Europa Renovada – Renascimento e Humanismo – Do Maneirismo ao Barroco

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  • 8/12/2019 Europa Renovada Renascimento e Humanismo Do Maneirismo ao Barroco

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    EUROPA RENOVADA: RENASCIMENTO E HUMANISMO- DOMANEIRISMO AO BARROCO

    RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar luz da metodologia

    historiogrfica, alguns fatores sociopolticos, econmicos, de cultura e de mentalidadeque abriram uma nova possibilidade de expresso ao homem da Baixa Idade Mdia e oinstrumentalizou para a inaugurao de um novo perodo histrico, baseado navalorizao de si mesmo e de suas potencialidades. O recorte cronolgico abrange operodo entre os sculos XIV e XVIII.

    Palavras -Chave:Antropocentrismo. Artes Visuais. Estados Nacionais.

    INTRODUO

    A Europa dos sculos XI XIV presenciou transformaes econmicas,

    polticas, intelectuais, artsticas e culturais que, gradativamente, levaram a sociedade a

    reorganizar-se estruturalmente e a repensar sua viso e seu conceito de mundo, no qual:

    o desenvolvimento do saber e do comrcio se reforavam mutuamente.

    (SEVCENKO, 1985.p. 12). O sculo XIV, sobretudo, marcado por fortes tenses e

    crises, dentre elas a rpida propagao da peste negra deixando trs de si uma soma

    de milhes de mortos por todo o continente, alm das disputas territoriais entre Frana e

    Inglaterra numa guerra que se arrastou por mais de cem anos e as revoltas camponesas

    resultado da super-explorao da mo-de-obra campesina. A fome e o decrscimo

    populacional, conseqncias imediatas destas tragdias, contriburam para o

    esfacelamento do antigo sistema feudal.

    Estas mudanas decorrentes de processos histricos que se acentuaram

    sobremaneira no final da Baixa Idade Mdia proporcionaram o ressurgimento da

    efervescncia urbana, conseqncia do novo modelo econmico comercial que

    possibilitou o aparecimento de uma nova classe social: a burguesia mercantil, que teve

    um papel fundamental na poltica de solidificao dos territrios e das monarquias

    nacionais modernas e no financiamento de todo um instrumental tcnico cientifico e

    artstico.

    O perodo de grande inventividade tcnica estimulada e estimuladora dodesenvolvimento econmico. Criam-se novas tcnicas de explorao agrcola

    e mineral de fundio e metalurgia, de construo naval e navegao, dearmamentos e de guerra. o momento de invenes da imprensa e de novostipos de papel e de tintas. (SEVCENKO, 1985. p. 12)

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    I- Os humanistas e suas contribuies

    No que tange s transformaes de ordem intelectual nota-se as propostas doshumanistas1 em dinamizar o currculo cientfico das universidades medievais com o

    acrscimo de outras reas do conhecimento como a poesia, a filosofia, a histria, a

    matemtica e a eloqncia, baseadas nos modelos da Antiguidade Clssica. Estas

    propostas, num primeiro momento, foram refutadas pelo crivo da Igreja que as

    interpretou como uma espcie de retomada saudosista de prticas reminiscentes do

    paganismo. Contudo, essa proposta de dinamizao da sociedade e do homem aos

    moldes dos parmetros da Antiguidade Greco-romana: ... no seria a mera repetio,de resto impossvel, do modo de vida e das circunstncias histricas dos gregos e

    romanos, mas a busca de inspirao em seus atos, suas crenas, suas realizaes, de

    forma a sugerir um novo comportamento do homem europeu. (SEVCENKO, 1985. p.

    15).

    Este novo comportamento pode ser definido como o desejo da sociedade

    europia em reinterpretar modelos estticos artsticos e literrios da antiguidade em

    favor da constituio de uma mentalidade na qual o homem tem a oportunidade de

    superar-se atravs de seus feitos: O momento histrico colocava em foco, sobretudo a

    capacidade criativa da personalidade humana. (SEVCENKO, 1985.p. 12)

    A reflexo humanista acerca da sociedade, da cultura, das artes e das cincias

    medievais levou a profundas e considerveis crticas acompanhadas de solues de

    carter antropocntrico em oposio ao teocentrismo ortodoxo defendido pelos telogos

    e pela Igreja, que se viam ameaadas por esta onda de inovaes perturbadoras da

    ordem social estabelecida. intil querer procurar uma diretriz nica no humanismo

    ou mesmo em todo o movimento renascentista: a diversidade o que conta.

    (SEVCENKO, 1985:23).

    Mais do que crticas, o movimento humanista preocupava-se em oferecer

    novos valores, novas oportunidades ao homem que lentamente comea a indagar-se a

    respeito do mundo a sua volta tornando-se mais atuante, mais participativo desejoso do

    saber tcnico/terico fundamental para que a experimentao prtica fosse bem

    Sevcenko chama a ateno para o surgimento do termo humanista ocorrido no sculo XV, definindo-oscomo ... conjunto de indivduos que desde o sculo anterior vinham se esforando para modificar opadro de estudos ministrado tradicionalmente nas Universidades medievais (SEVCENKO,1985. p. 14)

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    sucedida tal qual o vemos nas tcnicas empregadas na pintura que evoluiu do

    bidimencionalismo medieval fortemente bizantino para o tridimensionalismo de Giotto

    mestre da pintura renascentista italiana que j no sculo XIV impressionava o

    telespectador pela profundidade, sentimentalismo e realidade de suas obras, em muito

    influenciada pela espiritualidade franciscana voltada para a assistncia aos pobres e que

    conseguia conciliar mstica profunda e promoo do ser humano, sobretudo os mais

    carentes.

    O antropocentrismo permite ao artista uma ampla e variada amlgama de cenas

    e fatos cotidianos imortalizados pela arte renascentista que ostentava a mxima de:

    viver mais pelo sentido do que pelo esprito. (SEVCENKO, 1985. p. 28)

    Contudo esta afirmativa no colocava o mundo espiritual em segundo plano

    pelo contrrio o que mudar ser a concepo teolgica em voga do movimento

    descendente da divindade que se encarna no seio da virgem humanizando-se sem,

    porm perder sua natureza divina. Era j o anseio da reforma da religio, do culto e da

    sensibilidade religiosa que se anunciava e que seria desfechada de forma radical,

    fraccionando a cristandade por outros humanistas mais tarde, como Lutero, Calvino e

    Melanchton. (SEVCENKO, 1985. p. 21)

    O que se pretendia era levar ao povo uma religio que se identificasse com seu

    cotidiano, desprendida de uma liturgia pomposa desenvolvida numa linguagem

    totalmente desconhecida pelos fiis e que colocasse a figura de Cristo como principal

    modelo e a opo pelos pobres como meta. Nisto consistia o humanismo cristo do

    sculo XV desenvolvido por Erasmo de Rotherdam.

