Upload
cpcd-bhz
View
218
Download
2
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Jornal fala sobre o lançamento do Livro "Um país em cena". O livro sobre o Grupo Ponto de Partida, de Barbacena, destaca a trajetória da companhia que traçou um retrato profundo do Brasil com o uso de elementos da literatura e da cultura popular.
Citation preview
O3 . S Á B A D O , 1 4 D E A B R I L D E 2 0 1 2
ESTADO DE MINAS//PENSAR
Livro sobre o Grupo Ponto de Partida, de Barbacena, destaca a trajetória da companhia quetraçou um retrato profundo do Brasil com uso de elementos da literatura e da cultura popular
Aldeia UNIVERSAL● ENTREVISTA/FERNANDA FERNANDES
JOÃO PAULO
Grupo Ponto de Partida, de Barbacena, é um caso à parte na cul-tura brasileira. Sem abrir mão de suas raízes, de Barbacena, noCampo das Vertentes, a companhia vem construindo, desde osanos 1980, uma das mais importantes trajetórias do teatro bra-sileiro. Fora do chamado eixo, vem realizando um trabalho quefunde teatro e música, com a participação de grandes nomesdas artes cênicas brasileiras, com Fernanda Montenegro e Sér-gio Britto . Com ousadia e profundidade, o grupo criou diálogoscom obras literárias de Guimarães Rosa, Bartolomeu Camposde Queirós e João Ubaldo Ribeiro, ao lado de pesquisa com a cul-tura popular de várias regiões de Minas.
A jornalista Fernanda Fernandes mergulhou na história dogrupo em sua pesquisa de teoria da literatura do mestrado naUniversidade Federal de Juiz de Fora, analisando aspectos técni-cos, literários e políticos do Ponto de Partida. O resultado, Umpaís em cena (Editora Funalfa), é um trabalho que vai da histó-ria para a teoria, para retornar à sociedade por meio dos acha-dos estéticos e éticos dos espetáculos do Ponto de Partida. Nes-se périplo, a pesquisa de Fernanda Fernandes trata de elementosque marcaram a cultura brasileira das últimas décadas, da resis-tência à busca de um lugar de eficácia social e artística, em meioa demandas da política e do mercado.
Em entrevista ao Pensar, Fernanda destaca ainda o caráter debusca de identidade que perpassa a trajetória do grupo, que nãodeixa de enfrentar as contradições contemporâneas nem se es-quiva de ir ao Brasil profundo. “O Ponto de Partida continua sen-do um chamado de luta, construindo um discurso que colocaem cena um ser nacional rico, vigoroso e feliz para o qual todosprecisam contribuir”, defende. Seu livro Um país em cena é umpasso importante nessa história.
Por que a escolha do Ponto de Partida pa-ra seu estudo?Conheci o grupo na adolescência, em1995, quando ganhei um amigo muitoespecial, que estava ingressando para noPonto de Partida, o ator Felipe Saleme. ApartirdaípasseiaacompanharasestreiasemBarbacenae,aolongodotempo,meulugar na plateia foi se transformando. Defã do teatro como arte fui passando paraum lado mais crítico e de pesquisadora.Acompanhei o trabalho do grupo tam-bém como jornalista (fui repórter do ca-dernodeculturadaTribunadeMinasdu-rante seis anos) e isso ajudou a desenvol-ver a observação e a análise antes da vidaacadêmica. No mestrado, foi necessárioconstruir maior distanciamento crítico,mas as relações e as escolhas, claro, pas-sam pelo afeto.
Como você avalia o trabalho dos grupos deteatro fora do chamado eixo das grandescidades?Eleger um grande centro como sede po-deria ser uma opção capaz de garantir vi-sibilidadeemaioracessoaomercadocul-turalestabelecido.Nessesentido,amanu-tençãodeumgrupoprofissionaldistantedosespaçostradicionaisdelegitimaçãoésempreumtrabalhodelutaeresistência,quepassapelaquestãodaidentidade,pe-la tensão entre o local e o cosmopolita. Is-so no Brasil está ligado à dificuldade deconstituição de uma res pública, justa-menteporcontadessacentralização.MasascoisasestãomudandoeoPontodePar-tida participou do que poderíamos iden-tificar como vanguarda dessa mudançaquando foi criado como uma associaçãocultural. Não vejo outra saída para umgrupoforadoeixo,poisfazermaisdoqueteatro é necessário não apenas para ga-rantir a sobrevivência da companhia,mas para interferir na coisa pública, jáquehánissoumaformaderevolveropo-der estabelecido.
