39
SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO NORDESTE MEMORIAL IGREJA PRESBITERIANA DA CORÉIA O SERVO DO SENHOR: UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE ISAÍAS 42.1-9 ANDRÉ ALOÍSIO OLIVEIRA DA SILVA Teresina 2013

Exegese de Isaías 42.1-9

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Exegese de Isaías 42.1-9

SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO NORDESTE

MEMORIAL IGREJA PRESBITERIANA DA CORÉIA

O SERVO DO SENHOR:

UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE ISAÍAS 42.1-9

ANDRÉ ALOÍSIO OLIVEIRA DA SILVA

Teresina

2013

Page 2: Exegese de Isaías 42.1-9

ANDRÉ ALOÍSIO OLIVEIRA DA SILVA

O SERVO DO SENHOR:

UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE ISAÍAS 42.1-9

Trabalho apresentado ao Rev. Jefté Alves

para avaliação na disciplina Exegese do

Antigo Testamento 3.

Teresina

2013

Page 3: Exegese de Isaías 42.1-9

SIGLAS E ABREVIATURAS

ACF: Almeida Corrigida e Fiel

ARA: Almeida Revista e Atualizada

AT: Antigo Testamento

BHS: Biblia Hebraica Stuttgartensia

BJ: Bíblia de Jerusalém

LXX: Septuaginta

NDITEAT: Novo dicionário internacional de teologia e exegese do Antigo Testamento

NT: Novo Testamento

NVI: Nova Versão Internacional

Page 4: Exegese de Isaías 42.1-9

RESUMO

Este trabalho é uma análise exegética de Isaías 42.1-9, onde se objetiva mostrar que a

verdade expressa nessa passagem é a de que o servo do SENHOR, o qual é o próprio Messias,

traz salvação a Israel e aos gentios.

PALAVRAS-CHAVES: Servo do SENHOR; Messias; Direito; Lei; Aliança;

Libertação.

Page 5: Exegese de Isaías 42.1-9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 1

2 TRADUÇÃO E ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA .................................... 2

2.1 Tradução literal ................................................................................................. 2

2.2 Análise manuscritológica .................................................................................. 8

2.3 Tradução final ................................................................................................... 9

2.4 Traduções comparadas .................................................................................... 10

3 DIAGRAMA SINTÁTICO ......................................................................... 12

4 ESTRUTURA ............................................................................................ 14

5 ANÁLISE INTRODUTÓRIA ..................................................................... 15

5.1 Autoria ........................................................................................................... 15

5.2 Data e contexto histórico ................................................................................. 16

5.3 Público-alvo.................................................................................................... 16

5.4 Gênero literário ............................................................................................... 16

5.5 Contexto literário ............................................................................................ 17

6 ANÁLISE TEOLÓGICA DAS PALAVRAS ............................................... 19

7 ESTRUTURA DO SIGNIFICADO ............................................................. 21

8 COMENTÁRIO ......................................................................................... 22

9 ESTRUTURA DO ATO COMUNICATIVO ................................................ 27

10 ABORDAGEM CANÔNICA ..................................................................... 29

11 APLICAÇÃO ............................................................................................ 31

12 ESBOÇO DO SERMÃO ............................................................................. 32

13 CONCLUSÃO ........................................................................................... 33

14 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 34

Page 6: Exegese de Isaías 42.1-9

1

1 INTRODUÇÃO

Em Is 42.1-9 e em outras profecias relacionadas1 faz-se menção de uma personagem

cuja identidade tem sido muito debatida pelos estudiosos da atualidade: o “servo do

SENHOR”. Na verdade, essa identidade tem sido debatida desde tempos remotos, por rabinos

judeus e outros que tinham acesso ao livro do profeta Isaías. O eunuco a quem Filipe

evangelizou foi um dos que perguntaram sobre a identidade desse servo: “Peço-te que me

expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?” (At 8.34).

Diante desse fato, a proposta deste trabalho é analisar exegeticamente a passagem de

Is 42.1-9, para determinar a identidade desse servo do SENHOR e, assim, extrair o

significado dessa passagem. Para isso, faz-se, em primeiro lugar, uma tradução do texto

hebraico, que envolve uma análise morfológica e manuscritológica; depois, um diagrama

sintático, a partir do qual também é elaborada uma estrutura da passagem; em seguida, uma

análise introdutória, envolvendo autoria, data, contexto histórico, público-alvo, gênero

literário e contexto literário; depois, uma análise teológica de palavras-chaves da passagem;

posteriormente, uma estrutura do significado, que auxilia na identificação do servo do

SENHOR e na determinação do significado do texto, ambas realizadas em um comentário da

passagem; depois, uma estrutura do ato comunicativo, que auxilia na abordagem canônica da

passagem feita logo depois; e finalmente, uma apresentação de aplicações dessa passagem

para a Igreja do século XXI, juntamente com um esboço de sermão.

1 Is 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12.

Page 7: Exegese de Isaías 42.1-9

2

2 TRADUÇÃO E ANÁLISE MANUSCRITOLÓGICA

2.1 Tradução literal

`ayci(Ay ~yIïAGl; jP'Þv.mi wyl'ê[' ‘yxiWr yTit;Ûn" yvi_p.n: ht'äc.r" yrIßyxiB. ABê-%m't.a, ‘yDIb.[; !hEÜ 1

Palavra Morfologia1 Tradução

!Heü !he Interjeição Eis

‘yDIb.[; db,[, Substantivo comum masc. sing.

construto com sufixo pronominal 1ª comum

sing.

Meu servo

ABê-%m't.a, $mt Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.

B. Preposição com sufixo pronominal 3ª masc.

sing.

Sustenho a ele

yrIßyxiB. ryxiB' Adjetivo masc. sing. construto com

sufixo pronominal 1ª comum sing.

Meu escolhido

ht'äc.r" hcr Verbo perfeito Qal 3ª fem. sing. Compraz

yvi_p.n: vp,n< Substantivo comum fem. sing. construto

com sufixo pronominal 1ª comum sing.

Minha alma

yTit;Ûn" !tn Verbo perfeito Qal 1ª comum sing. Coloquei, pus, dei

‘yxiWr x;Wr Substantivo comum masc. ou fem. sing.

construto com sufixo pronominal 1ª comum

sing.

Meu Espírito

wyl'ê[' l[; Preposição com sufixo pronominal 3ª

masc. sing.

Sobre ele

jP'Þv.mi jP'v.mi Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Juízo, direito, julgamento,

justiça

~yIïAGl; l. Preposição h; Artigo yAG Substantivo comum masc. pl. absoluto

Para os gentios

ayci(Ay acy Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing. Trará

1 Eis meu servo a quem sustenho, meu escolhido [em quem] se compraz minha alma;

coloquei meu Espírito sobre ele, [o] direito para os gentios trará.

`Al*Aq #WxßB; [:ymiîv.y:-al{)w> aF'_yI al{åw> q[;Þc.yI al{ 2

1 A nomenclatura da análise morfológica está baseada em KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma gramática

introdutória. 7ed. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2009.

Page 8: Exegese de Isaías 42.1-9

3

Palavra Morfologia Tradução

al{ al{ Partícula negativa Não

q[;Þc.yI q[c Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Clamará

al{åw> w> Conjunção al{ Partícula negativa

E não

aF'_yI afn Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Levantará

[:ymiîv.y:-al{)w> w> Conjunção al{ Partícula negativa

[mv Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing.

E não fará ouvir

#WxßB; B. Preposição h; Artigo #Wx Substantivo comum masc. sing. absoluto

Na rua

Al*Aq lAq Substantivo comum masc. sing.

construto com sufixo pronominal 3ª masc.

sing.

Sua voz

2 Não clamará e não levantará e não fará ouvir na rua sua voz.

`jP'(v.mi ayciîAy tm,Þa/l, hN"B<+k;y> al{å hh'Þke hT'îv.piW rABêv.yI al{å ‘#Wcr" hn<Üq' 3

Palavra Morfologia Tradução

hn<Üq' hn<q' Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Cana

‘#Wcr" #cr Verbo particípio Qal masc. sing.

absoluto

Despedaçada

al{å al{ Partícula negativa Não

rABêv.yI rbv Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Quebrará

hT'îv.piW w> Conjunção hT'v.Pi Substantivo comum fem. sing.

absoluto

E pavio

hh'Þke hh,Ke Adjetivo fem. sing. absoluto Inexpressivo

al{å al{ Partícula negativa Não

hN"B<+k;y> hbk Verbo imperfeito Piel 3ª masc. sing.

com sufixo pronominal 3ª fem. sing.

