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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos
674 ISSN 18089097
GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS
EXPERIÊNCIAS LIBERTÁRIAS: DIFERENTES MOVIMENTOS SOCIAIS NA (RE)CRIAÇÃO CURRICULAR
MOSQUERA, Carlos Riádigos2
ESTEVES, Suzana Martins3
RESUMO A educação e todo aquilo que a compõe como sistema para formar a seres humanos é em si mesma uma malha ideológica e social que ao mesmo tempo esta inserida dentro de diferentes sociedades, as quais interagem com ela em maior ou menor medida. Para compreender estes processos de interação precisamos entender as dinâmicas de pensamento e ação tanto das próprias escolas como de seu meio, o que supõe aprofundar a nível epistemológico e social para encontrar elementos constituintes e provocadores de práticas e ações. Partindo disto, se pretende em este trabalho entender como distintas experiências libertárias existiram e existem em diferentes movimentos sociais, e como estas podem influenciar o processo de criação curricular, entendendo–as como inseridas numa rede de saberesfazerespoderes que movimenta o cotidiano escolar. Sendo assim, fazse necessário encontrar e articular práticas cotidianas, talvez influenciadas pelas experiências libertárias, pensando também comodiferentes movimentos sociais contemporâneos interagem com estas. Palavraschave: Currículo. Cotidiano. Educação Libertária. Democracia. Movimentos Sociais. ABSTRACT Education and all that which makes up as a system to form human beings is in itself an ideological and social network and at the same time is inserted within different societies, which interact with it to a greater or lesser extent. To understand these processes of interaction we need to understand the dynamics of thought and action of both the schools themselves as their midst, which means deepening the epistemological and social level to find constituents and provocative practices and action elements. From this, it is intended in this work to understand how distinct libertarian experiences existed and exist in different social movements, and how these
2 (Pósdoutorando do Programa de PósGraduação em Educação/Faculdade de Educação, UFV – Universidade Federal de Viçosa, Grupo de Estudos: Cotidianos em Devir, coordenado pelo professor Doutor Eduardo Simonini Lopes, MG, Brasil, email: [email protected])
3 (Mestra pelo Programa de PósGraduação em Educação/Faculdade de Formação de Professores, UERJ
– Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Grupo de Estudos: Redes de conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano escolar, coordenado pela Professora Doutora Inês Barbosa de Oliveira., Rio de Janeiro/RJ, Brasil, email: [email protected])
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can influence the process of curriculum creation, understanding them as a knowledgesdoings entangled network that moves the school routine. Therefore, it is necessary to find and articulate everyday practices, perhaps influenced by the libertarian experiments also thinking how different contemporary social movements interact with them.
Key words: Curriculum. Daily life. Libertarian education. Democracy. Social movements.
Pensamentoação libertário: movimentos sociais contemporâneos e educação
O relato póscolonial (Dussel, 2008; Santos, 2007) veio a marcar
significativamente as identidades nos movimentos dos anos 60, que sacudiram a
algumas sociedades ante diferentes injustiças globais deixando o discurso nacional e
de utilidade (Rawls, 2002) em um segundo plano. Nos Estados Unidos, os movimentos
hippie e pacifista fizeram questão de relacionar as intervenções militares com a busca
de lucro por parte da indústria armamentística, com a guerra de Vietnã como exemplo
paradigmático. Esta atividade serviu como ponto de referência para o movimento
estudantil europeu de 68, que junto aos incipientes sucessos feministas, antirracistas e
indígenas podiam presagiar grandes e iminentes mudanças.
Os movimentos sociais contemporâneos bebem de correntes culturalistas e
póscoloniais e nutremnas ao mesmo tempo. A isto lhe acompanha uma perspectiva
neomarxista e fenomenológica em frente a análises mais estruturais e marxistas de
décadas anteriores, pelo que as subjetividades coletivas, as redes de pertence, a
relação entre o local/global ou as redes sociais digitais jogam um papel de crescente
relevância (Gohn, 2012). São portanto novas formas de organização do protesto e a
ação coletiva, com elementos definitórios como (Gohn & Bringel, 2012, p. 9): a)
aparecimento de um ativismo internacional e multinacional multiescalar com novas
temáticas, relações e instrumentos de ação; b) uma renovação dos atores sociais,
desde posições de esquerda e opostos a regimes militares, para o ativismo indígena e
rural ou em defesa da diversidade cultural e sexual; c) o paradoxo democrático de que
os povos exigem a cada vez mais democracia e ao mesmo tempo que a representação
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institucional é a cada vez mais questionada; d) as grandes mudanças no palco
internacional e no regional; e) a crítica ao eurocentrismo e ao "ocidocentrismo",
abandonando discursos como primeiro e terceiro mundo ou centro e periferia, para
outros como nortesul, localglobal, ou inclusive o "glocal".
