Economiapopular - viabilidade.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    1/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    2/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    3/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    4/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    5/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 5

    SumrioApresentao 8

    1 Pensamentos e Questes 11

    1.1 Conexes da Educao Popular com a Demanda de Formao da Economia dosSetores Populares 131.1.1 As diferentes leituras e usos da educao popular 131.1.2 Um pouco da histria 131.1.3 A experincia brasileira 141.1.4 Aqui e agora 15

    1.2 Formao Scio-Poltica e Pesquisa - Interveno 171.2.1 A formao scio-poltica no sistema do capital 171.2.2 O tecnicismo como suporte na produo do mesmo 191.2.3 A formao como prtica de in(ter)veno 201.2.4 No caminho de novas proposies 21

    1.3 Sustentabilidade e Viabilidade de Empreendimentos Associativos: Aspectos a SeremConsiderados 231.3.1 Relao entre processo de trabalho, viabilidade econmica e gesto democrtica. 231.3.2 Sustentabilidade dos empreendimentos associativos 251.3.3 Estudo de viabilidade dos empreendimentos associativos 25

    1.3.4 Uma formao adequada realidade dos empreendimentos associativos 26

    1.4 Mercado para Quem? Por uma Comercializao a Favor da Transformao Social291.4.1 A Comercializao Justa e Solidria como estratgia de transformao social 301.4.2 Relaes de produo 311.4.3 Relaes comerciais 321.4.4 Relaes de Consumo 321.4.5 O Comrcio Justo e Solidrio no Brasil 331.4.6 A possibilidade de criar novas formas de fazer 34

    2 O Estudo da Viabilidade Econminca dos Empreendimentos AssociativosConceitos, Ferramentas e Exerccios I 35

    2.1 Uma proposta de como fazer o Estudo de Viabilidade Econmica 382.1.1 Primeira Parte: As perguntas necessrias 392.1.2 Segunda Parte: contas e conceitos bsicos (resultado, margem de contribuio e ponto de equilbrio)442.1.3 Ponto de equilbrio 482.1.4 A estrutura das contas do Estudo de Viabilidade Econmica 502.1.5 Depreciao - o que , e como se calcula? 512.1.6 Clculo do ponto de equilbrio para atividades que trabalham com mais de um produto 52

    2.1.7 Produo individual e venda coletiva: clculo do ponto de equilbrio59

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    6/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.6

    2.2 Desmistificando os conceitos: exerccios prticos 61

    2.3 Contas e conceitos complementares 682.3.1 O que o Capital de Giro 69

    2.3.2 Emprstimos, custos financeiros, capacidade de pagamento e fluxo de caixa 722.3.3 Capacidade de pagamento 762.3.4 O Fluxo de Caixa 832.3.5 Exerccio Prtico : capital de giro, capacidade de pagamento e fluxo de caixa. 84

    3 O Processo de Comercializao Conceitos, Ferramentas e Exerccios II 89

    3.1 A venda coletiva 91

    3.2. Alguns aspectos prticos da comercializao 94

    3.3 Perfil de um vendedor 97

    Consideraes Finais 99

    Anexo I - Resultados dos Exerccios 101

    Anexo II - Glossrio de Conceitos Utilizados 108Sobre os Autores 110Sobre os Organizadore 111

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    7/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 7

    A KNH (KINDERNOTHILFE e.V.) uma agncia de desenvolvimento, fundada em1959 na Alemanha. Atualmente a KNH apia mais de 200.000 crianas e adolescentes em28 pases situados na frica, Amrica Latina, sia e no Leste Europeu. O Brasil a quintamaior nao no mundo e a maior da Amrica Latina com atividades da instituio. Hoje, noBrasil a KNH acompanha projetos e entidades parceiras atravs de trs escritrios regionais:Regional Nordeste, Regional Centro Oeste - Sudeste e Regional Sul. Este ltimo, apia pro- jetos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paran.

    No Brasil a Kindernothilfe tem atuado com outras organizaes e suas redes correspon-dentes em projetos na linha do Desenvolvimento Comunitrio, Ao Comunitria Ampliada,com vistas gerao de trabalho e renda com enfoque na economia dos setores populares,articulando-se na construo de uma sociedade mais justa e democrtica, e, principalmente,na implementao dos direitos das crianas e dos adolescentes, possibilitando que estes ga-nhem voz e que sejam reconhecidos como atores de transformao da realidade.

    A CAPINA (Cooperao e Apoio a Projetos de Inspirao Alternativa) uma as-sociao civil sem ns lucrativos, constituda em 03 de novembro de 1988, com sede nacidade do Rio de Janeiro. A CAPINA tem como misso, contribuir para a a rmao cidaddo trabalho e para o desenvolvimento social da economia dos setores populares, ancorada emcritrios ticos de e ccia econmica, e cincia administrativa, cooperao e justia.

    Por reconhecer a demanda e constatar as fragilidades das iniciativas da economia dos se-tores populares, desde a sua fundao, a CAPINA desenvolve atividades de formao volta-das para os empreendimentos econmicos associativos. Em contato estreito com associaes,cooperativas de agricultores familiares, grupos urbanos de produo associada, sindicatos,organizaes governamentais, organizaes indgenas e diversas ONGs. Atualmente j as-sessorou mais de 120 organizaes populares em 20 estados do pas, objetivando capacitaros seus integrantes no entendimento das condies necessrias viabilidade econmica egestionria das atividades que desenvolvem.

    Outubro de 2009.

    Realizao:KNH - Kindernothilfe e.V KNH BRASIL SULCAPINA - Cooperao e Apoio a Projetos de Inspirao Alternativa

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    8/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.8

    Apresentao

    Iniciaram h quatro anos os entendimentos entre Kindernothilfe e V - KNH Brasil eCAPINA - Cooperao e Apoio a Projetos de Inspirao Alternativa. Na poca, a KNHBrasil Sul apoiava projetos de Gerao de Trabalho e Renda deparando-se com desa osrelevantes para que esses projetos alcanassem resultados. Um desses desa os foi: comoanalisar a viabilidade de um tipo de produo em uma comunidade como, por exemplo,uma padaria? E como calcular o preo do po para que a organizao, a cooperativa oua associao permanecesse gerando emprego e renda para um grupo de senhoras respon-sveis por crianas do projeto parceiro?

    A partir dessa problemtica que se estabeleceu uma relao institucional entreKNH Brasil Sul e a CAPINA. A KNH vislumbrou que essa Organizao desenvolviauma concepo terica apropriada e uma metodologia de formao espec ca para essasquestes com as quais nos deparvamos. E mais do que isso, trabalhava com instrumen-tos prticos para a assessoria aos projetos apoiados pela KNH Brasil Sul.

    Foi uma aproximao que se intensi cou. Assessores da KNH participaram emcursos da CAPINA, podendo entender melhor temticas como: Viabilidade Econmi-ca e Gesto Democrtica de Empreendimentos Associativos; Gerncias Comerciais deAgroindstrias, Centrais, Cooperativas, Associaes da Agricultura Familiar; e Forma-o de Formadores.

    Esse estreitamento da relao ocorreu pelos objetivos a ns que perseguem ambas asOrganizaes. Ou seja, ajudar a construir relaes que tenham como base o respeito aosdireitos humanos, visando transformao para uma sociedade mais justa. Nossa mobi-lizao e nosso trabalho pautam-se nessa possibilidade de alterar as condies sociais,sobretudo daquelas pessoas que se encontram em situao de vulnerabilidade social. Nasatividades que empreendemos para que as organizaes populares consigam alcanarxito em suas aes, a KNH Brasil Sul aprendeu muito com a CAPINA.

    Por sua parte, a KNH sempre procurou chamar a ateno para a necessidade de seter um cuidado especial para com as crianas e para com os adolescentes. Tanto pelascondies peculiares de desenvolvimento em que se encontram, como por estarem res-guardados pela premissa legal da prioridade absoluta, provocando a implementao de polticas pblicas que devem seguir essa diretriz. A mobilizao, nesse sentido, vemrepresentando uma soma de prticas institucionais diversas que se pode irradiar entre asorganizaes envolvidas, e que se traduzem, em ltima anlise, no avano da luta pormelhores condies para as famlias. Alm disso, melhores condies de vida para as fa-mlias signi cam tambm melhores condies de desenvolvimento para as suas crianas,seus adolescentes e seus jovens.

    Visando progredir nessa trajetria de soma de energias, decidiu-se pela presenteco-publicao.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    9/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 9

    Nesse livro h contribuies relevantes sobre as seguintes temticas:Educao Popular e Formao da Economia dos Setores Populares;Formao Scio Poltica e Pesquisa;Sustentabilidade e Viabilidade dos Empreendimentos Associativos;Mercado, Comercializao, Transformao Social;Processo de Comercializao;

    Esses so os eixos das abordagens dessa publicao. Um enfoque sobre questes concei-tuais relevantes que estimulam a re exo. Esses textos foram produzidos coletivamente pordiferentes pro ssionais com um signi cativo acmulo de conhecimento e comprometimentoem relao s prticas e valores associativos e democrticos.

    Questes como Educao Popular e Formao de Agentes so exploradas na perspectivade ressaltar alguns elementos que esto relacionados s concepes que permeiam as prticas

    das organizaes e dos agentes sociais. Dessa forma, saliente-se que necessrio repensaras idias que perpassam as prticas e repensar as prticas que perpassam as idias. Essarelao entre teoria e prtica estimula o prisma do movimento, da mudana permanente, deavano, de novos desa os na busca de objetivos de transformao poltica, econmica, sociale cultural.

    O livro tambm apresenta ferramentas, instrumentos necessrios e teis para a opera-cionalizao de prticas e cientes e e cazes junto aos empreendimentos populares e asso-ciativos. No captulo II, descreve-se um mtodo de elaborar o estudo de viabilidade de em- preendimentos associativos que provoca os associados a buscarem em suas prticas diriasde produo, os nmeros necessrios para os clculos que compem o estudo. Essa pesquisa

    das prticas dirias implica na discusso sobre o modo como esto distribudas as tarefas que precisam ser cumpridas. Este o campo que d margem construo coletiva de um processode gesto democrtica: uma condio para a viabilidade do empreendimento.

    A publicao que ora apresentamos ECONOMIA DOS SETORES POPULARES : pensamentos, ferramentas e questes tem o objetivo de auxiliar na re exo e no avano daslutas populares por condies sociais justas, servindo como um meio relevante para aprimo-rarmos nossa prtica social em vista de um mundo melhor.