O apagará

tm,Þa/l, l. Preposição

tm,a/ Substantivo comum fem. sing.

absoluto

Com fidelidade

ayciîAy acy Verbo imperfeito Hifil 3ª masc. sing. Trará

jP'(v.mi jP'v.mi Substantivo comum masc. sing. Juízo, direito, julgamento,

justiça

Page 9: Exegese de Isaías 42.1-9

4

absoluto

3 Cana despedaçada não quebrará, e pavio inexpressivo, não o apagará, com fidelidade

trará [o] direito.

p `Wlyxe(y:y> ~yYIïai Atßr"Atl.W jP'_v.mi #r<a'ÞB' ~yfiîy"-d[; #Wrêy" al{åw> ‘hh,k.yI al{Ü 4

Palavra Morfologia Tradução

al{Ü al{ Partícula negativa Não

‘hh,k.yI hhk Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Se tornará inexpressivo

al{åw> w> Conjunção al{ Partícula negativa

E não

#Wrêy" #cr Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing. Despedaçará

~yfiîy"-d[; d[; Preposição ~yf Verbo imperfeito Qal 3ª masc. sing.

Até pôr

#r<a'ÞB' B. Preposição

h; Artigo #r,a, Substantivo comum fem. sing. absoluto

Sobre a terra

jP'_v.mi jP'_v.mi Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Juízo, direito, julgamento,

justiça

Atßr"Atl.W w> Conjunção l. Preposição

hr'AT Substantivo comum fem. sing.

construto com sufixo pronominal 3ª masc.

sing.

E pela sua lei

~yYIïai yai Substantivo comum masc. pl. absoluto Ilhas

Wlyxe(y:y> lxy Verbo imperfeito Piel 3ª masc. pl. Esperarão

4 Não se tornará inexpressivo e não despedaçará, até pôr sobre a terra [o] direito, e pela

sua lei, ilhas esperarão.

‘hm'v'n> !tEÜnO h'ya,_c'a/c,w> #r<a'Þh' [q:ïro ~h,êyjeAnæw> ‘~yIm;’V'h; arEÛAB hw"©hy> Ÿlaeäh' rm;úa'-hKo) 5

`HB'( ~ykiîl.hol; x:Wrßw> h'yl,ê[' ~['äl'

Palavra Morfologia Tradução

rm;úa'-hKo) hKo Advérbio

rma Verbo perfeito Qal 3ª masc. sing.

Assim diz

laeäh' h; Artigo O Deus

Page 10: Exegese de Isaías 42.1-9

5

lae Substantivo comum masc. sing. absoluto

hw"©hy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR

arEÛAB arb Verbo particípio Qal masc. sing.

absoluto

Que criou

‘~yIm;’V'h; h; Artigo ~yIm;v' Substantivo comum masc. pl. absoluto

Os céus

~h,êyjeAnæw> w> Conjunção hjn Verbo particípio Qal masc. pl. construto

com sufixo pronominal 3ª masc. pl.

E que os estendeu

[q:iro [qr Verbo particípio Qal masc. sing.

absoluto

Que formou, bateu

#r<a'Þh' h; Artigo #r,a, Substantivo comum fem. sing. absoluto

A terra

h'ya,_c'a/c,w> w> Conjunção ac'a/c, Substantivo comum masc. pl.

construto com sufixo pronominal 3ª fem. sing.

E sua descendência

!tEÜnO !tn Verbo particípio Qal masc. sing. absoluto Que deu, colocou, pôs

‘hm'v'n> hm'v'n> Substantivo comum fem. sing. absoluto Respiração

~['äl' l. Preposição h; Artigo

~[; Substantivo comum masc. sing. absoluto

Ao povo

h'yl,ê[' l[; Preposição com sufixo pronominal 3ª fem.

sing.

Sobre ela

x:Wrßw> w> Conjunção x;Wr Substantivo comum masc. ou fem. sing.

absoluto

E espírito

~ykiîl.hol; l. Preposição h; Artigo

$lh Verbo particípio Qal masc. pl. absoluto

Para os que andam

HB'( B. Preposição com sufixo pronominal 3ª fem.

sing.

Nela

5 Assim diz Deus, o SENHOR, que criou os céus e que os estendeu, que formou a terra

e sua descendência, que deu respiração ao povo sobre ela e espírito para os que andam nela.

`~yI)AG rAaðl. ~['Þ tyrIïb.li ^±n>T,a,w> ^ªr>C'a,w> ^d<+y"B. qzEåx.a;w> qd<c,Þb. ^)ytiîar"q. hw"±hy> ynIôa] 6

Palavra Morfologia Tradução

ynIôa] ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum Eu

Page 11: Exegese de Isaías 42.1-9

6

sing.

hw"±hy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR

^)ytiîar"q. arq Verbo perfeito Qal 1ª comum sing. com

sufixo pronominal 2ª masc. sing.

Te chamei

qd<c,Þb. B. Preposição qd,c, Substantivo comum masc. sing. absoluto

Em justiça

qzEåx.a;w> w> Conjunção qzx Verbo imperfeito Hifil 1ª comum sing.

na forma de jussivo.

E pegarei

^d<+y"B. B. Preposição dy" Substantivo comum fem. sing. construto

com sufixo pronominal 2ª masc. sing.

Na tua mão

^ªr>C'a,w> w> Conjunção rcn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.

com sufixo pronominal 2ª masc. sing.

E te guardarei

^±n>T,a,w> w> Conjunção

!tn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.

com sufixo pronominal 2ª masc. sing.

E te darei

tyrIïb.li l. Preposição tyrIB. Substantivo comum fem. sing.

construto

Para aliança do

~['Þ ~[; Substantivo comum masc. sing. absoluto Povo

rAaðl. l. Preposição rAa Substantivo comum masc. ou fem. sing.

construto

E luz das

~yI)AG yAG Substantivo comum masc. pl. absoluto Gentios

6 Eu, o SENHOR, te chamei em justiça e pegarei na tua mão e te guardarei e te darei

para aliança do povo e luz dos gentios.

`%v,xo) ybev.yOð al,K,Þ tyBeîmi rySiêa; ‘rGEs.M;mi ayciÛAhl. tAr+w>[i ~yIn:åy[e x:qoßp.li 7

Palavra Morfologia Tradução

x:qoßp.li l. Preposição xqp Verbo infinitivo Qal construto

Para abrir de

~yIn:åy[e !yI[; Substantivo comum masc. ou fem. dual

absoluto

Olhos

tAr+w>[i rWE[i Adjetivo fem. pl. absoluto Cegos

ayciÛAhl. l. Preposição Para trazer

Page 12: Exegese de Isaías 42.1-9

7

acy Verbo infinitivo Hifil construto

‘rGEs.M ;mi !mi Preposição rGEs.m; Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Do calabouço

rySiêa; rySia; Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Prisioneiro

tyBeîmi !mi Preposição tyIB; Substantivo comum masc. sing.

construto

Da casa de

al,K,Þ al,K, Substantivo comum masc. sing. absoluto Confinamento

ybev.yOð bvy Verbo particípio Qal masc. plural

construto

Os que habitam

%v,xo) %v,xo Substantivo comum masc. sing.

absoluto

Trevas

7 Para abrir [os] olhos [dos] cegos, para trazer do calabouço [o] prisioneiro, da casa de

confinamento os que habitam [em] trevas.

`~yli(ysiP.l; ytiÞL'hit.W !Teêa,-al{) rxEåa;l. ‘ydIAbk.W ymi_v. aWhå hw"ßhy> ynIïa 8

Palavra Morfologia Tradução

ynIïa ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum

sing.

Eu

hw"ßhy> hwhy Substantivo próprio O SENHOR

aWhå aWh Pronome pessoal independente 3ª masc.

sing.

Este

ymi_v. ~ve Substantivo comum masc. sing. construto

com sufixo pronominal 1ª comum sing.

Meu nome

‘ydIAbk.W w> Conjunção dAbK' Substantivo comum masc. sing.

construto com sufixo pronominal 1ª comum

sing.

E minha glória

rxEåa;l. l. Preposição rxea; Adjetivo masc. sing. absoluto

Para outro

!Teêa,-al{) al{ Partícula negativa

!tn Verbo imperfeito Qal 1ª comum sing.

Não darei

ytiÞL'hit.W w> Conjunção hL'hiT. Substantivo comum fem. sing.

construto com sufixo pronominal 1ª comum

sing.

