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DRAMATURGIA EM MOVIMENTO motion design e o teatro rodriguiano Luiza Saad

DRAMATURGIA EM MOVIMENTO...David Fincher), que contou com uma equipe de efeitos especiais para ser feita FIGURA 24 - Title sequence do filme Lord of War (2005, dir. de An-drew Niccol),

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DRAMATURGIA EM MOVIMENTOmotion design e o teatro rodriguiano

Luiza Saad

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

LUIZA SAAD DE MOURA

DRAMATURGIA EM MOVIMENTO: MOTION DESIGN E O TEATRO RODRIGUIANO

Natal/RN, 2018

Centro de Ciências Humanas, Letras e ArtesDepartamento de ArtesCurso Superior de Bacharelado em Design

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LUIZA SAAD DE MOURA

DRAMATURGIA EM MOVIMENTO: MOTION DESIGN E O TEATRO RODRIGUIANO

Projeto referente ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC 2), apresentado como requerimento final para obtenção do título de bacharel em Design pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Orientadora: Dra. Helena Rugai Bastos

Natal/RN, 2018

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Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, que são minha inspiração e porto seguro. Obrigada pelo apoio e com-preensão, durante este projeto e em todos os momentos da minha vida. Agradeço à minha irmã Manoela por seu compa-nheirismo, suporte e por ser minha melhor amiga sempre, não importando o que aconteça. Sem seu apoio, amor, paciência e confiança, eu não estaria aqui.

Um agradecimento especial à profa. Dra. Helena Rugai, que me ensinou desde meu primeiro semestre na universidade e aceitou ser a orientadora deste projeto. Obrigada por sair da sua zona de conforto e me acompanhar nesta jornada, que também me tirou da minha zona de conforto. Só você para ter paciência para ler e corrigir meus textos longos e excessivamente explicadinhos.

Agradeço, também, às professoras Dra. Elizabeth Romani e Luiza Falcão, por aceitarem compor a banca deste trabalho e me ajudarem a tornar este projeto melhor e mais completo. Vocês são grandes professoras e meu aprendizado de design não seria o mesmo sem suas orientações.

Aproveito para estender meus agradecimentos à profa. Lorena Torres, que, infelizmente, não fez parte da banca deste projeto, mas foi de suma importância na minha formação como desig-ner e ser humano. Obrigada por me mostrar todas as coisas maravilhosas que o design proporciona.

AGRADECIMENTOS

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Gostaria de agradecer a Rafael Veggi, pela paciência em me en-sinar a mexer em diversos aplicativos e pelo entusiasmo em me ajudar na criação das animações. E a Daniel Cavalcanti, por me ajudar tão prontamente com a edição de som. Sem vocês, este projeto não teria chegado ao nível de qualidade que chegou.

Obrigada às duas outras partes do Ministério do Amor, Bia e Andri. Entre brigas e risadas, vocês tornaram minha experiência na universidade única, e sei que vamos brigar e rir juntas por muito tempo ainda. Agradeço aos meus amigos do curso e aos amigos de CADe, vocês aliviaram a nostalgia chata que vem acompanhada do fim da graduação.

Meu agradecimento, também, aos amigos de fora do curso, em especial aos meus amigos do IFRN. Tenho muito orgulho de tudo que alcançamos desde nossos quatorze anos, e sei que não seria quem sou hoje se não os tivesse conhecido. Espero ansiosamen-te nosso encontro de 15 anos de amizade, que provavelmente será a próxima que vamos conseguir nos reunir todos.

Enfim, agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente, me ajudaram neste TCC, seja me aconselhando, seja me chamando pra beber uma cerveja e me fazendo esquecer dele por algumas horas.

Por fim, agradeço àqueles trabalhadores que, no auge da Revo-lução Industrial, assumiram papéis diferenciados nas fábricas. Mal sabiam que, por causa deles, uma menina, séculos mais tarde, entraria em um curso de design e descobriria que ali era seu lugar; que, talvez, ela não era tão louca como pensava. Ou talvez fosse, mas pelo menos não era a única.

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RESUMOEste trabalho visa o desenvolvimento até a fase do animatics de duas vinhetas baseadas em peças do dramaturgo Nelson Rodrigues, Boca de Ouro (1959) e Senhora dos afogados (1947), e posteriormente a finalização de uma dessas vinhetas. Vê-se este projeto como uma exaltação às title sequences e ao motion design, áreas muitas vezes esquecidas no design e audiovisual. Ademais, a vinheta resultante deste trabalho pode ser veicula-da em diferentes meios, divulgando a obra de um dos maiores dramaturgos brasileiros e incentivar o consumo do seu trabalho. A metodologia adotada foi uma adaptação do método proposto por Munari (1981) e tem como base a fundamentação teórica de Bonsiepe (2012; 1978). O método desenvolvido para a produção das vinhetas também adota ferramentas propostas por Lupton (2014; 2013), além de técnicas de animação. A primeira fase metodológica analisou aspectos envolvidos no problema. Na segunda fase, houve a etapa criativa, na qual foram exploradas diversas possibilidades de representar as peças em meio gráfico. Na terceira fase foram empregadas as técnicas de animação para criar os storyboards e os animatics. Propôs-se evoluir as duas ani-mações até essa versão inicial da animação para, então, definir uma vinheta a ser concluída. Na quarta e última fase, a vinheta escolhida, referente à peça Senhora dos afogados, foi finalizada.

PALAVRAS-CHAVE

Motion design, title sequence, vinheta, Nelson Rodrigues, Boca de Ouro, Senhora dos afogados

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ABSTRACTThis monography aims to develop up to the animatics phase two vignettes based on plays by the dramaturgist Nelson Rodrigues, Boca de Ouro (1959) and Senhora dos afogados (1947), and after that, to finalize one of those vignettes. This project is an exaltation to title sequences and motion design, subjects often forgotten in design and audiovisual. Besides, the resulting vignette can be carried in different means, publicizing the production of one of the greatest brazilian authors and encouraging the assimilation of his work. The adopted methodology is an adaptation of the method created by Munari (1981) and has its base upon the theoretical fundamentation of Bonsiepe (2012; 1978). The method used for the production of the vignettes also adopts tools proposed by Lupton (2014; 2013), as well as animation techniques. The first me-thodological phase analysed the aspects involved in the problem. In the second phase began the creative part, in which lots of possi-bilities of representing the plays in a graphical way were explored. In the third phase were employed the animation techniques to create the storyboards and the animatics. The idea was to develop both animations until this animatics phase – a sketch version of the animation – so that, it could be decided which vignette would be finalized. In the fourth and last phase, the chosen vignette, about Senhora dos afogados, was finalized.

KEYWORDS

Motion design, title sequence, vignette, Nelson Rodrigues, Boca de Ouro, Senhora dos afogados

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SUMÁRIOINTRODUÇÃO 21

1 AUDIOVISUAL E RAMIFICAÇÕES 25

1.1 O SURGIMENTO DO AUDIOVISUAL 25

1.2 A ÉPOCA DE OURO DA ANIMAÇÃO 30

1.3 TITLE SEQUENCES 31

2 NELSON E SUAS OBRAS 39

2.1 A VIDA DE NELSON RODRIGUES 39

2.2 BOCA DE OURO 45

2.2.1 Elementos relevantes em Boca de Ouro 49

2.3 SENHORA DOS AFOGADOS 55

2.3.1 Elementos relevantes em Senhora dos Afogados 60

3 DESENVOLVIMENTO DE PROJETO 71

3.1 METODOLOGIA 71

3.2 PROBLEMATIZAÇÃO 75

3.2.1 Mapas mentais e de conceito 75

3.2.2 Painéis semânticos 80

3.2.3 Pesquisa visual e style frames 82

3.3 DESENVOLVIMENTO 93

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3.4 PRODUÇÃO 97

3.4.1 Storyboards 97

3.4.2 Animatics 101

3.4.3 Escolha 104

3.5 IMPLEMENTAÇÃO 105

3.5.1 O produto final 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 113

APÊNDICE A - Painel semântico da peça Boca de Ouro 119

APÊNDICE B - Painel semântico sobre a personagem Boca de Ouro 120

APÊNDICE C - Painel semântico da peça Senhora dos afoga-dos 121

APÊNDICE D - Painel semântico sobre a personagem Moema 122

APÊNDICE E - Painel semântico sobre a personagem D. Eduarda 123

APÊNDICE F - Painel semântico sobre a personagem Misael 124

APÊNDICE G - Storyboard da vinheta de Boca de Ouro 125

APÊNDICE H - Storyboard da vinheta de Senhora dos afogados 129

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LISTA DE FIGURASFIGURA 01 - Ilustração representando o funcionamento do fenacistoscópio

FIGURA 02 - Zootrópio

FIGURA 03 - “Man/horse (vehicle)”, um dos estudos de Eadwe-ard Muybridge sobre o movimento animal

FIGURA 04 - Estudo de Etienne-Jules Marey sobre o movimento humano

FIGURA 05 - Cinematógrafo

FIGURA 06 - Partícula retirada do filme Le Royaume de Fées (O Reino das Fadas), de Méliès do ano de 1903

FIGURA 07 - Extrato do filme Fantasmagorie, de Émile Cohl, 1908

FIGURA 08 - Mickey Mouse em Steamboat Willie, 1928

FIGURA 09 - Abertura do filme Intolerance, de D.W. Griffith (1916)

FIGURA 10 - Abertura do filme Modern Times, de Charles Chaplin (1936)

FIGURA 11 - Title sequence de The Man with the Golden Arm (1955, dir. de Otto Preminger), por Saul Bass

FIGURA 12 - Um dos cartazes de Saul Bass para divulgação de The Man with the Golden Arm (1955, dir. de Otto Preminger)

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FIGURA 13 - Title sequence de It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World (1963, dir. de Stanley Kramer), por Saul Bass

FIGURA 14 - Title sequence de Anatomy of a Murder (1959, dir. de Otto Preminger), por Saul Bass

FIGURA 15 - Cartaz de Saul Bass para divulgação de Anatomy of a Murder (1959, dir. de Otto Preminger)

FIGURA 16 - Title sequence de Ocean’s Eleven (1960, dir. de Lewis Milestone), por Saul Bass

FIGURA 17 - Storyboard feito por Saul Bass para a abertura do filme Walk on the Wild Side (1962, dir. de Edward Dmytryk)

FIGURA 18 - Title sequence de Walk on the Wild Side (1962, dir. de Edward Dmytryk), por Saul Bass

FIGURA 19 - Title Sequence de Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (1964, dir. de Stanley Kubrick), por Pablo Ferro

FIGURA 20 - Title Sequence de The Man with the Golden Gun (1974, dir. de Guy Hamilton), por Maurice Binder

FIGURA 21 - Vinhetas do canal MTV

FIGURA 22 - Title sequence feito por Kyle Cooper para Se7en (1995, dir. de David Fincher)

FIGURA 23 - Title sequence do filme Fight Club (1999, dir. de David Fincher), que contou com uma equipe de efeitos especiais para ser feita

FIGURA 24 - Title sequence do filme Lord of War (2005, dir. de An-drew Niccol), que combinou live action com computação gráfica

FIGURA 25 - Partículas retiradas da abertura da novela Vereda Tropical (1984, dir. de Jorge Fernando e Guel Arraes), feita intei-ramente com ilustrações

FIGURA 26 - Partícula da abertura da novela Cordel Encantado (2011, dir. de Amora Mautner e Ricardo Waddington), que traz o característico estilo nordestino do cordel

FIGURA 27 - Partícula da abertura da novela Velho Chico (2016, dir. de Carlos Araújo, Gustavo Fernandez, Antônio Karnewale e Philipe Barcinski), que empregou o stop motion e a pintura e entalhe em madeira

FIGURA 28 - Partícula retirada da abertura da novela Deus Salve o Rei (2018, dir. de Fabrício Mamberti), que utilizou manipulação gráfica e modelagem 3D

FIGURA 29 - Nelson Rodrigues, como Tio Raul, ao lado de Léa Garcia na peça Perdoa-me por me traíres, em 1957

FIGURA 30 - Mapa de conceito

FIGURA 31 - Mapa mental de Boca de Ouro

FIGURA 32 - Mapa mental de Senhora dos afogados

FIGURA 33 - Style frame sobre a linguagem em Boca de Ouro

FIGURA 34 - Style frame sobre as referências de Boca de Ouro

FIGURA 35 - Style frame sobre os conceitos em Boca de Ouro

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FIGURA 36 - Style frame sobre a tipografia em Boca de Ouro

FIGURA 37 - Style frame sobre a linguagem em Senhora dos afogados

FIGURA 38 - Style frame sobre as referências de Senhora dos afogados

FIGURA 39 - Style frame sobre os conceitos em Senhora dos afogados

FIGURA 40 - Style frame sobre a tipografia em Senhora dos afogados

FIGURA 41 - Geração de alternativas de Boca de Ouro

FIGURA 42 - Geração de alternativas de Senhora dos afogados

FIGURA 43 - Fragmentos do animatics de Boca de Ouro

FIGURA 44 - Fragmentos do animatics de Senhora dos afogados

FIGURA 45 - Código QR do animatics de Boca de Ouro

FIGURA 46 - Código QR do animatics de Senhora dos afogados

FIGURA 47 - Evolução do cenário da escadaria

FIGURA 48 - Fragmentos da vinheta de Senhora dos afogados

FIGURA 49 - Código QR da vinheta de Senhora dos afogados

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LISTA DE ILUSTRAÇÕESILUSTRAÇÃO 01 - Diagrama representativo da metodologia

ILUSTRAÇÃO 02 - Disposição de elementos no storyboard

ILUSTRAÇÃO 03 - Extrato do storyboard referente à vinheta de Boca de Ouro

ILUSTRAÇÃO 04 - Extrato do storyboard referente à vinheta de Senhora dos afogados

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LISTA DE QUADROSQUADRO 01 - Extrato do painel semântico do Boca de Ouro

QUADRO 02 - Extrato do painel semântico de Senhora dos afogados

QUADRO 03 - Símbolos utilizados em storyboards e seus significados

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INTRODUÇÃODesde o século passado, a área do audiovisual é vista como um meio inovador, que influenciou grandes mudanças na socie-dade e incentivou a criação de tecnologias e métodos inéditos. Este meio, atualmente, é um grande veiculador comercial, cultural e social. Seu início se deu no final do século XIX, com o surgimento do cinema. Durante o século XX, teve um grande crescimento, em razão do surgimento de novas tecnologias, como a televisão e a Internet. Atualmente, o audiovisual é uma área bastante intrincada, multiforme e explorada em suas ramificações, uma delas o motion design. O motion design é visto como uma ferramenta poderosa para ser aplicada em diversos campos, dentre eles as title sequences, que consistem em vinhetas que antecedem obras audiovisuais, para informar ao espectador as pessoas envolvidas no projeto e inseri-los na atmosfera da trama.

Tendo em vista as diversas aplicações das title sequences, das vinhetas e, consequentemente, do motion design, e como seu uso pode enaltecer uma história, e até propor um olhar dife-renciado sobre o enredo, este projeto visa a criação de uma vinheta baseada em uma peça de Nelson Rodrigues. Inicial-mente, foram escolhidas duas peças, inspiradas em duas obras distintas do dramaturgo, para serem trabalhadas. Propõe-se evoluir as duas animações até a fase do animatics – uma versão inicial da animação – para, então, definir uma vinheta a ser con-cluída. Tem-se, então, o desenvolvimento do roteiro, storybo-ards e animatics das duas vinhetas – suas linguagens, histórias,

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elementos gráficos e sonoros –, porém a finalização de apenas uma, trabalhada isoladamente na fase final deste projeto.

A escolha por uma peça como base para a vinheta se deu pela trama mais condensada, que permite uma análise e compreensão mais rápidas dos elementos que compõem a história, além de trazer menos detalhes que um romance, por exemplo.

Já a decisão por utilizar as obras rodriguianas se deu pela riqueza de detalhes e de aspectos determinantes de cada peça: elemen-tos clássicos e contemporâneos, que são combinados com maes-tria para criar personagens icônicas e ambientes característicos, compondo a atmosfera única de cada uma de suas histórias.

As peças escolhidas se diferem bastante em seus conteúdos, e foram produzidas em períodos distintos da vida do autor. Senho-ra dos afogados (1947) pertence às obras de Nelson que mais se assemelham às tragédias clássicas gregas, já Boca de Ouro (1959), embora considerada pelo autor uma tragédia carioca, asseme-lha-se muito ao que se considera uma farsa, trazendo elementos tragicômicos e personagens excêntricas que colorem a trama. Desta maneira, com obras tão distintas, será possível criar vinhe-tas com conceitos e estilos bastante diversificados, que exploram diferentes técnicas, cores e traços.

Ademais, Nelson faz uso de elementos estilísticos e cênicos em suas obras, que corroboram a linguagem e o gênero e, sem dúvi-da, ajudam a construir a estética da peça. Isto facilita, pois estes elementos traduzem bem o contexto psicológico das peças, não sendo necessário conceber nenhum elemento do zero.

Nestas vinhetas, será privilegiada uma das funções das title sequences em específico: a “introdução” dos espectadores à atmosfera da trama. Como as vinhetas não serão feitas para uma representação específica da peça, e sim para as histórias em si, uma de suas funções primárias – informar sobre elenco e equipe da obra – não será explorada. Ao invés disso, serão informados alguns dados da obra, como nome da obra, nome do autor, e a autoria da vinheta. Considerando que elementos como tipografia e sonoplastia também serão pensados, caso as vinhetas viessem a ser utilizadas para alguma apresentação, seria apenas necessá-rio acrescentar as informações que estão faltando.

Para a elaboração desta monografia, foram consultados livros, dissertações e artigos, buscando compreender o conceito de title sequence e vinhetas, como elas se relacionam com o motion de-sign, e como se encaixam no panorama do audiovisual, em espe-cial do cinema e da animação. Também foi de suma importância ler sobre a vida de Nelson Rodrigues para, então, compreender porque suas peças são construídas da maneira que são. Além disso, houve uma extensa análise das obras selecionadas, para compreender como elas se assemelham e diferenciam entre si, e o que cada uma delas significava para o dramaturgo e poderia significar para a crítica e a sociedade em geral.

O produto final deste projeto será uma aplicação não usual do motion design, o que, por si só, já põe em evidência esta área que, por vezes, não é reconhecida, além de demonstrar sua plura-lidade, geralmente pouco explorada. A vinheta criada poderá ser veiculada em mídias sociais, por exemplo, e alcançar um

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público que, de outra maneira, não receberia estas informações sobre Nelson e suas peças. Isto ajudará a divulgar o trabalho de um dos maiores dramaturgos do nosso país, incentivando não só a leitura de seus trabalhos, como também a visualização de representações de suas peças, o que impulsiona o meio teatral nacional. Em razão desta combinação inusitada de áreas distintas – o audiovisual, o design e o teatro –, e seu potencial de divul-gação, que traz consigo o reconhecimento e valorização destes domínios, que se vê a importância desta monografia.