    Tanto na religio quanto na poltica pode ser percebido o desejo de liberdade

    de expresso assegurado a cada indivduo de maneira inviolvel. Porm esta liberdade

    foi bastante discutvel no renascimento. Nicolau Maquiavel membro do governo dos

    Mdicis, de Florena, autor de O Prncipe, afirmava que para se manter no poder, osoberano deveria passar por cima de qualquer cdigo moral e, se preciso fosse at

    mesmo a fora seria justa quando necessria visando o bem do Estado que no

    absolutismo j consolidado do sculo XVIII era o prprio Rei. J para Thomas Morus,

    Campanella e Francis Bacon nas Obras: Utopia, Cidade do Sol e Nova Atlntida de

    autoria dos respectivos autores, a sociedade ideal baseava-se na justa distribuio de

    renda e na concrdia entre os indivduos que estariam sob a gide de um governo

    centralizado, mas justo. Ambos os autores defendiam um Estado forte e centralizado.Maquiavel j no sculo XVI apresentava a unificao da Itlia como alternativa de

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    extinguir as lutas internas pelo poder e os ataques de outros reinos inimigos na figura de

    um monarca que concentrasse sobre se autoridade suficiente para governar.

    A concepo de que tudo j est realizado no mundo e que aos homens s

    cabem duas opes, o pecado ou a virtude, no faz mais sentido. O mundo um vrtice infinito de possibilidades e o que impulsiona o homem no representar um jogo de cartas marcadas, mas confiar na energia da puravontade, na paixo de seus sentimentos e na lucidez de sua razo. Enfim, ohomem a medida de si mesmo e no pode ser tolhido por regras, deste oudo outro mundo, que limitem suas capacidades. E se cada individuo um sercontraditrio entre as presses de sua vontade, de seus sentimentos e de suarazo cabe, a cada um encontrar sua resposta para a estranha equao dohomem. As disputas, as polmicas, as crticas entre esses criadores sointensas e acaloradas, mas todos acatam ciosa a lio de Pico DellaMirandola: a dignidade do homem repousa no mais fundo da sua liberdade.(SEVCENKO, 1985. p. 23).

    O desprendimento de cdigos civis tirnicos e dogmas retrgrados, mesmo quelenta e gradualmente, possibilitaram ao homem colocar em prtica toda sua

    potencialidade criadora no ofcio de construir, de inovar de recriar o que j existe.

    Sendo assim a viso ideal arquitetnica renascentista colocava em voga o clculo

    matemtico a favor do remodelamento do espao urbano onde imperasse a harmonia, o

    equilbrio e a proporo das formas dentro de princpios geomtricos que tinham por

    finalidade materializar o desejo de uma sociedade harmnica e ordeira dirigida pela

    razo.O panorama poltico da Itlia, bero do Renascimento era bem variado. As

    cidades guerreavam entre si pelo controle de uma regio e conseqentemente da

    economia que ali era desenvolvida. Os sistemas governamentais variavam entre cidades

    repblicas representadas por dignitrios; os doges assessorados por conselheiros, que

    podiam ser eleitos por parlamentares ou se no confirmados em seus cargos evocando o

    direito de hereditariedade, e as cidades que j centralizavam o poder poltico na figura

    de um nobre adotando o sistema monrquico caminhando assim para o processo de

    consolidao do absolutismo europeu oitocentista. A rivalidade poltico /militar logo

    cedeu espao amplo para a rivalidade artstica.

    II- Arte e cincia: a busca incessante pela perfeio

    Os antigos artesos da Idade Mdia aperfeioaram suas tcnicas mediante

    estudo prvio, para isso convertendo suas corporaes ou guildas em escolas nas quais o

    mestre, acompanhado atenciosamente por discpulos, podiam exercitar o ofcio de

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    reproduzir com fidelidade a beleza presente na paisagem natural nas cenas cotidianas

    onde o homem aparece geograficamente no plano da pintura como cerne. O desejo de

    reproduzir o Belo fazia-se necessrio mais que simples capricho era imprescindvel

    faz-lo, pois: Todo o belo uma manifestao do Divino. Assim sendo, a exultao, o

    cultivo e a criao do belo, consistem no mais elevado exerccio de virtude e no gesto

    mais profundo de adorao a Deus. A produo do belo atravs da arte o ato mais

    sublime de que capaz o homem. (SEVCENKO, 1985.p. 19).

    Quando nos remetemos aos legados deixados pelos humanistas que se

    desdobraram nas vrias reas do conhecimento: matemticos, arquitetos, fsicos,

    qumicos, filsofos, telogos, juristas e literatos etc... os artistas plsticos ou melhor seu

    legado artstico eternizado na pintura e na escultura melhor evocam e sintetizam o

    Renascimento.

    A produo plstica intensa toma a dianteira de todo o inestimvel e vasto

    legado humanista por traduzir o momento histrico de inquestionvel prosperidade

    econmica decorrente de prticas mercantis financiadas e encabeadas pela burguesia.

    A ruptura dos antigos laos sociais de dependncia social e das regras

    corporativas promovem, portanto, a liberao do indivduo e o empurram para a luta da

    concorrncia com outros indivduos, conforme as condies postas pelo Estado e pelo

    capitalismo. (SEVCENKO, 1985. p. 11).

