fora  da  sociedade,  pois  cada  pessoa  necessita  das  outras  para  se 

desenvolver.  E,  portanto,  os  sujeitos  crescem  dentro  e  por  uma  sociedade  que,  ao 

mesmo  tempo  que  forma  esses  sujeitos  é  por  eles  modificada.  E  para  tanto,  a 

liberdade é essencial, pois estar sob o domínio do outro é ser privado de desenvolver a 

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própria  individualidade.  Pois,  se  a  liberdade  é  essencial  para  o  desenvolvimento da 

individualidade, a equidade é essencial para que exista a verdadeira liberdade. Não há 

liberdade real em uma sociedade hierárquica, com desigualdades sociais. 

  No início do século XX, o Brasil estava em um processo de mudanças cruciais, e 

neste momento foi criada pelo Estado do Rio de Janeiro, a Escola Profissional Visconde 

de Mauá,  no  bairro  de Marechal  Hermes. Uma  escola  profissional  onde  apenas  se 

admitia alunos do sexo masculino, e que em determinado momento,  foi dirigida por 

um militante anarquista da época, Orlando Corrêa Lopes. Este, ao assumir a direção 

desta escola participava, concomitantemente, de assembleias e comícios em prol de 

melhores condições de  trabalho dos operários, experiências essas que na concepção 

de Proudhon (Codello, 2007) podem ser importantes ao diretor de uma escola técnica, 

não esquecendo que assembleias eram o principal meio de participação para tomadas 

de decisões do movimento libertário. 

  Considerando  o  movimento  anarquista  como  espaço­tempo  de  formação, 

refletimos  sobre  a  perspectiva  reducionista  do  conceito moderno  de  produção  de 

conhecimento. A experiência social em todo mundo é muito mais ampla e variada do 

que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante. 

Assim,  para  combater  o  desperdício  da  experiência  social  não  basta  tentar  dar

visibilidade  a  esses  diferentes  espaços  que  são marginalizados, mas  também  se  faz 

necessário propor um diferente modelo de racionalidade, ou seja, novas maneiras de 

conceber e conhecer o mundo (Santos, 2001). 

  Sendo assim, pode exemplificar uma notícia do periódico Correio da Manhã do 

dia 8 de outubro de 1910,  com  textos na  íntegra para poder desinvisibilizar  indícios 

(Ginzburg,  2001) de  como  os  currículos praticados  dessa  escola  estavam  enredados 

pelos saberesfazeres de Orlando Corrêa Lopes, que também fazia parte de uma série 

de movimentos  libertários em prol de melhores condições de trabalho dos operários, 

em congressos anarquistas defendendo a liberdade e solidariedade do ser humano. 

  No periódico A RUA, de 24 maio de 1915, com o título de “Os anarchistas

querem a paz sem vencidos nem vencedores”. Congresso a realizar­se no Rio – Uma 

palestra com o Dr. Orlando Lopes. 

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  Foi  quasi  de  surpreza  que  se  soube  estar  para  reunir–se  nesta  cidade  um 

congresso  de  anarchistas  sul–americanos,  cujos  intuitos  principaes  são  o  de  acabar 

com a guerra que ensanguenta a Europa e a organização definitiva desse partido de 

ideias avançadas no nosso continente… Essa paz não deve ser entretanto,  uma  paz 

firmada pelos governantes à  revelia do povo, mas uma paz,  sem  vencedores  e  nem 

vencidos, imposta justamente pelo povo, de modo a não continuar o regime militarista 

actual… (A RUA,1915, p. 1) 

  No periódico GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), de 21 de julho de 1917, sob o título de 

“A cultura das terras do Distrito Federal: O ensino prático da agricultura”. O prefeito

faz observações e visita a Escola Profissional Visconde de Mauá. 

  ...Parece,  a primeira  vista, que  o Dr. Amaro Cavalcanti  foi apenas  visitar por 

curiosidade, a escola Visconde de Mauá... 

  A SOPA 

  A sopa é uma nova medida creada pela Escola Visconde de Mauá. Como parte 

dos alumnos não podem frequentar as aulas, pela manhã, por não possuírem dinheiro 

para  acquisição  de  alimentação,  devido  ao  estado  de  pobreza  em  que  vivem  o  Dr. 