A identificação pessoal com este projeto se dá pelo interesse na área do cinema e da animação e, consequentemente, o motion design. Encanta-me como a combinação de elementos visuais e, por vezes, sonoros podem exaltar uma obra audiovisual e até gerar algo que seja uma obra de arte por si só. Já a conexão com Nelson Rodrigues se baseia em sua capacidade de ver teor dramático e polêmico até mesmo nas coisas mais corriqueiras da sociedade, e seu talento para demonstrar isso em suas peças, que leio desde os quatorze anos. E não só, seu olhar artístico e sua maestria na criação e utilização de elementos estilísticos e cênicos atribuem às suas peças uma atmosfera excepcional, que envolve os espectadores, e até mesmo aqueles que apenas leram seus trabalhos.

Esta monografia é estruturada em capítulos que apresentam cada assunto analisado. O conteúdo do primeiro capítulo foi embasado a partir de revisão bibliográfica sobre a história do audiovisual, com ênfase no cinema e na animação. Também são apresentados o conceito e o histórico por trás do motion design e

das title sequences. Este capítulo está dividido em duas subpartes: a primeira relata a história do audiovisual, com o início do cinema e da animação; já a segunda trata especificamente sobre title sequences e como se deu sua evolução ao longo dos anos até a atualidade, enfatizando nomes que se destacaram nessa área.

O segundo capítulo trata sobre a vida de Nelson Rodrigues e apresenta as duas peças escolhidas para o projeto. Para tanto, foi levantada a biografia do autor e consultadas análises an-tropológicas, psicanalíticas e literárias de outros autores sobre as obras do dramaturgo. Ademais, foram lidos e analisados os textos originais das peças de Nelson Rodrigues. Este capítulo se subdivide em cinco partes: a primeira apresenta a vida de Nelson Rodrigues; a segunda descreve e analisa a peça Boca de Ouro; na terceira parte, são destacados os elementos e aspectos marcantes dessa trama; a quarta parte relata e discorre sobre a peça Senhora dos afogados; e, por último, são identificados os elementos e aspectos determinantes desta obra.

O terceiro capítulo aborda o desenvolvimento de projeto deste trabalho, etapa por etapa. A aplicação das ferramentas e méto-dos para a criação das vinhetas e os resultados obtidos.

O objetivo geral desta monografia é criar, a partir do conceito de motion design e de title sequence, uma vinheta baseada em uma peça de Nelson Rodrigues. Como objetivos específicos des-tacam-se a análise das peças Senhora dos afogados (1947) e Boca de Ouro (1959); o reconhecimento dos elementos marcantes de ambas as obras; e a adaptação, a partir da utilização de elemen-tos gráficos, da trama do meio cênico para o meio audiovisual.

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1 AUDIOVISUAL E RAMIFICAÇÕESO SURGIMENTO DO AUDIOVISUAL

O surgimento do cinema na história não ocorreu isoladamente. Os avanços tecnológicos que resultaram em sua criação tam-bém foram os fatores que iniciaram aquilo que viria a ser a ani-mação. Conforme Bendazzi (2016), “a pré história da animação e a pré história do cinema são a mesma coisa.” (p. 12) [tradução nossa] Não se pode pensar em um sem o outro. O que ocorria em um dos meios, influenciava ambos, de certa forma.

O cinema surgiu como resultado de uma sociedade moderna, que exigia, cada vez mais, rapidez em seus meios de comunica-ção (MACHADO, 2011). A fotografia, que fora um elemento ino-vador no início do século XIX, já não era suficiente para sanar os desejos de uma população que buscava incessantemente pelo desenvolvimento tecnológico. “Cientistas, inventores, fabrican-tes de brinquedos, apresentadores de circo e teatro, e, acima de tudo, o público estavam interessados em apenas uma coisa: movimento.” (BENDAZZI, 2016, p. 12) [tradução nossa]

Sabe-se que o cinema e a animação consistem em sequências de imagens estáticas, que passam mais rápido que a capa-cidade do nosso cérebro de computá-las separadamente, ocasionando um fenômeno chamado “persistência retiniana”. A percepção quando vemos é o movimento; na verdade, a ilusão do movimento. (LUPTON; PHILLIPS, 2014)

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Alguns “experimentos óticos” que se utilizam deste conceito surgiram por volta de 1830, dentre estes, destacam-se o fenacis-toscópio (ou fenaquistoscópio) e o zootrópio. O fenacistoscópio (Figura 01) consiste em dois discos paralelos, um deles com inci-sões, pelas quais se observava os desenhos no suporte do disco, a sequência de desenhos nos discos apresentava pequenas dife-renças de posicionamento das imagens ou na configuração das formas. A visualização destas imagens sucessivas em uma certa velocidade passavam a impressão de movimento. Já o zootrópio (Figura 02) se resume a um tambor giratório, que possui incisões em sua parte superior e imagens em sua parte inferior. Ao girá-lo e observar pelas incisões, as imagens parecem se mover.

Este fenômeno também foi explorado para fins científicos, por meio de cientistas como Eadweard Muybridge e Etienne-Jules Ma-rey, cujos trabalhos são apresentados nas Figuras 03 e 04, respec-tivamente. Marey e Muybridge, cada um a sua maneira, fizeram uso de câmeras para registrar movimentos de animais e humanos. Estes registros, quando postos em sequência, permitiam àquele que observasse compreender o passo a passo da movimentação e até visualizar a ação em movimento. (MACHADO, 2011)

Em 1890, Thomas Edison e seu assistente Dickson criaram uma má-quina que tirava fotos em sequência e as revelava, chamada cine-tógrafo. No entanto, para assistir as fotos reveladas, era necessário outro dispositivo, denominado cinetoscópio. Esta máquina, também construída por Edison e Dickson, consistia em uma caixa de madeira na qual as pessoas olhavam por um buraco e podiam assistir a ima-gens passando, formando uma curta animação. (RIZZO, 2015)

Figura 01 - Ilustração representando o funciona-mento do fenacistoscópio.

Fonte: site Semema.

Figura 02 - Zootrópio. Fon-te: site Acima da Linha.

Figura 03 - “Man/horse (vehicle)”, um dos estudos de Eadweard Muybridge sobre o movimento animal. Fonte: Eadweard Muybridge: site Defining Modernities.

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Em 1895, após conhecer as máquinas de Edison, os irmãos Auguste e Louis Lumière criaram um aparato, que desempenhava sozinho a função de tirar fotos, revelar e projetá-las em sequência. Este arte-fato foi chamado de cinematógrafo (Figura 05), e era consideravel-mente menor e mais leve que o cinetógrafo de Edison. (RIZZO, 2015)

Os irmãos Lumière abriram espaços denominados cinemas para exibir os filmes que faziam. Em 28 de dezembro de 1895, foi feita a primeira exibição pública de cinema, em Paris. Lá, foram exibi-dos filmes curtos, em preto e branco e sem som. Um em espe-cial, foi o vídeo de um trem deixando a estação, que surpreendeu a plateia. Segundo Machado (2011), apesar da falta de cor e som, os espectadores evocaram os efeitos da realidade e acreditaram ter até visto as barras incandescentes da locomotiva.

Os filmes dos irmãos Lumière tinham um caráter documental, mostravam imagens cotidianas, como um bebê comendo ou pessoas se divertindo no mar. Este estilo cinematográfico foi bastante comum até o início do século XX. Nestas “vistas” ou filmes “naturais”, como eram chamados no Brasil, a câmera per-manecia fixa em algum lugar e registrava a cena que se passava à frente, sem manipulação do cineasta. (BERNARDET, 1980)

Em contrapartida ao naturalismo dos irmãos Lumière, temos Georges Méliès. Méliès construiu sua própria máquina inspi-rada no cinematógrafo, porém sua obra se distinguiu, e muito, das obras dos Lumière. Tendo trabalhado com teatro, mágica e fantoches, Méliès descobriu no processo de edição dos filmes que era possível manipular o tempo e o espaço cinematográ-ficos. A partir de então, ele se tornou notório pelos “efeitos

Figura 04 - Estudo de Etienne-Jules Marey sobre o movimento humano. Fonte: site Gréco Casadesus.

Figura 05 - Cinematógrafo. Fonte: site Cinema & Educação.

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especiais” em suas obras. Sua assinatura visual consistia em um grande esmero com seus cenários, figurinos, maquiagens, ilumi-nação, composição; Méliès se envolvia em todos os aspectos de seu filme, toda a mise-en-scéne tinha seu toque pessoal. (RIZZO, 2015) Na Figura 06, é possível notar a composição intrincada em uma cena da obra Le Royaume de Fées, de Méliès.

Méliès se tornou particularmente conhecido por seus filmes fantasiosos e de ficção científica, nos quais ele abusava de efeitos e cores. Sua obra revolucionou a forma de ver o cinema, e, a partir de 1915, percebeu-se nesta arte uma ferramenta poderosa para se contar histórias. Em razão disso, a forma de fazer cinema também mudou. Passou-se, então, a haver uma preocupação com a estrutura narrativa e a relação com o espaço. Aos poucos, os filmes deixaram de apenas relatar os acontecimentos um atrás do outro para apresentar ações con-comitantes e, até mesmo, registrar uma mesma ação de pontos de vista diversos. (BERNARDET, 1980)

Georges Méliès não foi importante somente para o cinema, ele também marcou o mundo da animação. Com ele, foi comprova-do que filmes não precisam apenas reportar situações cotidia-nas e realistas, pode-se mostrar o imaginário e o irreal, univer-sos muito explorados nos filmes animados.

Além de Méliès, Bendazzi (2016) afirma que outro ponto que influenciou no surgimento da animação foi a técnica quadro a quadro. Esta técnica consiste em registrar as imagens separadamente, cada imagem um pouco diferente da ante-rior, e juntá-las posteriormente. Com esse procedimento,

Figura 06 - Partícula retirada do filme Le Royaume de Fées (O Reino das Fadas), de Méliès do ano de 1903. Fonte: site Daily Motion.

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era possível aos cineastas alguns efeitos especiais, como objetos se movendo sozinhos.

Foi a partir desta técnica que, em 1908, Émile Cohl lançou Fan-tasmagorie. Este vídeo de apenas dois minutos foi um divisor de águas na história da animação, em especial por definir um novo gênero de filmes que, a partir de então, seriam conhecidos por filmes animados. Com um gênero estabelecido, as animações passaram a apresentar características específicas do gênero, como a ocorrência de fenômenos que não necessariamente precisam apresentar verossimilhança. Por exemplo, um elefan-te se metamorfosear em uma casa (Figura 07), como ocorre em Fantasmagorie. (BENDAZZI, 2016)

Nos anos que seguiram, a animação e o cinema foram explo-rando diferentes técnicas e processos, e obtendo resultados variados em qualidade e apelo ao público. A popularização de filmes com som, que se deu em 1928, foi um grande mar-co para ambos os meios, de formas variadas. Enquanto no cinema, o som se tornou mais um elemento que permitiu ao cineasta aproximar seu filme de uma impressão da realidade, na animação, os sons nem sempre coincidiam com as imagens mostradas. Isto era feito com o intuito de trazer um viés cômico e fantasioso. Em Steamboat Willie (1928), primeiro filme de Walt Disney que trazia Mickey Mouse como personagem, quando Mi-ckey bate nos dentes de uma vaca (Figura 08), o som resultante é de um xilofone (BENDAZZI, 2016). Pouco a pouco, o cinema e a animação foram se afastando quanto a sua linguagem fílmica, tornando-se entidades independentes e singulares.

Figura 07 - Extrato do filme Fantasmago-rie, de Émile Cohl, 1908. Fonte: site Casa

de la historia Diana Uribe.

Figura 08 - Mickey Mouse em Steamboat Willie, 1928. Fonte: site Laura’s View.

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A ÉPOCA DE OURO DA ANIMAÇÃO

Conforme Bendazzi (2016), a época entre 1928 e 1951 foi considerada a Época de Ouro da animação, um fato que não é estranho se considerarmos a situação do mundo durante essa época. A quebra da Bolsa de Nova York em 1929, a Grande De-pressão, a Segunda Guerra Mundial, tudo isso contribuiu para que a população se voltasse para o mundo da fantasia, já que a realidade não parecia tão promissora.

Durante estes anos, os filmes animados geralmente eram feitos para dois propósitos: publicidade para empresas ou para o cine-ma. Destes últimos, acreditava-se que as animações seriam mais chamativas ao público se tivessem um personagem principal nas histórias. Isso se deu, principalmente, nos Estados Unidos, como resultado do sucesso dos estúdios Disney. (BENDAZZI, 2016)

Com o surgimento e popularização da televisão, os filmes anima-dos migraram para a TV em formato de séries animadas (também conhecidas como cartoons). O resultado foi uma queda da produ-ção de animação para o cinema. Os filmes animados se reinventa-ram ao longo das décadas de 1980 e 90, graças aos avanços tecno-lógicos da época, em especial o computador (BENDAZZI, 2016).

Os animadores que fugiram do conceito de um personagem chave para seus filmes se enveredaram por ramos mais experi-mentais da animação, ramos que trabalhavam com cores, sons, texturas e movimentos; sem a necessidade de uma personagem ou linha narrativa clara. Vargas (2013) aponta que, nestas iniciati-vas, é possível observar o desenvolvimento do motion design.

De acordo com o Motion Plus Design (2012) – o primeiro centro de exibição dedicado exclusivamente ao motion design – o motion graphic design (ou apenas motion design) é a arte de dar vida ao design gráfico usando a animação. Ele pode ser aplica-do a textos, fotos, ilustrações, ícones. Embora a fronteira entre motion design e animação seja difusa, pode-se dizer que, nos filmes de animação, há uma narrativa na qual as personagens se expressam. Já no motion design, mesmo com a presença de personagens, elas não se expressam diretamente.

Assim como a animação, os primórdios do motion design tam-bém são vinculados ao cinema. Sua ascensão se deu na década de 1940, com Oskar Fischinger e Norman McLaren – que se utilizavam do movimento de figuras geométricas para demons-trar expressividade em seus filmes abstratos (ARNHEIM, 2014) – e avançou ainda mais na década seguinte, pelos trabalhos de designers como Saul Bass. Esta arte teve um grande salto com a revolução digital, que se deu especialmente a partir dos anos 1990 (VARGAS, 2013). Hoje em dia, o motion design se faz presente nos meios audiovisuais com poesias cinéticas, clipes musicais e, principalmente, title sequences.

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TITLE SEQUENCES

No universo do motion design, encontram-se as title sequences, que consistem nas aberturas e encerramentos de programas de TV, filmes, videogames, dentre outros. Não existe uma defi-nição específica das áreas em que as title sequences podem ser aplicadas, porém sabe-se que elas são responsáveis por trazer o nome da obra que está sendo introduzida (podendo, tam-bém, trazer informações extras sobre a obra, caso hajam) e por introduzir o espectador à atmosfera e à história que eles estão prestes a testemunhar (INCEER, 2007).

Conforme Inceer (2007), as primeiras title sequences surgiram por volta da década de 1920. Os filmes mudos traziam, em sua abertura, as informações concernentes à obra escritas em um papel, que era fotografado ou filmado e incorporados ao filme. Na Figura 09, tem-se um exemplo retirado do filme Intolerance (1916), de D.W. Griffith.

Na década seguinte, com a introdução do som e do uso de cores nos filmes, as aberturas evoluíram, porém permaneceram bastante instáveis. Por vezes, nem eram mostradas nas salas de cinema. Geralmente, utilizava-se uma tipografia que fosse con-dizente ao gênero do filme e, algumas vezes, essas informações passavam enquanto filmava-se, em um ponto fixo, uma pai-sagem ou objeto (INCEER, 2007). O filme Modern Times (1936), de Charles Chaplin, apresenta o nome do filme enquanto, ao fundo, são mostrados os ponteiros de um relógio (Figura 10).

Figura 09 – Abertura do filme Intolerance, de D.W. Griffith (1916). Fonte: site Christian Annyas.

Figura 10 - Abertura do filme Modern Times, de Charles Chaplin (1936). Fonte: site Max

Sees Movies.

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A grande revolução das title sequences se deu com Saul Bass, que foi uma das grandes figuras do design e cinema do século XX; sua car-reira se estendeu de 1936 até 1996. Ao final da década de 1950, ele, além do trabalho como designer gráfico, passou a trabalhar criando aberturas para filmes. Ele, juntamente com sua esposa Elaine, tam-bém fez curtametragens, alguns nominados, e até vencedores, do Oscar. Saul foi vastamente premiado, tanto como designer, quanto como cineasta. Sua área de atuação foi muito diversificada, incluin-do comerciais, aberturas de programas de televisão, embalagens, capas de álbuns, anúncios, capas de livros, brinquedos, exibições, dentre outras tantas coisas (BASS; KIRKHAM, 2011).

Seu trabalho com title sequences começou na década de 1950, com Carmen Jones (1954, dir. de Otto Preminger). Um de seus tra-balhos mais conhecidos se deu no ano seguinte, que foi a abertura de The Man with the Golden Arm (dir. de Otto Preminger), como mostrado na Figura 11. Já na Figura 12, tem-se um dos cartazes criados por Bass para a divulgação do filme.

Segundo Bass e Kirkham (2011), Saul Bass acreditava que as title sequences tinham por função criar a atmosfera e definir o humor do filme, além de transicionar o espectador da realidade para o universo da trama. Suas title sequences variavam de for-ma a concordar com a obra, mas nas vinhetas em que se fazia uso da animação, é possível perceber alguns elementos co-muns: a presença de ícones gráficos fortes e corpos humanos, ou partes dele. Ele também tinha uma primazia com o uso das cores em seus trabalhos, utilizando desde paletas com cores fortes e saturadas até pequenas nuances de cores pastéis.

Figura 11 - Title sequence de The Man with the Golden Arm (1955, dir. de Otto Preminger), por Saul Bass. Fonte: site Art of the Title.

Figura 12 - Um dos cartazes de Saul Bass para divulgação de The Man with the Golden Arm (1955, dir. de Otto Preminger). Fonte: site Christian

Annyas.

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As title sequences de Saul prezam pela redução, pelo minima-lismo, assim como pelo uso de metáforas e ambiguidades. Detalhes em suas vinhetas, por vezes, guardam particularidades da própria trama da obra. Além disso, percebe-se o bom uso das grades construtivas, mesmo que as formas criadas por Saul nunca sigam criteriosamente o formato geométrico. Seu estilo de desenho, que se assemelha ao cartoon, também é bastante característico. Na Figura 13, tem-se a title sequence criada por Bass para o filme It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World (1963, dir. de Stanley Kramer), na qual o estilo cartoon é explorado.

