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SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO NORDESTE
MEMORIAL IGREJA PRESBITERIANA DA CORÉIA
O SERVO DO SENHOR:
UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE ISAÍAS 42.1-9
ANDRÉ ALOÍSIO OLIVEIRA DA SILVA
Teresina
2013
ANDRÉ ALOÍSIO OLIVEIRA DA SILVA
O SERVO DO SENHOR:
UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE ISAÍAS 42.1-9
Trabalho apresentado ao Rev. Jefté Alves
para avaliação na disciplina Exegese do
Antigo Testamento 3.
Teresina
2013
SIGLAS E ABREVIATURAS
ACF: Almeida Corrigida e Fiel
ARA: Almeida Revista e Atualizada
AT: Antigo Testamento
BHS: Biblia Hebraica Stuttgartensia
BJ: Bíblia de Jerusalém
LXX: Septuaginta
NDITEAT: Novo dicionário internacional de teologia e exegese do Antigo Testamento
NT: Novo Testamento
NVI: Nova Versão Internacional
RESUMO
Este trabalho é uma análise exegética de Isaías 42.1-9, onde se objetiva mostrar que a
verdade expressa nessa passagem é a de que o servo do SENHOR, o qual é o próprio Messias,
traz salvação a Israel e aos gentios.
PALAVRAS-CHAVES: Servo do SENHOR; Messias; Direito; Lei; Aliança;
Libertação.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 1
2 TRADUÇÃO E ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA .................................... 2
2.1 Tradução literal ................................................................................................. 2
2.2 Análise manuscritológica .................................................................................. 8
2.3 Tradução final ................................................................................................... 9
2.4 Traduções comparadas .................................................................................... 10
3 DIAGRAMA SINTÁTICO ......................................................................... 12
4 ESTRUTURA ............................................................................................ 14
5 ANÁLISE INTRODUTÓRIA ..................................................................... 15
5.1 Autoria ........................................................................................................... 15
5.2 Data e contexto histórico ................................................................................. 16
5.3 Público-alvo.................................................................................................... 16
5.4 Gênero literário ............................................................................................... 16
5.5 Contexto literário ............................................................................................ 17
6 ANÁLISE TEOLÓGICA DAS PALAVRAS ............................................... 19
7 ESTRUTURA DO SIGNIFICADO ............................................................. 21
8 COMENTÁRIO ......................................................................................... 22
9 ESTRUTURA DO ATO COMUNICATIVO ................................................ 27
10 ABORDAGEM CANÔNICA ..................................................................... 29
11 APLICAÇÃO ............................................................................................ 31
12 ESBOÇO DO SERMÃO ............................................................................. 32
13 CONCLUSÃO ........................................................................................... 33
14 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 34
1
1 INTRODUÇÃO
Em Is 42.1-9 e em outras profecias relacionadas1 faz-se menção de uma personagem
cuja identidade tem sido muito debatida pelos estudiosos da atualidade: o “servo do
SENHOR”. Na verdade, essa identidade tem sido debatida desde tempos remotos, por rabinos
judeus e outros que tinham acesso ao livro do profeta Isaías. O eunuco a quem Filipe
evangelizou foi um dos que perguntaram sobre a identidade desse servo: “Peço-te que me
expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?” (At 8.34).
Diante desse fato, a proposta deste trabalho é analisar exegeticamente a passagem de
Is 42.1-9, para determinar a identidade desse servo do SENHOR e, assim, extrair o
significado dessa passagem. Para isso, faz-se, em primeiro lugar, uma tradução do texto
hebraico, que envolve uma análise morfológica e manuscritológica; depois, um diagrama
sintático, a partir do qual também é elaborada uma estrutura da passagem; em seguida, uma
análise introdutória, envolvendo autoria, data, contexto histórico, público-alvo, gênero
literário e contexto literário; depois, uma análise teológica de palavras-chaves da passagem;
posteriormente, uma estrutura do significado, que auxilia na identificação do servo do
SENHOR e na determinação do significado do texto, ambas realizadas em um comentário da
passagem; depois, uma estrutura do ato comunicativo, que auxilia na abordagem canônica da
passagem feita logo depois; e finalmente, uma apresentação de aplicações dessa passagem
para a Igreja do século XXI, juntamente com um esboço de sermão.
1 Is 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12.
2
2 TRADUÇÃO E ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA
2.1 Tradução literal
`ayci(Ay ~yIïAGl; jP'Þv.mi wyl'ê[' ‘yxiWr yTit;Ûn" yvi_p.n: ht'äc.r" yrIßyxiB. ABê-%m't.a, ‘yDIb.[; !hEÜ 1
Palavra Morfologia1 Tradução
!Heü !he Interjeição Eis
‘yDIb.[; db,[, Substantivo comum masc. sing.
construto com sufixo pronominal 1ª comum
sing.
Meu servo
ABê-%m't.a, $mt Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.
B. Preposição com sufixo pronominal 3ª masc.
sing.
Sustenho a ele
yrIßyxiB. ryxiB' Adjetivo masc. sing. construto com
sufixo pronominal 1ª comum sing.
Meu escolhido
ht'äc.r" hcr Verbo perfeito Qal 3ª fem. sing. Compraz
yvi_p.n: vp,n< Substantivo comum fem. sing. construto
com sufixo pronominal 1ª comum sing.
Minha alma
yTit;Ûn" !tn Verbo perfeito Qal 1ª comum sing. Coloquei, pus, dei
‘yxiWr x;Wr Substantivo comum masc. ou fem. sing.
construto com sufixo pronominal 1ª comum
sing.
Meu Espírito
wyl'ê[' l[; Preposição com sufixo pronominal 3ª
masc. sing.
Sobre ele
jP'Þv.mi jP'v.mi Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Juízo, direito, julgamento,
justiça
~yIïAGl; l. Preposição h; Artigo yAG Substantivo comum masc. pl. absoluto
Para os gentios
ayci(Ay acy Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing. Trará
1 Eis meu servo a quem sustenho, meu escolhido [em quem] se compraz minha alma;
coloquei meu Espírito sobre ele, [o] direito para os gentios trará.
`Al*Aq #WxßB; [:ymiîv.y:-al{)w> aF'_yI al{åw> q[;Þc.yI al{ 2
1 A nomenclatura da análise morfológica está baseada em KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma gramática
introdutória. 7ed. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2009.
3
Palavra Morfologia Tradução
al{ al{ Partícula negativa Não
q[;Þc.yI q[c Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Clamará
al{åw> w> Conjunção al{ Partícula negativa
E não
aF'_yI afn Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Levantará
[:ymiîv.y:-al{)w> w> Conjunção al{ Partícula negativa
[mv Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing.
E não fará ouvir
#WxßB; B. Preposição h; Artigo #Wx Substantivo comum masc. sing. absoluto
Na rua
Al*Aq lAq Substantivo comum masc. sing.
construto com sufixo pronominal 3ª masc.
sing.
Sua voz
2 Não clamará e não levantará e não fará ouvir na rua sua voz.
`jP'(v.mi ayciîAy tm,Þa/l, hN"B<+k;y> al{å hh'Þke hT'îv.piW rABêv.yI al{å ‘#Wcr" hn<Üq' 3
Palavra Morfologia Tradução
hn<Üq' hn<q' Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Cana
‘#Wcr" #cr Verbo particípio Qal masc. sing.
absoluto
Despedaçada
al{å al{ Partícula negativa Não
rABêv.yI rbv Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Quebrará
hT'îv.piW w> Conjunção hT'v.Pi Substantivo comum fem. sing.
absoluto
E pavio
hh'Þke hh,Ke Adjetivo fem. sing. absoluto Inexpressivo
al{å al{ Partícula negativa Não
hN"B<+k;y> hbk Verbo imperfeito Piel 3ª masc. sing.
com sufixo pronominal 3ª fem. sing.