E meu louvor

Page 13: Exegese de Isaías 42.1-9

8

~yli(ysiP.l; l. Preposição h; Artigo

lysiP' Substantivo comum masc. pl. absoluto

Para os ídolos

8 Eu [sou] o SENHOR, este [é] meu nome, e minha glória para outro não darei, nem

meu louvor para os ídolos.

p `~k,(t.a, [ymiîv.a; hn"x.m;Þc.Ti ~r<j,îB. dyGIëm; ynIåa] ‘tAvd"x]w:) Wab'_-hNEhi tAnàvoarI)h 9

Palavra Morfologia Tradução

tAnàvoarI)h h; Artigo

!AvarI Adjetivo fem. pl. absoluto

As primeiras

Wab'_-hNEhi hNEhi Interjeição awb Verbo perfeito Qal 3ª comum pl.

Eis que se cumpriram

‘tAvd"x]w:) w> Conjunção vd'x' Adjetivo fem. pl. absoluto

E novas

ynIåa] ynIa] Pronome pessoal independente 1ª comum

sing.

Eu

dyGIëm; dgn Verbo particípio Hifil masc. sing.

absoluto

Anuncio

~r<j,îB. B. Preposição ~r,j, Advérbio

Antes

hn"x.m;Þc.Ti xmc Verbo imperfeito Qal 3ª fem. pl. Brotam

[ymiîv.a; [mv Verbo imperfeito Hifil 1ª comum sing. Farei ouvir

~k,(t.a, tae Partícula indicativa do objeto direto com

sufixo pronominal 2ª masc. pl.

A vós

9 As primeiras [coisas], eis que se cumpriram, e novas eu anuncio, antes que brotem

farei ouvir a vós.

2.2 Análise manuscritológica2

Verso 1: A LXX acrescenta Iakwb (“Jacó”) antes de o pai/j mou (“meu servo”) e

Israhl (“Israel”) antes de o evklekto,j mou (“meu escolhido”). Essa leitura, porém, não é

apoiada por nenhum manuscrito em hebraico e deve ser um acréscimo dos tradutores da LXX.

2 Esta análise foi realizada com o aparato crítico da BHS.

Page 14: Exegese de Isaías 42.1-9

9

Verso 1: O primeiro manuscrito de Isaías encontrado na primeira gruta de Hirbet

Qumran, datado do século II a.C., traz wjpvmw (“e seu direito”) em lugar de jP'v.mi

(“direito”). É difícil decidir qual leitura representa o texto original, porque ainda que o texto

de Qumran seja mais antigo, o Texto Massorético é bastante representativo e baseado em uma

tradição textual também antiga. Por conveniência, se adotará a leitura do Texto Massorético.

Verso 3: O primeiro manuscrito de Isaías encontrado na primeira gruta de Hirbet

Qumran, datado do século II a.C., traz hbky (“apagará”) em lugar de hN"B,k;y> (“o apagará”). É

difícil decidir qual leitura representa o texto original pelos mesmos motivos mencionados no

verso 1 acima. Por conveniência, se adotará a leitura do Texto Massorético.

Verso 4: A LXX traduz na voz passiva (qrausqh,setai, “será despedaçado”) o verbo

#Wry" , que está no tronco Qal, na voz ativa (“despedaçará”). O Targum de Jônatas bem Uziel,

do século V d.C., apoia essa leitura da LXX. A BHS também apoia essa leitura, ao sugerir que

se altere as vogais do Texto Massorético para #AryE . Ainda que a evidência externa não seja

conclusiva, a evidência interna não deixa dúvidas de que essa leitura é preferível, pois

combina melhor com o verbo hhK (“tornar-se inexpressivo”) do v.4, cuja ação é sofrida e

não provocada pelo servo, além de que a diferença entre as leituras é apenas de vogais, que

não estavam presentes no texto original.

2.3 Tradução final

1 Eis meu servo, a quem sustenho, meu escolhido, em quem se compraz minha alma;

coloquei meu Espírito sobre ele, e o direito para os gentios trará. 2 Não clamará, e não

levantará a voz, e não fará ouvir na rua sua voz. 3 A cana despedaçada não quebrará e o pavio

inexpressivo não apagará; com fidelidade trará o direito. 4 Não se tornará inexpressivo e não

será despedaçado, até pôr sobre a terra o direito; e pela sua lei as ilhas esperarão. 5

Assim diz

Deus, o SENHOR, que criou os céus e que os estendeu, que formou a terra e a sua

descendência, que colocou respiração no povo sobre ela e espírito nos que andam nela: 6 eu, o

SENHOR, te chamei em justiça, e segurarei firme a tua mão, e te guardarei, e te darei para

aliança do povo e luz dos gentios, 7 para abrir os olhos dos cegos, para trazer do calabouço o

Page 15: Exegese de Isaías 42.1-9

10

prisioneiro e da prisão os que habitam em trevas. 8 Eu sou o SENHOR, este é o meu nome, e a

minha glória para outro não darei, nem o meu louvor para os ídolos. 9 As primeiras coisas, eis

que se cumpriram, e novas eu anuncio; antes que brotem vo-las farei ouvir.

2.4 Traduções comparadas

Almeida Corrigida e Fiel: 1 EIS aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em

quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios. 2 Não

clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. 3 A cana trilhada não quebrará,

nem apagará o pavio que fumega; com verdade trará justiça. 4 Não faltará, nem será

quebrantado, até que ponha na terra a justiça; e as ilhas aguardarão a sua lei. 5 Assim diz

Deus, o SENHOR, que criou os céus, e os estendeu, e espraiou a terra, e a tudo quanto

produz; que dá a respiração ao povo que nela está, e o espírito aos que andam nela. 6 Eu, o

SENHOR, te chamei em justiça, e te tomarei pela mão, e te guardarei, e te darei por aliança

do povo, e para luz dos gentios. 7 Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos,

e do cárcere os que jazem em trevas. 8 Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória,

pois, a outrem não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura. 9 Eis que as primeiras

coisas já se cumpriram, e as novas eu vos anuncio, e, antes que venham à luz, vo-las faço

ouvir.

Comentário: No v.1, a ACF traz “espírito” (com letra minúscula), talvez porque no

v.5 “espírito” seja sinônimo de “respiração”. Porém, no v.1, “Espírito” deve ser uma

referência ao Espírito de Deus, porque ele é qualificado como “meu Espírito” (de Deus). No

v.2, a ACF entende o verbo “levantar” como “exaltar”. Mas é mais provável que ele tenha

relação com a voz que é mencionada logo depois no verso e assim signifique “levantar a voz”,

sendo sinônimo de “fazer ouvir a sua voz”.

Nova Versão Internacional: 1 “Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido,

em quem tenho prazer. Porei nele o meu Espírito, e ele trará justiça às nações. 2 Não gritará

nem clamará, nem erguerá a voz nas ruas. 3 Não quebrará o caniço rachado, e não apagará o

pavio fumegante. Com fidelidade fará justiça; 4 não mostrará fraqueza nem se deixará ferir,

até que estabeleça a justiça na terra. Em sua lei as ilhas porão sua esperança.” 5 É o que diz

Deus, o SENHOR, aquele que criou o céu e o estendeu, que espalhou a terra e tudo o que dela

procede, que dá fôlego aos seus moradores e vida aos que andam nela: 6 “Eu, o SENHOR, o

chamei para justiça; segurarei firme a sua mão. Eu o guardarei e farei de você um mediador

Page 16: Exegese de Isaías 42.1-9

11

para o povo e uma luz para os gentios, 7 para abrir os olhos aos cegos, para libertar da prisão

os cativos e para livrar do calabouço os que habitam na escuridão. 8 “Eu sou o SENHOR; este

é o meu nome! 8 Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor. 9 Vejam! As

profecias antigas aconteceram, e novas eu anuncio; antes de surgirem, eu as declaro a vocês”.

Comentário: No v.6, a NVI interpreta a expressar “aliança para o povo” como

“mediador para o povo”. Porém, essa é uma interpretação que perde a força da expressão

original. O servo aqui não é apenas um mediador da aliança, mas a própria aliança.