    Sergio A. E. SoaresCoordenador KNH BRASIL SUL

    Ricardo CostaSecretrio Executivo da CAPINA

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    10/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    11/112

    1.Pensamentose Questes

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    12/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    13/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 13

    Ada Bezerra1

    1.1.1 As diferentes leituras e usos da educao popularO debate do tema tem, na medida do possvel, a inteno de tratar a educao popular

    com a preocupao de tomar distncia: tanto da ordem do genrico, como , em mdia, apre-sentada; como do imaginrio sociopoltico que invade as intencionalidades dos educadores populares. E, ao mesmo tempo, fazer um movimento de aproximao dos nossos desa osconcretos para tentar construir uma leitura/prtica que ajude a analisar a demanda e a qua-lidade das tarefas educativas que os processos de fortalecimento da economia dos setores populares esto exigindo de seus educadores. En m, uma tentativa de fugir do simplesdiscurso e da abstrao.

    1.1.2 Um pouco da histriaA necessidade de contribuies educativas/formativas diversas, por parte dos trabalha-

    dores, suas iniciativas e organizaes em torno dessa questo, bem como das comunidades populares muito antiga. Mas houve um tempo em que essa nomenclatura de educao po- pular nem tinha sentido. Pouca diferena fazia, em termos de modos de civilidade, erudio/leitura, entre os habitantes de um castelo e os viandantes das estradas. Houve outro tempo,em que os prprios trabalhadores que cuidavam de sua formao e isso tambm no se cha-mava de educao popular. Com o processo de acumulao de riquezas que essa dinmicacomeou a mudar. A primeira grande ocorrncia, alm da transformao da fora de trabalhoem mercadoria foi, concomitantemente, a expropriao dos saberes dos trabalhadores pelosdonos do capital. O que vai acontecer como desdobramento um ordenamento do acesso a padres de conhecimento segundo as necessidades atribudas s classes sociais de nidas pelainsero no sistema. E o Estado tem um papel fundamental na administrao desses quinhesde saberes. No h como escapar dessa articulao estreita: saber/poder.

    Nesse nosso mundo ocidental, passamos muito tempo reconhecendo a aliana escola/famlia/igreja como responsvel pela ordem do educativo, esquecendo que a incontrolveldinmica da sociedade escapava ao territrio sob domnio desse pacto subliminar. Muitosdos acontecimentos que mudaram o rumo da histria vo ser tecidos nas interfaces de outrasesferas onde os interesses se confrontavam e se constituam os campos de fora; e essastenses no estavam previstas nos ensinamentos lineares das instituies que produziam a

    1 Ada Bezerra - Sociloga, educadora e pesquisadora do SAP Servios de Apoio Pesqui- sa em Educao, e integrante da CAPINA como colaboradora.

    1.1 Conexes da Educao Popular com a Demandade Formao da Economia dos Setores Populares

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    14/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.14

    acomodao ao status vigente.Tomando um atalho na histria para observar acontecimentos mais recentes e que in-

    uenciaram no modo como foram o cialmente analisadas as necessidades educativas da so-ciedade - situando o perodo ps-guerra (1946...) como de fundamental importncia - no podemos esquecer a UNESCO, uma das diferentes reas de interveno da ONU. A Confe-rncia Internacional para a Educao de Adultos (ICEA), apoiada pela UNESCO, abre uma janela sobre essa demanda espec ca e a legitima internacionalmente.

    O redesenho da geogra a do mundo, acompanhado dos processos de descolonizao/independncia, via negociaes e/ou guerras de libertao (sobretudo na frica), teve muitaincidncia nesse novo cenrio. Algumas metrpoles, mesmo antes desses percursos de in-dependncia, j tinham criado seus modelos de interveno de carter educativo em suasreas de in uncia. O desenvolvimento de comunidade foi uma forma mais inglesa, a anima-o popular, uma proposta mais francesa. Mas, esses mtodos e tcnicas, queiramos ou no, por diversos caminhos, chegaram ao Brasil e marcaram um novo momento das atividadeseducativas junto aos setores populares.

    Por exemplo, na Frana, muitos dos que militaram na Resistncia e depois se envolve-ram na luta de libertao argelina ou no processo de independncia do Marrocos, se organiza-ram em instituies, voltadas para a educao popular, e atuantes em territrio francs ou emmisses de cooperao noutros pases. O termo animao popular toma contedo educativonessas experincias. Isso quer dizer que a educao popular no genuinamente brasileira eque a circularidade de saberes no reconhece fronteiras.

    1.1.3 A experincia brasileiraSem precisar recorrer aos missionrios jesutas, do que se tem registro, as primeiras inicia-tivas de atendimento educativo aos setores populares tm muito de religioso e de lantrpico.A prioridade era dada aos jovens no esforo de proteg-los de um destino sombrio (vagabun-dagem, prostituio, roubo). Vale lembrar que, ainda hoje, muitas das aes tidas como vin-culadas ao campo da educao popular guardam essa aura de lantropia: um movimento dagratuidade na direo da assistncia aos pobres, carentes e desprotegidos. Eles no tm nada adar, s a receber.

    Ainda no nal da dcada de 50, no Brasil, e nessa leitura pode-se at incorporar as con- junturas similares de uma boa parte da Amrica Latina, j se identi cavam sinais de saturaoda presena imperialista americana. Alguns fatores se somam e ajudam a elevar o nvel dastenses polticas na sociedade, abrindo espao s manifestaes de reivindicao, resistncia einsurgncia que tomam fora na dcada de 60.

    O governo desenvolvimentista de JK foi preparatrio a esse clima: negociou com a socie-dade um espao de liberdades polticas (o mais signi cativo a retirada do Partido Comunistada clandestinidade) na compensao da abertura do pas ao capital internacional. O pas sai, en-to, de sua vocao agrcola de ps-guerra (Misso Rockfeller) para impulsionar um parqueindustrial no percurso da substituio de importaes.

    importante dizer que a Misso Rockfeller uma comitiva de tcnicos e empresrios que,salvo engano, visita a Amrica Latina em 1947 - quem vai pautar a negociao posterior como governo brasileiro na perspectiva de direcionar a produo agrcola. Dessas negociaes

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    15/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 15

    que decorre a criao de convnios e dispositivos que iriam permitir a formao de quadros (oncleo original foi formado nos Estados Unidos Ponto IV), a estruturao das bases institu-cionais e a qualidade da extenso rural que se desenvolveu no Brasil. Essa atividade, de cunhoeducativo, era concretamente uma interveno na economia agrcola dos pequenos produtores.Eminentemente, tratava-se de uma interveno tcnica, subordinada a interesses econmicosmuito precisos. O carter educativo se limitava transferncia de informaes, superviso das prticas do que era ministrado e dos usos dos recursos fornecidos (crdito supervisionado).

    Na mesma dcada de 50, foram criados os Cursos de Cincias Sociais (o estudo do marxis-mo abria espao nas Universidades), multiplicavam-se as Escolas de Servio Social, conferindoaos seus diplomados o status de trabalhadores sociais pro ssionalizados; e chegavam s Uni-versidades as primeiras levas de alunos provenientes de outros segmentos sociais diferentes dosfreqentadores habituais de famlias das elites. Uma parcela da intelectualidade nacionalista,militante, deu respaldo a essa nova sensibilidade poltica e social.

    Difundia-se, ento, uma outra leitura das condies socioeconmicas do pas, agora decunho estrutural, que comeou a dar um novo sentido s lutas. Em conseqncia de todo essedeslocamento poltico, comeam a se estreitar as alianas entre os movimentos e organizaesdos trabalhadores urbanos e rurais e as plataformas nacionalistas fortalecidas pela conjuntura.

    No esquecer que a vitria da Revoluo Cubana funcionou como um crdito s utopias ecomo alimento dos sonhos possveis.

    nesse clima que diferentes expresses da educao popular se estruturam, se pronun-ciam e atuam. Suas manifestaes se concretizam em vrios campos: do teatro, da msica, dasade, da alfabetizao, da formao de quadros sindicais (urbanos e rurais), da valorizaoda cultura popular etc. Algumas ganham maior amplitude, seja pela consistncia de seus fun-damentos, seja pelo poder de convocao ou pela oportunidade do contexto. Mas convergemnuma nica direo: a democratizao da cultura, as possibilidades de exerccio da cidadania,

    a considerao dos saberes em presena e, sobretudo, a importncia da contextualizao dainterveno, e o reconhecimento do outro enquanto sujeito histrico e atuante no seu prprio processo educativo.

    Os ganhos dessa experincia, scio/poltico/pedaggica, de curta durao, e apesar de todarepresso exercida pela ditadura, in uenciou o que veio depois como abordagens educativasdos setores populares, fossem elas da iniciativa do Estado, ganhando espao dentro das Univer-sidades e dos sistemas de ensino em geral, ou das organizaes de origens diversas, inclusiveas que se inspiraram no movimento de renovao das Igrejas, cuja presena indubitavelmentereconhecida no momento anterior e, mais fortemente, na etapa posterior instaurao da dita-dura militar. Isso se explica: em termos de estatura institucional, quem poderia fazer face a umEstado totalitrio?

    1.1.4 Aqui e agoraCom toda valorizao que se possa emprestar a esse perodo, j mais de 40 anos se

    passaram. Considerando todo referencial los co/terico no qual se apoiavam essas inicia-tivas histricas, ainda ca a impresso de que elas, na sua maioria, nunca ultrapassaram seusvnculos com um leque de racionalismos nas suas diferentes expresses: o iluminismo, o positivismo, o funcionalismo, seu herdeiro mais moderno. Quer dizer, a razo/conhecimentocomo sede das transformaes, o homem dado como pr-inscrito nas suas possibilidades, a

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    16/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    17/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 17

    Ktia Aguiar2

    A pesquisa-interveno se constituiu, nas ltimas dcadas, como um dispositivo para a problematizao das prticas sociais e da poltica que permeia a produo do conhecimen-to. Ela tem viabilizado propostas que colocam em anlise as instituies que constroem arealidade scio-poltica e os suportes terico-tcnicos produzidos nas prticas de formao.Como j referimos em trabalho anterior (ROCHA & AGUIAR, 2003), a pesquisa-interven-o se inscreve como uma tendncia das pesquisas participativas que vem assumindo umainterveno de carter socioanaltico e micropoltico, na experincia social. Falamos ento,de uma aposta metodolgica que se faz no mbito do denominado movimento institucionalis-ta latino-americano e no qual ela se a rmar como uma prtica tico-esttico-poltica.

    Importante assinalar que, nessa perspectiva, o que est em questo mais a observaoe anlise dos efeitos de nossas prticas, daquilo que delas derivam, do que a avaliao de umacertado uso das tcnicas. Ou seja, o que se quer colocar em questo a verdade como guia para a busca do signi cado das aes e, em ltima instncia, para o signi cado da vida.