A influência exercida pela corrente libertária nestes movimentos
contemporâneos é importante e não pode ser deixada de lado à hora de aprofundar
sobre as raízes do pensamento dos mesmos. E é que estes desejos libertários não têm
data de início, vêm acompanhando ao ser humano desde sempre. Assim, o
antiautoritarismo pode ser visto no pensamento socrático, a filosofia estoica, a cultura
do taoísmo e inclusive no budismo.
As mesmas tensões éticas e culturais podem ser encontradas na revolução de Espartaco; nas lutas medievais; na organização comunal italiana; nos elementos mais radicais da revolta dos camponeses em Alemanha no século 16; nas revoluções americana e francesa no final do 18; nos amplos setores do iluminismo; na dimensão mais acentuada e radical da unificação italiana; Na organização das comunidades camponesas na Rússia zarista; E todas as revoluções e formas de rebelião individual e coletiva que reivindicam uma maior autonomia e uma liberdade mais ampla. (Codello, 2007, p. 16)
Estas novas formas de pensamento e organização social emergentes situam o
debate não só nos aspectos econômicos, senão também nos relacionados com a
própria forma de viver e nos organizar, possibilitando que sejam focados desde
diversos campos de conhecimento. Desde sua heterogeneidade, se vislumbra um
verdadeiro ressurgimento de qualidades como a compaixão, a solidariedade e uma
ética perigosamente igualitária (Davis, 2012), brindando caminhos muito interessantes
para pensar a nível educativo desde uma perspectiva democrática baseada na justiça
social (Riádigos Mosquera, 2015).
As contribuições à justiça social de muitos desses movimentos contemporâneos
são importantes para ampliar as concepções que sobre esses dois conceitos se
manejam tanto a nível social como acadêmico. Compartilham uma clara tendência
para a equidade, entendendo que “a justiça social pode e deve ser equitativa, o que
implica que possa ser parcial, dado que obriga a prestar mais atenção e ajuda às
pessoas e coletivos sociais mais desfavorecidos” (Riádigos Mosquera, 2015, p. 11). Esta
forma de entender a justiça social vê na democracia não só um sistema de organização
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social baseado em leis e instituições, senão também um conjunto de ideias e intenções
relacionadas com a solidariedade, a cooperação, a paz, a interculturalidade, a
ecologia… e em definitiva valores que suponham um benefício social que caminhe
principalmente em duas direções: 1. Centrar nas maiorias sociais, as mesmas que se
têm que conformar com o 60% dos recursos mundiais já que o 1% controla o 40%
restante (Stiglitz, 2011); 2. Superar a ideia de benefício unicamente sujeita aos bens
materiais, ampliando a mesma para dimensões como a felicidade e o bemestar geral,
a bondade, o altruísmo (Kourilsky, 2012), etc. Estes movimentos propuseram
importantes contribuições nesta direção, fazendo que sua horizontalidade e
heterogeneidade constituintes sejam também propostas políticas a discutir para
implementar no resto da sociedade, baseando nessas ideias.
Uma base comum destas mobilizações em diferentes continentes é o desejo de
que o núcleo das decisões e debate sociopolíticos se centrem em todos os seres
humanos e situem o benefício econômicofinanceiro ao serviço das populações e de
forma sustentável com o planeta. Seu permanente processo de reinvenção e sua
heterogeneidade intra e intergrupal, conformam outros dois rasgos definitórios; esta
diversidade, apesar de marcar diferenças locais e/ou culturais entre pessoas e grupos,
pode ser entendida como uma fortaleza democrática que não perde de vista essa base
comum contra o domínio hegemônico financeiro.
Recolhem ademais alguns aspectos dos movimentos antiglobalização,
protagonistas a partir de momentos como o levantamento zapatista de 1994, as
manifestações de Seattle em 1999 contra a OMC e em 2000 contra o FMI, e de Génova
em 2001 contra a reunião do G8, experiências que marcaram uma nova forma de
protestar, mais diversa e global, com identidades translocais e em movimento,
escapando da exclusividade do contexto nacional (Carballo da Riva & Echart Muñoz,
2012).