O apagará
tm,Þa/l, l. Preposição
tm,a/ Substantivo comum fem. sing.
absoluto
Com fidelidade
ayciîAy acy Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing. Trará
jP'(v.mi jP'v.mi Substantivo comum masc. sing. Juízo, direito, julgamento,
justiça
4
absoluto
3 Cana despedaçada não quebrará, e pavio inexpressivo, não o apagará, com fidelidade
trará [o] direito.
p `Wlyxe(y:y> ~yYIïai Atßr"Atl.W jP'_v.mi #r<a'ÞB' ~yfiîy"-d[; #Wrêy" al{åw> ‘hh,k.yI al{Ü 4
Palavra Morfologia Tradução
al{Ü al{ Partícula negativa Não
‘hh,k.yI hhk Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Se tornará inexpressivo
al{åw> w> Conjunção al{ Partícula negativa
E não
#Wrêy" #cr Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Despedaçará
~yfiîy"-d[; d[; Preposição ~yf Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing.
Até pôr
#r<a'ÞB' B. Preposição
h; Artigo #r,a, Substantivo comum fem. sing. absoluto
Sobre a terra
jP'_v.mi jP'_v.mi Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Juízo, direito, julgamento,
justiça
Atßr"Atl.W w> Conjunção l. Preposição
hr'AT Substantivo comum fem. sing.
construto com sufixo pronominal 3ª masc.
sing.
E pela sua lei
~yYIïai yai Substantivo comum masc. pl. absoluto Ilhas
Wlyxe(y:y> lxy Verbo imperfeito Piel 3ª masc. pl. Esperarão
4 Não se tornará inexpressivo e não despedaçará, até pôr sobre a terra [o] direito, e pela
sua lei, ilhas esperarão.
‘hm'v'n> !tEÜnO h'ya,_c'a/c,w> #r<a'Þh' [q:ïro ~h,êyjeAnæw> ‘~yIm;’V'h; arEÛAB hw"©hy> Ÿlaeäh' rm;úa'-hKo) 5
`HB'( ~ykiîl.hol; x:Wrßw> h'yl,ê[' ~['äl'
Palavra Morfologia Tradução
rm;úa'-hKo) hKo Advérbio
rma Verbo perfeito Qal 3ª masc. sing.
Assim diz
laeäh' h; Artigo O Deus
5
lae Substantivo comum masc. sing. absoluto
hw"©hy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR
arEÛAB arb Verbo particípio Qal masc. sing.
absoluto
Que criou
‘~yIm;’V'h; h; Artigo ~yIm;v' Substantivo comum masc. pl. absoluto
Os céus
~h,êyjeAnæw> w> Conjunção hjn Verbo particípio Qal masc. pl. construto
com sufixo pronominal 3ª masc. pl.
E que os estendeu
[q:iro [qr Verbo particípio Qal masc. sing.
absoluto
Que formou, bateu
#r<a'Þh' h; Artigo #r,a, Substantivo comum fem. sing. absoluto
A terra
h'ya,_c'a/c,w> w> Conjunção ac'a/c, Substantivo comum masc. pl.
construto com sufixo pronominal 3ª fem. sing.
E sua descendência
!tEÜnO !tn Verbo particípio Qal masc. sing. absoluto Que deu, colocou, pôs
‘hm'v'n> hm'v'n> Substantivo comum fem. sing. absoluto Respiração
~['äl' l. Preposição h; Artigo
~[; Substantivo comum masc. sing. absoluto
Ao povo
h'yl,ê[' l[; Preposição com sufixo pronominal 3ª fem.
sing.
Sobre ela
x:Wrßw> w> Conjunção x;Wr Substantivo comum masc. ou fem. sing.
absoluto
E espírito
~ykiîl.hol; l. Preposição h; Artigo
$lh Verbo particípio Qal masc. pl. absoluto
Para os que andam
HB'( B. Preposição com sufixo pronominal 3ª fem.
sing.
Nela
5 Assim diz Deus, o SENHOR, que criou os céus e que os estendeu, que formou a terra
e sua descendência, que deu respiração ao povo sobre ela e espírito para os que andam nela.
`~yI)AG rAaðl. ~['Þ tyrIïb.li ^±n>T,a,w> ^ªr>C'a,w> ^d<+y"B. qzEåx.a;w> qd<c,Þb. ^)ytiîar"q. hw"±hy> ynIôa] 6
Palavra Morfologia Tradução
ynIôa] ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum Eu
6
sing.
hw"±hy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR
^)ytiîar"q. arq Verbo perfeito Qal 1ª comum sing. com
sufixo pronominal 2ª masc. sing.
Te chamei
qd<c,Þb. B. Preposição qd,c, Substantivo comum masc. sing. absoluto
Em justiça
qzEåx.a;w> w> Conjunção qzx Verbo imperfeito Hifil 1ª comum sing.
na forma de jussivo.
E pegarei
^d<+y"B. B. Preposição dy" Substantivo comum fem. sing. construto
com sufixo pronominal 2ª masc. sing.
Na tua mão
^ªr>C'a,w> w> Conjunção rcn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.
com sufixo pronominal 2ª masc. sing.
E te guardarei
^±n>T,a,w> w> Conjunção
!tn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.
com sufixo pronominal 2ª masc. sing.
E te darei
tyrIïb.li l. Preposição tyrIB. Substantivo comum fem. sing.
construto
Para aliança do
~['Þ ~[; Substantivo comum masc. sing. absoluto Povo
rAaðl. l. Preposição rAa Substantivo comum masc. ou fem. sing.
construto
E luz das
~yI)AG yAG Substantivo comum masc. pl. absoluto Gentios
6 Eu, o SENHOR, te chamei em justiça e pegarei na tua mão e te guardarei e te darei
para aliança do povo e luz dos gentios.
`%v,xo) ybev.yOð al,K,Þ tyBeîmi rySiêa; ‘rGEs.M;mi ayciÛAhl. tAr+w>[i ~yIn:åy[e x:qoßp.li 7
Palavra Morfologia Tradução
x:qoßp.li l. Preposição xqp Verbo infinitivo Qal construto
Para abrir de
~yIn:åy[e !yI[; Substantivo comum masc. ou fem. dual
absoluto
Olhos
tAr+w>[i rWE[i Adjetivo fem. pl. absoluto Cegos
ayciÛAhl. l. Preposição Para trazer
7
acy Verbo infinitivo Hifil construto
‘rGEs.M ;mi !mi Preposição rGEs.m; Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Do calabouço
rySiêa; rySia; Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Prisioneiro
tyBeîmi !mi Preposição tyIB; Substantivo comum masc. sing.
construto
Da casa de
al,K,Þ al,K, Substantivo comum masc. sing. absoluto Confinamento
ybev.yOð bvy Verbo particípio Qal masc. plural
construto
Os que habitam
%v,xo) %v,xo Substantivo comum masc. sing.
absoluto
Trevas
7 Para abrir [os] olhos [dos] cegos, para trazer do calabouço [o] prisioneiro, da casa de
confinamento os que habitam [em] trevas.
`~yli(ysiP.l; ytiÞL'hit.W !Teêa,-al{) rxEåa;l. ‘ydIAbk.W ymi_v. aWhå hw"ßhy> ynIïa 8
Palavra Morfologia Tradução
ynIïa ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum
sing.
Eu
hw"ßhy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR
aWhå aWh Pronome pessoal independente 3ª masc.
sing.
Este
ymi_v. ~ve Substantivo comum masc. sing. construto
com sufixo pronominal 1ª comum sing.
Meu nome
‘ydIAbk.W w> Conjunção dAbK' Substantivo comum masc. sing.
construto com sufixo pronominal 1ª comum
sing.
E minha glória
rxEåa;l. l. Preposição rxea; Adjetivo masc. sing. absoluto
Para outro
!Teêa,-al{) al{ Partícula negativa
!tn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.
Não darei
ytiÞL'hit.W w> Conjunção hL'hiT. Substantivo comum fem. sing.
construto com sufixo pronominal 1ª comum
sing.