Bíblia de Jerusalém: 1 Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem tenho

prazer. Pus sobre ele o meu espírito, ele trará o julgamento às nações. 2 Ele não clamará, não

levantará a voz, não fará ouvir a sua voz nas ruas; 3 não quebrará a cana rachada, não apagará

a mecha bruxuleante, com fidelidade trará o julgamento. 4 Não vacilará nem desacorçoará até

que estabeleça o julgamento na terra; na sua lei as ilhas põem a sua esperança. 5 Assim diz

Deus, Iahweh, que criou os céus e os estendeu, e fez a imensidão da terra e tudo o que dela

brota, que deu o alento aos que a povoam e o sopro da vida aos que se movem sobre ela. 6

"Eu, Iahweh, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus

como aliança do povo, como luz das nações, 7 a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de

soltar do cárcere os presos, e da prisão os que habitam nas trevas." 8 Eu sou Iahweh; este é o

meu nome! Não cederei a outrem a minha glória, nem a minha honra aos ídolos. 9 As

primeiras coisas já se realizaram, agora vos anuncio outras, novas; antes que elas surjam, eu

vo-las anuncio.

Comentário: No v.1, a BJ traz “espírito” (com letra minúscula), assim como a ACF. É

melhor traduzir como “Espírito” (com letra maiúsculo), como foi argumentado acima em

relação à ACF. No v.6, a BJ interpreta a expressão “em justiça” como “para serviço da

justiça”, entendendo que a justiça não está relacionada com a forma com a qual o servo foi

chamado, mas com o propósito para o qual ele foi chamado. É melhor, porém, ficar com a

expressão literal e entendê-la em relação à forma com a qual o servo é chamado.3

3 Cf. capítulo 8.

Page 17: Exegese de Isaías 42.1-9

12

3 DIAGRAMA SINTÁTICO

1 Eis meu servo,

a quem sustenho,

meu escolhido,

em quem se compraz minha alma;

coloquei meu Espírito sobre ele,

e o direito para os gentios trará.

2 Não clamará e não levantará a voz,

e não fará ouvir na rua sua voz.

3 A cana despedaçada não quebrará

e o pavio inexpressivo não apagará;

com fidelidade trará o direito.

4 Não se tornará inexpressivo e não será despedaçado,

até pôr sobre a terra o direito;

e pela sua lei as ilhas esperarão.

5 Assim diz Deus,

o SENHOR,

que criou os céus e que os estendeu,

que formou a terra e a sua descendência,

que colocou respiração no povo sobre ela

e espírito nos que andam nela:

6 eu, o SENHOR, te chamei em justiça,

e segurarei firme a tua mão,

e te guardarei, e te darei

para aliança do povo

e luz dos gentios,

Page 18: Exegese de Isaías 42.1-9

13

7 para abrir os olhos dos cegos,

para trazer do calabouço o prisioneiro

e da prisão os que habitam em trevas.

8 Eu sou o SENHOR,

este é o meu nome,

e a minha glória para outro não darei,

nem o meu louvor para os ídolos.

9 As primeiras coisas, eis que se cumpriram,

e novas eu anuncio;

antes que brotem vo-las farei ouvir.

Page 19: Exegese de Isaías 42.1-9

14

4 ESTRUTURA

vv.1-4: O SENHOR apresenta o Seu servo

v.1a: Em um relacionamento privilegiado com o SENHOR

v.1b: Dotado do Espírito do SENHOR para trazer o direito aos gentios

vv.2-4: Desempenhando essa tarefa

v.2: Silenciosamente

v.3: Misericordiosamente

v.4: Imperturbavelmente

vv.5-7: O SENHOR fala com o Seu servo

v.5: Como Deus criador

v.6: Sobre o chamado do Seu servo em relação a Israel e aos gentios

v.7: Sobre a tarefa do Seu servo de libertar os cativos

vv.8-9: O SENHOR Se apresenta

v.8: Zeloso por Sua glória

v.9: Infalível em Suas predições

Page 20: Exegese de Isaías 42.1-9

15

5 ANÁLISE INTRODUTÓRIA

5.1 Autoria

De acordo com 1.1 e várias outras passagens (2.1; 7.3; 13.1; 20.2; 37.2,6,21;

38.1,4,21; 39.3,5,8), o autor do Livro de Isaías é o próprio profeta Isaías. O nome Isaías

significa “O SENHOR deu salvação”. Ele era filho de Amoz (1.1) e morava na cidade de

Jerusalém (7.3). Era casado e teve pelo menos dois filhos (7.3; 8.3). Segundo 2Cr 26.22,

Isaías também escreveu sobre os atos do rei Uzias. Uma antiga tradição rabínica afirma que

Isaías foi martirizado pela espada, ou serrado ao meio, durante o reinado de Manassés (cf. Hb

11.37) 1.

Atualmente, a unidade do livro de Isaías tem sido questionada e a sua autoria dos

capítulos 40-66 tem sido negada por muitos. Os capítulos 1-39 têm sido chamados de Proto-

Isaías (primeiro Isaías) e os capítulos 40-66 de Deutero-Isaías (segundo Isaías). Alguns

dividem a segunda parte em 40-55, que seria o Deutero-Isaías, e 56-66, o Trito-Isaías (terceiro

Isaías). As duas objeções principais que têm sido apresentadas à unidade do livro e à autoria

de Isaías nos capítulos 40-66 são as seguintes: primeira, Isaías não poderia ter profetizado

sobre o exílio babilônico e o retorno dos judeus, que é o grande tema de 40-66, nem ter

mencionado Ciro pelo nome (44.28; 45.1), porque esses acontecimentos são posteriores à sua

morte; segunda, a linguagem e o estilo de 40-66 são diferentes da primeira parte do livro. A

primeira objeção, porém, parte de um pressuposto antissobrenatural, que nega a possibilidade

de milagres, inclusive de verdadeiras profecias. Porém, o próprio livro de Isaías apresenta a

profecia como algo sobrenatural, que fala inclusive de fatos futuros (41.21-29). A segunda

objeção, quanto ao estilo, é altamente subjetiva e ingênua, pois desconsidera o fato de que

uma mesma pessoa pode escrever com estilos diferentes dependendo da ocasião e do tema,

além de passar por um amadurecimento no decorrer da vida. É importante mencionar também

que há vários temas, imagens, palavras e metáforas, além de zombarias em relação à idolatria,

que estão presentes em todo o livro, apontando para sua unidade.2

O NT reconhece o livro de Isaías, tanto de 1 a 39 quanto de 40 a 66, como uma obra

do profeta Isaías: Is 42.1-4 em Mt 12.17-21; Is 53.1 e 65.1 em Rm 10,16,20; e Is 6.10; 53.10

em Jo 12.38-41.

1 Cf. RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e comentário. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.10. 2 Essa discussão é baseada em BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2.ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do

Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.883,884.

Page 21: Exegese de Isaías 42.1-9

16

5.2 Data e contexto histórico3

De acordo com 1.1, o ministério de Isaías ocorreu durante os reinados em Judá de

Uzias (792-740 a.C.), Jotão (750-731 a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (715-686 a.C.). O

seu chamado para o ministério ocorreu no ano da morte do rei Uzias, em 740 a.C (6.1).

Portanto, ele exerceu seu ministério por, pelo menos, 54 anos (740-686 a.C.). Porém, a escrita

do livro foi completada depois desse período, pois o último acontecimento no livro relatado

como passado foi a ascensão de Esar-Hadom ao trono da Assíria (37.38), que aconteceu em

681 a.C.

A passagem de 42.1-9 encontra-se na segunda parte do livro (40-66). Essa segunda

parte, que focaliza o cativeiro babilônico e a restauração de Israel, deve ter sido escrita depois

da visita da embaixada babilônica a Ezequias (Is 39), que ocorreu em algum momento nos

últimos quinze anos de Ezequias, de 701 a 686 a.C. (39.1; cf. 38.1-8), porque parece ter sido

depois dessa visita que Isaías passou a profetizar sobre o cativeiro babilônico (39.5-7).

Dessa forma, Isaías profetiza e escreve durante o período em que a Assíria estava

dominando o mundo e sendo usada por Deus para julgar o Seu povo. Em 722 a.C., Samaria, a

capital do Reino do Norte, cai sob o ataque dos assírios. Em 701 a.C., Senaqueribe chega às

portas de Jerusalém sob Ezequias, mas seu exército é destruído por Deus e ele é morto por

seus filhos alguns anos depois (Is 36.1-3; 37.36-38).

5.3 Público-alvo

O livro de Isaías contém profecias a respeito de Judá e Jerusalém (1.1) que foram

dirigidas ao povo de Judá durante os diversos períodos do ministério de Isaías. Como o livro

do profeta Isaías foi concluído depois de 681 a.C. (cf. seção Data, acima), durante o reinado

de Manassés (697-642 a.C.), teve como público-alvo o povo de Judá no período de

degradação moral que caracterizou o reinado desse rei (2Rs 21.1-18). A esse povo, a seção de

40-66 deve ter tido um impacto especial, por tratar de acontecimentos ainda futuros a eles, ao

contrário da maioria das profecias de 1-39, que já haviam se cumprido.

