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Elementos. A linguagem poética não visa apenas exprimir proposições. Mas o que ela faz? Raissa Maritain: o que se perde na tradução. O que se perde? A sonoridade. Os contextos em que as palavras são usadas. Exemplo: ver e olhar (eu vejo pela janela, eu olho o filme). As evocações (velho e ancião). As ambiguidade (lógos). Tudo isso vai além da mera expressão de um sentido definido. Ezra Pound, em seu ABC da Literatura: melopeia, fanopeia e logopeia. Fanopeia é o modo pelo qual o poeta lança uma imagem visual na mente do leitor. Melopeia, o trabalho com os elementos sonoros. Logopeia, o uso de uma palavra a partir de uma relação especial com o contexto no qual se espera encontrá-la, ou seja, o processo pelo qual o poeta enriquece a língua dotando velhas palavras de nuances inusitadas. Fanopeia. Um dos poucos procedimentos que, geralmente, não se perde na tradução. Evocação de imagens é uma maneira privilegiada de tornar a língua poética. Pois, pela fanopéia, não se diz diretamente, mas, por outro lado, de um modo mais intenso. (1) Beleza e interesse das imagens. (2) Linguagem mais concreta, mais capaz de evocar emoção, intelecção (Aristóteles, teoria do conhecimento) e aspectos pouco percebidos. (3) Fugir do lugar comum. Exemplos. Wang Wei, poeta chinês do século VIII (tradução de Sérgio Capparelli e Sun Yuqi). Ao som da flauta, diante do poente, adeus ao amigo, na beira do lago.

Elementos de Poesia

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Page 1: Elementos de Poesia

Elementos. A linguagem poética não visa apenas exprimir proposições. Mas o

que ela faz? Raissa Maritain: o que se perde na tradução. O que se perde? A

sonoridade. Os contextos em que as palavras são usadas. Exemplo: ver e olhar

(eu vejo pela janela, eu olho o filme). As evocações (velho e ancião). As

ambiguidade (lógos). Tudo isso vai além da mera expressão de um sentido

definido.

Ezra Pound, em seu ABC da Literatura: melopeia, fanopeia e logopeia. Fanopeia

é o modo pelo qual o poeta lança uma imagem visual na mente do leitor.

Melopeia, o trabalho com os elementos sonoros. Logopeia, o uso de uma

palavra a partir de uma relação especial com o contexto no qual se espera

encontrá-la, ou seja, o processo pelo qual o poeta enriquece a língua dotando

velhas palavras de nuances inusitadas.

Fanopeia. Um dos poucos procedimentos que, geralmente, não se perde na

tradução. Evocação de imagens é uma maneira privilegiada de tornar a língua

poética. Pois, pela fanopéia, não se diz diretamente, mas, por outro lado, de um

modo mais intenso.

(1) Beleza e interesse das imagens. (2) Linguagem mais concreta, mais capaz

de evocar emoção, intelecção (Aristóteles, teoria do conhecimento) e aspectos

pouco percebidos. (3) Fugir do lugar comum.

Exemplos. Wang Wei, poeta chinês do século VIII (tradução de Sérgio

Capparelli e Sun Yuqi).

Ao som da flauta,

diante do poente,

adeus ao amigo,

na beira do lago.

Page 2: Elementos de Poesia

Por um instante,

olho para trás:

avisto apenas verdes montes

e colares de brancas nuvens.

A tradução, que perde os elementos gráficos e sonoros que o poema tem em

chinês, possui linguagem simples e é quase uma narrativa. Ainda assim, é

poética pelo uso da fanopeia. A beleza das imagens torna o poema belo e capaz

de transmitir mais do que a mera despedida. Como evoca os três pontos.

Catulo, V(tradução de Haroldo de Campos)

Vivamos minha Lésbia, e amemos

e as graves vozes velhas

- todas -

valham para nós menos que um vintém.

Os sóis podem morrer e renascer:

quando se apaga nosso fogo breve

dormimos uma noite infinita.

Dá-me pois mil beijos, e mais cem,

e mil, e cem, e mil, e mil e cem.

Quando somarmos muitas vezes mil

misturaremos tudo até perder a conta:

que a inveja não ponha o olho de agouro

no assombro de uma tal soma de beijos

A imagem dos sóis que morrem e renascem em contraposição à noite infinita

que dormimos. Como evoca os três pontos.

Exemplo. Li Bai, séc. VIII d.C. (Sérgio Capparelli e Sun Yuqi)

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Cobre-se de geada

a escadaria de jade.

O frio úmido da noite

entranha em suas meias de seda.

Ela solta o cortinado

e através dos cristais translúcidos

contempla a lua de outono.

Outra poesia chinesa, daquele que é considerado o maior poeta clássico chinês.

Pound: a poesia chinesa é insuperável em fanopeia. Trata-se de uma cena bela

de ser visualizada. O poder da linguagem de trabalhar a imaginação. Os três

pontos.