E meu louvor
8
~yli(ysiP.l; l. Preposição h; Artigo
lysiP' Substantivo comum masc. pl. absoluto
Para os ídolos
8 Eu [sou] o SENHOR, este [é] meu nome, e minha glória para outro não darei, nem
meu louvor para os ídolos.
p `~k,(t.a, [ymiîv.a; hn"x.m;Þc.Ti ~r<j,îB. dyGIëm; ynIåa] ‘tAvd"x]w:) Wab'_-hNEhi tAnàvoarI)h 9
Palavra Morfologia Tradução
tAnàvoarI)h h; Artigo
!AvarI Adjetivo fem. pl. absoluto
As primeiras
Wab'_-hNEhi hNEhi Interjeição awb Verbo perfeito Qal 3ª comum pl.
Eis que se cumpriram
‘tAvd"x]w:) w> Conjunção vd'x' Adjetivo fem. pl. absoluto
E novas
ynIåa] ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum
sing.
Eu
dyGIëm; dgn Verbo particípio Hifil masc. sing.
absoluto
Anuncio
~r<j,îB. B. Preposição ~r,j, Advérbio
Antes
hn"x.m;Þc.Ti xmc Verbo imperfeito Qal 3ª fem. pl. Brotam
[ymiîv.a; [mv Verbo imperfeito Hifil 1ª comum sing. Farei ouvir
~k,(t.a, tae Partícula indicativa do objeto direto com
sufixo pronominal 2ª masc. pl.
A vós
9 As primeiras [coisas], eis que se cumpriram, e novas eu anuncio, antes que brotem
farei ouvir a vós.
2.2 Análise manuscritológica2
Verso 1: A LXX acrescenta Iakwb (“Jacó”) antes de o pai/j mou (“meu servo”) e
Israhl (“Israel”) antes de o evklekto,j mou (“meu escolhido”). Essa leitura, porém, não é
apoiada por nenhum manuscrito em hebraico e deve ser um acréscimo dos tradutores da LXX.
2 Esta análise foi realizada com o aparato crítico da BHS.
9
Verso 1: O primeiro manuscrito de Isaías encontrado na primeira gruta de Hirbet
Qumran, datado do século II a.C., traz wjpvmw (“e seu direito”) em lugar de jP'v.mi
(“direito”). É difícil decidir qual leitura representa o texto original, porque ainda que o texto
de Qumran seja mais antigo, o Texto Massorético é bastante representativo e baseado em uma
tradição textual também antiga. Por conveniência, se adotará a leitura do Texto Massorético.
Verso 3: O primeiro manuscrito de Isaías encontrado na primeira gruta de Hirbet
Qumran, datado do século II a.C., traz hbky (“apagará”) em lugar de hN"B,k;y> (“o apagará”). É
difícil decidir qual leitura representa o texto original pelos mesmos motivos mencionados no
verso 1 acima. Por conveniência, se adotará a leitura do Texto Massorético.
Verso 4: A LXX traduz na voz passiva (qrausqh,setai, “será despedaçado”) o verbo
#Wry" , que está no tronco Qal, na voz ativa (“despedaçará”). O Targum de Jônatas bem Uziel,
do século V d.C., apoia essa leitura da LXX. A BHS também apoia essa leitura, ao sugerir que
se altere as vogais do Texto Massorético para #AryE . Ainda que a evidência externa não seja
conclusiva, a evidência interna não deixa dúvidas de que essa leitura é preferível, pois
combina melhor com o verbo hhK (“tornar-se inexpressivo”) do v.4, cuja ação é sofrida e
não provocada pelo servo, além de que a diferença entre as leituras é apenas de vogais, que
não estavam presentes no texto original.
2.3 Tradução final
1 Eis meu servo, a quem sustenho, meu escolhido, em quem se compraz minha alma;
coloquei meu Espírito sobre ele, e o direito para os gentios trará. 2 Não clamará, e não
levantará a voz, e não fará ouvir na rua sua voz. 3 A cana despedaçada não quebrará e o pavio
inexpressivo não apagará; com fidelidade trará o direito. 4 Não se tornará inexpressivo e não
será despedaçado, até pôr sobre a terra o direito; e pela sua lei as ilhas esperarão. 5
Assim diz
Deus, o SENHOR, que criou os céus e que os estendeu, que formou a terra e a sua
descendência, que colocou respiração no povo sobre ela e espírito nos que andam nela: 6 eu, o
SENHOR, te chamei em justiça, e segurarei firme a tua mão, e te guardarei, e te darei para
aliança do povo e luz dos gentios, 7 para abrir os olhos dos cegos, para trazer do calabouço o
10
prisioneiro e da prisão os que habitam em trevas. 8 Eu sou o SENHOR, este é o meu nome, e a
minha glória para outro não darei, nem o meu louvor para os ídolos. 9 As primeiras coisas, eis
que se cumpriram, e novas eu anuncio; antes que brotem vo-las farei ouvir.
2.4 Traduções comparadas
Almeida Corrigida e Fiel: 1 EIS aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em
quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios. 2 Não
clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. 3 A cana trilhada não quebrará,
nem apagará o pavio que fumega; com verdade trará justiça. 4 Não faltará, nem será
quebrantado, até que ponha na terra a justiça; e as ilhas aguardarão a sua lei. 5 Assim diz
Deus, o SENHOR, que criou os céus, e os estendeu, e espraiou a terra, e a tudo quanto
produz; que dá a respiração ao povo que nela está, e o espírito aos que andam nela. 6 Eu, o
SENHOR, te chamei em justiça, e te tomarei pela mão, e te guardarei, e te darei por aliança
do povo, e para luz dos gentios. 7 Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos,
e do cárcere os que jazem em trevas. 8 Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória,
pois, a outrem não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura. 9 Eis que as primeiras
coisas já se cumpriram, e as novas eu vos anuncio, e, antes que venham à luz, vo-las faço
ouvir.
Comentário: No v.1, a ACF traz “espírito” (com letra minúscula), talvez porque no
v.5 “espírito” seja sinônimo de “respiração”. Porém, no v.1, “Espírito” deve ser uma
referência ao Espírito de Deus, porque ele é qualificado como “meu Espírito” (de Deus). No
v.2, a ACF entende o verbo “levantar” como “exaltar”. Mas é mais provável que ele tenha
relação com a voz que é mencionada logo depois no verso e assim signifique “levantar a voz”,
sendo sinônimo de “fazer ouvir a sua voz”.
Nova Versão Internacional: 1 “Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido,
em quem tenho prazer. Porei nele o meu Espírito, e ele trará justiça às nações. 2 Não gritará
nem clamará, nem erguerá a voz nas ruas. 3 Não quebrará o caniço rachado, e não apagará o
pavio fumegante. Com fidelidade fará justiça; 4 não mostrará fraqueza nem se deixará ferir,
até que estabeleça a justiça na terra. Em sua lei as ilhas porão sua esperança.” 5 É o que diz
Deus, o SENHOR, aquele que criou o céu e o estendeu, que espalhou a terra e tudo o que dela
procede, que dá fôlego aos seus moradores e vida aos que andam nela: 6 “Eu, o SENHOR, o
chamei para justiça; segurarei firme a sua mão. Eu o guardarei e farei de você um mediador
11
para o povo e uma luz para os gentios, 7 para abrir os olhos aos cegos, para libertar da prisão
os cativos e para livrar do calabouço os que habitam na escuridão. 8 “Eu sou o SENHOR; este
é o meu nome! 8 Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor. 9 Vejam! As
profecias antigas aconteceram, e novas eu anuncio; antes de surgirem, eu as declaro a vocês”.
Comentário: No v.6, a NVI interpreta a expressar “aliança para o povo” como
“mediador para o povo”. Porém, essa é uma interpretação que perde a força da expressão
original. O servo aqui não é apenas um mediador da aliança, mas a própria aliança.