5.4 Gênero literário

3 As datas são baseadas em BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA.

Page 22: Exegese de Isaías 42.1-9

17

O gênero literário de Isaías é a profecia. A profecia não era apenas a predição do

futuro, ainda que esse elemento esteja presente.4 Os profetas eram porta-vozes de Deus,

falando da parte Dele ao povo.5 Mas o que eles diziam não era totalmente novo: eles eram

especialmente mediadores para fazer cumprir a aliança mosaica, anunciando as bênçãos que o

povo receberia ao cumprir a lei e as maldições advindas pela desobediência à lei.6 Nesse

sentido, grande parte das predições dos profetas se cumpriu em sua geração ou num futuro

próximo ao seu tempo. 7

A maioria dos livros proféticos, como o livro de Isaías, é uma coletânea de vários

oráculos independentes que foram reunidos de acordo com o tema ou a época em que foram

entregues. Em geral, as profecias eram primeiramente pregadas e só depois registradas, mas

Ridderbos acha possível que Is 40-66 e as profecias messiânicas tenham sido documentos

escritos desde o início, porque se destinavam mais a gerações futuras.8

As profecias de vários profetas, inclusive as de Isaías, exibem, em geral, um caráter

poético, com o uso do paralelismo e das imagens, característico da poesia hebraica.9 Em Is

42.1-9 isso pode ser percebido claramente.

Três formas literárias eram usadas pelos profetas, todas as quais são encontradas em

Isaías: primeiro, as narrativas, tanto biográficas (Is 36-39) quanto autobiográficas (Is 6);

segundo, discursos dirigidos a Deus (Is 12.1-6); e principalmente os discursos dirigidos a

pessoas, que são predominantes nos livros proféticos.10

Esses últimos discursos apresentam

várias formas, uma das quais é a chamada “oráculo da promessa” ou “oráculo da salvação”,

na qual se encaixa Is 42.1-9. Essa forma de discurso é caracterizada por referência ao futuro

(Is 42.1-4), menção a mudanças radicais (Is 42.1,4) e menção a bênçãos (Is 42.6,7).11

5.5 Contexto literário

O texto de Is 42.1-9 se encontra na segunda parte de Isaías, que compreende os

capítulos 40 a 66. Essa parte, que se caracteriza por oráculos a respeito da libertação do

4 Cf. FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês?. 3.ed. São Paulo: Vida Nova, 2011, p.218.

5 Cf. ibid., p.219. 6 Cf. ibid., p.220,221. 7 Cf. ibid., p.218. 8 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.18.

9 Cf. ibid., p.18,19. 10 Cf. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, p.881,882. 11 Cf. FEE, Entendes o que lês?, p.234.

Page 23: Exegese de Isaías 42.1-9

18

cativeiro babilônico, da restauração de Jerusalém e de acontecimentos relacionados ou

posteriores, é dividida em duas ou mais seções por diferentes autores. Os que a dividem em

duas seções tratam 40-55 como uma seção que fala da libertação do cativeiro babilônico e da

restauração de Jerusalém, e 56-66 como uma miscelânea de várias profecias.12

Ridderbos a

divide em três partes: 40.1-49.13, sobre a libertação do cativeiro babilônico; 49.14-55.13,

sobre a restauração de Jerusalém; e 56-66, uma miscelânea de profecias.13

Porém, ele

menciona outra divisão que era comum entre os estudiosos em tempos passados: 40-48, 48-

57, 58-66, baseada em uma fórmula comum no final dos capítulos 48 e 57: “para os

perversos”, diz o meu Deus, “não há paz”.14

Parece melhor entender 40-55 como uma única seção, porque além do tema da

libertação do cativeiro e da restauração de Jerusalém, há o tema unificador do “servo do

SENHOR”. Esse é o tema de quatro profecias ao longo dessa seção, que alguns chamam de

“Cânticos do Servo”15

: 42.1-9, 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12. Uma vez que Is 42.1-9 é uma

dessas profecias, ela deve ser analisada à luz dessas outras profecias sobre o “servo do

SENHOR”. É importante notar, porém, que essas profecias sobre o “servo do SENHOR” não

podem ser separadas de seu contexto, como se fossem adições a um texto já existente,16

mas

são partes integrantes da seção que compreende os capítulos 40 a 55.17

Desse modo, Is 42.1-9

também deve ser lido à luz do tema da libertação do cativeiro e da restauração de Jerusalém.

12 Cf. LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São

Paulo: Vida Nova, 1999, p.320-325. 13 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.24,25. 14 Cf. ibid., p.24. 15 Cf. GRONINGEN, Gerard van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã,

2003, p.550. 16 Como afirma McKenzie (cf. ibid., p550). Ridderbos também defende certa independência dessas profecias em

relação ao seu contexto literário (cf. RIDDERBOS, Isaías, p.343-345). 17 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.550-554.

Page 24: Exegese de Isaías 42.1-9

19

6 ANÁLISE TEOLÓGICA DAS PALAVRAS1

db,[, (escravo, servo, subordinado): Essa palavra é usada 800 vezes no AT e expressa

a relação de todos os seres com Deus, que é o Senhor de toda a terra. Há cinco principais usos

teológicos dessa palavra, dos quais o mais relevante para a presente passagem é o do “servo

do SENHOR” (ou “servo de Deus”). Essa expressão é usada, tanto no singular quanto no

plural, em relação aos piedosos (Sl 32.22; 69.36; 113.1; 134.1), Moisés (Dt 34.5), Josué (Js

24.29), Jó (Jó 1.8), Davi (Sl 18, título), Zorobabel (Ag 2.23) e profetas, como Aías (1Rs

14.18), Elias (1Rs 18.36), Jonas (2Rs 14.25) e Isaías (Is 20.3). Ela aparece especialmente em

Is 40-55, com uma variedade de significados, que serão examinados a seguir.2

x;Wr (vento, respiração, transitoriedade, vontade, disposição, temperamento, espírito,

Espírito): Essa palavra ocorre 387 vezes no AT. O significado mais básico da palavra é

“sopro”, “ar em movimento” e “vento”, mas a amplitude de seu significado é tão grande que

pode representar genericamente algo não visto, de forma que o efeito visível dessa força

invisível possa ser adequadamente compreendido. Duas categorias de significado em especial

são importantes para a presente passagem. A primeira é o sentido de respiração, que é usado

10 vezes no AT (inclusive em Is 42.5) em relação com hm'v'n> (respiração). A respiração é um

resultado direto do poder divino e criador do SENHOR colocado sobre sua criação, de modo

que possuir respiração é vida, enquanto o fim da respiração é morte. A segunda categoria é o

sentido do metafísico, especificamente o “Espírito de Deus” ou “Espírito do SENHOR”, que

deve ser o significado de Is 42.1. Davi teve uma experiência com o Espírito ligada à sua

posição como rei de Israel. Quando foi ungido com óleo, também foi ungido com o Espírito

Santo (1Sm 16.13) e adotado como Filho de Deus (Sl 2). Esse padrão da unção com o Espírito

fundamentou algumas profecias messiânicas (Is 11.2, 42.1; 61.1).

jP'v.mi (julgamento, decisão por arbitragem, especificações legais, caso legal,

reivindicação legal): Essa palavra é usada 425 vezes no AT. É uma palavra com conotações

jurídicas evidentes. Muitas vezes é utilizada com outras palavras, como hr'AT (lei) e qd,c,

(justiça), que é o caso em Is 42.1-9. Além de outros usos, essa palavra é usada para as leis

dadas aos israelitas por meio de Moisés em Êxodo 21-23, que eram ordens de Deus para o

regulamento dos casos civis israelitas. As decisões sobre esses casos se tornaram regulatórias

1 Essa análise foi baseada em NDITEAT. 2 Cf. capítulo 8.

Page 25: Exegese de Isaías 42.1-9

20

e normativas para a conduta de Israel, sendo o “direito” de Israel. O julgamento dessas

questões era, de acordo com Ex 28.15-30, responsabilidade do sacerdote, o que indica um

ofício sacerdotal para o “servo do SENHOR” de Is 42.1-9.

hr'AT (orientação, instrução, lei): Essa palavra ocorre 220 vezes no AT e 12 vezes em

Isaías. A palavra designa um padrão divino de conduta para o povo de Deus e pode incluir

não apenas leis cerimoniais e civis, mas também partes narrativas do Pentateuco, palavras dos

profetas e palavras de instrução de um pai ou mãe ao filho.

tyrIB. (tratado, acordo, aliança, pacto): Essa palavra ocorre 286 vezes no AT. A

palavra indica um mútuo compromisso que, paradoxalmente, reconhece tanto a iniciativa

divina no acordo, quanto também insiste na realidade e necessidade da escolha humana.