    Nesse caminho, me proponho aqui explorar algumas injunes da formao scio- poltica no sistema do capital compondo um campo problemtico de interveno. A partirda, poderei destacar alguns rebatimentos da pesquisa-interveno sobre esse campo visandoapresentar contribuies para os trabalhadores sociais que atuam em projetos e programasque envolvem os setores populares.

    Certa de que o tema no ser esgotado, a inteno de que o texto possa servir comodisparador de debates e de novas proposies.

    1.2.1 A formao scio-poltica no sistema do capitalA era moderna, em sua lgica e seus princpios, traz como pressuposto para a compre-

    enso do homem, do mundo e de suas relaes a estabilidade, a ordem e a regularidade como

    valor. assim que o universalismo, a linearidade, a verdade, o causalismo e os dualismos seconstituem como eixos centrais na formao dos rituais escolares, e se atualizam atravs dosdispositivos do paradigma cient co. Instituies como a pedagogia, a infncia, a normali-dade, a disciplina, que se instrumentam atravs da escola, perdem a dimenso de construocoletiva, passando ao estatuto inquestionvel e atemporal das necessidades.

    importante percebermos que, quando a vida social tem seu fundamento jurdico natu-ralizado, o que se constitui est na ordem da necessidade e da determinao, o que vem des-

    2 Ktia Aguiar - Doutora em psicologia social e professora adjunta do Departamento de Psi-cologia da Universidade Federal Fluminense UFF, vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia e Integrante da equipe de formao da CAPINA, como colaboradora.

    1.2 Formao Scio-Poltica e Pesquisa - Interveno

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    18/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.18

    caracterizar a produo histrica, na medida em que tais leis funcionam como transcendentess prticas cotidianas.

    No universo da cincia, sob a gide da razo que se desenvolver uma economia vol-tada para a organizao da realidade em torno de problemas que reduzem as instabilidades,estruturando solues lgicas e dedutveis como nica possibilidade de conhecimento. Asnormas de cienti cidade permitiro conferir autoridade e veracidade aos saberes que se cons-tituem por meio da burocracia dos clculos e medidas matemticas. As categorias e ordena-es resultantes de tal processo se fundamentam em princpios com estatuto de leis naturais,genticas, que regulam a vida das organizaes sociais e a produo dos conhecimentos. Ouniverso compreendido e traduzido nas relaes de equivalncias e similaridades que seapresentam como o registro pertinente.

    A formulao cient ca da educao enquanto sistema de regras e de leis que devem ser preservadas privilegia as constncias que tm como nalidade a previsibilidade. A formao

    dos trabalhadores sociais, no ensino superior brasileiro, se construiu na atualizao desse pa-radigma moderno. Podemos dizer que do cerne da reforma universitria, que surge em meios convulses sociais da dcada de 60, sob a reivindicao de jovens estudantes por maisvagas no ensino superior, por melhoria de qualidade que inclui a necessria articulao entreuniversidade e problemticas sociais, desprende-se um paradoxo: a concepo de cincia ede tecnologia pro ssionalizante com uma vinculao direta ao mercado de trabalho, cujocontedo pragmtico e utilitarista se traduzir na formao de tcnicos.

    Com o avano das estratgias neoliberais, que entre ns ganham visibilidade a partirda dcada de 90, o acirramento das tenses sociais so abordadas como problemas, analisa-das como desvios, e no como con itos advindos do prprio modelo. A criminalizao dosmovimentos sociais, as prticas de extermnio e a devastao de territrios existenciais setornaram prenncios da constituio de um estado penal. A perspectiva neoliberal d nfaseao individualismo, produo de consumidores em permanente competio.

    A educao passa a ser enfatizada como mercadoria e as tecnologias se constituem comovantagens competitivas para quem as controla. A articulao entre educao e mercado detrabalho, alm de revigorar a relao entre conhecimento e tcnica, situando a escola comolugar de treinamento, ainda aponta na atualidade, para o atrelamento das pesquisas ao inte-resse de nanciamento dos setores privados, das grandes corporaes. Estamos diante de prticas que servem a qualquer m, uma vez que a formao utilitria no inclui a idia de

    anlise da produo de sentidos. (AGUIAR & ROCHA, 1997)A crise, em todos os mbitos, acaba sempre apontando como diagnstico um problemade gesto cuja alternativa est na adoo do padro empresarial como forma de racionaliza-o, e cincia e objetividade. Portanto, so ainda as novas tecnologias que traro os critriosrigorosos, cient cos, neutros e universais de avaliao de qualidade, desconsiderando a dis-cusso das polticas de produo do conhecimento, dos critrios que servem de base para asaes, das diferenas histrico-sociais construdas no cotidiano das prticas institucionais.

    Nesse contexto, a formao entendida como dilogo de saberes que se entrecruzam,encontros terico-prticos, funda planos de anlise e desenha um campo problemtico deinterveno.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    19/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 19

    1.2.2 O tecnicismo como suporte na produo do mesmoO compromisso com a racionalidade da qual falamos, remete a prticas constitutivas de

    modelos nos processos educacionais, se expressando nos modos legitimados de apreenso deconhecimentos (por acumulao), das relaes de aprendizagem (por transmisso) e de con-vvio social (por a rmao de encargos institudos). Nos processos de trabalho o cenriose repete instaurando dicotomias hierarquizantes: planejamento/execuo, gesto/atividade,gestor/trabalhador. A priorizao das regularidades pode ser observada no parcelamento dotrabalho, na xao de tarefas, na otimizao do tempo, na estandartizao de ferramentas e procedimentos. (ATHAYDE, 1988)

    Essas dicotomias e regulaes tcnicas, colando a e cincia ao cumprimento do prescri-to, operam em favor da manuteno da racionalidade vigente, favorecendo a instaurao deum regime tecnocrtico. Para os trabalhadores sociais que atuam junto aos setores popularestoda essa problemtica se atualiza no cotidiano de diversas maneiras sendo talvez a mais

    inquietante a tensa convivncia entre a temporalidade dos projetos e a dos processos. No que se refere s propostas de formao/gesto que visam a sustentabilidade de em- preendimentos populares, a tendncia tecnicista pode atravessar as prticas com maior oumenor intensidade. Na radicalidade da interferncia dessa tendncia, pode se identi caruma concepo de sustentabilidade que, priorizando resultados, tem como foco central aviabilidade econmica da atividade. A viabilidade se torna uma questo de estudo, de com- petncia tcnica, sendo realizado por terceiros ou centralizado em algum integrante do em- preendimento. As metodologias so, em geral, as mesmas das pequenas e mdias empresastransportadas e, algumas vezes, adaptadas, o que contribui para rati car a perspectiva desegmentao do conhecimento da atividade. O que desaparece pela interferncia dessa ten-

    dncia so exatamente as pessoas que, tornadas tabulas rasas, so pretensamente esvaziadasde suas histrias.O que se pode observar nos processos que essas mulheres e homens trabalhadores

    retirados do plano da organizao pela porta da frente retornam sorrateiramente pela janelados fundos. que eles levam, inapelavelmente, para os empreendimentos suas tticas jconstrudas no mundo do trabalho ou mesmo os modos de gerir suas vidas. E isso no pou-co! O que ocorre que, na tendncia em questo, o encontro entre a dimenso administrativa(esprito de empresa) e os modos de gesto (dos trabalhadores) abordado dicotomicamente,na perspectiva do enfrentamento, qual seja: pela lgica da excluso, a variabilidade dos mo-dos de gesto devem ceder s prescries. Os impasses e emperramentos que surgem nesseenfrentamento, so entendidos como desvios ou erros na adoo de procedimentos e nocomo efeitos das prprias condies e circunstncias nas quais so gerados os empreendi-mentos. A incompetncia e a cultura dos trabalhadores - resistncia, passividade, dependn-cia - aparecem como as justi cativas mais freqentes para explicar o fracasso das iniciativas.(AGUIAR,2007).

    Mas se argumentamos pela indissociabilidade entre os modos de formar-gerir-trabalhar podemos arriscar um pensamento que, para alm das formas constitudas desse plano macro- poltico, abra a experincia processualidade tico-esttica. Um convite que no pretendenegar as formas institudas, mas observar a lgica (micropoltica) de sua vinculao com adimenso das foras e dos processos instituintes: interpelar as modelizaes/rotulaes favo-recendo a criao, outros efeitos de sentido.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    20/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.20

    1.2.3 A formao como prtica de in(ter)venoO que buscamos evidenciar a partir da entrada micropoltica que, frente capilaridade

    das estratgias de controle no contemporneo, imperativo a criao permanente de disposi-tivos para que as questes estejam se colocando e se recolocando a cada momento constru-o da tica nas prticas. Tomar essa atitude de problematizao, falar do presente, colocarem anlise as implicaes dos produtores e assessores (pesquisadores) e experimentar osefeitos de nossas ferramentas de investigao. (GUATTARI & ROLNIK, 1986)

    Nesse campo no qual nos movemos o da economia dos setores populares - temosexplorado, como hiptese de trabalho, o enlace entre a viabilidade econmica e a gestodemocrtica como condio da sustentabilidade, entendida aqui como a capacidade das pes-soas tocarem seus empreendimentos. O estudo de viabilidade e gesto se constitui comodispositivo de coletivizao de produtores, assessores e outros atores que interferem diretaou indiretamente na realizao da atividade produtiva.

    Propomos, em tensionamento com a tendncia tecnicista, uma inverso de nossa atenona de nio de como iniciar a abordagem das pessoas e da atividade. O que os trabalhadores j fazem e como fazem; as di culdades, desa os e solues que encontram no cotidiano doofcio; a lgica de funcionamento do empreendimento, constituem, dentre outros elementos,a matria-prima, o ponto de partida para a investigao a ser empreendida. Importante lem- brar que mesmo antes de se iniciar um empreendimento, no havendo grupo constitudo, as pessoas trazem consigo suas histrias/trajetrias de vida, o que certamente inclui experimen-taes diversas no mundo do trabalho e fora dele. A explorao dessas histrias favorece uma primeira aproximao das potencialidades, anseios e temores do coletivo em construo.

    Nesse caminho, as prescries so entendidas enquanto uma dimenso a de uma racio-nalidade administrativa que se atualiza no trabalho de cada um. Mesmo que corpori cada,de forma exemplar, na gura do patro ou nas instncias de administrao, cada trabalhadorter que se haver, na atividade e em seu posto de trabalho, com a tenso entre o prescrito e orealizado. Entendida essa tenso como indicativa da co-existncia de diferentes racionalida-des na realizao da atividade, podemos dizer que o trabalho sempre encontro de valores.(SCHWARTZ & DURRIVE,2007).