Ele também reconhecia a importância de uma tipografia ade-quada, sabendo que esta era vital para a criação da atmosfera da realidade fílmica. Como em Anatomy of a Murder (1959, dir. de Otto Preminger), Saul optou por um lettering com letras em tama-nhos variados e inconsistentes (Figura 14). Cada versão de cada letra se difere, da mesma maneira que, no filme, cada versão dos eventos é diferente e contraditória (BASS; KIRKHAM, 2011). Na Fi-gura 15, tem-se um dos cartazes criados por Bass para o mesmo filme. Nele, as cores são exploradas, ao contrário da title sequen-ce em si, na qual o preto, o branco e os tons de cinzas dominam.

Bass também sabia que o impacto visual de suas title sequen-ces seria potencializado, se combinado com uma trilha sonora. Ele explorava as possibilidades de casar o visual ao sonoro, de maneira a causar o maior impacto e deslumbramento possível no espectador. Um bom exemplo desta combinação primo-rosa se dá na abertura de Ocean’s Eleven (1960, dir. de Lewis Milestone), na qual elementos gráficos animados são combina-

Figura 13 - Title sequence de It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World (1963, dir. de Stanley Kramer), por Saul Bass. Fonte: site Art of the Title.

Figura 14 - Title sequence de Anatomy of a Murder (1959, dir. de Otto Preminger), por Saul Bass. Fonte: site Art of the Title.

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dos com uma música agitada para passar o clima de Las Vegas e seus cassinos (Figura 16). Bass também teve esse esmero em Walk on the Wild Side (1962, dir. de Edward Dmytryk), no qual os movimentos do felino coincidem com a música de jazz que toca ao fundo (Figuras 17 e 18).

Sua capacidade em trazer tantos significados e emoções, a partir de elementos simples, e seu talento em explorar uma cena com jogos de câmera e efeitos não muito dispendiosos o eternizaram não apenas como designer, mas como um dos grandes nomes do cinema e o principal nome quando falamos em title sequences. “Bass não apenas reinventou as aberturas de filme, mas também as tornou uma forma de arte”. (INCEER, 2007, p. 12) [tradução nossa]

Outro grande nome que marcou essa área foi Pablo Ferro. Ferro começou a trabalhar com design na década de 1950, e permanece em atividade até hoje. Suas title sequences se destacam especialmente pelo uso das tipografias. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos são Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (1964, dir. de Stan-ley Kubrick) – como apresentado na Figura 19 –, The Thomas Crown Affair (1968, dir. de Norman Jewison), Bullit (1968, dir. de Peter Yates), Midnight Cowboy (1969, dir. de John Schlesinger), A Clockwork Orange (1971, dir. de Stanley Kubrick), Beetlejuice (1988, dir. de Tim Burton) e The Addams Family (1991, dir. de Barry Sonnenfeld).

Figura 15 - Cartaz de Saul Bass para divulgação de Anatomy of a Murder (1959, dir. de Otto Preminger). Fonte: site MoMA.

Figura 16 - Title sequence de Ocean’s Eleven (1960, dir. de Lewis Milesto-ne), por Saul Bass. Fonte: site Art of the Title.

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Figura 17 - Storyboard feito por Saul Bass para a abertura do filme Walk on the Wild Side (1962, dir. de Edward Dmytryk). Fonte: Oscars.

Figura 18 - Title sequence de Walk on the Wild Side (1962, dir. de Edward Dmytryk), por Saul Bass. Fonte: site Art of the Title.

Figura 19 - Title sequence de Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb (1964, dir. de Stanley Kubrick), por Pablo

Ferro. Fonte: site Art of the Title.

Figura 20 - Title sequence de The Man with the Golden Gun (1974, dir. de Guy Hamilton), por Maurice Binder. Fonte: site Art of the Title.

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Desta mesma época, também é importante citar Maurice Binder. Sua carreira começou na década de 1950, mas atingiu maior su-cesso a partir da década seguinte. Ele é conhecido principalmente por suas title sequences feitas para os filmes da saga James Bond, com ênfase na icônica abertura de Dr. No (1962, dir. de Terence Young). Binder se destacou pelo bom emprego das cores em suas title sequences, como pode ser visto na title sequence de The Man with the Golden Gun (1974, dir. de Guy Hamilton), na figura 20.

Com o surgimento de novas tecnologias a partir da década de 1980, as title sequences passaram a apresentar mais efeitos. A estreia da MTV, em 1981, também trouxe mudanças nas aber-turas de filmes e programas de TV, que passaram a trazer mais elementos gráficos e informações, e apresentar uma velocidade mais rápida de acontecimentos (VARGAS, 2013). A Figura 21 apresenta algumas das vinhetas criadas para o canal.

Na década de 1990, surgiu outro grande nome nesse campo de atuação, o diretor e designer Kyle Cooper. Cooper combina bem o uso de novas tecnologias com métodos e visuais mais antigos, conferindo a suas title sequences uma aura sinistra e sombria. Na Figura 22, tem-se a title sequence criada para o filme Se7en (1995, dir. de David Fincher).

Em 1990 e 2000, as title sequences se tornaram elaboradas ao ponto de haver uma grande equipe por trás de sua criação. Algumas vinhetas combinam não só tipografia, imagens e sonoplastia, mas também efeitos especiais e até a utilização de 3D, como é o caso de Fight Club (1999, dir. de David Fincher), apresentado na Figura 23, e Lord of War (2005, dir. de Andrew Niccol), mostrado na Figura 24.

Figura 21 - Vinhetas do canal MTV. Fonte: site Raw Volume.

Figura 22 - Title sequence feito por Kyle Cooper para Se7en (1995, dir. de David Fincher). Fonte: site Art of the Title.

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Apesar de suas diversas aplicações atuais, o cinema permanece a principal área na qual se deu o desenvolvimento das title sequen-ces ao longo da história. Isto pois, antigamente, a área do cinema permitia experimentações e efeitos que não poderiam ser testados na televisão, por exemplo (BENDAZZI, 2016). Atualmente, as title sequences podem ser vistas em vinhetas de canais de televisão, aberturas de programas de TV, desenhos animados, videogames, filmes, novelas, dentre outros meios audiovisuais.

No Brasil, uma demonstração relevante das title sequences se dá no ramo das novelas, tendo seu ápice a partir da entrada do designer alemão Hans Donner na Rede Globo, em 1975. Segundo o site Me-mória Globo, Donner trabalhou na identidade visual da Rede Globo, em aberturas de programas e diversas novelas e na cenografia de programas jornalísticos do canal. Donner também foi responsável pela criação do departamento de design da Globo, o Videographics. O departamento se encarrega das aberturas da emissora. Vale sa-lientar que, apesar da televisão e do cinema serem meios distintos, as title sequences de ambos são similares, tanto em função, quanto em elementos, como pode ser visto nas Figuras 25 a 28, que mos-tram partículas retiradas de aberturas de novelas da Globo, antigas e atuais e que empregam técnicas de produção diversas.

Figura 23 - Title sequence do filme Fight Club (1999, dir. de David Fincher), que contou com uma equipe de efeitos especiais para ser feita. Fonte:

site Art of the Title.

Figura 24 - Title sequence do filme Lord of War (2005, dir. de Andrew Niccol), que combinou live action com computação gráfica. Fonte: site

Art of the Title.

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Figura 25 - Partículas retiradas da abertura da novela Vereda Tropical (1984, dir. de Jorge Fernando e Guel Arraes), feita inteiramente com ilustrações. Fonte: site e10blog - Nos bastidores da teledramaturgia.

Figura 26 - Partícula da abertura da novela Cordel Encantado (2011, dir. de Amora Mautner e Ricardo Waddington), que traz o característico

estilo nordestino do cordel. Fonte: site AdoroCinema.

Figura 27 - Partícula da abertura da novela Velho Chico (2016, dir. de Carlos Araújo, Gustavo Fernandez, Antônio Karnewale e Philipe Barcinski), que em-pregou o stop motion e a pintura e entalhe em madeira. Fonte: site GShow.

Figura 28 - Partícula retirada da abertura da novela Deus Salve o Rei (2018, dir. de Fabrício Mamberti), que utilizou manipulação gráfica e

modelagem 3D. Fonte: site GShow.

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2 NELSON E SUAS OBRASA VIDA DE NELSON RODRIGUES

A tragicidade da visão de Nelson fica esclarecida e justificada com as múltiplas experiências trágicas que ele viveu em sua família, e nos fazem sentir a necessidade premente de tor-nar a ler sua obra dramática, onde a presença da morte, dos perigos do ciúme e do adultério, das implacáveis consequ-ências de escolhas e atos explodem nas ações avassaladoras que tanto chocaram leitores e espectadores de sessenta anos atrás. (HELIODORA, 2015)

Para escrever este item, foram utilizados como base o livro de Castro (1992), assim como os textos autobiográficos do próprio dramaturgo, posteriormente reunidos e organizados no livro Memórias: a menina sem estrela (2015).

Nelson Rodrigues nasceu em Recife, Pernambuco em outubro de 1912. Filho de Mário Rodrigues, jornalista e político, e Maria Esther; Nelson foi o quinto dos quatorze filhos do casal. Em 1916, partiu com a família (ainda não tão populosa) para a, então, capital federal, Rio de Janeiro.

Era uma criança muito inteligente e, desde cedo, já se atentava a questões como o pudor, a morte e o sexo. Ainda adolescente, começou a trabalhar no jornal do pai, A Manhã, na seção poli-cial. Ali, mesmo com o simples trabalho de ligar para as delega-cias em busca de uma notícia, Nelson passou a ter contato com diversos crimes passionais, que viriam a ser notórios em suas

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histórias. Mesmo naquela época, ele já impunha aos relatórios trazidos pelos repórteres de campo um tom dramático, que im-pressionava a todos. Os casos que mais o interessavam eram, sem dúvidas, aqueles nos quais um casal de jovens namorados se matavam por algum motivo simbólico.

Com mais de uma década de residência dos Rodrigues na cida-de do Rio de Janeiro, a situação econômica familiar melhorou consideravelmente. Nelson, em 1927, abandonou a escola e passou a se dedicar a seu emprego no jornal, sendo promovido à seção dos editorialistas, escrevendo artigos assinados, junto a grandes nomes, como Monteiro Lobato.

Em 1928, em razão de questões econômicas, Mário Rodrigues perdeu o jornal A Manhã para seu sócio. Semanas depois, lançou o jornal Crítica, que foi considerado seu jornal mais célebre. Nelson acompanhou o pai na mudança e passou a tra-balhar no novo jornal, na seção de esportes, outra paixão sua.

No ano seguinte, passou por uma experiência que deixou marcas profundas. Testemunhou um atentado contra seu irmão mais velho, Roberto, que morreu em razão da ocorrên-cia: um crime passional que, na verdade, visava seu pai, Mário Rodrigues, em represália a uma notícia lançada por seu jornal. Nelson, em suas memórias, afirmou: “[...] o meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto.” (2015, p. 89)

Não muito tempo depois da perda de Roberto, o patriarca da família, Mário Rodrigues, morreu, em 1930, de encefalite aguda

e hemorragia. Mais uma tragédia familiar permeando a vida de Nelson, que creditava a morte de seu pai à tragédia de seu irmão: “Foi uma tragédia que quase destruiu minha família. Pensei, em certos momentos, que nenhum de nós sobreviveria; e que aquilo era o fim de cada um e de todos. Foi o fim de meu pai, que mor-ria dois meses depois. A mesma bala que se cravou na espinha de Roberto, ah, matou o velho Mário Rodrigues.” (2015, p. 90)

No dia em que completou dezoito anos, há a notícia de que a mulher que assassinou seu irmão mais velho foi absolvida. Ain-da em 1930, o jornal Crítica deixou de ser lançado em função da revolução que abalou as mídias impressas e levaram Getúlio Vargas – que era criticado ferozmente pelo jornal – ao poder.

A partir de então, a queda social e econômica da família se iniciou. Tentativas de arrumar emprego fracassadas, vendas de objetos familiares e despejos de inúmeras casas marcaram os próximos meses da família, até que, em 1931, Nelson e seus ir-mãos conseguiram emprego em alguns jornais cariocas. Apesar de novamente empregados, a renda dos irmãos era o suficiente apenas para sustentar a família, nada mais.

Acometido por paixões súbitas e melancolias profundas, além da fome propriamente dita, Nelson vivia tão profunda e tragicamente quanto suas personagens. Em 1934, adoeceu em razão da tuberculose e teve que ir para Campos do Jordão se tratar, permanecendo lá por catorze meses. Lá no Sanatorinho, como era chamado o local de tratamento, Nelson escreveu sua primeira “peça”: um sketch cômico sobre a situação dos que estavam ali internados, estrelando os próprios enfermos.

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Mesmo depois de ter sido liberado para voltar para casa, a do-ença o acompanhou durante quinze anos, fato que o levou a ter pelo menos cinco recaídas graves nos anos a vir. Além dele, seu irmão mais novo, Joffre, também descobriu possuir a doença e, em 1936, foi para um sanatório em Petrópolis se tratar, Nel-son o acompanhou. Ao final de sete meses no sanatório, Joffre morreu. Nelson testemunhou seu sofrimento e, mais uma vez, assistia à morte de um familiar.

Não muito depois, a doença voltou a se manifestar e Nelson teve de retornar ao sanatório em Campos de Jordão para se cuidar, onde permaneceu alguns meses. De volta ao Rio, reto-mou seu trabalho no jornal O Globo, desta vez como crítico de óperas e peças de teatro.

Durante o ano de 1938, a doença não o afligiu e Nelson iniciou um relacionamento com Elza Bretanha, que começara a traba-lhar na redação de O Globo. Apesar da desaprovação da mãe da menina, o casamento foi marcado para maio de 1939. Um mês antes do casamento, Nelson teve de voltar ao Sanatorinho por causa de outra recaída da tuberculose, permanecendo lá quatro meses. O casamento, enfim, ocorreu em 1940.

Em meados de 1941, com Elza grávida de seu primeiro filho, escreveu sua primeira peça: A mulher sem pecado. A peça só foi levada aos palcos depois de mais de um ano e muita insistência do autor, porém não obteve resposta positiva do público.

Em janeiro de 1943, escreveu Vestido de Noiva, que teve sua estreia dia 28 de dezembro daquele ano. A obra foi um sucesso e o consagrou como dramaturgo.

Se Nelson obteve uma grande resposta com Vestido de Noiva, o alvoroço trazido por Álbum de Família, sua terceira peça, não poderia ter sido preconizado. A peça, de 1946, foi proibida em todo o país pela Censura Federal por incitar ao crime e conter temas como incesto. A liberação só veio em 1965 e a peça foi levada ao público pela primeira vez em 1967.

Nos anos que seguiram, mais peças polêmicas foram escritas: Anjo Negro, em 1946; Senhora dos afogados, em 1947; e Dorotéia, em 1949. Destas, apenas Anjo Negro foi levada aos palcos na época, as outras duas peças foram interditadas pela Censura.

Além das peças, Nelson escreveu folhetins nesta época sob o pseudônimo de Suzana Flag. Depois se tornou correspondente de um correio sentimental no jornal, sob o pseudônimo de Myrna.

Em 1951, escreveu o monólogo Valsa nº 6, que não teve pro-blemas com a Censura, porém, tampouco obteve sucesso com o público. Nesta mesma época, começou a trabalhar no jornal Última Hora, no qual publicou as crônicas de “A vida como ela é…”, que trouxeram mais frutos que suas últimas peças.

Nelson voltou às boas graças do público em 1953 com sua peça A falecida, uma trama tipicamente carioca que, embora clas-sificada como tragédia, trazia quês de comédia que a torna-vam agradável e destoante das últimas peças que escrevera. Também conseguiu que sua peça Senhora dos afogados fosse liberada e levada ao público no ano seguinte, pela primeira vez desde que fora escrita, em 1947.

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Em 1957, Nelson escreveu Perdoa-me por me traíres e chocou a todos quando, pela primeira vez, foi aos palcos como tio Raul, uma das personagens chave da trama (Figura 29). A peça foi re-cebida de maneira negativa pelo público, sendo até censurada logo após sua estréia. Porém, após ter sido liberada mais uma vez, perdurou por dois meses a mais que os dez dias planeja-dos. Só que com outro ator no papel de tio Raul, pois Nelson declarou, ali, o fim de sua carreira de ator. Naquele mesmo ano, Viúva, porém honesta foi escrita e levada aos palcos.

No ano seguinte, lançou Os sete gatinhos, que foi considerada por alguns sua melhor peça, e rechaçada por uns tantos ou-tros. Odiada ou não, a peça teve casa cheia durante toda sua permanência em cartaz.

Em 1959, Nelson escreveu Boca de Ouro, que foi interditada por alguns meses. Em 1960, foi apresentada em São Paulo, onde não obteve sucesso; no Rio, no ano seguinte, deu-se o contrá-rio. Ainda em 1961, Beijo no Asfalto também foi a cartaz e, ape-sar da trama polêmica, permaneceu rodando por sete meses, a maior duração de uma peça de Nelson Rodrigues. A duração da peça culminou com a saída de Nelson do jornal Última Hora, onde trabalhava, e seu ingresso no Diário da Noite e, poste-riormente, em O Globo.

Em 1963, Nelson se separa de Elza e casa com Lúcia Cruz Lima, que estava grávida de um filho seu. Neste mesmo ano, é lan-çada a peça Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Resende, em homenagem ao amigo mineiro de Nelson.

Figura 29 - Nelson Rodrigues, como Tio Raul, ao lado de Léa Garcia na peça Perdoa-me por me traíres, em 1957. Fonte: site Funarte.

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Daniela, terceira filha declarada de Nelson (a primeira de seu relacionamento com Lúcia), nasceu prematura de seis meses e houve severas complicações em razão disso, a exemplo da paralisia cerebral, além da mudez e da cegueira. O primeira ano da criança foi passado em uma tenda de oxigênio. Nelson, em suas memórias (2015, p. 50-3), afirma que desde jovem acredi-tava que ficaria cego um dia; no final das contas, aconteceu algo bem pior: a “maldição” foi passada para sua filha.

Ainda neste ano, Boca de Ouro foi adaptada para cinema com di-reção de Nelson Pereira dos Santos. Filmagens de Bonitinha, mas Ordinária e Anjo Negro já haviam sido anunciadas para compor aquele movimento que estava apenas se iniciando, o Cinema Novo. Ao contrário de Bonitinha, mas Ordinária e Boca de Ouro que obtiveram considerável sucesso, o filme de A Falecida foi um fiasco comercial, embora tenha sido premiado em festivais. O fracasso do filme afetou, e muito, Nelson e seu filho Joffre, que tiveram que vender imóveis para tentar quitar a dívida deixada. Em razão disso, Nelson aceitou escrever telenovelas, escreveu três ao todo, que rodaram nos anos de 1963 e 64 (não sem sofrer alguns empecilhos com a censura, como de praxe): “A morta sem espelho”, “Sonho de amor” e “O desconhecido”.

