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Escola, Currículo e Sociedade

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Escola, Currículo e Sociedade

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Currículo: aspectos Históricos e Legislativos

Material Teórico

Responsável pelo Conteúdo:Prof.ª Me. Janaina Pinheiro VeceProf.ª Me. Simone Dias da Silva

Revisão Técnica:Prof.ª Dr.ª Jane Garcia de Carvalho

Revisão Textual:Prof.ª Dr.a Maria Isabel Andrade Sousa Moniz

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• Introdução

• Afinal, o que é currículo?

• Aspectos históricos sobre o currículo

Nosso objetivo é que você execute as atividades com autonomia a partir da leitura dos textos disponibilizados na unidade I, participe do fórum de discussão e acompanhe a vídeo-aula.

Conte com o tutor para qualquer situação que se fizer necessária. Lembre-se de que o seu desempenho depende de uma rotina de estudo organizada e principalmente da sua responsabilidade.

Nesta primeira unidade da disciplina Currículo, Escola e Sociedade, vamos aprofundar nossos conhecimentos acerca do conceito de currículo e dos aspectos históricos e legislativos que o subjazem.

Currículo: aspectos Históricos e Legislativos

• Legislação e currículo: uma abordagem necessária

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

Contextualização

A personagem Mafalda apresenta de forma irônica uma crítica ao conteúdo e à abordagem da professora. A reflexão humorística, proposta na tirinha, nos remete ao tema principal desta unidade 1: o currículo escolar.

Para darmos início à unidade, convidamos você a refletir acerca da questão: Afinal, o que é currículo?

Então, vamos começar?

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Introdução

Esta primeira unidade – Currículo: aspectos históricos e legislativos – discute inicialmente a definição e o estudo etimológico da palavra currículo a partir da abordagem de diferentes concepções, sobretudo o seu desenvolvimento histórico. Na sequência, apresenta-se a contextualização das transformações sociais, econômicas e políticas no Brasil e como elas interferem na organização do currículo da escola. Além disso, ao final é proposta a análise da legislação brasileira acerca do currículo. Partindo de tais considerações, a organização didática do material está situada em três títulos: Afinal, o que é currículo?, Aspectos históricos sobre o currículo escolar e Legislação e Currículo: uma abordagem necessária.

Afi nal, o que é currículo?

Você já parou para pensar o que significa “currículo”?

Por ser um termo de uso social e presente no vocabulário escolar, talvez seja necessário esclarecer o que se entende por currículo, para então examinar possíveis respostas à questão. Por conta dessa familiaridade, há pouca dedicação à reflexão sobre o sentido da palavra.

Acerca do assunto Souza (2008) descreve que:

O uso do termo currículo é relativamente recente no Brasil. Para muitos professores esse é um termo confuso e impreciso. Alguns o relacionam aos programas escolares ou planos de ensino (o rol de conteúdos a serem ensinados numa série e/ou nível de ensino), terminologia tradicionalmente empregada no país, desde o século XIX, para referir-se aos conteúdos estabelecidos a serem transmitidos nas escolas. De forma correlata, há professores que associam o termo ao sentido restrito de grade curricular (distribuição do número de aulas de cada matéria em cada série). (SOUZA, 2008, p.7)

Desta forma, por situar-se nos âmbitos político, econômico, cultural, social e educacional, associam-se à palavra currículo distintas concepções que derivam dos diversos modos como a educação foi concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. Nesse sentido, pode-se afirmar que ao longo da história o currículo tem adquirido determinados significados como:

(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (MEC, 2007, p.18)

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

No estudo etimológico da palavra currículo, podemos encontrar interpretações como as de Silva (1995), Sacristán (1998) e Kishimoto (1994).

Para Silva (1995, p. 15):

Se quisermos recorrer à etimologia da palavra “currículo”, que vem do latim “curriculum”, “pista de corrida”, podemos dizer que no curso desta “corrida”, que é o currículo, acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo, pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade.

De acordo com Sacristán (1998, p.125) “o termo currículo provém da palavra latina currere, que se refere à carreira, a um percurso que deve ser realizado e, por derivação, a sua representação ou apresentação”.

Kishimoto (1994, p.13) diz que “o termo latino currus – carro, carruagem -, currículo significa o lugar no qual se corre”.