    Importa aqui, nesse percurso, alm da desmisti cao das contas, colocar em questoas idealizaes tanto acerca dos processos grupais quanto dos desempenhos das pessoas. Asidealizaes expressam o apego aos modelos do que est posto como indicador de sucesso enos do pistas para intervir pela mudana na qualidade das relaes. Pode ser, por exemplo,que no seja possvel juntar todas as pessoas que integram um empreendimento para umaobservao partilhada da atividade, tal como proposto pelo dispositivo do estudo de via- bilidade e gesto. Mas sendo essa uma condio tambm ideal, ser preciso ter em conta aespeci cidade do empreendimento. Na maioria das vezes se faz necessrio todo um trabalhode abordagem com cada integrante, quase um corpo a corpo, para de agrar um processocoletivo presencial.

    Trabalhar a noo de formao numa perspectiva ampliada, para alm de aquisiesde habilidades e competncias, acolher a idia de que com nossas propostas disparamos processos que investem modos de pensar, de sentir, de aprender, de amar... O que queremosa rmar que, queiramos ou no, nas prticas educativas em suas diferentes modalida-

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    21/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 21

    des: capacitaes, treinamentos, consultorias, assessorias estamos atuando diretamente na produo de subjetividades, de modos de vida. No apenas uma ao de re-conhecimentode um mundo j existente, mas tambm produo de real, de outros possveis: uma aocultural. O que nos coloca numa relao de responsabilizao diante dos efeitos produzidos,dos sentidos que vo se construindo e que ganham fora nas aes individuais e coletivas. Eisso fazer poltica.

    1.2.4 No caminho de novas proposiesSe entendemos que a ciso entre subjetividade e poltica se desenhou como mito no solo

    frtil do sistema de referncia hegemnico (paradigma), o primeiro desa o a enfrentar ode que somos constitudos pelas mesmas prticas que temos a inteno de transformar. Ouseja, pensar e fazer formao antes de tudo colocar em discusso nossos lugares sociais enossos encargos histricos. Estamos nos referindo a um modo de funcionamento do mundoe, ao mesmo tempo, de ns mesmos. Assim, parece ser impensvel qualquer estratgia detransformao que no passe por colocar em anlise as implicaes dos trabalhadores sociaise de suas prticas, na constituio do existente. (AGUIAR, 2003)

    O que estamos instituindo em nossas prticas? O que colocamos em movimento quandotransplantamos as polticas de formao desde sempre veiculadas pelas instituies escolares para o mbito dos movimentos populares e, mais especi camente, para os espaos da eco-nomia solidria? Ser que podemos pensar, falar e a rmar um outro mundo como possvel,manejando as mesmas ferramentas?

    A considerao do estudo de viabilidade e gesto democrtica como dispositivo naformao scio-poltica, desde uma perspectiva de produo de subjetividades, evidencia a posio/lugar do assessor como estratgico. Ele se localiza numa encruzilhada entre a manu-teno do mesmo e os movimentos de mutao social, e seus deslocamentos podem abrir, anlise, as instituies que se atualizam nos processos de trabalho e de construo de conhe-cimento nas diferentes iniciativas da economia dos setores populares.

    Referncias bibliogrficasAGUIAR, K. F. Ligaes perigosas e alianas insurgentes. Subjetividades e movimentosurbanos. So Paulo : Tese de Doutorado. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,2003. _________ . Economia dos Setores Populares - modos de gesto e estratgias de formao.In KRAYCHETE,G.& AGUIAR, K. Economia dos setores populares sustentabilidade eestratgias de formao. So Leopoldo: Oikos,2007, pp.106-121. _________ & ROCHA, M.L. Prticas universitrias e a formao scio-poltica In: Anuriodo Laboratrio de Subjetividade e Poltica, vol 3/4, Niteri: UFF, 1997, p. 97-112.ANSELL-PEARSON, K. Nietzsche como pensador poltico uma introduo. Rio de Janei-ro: Jorge Zahar, 1997.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    22/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.22

    ATHAYDE, M. Processo produtivo, espao educativo: um campo de lutas. Joo Pessoa:Dissertao de Mestrado. UFPB, 1988.GUATTARI, F. e ROLNIK,S. Micropoltica cartogra as do desejo. Petrpolis: Vozes,1986.ROCHA, M. & AGUIAR, F. Pesquisa interveno e a produo de novas anlises. Psicolo-gia: cincia e pro sso, 4, pp. 64-73, 2003.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    23/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 23

    Gabriel Kraychete3

    1.3.1 Relao entre processo de trabalho, viabilidade econmica egesto democrtica.

    A produo, fora do seu contexto, uma abstrao. No existe uma produo em ge-ral. Qualquer processo de trabalho, seja de uma empresa privada, de um agricultor familiarou de um empreendimento associativo da economia solidria, possui os mesmos elementos

    constitutivos, ou seja: i) a fora de trabalho; ii) o objeto de trabalho (matrias-primas) sobreo qual o trabalho atua; e iii) os meios de trabalho (instrumentos de trabalho) atravs dos quaiso trabalho atua.

    Na realidade, o que existe so formas concretas de produo que supem uma deter-minada combinao de relaes tcnicas e relaes sociais de produo. Um indivduo quetrabalha a terra para a produo de cana-de-acar estabelece determinadas relaes tcnicascom a terra e com os meios de trabalho. Esta pessoa, entretanto, pode ser um agricultor fami-liar, um trabalhador assalariado, um escravo etc. Ou seja, concretamente, um mesmo conte-do tcnico toma diferentes formas sociais de produo, que expressam diferentes relaes de propriedade dos meios de produo e de apropriao do resultado do trabalho.

    A produo de mercadorias no uma inveno do capitalismo. Nem todo produto mercadoria e nem todo dinheiro capital.A mercadoria resulta do trabalho humano e se des-tina ao mercado. O que caracteriza o capital no o uso de mquinas e equipamentos, mas atransformao da fora de trabalho em mercadoria. O capital uma relao social caracteri-zada pelo uso do trabalho assalariado. No existe capital sem trabalho assalariado.

    Em outras formas sociais de produo a fora de trabalho no se constitui numa merca-doria. o caso, por exemplo, do trabalho realizado de modo individual ou familiar, ou dosempreendimentos associativos. Nestes casos, os trabalhadores vendem as mercadorias que produzem, mas no vendem a sua fora de trabalho.

    Para a transformao do dinheiro em capital, o dono do dinheiro ter que encontrar nomercado o trabalhador livre, em duplo sentido: livre para dispor de sua fora de trabalho; elivre no sentido de despossudo, ou seja, no possuir outra mercadoria a no ser a sua prpriacapacidade de trabalho, que vende em troca de um salrio.

    O capitalista compra os elementos necessrios ao processo de trabalho: os meios de produo (matrias-primas, mquinas, equipamentos) e a fora de trabalho. O processo detrabalho ocorre entre coisas que pertencem ao capitalista. O resultado do trabalho (o lucro) pertence ao empresrio. o empresrio que decide sobre as tcnicas de produo, os meca-3 Gabriel Kraychete Economista e professor titular da Universidade Catlica do Salvador.Coordenador do Programa Economia dos Setores Populares e pesquisador do Ncleo de Estudos doTrabalho UCSal. Colaborador da CAPINA.

    1.3 Sustentabilidade e Viabilidade de EmpreendimentosAssociativos: Aspectos a Serem Considerados

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    24/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    25/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 25

    1.3.2 Sustentabilidade dos empreendimentos associativosApesar dos avanos conquistados pelo movimento da economia solidria, os empreen-

    dimentos associativos, quando observados de perto, revelam grandes di culdades e fragilida-des. A sustentabilidade dos empreendimentos associativos populares pressupe que os seusassociados se encontrem habilitados para assumir a conduo do empreendimento. Ou seja,que os associados compreendam as condies necessrias para que a atividade venha a darcerto. Isto envolve tanto questes internas como externas ao grupo.

    O grupo deve saber tocar e gerir o empreendimento. Mas a sustentabilidade da atividadetambm depende de condies que, por si s, o grupo no tem condies de resolver. Porexemplo: condies adequadas de crdito e nanciamento, legislao e sistema tributrioapropriados, infra-estrutura, pesquisa, formao dos trabalhadores etc. Nem as questes ex-ternas nem as internas ao grupo, sozinhas, do conta do problema. preciso que haja umacombinao das duas elas so complementares.

    Entendida desta forma, a sustentabilidade dos empreendimentos da economia popularsolidria no um problema estritamente econmico nem se equaciona no curto prazo, mas pressupe aes polticas comprometidas com um processo de transformao social. O queest em jogo no so aes pontuais, localizadas, compensatrias ou lantrpicas, mas inter -venes pblicas que, atravs do fortalecimento da cidadania, criem condies favorveis aodesenvolvimento de uma outra economia.

    No se trata apenas de gerar alternativas ao desemprego, mas de enfrentar o seguinte de-sa o: como desenvolver relaes de trabalho que sejam, ao mesmo tempo, economicamenteviveis e emancipadoras ?

    No caso dos empreendimentos associativos populares, a e cincia econmica e a formade gesto (democrtica) no podem ser pensadas separadamente. Se for verdade que um pressuposto primordial sustentabilidade dos empreendimentos associativos que os seusintegrantes conheam as condies necessrias para que a atividade que desenvolvem ou pre-tendam implementar tenha maior chance de xito, um instrumento essencial a ser utilizado o estudo de viabilidade.

    Para que este estudo tenha uma utilidade prtica e contribua efetivamente para umamaior consistncia dos empreendimentos da economia popular solidria necessrio que omesmo considere a lgica peculiar de funcionamento destes empreendimentos.

    1.3.3 Estudo de viabilidade dos empreendimentos associativosO estudo de viabilidade um processo de aprendizado de todos os participantes do

    empreendimento direcionado para o conhecimento de todos os aspectos da atividade querealizam. O que se pretende atravs do estudo aumentar a capacidade do grupo de intervire in uir na realidade em que se situa.

    Ou seja, o estudo de viabilidade um instrumento que instiga a re exo dos trabalhado-res sobre as questes internas ao grupo (a organizao e o processo de trabalho, o que cabe acada um fazer e por qu, as relaes de cada um com os outros), e externas (as relaes coma comunidade local, com o mercado, com as entidades de apoio e fomento, com o Estado e

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    26/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.26

    com as diferentes esferas do governo), contribuindo para gerar demandas por polticas (cr-dito, educao etc.) adequadas sustentabilidade dos empreendimentos da economia popularsolidria. Ele no se restringe, portanto, aos aspectos estritamente econmicos. Entendidodesta forma, o estudo de viabilidade no uma questo tcnica, mas essencialmente educa-tiva e poltica.