Bíblia de Jerusalém: 1 Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem tenho
prazer. Pus sobre ele o meu espírito, ele trará o julgamento às nações. 2 Ele não clamará, não
levantará a voz, não fará ouvir a sua voz nas ruas; 3 não quebrará a cana rachada, não apagará
a mecha bruxuleante, com fidelidade trará o julgamento. 4 Não vacilará nem desacorçoará até
que estabeleça o julgamento na terra; na sua lei as ilhas põem a sua esperança. 5 Assim diz
Deus, Iahweh, que criou os céus e os estendeu, e fez a imensidão da terra e tudo o que dela
brota, que deu o alento aos que a povoam e o sopro da vida aos que se movem sobre ela. 6
"Eu, Iahweh, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus
como aliança do povo, como luz das nações, 7 a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de
soltar do cárcere os presos, e da prisão os que habitam nas trevas." 8 Eu sou Iahweh; este é o
meu nome! Não cederei a outrem a minha glória, nem a minha honra aos ídolos. 9 As
primeiras coisas já se realizaram, agora vos anuncio outras, novas; antes que elas surjam, eu
vo-las anuncio.
Comentário: No v.1, a BJ traz “espírito” (com letra minúscula), assim como a ACF. É
melhor traduzir como “Espírito” (com letra maiúsculo), como foi argumentado acima em
relação à ACF. No v.6, a BJ interpreta a expressão “em justiça” como “para serviço da
justiça”, entendendo que a justiça não está relacionada com a forma com a qual o servo foi
chamado, mas com o propósito para o qual ele foi chamado. É melhor, porém, ficar com a
expressão literal e entendê-la em relação à forma com a qual o servo é chamado.3
3 Cf. capítulo 8.
12
3 DIAGRAMA SINTÁTICO
1 Eis meu servo,
a quem sustenho,
meu escolhido,
em quem se compraz minha alma;
coloquei meu Espírito sobre ele,
e o direito para os gentios trará.
2 Não clamará e não levantará a voz,
e não fará ouvir na rua sua voz.
3 A cana despedaçada não quebrará
e o pavio inexpressivo não apagará;
com fidelidade trará o direito.
4 Não se tornará inexpressivo e não será despedaçado,
até pôr sobre a terra o direito;
e pela sua lei as ilhas esperarão.
5 Assim diz Deus,
o SENHOR,
que criou os céus e que os estendeu,
que formou a terra e a sua descendência,
que colocou respiração no povo sobre ela
e espírito nos que andam nela:
6 eu, o SENHOR, te chamei em justiça,
e segurarei firme a tua mão,
e te guardarei, e te darei
para aliança do povo
e luz dos gentios,
13
7 para abrir os olhos dos cegos,
para trazer do calabouço o prisioneiro
e da prisão os que habitam em trevas.
8 Eu sou o SENHOR,
este é o meu nome,
e a minha glória para outro não darei,
nem o meu louvor para os ídolos.
9 As primeiras coisas, eis que se cumpriram,
e novas eu anuncio;
antes que brotem vo-las farei ouvir.
14
4 ESTRUTURA
vv.1-4: O SENHOR apresenta o Seu servo
v.1a: Em um relacionamento privilegiado com o SENHOR
v.1b: Dotado do Espírito do SENHOR para trazer o direito aos gentios
vv.2-4: Desempenhando essa tarefa
v.2: Silenciosamente
v.3: Misericordiosamente
v.4: Imperturbavelmente
vv.5-7: O SENHOR fala com o Seu servo
v.5: Como Deus criador
v.6: Sobre o chamado do Seu servo em relação a Israel e aos gentios
v.7: Sobre a tarefa do Seu servo de libertar os cativos
vv.8-9: O SENHOR Se apresenta
v.8: Zeloso por Sua glória
v.9: Infalível em Suas predições
15
5 ANÁLISE INTRODUTÓRIA
5.1 Autoria
De acordo com 1.1 e várias outras passagens (2.1; 7.3; 13.1; 20.2; 37.2,6,21;
38.1,4,21; 39.3,5,8), o autor do Livro de Isaías é o próprio profeta Isaías. O nome Isaías
significa “O SENHOR deu salvação”. Ele era filho de Amoz (1.1) e morava na cidade de
Jerusalém (7.3). Era casado e teve pelo menos dois filhos (7.3; 8.3). Segundo 2Cr 26.22,
Isaías também escreveu sobre os atos do rei Uzias. Uma antiga tradição rabínica afirma que
Isaías foi martirizado pela espada, ou serrado ao meio, durante o reinado de Manassés (cf. Hb
11.37) 1.
Atualmente, a unidade do livro de Isaías tem sido questionada e a sua autoria dos
capítulos 40-66 tem sido negada por muitos. Os capítulos 1-39 têm sido chamados de Proto-
Isaías (primeiro Isaías) e os capítulos 40-66 de Deutero-Isaías (segundo Isaías). Alguns
dividem a segunda parte em 40-55, que seria o Deutero-Isaías, e 56-66, o Trito-Isaías (terceiro
Isaías). As duas objeções principais que têm sido apresentadas à unidade do livro e à autoria
de Isaías nos capítulos 40-66 são as seguintes: primeira, Isaías não poderia ter profetizado
sobre o exílio babilônico e o retorno dos judeus, que é o grande tema de 40-66, nem ter
mencionado Ciro pelo nome (44.28; 45.1), porque esses acontecimentos são posteriores à sua
morte; segunda, a linguagem e o estilo de 40-66 são diferentes da primeira parte do livro. A
primeira objeção, porém, parte de um pressuposto antissobrenatural, que nega a possibilidade
de milagres, inclusive de verdadeiras profecias. Porém, o próprio livro de Isaías apresenta a
profecia como algo sobrenatural, que fala inclusive de fatos futuros (41.21-29). A segunda
objeção, quanto ao estilo, é altamente subjetiva e ingênua, pois desconsidera o fato de que
uma mesma pessoa pode escrever com estilos diferentes dependendo da ocasião e do tema,
além de passar por um amadurecimento no decorrer da vida. É importante mencionar também
que há vários temas, imagens, palavras e metáforas, além de zombarias em relação à idolatria,
que estão presentes em todo o livro, apontando para sua unidade.2
O NT reconhece o livro de Isaías, tanto de 1 a 39 quanto de 40 a 66, como uma obra
do profeta Isaías: Is 42.1-4 em Mt 12.17-21; Is 53.1 e 65.1 em Rm 10,16,20; e Is 6.10; 53.10
em Jo 12.38-41.
1 Cf. RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e comentário. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.10. 2 Essa discussão é baseada em BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2.ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do
Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.883,884.
16
5.2 Data e contexto histórico3
De acordo com 1.1, o ministério de Isaías ocorreu durante os reinados em Judá de
Uzias (792-740 a.C.), Jotão (750-731 a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (715-686 a.C.). O
seu chamado para o ministério ocorreu no ano da morte do rei Uzias, em 740 a.C (6.1).
Portanto, ele exerceu seu ministério por, pelo menos, 54 anos (740-686 a.C.). Porém, a escrita
do livro foi completada depois desse período, pois o último acontecimento no livro relatado
como passado foi a ascensão de Esar-Hadom ao trono da Assíria (37.38), que aconteceu em
681 a.C.
A passagem de 42.1-9 encontra-se na segunda parte do livro (40-66). Essa segunda
parte, que focaliza o cativeiro babilônico e a restauração de Israel, deve ter sido escrita depois
da visita da embaixada babilônica a Ezequias (Is 39), que ocorreu em algum momento nos
últimos quinze anos de Ezequias, de 701 a 686 a.C. (39.1; cf. 38.1-8), porque parece ter sido
depois dessa visita que Isaías passou a profetizar sobre o cativeiro babilônico (39.5-7).
Dessa forma, Isaías profetiza e escreve durante o período em que a Assíria estava
dominando o mundo e sendo usada por Deus para julgar o Seu povo. Em 722 a.C., Samaria, a
capital do Reino do Norte, cai sob o ataque dos assírios. Em 701 a.C., Senaqueribe chega às
portas de Jerusalém sob Ezequias, mas seu exército é destruído por Deus e ele é morto por
seus filhos alguns anos depois (Is 36.1-3; 37.36-38).