O sentido etimológico aqui adotado se refere ao apresentado por Silva (1995), uma vez que o currículo:

Vai muito além da escola, mas também está dentro dela, que faz suas escolhas por conteúdos, métodos, formas de organização pedagógica e institucional no seu constituir-se cotidiano. E dentro dela podemos buscar desvendar os processos históricos que nos tornam aquilo que somos através de práticas pedagógicas que contribuam para a emancipação social. Reinventando, portanto, cotidianamente, o fazer pedagógico no sentido de potencializar suas possibilidades emancipatórias. (OLIVEIRA, 2005, p. 25).

O posicionamento de Oliveira (2005) mostra que as indagações acerca do currículo se fazem presentes na escola, na pesquisa, na legislação e na própria sociedade, porque a sua ou as suas concepções se referem à construção histórica, produzida em contextos que acompanham as transformações sociais, políticas, culturais, intelectuais e pedagógicas. Por isso é tão importante compreender o currículo atrelado à dinâmica dos diferentes âmbitos que constituem a sociedade.

A esse respeito, Sacristán (1998, p.126) afirma que “o conceito de currículo é bastante elástico; poderia ser qualificado de impreciso porque pode significar coisas distintas, segundo o enfoque que o desenvolva...”.

Coerente à citação de Sacristán (1998), Kishimoto (1994) destaca que:

(...) o currículo envolve modos distintos de encarar o homem e a sociedade, de conceber o processo de transmissão e elaboração do conhecimento e de selecionar os elementos da cultura com que necessariamente a escola trabalha. (KISHIMOTO, 1994, p.8)

No entanto, apesar da diversidade de conceituações e posicionamentos sobre currículo, é importante ressaltar que qualquer que seja a concepção adotada, não há dúvidas quanto a sua relevância no processo educativo da instituição escolar.

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A pretensão até o momento é evidenciar que o entendimento de currículo está vinculado às interpretações e reinterpretações dos diferentes contextos históricos, sendo elas orientadas pela dinâmica da sociedade. Nesta condição, a seguir são apresentados os aspectos históricos e legislativos tão necessários para a compreensão do currículo escolar. Segundo Moreira e Silva (1995, p.7):

O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas, métodos. Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo, guiada por questões sociológicas, políticas, epistemológicas.

Aspectos históricos sobre o currículo

Sabendo que o currículo expressa a leitura do contexto social e seus aspectos históricos é preciso primeiramente considerar a escola enquanto organização situada na vida e na cultura da sociedade.

Nos últimos 40 anos, questões relativas ao currículo têm ocupado um lugar de destaque na política nacional e internacional sobre a educação, suscitando interessantes debates e discussões sobre a sua elaboração, implementação e legislação.

De acordo com Sônia Kramer (1997, p.15):

Na verdade, desde o momento em que reconquistamos o direito de eleger, pelo voto, os projetos (e não só os governamentais) de gestões, em primeiro lugar estaduais (1982), em seguida municipais (1985) e, mais recentemente, para o governo federal (1990), tem-se mostrado concreta a possibilidade de desenvolver diferentes alternativas práticas de ação no campo educacional.

Nesse contexto, podemos situar as discussões e avanços consideráveis a respeito do currículo na década de 1980, em que houve no Brasil a valorização das políticas públicas de educação.

Anteriormente a esse período, o sistema educacional brasileiro, por oferecer historicamente um atendimento dual e elitista, foi marcado por um modelo curricular extremamente excludente e de baixa qualidade. A abordagem técnico-linear do currículo vigorou primeiramente, na década de 1940, nos Estados Unidos, estendendo-se aos demais países nos anos seguintes.

No modelo técnico-linear, o currículo é concebido como uma atividade racional e neutra. Como instrumento de racionalização da atividade educativa, seu desenvolvimento depende estritamente da execução e da qualidade do planejamento.

Ideias Chave

Nesta perspectiva, o norte americano Ralph Tayler (1949), com o intuito de buscar bases racionais para a elaboração do currículo, propôs algumas questões interpretadas por nós, para nortear esse trabalho:

• Que objetivos educacionais a escola deve procurar atingir?

• Como possibilitar a execução desses objetivos?

• Como as experiências educacionais podem ser organizadas de modo eficiente?

• Como determinar se os objetivos estão sendo alcançados?

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

De acordo com Souza (2008, p.10):

As críticas a esse modelo tecnicista, a-histórico e descontextualizado, centrado na prescrição e no planejamento curricular, desencadearam um conjunto de trabalhos críticos, na década de 1960 e 1970, na Inglaterra e nos Estados Unidos, responsáveis pela renovação dos estudos nessa área. Essa revisão crítica iniciou e consolidou-se no âmbito da Sociologia da Educação, constituindo o que se convencionou denominar de teorias críticas.