Em 1965, foi aos palcos Toda nudez será castigada, que obteve bastante sucesso apesar da dificuldade em encontrar atores que estivessem dispostos a encená-la. Ainda endividado, Nelson tinha a televisão como sua maior fonte de renda. Seu programa de entrevistas na TV Globo, “A cabra vadia”, fez considerável sucesso, mas não o suficiente para que fosse sua única fonte de

renda. Nelson ainda escrevia textos para outros programas e colunas de jornal para dar conta dos gastos.

Em 1966, o irmão mais velho de Nelson, Mário Filho, morreu de um enfarte fulminante, deixando para trás livros escritos e uma sólida carreira como jornalista esportivo. Sua esposa, Célia, matou-se no ano seguinte bebendo veneno.

No ano seguinte, Nelson se junta ao Correio da Manhã, jornal no qual começou a escrever uma coluna com suas memórias que, posteriormente, foram reunidas no livro Memórias: a menina sem estrela (o subtítulo foi dado em homenagem a sua filha, Daniela). Em fevereiro deste mesmo ano, o irmão de Nelson, Paulo Rodrigues, morreu, juntamente a sua esposa, sogra e filhos, quan-do o prédio onde morava desabou por causa de uma tempestade.

Sobre a morte de seus dois irmão, Nelson escreveu:

Quando meu irmão Mário Filho morreu, escrevi que a morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes, é toda uma luminosa e paciente elaboração. [...] O que me pergunto é se também Paulinho, sua mulher, seus filhos, sua sogra come-çaram a morrer antes. E só peço que nem meu irmão, nem meus sobrinhos, nem minha cunhada tenham percebido nada. Imagino uma morte compassiva, sem tempo para o medo e para o grito. (2015, p. 37)

Em 1969, após oito anos de relacionamento, Nelson separou-se de Lúcia e foi morar com Helena Maria, 35 anos mais jovem que ele.

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Na década de 1970, Nelson teve complicações médicas em virtude de um problema que já tratava há anos: sua úlcera. Estava com duas úlceras perfuradas e, durante sua estadia de alguns dias no hospital a espera de cirurgia, sofreu uma bron-copneumonia, uma parada respiratória e um enfarte. Quando pôde voltar para casa, passou a necessitar de cuidados médicos 24 horas por dia. Não muito tempo depois, em janeiro de 71, voltou a se sentir mal e teve de ser internado com insuficiência coronária aguda. Enquanto estava internado, pediu para que Helena Maria saísse da casa onde moravam juntos.

Em 1972, Nelsinho, o caçula de Nelson com Elza, foi preso e torturado pelos militares. Nos últimos dois anos havia se mantido na clandestinidade e se tornado um elo importante do grupo revolucionário MR-8, que lutava contra a ditadura militar. Nelson só pôde ver o filho cerca de uma semana depois de sua captura e o fez visitas sempre que pôde, durante os sete anos em que o filho permaneceu preso.

Nestes anos, a família de Nelson se tornou ainda menor: seu irmão, Milton, morreu em 72 de uma trombose cerebral; e sua mãe, Maria Esther, faleceu no ano seguinte de um edema pul-monar. Ainda neste ano, Arnaldo Jabor lançou o filme de Toda nudez será castigada, que foi um sucesso de público e crítica e foi enviado para o Festival de Berlim, porém foi censurado e retirado dos cinemas. Nos anos seguintes, Jabor fez mais adap-tações de obras de Nelson para o cinema, algumas bastante aclamadas como A dama do lotação, de 1978.

Em 1974, após oito anos sem escrever peças, Nelson lança Anti-Nelson Rodrigues. A partir deste ano, Nelson passou a apresentar quadros de saúde cada vez mais agravados, muitos em consequência da tuberculose que o afligira na juventude. Apesar das ordens médicas que já se repetiam há anos, Nelson permaneceu fumando até o fim de sua vida.

Em 77, Nelson e sua primeira (e, oficialmente, única) esposa, Elza, decidem voltar a morar juntos. Nos últimos anos, o casal se reaproximou, especialmente em razão da prisão de Nelsinho. Em 1979, Nelson escreveu sua última peça, A serpente.

No dia 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, Nelson faleceu de trombose e de insuficiência cardíaca, respiratória e circulatória. Naquele dia, durante a partida de futebol, esporte que tanto amava, do Brasil contra a Suíça, fez-se um minuto de silêncio durante o jogo em sua homenagem.

As obras de Nelson Rodrigues marcaram a literatura, o teatro, a televisão e o cinema brasileiro, tornando-o uma das figuras mais influentes e, certamente, polêmicas do país no século XX.

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BOCA DE OURO

Boca de Ouro foi escrita por Nelson Rodrigues em 1959. Anos mais tarde, ela foi classificada, pelo crítico Sábato Magaldi (sob aprovação do próprio dramaturgo), como uma de suas tragé-dias cariocas. Segundo Medeiros (2010), os fatores principais que definem esta categoria são as referências (sub)urbanas cariocas, a linguagem informal e as gírias comuns da época.

Nestas tragédias cariocas, a cidade do Rio de Janeiro marca forte-mente a narrativa, tornando-se, ela também, uma personagem. Em Boca de Ouro, o local de destaque na peça é o bairro da Ma-dureira, que “é o lugar em que o protagonista [o bicheiro Boca de Ouro] se criou e desenvolveu seu poder dominador. É igualmen-te o espaço de onde os fatos são narrados e o meio de D. Guigui, que narra os acontecimentos.” (MEDEIROS, 2010, p. 157) [grifo nosso] Nelson gostava de situar suas peças com personagens de classe média e no subúrbio pois acreditava que isso doava um certo tom poético às histórias. “É como se essas tragédias, que Nelson considerava inerentes à condição humana e universais, encontrassem seu meio expressivo mais significativo quando situadas no subúrbio [...]”. (FACINA, 2004, p. 172)

Apesar de ser considerada uma tragédia, Boca de Ouro contém pitadas de humor e elementos cômicos. Segundo Henrique Oscar (Diário de Notícias, 1961, apud MEDEIROS, 2010, p. 50), apesar de ser definido como uma tragédia, “o espetáculo ainda mais que a leitura demonstra que não se trata de um texto trá-gico mas altamente cômico, muito mais de uma farsa à maneira

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de ‘A falecida’ que de uma pretensa tragédia, qualquer que seja o sentido atribuído à expressão [...]”.

Isso se dá porque, de acordo com Medeiros (2010), Lins afirma que Nelson “explora a tragédia num tom de deboche”, o que ex-plicaria porque os jornalistas viam suas peças como “tragédias malsucedidas”. (p. 56)

A trama consiste em um repórter, Caveirinha, que, diante da notícia do assassinato do famoso bicheiro Boca de Ouro, visita uma de suas ex-amantes, na esperança de obter um furo de notícia. Nos três atos que seguem, Dona Guiomar (ou Guigui, como é chamada) – que agora é casada e mora com seu mari-do, Agenor, e seus filhos – narra um acontecimento que se deu entre o Drácula de Madureira (como Boca de Ouro era chama-do) e o casal, Leleco e Celeste.

A questão é que, a cada nova narração, a história se altera. Isso se dá porque, na primeira vez que conta a história, D. Guigui não sabia da morte do bicheiro. A segunda vez, ao ser informa-da de sua morte, o retrata de forma muito mais bondosa que outrora. Já a terceira vez, conta uma versão que poderia ser considerada mais verdadeira que as outras duas, porém não se pode saber com certeza. Percebe-se, então, que Guigui não é uma narradora confiável. “Isto porque as narrativas de dona Guigui estão fortemente ligadas às suas impressões, obedecen-do, no decorrer da entrevista, à instabilidade de seus humores e de suas emoções”. (BRAZ, 2004, p. 19)

Xavier (2003) afirma sobre as versões contadas por D. Guigui:

No plano imediato, no primeiro dos flashbacks vale o des-peito pelo Boca de Ouro (afinal, foi ‘chutada’ por ele). Depois, vale a dor da notícia da morte do herói e o ressentimento dirigido ao marido Agenor (feliz com a novidade). Na última versão, vale o clima de reconciliação com o marido (manipu-lada pelo jornalista esperto). Assim, Boca é vilão na primeira versão, depois herói virtuoso e, finalmente, um assassino de mulheres. E a imagem do casal também varia: uma forma de, simbolicamente, Guiomar falar das disposições mais fundas dela própria diante da situação vivida no triângulo com Agenor e o bicheiro [...] (XAVIER, 2003, p. 241)

E ainda aprofunda:

Na primeira versão, há o desejo de Boca de Ouro, a inocên-cia de Celeste e a esperteza de perna curta do marido, que sabe desse desejo. [...] No segundo caso, Guigui quer redi-mir o ex-amante e constrói a inocência do Boca, acentuando a falta de caráter do casal. [...] Na terceira versão, não há resíduos de inocência ou de emoções desarmadas; valem o mal que resulta do cálculo, o ritual perverso e a armadilha. [...] Nessa terceira versão, a dimensão gótica do Boca ganha lugar e, de navalha na mão, fala sobre seu poder divino de vida e de morte. (p. 241-4)

Ao final da peça, ainda não se pode definir quem era, verdadei-ramente, Boca de Ouro. Os únicos momentos em que o vemos sem intermédio de outra personagem são na primeira cena – na qual o vemos num consultório de dentista e pede para que seus dentes sejam extraídos e substituídos por uma dentadura

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de ouro, o que explica a origem de seu pseudônimo. Em todos os outros momentos, Boca aparece como uma “figura refletida no espelho dos outros, uma personagem em segundo grau que, por isso mesmo, diz tanto sobre seu contexto quanto sobre si mesma [...]” (XAVIER, 2003, p. 231).

Alguns fatos sobre Boca de Ouro, que são de conhecimento público, são sua emblemática dentadura de ouro, seu desejo de ser enterrado em um caixão de ouro – que já estava sendo feito – e sua procedência humilde, já que foi abandonado por sua mãe quando nasceu, deixado em uma pia de gafieira. As condições infames de seu nascimento, fazem com que o bichei-ro se torne obcecado pela ideia de um enterro digno de reis. Xavier (2003) afirma que “os traços decisivos da personalidade do protagonista estão associados aos dados adversos de sua origem social, acrescidos a particularidade humilhante do Boca, nascido num banheiro de gafieira” (p. 231).

Nas narrações de D. Guigui, percebe-se que Boca se deslumbra com a hipótese de se equiparar a um deus asteca, como apontou uma das grã-finas, e se considera sobrehumano, alguém que não pode ser morto, pelo menos não até alcançar seu objetivo.

“BOCA DE OURO (abrindo seu riso) – Batuta, você pensa que vai me matar? Comigo você tomou bonde errado! Você não sabe, ninguém sabe, mas olha: eu estou fazendo um caixão de ouro. Ouro, rapaz! Enquanto o caixão não ficar pronto, ninguém me mata, duvido!” (RODRIGUES, 2004, p. 234)

Em outro momento, conversando com Leleco, ele afirma:

LELECO – Pronto?BOCA DE OURO – O caixão de ouro? Ainda não. Não há pres-sa. Pra que pressa? (ri, alvarmente)LELECO – Você pode levar um tiro! [...] Ou facada!BOCA DE OURO (feliz da vida) – Batuta, eu tenho o corpo fechado! (RODRIGUES, 2004, p. 246-7)

Embriaga-se tanto com a ideia de poder que esta acaba por se tornar sua ruína. As condições de sua morte tornam sua situ-ação ainda mais ordinária, pois perdeu seu símbolo de poder, seus dentes, e não se consagrou como objetivava após sua morte. “Sua tragédia estará cristalizada, acima de tudo, nessas duas perdas no momento da morte inesperada, que lhe sonega a ocasião da pompa: dentes de ouro arrancados, caixão tosco de madeira.” (XAVIER, 2003, p. 232) Ele, que tanto queria se distanciar de sua origem humilde, morre “fraco e pobre como o mais fraco e pobre dos seres” (PELLEGRINO, 2004, p. 284)

Agora voltemos o foco para as histórias contadas por D. Guigui. O ocorrido que ela relata não teve repercussão na mídia, o que torna ainda mais difícil saber o que é verdade e o que não é.

Na primeira versão relatada, Celeste e Leleco são um casal apai-xonado que passa por dificuldades financeiras, e, com a recente demissão de Leleco e a morte da mãe de Celeste, resolvem pedir dinheiro emprestado ao bicheiro. Nesta versão, Boca de Ouro é um homem monstruoso e excessivamente agressivo, que tem um interesse por Celeste e vê na situação uma oportunidade de tirar proveito. Boca se dispõe a emprestar cem mil cruzeiros, com a condição que seja Celeste que vá buscar o dinheiro, sozinha.

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Quando estão apenas os dois, Boca de Ouro tenta se aprovei-tar de Celeste, a situação se desenvolve até um “embate” entre Leleco e o bicheiro. Ao fim, Boca mata o rapaz e estupra Celeste. A única prova da veracidade do relato é o fato que o corpo de Leleco foi encontrado nas matas da Tijuca posteriormente.

Na segunda história, já consciente da morte de Boca de Ouro, D. Guigui o apresenta como um homem com “pinta de lorde” e marcado pelo abandono que sofreu na infância e obcecado pela ideia de descobrir mais sobre sua mãe. Já Celeste e Leleco são um casal em crise. Leleco, quando descobre a infidelidade de Celeste, joga em sua cara a notícia da morte de sua mãe e arquiteta um plano para Celeste seduzir Boca de Ouro e to-mar-lhe dinheiro, sob ameaças de matá-la, caso ela não vá. Em oposição ao relato anterior, no qual Celeste se via aterrorizada na presença do bicheiro, desta vez sua desenvoltura era quase de flerte. Outra diferença entre o primeiro e o segundo relato é a presença das grã-finas, que fazem uma visita a Boca e, du-rante a cena, ficam maravilhadas com ele, como se estivessem diante de um animal exótico no zoológico. Diante das pergun-tas impertinentes das mulheres da alta sociedade, o bicheiro decide fazer uma competição: a mulher com os melhores seios ganharia um colar de pérolas. Celeste sai ganhadora e as grã-fi-nas, humilhadas, são enxotadas da casa de Boca. Celeste, eufó-rica por sua vitória, começa a conjecturar abandonar o marido e ficar com Boca de Ouro, até que Leleco aparece na casa do bicheiro com o objetivo de buscá-la. O casal começa a discutir, pois Celeste não quer ir embora com o marido, e Leleco aponta um revólver para Boca e ameaça matá-lo. Celeste, aproveitan-

do-se de sua distração, apunhala o marido pelas costas.

Na última versão do relato, após uma briga e reconciliação de D. Guigui e seu marido Agenor, Celeste e Leleco são apresenta-dos no meio de uma discussão, Leleco ameaça Celeste com um revólver e lhe conta que a viu com um amante. Celeste revela que seu amante é ninguém menos que Boca de Ouro. Diante da hipótese de morrer, Celeste convence Leleco que ela pode lhe dar dinheiro do bicheiro em troca de sua vida. Sai, então, ao encontro do Boca de Ouro e lhe conta sobre a descoberta do marido. Quando Leleco chega na casa do bicheiro, Celeste se esconde. A conversa entre os dois é marcada pela casuali-dade do bicheiro e a tensão do marido, até que Leleco aponta o revólver para Boca e o ameaça em troca de dinheiro. Celeste, então, aparece e, diante da súbita distração de Leleco, Boca de Ouro pega seu revólver, que estava em seu bolso traseiro da calça, e o acerta com uma coronhada na cabeça. Juntos, Celeste e Boca matam Leleco e escondem seu corpo atrás de um móvel. Logo após, uma das grã-finas do relato anterior – agora com seu nome revelado, Maria Luísa – faz uma visita ao bicheiro. Nessa visita, descobre-se que Celeste e Maria Luísa estudaram juntas quando jovens, e Celeste ainda guarda um grande rancor das épocas de colégio. A grã-fina, após o colégio, converteu-se a uma religião e estava para entrar em uma Ordem religiosa, na qual as mulheres raspam a cabeça, fato repetido várias vezes por Boca. O contato entre o bicheiro e a grã-fina se dá porque ela quer batizá-lo e, para isso, ele mente e diz que nunca matou ninguém. Celeste, em sua fúria com Maria Luísa, revela o corpo de Leleco e diz que Boca o matou. Ao ser desmascarado, Boca

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ameaça a grã-fina, mas finda por matar Celeste com um golpe de navalha, e se deita com Maria Luísa.

O choque final vem ao término do último ato quando, ao chegar ao Instituto Médico Legal, o repórter Caveirinha descobre que o responsável pelo crime passional (vinte e nove punhaladas e todos os dentes do bicheiro arrancados) foi Maria Luísa. O “bandido famigerado, terror de todos os outros contraventores da cidade e nome que põe em estado de alerta o mundo [...] vai cair vítima de sua mais brilhante conquista – a mulher de alta classe”. (LINS, 1979, p. 123) Essa descoberta abre um leque de possíveis análises para os relatos de D. Guigui, inclusive a possi-bilidade de nenhum deles ser verdade.

A morte do bicheiro atrai multidões para ver seu cadáver. No-ta-se, então, que Boca de Ouro realmente se consagrou como uma figura do imaginário suburbano carioca, mesmo diante de sua evidente ruína. Ele é uma personalidade: admirado, temido e respeitado por todos.

Figura do manda-chuva autoritário e paternalista, o Boca constrói seu carisma apoiado na oferta de gratificação material (o dinheiro ganho no jogo, ou o bem conseguido no favor) ou imaginária (o teatro composto por sua figura, e em torno dela, gratifica um contingente de ‘pequenos homens’ a destilar suas vidas amargas num cotidiano sem encanto). Seu nome significa dinheiro e sensação, paixões e interesses de alto risco. A crônica da página policial e a atenção social a qualquer dos seus movimentos – afinal, é uma ‘personalida-de’ – acabam por oferecer-lhe um espaço de consagração no

qual mesmo a condenação o promove e representa a vitória da periferia no espaço da mídia. Ele é, portanto, o herói que se teme mas que se admira, e do qual se espera favores, figura de uma intimidade que muda o sentido de sua violên-cia, pois tudo nele é familiar. (XAVIER, 2003, p. 232-3)

É perceptível, por fim, que tudo o que é dito sobre o persona-gem Boca de Ouro, revela-nos mais sobre a natureza daquele que fala, do que do infame bicheiro. Pellegrino (2004) afirma que “esta é a linha psicológica pela qual a peça ganha unidade e profundidade, uma vez que os personagens [...], ao falar de ‘Boca de Ouro’, falam também de si e, ao criar a sua imagem mítica, se revelam nos seus sonhos de poder e despotismo” (p. 284).

ELEMENTOS RELEVANTES EM BOCA DE OURO

Agora que se tem uma ideia geral da trama da peça, focaremo--nos em alguns aspectos específicos que marcam a história, e que foram explorados mais a fundo para a posterior criação da narrativa da animação. São eles: a dentadura de ouro, a pia de gafieira, o caixão de ouro, a navalha/punhal e as múltiplas faces que Boca de Ouro assume durante a peça.