    A arte era, pois o mecanismo perfeito por meio do qual a burguesia se utilizou

    para sua auto afirmao, correlacionando direta ou indiretamente sua classe nova

    ordem econmica, poltica, social na qual projetar-se-ia impreterivelmente no centro,

    como grande patrocinadora dos inventos tcnicos, cientficos e artsticos estreitando

    suas relaes com a nobreza e o alto clero que juntos comporiam o mecenato instituio

    esta de vital necessidade para a concretizao de obras monumentais, um avano para a

    poca em que foram executadas e objeto de fascnio e estudo para os contemporneos.O espao urbano ento sofre constantes interferncias plsticas, mostra do

    poderio financeiro em consonncia com a mentalidade burguesa difusora de uma cultura

    do novo, propondo comportamentos, hbitos e valores condizentes com o momento

    histrico provando sua superioridade ante a cultura medieval constantemente apontada

    como inferior e retrgrada, com seu romnico embrutecido e pesado dando as catedrais

    aparncia de fortalezas militares embora tambm o fossem, prevalecendo na arte da Alta

    Idade Mdia, suplantado posteriormente pelo gtico, que embora mantivesse algumas

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    caractersticas romnicas j demonstrava leveza nas orgivas e delicadeza no colorido

    das iluminuras e vitrais que iluminavam o sombrio interior dos templos.

    Na imaginria sacra prevalecia o estilo bizantino pouco preocupado com

    noes de proporcionalidade, volume e perspectiva o que conferia um efeito chapado

    s imagens meticulosamente hieratizadas dentro de uma hierarquia celeste fixa. Ao

    contrrio dessa, a arte renascentista preocupava-se sobremaneira com a harmonia do

    todo, com a proporcionalidade com o volume realista obtido entre os jogos de luz e

    sombra e a coerente ocupao do espao pictrico.

    Conforme verificamos, a nova camada burguesa, pretendendo impor-sesocialmente, precisava combater a cultura medieval, no interior da qual elaaparecia somente como uma poro inferior e sem importncia da populao.Era, pois, necessrio construir uma nova imagem da sociedade na qual, ela, aburguesia, ocupasse o centro e no as margens do corpo social.(SEVCENKO, 1985. p. 24)

    A nova concepo artstica intua a fidelidade na reproduo da cena pintada

    pretendendo tocar as pessoas atravs dos sentidos; para tanto as tcnicas de perspectiva

    ampliavam o campo pictrico conferindo obra a impresso de ali estarem

    multiplicadas cenas da vida cotidiana. A perspectiva do dolce stil nouvo (doce estilo

    novo) representada por Ducio e Giotto evoluram para a:

    ... inveno da perspectiva matemtica, ou a perspectiva exata, em quetodos os pontos do espao retratado obedecem a uma norma nica deprojeo, deveu-se com uma grande dose de certeza, a Felipo Brenelleschi,arquiteto florentino, por volta de 1420. Baseado no teorema de Euclides, queestabelece uma relao matemtica proporcional entre objeto e suarepresentao pictrica... (SEVCENKO, 1985.p. 30)

    O domnio da tcnica levou a arte a status de cincia, tornando-se desconhecida

    aos artesos populares. Esta exigncia fez-se necessria para atender ao sofisticado

    gosto artstico que a partir de ento evolua constantemente. O artista/cientista erasenhor do domnio da tcnica conciliando em seu ofcio, esttica e clculo, conferindo

    assim obra procedente de seu ateli alto valor econmico, acessvel apenas ao clero, a

    nobreza e a burguesia, esta ltima vida em afirmar-se ante as cortes reais e ao papado

    provando assim seu refinamento e poderio financeiro:

    A arte renascentista uma arte de pesquisa, de invenes, inovaes eaperfeioamentos tcnicos. Ela acompanhada paralelamente as conquistas dafsica, da matemtica, da geometria, da anatomia, da engenharia e da

    filosofia. Basta lembrar a inveno da perspectiva matemtica porBrunelleschi, os seus instrumentos mecnicos de construo civil ou militar,

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    ou instrumentos de engenharia civil inventados por Leonardo da Vinci, ou aspesquisas anatmicas de Michelangelo, ou o aperfeioamento das tintas aleo pelos irmos Van Eyck, ou os estudos geomtricos de Albrecht Drer,entre tantos outros (SEVCENKO, 1985. p. 25).

    III- O renascimento e seu carter consolidador do Estado

    A amplitude e profundidade crtica a que se propunha o humanismo

    Renascentista naturalmente fez romper as fronteiras florentinas dominada pelos Mdici,

    para alm da regio nortenha encontrando entusiastas e mecenas por toda a Itlia. Entre

    prsperos comerciantes burgueses, integrantes de cortes monrquicas e da poderosa

    corte pontifcia, o Renascimento gradativamente vai sendo apropriado pela elite

    assumindo assim uma afeio social distinta e erudita.

    A propagao do humanismo de uma regio especfica italiana para todo o

    continente europeu deveu-se a vrios fatores, sendo a autonomia financeira a mais

    relevante. No se trata apenas de afinidade e empatia ao movimento renascentista,

    mant-lo e faz-lo acontecer como j foi refletido carecia de todo um aparato

    econmico slido, de suma importncia para que as idias, as teorias e a inspirao

    flussem e acontecessem de fato.

    Esse fenmeno facilmente compreensvel, uma vez que apenas aprosperidade comercial que permitia a constituio de ncleos urbanosdensos e ricos e cortes aristocrticas sofisticadas o suficiente para setransformarem em pblico consumidor de uma produo artstico-intelectualvoltada para a mudana dos valores medievais (SEVCENKO, 1985. p. 39).

    O surgimento, portanto dos idiomas nacionais so o fruto dos estudos

    lingsticos dos humanistas que atravs de intensa produo literria contriburam para

    que cada pas, alguns ainda sob fortes conflitos internos consolidassem o poder poltico

    com a adoo, ou em certos casos, pela imposio de uma lngua nacional comum,

    pondo fim disperso causada pelos vrios dialetos caractersticos de cada regio. Na

    Itlia da Baixa Idade Mdia, nasce a literatura moderna com o poema pico Divina

    Comdia de autoria de Dante Alighieri2.

    Embora carregado do dogmatismo medieval numa descrio minuciosa do

    cotidiano, o poema marca poca basicamente no fato de ter sido escrito em dialeto

    2Dizemos que um marco ambguo, porque assim como as imagens de Giotto, a literatura deDante guarda intocadas inmeras caractersticas da mentalidade medieval. (SEVCENKO, 1985. p. 36)

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    toscano e no em latim a lngua oficial do direito e da igreja, como era de praxe na

    Idade Mdia. Outra evidncia um tanto quanto ambivalente o fato de o autor ser

    conduzido do espao temporal para o plano atemporal no por um anjo ou outra

    divindade crist, mas por um poeta da Antiguidade latina, o sbio Virglio que aps

    vagarem pelo inferno, passarem pelo purgatrio e alcanar a beatidade do paraso

    entregue a sua estimada Beatriz.