Decorrentes da contraposição ao modelo técnico-linear, as perspectivas críticas surgiram a partir da década de 1970 com a intenção de discutir as determinações sociais e suas relações com a estrutura de poder na sociedade, sendo a publicação de Michael Young (1971) a primeira corrente sociológica voltada para a problematização do currículo.

De acordo com Souza (2008) dois movimentos de reconceptualização do currículo surgiram na época, sendo eles:

• O enfoque histórico hermenêutico: influenciado pelos estudos de Paulo Freire, que evidencia a experiência dos alunos e suas necessidades como centrais à construção do currículo. No Brasil, Paulo Freire foi um dos pioneiros a denunciar e a demonstrar de forma consistente o descaso do sistema escolar brasileiro e seu caráter discriminatório, opressor e a sua verdadeira intenção de destinar a educação apenas a uma elite.

• Enfoque neomarxista: conduzido por Michael Apple e Henry Giroux, que afirmam que o currículo não pode ser separado da totalidade social e cultural, tratando-se especificamente de um ato político. Nas décadas de 1970 e 1980, na área da Sociologia da Educação, Bourdieu e Passeron também mostraram o caráter reprodutivo da escola, que inevitavelmente impacta em seu currículo.

Ambos os enfoques, ao contrapor os princípios de regulação e controle social, colaboraram para abalar a hegemonia do paradigma tecnicista do currículo.

De acordo com Souza (2008, p. 10):

Dessa maneira, as teorias críticas do currículo de natureza sociológica passaram a escrutinar os conteúdos de ensino e sua transmissão, desnaturalizando o currículo, apontando-o como uma construção social e ressaltando as suas relações com o poder e com a produção de subjetividades.

Na década de 1980, cenário de conquistas históricas na educação brasileira, configurou-se a tendência crítica do currículo, conforme apresentado por Souza (2008, p. 12):

Já os anos 80 do século XX, viram florescer no Brasil o pensamento crítico sobre o currículo de natureza sociológica. Foram traduzidos no início da década de 1980 dois livros que influenciaram profundamente as propostas de reestruturação curricular ocorridas no país nesse período: Ideologia e Currículo, de Michael Apple (1982) e Pedagogia Radical, de Henry Giroux (1983). Esses autores influenciaram o pensamento curricular desenvolvido nos cursos de Pedagogia e nos programas de Pós-graduação em Educação, os quais estavam consolidando nessa época.

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As contribuições dessas teorias clássicas no campo do currículo concentram-se na problematização da relação entre currículo, sociedade e poder. Fundamentado na abordagem neomarxista, Apple (1982), em sua crítica, aponta a escola como instituição de reprodução cultural, ou seja, instituição que reproduz e legitima determinadas desigualdades econômicas, sociais e culturais.

Para Souza (2008), até então o predomínio de determinadas áreas de conhecimento no currículo esteve relacionado ao papel da escola na seleção de indivíduos para ocuparem diferentes posições econômicas e sociais.

Entende-se, dessa maneira, porque as Ciências Sociais, as Artes, a Educação Física e as Humanidades em geral tendem a ser secundarizadas nos currículos escolares e a receberem menos recursos financeiros para o custeio de pesquisas científicas e projetos de desenvolvimento do currículo. (SOUZA, 2008, p.17)

Apple (1982) preocupou-se em mostrar como as escolas se constituem como produtoras e reprodutoras da manutenção e controle social, analisando a relação entre ideologia e currículo. Para o autor, ideologia consiste num conjunto de ideias que marcam a legitimação, o conflito de poder e o estilo de argumentação. Apple (1982) atribuiu, para tal explicação, o conceito de currículo oculto, que se refere às “normas e valores que são implícitos, porém efetivamente transmitidos pelas escolas e que habitualmente não são mencionados na apresentação feita pelos professores dos fins e objetivos”. (APPLE, 1982, p.127).

Em outras palavras, podemos dizer que o currículo oculto consiste no conjunto de concepções que o professor transfere aos alunos durante as aulas, sem que haja um planejamento prévio e sem que tenha consciência do que transmite. Desta forma, pode-se afirmar que por meio do currículo oculto são disseminadas ideologias pertencentes a determinados grupos hegemônicos da sociedade.

Souza (2008) traz uma interpretação importante acerca do currículo oculto:

Reconhecer a existência do currículo oculto não deve levar os professores a um certo ceticismo e a um sentimento de culpa pelo fato de transmitirem, sem o desejarem, muitas vezes normas, valores ideologias a seus alunos. Na realidade a análise do currículo oculto deve servir para desmistificar a aparente neutralidade do ato pedagógico.