5.3 Público-alvo
O livro de Isaías contém profecias a respeito de Judá e Jerusalém (1.1) que foram
dirigidas ao povo de Judá durante os diversos períodos do ministério de Isaías. Como o livro
do profeta Isaías foi concluído depois de 681 a.C. (cf. seção Data, acima), durante o reinado
de Manassés (697-642 a.C.), teve como público-alvo o povo de Judá no período de
degradação moral que caracterizou o reinado desse rei (2Rs 21.1-18). A esse povo, a seção de
40-66 deve ter tido um impacto especial, por tratar de acontecimentos ainda futuros a eles, ao
contrário da maioria das profecias de 1-39, que já haviam se cumprido.
5.4 Gênero literário
3 As datas são baseadas em BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA.
17
O gênero literário de Isaías é a profecia. A profecia não era apenas a predição do
futuro, ainda que esse elemento esteja presente.4 Os profetas eram porta-vozes de Deus,
falando da parte Dele ao povo.5 Mas o que eles diziam não era totalmente novo: eles eram
especialmente mediadores para fazer cumprir a aliança mosaica, anunciando as bênçãos que o
povo receberia ao cumprir a lei e as maldições advindas pela desobediência à lei.6 Nesse
sentido, grande parte das predições dos profetas se cumpriu em sua geração ou num futuro
próximo ao seu tempo. 7
A maioria dos livros proféticos, como o livro de Isaías, é uma coletânea de vários
oráculos independentes que foram reunidos de acordo com o tema ou a época em que foram
entregues. Em geral, as profecias eram primeiramente pregadas e só depois registradas, mas
Ridderbos acha possível que Is 40-66 e as profecias messiânicas tenham sido documentos
escritos desde o início, porque se destinavam mais a gerações futuras.8
As profecias de vários profetas, inclusive as de Isaías, exibem, em geral, um caráter
poético, com o uso do paralelismo e das imagens, característico da poesia hebraica.9 Em Is
42.1-9 isso pode ser percebido claramente.
Três formas literárias eram usadas pelos profetas, todas as quais são encontradas em
Isaías: primeiro, as narrativas, tanto biográficas (Is 36-39) quanto autobiográficas (Is 6);
segundo, discursos dirigidos a Deus (Is 12.1-6); e principalmente os discursos dirigidos a
pessoas, que são predominantes nos livros proféticos.10
Esses últimos discursos apresentam
várias formas, uma das quais é a chamada “oráculo da promessa” ou “oráculo da salvação”,
na qual se encaixa Is 42.1-9. Essa forma de discurso é caracterizada por referência ao futuro
(Is 42.1-4), menção a mudanças radicais (Is 42.1,4) e menção a bênçãos (Is 42.6,7).11
5.5 Contexto literário
O texto de Is 42.1-9 se encontra na segunda parte de Isaías, que compreende os
capítulos 40 a 66. Essa parte, que se caracteriza por oráculos a respeito da libertação do
4 Cf. FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês?. 3.ed. São Paulo: Vida Nova, 2011, p.218.
5 Cf. ibid., p.219. 6 Cf. ibid., p.220,221. 7 Cf. ibid., p.218. 8 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.18.
9 Cf. ibid., p.18,19. 10 Cf. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, p.881,882. 11 Cf. FEE, Entendes o que lês?, p.234.
18
cativeiro babilônico, da restauração de Jerusalém e de acontecimentos relacionados ou
posteriores, é dividida em duas ou mais seções por diferentes autores. Os que a dividem em
duas seções tratam 40-55 como uma seção que fala da libertação do cativeiro babilônico e da
restauração de Jerusalém, e 56-66 como uma miscelânea de várias profecias.12
Ridderbos a
divide em três partes: 40.1-49.13, sobre a libertação do cativeiro babilônico; 49.14-55.13,
sobre a restauração de Jerusalém; e 56-66, uma miscelânea de profecias.13
Porém, ele
menciona outra divisão que era comum entre os estudiosos em tempos passados: 40-48, 48-
57, 58-66, baseada em uma fórmula comum no final dos capítulos 48 e 57: “para os
perversos”, diz o meu Deus, “não há paz”.14
Parece melhor entender 40-55 como uma única seção, porque além do tema da
libertação do cativeiro e da restauração de Jerusalém, há o tema unificador do “servo do
SENHOR”. Esse é o tema de quatro profecias ao longo dessa seção, que alguns chamam de
“Cânticos do Servo”15
: 42.1-9, 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12. Uma vez que Is 42.1-9 é uma
dessas profecias, ela deve ser analisada à luz dessas outras profecias sobre o “servo do
SENHOR”. É importante notar, porém, que essas profecias sobre o “servo do SENHOR” não
podem ser separadas de seu contexto, como se fossem adições a um texto já existente,16
mas
são partes integrantes da seção que compreende os capítulos 40 a 55.17
Desse modo, Is 42.1-9
também deve ser lido à luz do tema da libertação do cativeiro e da restauração de Jerusalém.
12 Cf. LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1999, p.320-325. 13 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.24,25. 14 Cf. ibid., p.24. 15 Cf. GRONINGEN, Gerard van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2003, p.550. 16 Como afirma McKenzie (cf. ibid., p550). Ridderbos também defende certa independência dessas profecias em
relação ao seu contexto literário (cf. RIDDERBOS, Isaías, p.343-345). 17 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.550-554.
19
6 ANÁLISE TEOLÓGICA DAS PALAVRAS1
db,[, (escravo, servo, subordinado): Essa palavra é usada 800 vezes no AT e expressa
a relação de todos os seres com Deus, que é o Senhor de toda a terra. Há cinco principais usos
teológicos dessa palavra, dos quais o mais relevante para a presente passagem é o do “servo
do SENHOR” (ou “servo de Deus”). Essa expressão é usada, tanto no singular quanto no
plural, em relação aos piedosos (Sl 32.22; 69.36; 113.1; 134.1), Moisés (Dt 34.5), Josué (Js
24.29), Jó (Jó 1.8), Davi (Sl 18, título), Zorobabel (Ag 2.23) e profetas, como Aías (1Rs
14.18), Elias (1Rs 18.36), Jonas (2Rs 14.25) e Isaías (Is 20.3). Ela aparece especialmente em
Is 40-55, com uma variedade de significados, que serão examinados a seguir.2
x;Wr (vento, respiração, transitoriedade, vontade, disposição, temperamento, espírito,
Espírito): Essa palavra ocorre 387 vezes no AT. O significado mais básico da palavra é
“sopro”, “ar em movimento” e “vento”, mas a amplitude de seu significado é tão grande que
pode representar genericamente algo não visto, de forma que o efeito visível dessa força
invisível possa ser adequadamente compreendido. Duas categorias de significado em especial
são importantes para a presente passagem. A primeira é o sentido de respiração, que é usado
10 vezes no AT (inclusive em Is 42.5) em relação com hm'v'n> (respiração). A respiração é um
resultado direto do poder divino e criador do SENHOR colocado sobre sua criação, de modo
que possuir respiração é vida, enquanto o fim da respiração é morte. A segunda categoria é o
sentido do metafísico, especificamente o “Espírito de Deus” ou “Espírito do SENHOR”, que
deve ser o significado de Is 42.1. Davi teve uma experiência com o Espírito ligada à sua
posição como rei de Israel. Quando foi ungido com óleo, também foi ungido com o Espírito
Santo (1Sm 16.13) e adotado como Filho de Deus (Sl 2). Esse padrão da unção com o Espírito
fundamentou algumas profecias messiânicas (Is 11.2, 42.1; 61.1).
jP'v.mi (julgamento, decisão por arbitragem, especificações legais, caso legal,
reivindicação legal): Essa palavra é usada 425 vezes no AT. É uma palavra com conotações
jurídicas evidentes. Muitas vezes é utilizada com outras palavras, como hr'AT (lei) e qd,c,
(justiça), que é o caso em Is 42.1-9. Além de outros usos, essa palavra é usada para as leis
dadas aos israelitas por meio de Moisés em Êxodo 21-23, que eram ordens de Deus para o
regulamento dos casos civis israelitas. As decisões sobre esses casos se tornaram regulatórias
1 Essa análise foi baseada em NDITEAT. 2 Cf. capítulo 8.
20
e normativas para a conduta de Israel, sendo o “direito” de Israel. O julgamento dessas
questões era, de acordo com Ex 28.15-30, responsabilidade do sacerdote, o que indica um
ofício sacerdotal para o “servo do SENHOR” de Is 42.1-9.
hr'AT (orientação, instrução, lei): Essa palavra ocorre 220 vezes no AT e 12 vezes em
Isaías. A palavra designa um padrão divino de conduta para o povo de Deus e pode incluir
não apenas leis cerimoniais e civis, mas também partes narrativas do Pentateuco, palavras dos
profetas e palavras de instrução de um pai ou mãe ao filho.
tyrIB. (tratado, acordo, aliança, pacto): Essa palavra ocorre 286 vezes no AT. A
palavra indica um mútuo compromisso que, paradoxalmente, reconhece tanto a iniciativa
divina no acordo, quanto também insiste na realidade e necessidade da escolha humana.