    Nota-se, portanto na obra de Dante valores clssicos enaltecidos pelo movimento

    renascentista que o precedeu: valorao dos saberes da Antiguidade Greco-romana

    como ideais de perfeio e busca do Belo idealizado na figura de Virglio, e a

    experincia emprica do amor humano que transcende o amor a Deus, substitudo por

    Beatriz. Sevcenko, (1985. p. 37) diz que Dessa forma, o espao intemporal do sagrado

    s pode ser compreendido se for remetido temporalidade histrica da terra...

    Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio so considerados continuadores do

    estilo literrio inaugurado por Dante, suas principais obras so a poesia lrica,

    cancioneiro e a narrativa em prosa, Decameron, de autoria dos respectivos literatos,

    ambos ... fundadores e divulgadores da corrente humanista. (SEVCENKO, 1985. p.

    39). Tornando-se reconhecidos em todo o continente.

    Centralizar o poder supunha tambm consolidar o idioma e a cultura conferindo

    carter unitrio ao pas. Os literatos tiveram um papel de grande relevncia ao

    colocarem sua poesia a servio da unificao territorial, poltica e cultural de cada nao

    exaltando-as sobre maneira tal qual percebemos na obra de ... um dos maiores

    escritores de todos os tempos foi Luiz Vaz de Cames (1524 1580), autor da clebre

    epopia das conquistas martimas portuguesas, Os Lusadas. (Sevcenko, 1985. p. 71)

    Embora, Portugal desde o sculo XII j possusse, monarquia constituda e as

    fronteiras definidas mais antigas da Europa, Os Lusadas apresenta-se como marco da

    histria e da literatura portuguesa que no sculo XVI ostentava a fama de ser a maisprspera economia europia, fruto do bem-sucedido expansionismo martimo. Neste

    caso particular a literatura solidifica o idioma escrito e congrega os indivduos ante a

    euforia de pertencerem ao pas das grandes navegaes.

    Uma vez introduzido o ideal renascentista em cada regio por indivduos que

    tiveram contato com a efervescncia italiana do sculo XIV, cada pas a partir de ento

    comea a desenvolver uma arte e uma literatura com contribuies culturais prprias,

    apesar de que:

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    Demoraria muito para que as demais naes aprendessem a desligar-se dojugo cultural italiano e fizessem sua prpria arte. Isso s ocorreria quandocada uma dessas naes atingisse o auge de seu poderio econmico epoltico, como ocorreria, por exemplo, com o Portugal de D. Manuel e D.Joo III, com a Espanha do sculo de ouro e com a Inglaterra isabelina(SEVCENKO, 1985. p. 39).

    Na Flandres, a produo artstica encontra-se estreitamente ligada riqueza das

    manufaturadas e do comrcio que transformaram a arte numa espcie de veculo de

    divulgao do estilo de vida burgus que ao contrrio da burguesia italiana e de outras

    regies da Europa no pleiteavam vagas na nobreza, estavam centrados na prosperidade

    comercial, bancria, porturia e manufatureira construda sob a gide do trabalho

    constante e da disciplina.

    O mecenato flamengo, pois, era patrocinado pela burguesia e pelos duques de

    Borgonha que desde 1419 transferiram-se com sua corte de Paris para Bruges a fim de

    legitimar a autonomia cultural e financeira desta regio, na qual o Renascimento

    acompanhou a evoluo da pintura. Segundo Sevcenko (1985. p. 60) ao contrrio dos

    italianos, os povos nrdicos e os flamengos em especial nunca se sentiram muito

    atrados pelas filosofias de estilo, pelos amaneiramentos e pelas teorizaes sobre os

    sentidos ltimos e mais elevados da arte.

    Sua arte esforava-se ao mximo em reproduzir de forma real o objeto pintado, o

    que conseguiram magistralmente com o sucesso da retratao de pessoas e na captao

    de formas, cores, brilhos e texturas das mais variadas naturezas. Paralelo a vivacidade

    do brilho dos metais e pedras preciosas, os artistas se preocupavam em utilizar suas

    telas para fazer denncia social atravs da representao de indivduo esqueltico e mal

    vestido, representando a situao da m distribuio da abundante riqueza.

    A fixao em representar o ambiente domstico outra forte caracterstica da

    arte flamenga onde:

    Mesmo as representaes religiosas tendem a ser banalizados como merascenas do cotidiano das famlias burguesas. O efeito disso ambivalente, poisao mesmo tempo em que humaniza mais o sagrado, aproximando suaexperincia daquelas pessoas comuns, tende igualmente a sacralizar oambiente e a faina do dia-a-dia, preenchendo-os de uma dignidade superior(SEVCENKO, 1985. p. 61).

    A tcnica da pintura a leo conferia ao trabalho um brilho uniforme fascinantealm da possibilidade de matizar as cores entre si podendo o artista trabalhar

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    variadamente a inciso da luz.Embora a tcnica da pintura a leo tenha sido idealizada

    pelo Mestre de Flemalte, os irmos Jan e Hubert Van Eyck na obra conjunta O

    Retbulo do Cordeiro Mstico, bem como no Casal Arnolfini, conseguiram alcanar

    os efeitos mais favorveis.

    A Frana de Francisco I e sua irm a poetisa Margarida de Navarra, ambos

    mecenas das artes nacionais francesa tomaram a dianteira da formao de humanistas

    com a idealizao de um instituto o Colgio de Frana objetivando criar condies

    favorveis para o afloramento das cincias, das letras e das artes que estariam a servio

    da consolidao monrquica e de uma cultura: ... decisiva para fixar as caractersticas

    da arte renascentista francesa: mais cheia de artificialismos e de afetao que a italiana

    ou flamenga, revelando claramente sua origem aristocrtica essa inspirao

    monrquica (SEVCENKO, 1985. p. 66).

    Os artistas franceses mais representativos do renascimento so os arquitetos

    Pierre Lescot e Plilibert Pelorme, os escultores Jean Gocjon e Michel Colombe, o pintor

    Jean Focquet que soube conciliar o gtico com a pintura renascentista mediante viagem

    realizada a Itlia sintetizando os dois estilos a fim de criar um gnero prprio

    caracterizado pelo monumentalismo tcnico e monocromtico, tornando-se uma

    referncia para a pintura francesa.