A ideia de Souza (2008, p.25) de que “todo currículo compreende uma seleção de elementos da cultura considerados válidos para serem transmitidos nas escolas” nos revela que os conteúdos selecionados para compor o currículo são elementos legitimados culturalmente pela sociedade e que essa seleção não ocorre de forma dissociada das relações de poder.

Assim, historicamente, as propostas curriculares desenvolvidas no Brasil a partir da década de 1980, foram fundamentadas nas perspectivas críticas, mantendo alguns dos seus elementos e atribuindo-lhes novas dimensões e significados, surgindo uma nova concepção: a tendência teórico-prática do currículo.

A dimensão processual do currículo, que atualmente prevalece no Brasil, preocupa-se não só com as determinações políticas, mas também com as questões institucionais. Neste sentido, o currículo adquire um papel dinâmico que envolve o currículo apresentado, prescrito e realizado, uma vez que, “é na sala de aula que o currículo se concretiza” (SOUZA, 2008, p.35).

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

Neste novo paradigma de educação, o currículo se configura de maneira ampliada e dinâmica, deixando de estar centrado somente nos conteúdos, sendo que nesta perspectiva:

(...) o currículo não é pensado como uma ‘coisa’, como um programa ou cursos de estudos. Ele é considerado como um ambiente simbólico, material e humano, que é constantemente reconstruído. Este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas o estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto ao nível pessoal quanto social. (APPLE, 1999, p. 210)

Esta breve apresentação histórica sobre o currículo escolar mostra que em pleno século XXI as discussões sobre o currículo devem levar em consideração que:

Tudo o que está em jogo no processo de ensino e aprendizagem, incluindo: as informações e os conhecimentos prévios que tanto os alunos como os professores possuem e aqueles que são construídos ao longo do processo educativo pela interação entre uns e outros; os conteúdos, planos e programas de estudo, assim como os dos materiais curriculares e dos trabalhos de aula; os procedimentos utilizados para ensinar e aprender; a organização do espaço ocupado; o clima gerado; e o conhecimento construído resultante da interação entre todos os elementos. (TORRES, 1995, p.14)

Legislação e currículo: uma abordagem necessária

Apesar de não lhe ser conferido o caráter legal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, anunciou a educação como um direito de todos e para todos. O documento repercutiu, nas décadas seguintes, debates educacionais que culminaram na produção de diversos documentos, como declarações, leis, diretrizes nacionais e internacionais, acerca da garantia do direito de acesso e permanência no processo de escolarização.

No Brasil, no ano de 1988, a Constituição Federal representou um “divisor de águas”. Nesta conjuntura, a educação foi compreendida como um direito inalienável, prevendo e partilhando responsabilidades nos setores de investimento e acompanhamento das políticas públicas.

A análise dos artigos 205 e 206 da Constituição Brasileira mostram que estes se referem à abrangência de todas as possibilidades e condições para a efetivação de garantia do direito à educação.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios (...): I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (...).

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Sabendo que todo currículo expressa uma leitura do contexto social, cultural e político, a oferta democrática do ensino e a garantia de direitos, repercutiu diretamente nas discussões sobre o currículo escolar. Para o cumprimento da lei, coube a construção de um novo currículo, tendo em vista a superação de modelos tradicionais e conservadores que, até então, acentuavam ainda mais as diferenças e injustiças sociais.

A organização do ensino em séries, conteúdos rigidamente estabelecidos e um sistema de avaliação seletivo, classificatório e meritocrático, acabou constituindo-se como uma representação de escola incoerente aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e da Constituição Federal (1988).

O caráter reprodutivo e seletivo do sistema educacional denunciado na metade do século XX, com a pressão em prol da democratização do ensino e com o reconhecimento da educação como direito de todos, pôs adiante uma problemática complexa:

Como desenvolver um currículo de qualidade para todos?

A elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394, de 20 de Dezembro de 1996 é a primeira lei educacional a explicitar um conceito de educação e apontar a garantia de inclusão social. Com o fim do Regime Militar e o modelo econômico em processo de transformação, e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou mais que evidente a necessidade de se redefinir os rumos da educação no país.

A LDB 9.394/96 apresenta avanços significativos sobre currículo ao assumir a concepção de educação num sentido abrangente englobando além do processo de escolarização, a formação que ocorre no seio da família, na escola, no trabalho e na convivência em geral.