Compartilham uma série de reivindicações de mudança ante situações que
consideram incompatíveis com a democracia baseada na equidade. Apesar de suas
diferenças, têm em comum, em todos os casos, a preocupação pelo caminho que suas
sociedades estão tomando baixo a influência neoliberal. Suas demandas expressamse
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habitualmente em plataformas tanto do espaço público real como virtual, através de
assembleias, ocupações, manifestações, conferências, grupos de trabalho, foros, sites,
wikis, blogs, redes sociais, etc., e que se encontram na maioria dos casos a disposição
de qualquer pessoa para sua consulta através de internet, por exemplo. Para
estruturar estas demandas, e por ser dos movimentos de maior complexidade
logística, tomaramse como referência Democracia Real Ya (DRY) e o 15M (movimento
dos “Indignados”) em Espanha, Occupy Wall Street e Anonymous: 1. Direitos e
liberdades: básicos, individuais e grupais fundamentados na equidade; 2. Participação
democrática: direta e contínua, apartidista, horizontal e assembleária; 3. Economia e
fiscalidade: equitativa, com controle estatal e cidadão, e com empoderamento dos
governos face ao capital; 4. Mudanças legislativas: leis eleitorais equitativas, separação
de poderes real, abolição de leis contrárias aos Direitos Humanos, e aplicação de leis
para a proteção social; 5. Dignificação da política: perseguição da corrupção,
eliminação de mordomias, democratização dos partidos políticos, obrigação de
programas políticos vinculantes; 6. Serviços sociais públicos: universais e de qualidade,
com serviços de proteção social efetivos; 7. Mundo trabalhista: medidas contra o
desemprego, partilha do trabalho, condições trabalhistas e salário mínimo dignos; 8.
Cultura de paz: inclusão como pauta, empoderamento das minorias, os saberes
tradicionais, cumprimento das leis de memória histórica e luta contra todo tipo de
violência, exploração e discriminação; 9. Meios de comunicação: democratização em
sua posse e fortalecimento dos meios públicos, com liberdade, ética e veracidade de
jornalismo independente; 10. Ciência, tecnologia e propriedade intelectual: cultura e
ciência públicas, abertas, livres e independentes, apoiadas em plataformas como
Copyleft e software livre; 11. Consciência planetária: democratização e uso ecológico
dos recursos naturais, justiça climática energética, reforma agrária e garantia de
soberania alimentar; 12. Desmilitarização: contra as guerras e o colonialismo, redução
da despesa militar, fechamento das fábricas militares.
Estas reivindicações conjuntas estão relacionadas em maior ou menor medida
com uma série de elementos constituintes da corrente libertária. Assim, as diferentes
propostas dentro da cada movimento foram se construindo colaborativamente
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durante meses através da rede e de forma autônoma e autogestionada, algo que
começou a aparecer e crescer especialmente em Maio do 68. “No núcleo da proposta
da autogestão achase a ideia, muito cara a nossos avôs libertários, de que o mundo
pode funcionar sem padrões mas não pode o fazer sem trabalhadores… A autogestão
promove a organização de todos e não uma organização acima de todos". (Taibo,
2013, p. 84). Assim mesmo, se mostram apartidários mas sim políticos, apostando pela
democracia direta e recusando como únicas a delegação e a representação,
procurando ao mesmo tempo crescentes cotas de descentralização e redução do
tamanho das comunidades políticas para seu adequado funcionamento democrático
mediante o ciudadanismo e a soberania popular. Defendese também a necessidade
de aprofundar nos valores democráticos, criticando por isso o uso que destes fazem as
democracias liberais nas que o poder econômico está sobre o político e a vontade
popular. Certos posicionamentos anticapitalistas também são comuns, na luta contra a
exclusão e a exploração, a desigualdade e a marginalização, e a ordem única da
propriedade privada, imaginando um novo tipo de sociedade (Errejón, 2011)
desmercantilizada. O caráter pacifista e antimilitarista, contrário não só aos exércitos,
senão fundamentalmente à violência estatal e estrutural, como a do empresário sobre
o(a) trabalhador(a), a do homem sobre a mulher, a da polícia contra as pessoas
imigrantes etc. São também internacionalistas e localistas, pelo que acham que é
necessário atuar localmente pensando globalmente. Ademais, utilizam o conceito de
rede para a construção espacial e intelectual, pelo que a interconexão múltipla
assembleária e a horizontalidade são elementos constituintes, recusando o tradicional
papel das lideranças como única fórmula de articulação coletiva. Também, o forte
caráter ecologista marca a cercania para correntes como a animalista e a vegana.
