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Paulo Pena* Os partidos eurocépticos, anti-emigração, de extrema- direita, são os mais mencio- nados no debate público online na Europa, mesmo antes das eleições europeias. Este é o resultado de um es- tudo que analisou quase 48 milhões de mensagens publi- cadas entre 15 de Dezembro de 2018 e 20 de Janeiro de 2019, realizado pela Alto Analy- tics, Big Data and Artificial Intelligence, uma empresa espanhola. Esta pesquisa, feita em parceria com o consórcio de jornalismo europeu Inves- tigate Europe (e que inclui vários media europeus, como El País, Le Monde, ARD, Suddeutsche Zeitung, entre outros) analisou o debate político online em Espanha, Itália, Alemanha, Polónia e França, cinco países que terão um peso decisivo nas eleições para o Parla- mento Europeu de 26 de Maio próximo. Depois de ter estudado as publicações de 3,6 milhões de utilizadores (Twitter, páginas e perfis públicos do Facebook, Instagram, Vimeo, Youtube e Google+, sites de informação, fóruns e blogs), a Alto Analytics recolheu dados que provam que, em quatro destes cinco países, os partidos nacionalistas radicais lideram as referên- cias no debate político. Na Alemanha, por exem- plo, a AFD está muito à frente da CDU de Angela Merkel. Desde a crise dos refugiados de 2015, esse partido de extrema-direita fez da luta contra a imigração o seu principal argumento de cam- panha. O mesmo resultado observa-se em Espanha, de uma forma ainda mais sur- preendente: o recém-criado partido ultranacionalista Vox - que defende a cons- trução de um muro intrans- ponível entre Marrocos e Ceuta e Melilha, uma pro- posta que segue a polémica iniciada por Donald Trump sobre o muro com o México -, é, de longe, o partido mais mencionado online, com 42,2%. Essas duas organizações são minoritárias nos dois países, assim como a Liga do Norte, em Itália – que teve 17,6% dos votos nas últimas eleições. O partido do ministro do Interior, Mat- teo Salvini, é, no entanto, citado online em 45% das mensagens, mais do que o partido mais votado, o Movi- mento de 5 Estrelas (36%). Já na Polónia, o partido que Governa, PiS, Lei e Jus- tiça, é o mais mencionado, com 63,1% das mensagens. Essa organização nacionalista e ultraconservadora também tem um forte discursos anti- migrantes, especialmente os "da África ou do Oriente Médio", que se recusa a rece- ber no seu território. A única excepção revelada pelo estudo é a França, onde o La République en Marche, do Presidente Emmanuel Macron, aparece mencionado em quase metade das men- sagens estudadas (46%). É preciso lembrar que este estudo foi realizado no auge do movimento de “Coletes Amarelos” e durante o lan- çamento do "grande debate nacional", feito por Emmanuel Macron, que foram também os assuntos mais discutidos na Internet neste período, de acordo com os dados da Alto Analytics. O Rassemblement National, ex-Frente Nacional, de Marine Le Pen, está na se- gunda posição, com 20,8% das referências. Thomas Boestchoten, fundador da Utrecht Data School, que estuda o com- portamento da extrema- direita online, após os ataques em Utrecht, em Março de 2018, não se surpreende com