Como o Ponto de Partida conseguiu rom-per essa barreira, fazer um trabalho reco-nhecido em todo o país e atrair atenção degrandes nomes da arte brasileira?Negociandoespaços,abrindobrechaseseadaptando às modificações no cenáriocultural do país. O Ponto de Partida foifundado em 1980 e se mantém até hojegraçasadiversasadaptaçõesàsmodifica-ções no cenário cultural brasileiro. Fazerteatro no chamado período de aberturado governo militar era algo completa-mente diferente do que se faz hoje. E nomeio desse caminho surgiu a Lei Sarney,a Lei Rouanet e suas diversas modifica-ções, o Fundo Nacional de Cultura, entreoutrastentativasderegulaçãodaárea.Pa-racontextualizarisso,foiprecisodestacarumatrajetóriaquenãoédoPontodePar-tida, mas da cultura brasileira.
Como se deu, durante esse tempo, a rela-ção com as fontes de financiamento?
Seaconformaçãoàsnovasregrasdemer-cado exigia que se trabalhasse a partir deleis de incentivo e de alianças com a ini-ciativaprivada,os14anospassadosfinan-ciando espetáculos com dinheiro de bi-lheteria ensinaram formas alternativasdecaptaçãoderecursosqueaindasãouti-lizadas pelo grupo, garantindo meios deexistência que ainda hoje fazem a com-panhianãodependerexclusivamentedogrande patrocínio e do incentivo estatal.Os valores arrecadados não foram toma-dosapenascomopagamentodosartistas,mas investidos em quesitos que partici-pamdessasnegociações,foramutilizadosna formação da própria companhia e deseu público e envolveram ações comoconvidar atores como Fernanda Monte-negro para dar oficinas em Barbacena, fi-nanciartemporadasnosgrandescentros,promover intercâmbio com grupos defora do país. Isso, claro, envolve escolhasestéticas e éticas que busco analisar aolongo do livro em meio aos textos e can-ções que embalam um sonho de Brasil.
Que dificuldades se interpõem ao trabalhode grupos como o Ponto de Partida, quenão fazem concessão ao mercado e se man-têm fiel à linha de pesquisa e inovação?Ninguémtemcomonãofazerconcessão.O mercado está em tudo e a sobrevivên-cia depende dele. A questão é que tipo deconcessão se faz. Se o Caetano gravar amúsicadoMichelTelóissoteráoutrosig-nificado,setornaráumaformadepensaroBrasil,a identidade,quemsomos.Éissoque o Ponto faz. Ele nos ajuda a nos pen-sar. Então há uma busca de resultado pa-raalémdomercado.Podemoscitarcomoexemplo no trabalho do grupo o convitea Nélson Xavier para viver Riobaldo emGrande sertão: veredas. Não se trata deuma estrela global acostumada a inter-pretarmocinhos,masàépocaoatoresta-va há 10 anos longe dos palcos, assumin-do apenas papéis na TV e no cinema, oque lhe dava uma circulação diferencia-da, um “capital” capaz de atrair a atençãodopúblicoedamídia.Masatrajetóriade-le, iniciada no Teatro de Arena, confereuma marca de identificação com o ideá-rio seguido pelo Ponto de Partida .
Seu trabalho mostra o papel político do Pon-to de Partida desde sua fundação, o que éuma marca de outros grupos de teatro bra-sileiros. O que é peculiar na leitura da realida-de proposta pelos trabalhos do Ponto?
O chamado teatro da repressão levantoua bandeira de que o fato de se estar de pénumpalcojáeraumaatitudepolítica.Ostempos mudaram e, na década de 1980,já não se podia generalizar e dizer isso daatitudedosrostinhosdenovelatransferi-dosparaoteatro.Senosanos1970osato-res do Rio e de São Paulo foram para asportas de fábrica montar esquetes e tra-tar de temas de gente de carne e osso, osoperários,osfavelados,oPontodePartidabuscou ler essa realidade a partir da suaaldeia, inserindo temas que nem sempreestãonaordemdodiadametrópole,masque também precisam ser discutidos edemonstramoutrasvisõesdeBrasil.Alei-tura do Ponto tem toques de crítica e po-lítica, mas sem deixar de lado uma visãootimista do país que ajudam a construir.Há muito de utopia na atitude dos artis-tas dos anos 1970 e parte da arte contem-porânea produzida nos grandes centroshoje revela um mundo pós-utópico. OPontodePartidacontinuasendoumcha-mado de luta, construindo um discursoque coloca em cena um ser nacional rico,vigoroso e feliz para o qual todos preci-sam contribuir.