Para que os diferentes contextos educativos possam colaborar e se beneficiar
dos avanços sociais e em matéria de direitos e liberdades, é necessário apostar por
formação humana, ética, solidária, atual, de qualidade, e sobretudo crítica, e que
recolha as necessidades dos discentes, de modo que tenha acordos por aceitação das
condições e não por coerção. Este último ponto é necessário para evitar a desconexão
dos discentes do que sucede dentro das escolas e as salas, para o qual precisam gozar
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de autonomia e cotas de participação efetiva dentro dos diferentes conselhos e
assembleias escolares, para legitimar assim acordos habitualmente debilitados pela
ausência de equidade participativa entre os diferentes coletivos. Para lutar contra isto
se utilizam ferramentas como a coeducação, a transmissão universal dos saberes, a
instrução integral, a relação igualitária entre docente e discente, a confiança na
investigação científica... que são aspectos habituais na pedagogia libertária e que estão
agora presentes em muitas teorias pedagógicas, apesar de não se reconhecer essa
influência libertária.
Apostando por esse tipo de educação, esta poderia obter suas raízes
epistemológicas de fontes diversas, de forma que se exercite uma filosofia inclusiva
dos saberes, e que tenha seus princípios fundamentados em modelos fortemente
baseados na solidariedade e a benevolência, para o qual é necessário voltar a
enfrentar as questões morais com valentia à hora de fazer frente às lógicas
utilitaristas. Neste sentido, Santos (2007) sustenta que a enorme diversidade do
mundo não é atendida por sua diversidade epistemológica, que está por ser construída
através do que denomina Ecologia de Saberes. É fundamental nela o reconhecimento
da pluralidade de conhecimentos heterogêneos para construir uma nova forma de
perceber o mundo, através por exemplo, do estudo das injustiças e a história da
dominação, bem como de possíveis caminhos de entendimento e colaboração para
sua solução. Uma educação comprometida com outra forma de lembrar, de pactuar
entre seres humanos para conviver, tem que ter estes elementos muito em conta. O
respeito e valorização de diferentes formas de ser, conhecer e aprender é fundamental
para uma paz social verdadeira e não imposta, uma paz baseada na justiça
epistemológica.
A melhora e potencialização da educação é um dos elementos fundamentais
das reclamações globais, o que inclui uma elaboração e negociação curricular para
lutar por um mundo com democracias que se articulem na justiça social. Apesar de que
na listagem conjunta das demandas todas as categorias podem estar relacionadas de
uma ou outra forma com a educação, por ser esta o meio social básico para a
aculturação, há alguns pontos que estão especialmente unidos com ela e que se
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apoiam pontualmente em trabalhos teóricos prévios (Apple & Beane, 2005; Connell,
1997; Dubet, 2005; Nussbaum, 2006; Rawls, 2002; Riádigos Mosquera, 2015;
Rudduck & Flutter, 2007; Santos, 2007; Sen, 2010; Simons, 1999; Torres Santomé,
2011; Young, 2011). Serão esses pontos os que se desenvolverão a seguir: 1. Direitos e
liberdades: educação pública de qualidade, dotação de recursos equitativa, garantia
das liberdades básicas dos diferentes membros nas comunidades educativas; 2.
Participação democrática: direta, real e comprometida, legislação e interações
pessoais horizontais, colaboração da sociedade na escola, inclusão de todo tipo de
vozes e coletivos; 3. Mudanças legislativas: recentralização em direitos e
descentralização na prática educativa, favorecimento da autonomia e autogestão,
avaliação democrática; 4. Dignificação da educação: eliminação de mordomias por
cargo, democratização da vida escolar e o curriculum, docentes com alta formação e
permanente, minimização burocrática, melhora de canais e vias para a
comunicação, corresponsabilidade comunitária; 5. Serviços sociais públicos: ensino
primário, secundário e universitário universais, de qualidade e públicos, reforço do
espaço público, sistema de bolsas e ajudas; 6. Cultura de paz: convivência,
entendimento, diálogo, negociação, tolerância e interculturalidade como vias para a
paz, empoderamento de pessoas e coletivos minoritários, educação anticlassista,
antirracista e antipatriarcal, diversidade e inclusividade curricular e cotidiana; 7.