estes resultados. "Se os grupos naciona- listas dominam o debate online é em parte porque as redes sociais são programa- das dessa maneira: as men- sagens extremas recebem mais atenção dos utilizado- res, os algoritmos recomen- dam as mensagens mais populares e como eles não têm filtros éticos ..." Para este investigador, as redes sociais não são directamente responsáveis pelas mensagens extremas, mas, por outro lado, o seu modo de funcionamento potencia os comportamen- tos extremos. É importante sublinhar que as "menções" a um par- tido não significam neces- sariamente uma manifestação de apoio. Os partidos mais mencionados são, também, dos mais criticados. Nesta análise não se diferenciam menções de apoio ou de crí- tica. Mas para um pequeno partido a liderança online tem um significado e muita utilidade. Por um lado, a pre- sença online ajuda-os a con- seguir a notoriedade que dificilmente teriam na tra- dicional campanha de rua, relatada nos media tradicio- nais. Por outro lado, nas redes sociais começa a ser visível uma extrema polarização do debate político, que ajuda estes partidos a divulgar a sua mensagem. Este trabalho do Investi- gate Europe está a ser publi- cado em simultâneo em vários jornais: ARD, Corriere de la Sera, De Standaard, Falter, Il Fatto Quotidiano, Bastamag, Der Freitag, Com- puter Weekly, Efimerida ton Syntakton, EU Observer, Handelszeitung, Marianne, Newsweek, Pod Crto, Der Tagesspiegel, Taz, Gazeta Wyborcza, Vice, Aftenposten, Open Democracy, La Van- guardia, Tamedia, Mediapart, The Black Sea, Jornal de Angola e Folha de São Paulo. *Jornalista do Diário de Notí- cias/ Investigate Europe. Com Elisa Simantke, Harald Schumann, Ingeborg Eliassen, Juliet Ferguson, Leila Miñano, Nico Schmidt, Niko- las Leontopoulos, Maria Maggiore, Wojciech Ciesla e Investico (Da- phné Dupont-Nivet) Este artigo foi publicado no Diário de Notícias num projecto do Investigate Europe - consórcio que junta nove jornalistas de oito países europeus. Foi finan- ciado em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, e na Europa pelas fundações Cariplo, Milão, Stiftung Hübner und Kennedy, Kassel, Fritt Ord, Oslo, Rudol- fAugstein-Stiftung, Hamburgo, GLS, Alemanha, e Open Society Initiative for Europe, Barcelona. 4 DESTAQUE Terça-feira 2 de Abril de 2019 Depois de ter estudado as publicações de 3,6 milhões de utilizadores (Twitter, páginas e perfis públicos do Facebook, Instagram, Vimeo, Youtube e Google+, sites de informação, fóruns e blogs), a Alto Analytics recolheu dados que provam que, em quatro destes cinco países, os partidos nacionalistas radicais lideram as referências no debate político ELEIÇÕES EUROPEIAS ÀS PORTAS Os partidos nacionalistas -anti-imigração- são os mais activos no debate público online. Esta é a conclusão de um estudo extensivo, realizado pela Alto Analytics em cinco países europeus, onde foram rastreadas todas as mensagens políticas nas redes sociais. REUTERS/INTS KALNINS DR Partidos nacionalistas dominam o debate político na Europa Manifestação contra a possibilidade de formar um governo de coligação com os nacionalistas do EKRE realizada este domingo em Tallinn, na Estónia