Várias alianças aparecem no AT explicitamente, como a aliança com Noé (Gn 6.18; 9.8-17),
com Abraão (Gn 15.18; 17.2), com Moisés (Ex 19-24) e com Davi (2Sm 7.8-17). A aliança
mencionada em Is 42.6 indica um desenvolvimento profético posterior no conceito de aliança,
onde a salvação de Deus se estenderia ao mundo todo e não apenas a uma raça escolhida.
21
7 ESTRUTURA DO SIGNIFICADO
Expressão
“Servo” (do SENHOR): 42.1;
49.3,5,6,7; 50.10; 52.13; 53.11
Referente(s)
Escolhido e chamado por Deus (42.1,6; 49.1)
Sustentado e guardado por Deus (42.1,6)
Dotado do Espírito (42.1)
Trará o direito aos gentios (42.1,3,4)
Não chamará a atenção para si (42.2,3)
Aliança do povo (42.6)
Luz dos gentios (42.6,7; 49.6)
Abre os olhos dos cegos (42.6)
Libertador (42.7)
Tem a boca como uma espada e é como uma
flecha (49.2)
Povo de Israel (49.3)
Formado por Deus (49.5)
Restaurará Israel (49.5,6)
Desprezado (49.7; 53.3)
Reis e príncipes o adorarão (49.7)
Fala e ouve como os eruditos (50.4,5)
Oferece as costas e a face aos que o ferem
(50.6)
Ajudado por Deus (50.7,9)
Justificado por Deus (50.9,10)
Procederá com prudência (52.13)
Será exaltado (52.13; 53.10)
Aparência desfigurada e sem beleza (52.14;
53.2)
Causará admiração às nações e reis (52.15)
Sofreu da parte de Deus (53.3-5,7,8,10)
Levou sobre si enfermidades, transgressões e
o castigo do povo (53.4-6,11,12)
Morreu por causa da transgressão do povo
(53.8)
Nunca fez injustiça (53.7,9)
Foi contado com os transgressores (53.9,12)
Esteve com o rico em sua morte (53.9)
Dará a sua alma como oferta pelo pecado
(53.10,12)
Verá a sua posteridade (53.10,11)
Justificará a muitos (53.11)
Intercedeu pelos transgressores (53.12)
Significado
Messias
22
8 COMENTÁRIO
O significado da passagem de Is 42.1-9 não pode ser plenamente compreendido, sem
que antes se descubra a identidade do “servo do SENHOR”. Portanto, antes de qualquer
comentário da passagem, é necessária uma análise sobre o significado dessa expressão.
O uso dessa expressão em outros textos do AT já foi examinado acima.1 Quanto à
segunda parte de Isaías (40-66), essa expressão é usada no plural para se referir aos piedosos
(54.17; 56.6; 63.17; 65.8,9,13-15; 66.14) e no singular, em outras passagens que não as
profecias do servo (42.1-9, 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12), para se referir a, pelo menos, dois
agentes do SENHOR: um profeta, talvez Isaías (44.26) e o servo coletivo, Israel (41.8,9;
42.19; 43.10; 44.1,2,21; 45.4; 48.20).
Diante disso, quem é o servo do SENHOR das profecias do servo? As respostas a essa
pergunta podem ser reunidas em três grupos: primeiro, o daqueles que consideram o servo do
SENHOR como um grupo; segundo, o daqueles que o consideram uma personalidade humana
histórica comum; e finalmente, o daqueles que o consideram como o Messias. Cada uma
dessas respostas será examinada.2
Aqueles que consideram o servo do SENHOR como um grupo, normalmente
identificam-no com o povo de Israel, baseados na grande quantidade de vezes que a expressão
é aplicada a Israel, como visto acima, e especialmente em Is 49.3, uma das profecias do servo,
onde ele é chamado de Israel. O problema desse entendimento é que há passagens onde o
servo do SENHOR é claramente diferenciado de Israel (42.6; 49.5,6; 53.5,6,9). Por isso,
alguns entendem que ele é um remanescente fiel de Israel. Porém, essa visão também é
problemática, uma vez que em 52.13-53.12 o servo do SENHOR é contrastado com todo o
Israel, que se desviou como ovelha, o que deve incluir mesmo os piedosos. Além de tudo isso,
o servo do SENHOR é apresentado em termos muito pessoais em 42.2-4; 50.4-9 e 52.13-
53.12, o que não combina com uma visão coletiva do servo.
Entre os que consideram o servo do SENHOR como uma personalidade histórica
comum, há diversas sugestões de nomes, como Uzias, Ezequias, Isaías, Josias, Jeremias,
Zorobabel, Jeoaquim, ou mesmo a sugestão de que seja um escriba do exílio ou posterior,
desconhecido atualmente. O problema é que a forma como o servo do SENHOR é descrito,
especialmente em 52.13-52.12, não se encaixa em nenhum ser humano comum, além de que
1 Cf. capítulo 6. 2 Essa discussão sobre a identidade do servo do SENHOR é baseada em RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e
comentário. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.339-343.
23
ele é apresentado não só como profeta, mas também como sacerdote e rei, três ofícios que
nunca foram assumidos por uma mesma pessoa na história de Israel.
A única posição que combina com a descrição do servo do SENHOR nas quatro
profecias do servo é aquela que o entende como o Messias. Alguns não conseguem fazer essa
identificação, por entenderem o Messias apenas como um rei e acharem algumas descrições
do servo do SENHOR, como as de 52.13-53.12, incompatíveis com esse ofício. Porém, a
mesma descrição usada para o Rei Messias em 11.1 (“renovo”) é usada para o servo do
SENHOR em 53.2. O servo do SENHOR também é apresentado como salvador do povo de
Israel (42.6,7), como aquele que estabelecerá o reino de Deus na terra (42.1-4), como alguém
que será exaltado (52.13) e que repartirá o despojo com os poderosos (53.12), todas essas
descrições que combinam com o Rei Messias. Portanto, o servo do SENHOR deve ser
identificado com o Messias.
Tendo determinado quem é o servo do SENHOR, é necessário analisar o que a
passagem de Is 42.1-9 afirma sobre ele, a fim de determinar o significado dessa passagem.
No contexto anterior dessa passagem, Deus está confortando um Israel exilado, a
quem Ele chama de “meu servo”, com a verdade de que continuaria a manter o Seu pacto com
ele (41.8-10). Não apenas isso, Deus levantará um do Norte (41.24), que deve ser Ciro (44.28;
45.1), o qual trará libertação ao Israel cativo. Deus anuncia isso duzentos anos antes que
aconteça, mostrando a nulidade tanto dos conselheiros quanto dos ídolos de Israel, que não
podem fazer o mesmo (41.26-29).3 Então, em 42.1-9, Deus anuncia por meio de Isaías a vinda
de outro servo, diferente de Israel, que seria um libertador não apenas para Israel, mas
também para os gentios.