    As organizaes econmicas populares possuem uma lgica peculiar. No podem seravaliadas ou projetadas copiando ou tomando-se por referncia os critrios de e cincia e planejamento tpicos empresa capitalista. Tradicionalmente, os instrumentos de gesto, pla-nos de negcio, anlise de mercado e estudos de viabilidade reportam-se s caractersticasdas empresas de mdio ou grande porte, distanciando-se das realidades encontradas nos em- preendimentos associativos.

    Em geral, os empreendimentos no so precedidos do estudo de viabilidade, mas apenasde uma lista de compras referente ao valor dos investimentos. Ou, ento, quando realiza-dos, estes estudos nem sempre consideram a lgica peculiar de funcionamento dos empreen-dimentos associativos. Exemplo disso o tratamento das questes econmicas e do processode gesto como coisas separadas, estanques, diferentes. Ou a realizao de um plano denegcio, como se o empreendimento associativo fosse uma pequena ou mdia empresa.

    Quando realizado exclusivamente por um tcnico, sem a participao do grupo, o estudotem grandes chances de ter pouca utilidade prtica, mesmo porque quem vai tocar o projeto o grupo e no o tcnico. O estudo, desta forma, transforma-se em mais um documento a sermuito bem guardado e esquecido em alguma prateleira.

    1.3.4 Uma formao adequada realidade dos empreendimentosassociativosAs atividades de formao descoladas dos processos de trabalho concretos peculiares a

    cada empreendimento, constituem-se numa abstrao. Em geral, as atividades de formao para o associativismo atm-se aos princpios do cooperativismo e do trabalho associativo.Estes princpios so uma declarao do dever ser. Expressam uma meta, um ponto de chega-da, um enunciado que todos concordam, mas que vale tanto para as primeiras cooperativas naEuropa do sculo XIX, para um empreendimento associativo de grande porte, como para um pequeno grupo de mulheres que se organiza numa associao de costureiras. As condiesconcretas do processo de trabalho e das condies em que ele ocorre so muito diferentesem cada um destes empreendimentos, com evidentes implicaes para a gesto cotidiana dosmesmos.

    Se nos atemos apenas aos princpios e no nos deixamos interpelar pela realidade pode-mos enfrentar problemas incontornveis. Por exemplo: o primeiro princpio do cooperativis-mo a associao livre e voluntria. Mas sabemos que, numa realidade como a brasileira, a busca de uma alternativa de trabalho face ao desemprego se constitui na principal motivao para a organizao dos empreendimentos associativos.

    grande a responsabilidade das instituies de apoio e fomento em estimular a re exosobre a viabilidade dos empreendimentos associativos. Trata-se da sistematizao de um co-nhecimento novo que permita equacionar, de forma apropriada, as condies que, uma vez

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    27/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 27

    atendidas, aumentem as possibilidades de xito destes empreendimentos.Quero destacar a contribuio inovadora da Cooperao e Apoio a Projetos de Inspira-

    o Alternativa - CAPINA sobre este tema4. Tal como o entendemos, estudo de viabilidadeenvolve, necessariamente, a participao dos integrantes dos empreendimentos associativos.Ou seja, no se trata de um trabalho tecnocrtico, realizado por especialistas externos aogrupo, mas de uma construo coletiva de conhecimentos em que os integrantes dos grupos eassessores descobrem juntos as condies necessrias sustentabilidade do empreendimen-to. Nestes termos, a realizao do estudo de viabilidade assume uma perspectiva totalmen-te distinta de um trabalho exclusivamente tcnico, hierarquicamente superior, realizado porterceiros e que desconsidera o contexto cultural e a lgica peculiar de funcionamento dosempreendimentos populares.

    Referncias bibliogrficasCORAGGIO, J.L. Sobre la sostenibilidad de los emprendimientos mercantiles de la econo-ma social y solidaria. Disponvel em < http://www.coraggioeconomia.org.>.FOLADORI, G. Limites do desenvolvimento sustentvel. Campinas, SP: Editora da Uni-camp, So Paulo: Imprensa O cial, 2001.KRAYCHETE, G., COSTA, B., LARA, F. (orgs.) Economia dos setores populares: entre arealidade e a utopia. Petrpolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: Capina; Salvador: CESE: UC-SAL, 2000.KRAYCHETE, G. Economia dos setores populares: sustentabilidade e estratgias de forma-o. Rio de Janeiro, CAPINA, OIKOS, 2007. Disponvel em www.capina.org.br MARX, K. O Capital. Livro 1, vol 1. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1971MTE-SENAES. Sistema nacional de informaes em economia solidria. Relatrio nacional2005. Disponvel no site www.mte.gov.br

    4 Ver a respeito Kraychete,G. Economia dos setores populares: sustentabilidade e estratgiasde formao. So Leopoldo,Oikos; Capina, 2007

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    28/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    29/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 29

    Renata Pistelli5

    A comercializao de produtos e servios um elo central na cadeia produtiva, e estintrinsecamente relacionada realidade da produo e dos produtores e produtoras, s con-dies de escoamento, logstica e distribuio dos produtos, s negociaes de preo e po-lticas de pagamento e ao (re)conhecimento dos consumidores. Neste sentido, compreendera comercializao como processo, que, assim sendo, vai muito alm da venda dos produtosou servios, pressupem: reconhecer o grau de complexidade que est presente em cada umade suas etapas; entender que o sucesso da comercializao depende necessariamente dascondies de produo e consumo; e, sobretudo, pressupem compreender que comrcio relao, ou seja, que as prticas comerciais sempre esto vinculadas s relaes (muitasvezes, de poder) que se estabelecem no interior da cadeia produtiva.

    Sendo assim, podemos nos propor algumas re exes: Como se do as relaes comer -ciais na sociedade em que vivemos? Qual a relao de foras entre os atores da cadeia produ-tiva (produtores-comerciantes; comerciantes-consumidores) nas negociaes comerciais?

    Entendendo Mercado como um ambiente onde as relaes comerciais acontecem, preciso lembrar que no existe um mercado nico e acabado, mas sim inmeros mercados,

    com interesses e per s diferenciados. Porm, o modelo hegemnico de mercado, adotadona sociedade atual, se funda no estmulo a padres de produo e consumo absolutamenteinsustentveis, que favorecem exclusivamente a apropriao e a concentrao do capital.Desta forma, ca claro que impera a insensibilidade frente s necessidades e anseios dosempreendimentos produtivos, e, ao mesmo tempo, a manipulao dos consumidores paracomprarem sempre, e muito.

    No possvel ignorar que informao poder. A relao de foras entre os atores deuma negociao comercial est relacionada s suas possibilidades de acesso informao,sendo este exatamente um dos maiores desa os que os empreendimentos produtivos en-frentam para comercializar falta de informao sobre formao de preo, sobre o mercado,

    sobre a abrangncia da cadeia comercial como um todo, entre outras questes essenciais. E exatamente devido a essas carncias no ambiente produtivo que a atuao dos atravessadoresganha espao e, muitas vezes, mesmo tendo um carter exploratrio, acabam por prestar umservio e possibilitar, ao menos, o escoamento da produo.

    Assim, frente complexidade das relaes comerciais e necessidade de viabilizareconomicamente seus empreendimentos, cresce a demanda concreta por parte dos trabalha-dores e trabalhadoras da economia dos setores populares de acesso ao mercado, com todas5 Renata de Salles Santos Pistelli - Diretora de projetos do Instituto Kairs tica e atuaoresponsvel, e integrante do Conselho de Gesto do FACES do Brasil, plataforma de Comrcio Justo eSolidrio.

    1.4 Mercado para Quem? Por uma Comercializao aFavor da Transformao Social

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    30/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.30

    as suas contradies e selvagerias. Mas que condies tm tais grupos produtivos de atuarneste mercado?

    Alguns dados do Mapeamento Nacional da Economia Solidria, realizado pela Secre-taria Nacional de Economia Solidria - SENAES/MTE, re etem as di culdades vivenciadas pelos empreendimentos associativos, dentre as quais, a comercializao declarada como a principal para 61% deles. Diversas so as Consultas Pblicas realizadas junto aos trabalhado-res e trabalhadoras da economia solidria, com o objetivo de subsidiar a elaborao de Pol-ticas de Fomento, trazendo tona um grande nmero de demandas em relao comerciali-zao, que vo desde questes estruturais (transporte, logstica, espaos de comercializao), jurdicas (reviso do marco legal), at capacitao em gesto nanceira, vendas, ferramentasde marketing, entre outros.

    Com isso, percebemos que existe um mercado com uma extrema concentrao de podernas mos de poucas e grandes corporaes que ditam as regras comerciais nacionais e inter-nacionais e uma gama de trabalhadores e trabalhadoras da economia dos setores popularesalmejando conhecer estas regras e estruturar sua capacidade de produo e gesto para poderatuar neste mercado. Reconhecer isto e direcionar esforos para o desenvolvimento e forta-lecimento de aes neste sentido importante e urgente. Porm, levantar a possibilidade e aimportnciade questionarmos o carter e a dinmica do que est a e trabalhar por mudanasmais profundas, fundamental.

    Podemos, por um lado, fomentar o acesso ao mercado e, ao mesmo tempo, questionaras relaes comerciais que esto sendo praticadas, utilizando nosso poder para transformaras regras do jogo?

    A rmar esta possibilidade, nos remete ao entendimento da economia solidria comouma estratgia de desenvolvimento, que impulsiona o questionamento acerca do prprio mo-delo de desenvolvimento adotado pela nossa sociedade e assim, se propem a construir econsolidar novas prticas nas relaes de produo, comercializao e consumo. Seguindonessa direo, entendemos que a comercializao, compreendida como processo, como rela-o, pode ser uma importante ferramenta para a transformao social.

    1.4.1 A Comercializao Justa e Solidria como estratgia detransformao social

    O Comrcio Justo e Solidrio vem propor a prtica de outras relaes comerciais, re-colocando na cadeia produtiva elementos que foram desconsiderados pelos atuais padresde produo e consumo. Tal proposta vem movida pela inteno de transformar o mercado,que hoje est a servio do capital, visando a construo de uma nova realidade, a servio das pessoas e da vida.

    Para tornar isto possvel, fundamental criar condies para que os atores da cadeia produtiva (produtores, comerciantes e consumidores) possam se reconhecer, visando a le-gitimao dos diferentes papis que assumem. Garantir o reconhecimento do processo de produo, o universo que existe por trs de cada produto e servio; o reconhecimento dos produtores e produtoras como geradores de riqueza na cadeia produtiva. Reconhecer que avenda ou distribuio de produtos tambm um trabalho, que demanda funes espec cas,

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    31/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 31

    podendo estas ser assumidas ou bem pelos prprios produtores, ou bem por parceiros co-merciais, atuando em uma relao de transparncia e colaborao. E, por m, reconhecer osconsumidores e consumidoras como atores, com um papel de co-responsabilidade na cadeia,e no meramente mercado.