Orlando  Lopes  adotou  essa  allegação  e  resolveu  fazer  uma  sopa,  com  elementos 

colhidos da lavoura da escola, boa batata, bom aipim e boas verduras. 

  A cozinha para preparar essa alimentação  já  foi construída pelos alumnos da 

profissão de pedreiro e será inaugurada brevemente, com isso a frequência aumentará 

consideravelmente. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1917, p. 1) 

  Esta  notícia  acima  conta  a medida  que  foi  adotada:  fazer uma  sopa  com  os 

próprios alimentos cultivados e produzidos pelos(as) alunos(as). Esta é uma tentativa 

clara de trazer à escola esses que não podiam se manter por falta de dinheiro. Mesmo 

com  as  disciplinas  fechadas  em  disciplinas  técnicas,  o  grupo,  diretor  e  discentes, 

abriram uma brecha para a compreensão das experiências que nascem à margem do 

que é colocado como “verdade” e norma, foram capazes de reinventar formas

alternativas ao que é  instituído. Os possíveis combinados  ilegíveis e  invisíveis à  lógica 

da  fragmentação  científica  dão  novos  sentidos  a  partir  de  outros  interesses,  não 

menos conflitantes e provisórios, fazendo emergir novas formas de conhecer e intervir 

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no mundo. Como esse diretor que “contaminava” com suas experiências de luta nos

sindicatos  em  prol  dos(as)  trabalhadores(as),  esses  discentes,  que  seriam  possíveis 

trabalhadores(as)  e militantes  em  busca  de  seus  direitos,  e  de  outros  sujeitos  em 

outros  espaços/tempos.  Portanto,  os  mecanismos  de  consolidação  e 

institucionalização  das  disciplinas  escolares  eram  reformulados  em  virtude  de 

objetivos e  interesses múltiplos  situados no  campo  social. Assim, a escola articulava 

seu  trabalho  em  prol  de  uma  formação  das  classes  dos(as)  trabalhadores(as), 

contribuindo  na  construção  de  suas  identidades,  enquanto  sujeitos  inseridos  em 

diferentes espaços estruturais na sociedade. 

  Desinvisibilizando essa prática da “sopa”, como elemento do cotidiano que

evidencia  práticas  e  diálogos  entre  conhecimentos  para  além  das  normas  (Santos, 

2001),  podemos  proporcionar  a  possibilidade  de  perceber  não  apenas  o  óbvio  das 

monoculturas hegemônicas, mas também os seus outros. Nas práticas emancipatórias, 

como  esta  da  sopa,  há  situações  exemplares  de  ruptura  com  as monoculturas  que 

caracterizam a sociedade contemporânea, apresentando evidências de pluralização de

conhecimentos e culturas em relações menos hierárquicas e mais ecológicas, nas quais 

o reconhecimento mútuo emerge (Santos, 2004). 

  Essa  horizontalidade  almejada  pode  ser  encontrada,  embora  de  modo 

marginal,  na  pluralidade  de  conhecimentos,  valores  e  crenças  presentes  nas  ações 

cotidianas, na perspectiva de que  a  ideia de pluralidade pressupõe os princípios de 

autonomia,  liberdade,  solidariedade,  respeito  às  diferenças  e  principalmente,  o 

reconhecimento  do outro  como  legítimo  outro  (Maturana,  2002)  e  que  o  cotidiano 

pesquisado  é  portador  de múltiplos  sentidos, múltiplas  riquezas,  sendo  impossível 

encontrarmos nele apenas uma ‘verdade’. Na multiplicidade do real, fazem­se 

presentes muitas ‘verdades’. Assim, a inclusão educativa exige entender que devemos

avançar desde a multiculturalidade para chegar a interculturalidade, entendendo esta 

última não como uma opção, mas sim como um feito, já que é a própria natureza das 

culturas, híbridas e amplamente mescladas  (Bhabha, 2011) durante  séculos, e agora

vivem esse processo multiplicado nas sociedades globalizadas.  

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  A forma de produzir um currículo democrático está associada ao modo como os 

sujeitos praticantes dessa escola vivem suas experiências e concebem a democracia. 