Várias alianças aparecem no AT explicitamente, como a aliança com Noé (Gn 6.18; 9.8-17),

com Abraão (Gn 15.18; 17.2), com Moisés (Ex 19-24) e com Davi (2Sm 7.8-17). A aliança

mencionada em Is 42.6 indica um desenvolvimento profético posterior no conceito de aliança,

onde a salvação de Deus se estenderia ao mundo todo e não apenas a uma raça escolhida.

Page 26: Exegese de Isaías 42.1-9

21

7 ESTRUTURA DO SIGNIFICADO

Expressão

“Servo” (do SENHOR): 42.1;

49.3,5,6,7; 50.10; 52.13; 53.11

Referente(s)

Escolhido e chamado por Deus (42.1,6; 49.1)

Sustentado e guardado por Deus (42.1,6)

Dotado do Espírito (42.1)

Trará o direito aos gentios (42.1,3,4)

Não chamará a atenção para si (42.2,3)

Aliança do povo (42.6)

Luz dos gentios (42.6,7; 49.6)

Abre os olhos dos cegos (42.6)

Libertador (42.7)

Tem a boca como uma espada e é como uma

flecha (49.2)

Povo de Israel (49.3)

Formado por Deus (49.5)

Restaurará Israel (49.5,6)

Desprezado (49.7; 53.3)

Reis e príncipes o adorarão (49.7)

Fala e ouve como os eruditos (50.4,5)

Oferece as costas e a face aos que o ferem

(50.6)

Ajudado por Deus (50.7,9)

Justificado por Deus (50.9,10)

Procederá com prudência (52.13)

Será exaltado (52.13; 53.10)

Aparência desfigurada e sem beleza (52.14;

53.2)

Causará admiração às nações e reis (52.15)

Sofreu da parte de Deus (53.3-5,7,8,10)

Levou sobre si enfermidades, transgressões e

o castigo do povo (53.4-6,11,12)

Morreu por causa da transgressão do povo

(53.8)

Nunca fez injustiça (53.7,9)

Foi contado com os transgressores (53.9,12)

Esteve com o rico em sua morte (53.9)

Dará a sua alma como oferta pelo pecado

(53.10,12)

Verá a sua posteridade (53.10,11)

Justificará a muitos (53.11)

Intercedeu pelos transgressores (53.12)

Significado

Messias

Page 27: Exegese de Isaías 42.1-9

22

8 COMENTÁRIO

O significado da passagem de Is 42.1-9 não pode ser plenamente compreendido, sem

que antes se descubra a identidade do “servo do SENHOR”. Portanto, antes de qualquer

comentário da passagem, é necessária uma análise sobre o significado dessa expressão.

O uso dessa expressão em outros textos do AT já foi examinado acima.1 Quanto à

segunda parte de Isaías (40-66), essa expressão é usada no plural para se referir aos piedosos

(54.17; 56.6; 63.17; 65.8,9,13-15; 66.14) e no singular, em outras passagens que não as

profecias do servo (42.1-9, 49.1-9a, 50.4-11; 52.13-53.12), para se referir a, pelo menos, dois

agentes do SENHOR: um profeta, talvez Isaías (44.26) e o servo coletivo, Israel (41.8,9;

42.19; 43.10; 44.1,2,21; 45.4; 48.20).

Diante disso, quem é o servo do SENHOR das profecias do servo? As respostas a essa

pergunta podem ser reunidas em três grupos: primeiro, o daqueles que consideram o servo do

SENHOR como um grupo; segundo, o daqueles que o consideram uma personalidade humana

histórica comum; e finalmente, o daqueles que o consideram como o Messias. Cada uma

dessas respostas será examinada.2

Aqueles que consideram o servo do SENHOR como um grupo, normalmente

identificam-no com o povo de Israel, baseados na grande quantidade de vezes que a expressão

é aplicada a Israel, como visto acima, e especialmente em Is 49.3, uma das profecias do servo,

onde ele é chamado de Israel. O problema desse entendimento é que há passagens onde o

servo do SENHOR é claramente diferenciado de Israel (42.6; 49.5,6; 53.5,6,9). Por isso,

alguns entendem que ele é um remanescente fiel de Israel. Porém, essa visão também é

problemática, uma vez que em 52.13-53.12 o servo do SENHOR é contrastado com todo o

Israel, que se desviou como ovelha, o que deve incluir mesmo os piedosos. Além de tudo isso,

o servo do SENHOR é apresentado em termos muito pessoais em 42.2-4; 50.4-9 e 52.13-

53.12, o que não combina com uma visão coletiva do servo.

Entre os que consideram o servo do SENHOR como uma personalidade histórica

comum, há diversas sugestões de nomes, como Uzias, Ezequias, Isaías, Josias, Jeremias,

Zorobabel, Jeoaquim, ou mesmo a sugestão de que seja um escriba do exílio ou posterior,

desconhecido atualmente. O problema é que a forma como o servo do SENHOR é descrito,

especialmente em 52.13-52.12, não se encaixa em nenhum ser humano comum, além de que

1 Cf. capítulo 6. 2 Essa discussão sobre a identidade do servo do SENHOR é baseada em RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e

comentário. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.339-343.

Page 28: Exegese de Isaías 42.1-9

23

ele é apresentado não só como profeta, mas também como sacerdote e rei, três ofícios que

nunca foram assumidos por uma mesma pessoa na história de Israel.

A única posição que combina com a descrição do servo do SENHOR nas quatro

profecias do servo é aquela que o entende como o Messias. Alguns não conseguem fazer essa

identificação, por entenderem o Messias apenas como um rei e acharem algumas descrições

do servo do SENHOR, como as de 52.13-53.12, incompatíveis com esse ofício. Porém, a

mesma descrição usada para o Rei Messias em 11.1 (“renovo”) é usada para o servo do

SENHOR em 53.2. O servo do SENHOR também é apresentado como salvador do povo de

Israel (42.6,7), como aquele que estabelecerá o reino de Deus na terra (42.1-4), como alguém

que será exaltado (52.13) e que repartirá o despojo com os poderosos (53.12), todas essas

descrições que combinam com o Rei Messias. Portanto, o servo do SENHOR deve ser

identificado com o Messias.

Tendo determinado quem é o servo do SENHOR, é necessário analisar o que a

passagem de Is 42.1-9 afirma sobre ele, a fim de determinar o significado dessa passagem.

No contexto anterior dessa passagem, Deus está confortando um Israel exilado, a

quem Ele chama de “meu servo”, com a verdade de que continuaria a manter o Seu pacto com

ele (41.8-10). Não apenas isso, Deus levantará um do Norte (41.24), que deve ser Ciro (44.28;

45.1), o qual trará libertação ao Israel cativo. Deus anuncia isso duzentos anos antes que

aconteça, mostrando a nulidade tanto dos conselheiros quanto dos ídolos de Israel, que não

podem fazer o mesmo (41.26-29).3 Então, em 42.1-9, Deus anuncia por meio de Isaías a vinda

de outro servo, diferente de Israel, que seria um libertador não apenas para Israel, mas

também para os gentios.

A passagem de Is 42.1-9 se divide em três partes. Na primeira delas (vv.1-4), Deus se

dirige a Israel e lhe apresenta o Seu servo como alguém que traz o direito aos gentios. Na

segunda (vv.5-7), Deus fala com o Seu servo sobre Seu chamado e Sua tarefa de libertar Israel

e os gentios. Deus finaliza essa passagem, na terceira parte (vv.8,9), dirigindo-se novamente a

Israel e apresentando a Si mesmo como um Deus zeloso por Sua glória e infalível em Suas

predições, inclusive nessa profecia sobre o servo do SENHOR.4

3 Cf. GRONINGEN, Gerard van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã,

2003, p.559. 4 Cf. capítulo 4.