Ciência, tecnologia e propriedade intelectual: aposta por habilidades como a análise
crítica do discurso e a aprendizagem em rede, promoção do conhecimento e ciência
públicos, abertos, e independentes; 8. Consciência planetária: valores ecológicos,
alfabetização cívica em defesa da justiça energética, a sustentabilidade e cuidado do
planeta, democratização e uso ecológico dos recursos naturais e a soberania alimentar.
Repensar o currículo: práticas libertárias
No final do século XIX e início do século XX no âmbito educacional, os
movimentos libertários chamavam a atenção, para a mentira que era uma escola
governamental que dizia pretender formar indivíduos livres, pois, para as elites não
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seria necessário formar indivíduos com vontades próprias, questionadores, que
construam seus próprios pensamentos e definam seus caminhos como queiram. A
educação tinha que mudar já que era muito classista e governada para os interesses do
Estado (Codello, 2007). Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) não acreditava que a escola do
governo fosse criar um modelo pedagógico que revolucionasse o sistema social e
melhorasse as condições de vida dos(as) trabalhadores(as). Esta escola iria, sim,
ensinar as pessoas pobres a aceitar a estrutura social vigente, e ensinar que só se pode
conseguir melhorias com o esforço próprio e dentro da classe social à que elas
pertencem. Esses indivíduos seriam assim, considerados uma ameaça ao sistema
dominante vigente, que só formaria aos discentes de acordo com seus planos de
manutenção da ordem social.
As ideias libertárias continuam vivas, e não se pode conhecer a configuração
atual da educação sem reconhecer as influências provenientes das propostas
libertárias. Questões como a participação escolar, a educação não formal, a autonomia
dos centros educativos, a educação popular não podem ser compreendidas em toda
sua profundidade se não se vislumbram as abordagens feitas pelas teorias libertárias
da educação.
A primeira reflexão que fez Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) sobre a educação é
que esta é um problema político. Os modelos pedagógicos daquele momento
(educação estatal laica ao estilo francês ou ensino religioso) não lhe satisfaziam porque
no seu pensamento obedeciam aos interesses do Estado e do clero. A preocupação
dos governos em estender a educação às camadas populares se devia sobretudo à
necessidade de mão de obra qualificada para que as empresas pudessem melhorar a
produção. Assim, a escola estatal seria percebida como um meio de dominação
burguesa para controlar a mentalidade da classe operária, e a escola confessional (ou
catequese) um modo de seguir com a religião para evitar a libertação do povo.
Assim, os(as) libertários(as) consideravam a ação educacional imprescindível
para a transformação das relações sociais e econômicas. As práticas pedagógicas
libertárias pretendiam que os discentes fossem capazes de tomar decisões e que assim
se responsabilizassem por seus atos. Não há democracia, liberdade e equidade, se não
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contarmos com pessoas conscientes, capazes de pensar e decidir por si mesmas. Nesta
concepção, faz parte do processo educativo a liberdade, para que os(as) alunos(as)
possam demonstrar livremente o que pensam e serem reconhecidos em sua
individualidade. O ensino tradicional burguês interessa àqueles(as) que desejam
reforçar na escola as desigualdades sociais e econômicas, sendo assim um espelho da
sociedade. O(a) aluno(a) é recompensado(a) pela obediência e estimulado(a) a não
pensar.
Francisco Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) deixou claro em suas afirmações que a
promoção da autonomia do(a) aluno(a) é fundamental para o desenvolvimento de
todas as suas potencialidades, assim como a liberdade e a felicidade do ser humano.
No pensamento libertário de Godwin (Codello, 2007), a política e a educação são
fundamentais para entender ao ser humano e sua história de dominação. Para este,
todos(as) somos iguais por natureza. Porém, o domínio de um ser humano sobre outro
só poderia ser entendido por meio do autoritarismo. No âmbito da educação defendia
que nada poderia ser imposto à força, os discentes deveriam se guiar por sua
curiosidade e não por uma imposição. Em sua principal obra, afirmava que a felicidade
é o principal objetivo das pessoas, a qual não se conseguiria sem liberdade, razão e
justiça. E para sermos seres mais justos em nossas ações cotidianas necessitamos
melhorar nossa razão, que depende fundamentalmente do conhecimento. Portanto, o
verdadeiro objetivo da educação é provocar a felicidade individual, e em seguida a
coletiva. Promover condições para que as pessoas se sintam úteis, sendo assim que a
educação se basearia em três pilares: felicidade, virtude e sabedoria.
Portanto, a pedagogia racional libertária possibilitaria o pensar livre do ser
humano, sem interferências doutrinárias e ideais preconcebidos, fazendo da escola um
lugar em que não se reproduz a lógica da exclusão. E esse é o objetivo da educação
libertária: emancipar o indivíduo, para que este seja capaz de transformar a sociedade.