ELEIÇÕES EUROPEIAS ÀS PORTAS Partidos ...imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/1421914637_suplementoss.pdfnacionalistas radicais lideram as referências no debate político ELEIÇÕES

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Paulo Pena*

Os partidos eurocépticos,anti-emigração, de extrema-direita, são os mais mencio-nados no debate públicoonline na Europa, mesmoantes das eleições europeias.Este é o resultado de um es-tudo que analisou quase 48milhões de mensagens publi-cadas entre 15 de Dezembrode 2018 e 20 de Janeiro de 2019,realizado pela Alto Analy-tics, Big Data and ArtificialIntelligence, uma empresaespanhola. Esta pesquisa, feita em

parceria com o consórcio dejornalismo europeu Inves-tigate Europe (e que incluivários media europeus,como El País, Le Monde,ARD, Suddeutsche Zeitung,entre outros) analisou odebate político online emEspanha, Itália, Alemanha,Polónia e França, cinco paísesque terão um peso decisivonas eleições para o Parla-mento Europeu de 26 de Maiopróximo.Depois de ter estudado

as publicações de 3,6 milhõesde utilizadores (Twitter,páginas e perfis públicos do

Facebook, Instagram, Vimeo,Youtube e Google+, sites deinformação, fóruns e blogs),a Alto Analytics recolheudados que provam que, emquatro destes cinco países,os partidos nacionalistasradicais lideram as referên-cias no debate político.Na Alemanha, por exem-

plo, a AFD está muito à frenteda CDU de Angela Merkel.Desde a crise dos refugiadosde 2015, esse partido deextrema-direita fez da lutacontra a imigração o seuprincipal argumento de cam-panha. O mesmo resultadoobserva-se em Espanha, deuma forma ainda mais sur-preendente: o recém-criadopartido ultranacionalistaVox - que defende a cons-trução de um muro intrans-ponível entre Marrocos eCeuta e Melilha, uma pro-posta que segue a polémicainiciada por Donald Trumpsobre o muro com o México-, é, de longe, o partido maismencionado online, com42,2%.Essas duas organizações

são minoritárias nos doispaíses, assim como a Ligado Norte, em Itália – queteve 17,6% dos votos nas

últimas eleições. O partidodo ministro do Interior, Mat-teo Salvini, é, no entanto,citado online em 45% dasmensagens, mais do que opartido mais votado, o Movi-mento de 5 Estrelas (36%).Já na Polónia, o partido

que Governa, PiS, Lei e Jus-tiça, é o mais mencionado,

com 63,1% das mensagens.Essa organização nacionalistae ultraconservadora tambémtem um forte discursos anti-migrantes, especialmenteos "da África ou do OrienteMédio", que se recusa a rece-ber no seu território.A única excepção revelada

pelo estudo é a França, onde

o La République en Marche,do Presidente EmmanuelMacron, aparece mencionadoem quase metade das men-sagens estudadas (46%). Épreciso lembrar que esteestudo foi realizado no augedo movimento de “ColetesAmarelos” e durante o lan-çamento do "grande debate

nacional", feito por EmmanuelMacron, que foram tambémos assuntos mais discutidosna Internet neste período, deacordo com os dados da AltoAnalytics. O RassemblementNational, ex-Frente Nacional,de Marine Le Pen, está na se-gunda posição, com 20,8%das referências.Thomas Boestchoten,

fundador da Utrecht DataSchool, que estuda o com-portamento da extrema-direita online, após os ataquesem Utrecht, em Março de2018, não se surpreende comestes resultados. "Se os grupos naciona-

listas dominam o debateonline é em parte porque asredes sociais são programa-das dessa maneira: as men-sagens extremas recebemmais atenção dos utilizado-res, os algoritmos recomen-dam as mensagens maispopulares e como eles nãotêm filtros éticos ..." Para este investigador,

as redes sociais não sãodirectamente responsáveispelas mensagens extremas,mas, por outro lado, o seumodo de funcionamentopotencia os comportamen-tos extremos.É importante sublinhar

que as "menções" a um par-tido não significam neces-sariamente uma manifestaçãode apoio. Os partidos maismencionados são, também,dos mais criticados. Nestaanálise não se diferenciammenções de apoio ou de crí-tica. Mas para um pequenopartido a liderança onlinetem um significado e muitautilidade. Por um lado, a pre-sença online ajuda-os a con-seguir a notoriedade quedificilmente teriam na tra-dicional campanha de rua,relatada nos media tradicio-nais. Por outro lado, nas redessociais começa a ser visíveluma extrema polarização dodebate político, que ajudaestes partidos a divulgar asua mensagem.Este trabalho do Investi-

gate Europe está a ser publi-cado em simultâneo emvários jornais: ARD, Corrierede la Sera, De Standaard,Falter, Il Fatto Quotidiano,Bastamag, Der Freitag, Com-puter Weekly, Efimerida tonSyntakton, EU Observer,Handelszeitung, Marianne,Newsweek, Pod Crto, DerTagesspiegel, Taz, GazetaWyborcza, Vice, Aftenposten,Open Democracy, La Van-guardia, Tamedia, Mediapart,The Black Sea, Jornal deAngola e Folha de São Paulo.

