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Ser BI está na moda Madonna inaugu- rou a temporada de beijos lésbicos em 2003, com Britney Spears, no Video Music Awards. Antes, fez danças sensuais com bailarinas nos shows

Exercício 06 de 20 Ser bi está na moda

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ser bi está na moda

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Ser bi está na moda

Madonna inaugu-rou a temporada de beijos lésbicos em 2003, com Britney Spears, no Video Music Awards. Antes, fez danças sensuais com bailarinas nos shows

Martha Mendonça e Fernanda Colavitti

Elas são bonitas, femininas, vaidosas. E gostam umas das outras. Ao menos é o que dizem – e dizem cada

vez mais. Em três semanas consecu-tivas de maio, três estrelas america-nas famosas revelaram que sentem atração pelo mesmo sexo. Megan Fox, símbolo sexual da nova geração, afirmou que prefere as mulheres por serem mais “limpinhas”. O furacão Fergie, do Black Eyed Peas, disse que gostou de experimentar moças. A per-formática Lady Gaga confirmou sua bissexualidade – e aproveitou para lançar um clipe da nova música beijan-do outra mulher. Em abril, fora a vez de Kelly McGillis, musa dos anos 80.

A jovem atriz americana Lindsay Lohan, ídolo teen do cinema, não tem escondido sua dor de cotovelo depois que a namorada, uma DJ, a abando-nou. Isso sem falar na megaestrela Angelina Jolie, que, antes de se tornar mãe de família, alardeava sua bisse-xualidade (Brad Pitt acreditou, mas na cama do casal, em vez de outras mulheres, há cada vez mais crianças). No Brasil, Preta Gil não cansa de se rotular como “total flex”. Afinal, trata-se da liberação de um desejo feminino ou de estratégia de marketing?

Para os especialistas, as duas res-postas estão corretas. O erotismo que envolve duas mulheres é infalível em termos de mídia – graças à curiosida-de geral sobre a homossexualidade e ao fato de ser a fantasia número um dos homens. Mas a natureza feminina, mais flexível e com menos defesas em relação à afetividade, acaba proporcio-nando uma liberdade maior no campo sexual – sem que necessariamente haja rotulações. “Viver uma ou outra experiência com alguém do mesmo

As artistas dizem que são bissexuais. As

meninas ficam com outras meninas.

Alguma coisa está mudando ou é

tudo marketing e imitação?

LESBIAN CHICSophie Marceau (à esq.) e Monica Bellucci no Festival de Cannes. A encenação gay ajuda a divulgar o filme da dupla, Don’t look back

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sexo é diferente de ser bissexual”, afir-ma Carmita Abdo, psiquiatra e coorde-nadora do Projeto Sexualidade da Uni-versidade de São Paulo (USP). “Nem todas as pessoas crescem com uma definição tão absoluta quanto à orien-tação sexual. Muitas vezes é preciso amadurecer para chegar a uma iden-tidade. E hoje existe uma maior per-missividade para a experimentação.” Lançado no ano passado, o livro Look both ways (Olhe para os dois lados), das terapeutas americanas Elizabeth Oxley e Claire Lucius, vai na mesma direção. Para as autoras, homens e mulheres têm a mesma curiosi- da-de sobre o mes- m o sexo. Mas as mulheres, que não têm barrei-ras em beijar e abraçar confor-tavelmente suas amigas, migram mais facilmen-te para o teste sexual. Até aí, tudo bem. Mas é mesmo necessário contar tudo na primei-ra entrevista?

“É marketing total”, diz a webdesigner pau-lista Del Torres, idealiza-dora do Leskut – um site de relacionamentos só entre meninas que, em nove meses, já tem 14 mil participan-tes. Lésbica assumida, 29 anos, ela diz que, quando existe o desejo verdadeiro, o compor-tamento é discreto. “As celebridades estão cansadas de saber que esse tipo de declaração chama a atenção, além de torná-las modernas e mais interessantes.” Del lembra a história da dupla de rock russa t.A.t.U. Em 2004, as duas meninas já haviam vendido mais de 2 milhões de CDs, alardeando a ideia de que eram namoradas. No clipe mais famoso, da música “All the things she said” (“Todas as coisas que ela disse”), mostravam o sofrimento por um amor proibido. Usando unifor-me de estudantes. Na chuva. “Quando a dupla se desfez, uma delas engravi-dou do namorado secreto, com quem está casada até hoje”, diz Del. Agora

querem voltar a gravar juntas e já avi-saram, em entrevista recente: “Quan-do bebemos, ainda ficamos”.

Não há dúvida de que mulher com mulher dá audiência. Há quem diga que tudo começou com o beijo cine-matográfico que Madonna deu em Bri-tney Spears no Video Music Awards, em 2003. Não foi um selinho. Justin Timberlake, ex de Britney e a cami-nho, na época, de tornar-se parceiro musical de Madonna, não conseguiu disfarçar o choque, registrado pelas câmeras. Hoje, apenas cinco anos de-pois, talvez já achasse normal.