DENTADURA DE OURO

Como já foi comentado, o único momento da peça em que se vê o verdadeiro Boca de Ouro, sem o intermédio de outra personagem, é quando o bicheiro vai a um consultório e pede ao dentista para arrancar todos os seus dentes (que, segundo o dentista, eram os mais perfeitos que ele já tinha visto) e substi-tuí-los por uma dentadura de ouro.

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Com isso, o protagonista obtém seu pseudônimo, Boca de Ouro, e se “coroa” como uma personalidade da Zona Norte carioca. Os dentes de ouro foram uma maneira do bicheiro demonstrar seu poder, em especial o financeiro.

“BOCA DE OURO – Mas eu pago! Doutor, eu já lhe disse que pago! O senhor quer dinheiro? (bate nos bolsos, numa euforia selvagem) Dinheiro há! Dinheiro há! Toma!” (RODRI-GUES, 2004, p. 196)

Em outra cena, ao interagir com Leleco, Boca de Ouro comenta que gosta que o chamem pelo seu pseudônimo, e considerava uma desfeita que não o fizessem. Logo após, o bicheiro fez questão de mostrar a Leleco seus dentes, como que para reafir-mar seu poder e superioridade em relação ao rapaz.

“BOCA DE OURO – Escuta aqui: eu, quando converso com um cara, gosto que me chame de ‘Boca de Ouro’... (ame-açador) E você ainda não me chamou de ‘Boca de Ouro’ uma única vez… Está querendo me desfeitear, menino?” (RODRIGUES, 2004, p. 207)

A dentadura de ouro dá início à história do homem como mito, distanciando-o da humilhação de ter nascido em uma pia de gafieira. Com ela, Boca de Ouro realmente inicia sua reputação como o temido Drácula de Madureira. Seus dentes são sua assinatura, sua reafirmação como o homem mais rico e influente do subúrbio carioca.

Pellegrino (2004) descreve bem a simbologia de colocar os dentes de ouro:

Neste gesto o personagem define, desde logo, com um vigor absoluto, o cerne de seu projeto existencial. “Boca de Ouro” escolhe aí o caminho da potência onipotente, da força desmesurada e agressiva através da qual espera agarrar a invulnerabilidade a que aspira. Os dentes naturais são perecíveis, envelhecem e morrem. Seu poder de domínio triturador está limitado pelas travas insuperáveis da condi-ção humana. “Boca de Ouro”, ao optar pela dentadura que lhe deu o nome, busca transfigurar-se e imortalizar-se pelo caminho da agressão primitiva, aquém ou além do bem e do mal. Nesta medida, coroado rei por si mesmo (coroado nos dentes), sentado no trono de seu despotismo sem limite, o personagem transcende o subúrbio e se configura como herói da espécie, violento e terrível. (p. 283)

PIA DE GAFIEIRA

Apesar de suas tentativas de escapar de sua origem humilde, o rumor das circunstâncias de seu nascimento corre solto pela so-ciedade. A pia de gafieira constitui, então, o ponto fraco de Boca de Ouro, tanto por sua humilhação, quanto pelo abandono, que o faz ser obcecado em descobrir coisas de sua mãe, talvez em busca de formar uma imagem de como ela seria. Percebe-se que ele endeusa aquilo que concebeu da figura materna, algo contrastante em relação a como ele se sente em relação ao seu batismo na pia da gafieira.

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“D. GUIGUI – [...] Pois foi falar, justamente, da mãe de ‘Boca de Ouro’! Esse negócio de ‘pia de gafieira’, ele não admite, ah, não! Queres saber da maior, e vê se tem cabimento: o ‘Boca’, quando bebe, chama a mãe de ‘A Virgem de Ouro’! [...]” (RODRIGUES, 2004, p. 216)

CAIXÃO DE OURO

Seu nascimento humilde faz com que Boca de Ouro busque uma expiação, que vem na forma de uma morte luxuosa, em um caixão de ouro. Na cena do consultório de dentista, Boca, ainda no início de sua reputação, já alimentava o desejo que tinha pelo caixão valioso.

“BOCA DE OURO – [...] Sonhei que morria e que me en-terravam num caixão de ouro. Doutor, quanto custa um caixão de ouro? [...] Doutor, vou juntar os vinte milhões e quando eu fechar o paletó, vou meter um caixão de ouro…” (RODRIGUES, 2004, p. 197)

Assim como a pia de gafieira, corre o rumor de seus planos de ser enterrado em um caixão de ouro. Inclusive, um dos boatos que dizem é que Boca de Ouro pega as alianças das mulheres casadas com as quais se envolve e manda derreter para com-por seu caixão. Se a dentadura de ouro foi sua autocoroação como rei, o caixão de ouro seria sua ascendência como deus.

Pellegrino (2004) coloca bem o confronto entre a pia de gafieira e o caixão de ouro, os dois maiores contrastes da vida do Boca de Ouro:

“Boca de Ouro”, nascido de mão pândega, parido num reservado de gafieira, tendo perdido o paraíso uterino para defrontar-se com uma realidade hostil e inóspita, sentiu--se condenado à condição de excremento. Seu primeiro berço foi a pia da gafieira, onde a mãe, aberta a torneira, o abandonou num batismo cruel e pagão. [...] Ele, excremento da mãe, desprezando-se na sua imensa inermidade de rejei-tado, incapaz de curar-se desta ferida inaugural, pretendeu a transmutação das fezes em ouro, isto é, da sua própria humilhação e fraqueza em força e potência. Esta alquimia sublimatória ele a quis realizar através da violência, da embriaguez do poder destrutivo pelo qual chegaria à con-dição de deus pagão, cego no seu furor, belo e inviolável na pujança de sua fúria desencadeada. Ao útero materno mau, que o expulsou e o lançou na abjeção, preferiu ele, na sua fantasia onipotente, o caixão de ouro, o novo útero eterno e incorruptível onde, sem morrer, repousaria. (p. 284)

NAVALHA/PUNHAL

Pode-se dizer que a lenda (e talvez até a verdadeira personali-dade) do Boca de Ouro foi delineada por estes três elementos já comentados. Eles marcam seu início (a pia de gafieira), sua consagração (a dentadura de ouro), e, supostamente, seu fim (o caixão de ouro). Mas, em contrapartida ao caixão de ouro, o fim sonhado pelo bicheiro, o término verdadeiro foi bem mais cruel, e pode ser definido por outro elemento marcante da trama: a navalha/punhal.

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Em todos os relatos de D. Guigui, em todas as variadas facetas que ela atribui a Boca de Ouro, há sempre um fator comum: sempre há a presença do objeto cortante. No primeiro relato, o bicheiro manipula a navalha enquanto conversa com Leleco. Utiliza-se da navalha como uma ameaça ao rapaz. Quando Leleco chega, o bicheiro está dando golpes de navalha no ar e, durante a conversa, brinca com o objeto enquanto bebe cerveja. A nava-lha só é abandonada com a chegada de Celeste. Nesta versão, a morte de Leleco se dá por coronhadas de revólver, um jeito mais bestial de se matar, que exige força, violência e pouco capricho.

No segundo relato, a navalha se metamorfoseia em um punhal, que se adequa melhor à imagem de “lorde” do bicheiro. Na con-versa entre Celeste e Boca, ela comenta que o viu esfaquear um homem quando pequena, o que diverte o bicheiro. O artefato, em si, só aparece quando Leleco aparece e tenta levar Celeste com ele. Assim como no primeiro relato, Boca de Ouro se utiliza do objeto como uma forma de ameaça, desta vez mais sutil do que a anterior. O bicheiro limpa as unhas e brinca com o punhal enquan-to conversa e tenta apaziguar os ânimos de Leleco. Desta vez, o punhal é realmente a arma empregada no assassinato, só que pelas mãos de Celeste. Ao final, Boca de Ouro permanece com sua pinta de lorde, não sujou suas mãos com a morte do rapaz.

Na terceira e última narração de D. Guigui, o primeiro golpe em Leleco volta a ser uma coronhada de revólver. A diferença se dá quando Boca dá um punhal a Celeste e, juntos, ele com a coronha da arma e ela com o punhal, matam Leleco. É apenas mais tarde, quando Maria Luísa descobre o cadáver de Leleco,

que a navalha faz sua aparição. Boca de Ouro a utiliza e ame-aça matar a grã-fina mas, por fim, dá o golpe em Celeste, que perece. Neste relato, o bicheiro traz características de ambos os relatos prévios, é agressivo e, ao mesmo tempo, encantador; Nelson Rodrigues evoca bem estas características no formato da navalha e do punhal, que aparecem em cena.

Por fim, descobre-se que o próprio Boca de Ouro morreu vítima de 29 punhaladas, pelas mãos de Maria Luísa, a “falsa piedosa”, como definida por Xavier (2003). Um fato irônico que nos faz pensar até se o punhal utilizado no crime não era o dele próprio.

MÚLTIPLAS FACETAS DO BOCA DE OURO

Por último, analisamos o aspecto mais importante da trama: as múltiplas facetas adotadas por Boca de Ouro ao longo da tra-ma. Aqui, leva-se em conta, não só as três personalidades que Guigui atribuiu ao bicheiro, como também os pontos de vistas das demais personagens da peça, como os jornalistas. Segundo Lopes (1994), “Boca de Ouro é, segundo o próprio autor, um personagem da mitologia popular. A característica do mito é a proliferação de suas versões. E na tradição oral, sabe-se, ocorre inevitavelmente uma deformação, uma transformação.” (p. 75)

Como já foi dito anteriormente, só temos contato com o verda-deiro Boca de Ouro em uma única cena no início da peça. Vale lembrar, também, que, nesta cena, Boca de Ouro ainda estava se iniciando no mundo do crime e construindo sua reputação; um longo caminho até o Boca de Ouro consagrado que nos apresenta Dona Guigui.

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Durante toda a peça, temos o Boca como uma figura isolada; quem o conheceu tem um palpite sobre ele, e quem não o conheceu também. O fascínio dos jornais sobre ele inicia-se, verdadeiramente, nas casas de Madureira. Xavier (2003) afirma: “Temos, portanto, três pólos temáticos: o mito, o teatro da mídia e a cena familiar, os quais se alimentam reciprocamente [...] Há o mito, o jornal, as ressonâncias da esfera pública, mas a teia do imaginário começa em cada casa” (p. 234). Facina (2004) destaca o papel fundamental da imprensa na peça, e ainda acrescenta que “os personagens rodriguianos ora estão à mercê de seus instintos, incapazes de autocontrole e, portanto, inci-vilizados, ora são vítimas dos próprios símbolos da civilização moderna: a imprensa, a opinião pública [...]”. (p. 201)

Medeiros (2010) complementa: “Boca de Ouro tem, enfim, uma característica trágica urbana definida, inclusive pelo perfil de seu protagonista, que ‘pertence muito mais a uma antologia suburbana do que à realidade normal da Zona Norte’”. (p. 146)

Um fato interessante a ser apontado neste quesito é que, no início da peça, Nelson Rodrigues (2004) aponta que, como Boca de ouro é “uma figura que vai, aos poucos, entrando para a mitologia suburbana, pode ser encarnado por dois ou três intér-pretes, como se tivesse muitas caras e muitas almas. Por outras palavras: diferentes tipos para diferentes comportamentos do mesmo personagem”. (p.195)

Ele se tornou alguém tão influente e mítico que, se não fosse por sua dentadura de ouro, talvez não fosse sequer reconheci-do pelas pessoas. Esta foi, em grande parte, a razão do choque

e desgosto da população diante de seu cadáver. Percebeu-se, ali, que o grande Boca de Ouro era um mero ser humano, e desdentado, ainda por cima. A conversa final entre o repórter Caveirinha e o locutor da rádio definem bem a quebra da ex-pectativa da população ao cadáver do bicheiro lendário:

LOCUTOR [...] – “Caveirinha”, o que é que você me diz do paradoxo cruel desse crime? [...] Esse povo veio ver o “Boca de Ouro”, o célebre “Boca de Ouro”. Entra no necrotério e encontra, em cima da mesa, um cadáver desdentado!CAVEIRINHA (com um sincero espanto) – Desdentado?LOCUTOR [...] – Sem um mísero dente! Não é um paradoxo? É um paradoxo! Um homem existe, um homem vive por causa de uma dentadura de ouro. Matam esse homem e ainda levam, ainda roubam a dentadura da vítima! [...] Mas o povo carioca é formidável, de amargar esse povo! E de uma irreverência deliciosa! Ali, na fila estão fazendo piadas com o pobre defunto. Um já disse que é o “Boca de Ouro” de araque! [...] (RODRIGUES, 2004, p. 256-7)

Ao final da conversa, Caveirinha exprime, de forma sucinta, o sentimento de todos em relação ao crime e ao morto.

“LOCUTOR – Não vai expiar o ‘Boca de Ouro’?CAVEIRINHA – Não. Desdentado não é a mesma coisa. Não sei explicar. [...]” (RODRIGUES, 2004, p. 257)

A sobreposição de histórias e opiniões sobre a persona que foi Boca de Ouro é o que constrói sua lenda e dá profundidade à

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trama. Com isso, Boca de Ouro se consagra como um perso-nagem mítico, não apenas na peça, como também em nosso imaginário. Ele sempre “existirá pelos olhos dos outros, terá as múltiplas faces que os outros lhe atribuem, será, além de si pró-prio, a encarnação das fantasias de onipotência que os outros, através dele, buscam exprimir”. (PELLEGRINO, 2004, p.283-4) A verdade sobre o que aconteceu com Celeste e Leleco não é im-portante, fica em segundo plano em relação ao bicheiro, falado por todos e nunca verdadeiramente conhecido por ninguém.

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SENHORA DOS AFOGADOS

A família é o inferno de todos nós. (RODRIGUES apud FACINA, 2004, p. 97)

Senhora dos afogados é uma tragédia em três atos e seis qua-dros, escrita em 1947. Na classificação feita por Sábato Magaldi, sob a supervisão de Nelson Rodrigues, ela foi classificada como uma de suas peças míticas.

Os fatores que destacam as peças míticas são, principalmente, o teor das peças, muito mais próximo à tragédia que as outras, e os dados locais e temporais não precisos das tramas. Em Senhora dos afogados, por exemplo, as únicas especificações dadas pelo dramaturgo sobre o lugar e tempo da peça são, respectivamente: “perto de uma praia selvagem” e “quando quiser”. (198-, p. 256)

Isto se dá porque as famílias retratadas nas peças míticas se encontram sempre isoladas da sociedade. Não há necessidade de determinar um local e tempo exatos, porque as histórias poderiam ocorrer em qualquer lugar e data.

Apesar disso, Castro (1992) afirma que a maior inspiração de Nelson para escrever Senhora dos afogados foi uma viagem que o dramaturgo fez, aos dezesseis anos, para sua cidade natal, Reci-fe. A esfera boêmia da cidade, a qual ele frequentou durante sua estadia em terras pernambucanas, foram evocadas para dar um toque místico à peça. Além disso, uma crítica de Claude Vincent (Tribuna da Imprensa, 1954, caderno 2, p. 4, apud MEDEIROS, 2010, p. 39) diz que a obra é “inspirada pelas praias pernambu-canas que [Nelson Rodrigues] foi rever, antes da guerra. É muito

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possível, efetivamente, que a tristeza daquelas casas abandona-das possa sugerir o ambiente de uma tragédia.” [grifo nosso]

Apesar das especificidades da cidade que inspirou o drama-turgo, em Senhora dos afogados, a família dos Drummond (as principais personagens da trama) vive distante da sociedade, quase como em uma realidade remota. Medeiros (2010) afirma que o isolamento é “um fator bastante significativo que ajuda a compor não apenas o sentimento trágico imanente à sua dramaturgia, mas também certa referência à tragédia moder-na”, e que, no universo da família Drummond, “por isolados que estão, incondicionalmente as conseqüências são graves, con-tundentes, destruidoras.” (p. 101) Tanto que Silva (2016) define, muito brevemente, que Senhora dos afogados é “a história de uma família e seu esfacelamento”. (p. 63)

Além disso, vale apontar que Senhora dos afogados foi definida pelo próprio Nelson Rodrigues, em uma entrevista feita em 1949 para a revista Dionysos (apud MEDEIROS, 2010, p. 29), como uma de suas “peças desagradáveis”. Nesta entrevista, o dramaturgo diz “[...] estou fazendo um ‘teatro desagradável’ [...] E porque ‘peças desagradáveis’? Segundo já se disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia”.

A história se inicia com o velório de Clarinha Drummond, uma das filhas de Misael e D. Eduarda. As únicas a velar o corpo são a própria mãe, Moema (irmã de Clarinha), D. Marianinha (mãe doida de Misael, que geralmente é chamada apenas de Avó), e os vizinhos. Clarinha, assim como Dora, outra filha dos Drum-

mond, morreu afogada no mar. O patriarca da família se encon-tra em um jantar importante; e Paulo (o único filho homem) e o noivo de Moema (que não é nomeado, sendo citado sempre como Noivo) estão no mar, procurando o corpo de Clarinha, por isso estão ausentes da cena.

Logo na cena inicial, o autor já define alguns detalhes que seguirão durante toda a peça. Lopes (1994) diz que “o primeiro elemento com o qual entramos em contato ao subir o pano: [é] a luz do farol. É o que vai logo imprimir à cena seu ritmo e sua tensão: a alternância sombra-luz. É o que vai, de certa forma, determinar cenicamente a ação.” (p. 85) [grifo nosso]

Além do jogo de luz e sombra do farol, outro elemento marcan-te se faz presente, e será vital para a trama da peça: o mar. Du-rante toda a história, o som do mar é presente no background.

Não só o mar marcará a sonoplastia da peça, a peça será tomada, em alguns momentos, pelo canto lúgubre das prostitutas do cais. Isto porque, no mesmo dia da morte de Clarinha, dezenove anos antes, uma prostituta foi assassinada a machadadas, e suspeita-se que Misael seja o culpado. Somando-se a isto, neste mesmo dia, Misael e D. Eduarda completam dezenove anos de casados.

Durante este primeiro momento, fica claro que há um conflito entre Moema e D. Eduarda. Percebe-se que a mãe é desconsi-derada pela família (até mesmo pela sogra louca), pelo fato de ser de outra terra, não uma Drummond verdadeira.

AVÓ (ressentida) – [...] És esposa de meu filho Misael… [...] Mas não te pareces com as outras mulheres da família… És

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estrangeira... [...] [falando com Moema] Das mãos de tua mãe não aceitarei nada… Só de ti… Tu és mulher, mas de ti eu gosto, sempre gostei… (meiga para Moema) Fria, como as nossas mulheres!... (RODRIGUES, 198-, p. 262-3)

E, de fato, Moema e D. Eduarda não são parecidas, com exce-ção das mãos, que se assemelham e até fazem movimentos que coincidem. O único que tem um apreço real pela matriar-ca é Paulo que, segundo as palavras de Moema, “saiu à mãe” (RODRIGUES, 198-, p. 264). Medeiros (2010) estabelece que “a esposa do patriarca dos Drummond vive entre a família em total isolamento: sem o amor do marido nem da filha e em constantes conflitos com a sogra. Voz dissonante entre os seus, nem por meio do filho Paulo ela consegue quebrar essa solidão, mantendo-se sempre à parte de tudo o que decidem.” (p. 102)

E, de fato, D. Eduarda se mostra bastante afetada pelo isola-mento, em especial, aquele que a filha lhe proporciona.