Há uma mescla de aparente ingenuidadecom consciência crítica no trabalho do Pon-to de Partida. Como se articulam essesdois polos na trajetória do grupo?Isso não é o Brasil? Temos os filhos deFranciscoeospadresfazendosucesso,as-sim como Paulo Coelho. A questão é queesses campeões de bilheteria carregamna ingenuidade sem mesclar mais nada,diferentemente do que fez um JorgeAmado ao escrever Dona flor... e se mos-trar um mestre na arte de combinar nos-sas contradições brasileiras. Uma das fa-cetas da ação política é mesclar críticacomasrelíquiasdoBrasil,éumaherançadonossomodernismo,ocontrapontodonosso lado doutor.
O uso de obras literárias é uma caracterís-tica que se articula com a cultura popularnos espetáculos do Ponto de Partida. Co-mo isso se realiza nas montagens?Temos uma tradição iletrada do Brasil, oque faz a literatura ser uma coisa de eli-te, algo que ela não é. Literatura é do po-vo. E aí tem que ensinar a ler, mas esta-mos recém-saídos da escravidão e por is-so hoje a literatura produzida a partirdas periferias urbanas tem chamadotanto a atenção. A música e a cultura po-
pular tornam a literatura mais próximade um monte de gente e, somadas, ga-rantem a sobrevivência de muitas obras.Claro que aí é preciso negociar com o câ-none e ajudar a formá-lo. O Ponto dePartida oraliza a literatura canônica, ex-plora sua musicalidade e aproveita, nosespetáculos, a tradição brasileira da ora-lidade. Isso se articula também na esco-lha das cidades em que o grupo investeseu capital social, como Araçuaí.
A busca de uma linguagem própria e de umaidentidade brasileira são ainda hoje marcaspresentes no trabalho do Ponto de Partida?Sim. Acredito que essa busca, como umobjetivo, não mudou e continua sendouma marca do grupo. Mas a cultura mu-da, as estratégias precisam ser revistas atodo momento, e dizer se as estratégiasque o grupo tem utilizado nos últimosanosestãosendoefetivasounãopoderiaser um juízo precipitado. Como disse, osajustes serão sempre necessários paraacompanhar as mudanças da sociedadee questionar o que pode estar compro-metendo a circulação da arte de maneiraampla.Pensoquetodoartistadeveseper-guntar que tipo de arte tem um discursopotenteosuficienteparaintervirnaesfe-ra pública e furar o esquemão mercado-lógico, e o quanto interessa aos financia-dores que a arte seja de fato livre e trans-formadoradasociedade.Mantendoessasquestõesemmente,épossívelacertarouerrar, mas pensando a arte, e não apenasrealizando um produto cultural.
Em sua opinião, qual o papel da crítica pa-ra o teatro?O papel é o mesmo de qualquer críticado contemporâneo. É fazer junto, dialo-gar, tensionar o artista e o produtor enão necessariamente servir de fonte derecomendação para o público como osjornais às vezes fazem crer. Daí a impor-tância de a crítica acadêmica ganhar visi-bilidade pública.
OO PPoonnttoo ddee PPaarrttiiddaa oorraalliizzaa aalliitteerraattuurraa ccaannôônniiccaa,, eexxpplloorraa
ssuuaa mmuussiiccaalliiddaaddee ee aaaapprroovveeiittaa nnooss eessppeettááccuullooss
TTooddoo aarrttiissttaa ddeevvee sseeppeerrgguunnttaarr qquuee ttiippoo ddee aarrtteetteemm uumm ddiissccuurrssoo ppootteennttee
ppaarraa ffuurraarr oo eessqquueemmããoommeerrccaaddoollóóggiiccoo
OO mmeerrccaaddoo eessttáá eemmttuuddoo ee aa
ssoobbrreevviivvêênncciiaaddeeppeennddee ddeellee..
AA qquueessttããoo éé qquuee ttiippooddee ccoonncceessssããoo ssee ffaazz
TTeemmooss uummaa ttrraaddiiççããooiilleettrraaddaa,, oo qquuee ffaazz aalliitteerraattuurraa sseerr uummaaccooiissaa ddee eelliittee,, aallggooqquuee eellaa nnããoo éé..LLiitteerraattuurraa ddoo ppoovvoo‘
‘‘
‘PAULA RIVELLO/TRIBUNA DE MINAS
Pra Nhá Terra, montagem do Grupo Ponto de Partida: exercício de linguagem com compromisso político
JULIO BISPO/DIVULGAÇÃO
FUNALFA/REPRODUÇÃO
UM PAÍS EM CENA● De Fernanda Fernandes● Editora Funalfa, 180 páginas