    Podemos desenvolver e fortalecer juntos, processos comerciais que sejam pautados porvalores de solidariedade e tica, internalizando elementos scio-ambientais desconsideradosnos moldes de produo convencionais?

    A melhor forma de a rmar que isto possvel observar como isto acontece na prticade milhares de trabalhadores e trabalhadoras, no Brasil6 e no mundo, organizados em empre-endimentos produtivos, pontos de venda ou centrais de comercializao, grupos de consumo, bancos comunitrios, entre outras iniciativas, que buscam a sustentabilidade e viabilidadeeconmica em seu trabalho, e tm suas prticas coerentes com os valores que querem forta-lecer na sociedade.

    1.4.2 Relaes de produoQuando pensamos na importncia do respeito ao meio ambiente no processo produtivo,

    temos bastante o que aprender com muitas das associaes de agricultores familiares que pra-ticam a agroecologia e, em muitos casos desenvolvem tecnologias inovadoras, como aquelesassociados APAT - Associao dos Pequenos Agricultores de Tombos, em Minas Gerais,que dentre muitos de seus saberes, aplicam os conhecimentos da Homeopatia e Fitoterapia nomanejo das plantaes. Tambm temos o que aprender com os artesos e artess que buscam parcerias para desenvolver, por exemplo, corantes naturais para utilizao em seu trabalho,como observamos junto s mulheres que fazem artesanato a partir da palha da banana noQuilombo de Ivaporunduva, localizado no Vale do Ribeira, estado de So Paulo.

    interessante conhecer como muitos dos empreendimentos da economia solidria atu-am ao optar pela auto-gesto como forma de organizao do trabalho, por acreditar no exer-ccio da gesto democrtica. Desta forma, lidam com o desa o e o aprendizado constanteque esta prtica proporciona, pois, ao colocar na mesa as potencialidades e as diferenasque o coletivo representa, muitas questes pertinentes s relaes humanas, como diferenasde gnero, de etnia, de idades, de saberes, ganham espao para serem trabalhadas de formavinculada ao exerccio da atividade econmica.

    6 Em 2007, a plataforma de Comrcio Justo - Faces do Brasil, em conjunto com a SENAES,desenvolveu o Projeto de Articulao do Sistema Nacional de Comrcio Justo e Solidrio, onde foramcontatadas 25 experincias de comercializao justa e solidria no Brasil, com o objetivo de reconhe-cer qual a interao dos princpios e critrios do Comrcio Justo e Solidrio com as prticas que esto sendo desenvolvidas. Informaes disponveis no site www.facesdobrasil.org.br

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    32/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.32

    1.4.3 Relaes comerciaisQuando nos propomos ento a observar como as prticas comerciais diferenciadas po-

    dem acontecer, podemos perceber o quanto esta proposta desa adora. As di culdades esto presentes desde a formao do preo, negociao das polticas de pagamento, at o acessodos consumidores aos produtos.

    No possvel ignorar que internalizar os elementos scio-ambientais na cadeia produ-tiva tem um custo diferenciado (no necessariamente maior, mas de qualquer forma diferen-ciado). Mensurar este custo na formao do preo uma grande di culdade dos produtorese produtoras, e, ao mesmo tempo, algo fundamental para trazer sustentabilidade a estas prticas produtivas. Este o desa o de compor o chamado Preo Justo, entendido comovalor a ser pago ao produtor que proporcione a ele condies dignas de vida e de trabalho.Mas chegamos ento a uma grande questo - Preo Justo para quem? Como compor o preode forma que seja justo ao produtor e acessvel ao consumidor? A nal, o objetivo queos produtos elaborados e comercializados sob a tica da justia e solidariedade possam seracessveis a todos os brasileiros e brasileiras. Uma forma interessante de lidar com odesa o do preo justo a prtica do preo aberto, adotada, por exemplo, pelo Sementes dePaz, empreendimento solidrio que atua na distribuio e logstica de produtos alimentciosna cidade de So Paulo. O valor de cada produto da lista est discriminado e assim os con-sumidores (organizados em ncleos) podem saber quanto o produtor receber e qual o valor proporcional ao trabalho da distribuio e logstica.

    Outro elemento importante de ser observado a questo das polticas de pagamentoadotadas. As prticas de consignao e pagamento a (longo) prazo, muito praticadas no co-mrcio convencional, podem ser bastante prejudiciais aos grupos produtivos. Isto porque, namaioria das vezes precisam produzir para repor a mercadoria vendida sem ainda ter recebido por ela, o que pode gerar endividamentos e a consequente inviabilidade do empreendimento.Assim, negociar formas de pagamento que sejam mais ben cas ao produtor essencial.Porm, fundamental reconhecer que a venda dos produtos tambm tem diversos custosatrelados. Isto importante para compreender o desa o da sustentabilidade dos espaos decomercializao da economia solidria (lojas de comrcio justo, centrais de comercializao,entre outras) que muitas vezes precisam recorrer a subsdios para poder criar estrutura e cons-truir relaes com os consumidores para ento alcanar a viabilidade econmica.

    1.4.4 Relaes de ConsumoO consumidor tem um papel decisivo na efetivao das relaes comerciais justas e

    solidrias. Reconhecer a importncia deste papel, entendendo que o ato de consumo temconsequncias sociais e ambientais no mundo em que vivemos, ainda um desa o para agrande maioria das pessoas. A proposta do consumo responsvel vem nos convidar a re etirsobre o alcance do nosso ato de consumo, sobre como este se con gura em um ato de apoio,que pode fortalecer toda uma cadeia diferenciada por trs de um simples produto ou servio.Compreende-se desta maneira o consumo como um ato poltico.

    Quando observamos como outros padres de consumo podem ser aplicados na prtica,

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    33/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 33

    percebemos que a organizao dos consumidores essencial para mobilizar este processo ecriar condies para que a experincia possa ser sustentvel. Neste sentido, existem diver-sas iniciativas de consumo coletivo no Brasil, como por exemplo a Rede Ecolgica no Riode Janeiro/RJ. Tal iniciativa existe h sete anos, e articula diversas famlias consumidorasorganizadas em ncleos em diferentes bairros da cidade na compra de alimentos orgnicosoriundos de associaes de produtores da economia solidria.

    Paralelo a isto, importante que o exerccio do consumo responsvel seja assumidocada vez mais na esfera das compras pblicas e institucionais, pois a existe a possibilidadede ampliar a escala e, assim, ampliar a contribuio de tais prticas no caminho da transfor-mao social.

    1.4.5 O Comrcio Justo e Solidrio no BrasilTodos os pontos aqui colocados, com a inteno de caracterizar as relaes comerciais

    justas e solidrias, foram acompanhados dos desa os que existem para sua prtica, isto querdizer que a proposta do Comrcio Justo e Solidrio uma construo social, que no est pronta ou acabada, mas que depende do fortalecimento e atuao de todos os atores para suaefetivao.

    Neste sentido, desde o ano 2000, o Comrcio Justo e Solidrio comea a ser debatidono Brasil, por diversas entidades de apoio, instituies representativas de produtores, e re- presentantes do governo e, em 2001 surge a plataforma brasileira de comrcio justo, o Facesdo Brasil.

    No mbito das polticas pblicas, est em trmite no governo federal, impulsionada pela SENAES/MTE, a normativa7 que visa instituir o Sistema Nacional de Comrcio Justoe Solidrio (SNCJS), entendido este como um conjunto integrado de conceitos, princpios,critrios, atores e instncias de gesto, organizados em uma estratgia de a rmao e promo-o do Comrcio Justo e Solidrio no pas. um projeto poltico, pois tem como objetivo oreconhecimento pelo Estado Brasileiro do Comrcio Justo e Solidrio como poltica social deenfrentamento das desigualdades sociais e precariedade das relaes de trabalho.

    A aprovao da normativa do SNCJS, que consolidar o compromisso do Estado brasi-leiro na efetivao desta poltica, necessria e urgente, e tambm uma conquista devida

    ao movimento da economia solidria no Brasil e demais atores que esto envolvidos e con-tribuem neste processo. Porm, por si s, a norma no vai garantir vida ao SNCJS, sendoessencial para tanto o engajamento de todos e todas que reconhecem nesta proposta umcaminho para a efetivao de outras relaes comerciais possveis, e fazem da sua prticaeconmica, quer seja na produo, comercializao ou no consumo, a atuao necessria para a mudana que querem ver no mundo.7 Fizeram parte do Grupo de Trabalho Interministerial para construo da normativa pblicado SNCJS: Faces do Brasil Plataforma de Comrcio Justo e Solidrio; Ecojus Associao Bra- sileira de Empreendimentos de Economia Solidria e Ag Familiar CJS; FBES Frum Brasileiro de Economia Solidria; SENAES; SAF; SDT e Sebrae Nacional.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    34/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.34

    1.4.6 A possibilidade de criar novas formas de fazer Nesta perspectiva de transformao, importante sempre nos questionarmos acerca do

    que queremos fazer diferente. Queremos somente nos apropriar das ferramentas utilizadas nocomrcio convencional ou criar novas? Queremos ampliar o conhecimento sobre o Marke-ting, ou questionar a forma como este vem sendo aplicado, manipulando, criando necessida-des e ditando estilos de vida? Queremos construir shoppings-centers da economia solidriaou questionar a necessidade da existncia de templos de consumo, misturando comprascom lazer e terapia?

    Somos capazes de fazer diferente, e temos o desa o de aprofundar nossa capacida-de de organizao em Rede, de nos apropriar do que j est acontecendo nessa direo,no mbito das tecnologias sociais, sistemas de informao8, trocas e logsticas solidrias,entre outros. E especialmente, trazer estes elementos para nossa prtica, na vida pessoal,na atuao como educadores nos processos formativos, ou na produo de bens e servios,assumindo-nos como trabalhadores e trabalhadoras na construo de um mundo mais bonito.

    * Este texto tem como referncia re exes realizadas em conjunto com companheiros do Instituto Kairs (Ana Flvia Borges Badue e Diogo Jamra Tsukumo) e do Faces do Brasil(Fabola Zerbini), assim como, com os companheiros do Grupo temtico de Comercializa-o, do Encontro de Elaborao de referncias para a Formao de Formadores no campoda economia dos setores populares (Corlia Carvalho, Ciro Frossard, Gabriel Kraychete e Robson Patrocnio).