A passagem de Is 42.1-9 se divide em três partes. Na primeira delas (vv.1-4), Deus se
dirige a Israel e lhe apresenta o Seu servo como alguém que traz o direito aos gentios. Na
segunda (vv.5-7), Deus fala com o Seu servo sobre Seu chamado e Sua tarefa de libertar Israel
e os gentios. Deus finaliza essa passagem, na terceira parte (vv.8,9), dirigindo-se novamente a
Israel e apresentando a Si mesmo como um Deus zeloso por Sua glória e infalível em Suas
predições, inclusive nessa profecia sobre o servo do SENHOR.4
3 Cf. GRONINGEN, Gerard van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2003, p.559. 4 Cf. capítulo 4.
24
A primeira parte apresenta o servo do SENHOR (vv.1-4). No v.1, Deus convida Israel
a olhar o Seu servo que, assim como Israel, foi escolhido e é sustentado por Deus (41.8-10) e,
além disso, é amado cordialmente por Deus. 5
Esse servo foi dotado do Espírito do SENHOR para uma tarefa definida: trazer o
direito aos gentios. Ao contrário do v.5, onde “espírito” é sinônimo de “respiração”,
“Espírito” aqui é o próprio Espírito de Deus,6 chamado pelo SENHOR de “meu Espírito”, que
será plenamente revelado no NT como uma pessoa distinta do Pai, ainda que da mesma
natureza que Ele (Jo 14.16,17; At 5.3,4). O “direito” tem relação com as leis dadas por Deus a
Israel por intermédio de Moisés.7 Porém, ele não é uma mera repetição da lei mosaica, porque
aqui está relacionado com a “lei” mencionada no v.4, a qual é chamada de “sua lei”, isto é, a
lei do servo do SENHOR. O servo do SENHOR é um profeta semelhante a Moisés (Dt 18.18)
que recebe a revelação de Deus de forma direta e independente e a transmite aos gentios.
Assim, “direito” e “lei” são sinônimos de “revelação”.8
Depois de apresentar o Seu servo e sua tarefa de trazer o direito aos gentios, Deus
prossegue descrevendo o modo pelo qual Seu servo desempenha essa tarefa. O v.2 o descreve
fazendo-o de maneira silenciosa, sem dar ordens gritadas, como era próprio das autoridades
públicas e dos comandantes militares.9 Seu direito não será estabelecido por meio da força.
Ele também trará o direito aos gentios de maneira misericordiosa (v.3). Tanto a cana quebrada
quanto o pavio inexpressivo, prestes a apagar, são figuras de fragilidade e representam os
fracos de um modo geral.10
O servo do SENHOR não quebrará a cana já quebrada, nem
apagará de vez o pavio cuja luz está prestes a desaparecer. Ele tratará os fracos com
misericórdia ao trazer o direito. Ao mesmo tempo, ele trará o direito de maneira
imperturbável (v.4). Isso é expresso com uma linguagem semelhante ao do v.3, o que
funciona como um jogo de palavras. O mesmo servo que não apagará o pavio inexpressivo
também não se tornará inexpressivo, sem vida. O mesmo servo que não quebrará a cana já
despedaçada também não será despedaçado.11
Nada poderá perturbá-lo em sua tarefa de
colocar sobre a terra o direito.
O v.4 se encerra com a afirmação de que as ilhas esperarão pela sua lei, o que indica
que até os lugares mais distantes do mundo gentílico serão alcançados pela revelação do servo
5 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.346. 6 Cf. capítulo 6. 7 Cf. capítulo 6. 8 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.347.
9 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.560. 10 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.347. 11 Cf. seção 2.2, onde se trata das questões textuais desse verso.
25
do SENHOR. Os gentios esperarão pela sua lei, não no sentido de estarem conscientes disso,
mas de que “há no mundo gentílico um desejo profundo, insatisfeito, que só pode ser atendido
pelo Seu ensinamento”.12
Na segunda parte dessa passagem, o SENHOR se dirige ao Seu servo (vv.5-7) e inicia
com uma apresentação de Si próprio como o Criador (v.5). Ele é Aquele que criou tanto os
céus quanto a terra, e inclusive os habitantes da última, que recebem o sopro de vida do
próprio Deus.
Esse Deus Criador é aquele que chama o Seu servo em justiça (v.6, como também o
faz com Ciro em 45.13). Essa justiça “é o atributo em cujos termos e pelo qual Ele redime a
Israel [...] o atributo pelo qual satisfaz as exigências (estabelecidas por Ele próprio) do Seu
pacto”.13
Deus, portanto, chama Seu servo guiado por tal justiça, segura firma a sua mão, o
que dá a ideia de sustento (cf. 42.1), guarda-o e o dá para “aliança do povo”14
. Essa difícil
expressão significa que “todas as bênçãos, promessas e garantias incorporadas no pacto têm
sua raiz e origem no Servo e são dispensados por ele, que é o próprio centro de todas essas
bênçãos”15
e “todo o pacto se compreende nEle, todas as bênçãos do pacto são asseguradas
nEle. Ele é o pacto ou aliança em forma personalizada”.16
O povo para o qual o servo é dado
como aliança é o povo de Israel. Além disso, o servo também é dado para “luz dos gentios”. A
metáfora da luz expressa a ideia de libertação, restauração e nova vida17
e pode também estar
relacionada com a iluminação trazida aos gentios pelo direito e lei do servo do SENHOR.18
O servo do SENHOR é chamado para ser aliança do povo e luz dos gentios a fim de
executar uma tarefa específica: libertar os cativos (v.7). Essa libertação é descrita de um modo
que combina com o fato de o servo ser luz: ela é um abrir de olhos aos cegos e uma libertação
daqueles que estão presos nas trevas. Os cativos cegos e em trevas aqui não são apenas os
gentios, mas também o povo de Israel. No contexto posterior, a partir do v.18, o povo de
Israel, descrito como servo do SENHOR, é chamado de cego e surdo, e certamente o servo do
SENHOR dos vv.1-9, o Messias, também abriria os olhos desse cego. A libertação aqui
descrita, portanto, tem relação com a libertação de Israel do cativeiro babilônico, mas é mais
ampla que isso, pois também inclui os gentios e também é espiritual em sua natureza (cf. Is
52.13-53.12).
12 RIDDERBOS, Isaías, p.350. 13 Ibid., p.351. 14 Cf. capítulo 6. 15
GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.562. 16 RIDDERBOS, Isaías, p.351. 17 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.562. 18 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.352.
26
Finalmente, na terceira parte, o próprio SENHOR se apresenta (vv.8,9), como para
assegurar o cumprimento da profecia que acabou de anunciar. Ele se apresenta, primeiro,
como um Deus zeloso por Sua glória (v.8), que não a compartilha com os ídolos, pois esses
são os mesmos ídolos mencionados anteriormente (41.29), que não podem anunciar as coisas
futuras. Em segundo lugar, Ele se apresenta como um Deus infalível em Suas predições (v.9).
Ele afirma que as primeiras coisas já se cumpriram, o que deve estar relacionado com as
profecias cumpridas no decorrer da história de Israel, especialmente as relacionadas ao
êxodo.19
Assim como essas primeiras predições se cumpriram e Deus libertou Seu povo do
cativeiro no Egito, assim também agora Deus anuncia novas predições antes que aconteçam,
sobre a libertação do Seu povo do cativeiro babilônico e espiritual por meio do Seu servo, e
certamente as cumprirá.
Portanto, a grande verdade ensinada por essa passagem de Is 42.19 é que o servo do
SENHOR traz salvação a Israel e aos gentios.