    A corte dos referidos mecenas contava com lingistas especialistas em diversos

    idiomas e um grupo de poetas que constituam a Pliade representado por Pierre de

    Bonsard e Du Bellay encarregados de ... lanar as bases da literatura nacional,...

    aristocrtica e oficial, graas ao apoio da Princesa de Navarra (SEVCENKO, 1985. p.

    66).

    Na Inglaterra, a dinastia dos Tudor marca o incio do processo de consolidao

    do Estado nas ltimas dcadas do sculo XV, por interferncias da doutrina calvinista as

    artes plsticas no tiveram a mesma vultuosidade como em outras regies tendo orenascimento participao apenas na msica, na literatura e no teatro, a grande diverso

    tanto de nobres como da populao em geral.

    A ruptura de relaes do Estado ingls com Roma foi decisiva no rumo que a

    produo cientfica tomou na Inglaterra dos Tudor. Os literatos dividiram-se entre os

    que defendiam a liberdade de culto e os que apoiavam a recm criada igreja nacional e a

    centralizao do poder temporal e espiritual na pessoa do rei. Sir Francis Bacon

    considerado o introdutor do mtodo cientfico moderno que prima pela experincia

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    como base da produo do conhecimento o autor mais significativo das cincias

    renascentistas inglesa.

    Mas a principal expresso cultural encontra-se no teatro amplamente difundido

    no reinado de Elizabeth I e coroado pelas obras de Willian Shakespeare que em Hamlet:

    ... coloca dvidas sobre a eficcia da razo e da racionalidade, num prenncio j da

    arte maneirista, que sucede ao Renascimento (SEVCENKO, 1985. p. 45).

    Na Alemanha, as influncias diretas nas artes nacionais correspondem ao gtico

    tardio ao gosto ornamental flamengo posteriormente com a contribuio italiana

    assimilada gradualmente. As crticas cultura medieval dominadas pelo

    conservadorismo, culminaram com a obra dos humanistas Ulrich Von Hutten e Crotus

    Rubians em As Cartas de Homens Obscuros, que abriram caminho segundo a linha de

    pensamento do flamengo Erasmo de Rotterdam e para o afloramento da teoria

    reformista de Martinho Lutero.

    Nas artes plsticas a gravao em madeira e metal adaptaram-se s tcnicas

    desenvolvidas pela imprensa que as divulgou fartamente por toda a Europa, difundindo

    estilos e recursos ornamentais, tendo no gravurista Albrecht Drer, discpulo de Michael

    Wolge Mut, seu maior e mais talentoso representante.

    Drer soube conciliar com maestria mediante viagens de estudo, estilo

    flamengo, italiano e alemo transmitindo s suas obras: a luminosidade, a harmonia

    geomtrica e a singularidade do gtico, respectivamente caractersticas destes trs

    estilos. Na escultura, o estilo suave, ao gosto burgus encontrou em Adam Kraft, Peter

    Vicher e Riemenshneiler seus maiores vultos.

    Na Espanha, a unificao do Estado deu-se em fins do sculo XV com a unio

    matrimonial dos reis catlicos Isabel de Castela e Fernando de Arago, reunindo assim,

    foras suficientes para a expulso definitiva do ltimo reduto de mouros na Pennsula

    Ibrica. Em 1492, a Espanha vibra com a notcia do descobrimento do novo mundo.Segundo Sevcenko, estes dois eventos contriburam favoravelmente para a

    propagao do renascimento em terras espanholas que no contexto histrico de fins do

    sculo XV e incio do sculo XVI j possua poder poltico centralizado, uma burguesia

    militar poderosa assim como a portuguesa financiadora das expedies martimas

    expansionistas. O estilo artstico em voga era o mudjar constitudo pela fuso do gtico

    com a arquitetura e a azulejaria mourisca.

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    De acordo com Sevcenko3 O predomnio de uma aristocracia guerreira e

    militante fervorosa em favor da expanso do Cristianismo; a ascenso de uma

    monarquia centralizada, forte e voltada para a ampliao permanente de seus

    domnios...

    Nestes princpios de fidelidade monrquica e religiosa, constituiu-se a sociedade

    Espanhola, onde o renascimento perdurou muito pouco, sendo suplantado pela

    intolerncia da contra-reforma to solidificada na Espanha catlica do sculo XVI,

    abrindo campo para o maneirismo que antecedeu o sculo de Ouro barroco no

    setecentos. O estilo renascentista se imporia ao mudjar com a presena de artistas,

    flamengos e italianos ou do trabalho de artesos espanhis, enviados a estes dois

    grandes centros de irradiao de renascimento para inteirar-se do estilo em voga.

    A temtica sacra uma constante nos trabalhos plsticos reflexo da exaltao do

    catolicismo que tem na literatura mstica, o fervor inconfundvel de Incio de Loyola,

    fundador da Companhia de Jesus, autor de Exerccios Espirituais, Teresa de vila,

    reformadora da Ordem Carmelita, Espanhola feminina, autora de Castelo Interior e O

    Caminho da Perfeio, e Obras Espirituais, atribudas a seu coetneo e entusiasta na

    Reforma do Carmelo masculino, Joo da Cruz.

    Essas obras devocionais, mas revestidas de extraordinria densidade potica se

    somariam parte mais significativa da cultura do Renascimento espanhol, representada

    pela literatura de Herrera e Cervantes e pelo teatro de Garcilaso de La Vega e Lope de

    Vega [...] (SEVCENKO, 1985. p. 70).

    Assim como Espanha, Portugal encontrava-se eufrica com o bom xito da

    expanso martima, tambm patrocinada pela burguesia que, a partir do sculo XV,

    rompeu o monoplio naval italiano, detentor da nica rota para a sia, oferecendo com

    as expedies navais a rota atlntica contornando a costa da frica. O controle do

    comrcio de especiarias e a expanso territorial, fez dos portugueses no sculo XVIdetentores da mais prospera economia europia.

    Surge na arquitetura e na decorao de edifcios militares, palacianos e

    religiosos, o estilo manuelino, que mesclava elementos mouricos do mudjar com

    elementos gticos. O estilo manuelino caracterizado pela abundncia de ornamentos,

    muitos dos quais alusivos aos cordames das caravelas que se lanavam na aventura dos

    descobrimentos.