“D. EDUARDA – Se eu pudesse encheria, hoje, a casa de pessoas, mesmo de inimigos meus… contanto que eu não fi-casse sozinha, ou só com você… (soluçante) Estar com você é a pior maneira de estar sozinha!” (RODRIGUES, 198-, p. 266)

Nota-se, também, que os Drummond são uma família que preza suas tradições: as mulheres da família Drummond não traem, os Drummond não choram, os Drummond não enlouquecem.

A conversa entre mãe e filha se estende até chegar ao assunto do Noivo, com quem D. Eduarda não quer que Moema se rela-

cione. Para comprovar seu ponto, ela faz com que os vizinhos contem à jovem os rumores que correm sobre seu noivo: que passa o dia rodeado de mulheres e tem tatuado em seu corpo o nome de várias prostitutas.

Na hora da ceia, Paulo retorna de sua busca. Durante a refeição, o canto das prostitutas invade a casa, impedindo que se reze pela alma de Clarinha. A conversa da família continua, até que Paulo pergunta à Moema por que está sempre vestida de preto, para o qual ela responde ter feito um voto, que só deixará seu luto quan-do um certo dia chegar, e esse dia será o mais feliz de sua vida.

Ao retornar de seu banquete importante, Misael está pertur-bado, não só pela notícia da morte da filha, como também por uma visão que teve, durante seu discurso, de uma mulher de seu passado que há muito tempo está morta. Em sua primeira interação com a família, é perceptível o afeto que Moema sente por ele e o ciúmes que tem ao vê-lo com D. Eduarda.

Misael e D. Eduarda, por sua vez, são um casal em crise. Quando se encontram a sós em seus aposentos, inicia-se uma discussão na qual Misael confronta a mulher, se ela acredita que foi ele quem assassinou a prostituta anos atrás. Ao não re-ceber resposta, a acusa de colocar veneno em seu remédio do coração. Ele, então, a obriga a beber o remédio e percebe que suas suspeitas são falsas.

D. EDUARDA (gritando) – Eu sei o que vais perguntar. Mas não respondo!MISAEL (segurando a mulher pelos dois braços) – Achas que eu sou…

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D. EDUARDA (virando o rosto, num sopro de voz) – Não sei.MISAEL – ...Achas que eu sou o assassino?D. EDUARDA (desesperada) – Disse que não respondia!MISAEL – Responde!D. EDUARDA (chorando) – E te importa saber o que eu pen-so?MISAEL (selvagem) – Sou o assassino?(Pausa. Os dois se olham.) (RODRIGUES, 198-, p. 282)

O segundo ato se inicia com a chegada do Noivo à casa dos Drummond, chega em êxtase dizendo que sua mãe (que mora em uma ilha, segundo ele) retornou. Ao comentar da mãe com os vizinhos e, posteriormente, com Moema, percebe-se que a coloca em um pedestal, de maneira muito semelhante a como Moema vê Misael.

Após sua chegada à casa, o Noivo vai ao quarto de Misael e D. Eduarda. O desconforto do casal em relação ao futuro genro é perceptível, também é notável o confronto que se dá entre o Noivo e o patriarca dos Drummond. O Noivo lhe diz que sua mãe havia chegado e que o único que a viu foi Misael, infor-mação que ele nega. O jovem, então, responde que ele a havia visto no banquete em que estava.

MISAEL (avançando para o noivo) – Essa mulher que eu vi no banquete, que estava defronte de mim – olhando sempre para mim –, essa mulher não pode ser sua mãe.NOIVO – Era minha mãe!MISAEL – Essa mulher está morta, morreu há muito tempo…

NOIVO (exultante) – Minha mãe também está morta, morreu há muito tempo…MISAEL (na boca de cena e com medo) – Morta!NOIVO (selvagem) – Desde que morreu, foi para a ilha, mora na ilha! (RODRIGUES, 198-, p. 296)

O embate entre os dois se desenvolve ao ponto em que o Noivo revela que sua mãe é, na verdade, a prostituta que foi assas-sinada há dezenove anos (e a ilha onde ela mora é, segundo o rapaz, a ilha para onde vão as mulheres da vida após a morte), e que Misael, que teve um caso com a prostituta, é seu pai.

“NOIVO [...] – [...] (vira-se, para Misael) Olhe bem para mim. Assim. Bem no fundo dos meus olhos… [...] reconhece este rosto? Estes olhos? (passando a mão, com angústia, pelo próprio rosto) Reconhece a sua carne em mim?” (RO-DRIGUES, 198-, p. 297)

Em seguida, o Noivo faz com que Misael confesse que foi realmente o assassino de sua mãe. A única testemunha de seu crime foi a Avó, que enlouqueceu em razão disso. Segundo Ma-galdi (198-), “a loucura representou para a Avó o refúgio da res-ponsabilidade de ter testemunhado o crime do filho. Alienada do mundo, ela não julga, não condena – encontra na ausência a cura da tragédia”. (p. 46)

Nesta mesma conversa, D. Eduarda revela que não gosta do Noivo pois, verdadeiramente, é apaixonada pelo rapaz.

“D. EDUARDA (no seu deslumbramento) – Eu disse tanto mal

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de ti… Te chamei de bêbedo, de louco… Rezei para que fosses embora e não pertencesses nem a mim, nem à minha família… Desejei que te afogasses para que nenhuma mu-lher beijasse teu corpo…” (RODRIGUES, 198-, p. 299)

O Noivo vê, ali, uma chance de se vingar de Misael, e parte com D. Eduarda para o cais das prostitutas. Depois da partida de D. Eduarda e o Noivo, Moema vai consolar o pai. Ela, então, lhe re-vela que matou suas duas irmãs, Clarinha e Dora, por ciúmes. Ela as matou afogadas para que os corpos não fossem encontrados. Além disso, ela retirou todas as fotos e pertences das irmãs da casa, para que Misael não se recordasse da aparência das filhas.

MOEMA – Afoguei minhas irmãs, como se ferisse no meu pró-prio ser… Afoguei as filhas que preferias e acariciavas, enquan-to eu sofria na minha solidão… [...] Procura em toda a casa, nos espelho também… Tuas filhas não estarão em lugar nenhum… Nem vivas, nem mortas… Não existem nem os retratos, que eu destruí; nem as roupas… Queimei a memória delas… Sabes ainda como eram? Te lembras dos olhos, dos cabelos? [...] Sabes pouco… Saberás cada vez menos… Até que um dia nada restará delas na tua memória… Só existirei eu, minha imagem diante de ti… [...] (RODRIGUES, 198-, p. 305)

O pai, que está em um estado meio delirante de culpa, sofre, também, pelo abandono da esposa, e aponta, continuamente, o quanto as mãos de Moema se assemelham às da mãe. Moema tenta convencer o pai que D. Eduarda, que virou as costas para a tradição de fidelidade da família, não merece viver, e o incita

que puna a esposa pelas mãos, que, segundo ela, “são mais culpadas no amor”. (RODRIGUES, 198-, p. 308)

Paulo, que seguia buscando o corpo de Clarinha, retorna, então, à casa. Moema lhe conta o que aconteceu com D. Eduarda e o incita a matar o Noivo. Os dois partem para o cais das prostitutas, para que Paulo possa confirmar, com os próprios olhos, o que a irmã disse.

O terceiro ato começa com o Noivo e D. Eduarda no cais das prostitutas. Lá, ele fala sobre sua mãe e a ilha das prostitutas mortas, pela qual D. Eduarda se encanta. Durante este meio tempo, Moema e Paulo, juntos, e Misael, sozinho, chegam ao cais e passam a assistir a cena. O Noivo e D. Eduarda sobem, então, ao quarto e, ao sair, ele se lamenta, pois não pensou na mãe durante o ato, apenas em D. Eduarda. Assim que eles saíram, Paulo apunhala o Noivo pelas costas e o mata. E se dá, aí, o estopim da tensão entre Moema e D. Eduarda.

“D. EDUARDA (rosto duro como uma máscara) – Deus fez tua vontade! Traí meu marido! [...] Desce e vem chamar tua mãe de prostituta!(Silêncio. Moema desce, lentamente. Mãe e filha, face a face.)MOEMA – Prostituta!” (RODRIGUES, 198-, p. 322)

O último quadro da peça se inicia com a partida do caixão de D. Eduarda. O restante da família Drummond observa. Misael e Paulo estão de luto, já Moema veste um lindo vestido branco, em comemoração à morte da mãe.

Descobre-se, no diálogo posterior entre Misael, seus filhos e um vendedor de pentes, as circunstâncias da morte de D. Eduarda:

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depois da morte do Noivo, Misael agarrou D. Eduarda pelos cabelos e a arrastou até a praia, onde cortou suas mãos com um machado. Ela faleceu em decorrência disso, “morreu de saudades das próprias mãos” (RODRIGUES, 198-, p. 326). Paulo, não conseguindo conviver com a morte da mãe e a culpa de ter assassinado o Noivo, pede para que Moema diga que o mar o chama. Ela, pesarosamente, o faz, e ele se mata afogado.

Diante de outra morte que foi, de certa forma, causada por Moema, o vendedor de pentes e os vizinhos afirmam que ela será amaldiçoada, que nunca mais verá a própria imagem. Mo-ema, em desespero, põe-se diante de um espelho, no qual vê, não o seu reflexo, mas o de D. Eduarda, vestida de preto e com as mãos decepadas. Moema, em cólera profunda, grita com a imagem de D. Eduarda, mandando-a embora, o que ela faz, deixando-a sem reflexo algum diante do espelho.

Em seu triunfo, Moema não percebe que Misael, “por ataque cardíaco ou ímpeto de autodestruir-se” (MAGALDI, 198-, p. 41), morreu no meio tempo. Magaldi (198-) também comenta “nem se nota, no clima de densidade que se desencadeou, que a Avó morre de forma quase inverossímil: Moema se esque-ceu, durante muitos dias, de levar-lhe água e comida, e ela foi perdendo as forças, até não respirar mais” (p. 47). Sem seu pai e sua avó, Moema se encontra sozinha, sem imagem e com suas mãos, que a lembram da mãe que tanto odiou.

ELEMENTOS RELEVANTES EM SENHORA DOS AFOGADOSSenhora dos afogados é marcada por simbolismos e significa-ções, todos utilizados para obter um propósito específico e estilístico. Como já foi dito, as peças míticas de Nelson Rodri-gues são, dentre suas obras, as que mais se assemelham a uma tragédia tradicional grega.

Medeiros (2010) afirma que “Senhora dos afogados é uma peça que se estrutura sobre os elementos da tragédia [...], possui em si marcas fortes do sentido trágico [...]” (p.112), para isso, Lopes (1994) aponta que “Nelson Rodrigues põe em jogo elementos ditos trágicos: o coro, noções como as de destino, de maldição, de fatalidade. Tudo o que se passa em cena remete a essa dita construção do trágico.” (p. 83) [grifo do autor].

Apesar disso, o dramaturgo não segue ao pé da letra o conceito da tragédia, utilizando-se de fatores não usuais para obter o efeito desejado no público: o choque e a repulsa. Sobre isso, Medeiros (2010) estabelece: “Para sua composição híbrida do drama, Nelson Rodrigues parte sempre de uma noção pré definida de forma, como da tragédia, inverte e confunde suas referências e desvela conceitos e concepções muito próprias” (p. 185) e acrescenta que “[n]a conceituação do trágico rodriguiano: é plausível chegar à tra-gédia a partir de quaisquer recursos dos quais o autor lance mão, desde que ajustados à intenção da peça.” (p. 103) [grifo nosso]

Analisemos, agora, alguns dos elementos utilizados pelo drama-turgo para acentuar a tragicidade da peça, e que foram de vital importância para o desenrolar da trama.

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O MAR

O primeiro elemento, e provavelmente o mais importante, se faz tão marcante na narrativa que Nelson, no início da peça, o apresen-ta como um “personagem invisível” e destino inevitável. É o mar, “próximo e profético, que parece estar sempre chamando os Drum-mond, sobretudo as suas mulheres”. (RODRIGUES, 198-, p. 259)

A relevância do mar para a narrativa remete, de certa maneira, o apelo que este tem para o próprio dramaturgo. Nelson, em suas memórias, diz: “Tenho umas poucas obsessões que cultivo, com paciência e amor. Uma delas é o mar. Qualquer praia va-gabunda, mesmo a de Ramos, tem para mim um apelo mortal. Às vezes, penso que já morri afogado em vidas passadas ou morrerei afogado em vidas futuras.” (2015, p. 22)

A fascinação de Nelson pelo mar está, claramente, expressa em Senhora dos afogados. O mar está sempre ao fundo, convocando e seduzindo os Drummond, seduzindo-os e, ao mesmo tempo, aterrorizando-os. “O destino é o mar. Não se fala mais de fatalida-de. Sente-se o cheiro do mar. [...] Há uma relação evidente entre o mar e a fatalidade, entre o mar e o destino.” (LOPES, 1994, p. 85)

A relação entre a família dos Drummond e o mar, como perso-nagem e destino, é uma dicotomia, na qual o último é evocado como um sentimento de atração – como quando D. Eduarda, para exprimir sua atração pelo noivo de Moema, afirma des-lumbrada que “quando ele chega, [...] eu sinto cheiro do mar nos meus cabelos” (RODRIGUES, 198-, p. 294) –, mas também, o mar é visto como um elemento maldito, uma sina da família, como pode-se constatar nesta passagem:

AVÓ – Minha neta Clarinha não se matou… Foi o mar… Aquele ali… [...] Sempre ele… [...] Não gosta de nós. Quer levar toda a família, principalmente as mulheres. (num sopro de voz) Basta ser uma Drummond, que ele quer logo afogar. (recua diante do mar implacável) Um mar que não devolve os corpos e onde os mortos não bóiam! (violenta, acusadora) Foi o mar que chamou Clarinha, (meiga, sem transição) chamou, chamou… (possessa, de novo, e para os vizinhos que recuam) Tirem esse mar, daí, depressa! (estendendo as mãos para os vizinhos) Tirem, antes que seja tarde! Antes que ele acabe com todas as mulheres da família!VIZINHOS (em conjunto) – Primeiro Dora, depois Clarinha!VIZINHO (solista, para um e outro) – Já duas afogadas na família!AVÓ – Depois das mulheres, será a vez dos homens… [...] E depois de não existir mais a família – a casa! (olha em torno, as paredes, os móveis, a escada, o teto) Então, o mar virá aqui, leva-rá a casa, os retratos, os espelhos! (RODRIGUES, 198-, p. 261-2)

O mar, na peça, será sempre o destino trágico, a maldição dos Drummond. Comprova-se isso no último quadro da peça, quan-do Paulo vê, no mar, sua redenção, a única alternativa para não ter que lidar com a culpa e tristeza que o assolam.

PAULO – Diz agora que o mar me chama…MOEMA (com medo) – O mar?PAULO – Diz que o mar está-me chamando e eu acreditarei… Caminharei para o mar. (num apelo maior) Sim, Moema?...

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MOEMA (sôfrega) – Queres o mar?PAULO (maravilhado) – O mar! [...]MOEMA (doce) – O mar te chama. (RODRIGUES, 198-, p. 326)

Quadros e Mousquer (20--), dizem que “a imersão nas águas neste caso não significa o fim de um ciclo e começo de outro, [...] não é apenas uma imersão, mas um afogamento e dessa forma, impulsiona à morte e apenas a ela” (p. 1304) Este mar, tão envolvente e impetuoso, evocará sempre, junto com ele, a ideia dos afogados, que assombram a família dos Drummond.

“D. EDUARDA – É verdade, Misael, que os peixes comem uma das faces do afogado, não o rosto todo, mas uma das faces?” (RODRIGUES, 198-, p. 276)

Os afogados, assim como o mar, incitam o deslumbramento, juntamente com o horror. Moema, ao matar suas irmãs, optou pelo afogamento por um motivo passional, incentivada pelo ciúmes que sentia do pai.

“MOEMA (feroz) – Se visses Clarinha agora, não a reconhece-rias… Os afogados têm os olhos brancos e a boca obscena!... (baixo, num esgar de choro) Não se pode amar um afogado…” (RODRIGUES, 198-, p. 278)

Mas não só isso, também o fez para que seus corpos não fossem encontrados, motivo que não deixa de ser passional, do ponto de vista de Moema.

MOEMA (fanática) – E era também preciso que não as visses

mortas. Matá-las, mas de uma maneira que ninguém lhes achasse o corpo. Eu não queria que tu fizesses quarto, que chorasses sobre o caixão… [...] Compreendes por que eu as dei ao mar, a esse mar que não devolve os afogados? (RODRIGUES, 198-, p. 304-5)

E, realmente, Paulo passa a maior parte da trama buscando o corpo da irmã, sem obter êxito. No entanto, apesar da perda do corpo físico, a constante presença do mar na casa traz a sensação de que os afogados estão mais próximos que nunca. Isto explica o respeito temente que Moema apresenta durante toda a peça.

“MOEMA (severa) – Não quero que procures mais o corpo de tua irmã… Não sentes que atormentas Clarinha, que irás irritá-la? É preciso não atrair o ódio dos afogados!” (RODRI-GUES, 198-, p. 269)

“MOEMA (voz velada) – Vamos rezar pelo eterno descanso de sua alma… Para que ela [Clarinha] fique onde está… (mais for-te) Para que ela nos dê sossego!...” (RODRIGUES, 198-, p. 291)

Por fim, descobre-se que este respeito é, na verdade, pavor disfarçado.

MOEMA (apertando entre as mãos o rosto) – Tenho! Tenho medo! (olhando em torno) Sei que nunca mais dormirei… Sei que vou passar todas as noites em claro; e vou queimar meus olhos em febre… Sei que hei de morrer em claro; mesmo depois da morte terei insônia… Rezo, para que Clarinha não venha, para que não

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volte… Que não apareça no meu quarto; nem na escada; nem no corredor… [...] (RODRIGUES, 198-, p. 305)

Nota-se que Moema, ao afogar seus irmãos e concretizar, assim, a ruína da família, se torna a senhora dos afogados. “Mo-ema não encontrou ninguém à altura de sua força e permane-ceu até o fim como a Senhora indômita e rebelde, [...] vigorosa – mas só.” (MARTUSCELLO, 1993, p. 114)

O FAROL

Além do mar, outro elemento marcante é o farol. Medeiros (2010) afirma que o farol proporciona à peça um:

jogo de sombra e luz recorrente [...] Esse movimento ambi-valente na composição cênica é bastante representativo de uma oposição ainda mais forte ao longo do texto, central na peça, entre a boa medida moral (o casamento, a esposa, as regras sociais) e o desregramento (o sexo transgressor, a prostituta, a fuga das leis do bom convívio). (p. 78)

A luz e sombra do farol exprimem visualmente uma dualida-de que permeia toda a peça. A dualidade do mar, envolvente e aterrador; de Moema, maldosa com todos e carinhosa com Misael; dos Drummond, que prezam os bons costumes, mas os quebram na surdina; dos vizinhos, que se mostram prestativos mas, pelas costas, maldizem a família Drummond de todas as maneiras possíveis; a oposição do preto e do branco nos vesti-dos de Moema; a D. Eduarda, que carrega o nome Drummond, mas é considerada uma estrangeira.