Nessa perspectiva, Paul Robin (apud GALLO, 1997) afirma que a educação integral,
[...] se esforça por facilitar a eclosão e o desenvolvimento de todas as faculdades da criança, para permitirlhe o conhecimento de todos os ramos do conhecimento humano e de sua atividade, de modo que ele não faça outras aquisições que não sejam aquelas baseadas na verdade científica. No entanto, depois de haver dado a todos esta base indispensável de realidade objetiva, deixa a cada um o cuidado de
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continuar seu desenvolvimento, de leválo a fundo, segundo os acontecimentos, as necessidades e das capacidades especiais somente nos ramos dos quais dependa a satisfação de suas necessidades físicas e psíquicas (ROBIN, s/d apud GALLO, 1997, s/p.)
A experiência escolar em que a autonomia é vivida intencionalmente,
possibilita o surgimento de um novo tipo de indivíduo, que rompe com as estruturas
hierarquizadas e que possui capacidade para fazer germinar um novo tipo de
sociedade; por isso a importância do coletivo. Para Proudhon (Codello, 2007), a
educação tem papel fundamental e precisaria de mudanças significativas, já que esta
era classista e governada de acordo com os interesses do Estado, logo das elites. A
principal função da escola seria assim preparar as pessoas para o trabalho, desde o
crescimento pessoal e da felicidade. Pois, o trabalho não seria alienado nas fábricas, e
si uma instrução politécnica o trabalho manual como fonte de formação. Para
Proudhon, igual como se passa na ciência, no trabalho tem mais valor quem
experimenta do que quem o pensa. Não existe portanto, conhecimento sem a
experiência.
Como o conhecimento se tece em rede (Santos, 2001), partimos desta premissa
para entendermos como a experiência do diretor Orlando Corrêa Lopes nos
movimentos sociais, da Escola Visconde de Mauá, se fez importante em seu processo
de (re)criação do currículo da escola que dirigiu. Segundo Kropotkin (Codello, 2007), a
anarquia era a organização da solidariedade e o Estado era o reino do egoísmo.
Portanto, a divisão hierárquica do trabalho apoiada na divisão do trabalho manual e
intelectual é um dos principais assuntos das desigualdades sociais, e para combater
esta desigualdade a formação integral era naquele momento a que mais contemplava.
Dentro desta, a ciência e a tecnologia seriam fundamentais para igualar as
desigualdades verticais.
O pensamento libertário considera a individualidade, aquilo que torna cada ser
único, como um aspecto importante da humanidade, reconhecendo que não existe
individualidade fora da sociedade, pois cada pessoa necessita das outras para se
desenvolver. E, portanto, os sujeitos crescem dentro e por uma sociedade que, ao
mesmo tempo que forma esses sujeitos é por eles modificada. E para tanto, a
liberdade é essencial, pois estar sob o domínio do outro é ser privado de desenvolver a
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própria individualidade. Pois, se a liberdade é essencial para o desenvolvimento da
individualidade, a equidade é essencial para que exista a verdadeira liberdade. Não há
liberdade real em uma sociedade hierárquica, com desigualdades sociais.
No início do século XX, o Brasil estava em um processo de mudanças cruciais, e
neste momento foi criada pelo Estado do Rio de Janeiro, a Escola Profissional Visconde
de Mauá, no bairro de Marechal Hermes. Uma escola profissional onde apenas se
admitia alunos do sexo masculino, e que em determinado momento, foi dirigida por
um militante anarquista da época, Orlando Corrêa Lopes. Este, ao assumir a direção
desta escola participava, concomitantemente, de assembleias e comícios em prol de
melhores condições de trabalho dos operários, experiências essas que na concepção
de Proudhon (Codello, 2007) podem ser importantes ao diretor de uma escola técnica,
não esquecendo que assembleias eram o principal meio de participação para tomadas
de decisões do movimento libertário.
Considerando o movimento anarquista como espaçotempo de formação,
refletimos sobre a perspectiva reducionista do conceito moderno de produção de
conhecimento. A experiência social em todo mundo é muito mais ampla e variada do
que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante.
Assim, para combater o desperdício da experiência social não basta tentar dar
visibilidade a esses diferentes espaços que são marginalizados, mas também se faz
necessário propor um diferente modelo de racionalidade, ou seja, novas maneiras de
conceber e conhecer o mundo (Santos, 2001).