*Jornalista do Diário de Notí-cias/ Investigate Europe. ComElisa Simantke, Harald Schumann,Ingeborg Eliassen, Juliet Ferguson,Leila Miñano, Nico Schmidt, Niko-las Leontopoulos, Maria Maggiore,Wojciech Ciesla e Investico (Da-phné Dupont-Nivet)

Este artigo foi publicado noDiário de Notícias num projectodo Investigate Europe - consórcioque junta nove jornalistas deoito países europeus. Foi finan-ciado em Portugal pela FundaçãoCalouste Gulbenkian, e na Europapelas fundações Cariplo, Milão,Stiftung Hübner und Kennedy,Kassel, Fritt Ord, Oslo, Rudol-fAugstein-Stiftung, Hamburgo,GLS, Alemanha, e Open SocietyInitiative for Europe, Barcelona.

4 DESTAQUE Terça-feira2 de Abril de 2019

Depois de terestudado aspublicações

de 3,6 milhões de utilizadores

(Twitter, páginas e perfis públicos do Facebook,

Instagram, Vimeo,Youtube e Google+,sites de informação,

fóruns e blogs), a Alto Analytics

recolheu dados queprovam que, em

quatro destes cincopaíses, os partidos

nacionalistasradicais lideramas referências

no debate político

ELEIÇÕES EUROPEIAS ÀS PORTAS

Os partidos nacionalistas -anti-imigração- são os mais activos no debate público online.Esta é a conclusão de um estudo extensivo, realizado pela Alto Analytics em cinco países

europeus, onde foram rastreadas todas as mensagens políticas nas redes sociais.

REUTERS/IN

TS KALNIN

S

DR

Partidos nacionalistas dominam o debate político na Europa

Manifestação contra a possibilidade de formar um governo de coligação com os nacionalistas do EKRE realizada este domingo em Tallinn, na Estónia

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Terça-feira2 de Abril de 2019 5DESTAQUE

Isto ajuda-nos a perceber olado escondido desta campa-nha política que decorre naEuropa. Um pouco por todoo lado, de Lisboa a Varsóvia,há “utilizadores anormais”,muito activos, portanto, queenquadram o debate sobreos principais temas das nossassociedades. Como é que umconjunto de ideias, minoritáriona Europa, se torna dominantenas redes sociais, que são umadas principais fontes de infor-mação dos cidadãos? Há váriasrespostas para esta pergunta.

As redes sociais têm umainfluência política clara no des-fecho das eleições. Sabemo-lo da experiência dos últimosdebates políticos no Mundo:da eleição Presidencial norte-americana, em 2016, ao Brexit,ao Brasil, às Filipinas. Os Estadosnão criaram qualquer regulaçãoespecífica para o debate eleitoralonline. As grandes plataformasmundiais (Google, Facebook,WhatsApp, Twitter, YouTube)continuam a não ter qualquertipo de responsabilidade pelainformação que circula nassuas páginas - ao contrário dosmedia tradicionais, que sãoresponsáveis por tudo o queé publicado nos seus meios.

Em França, e na Alemanha,há duas tentativas recentesde mudar esta falta de regu-lação. Mas o que este estudode dados da Alto Analyticsmostra, claramente, é a dimen-são global do problema. Seum Estado europeu, sozinho,tenta conter o uso da desin-formação, isso pode ser ine-ficaz. A utilização de notíciasfalsas sobre Emmanuel Ma-cron, o Presidente francês,não se resume às contas dosseus opositores em França.A desinformação pode serpublicada em Espanha, comomostram alguns exemplosque consultámos.

Os dados mostram, também,que os utilizadores mais activosnão são, exclusivamente, par-tidários do nacionalismo anti-imigrantes. Há exemplos deuma grande actividade do par-tido oposicionista polaco POno Twitter. Em Itália, o PD, decentro-esquerda, também temapoiantes entre os que escre-vem a um ritmo “anormal” noTwitter. Mas essa é uma parti-cularidade nacional. O únicogrupo que parece ter um dis-curso europeu, neste períodopré-eleitoral, é o dos partidáriosdo Vox, em Espanha, do AfD,na Alemanha, do Rassemble-ment Nacional, em França, doseurocéticos, na Polónia, e dospartidos no Governo, em Itália(Lega e 5 Estrelas).