A luz do farol é o elemento que marca o início e o término da peça, que traz a tona o que há de mais obscuro nas persona-gens, que não permite que nenhum segredo permaneça nas sombras, que “ativa monstros, ou [...] torna visíveis esses mons-tros que fazem parte de nosso ser” (QUADROS, MOUSQUER, 20--, p. 1297).

OS DRUMMOND

Outro elemento a ser levado em conta é a própria família Drum-mond. Não as pessoas da família, necessariamente, mas as tra-dições e o peso que acompanham o sobrenome. Os Drummond são uma família muito orgulhosa de sua tradição de fidelidade, também por sua moral, pudor, sobriedade e frieza, mesmo que isso resulte na infelicidade. A reputação da família vem antes dos sentimentos pessoais. “Nos Drummond, os integrantes da família vivem cada um a sua própria solidão naquele meio que os impele, cada vez mais, a uma vivência trágica e individualiza-da”. (MEDEIROS, 2010, p. 103)

Seguem falas da peça (RODRIGUES, 198-), que mostram algu-mas das expectativas que vem entrelaçadas ao nome Drum-mond:

“AVÓ [...] – [...] Pudor têm todas as mulheres da família… [...] Na nossa família, as mulheres se envergonham do próprio parto, acham o parto uma coisa imoral – imoralíssima…” (p. 260)

“MOEMA (altiva) – Na nossa família ninguém se mata…” (p. 261)

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“MOEMA – [...] Os Drummond não deveriam enlouquecer.” (p. 271)

“PAULO [...] – Jura… Na nossa família todas as esposas são fiéis… A fidelidade já deixou de ser um dever – é um hábito. Te será fácil cumprir um hábito de trezentos anos [...]” (p. 273)

“MISAEL – [...] Um Drummond não pode amar nem a própria esposa. Desejá-la, não; ter filhos. Se Deus nos abençoa é por isso, porque somos sóbrios… Nossa mesa é sóbria e triste… A cama é triste para os Drummond…” (p. 285)

Mas os Drummond não vivem apenas com os deveres do sobre-nome, o nome também atrai maldições e destinos trágicos. Não só o mar que os ludibria e tenta carregá-los para uma sina terrível.

“PAULO – Moema, nós temos a loucura na carne, a loucura e a morte… Passo as noites em claro, pensando que andamos para a morte…” (RODRIGUES, 198-, p. 271)

Apesar de todos os infortúnios que acompanham o nome, os Drummond tem orgulho de sua herança, sua tradição. Eles car-regam o fardo e se orgulham dele, vivem fechados em um nú-cleo malfadado, que não aceita estranhos, até mesmo aqueles que são, supostamente, parte da família. “Nada de trocas, nada de alianças, as relações de ódio e amor devem nascer e morrer no seio da própria família”. (FACINA, 2004, p. 125)

“AVÓ – Não! Não é da família, Moema. Nem noivo, nem marido, nem amante são da família. Teu noivo é um estra-nho, um desconhecido. E, depois, quando te casares, ele continuará sendo um estranho, um desconhecido. Não é, nunca será um Drummond… E terás filho de um estranho… [...]” (RODRIGUES, 198-, p. 266)

D. Eduarda é o maior exemplo disso: apesar de estar casada com Misael há quase vinte anos, ela não é considerada uma verdadeira Drummond, o que a torna indigna de confiança. A Avó, e até o próprio Misael, não aceitam alimentos e bebidas de suas mãos, por suspeita que ela os tenha envenenado.

Esta rejeição que ela sofre faz com que, inicialmente, ela tente ser aceita de todas as maneiras possíveis, se provar digna do nome Drummond. Até que, em um certo ponto, seus esforços fracassados se tornam puro rancor, e ela vira as costas para toda a tradição familiar, abandonando Misael e fugindo com o Noivo para o cais das prostitutas. Seu ato não envolve apenas seus sentimentos pelo genro, mas também o desprezo que adquiriu pela família. Sua fuga foi sua maneira de afrontar tudo aquilo que ela tentou seguir por dezenove anos.

“D. EDUARDA (histérica) – Tua vingança, só? Só tua? [...] Minha também!... Minha! Eu também estou me vingando… Deles, todos!... Daquela casa, e dos parentes, vivos e mor-tos… Do meu marido! Da minha filha! E me vingo também de mim mesma… Me vingo da minha própria fidelidade [...]” (RODRIGUES, 198-, p. 317)

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Ao final, a família de grande renome foi dizimada, um a um, até sobrar apenas Moema, infeliz e solitária, atormentada por se ver como a própria mãe, e portar mãos idênticas às dela. A maldição se concretizou, a tragédia dos Drummond se encerra sob a iluminação do remoto farol e com os chamados do fatídico mar. Até mesmo D. Eduarda, a estrangeira, sofreu o mesmo fim dos Drummond, tendo seu reflexo (aprisionado no espelho) levado pelas águas malditas.

O CORO

O elemento do coro se apresenta de duas maneiras na peça: pelos vizinhos e pelas prostitutas. O coro dos vizinhos também segue a dualidade apresentada em toda a peça, “serve ora para apresentar ao público algumas informações que o situarão na ação geral, a exemplo de uma das funções de coro nas obras clássicas; ora servem para ironizar a situação, funcionando como um grupo de vizinhos fofoqueiros” (MEDEIROS, 2010, p. 107).

Sua dualidade também se materializa nas máscaras: os vizi-nhos, quando com rostos humanos, representam o compor-tamento humano esperado quando socialmente, e nestes momentos, são cordiais, educados e prestativos. Mas quando utilizam máscaras horrendas, que são, na verdade, seus verda-deiros rostos, eles assumem suas verdadeiras personalidades – cruéis, bisbilhoteiros, sedentos de tragédia. Vale ressaltar que as máscaras, assim como a dualidade que estas evocam (o bem e o mal, o lado claro e obscuro dos seres humanos), são carac-terística típica do gênero trágico grego tradicional.

Eles estão sempre presentes em cena (quando não fazem parte ativamente, cobrem os rostos com as mãos), até mesmo no

quarto de Misael e D. Eduarda, em que supostamente haveria privacidade.

“([...] Os vizinhos colocam um pudico biombo, como se nada quisessem ver da cena conjugal, mas logo trepam em cadei-ras e suas máscaras aparecem por cima do biombo. [...])” (RODRIGUES, 198-, p. 279)

Além de preencher lacunas de informações – como quando contam a Moema, a pedido de D. Eduarda, o que seu noivo fazia em seu tempo livre –, os vizinhos também possuem um certo sentido místico, prevendo as tragédias e permanecendo à espreita para que aconteçam. Isso ocorre no início do segundo ato, quando “preparam uma câmara ardente para um defunto que ainda não morreu. Prevêem que a morte entrará, de novo, na casa dos Drummond” (RODRIGUES, 198-, p. 300). Nesta situa-ção, ocorre o seguinte diálogo:

VIZINHO – Depressa! Depressa!VIZINHO – Que foi?VIZINHO – A morte!VIZINHO – Ninguém morreu!VIZINHO – Ninguém morreu, mas vai…TODOS – Quem?VIZINHO – D. Eduarda.VIZINHO – Ou Moema.VIZINHO – Ou as duas!VIZINHO (nervoso) – Tanto faz, a mãe ou a filha, contanto que morra alguém… (RODRIGUES, 198-, p. 300-1)

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O único momento em que os vizinhos realmente abandonam o palco é a última cena, e também serve a um propósito trágico: deixar Moema inteiramente só, apenas na companhia de seu pai morto e de suas mãos malditas.

Já o coro das prostitutas do cais é mais aterrador e fúnebre que os vizinhos, elas passam a peça toda entoando canções e orações em homenagem à prostituta que foi assassinada por Misael dezenove anos atrás.

“PAULO (rindo e soluçando) – Hoje as mulheres do cais não recebem… Ficam olhando para cá, apontando nesta direção, como se aqui, nesta casa, vivesse o assassino… [...]” (RODRI-GUES, 198-, p. 270)

Elas clamam por justiça e seus cantos invadem a casa dos Drummond, revivendo fantasmas do passado e impedindo que se reze pela alma de Clarinha. As prostitutas, assim como o mar, são personagens que não necessitam estar visíveis para se fazerem presentes durante a peça, suas rezas e gemidos cons-tantes marcam suas presenças e contribuem para a atmosfera sinistra que permeia a trama.

COMPLEXOS E CONFLITOS

Outro elemento da trama, que, embora seja um elemento estilístico comum da tragédia, também se faz essencial para o desenrolar da história, são os complexos e conflitos que exis-tem entre as personagens. Para Xavier (2003), um dos pontos de interesse das peças de Nelson Rodrigues “são as persona-gens que a ordem patriarcal exige sejam tuteladas: as mulheres

que, de peça a peça, vêm ao centro para questionar, transgre-dir, tornando-se fortes agentes de vingança (mesmo que à sua própria revelia), numa trama que só confirma a fragilidade do pólo masculino [...]”. (p. 211)

E, realmente, em Senhora dos afogados isso fica bem claro. Misael, que, no início da peça, era visto como uma grande figura, mostra--se, no fim, fraco e medroso. Medeiros (2010) põe que “aparen-temente, ele [Misael] é descrito como o herói, de força superior àqueles que estão à sua volta, inclusive à do público: ele é ‘o maior dos Drummond’. No entanto, essa força nada mais é que figurati-va, aparente, pois, com o desenrolar da peça, ele perde toda sua força e o que se apresenta perante o público é um homem fragili-zado que não resistiu às pressões externas.” (p. 79) [grifo nosso]

Facina (2004) aponta que, na antropologia rodriguiana, há uma distinção entre as naturezas masculina e feminina. Enquanto os homens “são incapazes [...] de romper radicalmente com as fronteiras das regras sociais” e carregam em si a “a memó-ria dos padrões morais transgredidos e a culpa decorrente de tal transgressão” (FACINA, 2004, p. 266), as mulheres “são mais amorais e têm menos culpa” (FACINA, 2004, p. 269). E, realmente, as ações inescrupulosas de Moema que definem o desenvolvimento da trama, enquanto os elementos masculinos (talvez apenas com a exceção do Noivo) apenas testemunham as consequências dos atos. Martuscello (1993) está correto em afirmar que “em Senhora dos afogados, as mulheres é que são ativas e poderosas, e Moema é a pior delas” (p. 113).

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Em um certo ponto da peça, “Misael já sucumbiu às pressões, assumiu sua derrocada e quem passa a dominar a ação é Mo-ema. [...] a filha do casal centraliza todas as atenções, disputas e ódios internos da família. [...] É por meio da tensão gerada pelo conflito entre Moema e as outras personagens que, pouco a pouco, vão acontecendo todos os atos trágicos da peça, com-pondo um sentimento de tragicidade completo e inexorável à família.” (MEDEIROS, 2010, p. 81)

São as manipulações de Moema, “o mais cruel dos personagens femininos de Nelson” (MARTUSCELLO, 1993, p. 113), que levam as outras personagens a realizar certas ações, como marionetes seguindo vontades alheias. Isso vai desde manter um noivado vazio (para fazer com que a mãe se apaixonasse pelo seu pro-metido), até convencer Paulo e Misael a matarem em nome da boa imagem da família Drummond.

MISAEL – Tu és culpada de tudo… [...] De tudo… Culpada de tudo… Eu não teria feito o que fiz… Teria perdoado sua mãe… Os velhos perdoam… Tu me disseste para castigá-la aqui. (indica as próprias mãos) Eu te obedeci, Moema, fiz o que mandaste, e sem ódio, com um ódio que não era meu, era teu… [...] (RODRIGUES, 198-, p. 329)

Nota-se, em Moema, semelhanças com Electra, que, na mito-logia grega, para vingar o assassinato de seu pai, induziu seu irmão a matar sua mãe, que arquitetou o assassinato do mari-do. Electra, que tinha sentimentos amorosos por seu pai, fez de tudo para punir os responsáveis por sua morte, manipulando e

causando a derrocada da família. “Essa característica de Electra, ardil, encontra-se em Moema que constrói seu plano de ser a única filha de Misael, a única mulher e acaba, por fim, sendo a única Drummond. Moema, tal qual Electra é ardilosa, persuasi-va”. (QUADROS, MOUSQUER, 20--, p.1301)

“MOEMA (histérica) – Se tu soubesses, se pudesses adivinhar o amor que eu sinto. O amor que levo comigo… [...] O sen-timento de tua mãe não é nada – nada – diante do meu…” (RODRIGUES, 198-, p. 310)

As coisas que Moema faz, em nome do amor que sente pelo pai, são também o que sela sua desgraça, “ela carrega em si a genealogia da morte em seu sangue, uma verdadeira epifania da desgraça no núcleo familiar de Senhora de [sic] afogados”. (SILVA, 2016, p. 33) [grifo nosso]

Além de Electra, também vê-se uma referência ao personagem Édipo, em duas figuras da peça: Paulo e o Noivo. Paulo, mais brandamente que Moema em relação a Misael, nutre sentimen-tos por D. Eduarda, a considera pura acima de todas as outras.

“PAULO – Minha mãe não se entregaria a outro homem… É tão pura, tão sem culpa, que, às vezes, eu imagino – se ela tirasse todas as roupas, ainda assim não estaria nua, não conseguiria ficar nua! As outras mulheres, sim; não minha mãe!...” (RODRIGUES, 198-, p. 310)

Seu amor por sua mãe foi, também, uma das razões de sua morte. Matou-se por acreditar que sua mãe o odiava, em um

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momento de fúria, ele comenta que “podia ter matado o marido e não o amante [...] Tão culpado o marido quanto o amante; os dois a possuíram!” (RODRIGUES, 198-, p. 324)

O complexo de Édipo fica ainda mais perceptível no Noivo. Sua paixão por sua mãe o leva a arquitetar um plano de vingança contra aquele que a assassinou: Misael, seu próprio pai. Sem-pre que fala de sua mãe, comenta sobre sua beleza e a exalta, pondo-a acima de todas as outras mulheres. Traz seu nome ta-tuado por todo o corpo, e sente ciúmes ao saber que o espírito de sua mãe, ao retornar da ilha, buscou Misael, e não ele. Seu complexo se demonstra também em sua vingança, quando foge com D. Eduarda, a figura materna da peça e, supostamente, sua madrasta (já que ele é, tecnicamente, um Drummond).

MISAEL – ...por que tu ficaste noivo de minha filha? Noivo de tua irmã?NOIVO (febril) – Eu queria entrar nesta casa, para pertencer à tua família, para que uma Drummond me pertencesse…MISAEL – Você não pode ser noivo de minha filha.NOIVO (fora de si) – Não posso ser noivo de tua filha, mas posso ser amante de tua mulher![...]NOIVO [para D. Eduarda] – Há anos que eu esperava por este momento… Deixei a Marinha para isto… E juro, que des-de o primeiro momento, pensei em ti, não em minha irmã, mas em ti… E se beijava as mãos de minha irmã, é porque eram iguais às tuas… (RODRIGUES, 198-, p. 298-9)

O Noivo deixa claro que, tudo que está fazendo, é parte de seu plano contra seu pai. Tanto que D. Eduarda, em meio a sua paixão, comenta “ainda é tua mãe, e não eu… Não é por mim, é por tua mãe…”. (RODRIGUES, 198-, p. 300)

Ao subir ao quarto com D. Eduarda, já no cais das prostitutas, o Noivo faz questão que as rezas e cantos fúnebres sejam entoa-das para que ele possa escutar. Sua tragédia se dá quando, ao se relacionar com D. Eduarda, não tenha pensado em sua mãe, o que, para ele, é considerado uma traição à memória materna.

Além dos complexos que delineiam as personagens, os confli-tos são outro fator característico das tragédias gregas, e que movimentam a trama da peça:

Entre os membros dos Drummond, há sempre algum tipo de enfrentamento: Moema e D. Eduarda, a Avó e D. Eduarda, Paulo e Misael, Misael e D. Eduarda. [...] Mãe e filha são, ao longo de toda a peça, antagonistas, seja porque Moema quer ter Misael somente para si, seja porque D. Eduarda sente forte atração pelo noivo da filha. Estão [...] no limiar de um conflito – que não ocorre, pois a mãe, em sua habitual posi-ção submissa, recua em sua opinião. (MEDEIROS, 2010, p. 80)

Os conflitos familiares e manipulações, especialmente por parte de Moema, se desenrolam para, no fim, se redefinirem como sua própria punição, o destino trágico que a última Drummond construiu para ela mesma.

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AS MÃOS

O último elemento a ser analisado são as mãos, e tudo o que elas representam no contexto da peça. Logo no início da peça, Nelson Rodrigues define que D. Eduarda e Moema não são particularmente parecidas, mas seus movimentos de mão coin-cidem muito, o que exaspera as duas. Ao longo da história, a semelhança das mãos é apontada por diferentes personagens, e isso incomoda, especialmente, Moema, que não gosta de ser comparada à mãe. As mãos são a prova da relação entre mãe e filha, apesar de ambas tentarem ignorar tal conexão.

As mãos, assim como os outros elementos analisados, apresen-tam uma dualidade que é característica da peça. Elas suscitam amor e ódio nas duas mulheres, assim como são capazes de atos odiosos e afetivos. “As mãos de Moema que afagam e aca-riciam seu pai são também as mãos que afogam e matam suas irmãs”. (SILVA, 2016, p. 28) [grifo do autor]

Enquanto, para D. Eduarda, a mutilação de suas mãos significa ter seu ingresso na ilha das prostitutas mortas rejeitado, Moe-ma viu, no ato, sua libertação.