Page 29: Exegese de Isaías 42.1-9

24

A primeira parte apresenta o servo do SENHOR (vv.1-4). No v.1, Deus convida Israel

a olhar o Seu servo que, assim como Israel, foi escolhido e é sustentado por Deus (41.8-10) e,

além disso, é amado cordialmente por Deus. 5

Esse servo foi dotado do Espírito do SENHOR para uma tarefa definida: trazer o

direito aos gentios. Ao contrário do v.5, onde “espírito” é sinônimo de “respiração”,

“Espírito” aqui é o próprio Espírito de Deus,6 chamado pelo SENHOR de “meu Espírito”, que

será plenamente revelado no NT como uma pessoa distinta do Pai, ainda que da mesma

natureza que Ele (Jo 14.16,17; At 5.3,4). O “direito” tem relação com as leis dadas por Deus a

Israel por intermédio de Moisés.7 Porém, ele não é uma mera repetição da lei mosaica, porque

aqui está relacionado com a “lei” mencionada no v.4, a qual é chamada de “sua lei”, isto é, a

lei do servo do SENHOR. O servo do SENHOR é um profeta semelhante a Moisés (Dt 18.18)

que recebe a revelação de Deus de forma direta e independente e a transmite aos gentios.

Assim, “direito” e “lei” são sinônimos de “revelação”.8

Depois de apresentar o Seu servo e sua tarefa de trazer o direito aos gentios, Deus

prossegue descrevendo o modo pelo qual Seu servo desempenha essa tarefa. O v.2 o descreve

fazendo-o de maneira silenciosa, sem dar ordens gritadas, como era próprio das autoridades

públicas e dos comandantes militares.9 Seu direito não será estabelecido por meio da força.

Ele também trará o direito aos gentios de maneira misericordiosa (v.3). Tanto a cana quebrada

quanto o pavio inexpressivo, prestes a apagar, são figuras de fragilidade e representam os

fracos de um modo geral.10

O servo do SENHOR não quebrará a cana já quebrada, nem

apagará de vez o pavio cuja luz está prestes a desaparecer. Ele tratará os fracos com

misericórdia ao trazer o direito. Ao mesmo tempo, ele trará o direito de maneira

imperturbável (v.4). Isso é expresso com uma linguagem semelhante ao do v.3, o que

funciona como um jogo de palavras. O mesmo servo que não apagará o pavio inexpressivo

também não se tornará inexpressivo, sem vida. O mesmo servo que não quebrará a cana já

despedaçada também não será despedaçado.11

Nada poderá perturbá-lo em sua tarefa de

colocar sobre a terra o direito.

O v.4 se encerra com a afirmação de que as ilhas esperarão pela sua lei, o que indica

que até os lugares mais distantes do mundo gentílico serão alcançados pela revelação do servo

5 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.346. 6 Cf. capítulo 6. 7 Cf. capítulo 6. 8 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.347.

9 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.560. 10 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.347. 11 Cf. seção 2.2, onde se trata das questões textuais desse verso.

Page 30: Exegese de Isaías 42.1-9

25

do SENHOR. Os gentios esperarão pela sua lei, não no sentido de estarem conscientes disso,

mas de que “há no mundo gentílico um desejo profundo, insatisfeito, que só pode ser atendido

pelo Seu ensinamento”.12

Na segunda parte dessa passagem, o SENHOR se dirige ao Seu servo (vv.5-7) e inicia

com uma apresentação de Si próprio como o Criador (v.5). Ele é Aquele que criou tanto os

céus quanto a terra, e inclusive os habitantes da última, que recebem o sopro de vida do

próprio Deus.

Esse Deus Criador é aquele que chama o Seu servo em justiça (v.6, como também o

faz com Ciro em 45.13). Essa justiça “é o atributo em cujos termos e pelo qual Ele redime a

Israel [...] o atributo pelo qual satisfaz as exigências (estabelecidas por Ele próprio) do Seu

pacto”.13

Deus, portanto, chama Seu servo guiado por tal justiça, segura firma a sua mão, o

que dá a ideia de sustento (cf. 42.1), guarda-o e o dá para “aliança do povo”14

. Essa difícil

expressão significa que “todas as bênçãos, promessas e garantias incorporadas no pacto têm

sua raiz e origem no Servo e são dispensados por ele, que é o próprio centro de todas essas

bênçãos”15

e “todo o pacto se compreende nEle, todas as bênçãos do pacto são asseguradas

nEle. Ele é o pacto ou aliança em forma personalizada”.16

O povo para o qual o servo é dado

como aliança é o povo de Israel. Além disso, o servo também é dado para “luz dos gentios”. A

metáfora da luz expressa a ideia de libertação, restauração e nova vida17

e pode também estar

relacionada com a iluminação trazida aos gentios pelo direito e lei do servo do SENHOR.18

O servo do SENHOR é chamado para ser aliança do povo e luz dos gentios a fim de

executar uma tarefa específica: libertar os cativos (v.7). Essa libertação é descrita de um modo

que combina com o fato de o servo ser luz: ela é um abrir de olhos aos cegos e uma libertação

daqueles que estão presos nas trevas. Os cativos cegos e em trevas aqui não são apenas os

gentios, mas também o povo de Israel. No contexto posterior, a partir do v.18, o povo de

Israel, descrito como servo do SENHOR, é chamado de cego e surdo, e certamente o servo do

SENHOR dos vv.1-9, o Messias, também abriria os olhos desse cego. A libertação aqui

descrita, portanto, tem relação com a libertação de Israel do cativeiro babilônico, mas é mais

ampla que isso, pois também inclui os gentios e também é espiritual em sua natureza (cf. Is

52.13-53.12).

12 RIDDERBOS, Isaías, p.350. 13 Ibid., p.351. 14 Cf. capítulo 6. 15

GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.562. 16 RIDDERBOS, Isaías, p.351. 17 Cf. GRONINGEN, Revelação messiânica no Antigo Testamento, p.562. 18 Cf. RIDDERBOS, Isaías, p.352.

Page 31: Exegese de Isaías 42.1-9

26

Finalmente, na terceira parte, o próprio SENHOR se apresenta (vv.8,9), como para

assegurar o cumprimento da profecia que acabou de anunciar. Ele se apresenta, primeiro,

como um Deus zeloso por Sua glória (v.8), que não a compartilha com os ídolos, pois esses

são os mesmos ídolos mencionados anteriormente (41.29), que não podem anunciar as coisas

futuras. Em segundo lugar, Ele se apresenta como um Deus infalível em Suas predições (v.9).

Ele afirma que as primeiras coisas já se cumpriram, o que deve estar relacionado com as

profecias cumpridas no decorrer da história de Israel, especialmente as relacionadas ao

êxodo.19

Assim como essas primeiras predições se cumpriram e Deus libertou Seu povo do

cativeiro no Egito, assim também agora Deus anuncia novas predições antes que aconteçam,

sobre a libertação do Seu povo do cativeiro babilônico e espiritual por meio do Seu servo, e

certamente as cumprirá.

Portanto, a grande verdade ensinada por essa passagem de Is 42.19 é que o servo do

SENHOR traz salvação a Israel e aos gentios.

19 Cf. ibid., p.353.

Page 32: Exegese de Isaías 42.1-9

27

9 ESTRUTURA DO ATO COMUNICATIVO

O papel do Servo do Senhor

Deus Visão/oráculo Isaías

AC1 E1 E2 E3

Traz o direito aos gentios, desempenha Seu papel silenciosamente, aliança do

povo, luz dos gentios

M1

Isaías Is 42.1-9 Israel

AC2 E1 E2 E3

Messias

Simeão Oração a respeito de Jesus Pais de Jesus

AC3 E1 E2 E3

Luz para revelação aos gentios

M2

Lucas Lc 2.32 Teófilo/cristãos gentios

AC4 E1 E2 E3

Cumprimento da profecia de servir ao Senhor sendo luz dos gentios

Jesus Sigilo a respeito da Sua

obra

Multidões

AC5

E1 E2 E3

Sigilo messiânico

M3

Mateus Mt 12.18-21 Judeus convertidos

AC6 E1 E2 E3

Cumprimento da profecia de servir ao Senhor desempenhando Seu papel

silenciosamente

Paulo Motivo de Paulo pregar

aos gentios

Judeus que se opunham à

pregação aos gentios

AC7

E1 E2 E3

Luz dos gentios

M4

Lucas At 13.47 Teófilo/cristãos gentios

AC8 E1 E2 E3

Cumprimento da profecia do evangelho dirigido aos gentios

Page 33: Exegese de Isaías 42.1-9

28

Paulo Discurso sobre o conteúdo da sua

pregação

Rei Agripa

AC9

E1 E2 E3

Luz dos gentios

M5

Lucas At 26.23 Teófilo/cristãos gentios

AC10 E1 E2 E3

Cumprimento da profecia do evangelho dirigido aos gentios

M: Mensagem registrada

AC: Ato comunicativo

E1: Elemento 1 (Remetente)