    SEVCENKO, 1985. p. 69.

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    Francisco S de Miranda o responsvel de implantar o renascimento, sobretudo

    na produo literria, em terras lusitanas aps algum tempo em contato com o stil nuovo

    italiano. Sevcenko (1985. p. 71) descreve: produzindo obras e textos de todas as

    formas e compostas em todos os metros: poesias, elegias, stiras, epstolas, clogas etc

    [...] (SEVCENKO, 1985. p. 71).

    As ligaes com o teatro espanhol e a cultura medieval, so as caractersticas

    bsicas da obra de Gil Vicente em muito influenciado por Juan de Encina. Nas artes

    plsticas, destaca-se a obra Polptico de So Vicente onde perceptvel o cromatismo de

    Jan Van-Eyck, embora tenha sido executado pelo portugus Nuno Gonalves, nela

    pde-se observar:

    [...] todo o vio da sociedade moderna e aburguesada do Portugal da Dinastia

    de Avis e transpira todo o sentimento de euforia e glria nacionais produzidopelas afortunadas navegaes. O Polptico de So Vicente pode assim sercompreendido como a verso da epopia camoniana (SEVCENKO, 1985.p.72).

    IV- Maneirismo: renascimento reinventado

    A Arte Renascentista, sofrera intervenes que lhe conferiram caractersticas

    prprias, associadas ainda sua relao com as transformaes culturais e econmicas

    de cada pas ou regio europia, havendo, portanto uma releitura a partir do sculo XVIque propunha, segundo Hauser (1954. p. 473) [...] romper com a regularidade e

    harmonia excessiva simplista da arte clssica, substituindo a sua normatividade

    superpessoal por caractersticas mais subjetivas e mais sugestivas.

    Esta releitura estilstica do conceito clssico aplicado s artes culminou no

    maneirismo, cujo conceito no pode ser tomado de modo simplrio, pois implica em

    ambigidades terminolgicas amplamente discutidas.

    O trmo maneira tem um significado inteiramente positivo em Borghini, quechega a lamentar a falta desta qualidade em certos artistas, e assim antecipa adistino moderna entre o estilo e a falta de estilo. Os clssicos do sculoXVII Bellori e Malvasia so os primeiros a relacionarem com o conceitomaneira a idia de um estilo de arte afetado e trivial, redutvel a sries defrmulas, so os primeiros a revelar a conscincia da lacuna que omaneirismo introduz na evoluo da arte, e os primeiros a notar a oposioperante o verdadeiro classicismo, que se faz sentir na arte, depois de 1520(HAUSER, 1954. p. 472).

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    As opinies acerca das intervenes plsticas so variadas, mostra da dualidade

    presente no ser humano que ora penetra a fundo na mstica em busca de um novo

    sentido para a vida religiosa, ora busca a racionalidade que altera a realidade habitual. O

    maneirismo seria o novo estilo artstico intermedirio entre a rigidez metdica da

    Renascena e a profuso estilstica barroca, mais do que isso seria a ousadia do artista

    em romper com a excessiva matematizao do espao e do iderio filosfico ao qual a

    arte se prestava, para, imprimir em sua obra rejeio ao classicismo exacerbado.

    Tintoreto e El Greco ilustravam bem atravs de seus trabalhos [...] o maneirismo, como

    expresso do entusiasmo entre as tendncias espirituais e sensualistas da poca [...]

    (HAUSER, 1954. p.478).

    Maneirismo, contudo no se detm apenas a uma terminologia artstica, mas

    denota significativamente os conflitos polticos, religiosos e culturais que abalavam as

    estruturas sociais da Europa do sculo XVI. A invaso da Itlia por tropas francesas e

    espanholas demonstram a rpida ascenso destes dois imprios fortalecidos

    internamente pela concluso de bem sucedidas guerras e empreendimentos martimos

    expansionistas que lhes proporcionavam respeito e credibilidade ante as outras naes

    que segundo complexo jogo de interesses, estreitavam relaes diplomticas como se

    nota na unio entre Alemanha, Pases Baixos e Espanha, dando origem a uma aliana

    forte o suficiente para encabearem empreitadas expansionistas continentais na regio

    sede do papado, dos mecenas e bero das artes renascentistas.

    O auge do poderio Espanhol evidencia-se na invaso e saque cidade de Roma,

    quando Carlos V [...] j no sentia vontade de se submeter s intrigas do Papa.

    (HAUSER, 1954. p. 484), e como forma de subjug-lo, expoliou todo o tesouro milenar

    presente em mosteiros e baslicas, deixando o Pontfice impotente ante a orda

    mercenria que saqueou a cidade Eterna.

    Npoles, Milo e Florena constituam redutos de possesso francesa at seremexpulsos pelas tropas Hispano-germnicas que a partir de ento, redefinem o controle

    poltico italiano onde: Um vice-rei espanhol reside em Npoles e um governador

    espanhol em Milo, em Florena, os espanhis governavam atravs de Mdicis, em

    Ferrara atravs de Este, e em Mntua atravs de Gonzaga (HAUSER, 1954. p. 484).

    Contgua a agitao poltica, desencadeou-se na regio germnica da Saxnia a

    Reforma Protestante, fruto da insatisfao popular ante a degenerao moral do clero e

    o abuso de poder exercido pelo papado que legitimava suas aes pautadas nainterpretao errnea da doutrina crist. Este cisma do ocidente catlico, fruto de um

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    longo processo de crticas sufocadas pelo inquestionvel magistrio da igreja, abalou as

    estruturas sociais do Continente dividido a partir de ento, entre fiis e hereges.

    A adeso em massa aos ideais reformistas propostas pelo monge agostiniano

    Martinho Lutero, em muito se deram pelo discurso poltico que estabelecia de forma

    prtica, ligao entre religio e cotidiano com nfase na doutrina cristocntrica,

    colocando em segundo plano todo o ritualismo prolixo e trazendo ao conhecimento das

    camadas mais simples, uma religio que se faz entender de forma clara e objetiva, para

    tal empreendimento, a impressa divulgou amplamente os ideais da reforma que em

    outras regies da Europa encontraram adeptos e protetores que as reinterpretaram de

    diferentes modos.