    Referncias bibliogrficasBADUE, Ana Flvia Borges et al. Manual Pedaggico Entender para Intervir Por umaeducao para o consumo responsvel e o comrcio justo. So Paulo, Instituto Kairs; Paris,Artisans du Monde, 2005.FRANA, Cassio Luis de (Org) Comrcio tico e Solidrio no Brasil, So Paulo, FundaoFriedrich Ebert, 2003.FRARE, Ana Paola et al. Princpios bsicos para a comercializao de produtos e servios decooperativas e associaes, Rio de Janeiro: DP&A, FASE, 2001.Faces do Brasil e SENAES/MTE. O Comrcio Justo e Solidrio no Brasil. Disponvel no sitewww.facesdobrasil.org.br

    Frum Brasileiro de Economia Solidria. Rumo IV Plenria Nacional de Economia Solid-ria-Caderno de Aprofundamento aos Debates. Disponvel no site www.fbes.org.brMTE-SENAES. Sistema de Informaes em Economia Solidria-SIES. www.mte.gov.br MONTAGUT, Xavier e VIVAS, Esther (coords.). Supermercados, no gracias grandes cade-nas de distribucin: impactos y alternativas, Icaria, Barcelona, 2007.

    8 Sistema FBES de Economia Solidria: farejadores, entre outros. Disponvel no site www.fbes.org.br

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    35/112

    2.O Estudo da Viabilidade Econmicados Empreendimentos Associativos:Conceitos, Ferramentas e Exerccios I

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    36/112

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    37/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 37

    Ricardo Costa9 , Gabriel Kraychete10 e Francisco Mariano11

    Neste captulo estaremos tratando em espec co sobre o Estudo de Viabilidade Econmi-ca, onde apontaremos aspectos que consideremos relevantes, no s para o desenvolvimentoda prtica, mas tambm para a construo do conhecimento e de instrumentos que poderonos auxiliar na nossa atuao cotidiana, estando ela, diretamente relacionada aos empreendi-mento associativos/grupos, ou para os pro ssionais e tcnicos que atuam diretamente nestarea com vistas a promover o desenvolvimento destes setores econmicos populares.

    Desta forma, entendemos que o Estudo de Viabilidade Econmica uma avaliao dascondies que precisam ser cumpridas para que um empreendimento econmico atinja osresultados que dele se esperam.

    O Estudo de Viabilidade dos projetos realizados de forma associativa engloba dois as- pectos: a anlise econmica do empreendimento que o grupo pretende realizar; e a anlisedas questes associativas, ou seja, a de nio das relaes que as pessoas envolvidas no projeto vo estabelecer entre si, tarefas, compromissos e responsabilidades a serem conjunta-mente assumidas. De tal sorte que poderamos falar de viabilidade scio econmica.

    9 Ricardo Costa - Engenheiro e secretrio-executivo da CAPINA.

    10 Gabriel Kraychete Economista e professor titular da Universidade Catlica do Salvador.Coordenador do Programa Economia dos Setores Populares e pesquisador do Ncleo de Estudos doTrabalho UCSal. Colaborador da CAPINA.

    11 Para a elaborao deste texto e de outros materiais contamos com a participao de Fran-cisco Mariano que Economista formado pela Universidade Catlica de Salvador.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    38/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.38

    O estudo de viabilidade, tal como propomos, tem trs objetivos bsicos:Identi car e fortalecer as condies necessrias para que um projeto tenha xito;Identi car e tentar neutralizar os fatores internos que podem di cultar o xito do projeto;Permitir que todos os participantes conheam bem o projeto, comprometendo-secom suas exigncias e implicaes.

    No que consiste o estudo de viabilidade de projetos associativos:O estudo de viabilidade dos projetos realizados de forma associativa engloba dois

    aspectos:

    A anlise econmica do empreendimento que o grupo pretende realizar;As questes sobre a gesto e as relaes associativas, (combinar as relaes que as pessoas envolvidas no projeto vo estabelecer entre si, as tarefas, compromissos eresponsabilidades a serem conjuntamente assumidos).

    A anlise econmica:Para fazermos um estudo de viabilidade precisamos:

    Conhecer muito bem a atividade que queremos implantar;Pensar previamente sobre os vrios aspectos que envolvem o nosso empreendimento.

    Com isso:

    Aumentamos a possibilidade de xito do nosso projeto;Evitamos uma grande quantidade de problemas que poderiam surgir no futuro.

    A anlise de viabilidade econmica se divide em duas partes:Primeira Parte: As perguntas necessrias

    Sistematizar e aperfeioar o nosso conhecimento sobre o projeto que pretendemosimplementar;Identi car os nmeros que iremos utilizar, na segunda parte, para as contas queteremos que fazer.

    Procedimentos: Formulamos, a ns mesmos, uma srie de perguntas sobre o empreen-dimento que queremos realizar.

    2.1 Uma proposta de como fazer o Estudo deViabilidade Econmica

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    39/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 39

    Segunda Parte: Contas e Conceitos Bsicos(Resultado, Margem de Contribuio e Ponto de Equilbrio).

    Ordenar e interpretar os nmeros que encontramos na primeira parte;

    Fazer as contas necessrias, utilizando as respostas de algumas das perguntas queformulamos anteriormente.

    Analisaremos, agora, apenas as perguntas necessrias. Em seguida veremos as contas eos conceitos bsicos

    2.1.1 Primeira Parte: As perguntas necessrias

    Cada grupo deve formular as perguntas mais adequadas ao seu tipo de projeto;O que precisamos saber escolher bem as perguntas;

    Sugesto: classi car as perguntas considerando os vrios aspectos do projeto.

    da maior importncia que todas as pessoas diretamente envolvidas no projeto participem de todo o processo: formulando as perguntas e buscandoas respostas.

    O roteiro que segue apenas uma sugesto. Cada grupo deve formular as perguntas mais adequadas ao tipo de atividade que realiza.

    Perguntas preliminares:O que vamos produzir?Que quantidade pretendemos produzir?

    Perguntas sobre os investimentosListar tudo o que preciso comprar e gastar para instalar o projeto (mquinas, equipa-

    mentos, construo, mveis, etc.)

    Mquinas e equipamentos:Para conseguir a produo planejada, quais so as mquinas e equipamentos que- precisamos comprar?Qual o preo dessas mquinas e equipamentos?

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    40/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.40

    Construes:Vai ser preciso construir algum galpo, sala, etc?Quanto vai custar?

    Sero necessrio mveis e material de escritrio (mesas, cadeiras, armrios, bancos, calculadoras, etc.).

    Neste momento, cabe uma primeira re exo do grupo. Se projetarmos o nossoempreendimento grande demais, ele certamente vai exigir um gasto maior,e as mquinas e equipamentos podem car subutilizados. Mquina paradacusta dinheiro e vai se estragando. comum os grupos comprarem mquinas com capacidade muito maior que a produo planejada. Isto um erro perigoso, porque quanto maior a mquina,

    maior ser o custo para faz-la funcionar.

    Perguntas sobre o processo de produoMatria-prima

    Para realizar a produo quais as matrias-primas que teremos que comprar?Em que quantidade?Quanto custam ?Qual a quantidade de matria-prima para produzir uma unidade do produto?

    EnergiaQue tipo de energia vai ser utilizada (eltrica, leo, lenha)?A energia a ser utilizada j est disponvel ou teremos que obt-la?Quanto custa para conseguir?

    Quantidade de pessoas para trabalharQuantas pessoas so necessrias para atingir a produo programada?A atividade vai empregar mo-de-obra remunerada?Como ser a forma de pagamento dessas pessoas? (salrio xo, por hora de trabalho,etc).Quanto vai ser pago a cada pessoa?

    Perguntas sobre a comercializaoPara quem vamos vender

    Para o consumidor nal?

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    41/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 41

    Comerciantes?Outras associaes ou cooperativas?

    Onde vamos vender o produto ?na prpria comunidade ?na cidade mais prxima ?em outras cidades ?em mais de um desses lugares ?

    Como vamos vender?cada um vende um pouco?uma s pessoa car encarregada pelas vendas?o trabalho de quem zer as vendas ser remunerado? como? (salrio xo, comisso, parte xa mais comisso).

    Sobre preo de vendaQuais so os preos atuais de um produto semelhante ao nosso nas praas em que pretendemos vend-lo?Qual ser o nosso preo de venda? (com base nos preos praticados no mercado).

    Sobre a embalagem:A venda ser feita a granel ou em embalagens menores?

    Qual o preo da embalagem?Sobre os custos do transporte

    Qual o preo do frete para cada uma das localidades pesquisadas?

    Perguntas sobre questes financeirasVamos ter que fazer algum emprstimo? caso a rmativo, qual ser o valor?Qual o valor dos juros? Qual o prazo de pagamento?

    Perguntas sobre impostos e legislaoTeremos que pagar algum imposto? Quais?

    Perguntas sobre a gesto e as relaes associativasIdenti car compromissos e responsabilidades que precisam ser assumidos por cadaum dos envolvidos;Combinar as regras do jogo a serem assumidas por todos.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    42/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.42

    Algumas perguntas que o grupo deve formular a si mesmo antes de iniciaro projeto:

    Perguntas sobre os objetivos do grupoQuais os objetivos do grupo?Quais so os seus princpios bsicos (valores, misso)?

    Perguntas para conhecer a organizao da atividadeQuem vai participar do projeto? Participam scios e no scios? Em que condi-es?Quantas pessoas do grupo tm experincia sobre a atividade a ser desenvolvida?Quais as implicaes, compromissos e responsabilidades do empreendimento paracada um dos envolvidos?O que preciso fazer e quem vai fazer o qu ? Como ser a diviso de tarefas? No caso de bene ciamento de produtos agrcolas, a matria-prima vai ser fornecida pelos prprios scios? Como ser o pagamento: somente aps o bene ciamento e avenda do produto nal, ou antecipadamente?Que anotaes e registros fsicos (controle de estoque) e nanceiros (compras, pro-duo, vendas) so necessrios?

    Como sero feitas estas anotaes? Quem vai ser o responsvel pelas anotaes? Como ser realizada a prestao de contas aos associados?

    Perguntas sobre o processo de deciso e distribuio dos resultadosComo sero tomadas as decises?Como vai ser dividida a renda gerada ?Ser totalmente distribuda entre os scios? Parte ser destinada a formao dealgum fundo? Com que objetivo?

    Perguntas sobre o processo de avaliaoComo avaliar o andamento do empreendimento?

    Perguntas sobre a assessoriaSer necessria alguma assessoria? Quem pode ajudar?Qual a expectativa do grupo em relao aos assessores?Qual o papel que o assessor deve desempenhar?

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    43/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 43

    muito importante que tudo que combinado e bem claro para todos osmembros do grupo desde o incio.Aparentemente, estas questes tm pouco a ver com a viabilidade econmicaem si. Mas tm muito a ver com a viabilidade do grupo se manter unido por longo tempo. E esta unio essencial para a viabilidade econmica do projeto.