Neste período estudado pelosespecialistas da Alto Analytics,a influência do PO na Polónia,por exemplo, é explicada peloacontecimento mais marcanteno país, o assassinato do autarcade Gdansk, Pawel Adamowicz,a 13 de Janeiro. Adamowiczera um dos mais destacadoslideres do PO.

Em França, o exemplo dacoordenação da extrema-direitaé bastante claro. O partido deMarine Le Pen, o Rassemble-ment Nacional, cresce na suainfluência no Twitter à medidaque aumenta a performancedos utilizadores. Entre os uti-lizadores que publicam menosde 9 comentários por dia, os

apoiantes de Le Pen são 41 porcento. No nível seguinte, osperfis que publicam, em média,até 14 comentários todos osdias, a força do RN sobe para46,3 por cento. Entre os ver-dadeiramente recordistas, osque publicam mais de 52 poststodos os dias, durante o períodoem análise, 52 por cento sãopartidários de Le Pen.

De França veio, também,um dos temas que galgou fron-teiras: os “Coletes Amarelos”.A divulgação de vídeos sobreviolência policial, a tomadade posição contra a “censura”dos meios de comunicaçãosocial, a crítica a Macron sãotemas constantes nos perfisdestes utilizadores activos naAlemanha, na Espanha, naPolónia e na Itália.

Como o recente relatório daONG Avaaz mostrou, a utilizaçãode mentiras intencionais sobreos “Coletes Amarelos” alcançoumais de 100 milhões de visua-lizações no Facebook, em França.A divulgação de fotografias demanifestantes feridos (quetinham sido, na realidade, foto-grafados em manifestaçõesanteriores, em Espanha), as“teorias da conspiração” sobreos planos de Macron para sedemitir, culpando os manifes-tantes, são alguns exemplos.

Até agora, em Bruxelas, nin-guém assume ter indícios deque exista uma campanha coor-denada de desinformação na

Europa. Nas próximas semanas,publicaremos entrevistas feitaspor este projecto do InvestigateEurope aos comissários euro-peus Julian King e Vera Jurova.

A UE criou nas últimas sema-nas uma entidade de coope-ração com um representanteem cada país, para partilharinformações sobre campa-nhas de desinformação detec-tadas durante a campanhaeleitoral. Mas é o East-StratComm o departamento Euro-peu que mais tem lidado comeste problema. Apesar de terapenas quatro pessoas a tra-balhar, em exclusivo, na detec-ção de campanhas de desin-formação online. Um dos res-ponsáveis do departamentoexplica, em background, por-que não pode falar com jor-nalistas oficialmente, que amelhor forma de combater oproblema é a auto-regulaçãodas plataformas.

“Em termos gerais, o meuponto de vista é que, quandouma informação é lançadaartificialmente, por bots quea amplificam, é como se esti-véssemos sentados à volta deuma mesa e alguém tem ummegafone que grita as suasideias e a nossa voz não podeser ouvida. Eu prefiro que oscidadãos tomem consciênciado conteúdo que recebem.Mas para isso é preciso umaauto regulação das platafor-mas”, disse, sob anonimato.

Enquanto isso, a campanhaeleitoral para o ParlamentoEuropeu decorre. Tem umaface visível. E outra que é maisdifícil de decifrar. Online, asregras da campanha não seaplicam da mesma forma e aforma de difundir a informaçãoé, também ela, livre. Se issovai, ou não, ter um efeito naforma como os eleitores deci-dem votar, isso, para já, é umaincógnita.

Regular ou não, eis a questão

O que têm em comum oespanhol Jesule e o ale-mão Hagen Ernst? Poucose sabe das suas biogra-fias. O primeiro, na ver-dade, não passa de umpseudónimo que assinatextos no Twitter. O segun-do é um hipnotista queresidia em Bleckede, noNorte da Alemanha, naregião da Baixa Saxónia.Quando morreu, em Fe-vereiro, Ernst tinha doissites registados e dirigiauma editora, a Romowe.O que o liga ao espanholJesule é a sua grande ac-tividade política nas redessocias.