    A resposta da Igreja Catlica ao movimento separatista no foi, contudo

    imediato. Somente em 1542, sob o Pontificado de Paulo III, a Inquisio faz sentir o

    peso de seu ofcio de regenerar hereges e punir intransigentes. A difuso da cultura

    literria obriga os rgos eclesisticos a intensificar a censura a todo e qualquer gnero

    de publicao. O embate deste perodo histrico tange mentalidade religiosa de

    pertena ou revogao a determinada doutrina. Esta ambigidade ser cabal na

    consolidao de alianas poltico/militares que os reinos europeus iro assumir a partir

    se ento, fortalecendo ainda mais as relaes entre Estado e Igreja.

    O Conclio de Trento, de certo modo acatou as crticas protestantes, mas

    enfatizou sobre maneira a linha tnue que separava ortodoxia de heresia, difundido

    ainda mais a intolerncia religiosa. Contudo, foi a concepo de arte que ganhou novo e

    inusitado impulso.

    J no havia que ter mdo de ms interpretaes da ortodoxia, a ordem do diaera agora dar mais brilho soturnidade do Catolicismo militante, fazer aploaos sentidos, na propagao da f, tornar as formas do servio divino maisagradveis, e fazer com que a Igreja fsse o centro resplandecente e atrativo

    de tda a comunidade. E foi a estas tarefas que o barroco se mostrou, deincio, capaz de prestar justia, [...] (HAUSER, 1954. p. 500)

    O esfacelamento da unidade da cristandade contribuiu para que a Igreja,

    enquanto instituio de grande influncia no mundo ocidental atentasse para conflitos

    morais at ento ignorados e assim, elegesse estratgias para ao mesmo tempo renovar-

    se e impor-se ante a onda de sucessivas contestaes; contudo o instrumento mais

    apropriado seria o mesmo utilizado pela burguesia para impor-se socialmente a Arte

    com sua linguagem ao mesmo tempo subjetiva e universal em oposio viso

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    iconoclasta nascente com o protestantismo de Calvino4 a igreja apropria-se deste

    recurso visual para comunicar aos fiis de maneira intensa e profusa, sua doutrina e sua

    crena.

    Estrategicamente, o realismo sentimental do barroco ser apropriado pela

    nobreza, a fim de constituir-se absoluta e inquestionvel, em consonncia com o

    catolicismo que encontrar nas cortes europias, sobre tudo nas ibricas de longa

    tradio militante/religiosos aliados fervorosos na empreitada de combater os desvios

    doutrinrios e, na altura dos acontecimentos, expandir a f verdadeira em seus domnios

    e possesses e junto a esta a linguagem da arte que sustenta o esplendor do culto e

    afirma a veracidade do dogma.

    Certifica-se a importncia e necessidade da arte como grande instrumento e

    ferramenta pela qual os indivduos so atrados e moldados segundo os preceitos da

    religio e do Estado que fundem-se na consolidao do Absolutismo, amparado e

    justificado teolgica e filosoficamente pela doutrina do direito divino que legitimava

    incontestavelmente a funo do monarca de arbitrar sob seus sditos.

    A realidade social, a que se liga direta e coerentemente a realidade polticaaparece-nos como a responsvel pela definio de uma determinado esprito ede uma certa forma de expresso esttica: a conjuno entre ambas feitasobretudo graas s foras polticas, levar-nos- diretamente caracterizao

    de um complexo de manifestaes artsticas a cujos traos gerais nosreferimos por meio do termo barroco (MACHADO, 1969. p. 119).

    Ora, se o maneirismo apresenta-nos como a degenerao classicista e o embate

    entre religiosidade e sensualismo, o barroco apresenta-se, de acordo com Hauser

    (1954:478), como soluo temporria do conflito, baseado no sentimento espontneo.

    V- Pluralidade do barroco

    O barroco instala-se como estilo artstico no contexto de incio da Idade

    Moderna, testemunhando a expanso martima mercantilista vinculada expanso

    cientfica espacial, e aos embates religiosos, ferrenhos travados entre reformistas e

    contra-reformistas. No que diz respeito empreitada naval, cabe o mrito do fato a

    4Conforme chama a ateno o autor (HAUSER, 1954.p. 504)

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    Portugal e Espanha, pases de forte tradio monrquica que respectivamente

    amparados pela burguesia, lanaram caravelas ao mar, expandindo a territorialidade

    europia, a qual se achavam confinadas a sculos, comprovando empiricamente as

    teorias copernicanas a cerca da esfericidade da Terra atravs da descoberta de outros

    continentes.

    Ao Cisma da Cristandade Ocidental, o barroco apresenta-se como resposta

    urgncia de uma reao das monarquias catlicas ante a rpida propagao dos ideais

    protestantes, que ameaavam ruir a supremacia poltica e espiritual de Roma e das

    cortes absolutistas por ela dirigidas. A magnificncia, monumentalismo e exuberncia

    do novo gosto ornamental, exerceriam dupla funo de reafirmar o poder temporal da

    Igreja e advertir sobre o risco da contaminao provinda do liberalismo filosfico

    renascentista.

    Confrontando-se com a arte renascentista, o barroco substitui a linearidade, a

    rigidez matemtica de distribuio dos elementos no plano por uma liberdade criativa

    mpar, onde os jogos de luz e sombra que conferiram profundidade aos contornos

    classicistas assumem um exagero soberbo, tal que, alm do realismo implicam em uma

    profuso de cores, formas e volumes na composio de um conjunto exageradamente

    movimentado e transcendente. Trata-se de uma arte de cunho devocional, voltada para a

    fcil compreenso do povo e ao mesmo tempo portadora do requinte palaciano.

    O naturalismo, tcnica que sugere a unio da policromia em concordncia com

    a escultura, conferiu a imaginria sacra barroca um sentimentalismo e uma veracidade

    comoventes, artifcio este mais que ideal quando unido a teatralidade do culto catlico

    na arte de convencer pelo discurso teolgico em consonncia com a poca ganha tons

    poticos.