Logopeia. O estranhamento causado pela linguagem poética é uma fonte

permanente de inspiração para a arte. Através dele, a língua se torna-se mais

interessante e, por isso, mais bela. A logopeia é o procedimento pelo qual o

poeta dota as palavras de novas possibilidades e significados, tornando, assim,

a língua mais rica e mais capaz de falar a realidade de modo claro. Também é o

modo através do qual ele usa as associações e contextos que uma palavra ou

expressão tem na língua para obter um efeito poético.

Exemplo. Paul Celan, Atemwende (tradução de Guilherme Gontijo).

Tu podes sem medo

servir-me de neve:

sempre que eu ombro a ombro

à amoreira atravessava o verão,

gritava sua mais jovem

folha.

Page 4: Elementos de Poesia

Uso da fanopeia, mas também a logopeia é importante aqui. É inesperado o uso

de neve na frase "tu podes sem medo servir-me". O que isso significa? Reparar

em como neve ressignifica servir e vice-versa. Do mesmo modo, a afirmação de

que a mais jovem folha da amoreira gritava. A força do poema reside não

apenas nas imagens, mas também no modo como a linguagem utilizada causa

estranhamento.

Exemplo. Wang Wei (tradução de Sérgio Capparelli e Sun Yuqi)

Rochedos brancos

da torrente emergem.

Folhas vermelhas,

aqui e ali,

sob o céu gelado.

Não choveu na trilha da montanha,

mas o azul do vazio

molha nossas roupas.

Uso extenso de fanopeia, que prepara o ápice do poema, no fim, fundamentado

no uso da logopeia. O que significa o azul do vazio que molha nossas roupas?

Expansão da linguagem para expressar o que não era percebido antes.

Exemplo. Catulo, LXXXV (tradução de Paulo Sérgio de Vasconcellos)

Odeio e amo. Talvez perguntes por que faço isso.

Não sei, mas sinto que acontece e me torturo.

Odiar e amar colocados simultaneamente. Cria o paradoxo que leva a pergunta.

Final com o uso do verbo excrucior. De crucificar, palavra que indica o castigo

Page 5: Elementos de Poesia

mais forte, usado em escravos e traidores. Notar como esse contexto se

transfere para o amor.

Melopeia

Poesia e música. Nas palavras de Pound, a música se degenera quando se

afasta da dança. A poesia se degenera quando se afasta da música. De fato, o

início da nossa tradição poética ocidental, na Grécia Antiga, se fez

acompanhado do som da lira. Daí o termo lírica. Ainda em nossos dias, a poesia

se encontra próxima da música. As palavras de um poema devem ter

musicalidade e ritmo. É para indicar o ritmo, aliás, que existem os versos.

Durante muito tempo, pensou-se no ritmo a partir de uma metrificação mais ou

menos rígida. Hoje em dia, em que isso não é mais necessário, a natureza

rítmica do poema é mais complexa, mas não menos importante.

Percepção da melopeia. Para se tornar sensível à melopeia, nas palavras de

Pound, "atente para o som que isso faz". Pignatari: "na prática poética, use seu

ouvido. Para os poemas em verso, use também o olho. Sinta as pulsações. Leia

poemas em voz alta".

Métrica e ritmo. Na poesia clássica, em grego e latim, o ritmo era formado a

partir da sucessão regular de sílabas longas e breves. Assim, por exemplo, no

pé dáctilo, o esquema rítmico básico é: uma sílaba longa, duas breves

(permitindo certas variações). Na poesia grega em particular, como existe

também acentuação tonal, a poesia declamada se encontrava muito próxima da

música.

Na poesia em português, em que não mais existe a distinção entre breves e

longas, o ritmo é dado pela sucessão de sílabas fracas e fortes, ou seja, átonas

e tônicas. Também é importante a pausa, que é marcada pelo verso.

Page 6: Elementos de Poesia

Olavo Bilac: "Comprehende-se por verso — ou metro — o ajuntamento de

palavras, ou ainda uma só palavra, com pausas obrigadas e determinado

numero de syllabas, que redundam em musica".

Enquanto o gramático divide as sílabas a partir da estrutura das palavras, o

poeta as divide (escansão) a partir do que ouve. Nessa perspectiva, conta-se, na

poesia portuguesa, as sílabas até a última sílaba tônica. Assim, a frase "eu nada

espero", que tem seis sílabas, poeticamente pode ser pensada como tendo

quatro sílabas.

Na poesia portuguesa metrificada, costuma-se a fazer poesia de um a doze

versos. Mais do que isso é possível, mas não comum (o verso de treze sílabas é

chamado de verso bárbaro).

Metros importantes. Redondilha menor (5 sílabas), redondilha maior (7

sílabas), decassílabo (sáfico, com tônica nas sílabas 4, 8 e 10, ou heróico, com

tônica nas sílabas 6 e 10), alexandrino (12 sílabas).

Rima. É a uniformidade de som na terminação de um ou mais versos. Os poetas

gregos e latinos não a utilizavam. Mas foi largamente utilizada na poesia das

línguas românicas. Olavo Bilac: "somos por isso de parecer que todos os versos

devem ser rimados. As rimas chamam idéas, reclamam maior attenção para o

trabalho; encantam, finalmente. Por isso julgamos que em composição alguma

de versos se deve prescindir da rima. Ella é indispensavel".