Sendo assim, pode exemplificar uma notícia do periódico Correio da Manhã do
dia 8 de outubro de 1910, com textos na íntegra para poder desinvisibilizar indícios
(Ginzburg, 2001) de como os currículos praticados dessa escola estavam enredados
pelos saberesfazeres de Orlando Corrêa Lopes, que também fazia parte de uma série
de movimentos libertários em prol de melhores condições de trabalho dos operários,
em congressos anarquistas defendendo a liberdade e solidariedade do ser humano.
No periódico A RUA, de 24 maio de 1915, com o título de “Os anarchistas
querem a paz sem vencidos nem vencedores”. Congresso a realizarse no Rio – Uma
palestra com o Dr. Orlando Lopes.
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Foi quasi de surpreza que se soube estar para reunir–se nesta cidade um
congresso de anarchistas sul–americanos, cujos intuitos principaes são o de acabar
com a guerra que ensanguenta a Europa e a organização definitiva desse partido de
ideias avançadas no nosso continente… Essa paz não deve ser entretanto, uma paz
firmada pelos governantes à revelia do povo, mas uma paz, sem vencedores e nem
vencidos, imposta justamente pelo povo, de modo a não continuar o regime militarista
actual… (A RUA,1915, p. 1)
No periódico GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), de 21 de julho de 1917, sob o título de
“A cultura das terras do Distrito Federal: O ensino prático da agricultura”. O prefeito
faz observações e visita a Escola Profissional Visconde de Mauá.
...Parece, a primeira vista, que o Dr. Amaro Cavalcanti foi apenas visitar por
curiosidade, a escola Visconde de Mauá...
A SOPA
A sopa é uma nova medida creada pela Escola Visconde de Mauá. Como parte
dos alumnos não podem frequentar as aulas, pela manhã, por não possuírem dinheiro
para acquisição de alimentação, devido ao estado de pobreza em que vivem o Dr.
Orlando Lopes adotou essa allegação e resolveu fazer uma sopa, com elementos
colhidos da lavoura da escola, boa batata, bom aipim e boas verduras.
A cozinha para preparar essa alimentação já foi construída pelos alumnos da
profissão de pedreiro e será inaugurada brevemente, com isso a frequência aumentará
consideravelmente. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1917, p. 1)
Esta notícia acima conta a medida que foi adotada: fazer uma sopa com os
próprios alimentos cultivados e produzidos pelos(as) alunos(as). Esta é uma tentativa
clara de trazer à escola esses que não podiam se manter por falta de dinheiro. Mesmo
com as disciplinas fechadas em disciplinas técnicas, o grupo, diretor e discentes,
abriram uma brecha para a compreensão das experiências que nascem à margem do
que é colocado como “verdade” e norma, foram capazes de reinventar formas
alternativas ao que é instituído. Os possíveis combinados ilegíveis e invisíveis à lógica
da fragmentação científica dão novos sentidos a partir de outros interesses, não
menos conflitantes e provisórios, fazendo emergir novas formas de conhecer e intervir
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no mundo. Como esse diretor que “contaminava” com suas experiências de luta nos
sindicatos em prol dos(as) trabalhadores(as), esses discentes, que seriam possíveis
trabalhadores(as) e militantes em busca de seus direitos, e de outros sujeitos em
outros espaços/tempos. Portanto, os mecanismos de consolidação e
institucionalização das disciplinas escolares eram reformulados em virtude de
objetivos e interesses múltiplos situados no campo social. Assim, a escola articulava
seu trabalho em prol de uma formação das classes dos(as) trabalhadores(as),
contribuindo na construção de suas identidades, enquanto sujeitos inseridos em
diferentes espaços estruturais na sociedade.
Desinvisibilizando essa prática da “sopa”, como elemento do cotidiano que
evidencia práticas e diálogos entre conhecimentos para além das normas (Santos,
2001), podemos proporcionar a possibilidade de perceber não apenas o óbvio das
monoculturas hegemônicas, mas também os seus outros. Nas práticas emancipatórias,
como esta da sopa, há situações exemplares de ruptura com as monoculturas que
caracterizam a sociedade contemporânea, apresentando evidências de pluralização de
conhecimentos e culturas em relações menos hierárquicas e mais ecológicas, nas quais
o reconhecimento mútuo emerge (Santos, 2004).