19 Cf. ibid., p.353.
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9 ESTRUTURA DO ATO COMUNICATIVO
O papel do Servo do Senhor
Deus Visão/oráculo Isaías
AC1 E1 E2 E3
Traz o direito aos gentios, desempenha Seu papel silenciosamente, aliança do
povo, luz dos gentios
M1
Isaías Is 42.1-9 Israel
AC2 E1 E2 E3
Messias
Simeão Oração a respeito de Jesus Pais de Jesus
AC3 E1 E2 E3
Luz para revelação aos gentios
M2
Lucas Lc 2.32 Teófilo/cristãos gentios
AC4 E1 E2 E3
Cumprimento da profecia de servir ao Senhor sendo luz dos gentios
Jesus Sigilo a respeito da Sua
obra
Multidões
AC5
E1 E2 E3
Sigilo messiânico
M3
Mateus Mt 12.18-21 Judeus convertidos
AC6 E1 E2 E3
Cumprimento da profecia de servir ao Senhor desempenhando Seu papel
silenciosamente
Paulo Motivo de Paulo pregar
aos gentios
Judeus que se opunham à
pregação aos gentios
AC7
E1 E2 E3
Luz dos gentios
M4
Lucas At 13.47 Teófilo/cristãos gentios
AC8 E1 E2 E3
Cumprimento da profecia do evangelho dirigido aos gentios
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Paulo Discurso sobre o conteúdo da sua
pregação
Rei Agripa
AC9
E1 E2 E3
Luz dos gentios
M5
Lucas At 26.23 Teófilo/cristãos gentios
AC10 E1 E2 E3
Cumprimento da profecia do evangelho dirigido aos gentios
M: Mensagem registrada
AC: Ato comunicativo
E1: Elemento 1 (Remetente)
E2: Elemento 2 (Tipo de mensagem)
E3: Elemento 3 (Destinatário)
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10 ABORDAGEM CANÔNICA
Isaías deve ter recebido a profecia sobre o servo do SENHOR, em Is 42.1-9, por meio
de uma visão, uma vez que seu livro é descrito como uma “visão” (1.1). Nessa visão, alguns
elementos se destacam: o servo trará o direito aos gentios, desempenhará Seu papel
silenciosamente e será aliança do povo de Israel e luz dos gentios. Ao registrar essa visão em
seu livro, Isaías tinha consciência de que ela era uma profecia a respeito do Messias, e a
escreveu com essa intenção e significado, conforme foi provado acima.1
O NT faz amplo uso dessa profecia e a aplica a Jesus. Quando Jesus é apresentado no
templo por seus pais, Simeão o toma nos braços, louva a Deus e, fazendo referência a Is 42.6,
identifica Jesus como “luz para revelação aos gentios”. Lucas, ao registrar esse fato em seu
evangelho, tencionava mostrar a Teófilo, um cristão gentio (Lc 1.3), e provavelmente a outros
cristãos gentios, que Jesus era o cumprimento da profecia de Isaías.
Muito tempo depois, quando Jesus estava exercendo Seu ministério público, ele usou
essa profecia de Isaías, particularmente 42.1-4, que apresenta o servo desempenhando Seu
papel silenciosamente, para explicar por que ele não queria que O expusessem à publicidade
(Mt 12.18-21). Esse uso claramente identifica Jesus com o servo do SENHOR. Mateus, que
registra esse comportamento sigiloso de Jesus, identifica-o como um cumprimento da profecia
de Isaías (Mt 12.17).
Essa profecia também é usada pelo apóstolo Paulo em duas ocasiões de seu ministério.
A primeira delas foi quando Paulo pregou em uma sinagoga de Antioquia da Pisídia e teve
como ouvintes não apenas judeus, mas também muitos gentios, uma vez que quase toda a
cidade foi ouvi-lo (At 13.44). Os judeus ficaram com inveja por causa da multidão que ouvia
Paulo e começaram a contradizer o seu discurso. Por isso, Paulo afirmou que, diante da
rejeição dos judeus à palavra de Deus, ele se voltaria para os gentios, e fundamentou essa
decisão com Is 49.6, outra profecia do servo do SENHOR, que o apresenta como “luz dos
gentios” e “salvação até aos confins da terra” (At 13.47). Como o Messias tinha sido
constituído como luz dos gentios, Paulo também se dirigiria a eles. Ao aplicar Is 49.6 ao
Messias, Paulo indiretamente também aplicou Is 42.6, uma vez que ambas as passagens
tratam do servo do SENHOR e o identificam como “luz dos gentios”. Lucas, ao registrar esse
acontecimento no livro de Atos, desejava apresentar Jesus, a Teófilo (At 1.1) e a outros
cristãos gentios, como o cumprimento da profecia de Is 49.6 e, por implicação, de Is 42.6.
1 Cf. capítulos 7 e 8.
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A segunda ocasião em que Paulo cita essa profecia é em seu discurso diante do rei
Agripa. Depois de fazer um relato autobiográfico, Paulo conclui afirmando que o conteúdo da
sua pregação é o mesmo da de Moisés e dos profetas: o Cristo sofreria, seria o primeiro da
ressurreição dos mortos e “anunciaria a luz ao povo e aos gentios” (At 26.23). Aqui Paulo está
aludindo a Is 42.6, o que pode ser percebido pelo contexto imediato (At 26.17,18), onde há
uma alusão a Is 42.7, que fala sobre o “abrir os olhos dos cegos”. É interessante observar,
porém, que em At 26.17,18, é Paulo, e não Jesus, quem é comissionado para abrir os olhos
dos gentios. Isso é assim porque, como apóstolo, Paulo seria um dos instrumentos pelos quais
o próprio Senhor Jesus Cristo abriria os olhos dos gentios. Enfim, essa aplicação que Paulo
faz de Is 42.6 a Jesus é registrada por Lucas em Atos, também com o propósito de mostrar a
Teófilo e aos cristãos gentios que Jesus era o cumprimento da profecia de Isaías.
Portanto, o uso que o NT faz de Is 42.1-9 comprova que o servo do SENHOR dessa
profecia é Jesus, o Messias prometido.
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11 APLICAÇÃO
Muitas aplicações podem ser extraídas da passagem de Is 42.1-9. Aqui são
apresentadas apenas algumas.
O fato do Senhor Jesus Cristo, o servo do SENHOR, trazer salvação tanto a Israel
quanto aos gentios deve estimular a Igreja a anunciar o Evangelho a todos as nações, tribos,
povos e línguas (Ap 5.9,10; 7.9,10), inclusive aos judeus. A Igreja no decorrer da história, e
também no século XXI, tem falhado especialmente quanto ao anúncio do Evangelho aos
judeus. Esse pecado deve ser substituído por um esforço missionário em prol da
evangelização deles, a fim de que “todo o Israel seja salvo” (Rm 11.26).
Como o Senhor Jesus Cristo não estabelece o Seu Reino pela força (Is 42.2), pois o
Seu Reino não é deste mundo (Jo 18.36), a Sua Igreja deve seguir o Seu exemplo, inculcando
o Seu direito, o Evangelho, não com métodos e estratégias humanas, mas com o poder do
Espírito (At 1.8; 1Co 2.4).
Finalmente, a verdade de que o Senhor Jesus Cristo não quebra a cana despedaçada,
nem apaga o pavio inexpressivo, deve trazer um grande conforto a todos os que estão
cansados e sobrecarregados (Mt 11.28-30). Jesus traz o Seu Evangelho ao mundo de maneira
misericordiosa, apresentando-Se como Aquele que pode dar alívio a todos os que sofrem sob
o peso dos seus pecados, afinal, foi Ele mesmo Quem os carregou na cruz e os enterrou na
sepultura (1Pe 2.24; Rm 6.2-7).
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12 ESBOÇO DO SERMÃO
Tema: O Senhor Jesus Cristo traz salvação até aos confins da terra
Pontos:
1. Por meio de Sua revelação (vv.1-4)
2. Por meio de Sua libertação (vv.5-7)
3. De modo certo e seguro (vv.8,9)
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13 CONCLUSÃO
Por meio da análise exegética de Is 42.1-9, pode-se descobrir tanto a identidade do
servo do SENHOR, que é o próprio Messias, quanto o significado da passagem: o servo do
SENHOR traz salvação a Israel e aos gentios. E esse servo do SENHOR, segundo o NT, é o
próprio Senhor Jesus Cristo, o Messias prometido.
34
14 BIBLIOGRAFIA
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Paulo: Cultura Cristã, 2009.
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VANGEMEREN, Willem A. Novo dicionário internacional de teologia e exegese do Antigo
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