Há uma epidemia de beijos femini-nos na mídia, das brasileiras do axé

Daniela Mercury e Alinne Rosa, na gravação de um DVD no ano pas-sado, às francesas Sophie Mar-ceau e Monica Bellucci, nuas e abraçadas na revista Paris

Match deste mês. No último Big brother, a sensação foi o

selinho debaixo d’água de Priscila e Milena, que ba-teu recordes nos sites de notícias. O recém-formado grupo nacional Sexy Dolls anunciou,

em seu primeiro clipe, um “beijo triplo”. O vídeo ficou quase uma sema-na entre os mais vistos do portal Globo.com. Até Woody Allen não resistiu e colocou no filme Vicky Cristina Barcelona uma cena

em que Scarlett Johansson beija Penélope Cruz – acontecimento que foi badalado insistentemente anos antes de o filme entrar em cartaz.

Qual é o re-flexo de tantas cenas públicas

e declarações de bissexualidade na cabeça das adolescentes, mulheres em formação? A psicoterapeuta e se-xóloga Mara Pusch, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acre-dita que o fenômeno da bissexualida-de feminina na mídia libera as meni-nas para o desejo de experimentação inerente aos seres humanos. “Quando uma menina diz que é bissexual, ela talvez nem saiba direito do que está falando. Está apenas querendo desco-brir do que gosta, o que quer. Se uma

DANIELA MERCURY A baiana causou impacto ao beijar Alinne Rosa, da banda Cheiro de Amor, na gravação de um DVD no ano passado. Ela também é musa da filósofa americana Camile Paglia, assumidamente lésbica, que foi neste Carnaval a Salvador para vê-la

LADY GAGAA cantora performática, sensação pop nos Estados Unidos, disse à revista Rolling Stone que continua gostando de meninas. Para deixar claro, lançou um clipe em que beija outra mulher

FERGIE A vocalista do Black Eyed Peas revelou ao jornal The Sun que, apesar de nunca ter namorado, já teve ex-periência com mulheres. Ela se casou em janeiro com o ator Josh Duhamel

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pessoa famosa diz que faz o mesmo, ela se sente mais livre”, afirma. “Nes-se treino de sexualidade, as meninas costumam não entender direito o que sentem pela melhor amiga, se é admi-ração ou atração. E ficam mais confor-táveis de colocar à prova.”

E onde entram os meninos nisso? Para a psiquiatra Carmita Abdo, mui-tas vezes eles é que estão no centro de tudo. “São jogos sexuais. Elas sa-bem que, hoje, beijar a amiga na boca é uma forma de atrair os meninos”, afirma. Del Torres, do Leskut, diz que “virou modinha” as garotas viverem agarradas, sentarem uma no colo da outra ou se beijarem no meio da tur-ma – mesmo que não se digam cla-ramente bissexuais. “Elas acham cool, gostam de chocar e também de atrair os garotos. Mas a verdade é que não se definiram ainda”, diz.

A estudante de marketing paulista-na Lygia, de 19 anos, conta que seu primeiro beijo foi aos 9. Na melhor amiga. “Nós estávamos brincando, eu fui chegando perto e a beijei”, diz. Um pouco mais velha, passou a ficar com meninos, mas só porque as amigas faziam o mesmo. No ano passado se-guiu seu desejo e ficou de novo com

uma menina. “Agora sou lésbica. Acho bom que hoje o preconceito seja me-nor”, diz.

Ela já contou aos pais e a alguns amigos sobre suas experiências. Ou-tra estudante, Aline, de 16 anos, ficou com uma menina aos 13. Tudo co-meçou quando a amiga contou que

gostava de meninas. Alguma coisa a acendeu: “Ainda é cedo para me de-finir. Hoje eu digo que sou bi. Mas no futuro posso mudar”.

Se a homossexualidade – ou bis-sexualidade – feminina está mais pala-tável, é porque vem embrulhada num pacote delicado e feminino. Quando o armário se abre, saem dele mulheres magras, sexy, de batom. É o fenôme-

no chamado light lesbian chic ou lipsti-ck lesbian, cujo símbolo televisivo é o seriado americano The L word, que já entra na quinta temporada. Nele, um grupo de lésbicas lindas vive histórias de amor repletas de cenas tórridas. Professora de literatura da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de livros sobre homossexu-alidade como As heroínas saem do armário, Lúcia Facco critica a força do modelo da “lésbica de batom” como o único aceito (e até festejado) na socie-dade.

“De repente, mulher gostar de mu-lher entrou na moda. Mas desde que elas tenham características considera-das femininas, que atraiam os olhares masculinos e não choquem”, afirma. Para ela, o imaginário social poderia ser mais bem trabalhado para compre-ender e aceitar bissexuais e lésbicas de uma maneira geral – bem como todo o universo homossexual. Essa é uma possibilidade. A outra é lembrar às garotas, em casa, que nem tudo o que seus ídolos fazem ou dizem que fazem precisa ser imitado. E que tam-pouco precisam se deixar levar pelos garotos a fingir que são o que não são.

BIG BEIJO Priscila (à esq.), a ex-BBB mais voluptuosa da his-tória, deu vários selinhos na amiga Milena, deixan-do doidos os rapazes. O mais famoso foi debaixo d’água, registrado pela câmera da piscina

Quando uma menina diz que é bissexual,

ela talvez nem saiba direito do que está

falando MARA PUSCH,

psicoterapeuta

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