    Concluses:O estudo de viabilidade econmica envolve dois aspectos:

    A) Os aspectos estritamente econmicosPrimeiro Momento

    Saber escolher bem as perguntas sobre o projeto que pretendemos realizar;Buscar as respostas para estas perguntas.

    Ateno No temos obrigao de saber tudo. Quando tivermos dvidas, devemos procurar quem nos possa ajudar. Nesta fase muito importante visitar e conhecer a experincia de outrosgrupos que j estejam trabalhando com um empreendimento semelhante aoque pretendemos iniciar.

    Segundo momentoFazer os clculos necessrios para a anlise de viabilidade econmica do projeto,com base nas respostas s perguntas formuladas no primeiro momento.

    B) A gesto e relaes associativas: Combinar as regras de convivncia aserem assumidas por todos.

    Para que o projeto tenha sucesso essencial a participao consciente detodos os envolvidos.Todos precisam ter todas as informaes necessrias para que possam deci-dir, com conhecimento de causa, sobre as vrias atividades previstas.Este o maior desa o para o sucesso do projeto.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    44/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.44

    O estudo de viabilidade se constitui num til exerccio de busca de alternativas e so-lues, permitindo, por isso mesmo, enfrentar, com maior chance de xito, uma srie de problemas previsveis.

    2.1.2 Segunda Parte: contas e conceitos bsicos(resultado, margem de contribuio e ponto de equilbrio)Clculos para as atividades que trabalham com um s produto

    PressupostosA estrutura do processo de clculo do estudo de viabilidade econmica a mesma, tanto

    para as atividades que:

    Envolvem um produto, como para as que envolvem mais de um;

    Sejam elas simples como uma carrocinha de pipoca ou complexas como uma re-naria de petrleo.

    O que dita a complexidade do estudo de viabilidade a complexidade da atividade. Oestudo simples. Portanto, para fazer o estudo de viabilidade, preciso conhecer a atividade.

    O estudo uma sistematizao deste conhecimento feita com olho econmico.

    preciso tambm conhecer um pouquinho de matemtica .... mas no muito!!!Vamos, ento, tentar entender o estudo de viabilidade econmica, considerando ativida-

    des bem simples, assim entendidas como aquelas que:

    Trabalham um s produto;

    Vendem, imediatamente e vista, tudo o que produzem;

    Tm um processo de produo cujo ciclo no seja demorado;Trabalham regularmente, durante todo o ano, mesmo que a quantidade produzidavarie de ms para ms.

    O que o resultado de uma atividade econmicaSe o estudo de viabilidade pretende explicitar as condies necessrias para que uma

    atividade econmica d bons resultados, o primeiro passo ser entender o que o resultadode uma atividade econmica.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    45/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 45

    RESULTADO DA ATIVIDADE = RECEITA TOTAL - CUSTO TOTAL

    Resultado por unidadex

    Quantidade.

    Preo por unidadex

    Quantidade

    Custo por unidadex

    Quantidade= -

    Como quantidade fabricada = quantidade vendida, podemos dizer que:

    Resultado/unid. = Preo/unid. Custo/unid

    Nmeros chaves: aqueles com os quais teremos que lidarQuantidadePreoCustos

    Entendendo os custos a partir do preo de venda:a in uncia da quantidade

    Se a frmula nos diz que:Resultado /unid = preo/unid - custo/unid

    Obviamente, para que o resultado no seja negativo, o preo de venda deve cobrir todosos custos.Logo, o prximo passo conhecer a composio destes custos.

    Como recurso que nos ajude a compreender os diversos tipos de custos, vamoscriar um exemplo numrico. O uso concreto dos nmeros ajuda a acompanhara linha do raciocnio.Assim, digamos que um grupo de mulheres resolveu se reunir para produzire vender bermudas. Digamos tambm que elas xaram o preo de venda emR$10,00/bermuda.

    Bermudas: Preo de venda = R$10,00/unid

    NOTA:H diversas formas de classi car custos. O que nos levou a escolher a que se se-gue a preocupao em descomplicar as contas. Neste sentido, vamos dividir as diversas parcelas que compem os custos de acordo com suas unidades de medida.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    46/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.46

    Vamos ento s parcelas dos custos. So trs;1 Parcela dos custos: aquela ligada ao produto. Tem o nome de Custos Variveis a soma de tudo o que se consome para fazer uma unidade do produto. Por exemplo:

    Matria-prima, embalagem, tinta, rtulos, combustvel, etc.

    Fazendo uma imagem, podemos dizer que a parte dos custos que vai junto com o produto.

    Caractersticas:Os custos variveis s ocorrem quando h produo. Quando a produo for zero, os

    custos variveis so tambm zero. Quanto maior a produo, maiores os custos variveis.Da vem o nome: seu valor varia na mesma proporo da variao da quantidade fabricada.Portanto, para calcular os custos variveis, temos que conhecer muito o modo como se fazo produto.

    Unidade de medida dos custos variveis : R$/unid

    Voltando ao nosso exemplo numrico. Digamos que, feitas as contas, concluiu-se que os custos variveis atingiam R$6,00 por unidade.

    Custos Variveis = R$6,00/unid.

    Portanto, do nosso preo de venda restam: R$ 10,00 - R$ 6,00 = R$ 4,00

    2 Parcela dos custos: aquela ligada ao preo. So os Custos proporcionais ao preo a parte do preo que ns recebemos com a venda, mas no nossa. Por exemplo:

    As comisses de venda (% sobre o preo);E a maioria dos impostos (alquotas =% sobre os preos).

    Caractersticas:

    S ocorrem quando se processa uma venda. O prprio preo s cumpre o seu papelquando ocorre a venda. Portanto, para calcular os custos proporcionais ao preo, os inte-grantes do grupo em questo j devem ter combinado o modo sobre como se far a venda econhecer os impostos devidos.

    Unidade de medida dos custos proporcionais ao preo: % sobre o preo.

    Retomando nosso exemplo, digamos que entre comisses e impostos, oscustos proporcionais ao preo atingem a 10% sobre o preo de venda.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    47/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 47

    Custos proporcionais ao preo = 10% x R$10,00 = R$1,00

    Portanto, do preo de venda s nos restam agora: R$ 4,00 - R$ 1,00 = R$ 3,00

    3 Parcela: aquela ligada existncia da atividade. Tem o nome de Custos FixosJ consideramos os custos ligados ao produto e os custos ligados venda. S nos falta

    tratar dos gastos que se precisa fazer para que a atividade exista.Exemplos de custos xos;

    Aluguel, salrios, manuteno, depreciao 12, etc

    Caractersticas dos Custos Fixos:

    Ocorrem, independentemente de haver venda ou mesmo produo eO seu valor permanece mais ou menos constante, ms a ms.

    Unidade de medida dos custos xos : R$/ms(R$/ms a mais comum. Se o estudo se referir a outra unidade de tempo - semana, ou

    ano, ou binio, etc. - esta ser a unidade de medida de tempo no clculo do custo xo).

    Retomando nosso exemplo numrico, digamos que, feitas as contas, chegou-se concluso que os custos xos do empreendimento atingem R$ 300,00 por ms.Mas o dado que temos em mos que, do preo de venda, s nos restamR$3,00/unid.

    Primeira concluso:

    Diferente dos custos variveis e dos proporcionais ao preo, de que tratamosanteriormente, o preo de uma unidade do produto no su ciente para cobriro total dos custos xos.

    O preo, ou seja, o que se obtm pela venda de uma unidade do produto, contribui paracobrir somente um pedao dos custos xos. Ora, se cada unidade vendida contribui parapagar uma parte dos custos xos, a cobertura total dos custos xos ca na dependnciade se conseguir vender outras unidades. a soma das contribuies obtidas pela vendadessas outras unidades que vai totalizar o montante necessrio para cobrir os custos xos doempreendimento.

    12 Ver na pgina 51 o que Depreciao e como se faz o seu clculo.

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    48/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes.48

    Segunda concluso

    A cobertura dos custos totais de uma atividade econmica no depende s do

    preo e, nem mesmo, s dos custos em si, depende tambm da quantidade deunidades vendidas.

    Usando os nmeros do exemplo das bermudas podemos ensaiar os trs cenrios possveis:

    A quantidade de unidades vendidas insu ciente. Neste caso, os custos xos noso su cientemente cobertos e o resultado um prejuzo. Ex.: 80 unid, vendidas XR$3,00 = R$ 240,00g prejuzo de R$ 60,00;

    A quantidade de unidades vendidas superior ao necessrio para a cobertura dos custos xos. Neste caso, os custos xos so cobertos com sobra:. Ex: 110 unid.vendidas X R$ 3,00 = R$ 330,00g lucro de R$ 30,00;A quantidade de unidades vendidas exatamente igual necessria para a coberturados custos xos.

    Ex.: 100 unid. vendidas X R$ 3,00 = R$ 300,00. Esta a quantidade de vendas na quala atividade no apresenta lucro nem prejuzo. Esta quantidade de venda o chamado Pontode Equilbrio da iniciativa das nossas amigas costureiras.

    2.1.3 Ponto de equilbrioDito de outra maneira, o ponto de equilbrio a quantidade mnima que precisa ser pro-

    duzida e vendida para que o empreendimento consiga pagar todos os seus custos.

    Resumindo:R$

    Do preo de venda 10,00

    Tiramos o custo varivel 6,00

    Sobraram 4,00

    Tiramos o custo proporcional ao preo 1,00

    Sobrou a margem de 3,00

  • 8/10/2019 Economiapopular - viabilidade.pdf

    49/112

    ECONOMIA DOS SETORES POPULARES: pensamentos, ferramentas e questes. 49

    Fazendo as mesmas contas em outra ordem, obtemos o preo de venda lquido e amargem de contribuio.

    R$Do preo de venda 10,00

    Tiramos o custo proporcional ao preo 1,00

    Obtemos o preo de venda lquido 9,00

    Do preo de venda lquido tiramos os custos variveis 6,00

    Obtemos a margem de contribuio 3,00

    Clculo do ponto de equilbrio: Se o ponto de equilbrio a quantidade de vendas para aqual a soma das margens de contribuio iguala o valor dos custos xos, para calcularmos oseu valor basta dividir os custos xos pela margem de contribuio de cada unidade.

    Ponto de equilbrio (unid./ms) = Custo fixo mensal (R$/ms)

    Margem de contribuio (R$/unid)

    Unidade de medida do ponto de equilbrio: unid./ms

    Voltando ao nosso exemplo numrico:Se os custos xos atingem a R$ 300,00 por ms e se cada unidade contribui com a Mar -

    gem de Contribuio de R$ 3,00 para pagar estes custos, teremos que vender 100 unidades para conseguir zerar os custos.

    A Margem de Contribuio

    A Margem de Contribuio um importante indicador do potencial de rentabilidade decada prod