    Na arquitetura, a construo de prdios civis e militares obedece a parmetros

    slidos e imponentes e em alguns casos apresentando fachadas abauladas emsubstituio a planta baixa de princpios retangulares, nos edifcios religiosos [...] a

    grande cpula domina toda a igreja, a expresso da submisso do material e terrestre

    ao imaterial, absoluto, divino (MACHADO, 1969. p. 90). O barroco rompe o

    racionalismo matemtico renascentista, sobrepuja a subjetividade maneirista e afirma-se

    como estilo artstico, arquitetnico, escultrico e pictrico refletindo, outrossim, toda a

    carga scio-histrica do homem, cabendo ponderar que embora:

    Os primeiros estudiosos do barroco limitavam sua ateno criao plstica,a um fenmeno formal que eles distinguiam seno como categoria prpria

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    das artes visuais: arquitetura, da pintura, da escultura. Essa posio evoluiria,no entanto, para uma viso global do mesmo fenmeno, que outrosestudiosos passariam a identificar tambm na literatura, no teatro, na msicae mesmo em toda a vida social do perodo, tornando possvel falar-se docarter de uma idade barroca, de uma concepo barroca do mundo, de umaideologia religiosa do barroco (VILA, 1980. p. 6).

    Seria por demais simplista analisar o barroco como fenmeno plstico to

    somente em vista a abrangncia e interao com o meio social cultural a que se

    expandiu encontrando nas mais variadas manifestaes frutuoso campo de atuao.

    Contudo, o ornamento barroco por sua vez no deve ser colocado em segundo plano,

    visto ser ele a exteriorizao concreta do pensamento do perodo onde se almejava

    galgar a glria, mas tambm temia-se a possibilidade no obstante da aniquilao nos

    suplcios da danao eterna.O conflito de valores por seu turno possibilitou Histria da Arte e aos que a

    seu estudo se dedicam a anlise de uma produo material indescritivelmente invejvel,

    posto a amplitude de possibilidades e rumos que a pesquisa possa tomar,

    compreendendo-se a partir de vrios vrtices, o estudo da sociedade europia, na qual se

    desenvolveu o barroco que [...] recusava-se a conter-se nos limites de uma teoria

    (MACHADO, 1969. p. 75).

    To pouco a um conceito que lhe definisse apenas como concepo plsticaampliando sua atuao em vrias reas do conhecimento e representando a mentalidade

    histrica de um perodo que superou o Renascimento. Lourival Gomes Machado nesta

    mesma linha de raciocnio, analisando o pensamento do Dr. Arnold Hauser ressalta e

    levamos a compreenso de que o barroco trata-se de:

    [...] um fenmeno artstico to amplo que, identificando-se e ao mesmotempo traduzindo o esprito de uma poca, foi capaz de atender ssolicitaes de diferentes grupos locais, estruturas econmicas, formulaes

    jurdico-polticas e at ideologias ticas e religiosas (MACHADO, 1969. p.59)

    Ambos os autores so unssonos na afirmao de que o barroco mais que

    conceito artstico acadmico, corresponde a uma poca, a um perodo da histria da

    Europa que em determinado momento expande esta territorialidade para implantar-se na

    Amrica Ibrica com o processo colonizador. Sua ocorrncia compreende os sculos

    XVII e XVIII, abarcando toda uma vasta produo cultural estendendo-se a elaborao

    de cdigos comportamentais, impondo uma aristocratizao da sociedade com o

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    advento do regime absolutista que distinguiu drasticamente os indivduos segundo o

    conceito de classes sociais.

    A nobreza conserva os ideais medievais da cavalaria: fidelidade, herosmo e

    honradez, porm lapidadas pela delicadeza e requinte dos modos, conferindo nobreza

    absolutista caractersticas aristocrticas5 deixando de lado a rudeza militar em

    substituio a funo burocrtica, a qual o Estado moderno se adere. D-se incio a era

    da fidalguia em tudo dependendo das benesses reais, que por sua vez, conseguia manter

    seu extravagante estilo de vida atravs da arrecadao tributria, que culminar com a

    derrubada do Antigo Regime liderada pela burguesia e sustentada pelas camadas sociais

    mais simples no final do sculo XVIII.

    Consideraes Finais

    A arte desenvolvida e partilhada pelas cortes catlicas, portanto so de carter

    doutrinrio contra-reformista, palaciano monrquico e corteso ao passo que o barroco

    que se desenvolveu nos pases protestantes, assumem feies burguesas mercantilistas,

    e politicamente devido a crena de que [...] todos homens so filhos de Deus, era

    essencialmente hostil autoridade (HAUSER, 1954. p. 600), e simpticos aos ideais

    republicanos, salvo vrias excees.

    O barroco protestante se deter pintura e a representao [..] que tenta no s

    tornar visveis as coisas espirituais, mas tambm dar s coisas visveis um ar de

    espiritualidade (HAUSER, 1954. p. 606), onde a burguesia retratada freqentemente

    com seus trajes austeros, bem como cenas do cotidiano com um realismo

    impressionante, sobretudo no domnio da tcnica, da inciso da luz sobre os objetos.

    O barroco protestante acima de tudo uma arte da classe mdia e da burguesia,

    alheia a pompa dos palcios e avessa exaltao exacerbada da mstica e da religio,detm-se a representao de cenas que revelam sensibilidade e pertena ao visvel e ao

    real. Na Holanda, protestante de Vermeer e Rembrandt a arte desenvolveu-se no por

    imposio da Igreja, nem pelo poder rgio e nem pela corte como era comum nos pases

    5Hauser atenta para a transferncia do centro da cultura e da poltica de Roma, Itlia para a Frana que:

    [...] torna-se agora o poder orientador na Europa, politicamente falando, e toma a chefia em todos os

    assuntos de cultura e gsto. e justamente na Frana absolutista que a nobreza se consolida como

    instituio [...] de uma brilhante representao teatral. (HAUSER, 1954. p. 574-576)

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    catlicos, mas pelo corporativismo presente na burguesia mercantilista e na classe

    mdia em ascenso.

    REFERNCIAS

    VILA, Affonso; GONTIJO, Joo Marcos Machado; MACHADO, Reinaldo Guedes.

    Barroco Mineiro Glossrio de Arquitetura e Ornamentao. Belo Horizonte:

    Fundao Joo Pinheiro, 1980.

    HAUSER, Arnold. Histria Social da Literatura e da Arte. So Paulo: Mestre Jou,

    1954.

    MACHADO, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. So Paulo: Perspectiva, 1969.

    SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento: os humanistas, uma nova viso de mundo:

    a criao das lnguas nacionais: a cultura renascentista na Itlia.So Paulo: Atual,

    1985.