As  maneiras  de  fazer  sempre  plurais,  e  coletivas,  inventam  práticas  capazes  de 

produzir  conhecimento  próprio.  Compreendendo  a  escola  como  um  campo  social 

plural,  do  qual  participam  diferentes  vozes  que  se  caracterizam  pela  interação  e 

hibridização de ideias, modelos institucionais e práticas. Há que se considerar que esse 

espaço coletivo produz diversidades e desigualdades. Porém esse conjunto de diretor, 

contramestres,  professores(as)  e  discentes  que  se  unem  em  prol  da  construção da 

escola  para  todos(as)  é  constituído  do  múltiplo,  diverso  e  heterogêneo,  e  se 

caracteriza  pela  possibilidade  de  potencializar  a  diferença  dos  grupos  sociais.  O 

currículo  praticado  na  diferença  requer  dos(as)  praticantes  o  desprendimento  de  si 

pela impossibilidade de totalidade do “eu”, ou seja, há uma comunidade de vontades e

perspectivas que se afetam e se colocam em transformação. 

 

 Conclusões 

 

  A  atual  efervescência  de  movimentos  sociais  marcados  por  sua  crescente 

heterogeneidade  e  em  contestação  às  ameaças  ao  bem­estar  social,  vem 

acompanhada pelas lógicas diferenças internas relacionadas com aspectos geográficos, 

linguísticos ou culturais, mas destacando as suas muitas similitudes e possibilidades de 

confluência,  que  podem  ser  reforçadas  à  hora  de  imaginar  uma  resposta  cívica  e 

democrática à tentativa de enfraquecer o conseguido em matéria de redistribuição de 

bens e oportunidades. Não só é possível o entendimento  intercultural e baseado em 

princípios libertários, senão também é desejável a nível estratégico pensando em uma 

alternativa verdadeiramente democrática à que cresce sem parar na atualidade. 

  Os  sistemas educativos e  todos os membros que os  compõem  têm uma boa 

oportunidade  para  jogar  um  papel  importante  para  ser  um  dos  mecanismos  de 

contestação à ideologia e práticas neoliberais a partir da elaboração curricular. Podem 

beber  de  seu  meio  e  dos  movimentos  sociais  para  fortalecer­se  internamente  e 

devolver  à  sociedade  formação  cívica, democrática  e  libertária,  em um processo de 

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retroalimentação que deveria  ser natural em uma  concepção ecológica dos  saberes. 

Para  isto, pode estabelecer pontes e vias de negociação e diálogo com seu contexto 

local e também global, empoderar­se através de um esforço conjunto e coordenado a 

nível  interno e também social, para poder ter peso e participação em um projeto de 

construção social e internacional de democracias participativas e justiça social. 

  A possibilidade de participação e decisão coletiva implica o diálogo na equidade 

e  na  conciliação  dos  pontos  de  vista.  Encontrar  o  outro,  trabalhar  juntos(as),  e 

cooperar para a melhoria da escola são indícios de um currículo praticado pautado na 

equidade e na democracia, que não está descrito no currículo formal. 

  A prática da participação coletiva,  indicada na notícia do  jornal, é uma  forma, 

mesmo  que  indireta,  de  luta  pela  democratização  dos  processos  escolares.  A 

autonomia  e  a  participação  são  princípios  fundamentais  para  esse  objetivo.  As 

dificuldades e  lutas cotidianas em busca de relações mais equitativas vão  imprimindo 

seu  caráter  complexo  e  dinâmico,  ampliando  a  possibilidade  de  ações  em 

microespaços sociais como a escola, em que praticantes da vida cotidiana, com seus 

modos  particulares  de  compreender  e  realizar  o  que  lhes  parece  permanente, 

produzem  outros  novos  conhecimentos  capazes,  mesmo  que  minimamente,  de 

resolver seus problemas. Portanto, o currículo inclui práticas emancipatórias, à medida 

que  em  seu  cotidiano,  o  professorado  pode  experimentar  e  transmitir  valores 

potencializadores  de  dinâmicas  sociais  democráticas.  A  teoria  formulada  por 

Boaventura  Santos  dialoga  satisfatoriamente  com  as  perspectivas  de  democracia 

encontradas nos currículos praticados, transpassando o currículo instituído. 

 

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