Jesule (Chus2207) con-seguiu fazer o que pareceimpossível a qualquerhumano. Entre as 6.33 damanhã do Dia de Reis, 6de Janeiro, e as 6.35, ouseja em menos de doisminutos, respondeu noTwitter a seis comentáriosdiferentes. O Partido Popu-lar escreveu uma mensa-gem na sua página, váriosutilizadores comentaram,de seguida. E Jesule res-pondeu a todos em menosde dois minutos. Com amesma mensagem: o PSOEsenta-se à mesa com “etar-ras”, era como começava,“dás asco” era o final docomentário. A sua contafoi criada em Junho de2018. Desde então, já escre-veu mais de quatro milmensagens.

Ernst, o hipnotista ale-mão, é o único nome queconsta do registo de um“Fórum para a Alemanha”,que assina no Twittercomo FFD365. É a contamais activa de toda a redesocial naquele país. Temquase 700 mil mensagenspublicadas, quase todassobre política. A actividadedesta conta no Twitter nãobaixou, nem mesmo apósa morte de Ernst. Aliás,continuou a publicar a umritmo impressionante. En-tre as 11 e as 12 horas de25 de Março, por exemplo,numa só hora, escreveu82 tweets. Para se ter umtermo de comparação, amaioria dos jornais maisactivos no mundo fica bas-tante longe desse registo.O Diário de Notícias pu-blica, em média, 200 tweetsdiários, como acontecenos maiores jornais ame-ricanos. O alemão FFD365tem um ritmo cinco vezessuperior.

Há outra coisa em co-mum entre Jesule, Ernste outros perfis europeus,como Franky Rafale, Ma-rino 29b, Flor María Fer-nández. As suas contassão das mais activas nodebate político europeu,neste período decisivo,antes das eleições para oParlamento da União Euro-peia. Há mais de 1500 per-fis de Twitter que escrevemsobre política a este ritmo.

De acordo com o nú-mero de mensagens polí-ticas que publicam são“utilizadores anormais”.Ou seja, se compararmosa sua actividade com amédia de publicações emcada país, estes são osperfis que batem todosos recordes, triplicandoos valores considerados“normais”.

De acordo com o algo-ritmo criado pela AltoAnalytics, entre 40 e 70por cento desses utiliza-dores mais activos têmafinidades com partidosnacionalistas e anti-imi-gração. Em particular, umgrupo de 1.544 que publicauma média de 100 men-sagens (tweets e retweetsjuntos) por dia. Entre elesestá "Pallaron12", com14.473 mensagens publi-cadas nos 36 dias estu-dados, ou seja, em média,402 por dia. A autora cha-ma-se Flor Maria Fernan-dez e é claramente umadefensora do partido Vox,de extrema-direita emEspanha.

As mensagens domi-nantes neste grupo de uti-lizadores mais activos sãocomuns, Pan-Europeia:são contra a entrada deimigrantes, acusam os par-tidos de esquerda nos seuspaíses de serem corruptos.A maioria destes perfismuito activos no debatepolítico europeu toma par-tido por um lado específicoda política: o nacionalismo,anti-UE. Partilham “notí-cias” de pequenos sitesdesconhecidos com infor-mação falsa sobre imigran-tes, mulheres, políticos,religião. E acusam os mediade censurar as suas opi-niões. Em Espanha, 38 das40 contas mais activas desteperíodo são de apoiantesdo Vox, o partido dirigidopor Santiago Abascal. Maisde metade destas contasforam criadas, recente-mente, em 2018.

Utilizadores supersónicos?

DR

DR

De França veio, também, um dos temasque galgou fronteiras: os “Coletes Amarelos”.

A divulgação de vídeos sobre violênciapolicial, a tomada de posição contra

a “censura” dos meios de comunicaçãosocial, a crítica a Macron são temas

constantes nos perfis destes utilizadoresactivos na Alemanha, na Espanha,

na Polónia e na Itália.