E2: Elemento 2 (Tipo de mensagem)

E3: Elemento 3 (Destinatário)

Page 34: Exegese de Isaías 42.1-9

29

10 ABORDAGEM CANÔNICA

Isaías deve ter recebido a profecia sobre o servo do SENHOR, em Is 42.1-9, por meio

de uma visão, uma vez que seu livro é descrito como uma “visão” (1.1). Nessa visão, alguns

elementos se destacam: o servo trará o direito aos gentios, desempenhará Seu papel

silenciosamente e será aliança do povo de Israel e luz dos gentios. Ao registrar essa visão em

seu livro, Isaías tinha consciência de que ela era uma profecia a respeito do Messias, e a

escreveu com essa intenção e significado, conforme foi provado acima.1

O NT faz amplo uso dessa profecia e a aplica a Jesus. Quando Jesus é apresentado no

templo por seus pais, Simeão o toma nos braços, louva a Deus e, fazendo referência a Is 42.6,

identifica Jesus como “luz para revelação aos gentios”. Lucas, ao registrar esse fato em seu

evangelho, tencionava mostrar a Teófilo, um cristão gentio (Lc 1.3), e provavelmente a outros

cristãos gentios, que Jesus era o cumprimento da profecia de Isaías.

Muito tempo depois, quando Jesus estava exercendo Seu ministério público, ele usou

essa profecia de Isaías, particularmente 42.1-4, que apresenta o servo desempenhando Seu

papel silenciosamente, para explicar por que ele não queria que O expusessem à publicidade

(Mt 12.18-21). Esse uso claramente identifica Jesus com o servo do SENHOR. Mateus, que

registra esse comportamento sigiloso de Jesus, identifica-o como um cumprimento da profecia

de Isaías (Mt 12.17).

Essa profecia também é usada pelo apóstolo Paulo em duas ocasiões de seu ministério.

A primeira delas foi quando Paulo pregou em uma sinagoga de Antioquia da Pisídia e teve

como ouvintes não apenas judeus, mas também muitos gentios, uma vez que quase toda a

cidade foi ouvi-lo (At 13.44). Os judeus ficaram com inveja por causa da multidão que ouvia

Paulo e começaram a contradizer o seu discurso. Por isso, Paulo afirmou que, diante da

rejeição dos judeus à palavra de Deus, ele se voltaria para os gentios, e fundamentou essa

decisão com Is 49.6, outra profecia do servo do SENHOR, que o apresenta como “luz dos

gentios” e “salvação até aos confins da terra” (At 13.47). Como o Messias tinha sido

constituído como luz dos gentios, Paulo também se dirigiria a eles. Ao aplicar Is 49.6 ao

Messias, Paulo indiretamente também aplicou Is 42.6, uma vez que ambas as passagens

tratam do servo do SENHOR e o identificam como “luz dos gentios”. Lucas, ao registrar esse

acontecimento no livro de Atos, desejava apresentar Jesus, a Teófilo (At 1.1) e a outros

cristãos gentios, como o cumprimento da profecia de Is 49.6 e, por implicação, de Is 42.6.

1 Cf. capítulos 7 e 8.

Page 35: Exegese de Isaías 42.1-9

30

A segunda ocasião em que Paulo cita essa profecia é em seu discurso diante do rei

Agripa. Depois de fazer um relato autobiográfico, Paulo conclui afirmando que o conteúdo da

sua pregação é o mesmo da de Moisés e dos profetas: o Cristo sofreria, seria o primeiro da

ressurreição dos mortos e “anunciaria a luz ao povo e aos gentios” (At 26.23). Aqui Paulo está

aludindo a Is 42.6, o que pode ser percebido pelo contexto imediato (At 26.17,18), onde há

uma alusão a Is 42.7, que fala sobre o “abrir os olhos dos cegos”. É interessante observar,

porém, que em At 26.17,18, é Paulo, e não Jesus, quem é comissionado para abrir os olhos

dos gentios. Isso é assim porque, como apóstolo, Paulo seria um dos instrumentos pelos quais

o próprio Senhor Jesus Cristo abriria os olhos dos gentios. Enfim, essa aplicação que Paulo

faz de Is 42.6 a Jesus é registrada por Lucas em Atos, também com o propósito de mostrar a

Teófilo e aos cristãos gentios que Jesus era o cumprimento da profecia de Isaías.

Portanto, o uso que o NT faz de Is 42.1-9 comprova que o servo do SENHOR dessa

profecia é Jesus, o Messias prometido.

Page 36: Exegese de Isaías 42.1-9

31

11 APLICAÇÃO

Muitas aplicações podem ser extraídas da passagem de Is 42.1-9. Aqui são

apresentadas apenas algumas.

O fato do Senhor Jesus Cristo, o servo do SENHOR, trazer salvação tanto a Israel

quanto aos gentios deve estimular a Igreja a anunciar o Evangelho a todos as nações, tribos,

povos e línguas (Ap 5.9,10; 7.9,10), inclusive aos judeus. A Igreja no decorrer da história, e

também no século XXI, tem falhado especialmente quanto ao anúncio do Evangelho aos

judeus. Esse pecado deve ser substituído por um esforço missionário em prol da

evangelização deles, a fim de que “todo o Israel seja salvo” (Rm 11.26).

Como o Senhor Jesus Cristo não estabelece o Seu Reino pela força (Is 42.2), pois o

Seu Reino não é deste mundo (Jo 18.36), a Sua Igreja deve seguir o Seu exemplo, inculcando

o Seu direito, o Evangelho, não com métodos e estratégias humanas, mas com o poder do

Espírito (At 1.8; 1Co 2.4).

Finalmente, a verdade de que o Senhor Jesus Cristo não quebra a cana despedaçada,

nem apaga o pavio inexpressivo, deve trazer um grande conforto a todos os que estão

cansados e sobrecarregados (Mt 11.28-30). Jesus traz o Seu Evangelho ao mundo de maneira

misericordiosa, apresentando-Se como Aquele que pode dar alívio a todos os que sofrem sob

o peso dos seus pecados, afinal, foi Ele mesmo Quem os carregou na cruz e os enterrou na

sepultura (1Pe 2.24; Rm 6.2-7).

Page 37: Exegese de Isaías 42.1-9

32

12 ESBOÇO DO SERMÃO

Tema: O Senhor Jesus Cristo traz salvação até aos confins da terra

Pontos:

1. Por meio de Sua revelação (vv.1-4)

2. Por meio de Sua libertação (vv.5-7)

3. De modo certo e seguro (vv.8,9)

Page 38: Exegese de Isaías 42.1-9

33

13 CONCLUSÃO

Por meio da análise exegética de Is 42.1-9, pode-se descobrir tanto a identidade do

servo do SENHOR, que é o próprio Messias, quanto o significado da passagem: o servo do

SENHOR traz salvação a Israel e aos gentios. E esse servo do SENHOR, segundo o NT, é o

próprio Senhor Jesus Cristo, o Messias prometido.

Page 39: Exegese de Isaías 42.1-9

34

14 BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. 2.ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; São

Paulo: Cultura Cristã, 2009.

BÍBLIA SAGRADA ALMEIDA CORRIGIDA E FIEL. São Paulo: Sociedade Bíblica

Trinitariana, 1995.

BÍBLIA SAGRADA NOVA VERSÃO INTERNACIONAL. São Paulo: Sociedade Bíblica

Internacional, 2000.

FEE, Gordon D; STUART, Douglas. Entendes o que lês?. 3.ed. São Paulo: Vida Nova, 2011.

FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. 2ed. São Paulo: Vida Nova,

2005.

GRONINGEN, Gerard van. Revelação messiânica no Antigo Testamento. 2.ed. São Paulo:

Cultura Cristã, 2003.

HOLLADAY, William L. Léxico hebraico e aramaico do Antigo Testamento. São Paulo:

Vida Nova, 2010.

KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma gramática introdutória. 7ed. São Leopoldo, RS:

Sinodal, 2009.

KITTEL, R. Biblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.

LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo

Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.

RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e comentário. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.

VANGEMEREN, Willem A. Novo dicionário internacional de teologia e exegese do Antigo

Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.