Essa horizontalidade almejada pode ser encontrada, embora de modo
marginal, na pluralidade de conhecimentos, valores e crenças presentes nas ações
cotidianas, na perspectiva de que a ideia de pluralidade pressupõe os princípios de
autonomia, liberdade, solidariedade, respeito às diferenças e principalmente, o
reconhecimento do outro como legítimo outro (Maturana, 2002) e que o cotidiano
pesquisado é portador de múltiplos sentidos, múltiplas riquezas, sendo impossível
encontrarmos nele apenas uma ‘verdade’. Na multiplicidade do real, fazemse
presentes muitas ‘verdades’. Assim, a inclusão educativa exige entender que devemos
avançar desde a multiculturalidade para chegar a interculturalidade, entendendo esta
última não como uma opção, mas sim como um feito, já que é a própria natureza das
culturas, híbridas e amplamente mescladas (Bhabha, 2011) durante séculos, e agora
vivem esse processo multiplicado nas sociedades globalizadas.
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A forma de produzir um currículo democrático está associada ao modo como os
sujeitos praticantes dessa escola vivem suas experiências e concebem a democracia.
As maneiras de fazer sempre plurais, e coletivas, inventam práticas capazes de
produzir conhecimento próprio. Compreendendo a escola como um campo social
plural, do qual participam diferentes vozes que se caracterizam pela interação e
hibridização de ideias, modelos institucionais e práticas. Há que se considerar que esse
espaço coletivo produz diversidades e desigualdades. Porém esse conjunto de diretor,
contramestres, professores(as) e discentes que se unem em prol da construção da
escola para todos(as) é constituído do múltiplo, diverso e heterogêneo, e se
caracteriza pela possibilidade de potencializar a diferença dos grupos sociais. O
currículo praticado na diferença requer dos(as) praticantes o desprendimento de si
pela impossibilidade de totalidade do “eu”, ou seja, há uma comunidade de vontades e
perspectivas que se afetam e se colocam em transformação.
Conclusões
A atual efervescência de movimentos sociais marcados por sua crescente
heterogeneidade e em contestação às ameaças ao bemestar social, vem
acompanhada pelas lógicas diferenças internas relacionadas com aspectos geográficos,
linguísticos ou culturais, mas destacando as suas muitas similitudes e possibilidades de
confluência, que podem ser reforçadas à hora de imaginar uma resposta cívica e
democrática à tentativa de enfraquecer o conseguido em matéria de redistribuição de
bens e oportunidades. Não só é possível o entendimento intercultural e baseado em
princípios libertários, senão também é desejável a nível estratégico pensando em uma
alternativa verdadeiramente democrática à que cresce sem parar na atualidade.
Os sistemas educativos e todos os membros que os compõem têm uma boa
oportunidade para jogar um papel importante para ser um dos mecanismos de
contestação à ideologia e práticas neoliberais a partir da elaboração curricular. Podem
beber de seu meio e dos movimentos sociais para fortalecerse internamente e
devolver à sociedade formação cívica, democrática e libertária, em um processo de
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retroalimentação que deveria ser natural em uma concepção ecológica dos saberes.
Para isto, pode estabelecer pontes e vias de negociação e diálogo com seu contexto
local e também global, empoderarse através de um esforço conjunto e coordenado a
nível interno e também social, para poder ter peso e participação em um projeto de
construção social e internacional de democracias participativas e justiça social.
A possibilidade de participação e decisão coletiva implica o diálogo na equidade
e na conciliação dos pontos de vista. Encontrar o outro, trabalhar juntos(as), e
cooperar para a melhoria da escola são indícios de um currículo praticado pautado na
equidade e na democracia, que não está descrito no currículo formal.
A prática da participação coletiva, indicada na notícia do jornal, é uma forma,
mesmo que indireta, de luta pela democratização dos processos escolares. A
autonomia e a participação são princípios fundamentais para esse objetivo. As
dificuldades e lutas cotidianas em busca de relações mais equitativas vão imprimindo
seu caráter complexo e dinâmico, ampliando a possibilidade de ações em
microespaços sociais como a escola, em que praticantes da vida cotidiana, com seus
modos particulares de compreender e realizar o que lhes parece permanente,
produzem outros novos conhecimentos capazes, mesmo que minimamente, de
resolver seus problemas. Portanto, o currículo inclui práticas emancipatórias, à medida
que em seu cotidiano, o professorado pode experimentar e transmitir valores
potencializadores de dinâmicas sociais democráticas. A teoria formulada por
Boaventura Santos dialoga satisfatoriamente com as perspectivas de democracia
encontradas nos currículos praticados, transpassando o currículo instituído.
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