Em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Constituição Federal (1988), os princípios da LDB 9.394/96 são apresentados no Artigo 3º:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII - valorização do profissional da educação escolar;

VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

IX - garantia de padrão de qualidade;

X - valorização da experiência extra-escolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

O Artigo 26º da LDB 9.394/96 trata especificamente de currículos do ensino fundamental e médio, ficando evidente a intencionalidade de definir bases e diretrizes nacionais para a educação brasileira, desde que os propósitos de garantia dos direitos humanos e o respeito à diversidade sejam garantidos nas diferentes regiões do território brasileiro.

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.

A LDB 9.394/96, promulgada na década de 1990, apresenta, em seu inciso 1º do Artigo 26º, a obrigatoriedade do estudo da língua portuguesa e da matemática, como conteúdos exclusivos e necessários à cidadania:

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.

No que diz respeito ao tratamento e relevância dos diversos componentes curriculares, desde o ano 2000 a LDB 9.394/96 vem sofrendo alterações significativas, como as apresentadas nos incisos a seguir:

2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação básica. (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)

3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigató-rio da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: (Redação dada pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)

4o O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia.

5o No currículo do ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa. (Reda-ção dada pela Lei nº 13.415, de 2017)

6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.278, de 2016)

7o A integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais de que trata o caput. (Redação dada pela Lei nº 13.415, de 2017)

8o A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar inte-grado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. (Incluído pela Lei nº 13.006, de 2014)

9o Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos esco-lares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

10o A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homolo-gação pelo Ministro de Estado da Educação. (Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017)

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Observa-se que as adequações são condizentes com as necessidades da sociedade contemporânea, como por exemplo, as abordagens interdisciplinares e transversais agregadas à educação ambiental, visto que nos últimos três séculos a humanidade passou por grandes transformações, como: o processo de industrialização; a migração do meio rural para as cidades; rápido desenvolvimento das ciências e da tecnologia; acelerado crescimento populacional e a própria globalização.

Após a promulgação da Lei nº. 10.639/2003, que trata das relações étnico-raciais, a LDB 9.394/96 revisou a apresentação do estudo da história e da cultura afro-brasileira, tornando-o um componente obrigatório e essencial para a formação do cidadão brasileiro:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).

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Confira a reportagem sobre a Lei nº. 10.639/2003 que trata das relações étnico-raciais.https://goo.gl/EYo21R

Tendo em vista que muitas vezes presenciamos atitudes que reforçam negativamente as diferenças entre as pessoas, em novelas, filmes e até mesmo em livros didáticos, a iniciativa mostra que antes de ser um conteúdo trabalhado em datas comemorativas, as relações étnico-raciais devem ser vivenciadas cotidianamente nas próprias relações interpessoais que acontecem no interior das unidades escolares.

No Brasil, a busca por uma escola democrática e ancorada nos princípios de igualdade também é expressa no Artigo 27º da LDB 9.394/96:

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:

I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;

II - consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento;

III - orientação para o trabalho;

IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não formais.

Os princípios de igualdade apontados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), na Constituição Federal de 1988 e na própria LDB 9.394/96 evidenciam a necessidade de construir uma sociedade melhor, com uma escola de qualidade, que supere as práticas excludentes do paradigma elitista de educação. Neste caso, a abordagem necessária entre currículo e legislação é justificada pela reflexão que se instaura acerca do currículo, em que a função da escola vem se ampliando à medida que a sociedade e os educandos mudam e o direito à educação se alarga, incluindo o direito ao conhecimento, às ciências, aos avanços tecnológicos e às novas tecnologias de informação. Mas inclui também, o direito à cultura, às artes, à diversidade de linguagens e às diferentes formas de comunicação e valores que regem o convívio social para a formação, acima de tudo, de sujeitos éticos.

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Material Complementar

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Leia sobre: Currículo escolar - elaboração e implementação na escolahttps://goo.gl/evThoA

Acessando os links abaixo você terá a oportunidade de ler na integra, em sites oficiais, as leis apre-sentadas na unidade 1.

Declaração Universal dos Direitos Humanos: https://goo.gl/CquRab

Constituição Federal: https://goo.gl/zaRrL

LDB: https://goo.gl/QvfVfh

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Unidade - Currículo: aspectos históricos e legislativos

Referências

APPLE, M. A política do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacional? In: MOREIRA, Antônio Flávio. E SILVA, Tomaz Tadeu da (Orgs.). Currículo, cultura e socie-dade. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

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