MOEMA – Tens raiva de mim por isso… Porque eu tenho as minhas e perdestes as tuas… Eu posso acariciar qualquer homem… E tu, não… Não poderias nunca… Por que voltaste da ilha, senão por isso?... As mulheres nuas te mandaram embora… Não conseguirias afagá-las… Ou voltarias com as mãos ou não te deixariam entrar… [...]MOEMA – Deixei de ser tua filha… A única coisa que nos unia

eram nossas mãos… Tu perdeste as tuas… E eu me libertei de ti… (Breve e delirante cena de narcisismo; Moema enamora-se das próprias mãos; beija-as. O rosto de D. Eduarda exprime o deses-pero mais profundo.) (RODRIGUES, 198-, p. 329-30)

No final da peça, Moema é amaldiçoada: nunca mais verá sua própria imagem. E, de fato, ao postar-se em frente a um espe-lho, ela se depara com a imagem de sua mãe. Quando, por fim, consegue fazer com que sua mãe desapareça, fica, então, sem reflexo algum no espelho. Permanece, no entanto, com suas mãos, tão parecidas com aquelas da mulher que tanto detes-tou. “Essas são as mãos que ficarão na companhia dela até o fim de seus dias, sozinha com as mãos.” (SILVA, 2016, p. 28)

VENDEDOR DE PENTES – Perdeste a tua imagem…MOEMA (apertando o rosto com as duas mãos e num grito) – Perdi!VENDEDOR DE PENTES – ...mas ficaste com tuas mãos…(Moema olha as próprias mãos com um medo selvagem.)VENDEDOR DE PENTES E OUTROS (gritando) – Viverás com elas… E elas dormirão contigo… E não estarás sozinha nun-ca… Sempre com tuas mãos… Quando morreres, elas serão enterradas contigo…(O vendedor de pentes e os vizinhos vão recuando e apontan-do para Moema. Abandonam a cena. Moema está sozinha no palco ou apenas na companhia do pai morto. Então olha as próprias mãos. E odeia-as como nunca. Depois vai estendendo

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os braços, como se quisesse criar entre si e as mãos uma distân-cia qualquer, ou expulsá-las de si mesma.) (RODRIGUES, 198-, p. 331-2)

E, assim, se cristaliza a tragédia de Moema: sozinha, sem ter sequer sua própria imagem como companhia, apenas com suas mãos, que são sua conexão com sua mãe, que ela tanto odeia, e agora, também, fantasmas, para lembrá-la de seus pecados.

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3 DESENVOLVIMENTO DE PROJETO

METODOLOGIA

Bonsiepe (2012) diz que uma metodologia deve se basear em quatro critérios: a complexidade do problema de projeto, a natureza da situação problema, a disponibilidade de recursos tecnológicos e os objetivos político-econômicos. Neste projeto, leva-se em conta os três primeiros critérios.

Quanto à complexidade da situação problema, deve-se manter em mente que este projeto envolve áreas diversificadas. Não surpreende, portanto, que a metodologia adotada será constru-ída utilizando ferramentas de diversos domínios. A natureza do problema de projeto mescla o quesito funcional da comunica-ção e a preocupação estética. Já os recursos tecnológicos serão fatores determinantes no projeto, visto que a finalização só se dará por meio deles.

Com isto em mente, foi definido que a metodologia adotada consistirá em uma macroestrutura de design, e, durante as eta-pas, serão utilizadas tanto ferramentas de design, como da área de animação. Vale salientar que ferramentas e métodos podem ser adicionados ou retirados de acordo com as necessidades encontradas no desenvolvimento do projeto. O que temos, então, é uma metodologia flexível e interdisciplinar, que se adequa aos obstáculos e às necessidades que surgirão durante o processo.

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Utilizou-se como base a metodologia de Munari (1981), mas, visto que esta metodologia é em princípio voltada para o design de produto, foi feita uma adaptação para adequá-la às necessi-dades do projeto de animação, especificamente a vinheta a ser produzida. Para torná-la mais completa, soma-se à metodologia a fundamentação de Bonsiepe (2012; 1978).

As ferramentas e métodos, como já mencionado, pertencem a domínios diversos. No campo de design, foram empregadas as ferramentas sugeridas por Lupton (2014; 2013), principalmente na etapa de geração de ideias, já que estas são bastante flexí-veis e permitem um processo criativo bastante rico, diversifica-do e interdisciplinar. No domínio da animação, são empregadas as técnicas de storyboard e animatics, que são essenciais para tornar um projeto de design gráfico e/ou ilustração em um projeto de motion design.

A metodologia adaptada (Ilustração 01) para este projeto envol-ve quatro fases: a problematização, que consiste em analisar o problema em todos os seus pormenores, para compreender de fato tudo que deve ser feito, e bolar um caminho a trilhar; o de-senvolvimento, que compreende a fase criativa da metodologia, fase na qual serão feitas experimentações para definir como melhor traduzir a linguagem graficamente; a produção, na qual os materiais e técnicas já testados e analisados serão empre-gados para a produção efetiva dos storyboards, e será decidido qual deles será finalizado; e, por fim, a implementação, na qual o storyboard escolhido será finalizado e animado.

O início deste trabalho de conclusão de curso teve origem no interesse em desenvolver uma animação. Não apenas: havia o desejo de trabalhar com textos de Nelson Rodrigues. Devido a isso, a metodologia teve como ponto de partida a definição do problema. Nesse sentido, o levantamento inicial (revisão bibliográfica) levou em conta esta necessidade, sem dúvida, mas igualmente já estabeleceu parte da problematização de projeto: a transposição de linguagem – a peça de teatro escrita e sua encenação em uma vinheta curta, que objetiva narrar e representar toda a complexidade do texto do autor. Então, com uma melhor compreensão de tudo que este projeto engloba, pôde-se iniciar a identificação dos subproblemas envolvidos no processo. Assim, a fase de problematização foi quase inteira-mente concluída, faltando apenas os mapas mentais e de con-ceito e sua aplicação nos painéis semânticos, que se encontram descritos a seguir.

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Ilustração 01 - Diagrama representativo da metodologia.

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PROBLEMATIZAÇÃO

MAPAS MENTAIS E DE CONCEITO

Santaella (2001) aponta que toda linguagem é um híbrido das matrizes sonora, visual e verbal. O cruzamento entre submo-dalidades dessas três matrizes contempla tais linguagens, em quaisquer meios de comunicação que estejam, e “quanto mais cruzamentos se processarem dentro de uma mesma lingua-gem, mais híbrida ela será”. (SANTAELLA, 2001, p. 379)

O produto final deste trabalho se encaixa na categoria mais complexa definida por Santaella, a chamada linguagem verbo--visual-sonora, já que traz elementos visuais com sons e ritmos da história, tudo guiado por uma narrativa. Nota-se, então, que a tradução da linguagem visual-verbal – a escrita – para um produto audiovisual de linguagem híbrida é um dos aspectos mais importantes deste projeto. Para que essa migração de linguagens seja eficaz, foi desenvolvido um mapa de conceitos analisando as possibilidades desta tradução (Figura 30). Nele, foram apontadas as principais características das linguagens escrita e visual, e foram feitas propostas de elementos que podem garantir uma tradução efetiva.

Também foi feito um mapa mental para cada peça analisando seus principais elementos e buscando possibilidades variadas de tradu-ção de linguagem das narrativas teatrais. As ramificações destes as-pectos levantados geralmente partem de um sentido mais genérico, semântico, para um sentido mais simples e pragmático.

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No mapa mental referente à peça Boca de Ouro (Figura 31), por exemplo, tem-se o bairro Madureira como um dos elementos mais relevantes da trama. Madureira consiste em um subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro. Tendo isso definido, pôde-se, então, ana-lisar algumas características de subúrbios, no geral. Características como o transporte público, em especial o bonde, também chama-do de lotação; as casas, que formam uma comunidade de vizinhos, que sempre pode ser relacionado com fofocas e crianças brincan-do; o boteco também é um elemento que remete aos subúrbios, especialmente em obras rodriguianas, nas quais é um cenário frequente. Outro elemento evocado é o samba, que se relaciona primariamente ao bairro Madureira, que é considerado um dos berços do samba. Com o samba, evoca-se os conceitos de escola de samba, instrumentos, rodas de samba, malandros, dentre outros. Vale ressaltar que estes elementos não são apenas ligados ao seu anterior e posterior na ramificação do mapa mental, mas na verdade se conectam e complementam entre si, formando um conceito mais elaborado e completo.

Já no mapa mental referente à peça Senhora dos afogados (Fi-gura 32), elementos simples e complexos, semânticos e prá-ticos se conectam em razão da própria trama da peça. Assim, elementos complexos podem ser traduzidos em aspectos mais simples, mas elementos cenográficos supostamente simples carregam um significado elaborado e complexo.

Nos elementos complexos que foram simplificados temos, por exemplo, o conceito do coro. O coro na peça é dividido em dois núcleos, o coro das prostitutas e o coro dos vizinhos. O coro

dos vizinhos pode ser traduzido por sentimentos de intrusão e vigilância, por parte da família Drummond, e de premonições, no contexto da peça e, em termos mais práticos, temos as más-caras que estas personagens utilizam. Já o coro das prostitutas pode ser identificado especialmente por seu canto lúgubre, mas também por murmúrios, seus pedidos de justiça, pelo cais, onde as prostitutas residem, e pela ilha, para a qual elas supos-tamente vão após a morte.

Já nos elementos aparentemente simples, mas que carregam muitos significados e elementos, temos o mar, por exemplo. O mar na peça é evocado pelo som de ondas, mas para além des-tes elementos práticos, o mar traz a ideia de maldição e destino para os Drummond, tanto a família, quanto a casa. O mar tam-bém evoca os afogados, que podem ser vistos como fantasmas, que causam assombros e medo na família Drummond. Em um conceito visual, os fantasmas dos afogados pode ser represen-tado pelos quadros retirados da casa, por exemplo.

A partir dos elementos obtidos pelos mapas mentais, foram realizados painéis semânticos e style frames. Estas duas ferra-mentas articulam-se: enquanto os painéis semânticos tratam de como os elementos filtrados do mapa mental podem ser traduzidos nas várias formas de representação que compõem a vinheta (imergindo ainda mais no processo de migração de linguagens), os style frames reúnem imagens referência para sustentar e nortear visualmente esta tradução.

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Figura 30 - Mapa de conceito.

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Figura 31 - Mapa mental de Boca de Ouro.

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Figura 32 - Mapa mental de Senhora dos afogados.

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PAINÉIS SEMÂNTICOS

Os painéis semânticos foram utilizados para traduzir conceitos abstratos em elementos verbais e sonoros, que podem ser utili-zados nas vinhetas. Foram feitos painéis sobre a temática e tra-ma de cada uma das obras e sobre suas personagens principais – em Boca de Ouro, o próprio bicheiro; em Senhora dos afogados, Misael, D. Eduarda e Moema foram escolhidos.

Demonstrando como foi feita esta tradução efetiva, tem-se no Quadro 01 um extrato do painel semântico referente ao personagem Boca de Ouro. O elemento sob enfoque são suas diversas facetas e outros elementos que remetem a essa carac-terística específica. A seguir, tem-se possibilidades de como a característica pode ser traduzida visualmente, em formas, cores e tipos, e qual sonoplastia complementa a linguagem visual para uma representação integrada. Além disso, a categoria mo-vimento representa a maneira como a forma imaginada pode se mover e se comportar.

Então, levando em conta especificamente a característica das di-versas facetas de Boca de Ouro, pensou-se em outros elemen-tos relacionados que podem ajudar na tradução deste elemen-to específico, como rumores, histórias, fofocas, figura pública e lenda urbana. Um corpo sem feições definidas, que se meta-morfoseia foi a forma pensada para traduzir este elemento, as cores empregadas são dessaturadas com tons e lentes escuras, e o ouro. Uma tipografia fragmentada e heterogênea foi esco-lhida, e a sonoplastia também apresenta essa heterogeneidade, com instrumentos que se destacam. Como movimento, pensou-

-se nessa silhueta ganhando trejeitos novos e se deformando ao longo da vinheta, como se não possuísse um corpo sólido, apenas uma representação de uma narrativa construída.

Ao considerar os painéis semânticos em sua totalidade, pode--se dizer que o foco em Boca de Ouro se deu na personagem bicheiro, lenda urbana e malandro carioca. A admiração e o temor que ele causava nas pessoas. Esses conceitos evocaram a ideia de cores fortes com bastante contraste, especialmen-te preto, branco, vermelho e dourado. A tipografia pensada consiste em letras marcantes, que remontam às manchetes de jornal contrastando com o fundo e chamando para si a atenção dos espectadores. Pensando em classificação, foram considera-das letras mecânicas e lineais¹. Quanto à sonoplastia da vinheta, pensou-se em um samba de malandro apenas instrumental. No quesito da farsa e a referência ao bairro da Madureira, as cores fortes e vivas e o samba permaneceram sendo citados, assim como tem-se a presença de efeitos sonoros, como pássaros e crianças rindo juntamente com o som do bondinho passando, que evocam uma vizinhança acolhedora. Sobre as diversas facetas do Boca de Ouro, foi considerado um corpo cuja face não pode ser identificada e que se deforma, fazendo uso de sombras e planos de detalhe, para que a face da personagem não seja mostrada.

¹Conforme a classificação Vox-ATypI, explicitada por SILVA e FARIAS (2005).

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Quadro 01 - Extrato do painel semântico do Boca de Ouro.

Quadro 02 - Extrato do painel semântico de Senhora dos afogados.

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Para Senhora dos afogados, os principais elementos eram refe-rentes aos sentimentos sombrios e obscuros das personagens, e as maldições da família Drummond, como por exemplo, o isolamento (Quadro 02).

O isolamento da família pode ser compreendido pelas noções de espaço vazio, pequenez, falta e solidão. Tudo isso foi tradu-zido por sombras e espaços vazios, em preto, branco e cinza. A pequenez se estendeu à tipografia, que também é oprimida em relação aos demais elementos. A sonoplastia consiste em silêncio constante, cortado ocasionalmente pelo vento. No con-texto da animação, foram pensados os movimentos plongée¹ e contra-plongée², para tornar elementos específicos maiores ou menores do que realmente são.

Em resumo, isolamento, frieza, culpa, medo e maldição em Senhora dos afogados são representados por vultos e lentes em tons escuros. Névoas e quadros arrancados representam a ideia dos afogados, que assombram a casa e seus morado-res. Para sonoplastia, o som do mar foi acompanhado de um coro feminino, representando as prostitutas. Para a tipografia, foram pensadas letras humanistas, garaldinas ou transicionais³, para representar a tradição da família Drummond. As letras apresentam movimento e oscilação, acompanhando o mar. Os planos de câmera panorâmicos apresentam o ambiente em sua totalidade, câmeras plongée e contra-plongée serão empregadas para representar o cenário e os elementos.

Com os painéis semânticos, que podem ser encontrados no apêndice deste trabalho, foi possível definir uma linguagem

para as vinhetas, além de prover diferentes maneiras para representar conceitos abstratos e metafóricos.

PESQUISA VISUAL E STYLE FRAMES

A pesquisa visual consiste em recolher imagens, que se encai-xem em termos visuais com o objetivo proposto pelo designer, sejam eles condizentes ou não em significado ou conteúdo (LUPTON, 2013). A partir daí, o designer analisa os resultados obtidos pelo estudo e decide qual o melhor caminho a ser seguido para o desenvolvimento do projeto. Neste trabalho, a pesquisa visual, assim como a pesquisa de técnicas e materiais, iniciou-se juntamente com a revisão bibliográfica, feita previa-mente e apresentada nos capítulos 1 e 2. Enquanto a pesquisa visual foi posteriormente complementada na fase de problema-tização, a conclusão da pesquisa de técnicas e materiais se deu na fase de desenvolvimento, com a experimentação destas.

Na pesquisa visual, foram analisadas diversas title sequences, obras de motion design, além de cenas de filmes e peças de teatro e imagens referentes aos elementos marcantes de cada trama. A partir delas, foram feitos style frames com as imagens mais relevantes e visualmente marcantes. Os style frames, tam-bém chamados de quadros de referência, reúnem elementos

¹Câmera alta, acima da personagem (BETON, 1987).

²Câmera baixa, quando a personagem se encontra acima da câmera, também

chamada contre-plongée (BETON, 1987).

³Conforme a classificação Vox-ATypI, explicitada por SILVA e FARIAS (2005).

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gráficos e estéticos que podem ser utilizados no projeto, dentre eles a tipografia, cor, ilustração (LUPTON; PHILLIPS, 2014).

Para cada peça, foram elaborados quatro style frames, cada um com um enfoque específico:

1) a linguagem que será empregada na vinheta – que traz ideias de traços, formas e cores;

2) as referências base da trama – que reúne primaria-mente fotos representativas de personagens, locais e elementos da trama;

3) os conceitos que existem nas tramas e podem ser representados nas vinhetas;

4) as referências tipográficas que melhor representam a trama.

Vale ressaltar que os style frames conversam entre si para formar uma unidade visual e conceito norteadores do processo criativo.

Os style frames referentes à peça Boca de Ouro (Figuras 33 a 36), enaltecem o contexto da farsa – irônica, divertido, ácida –, sem deixar de lado tudo aquilo no que consiste a personagem do Boca de Ouro, uma lenda urbana. Também houve a preocupa-ção em ressaltar a principal característica das tragédias cariocas de Nelson Rodrigues, categoria na qual Boca de Ouro se encaixa, a referência suburbana carioca, nesse caso, o bairro de Madu-reira, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Por se tratar de uma farsa, foi pensado um traçado simples, mais próximo ao desenho, e o uso de cores fortes, com contraste de cores escuras e claras, trazendo o equilíbrio entre o tema obscu-ro da trama e o humor da farsa que a peça traz (Figura 33).

As referências reunidas se referem a como é a personagem Boca de Ouro fisicamente, como bicheiro e malandro carioca. São retratados alguns objetos utilizados por ele, como a navalha e o punhal, e que remetem a ele, como a cartela de jogo do bicho e o chapéu de gafieira. Também há imagens do bairro Madureira e alguns subúrbios cariocas, antiga e atualmente (Figura 34).

Um dos conceitos representados é o corpo fechado do Boca de Ouro, representado pelos búzios e patuás, entre outros. O conceito de ascendência como deus e deus asteca de ouro tam-bém são apresentados no style frame da Figura 35. Por último, tem-se o conceito de um homem sem face, já que não se sabe quem Boca de Ouro era verdadeiramente.

As referências tipográficas evocam a imprensa, com fontes semelhantes a fontes de jornais. Os espécimens com letras em tamanhos, direções e inclinações diferentes trazem a ideia das múltiplas versões e pontos de vista da história. Já as cores vivas ressaltam o bom humor da farsa (Figura 36).

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Figura 33 - Style frame sobre a linguagem em Boca de Ouro.

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Figura 34 - Style frame sobre as referências de Boca de Ouro.

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Figura 35 - Style frame sobre os conceitos em Boca de Ouro.

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Figura 36 - Style frame sobre a tipografia em Boca de Ouro.

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Os style frames da peça Senhora dos afogados (Figuras 37 a 40) se focam na ideia da tragédia e das maldições que marcam a família Drummond. Também foi pensado o isolamento e des-confiança das personagens, assim como possíveis maneiras de retratar a mansão da família.

A linguagem retratada enfoca em tons obscuros, no preto, no branco e meio tons. Os traços trazem uma atmosfera mística e sinistra, com enfoque em vultos, silhuetas e névoas (Figura 37).

As referências levantadas são relacionadas especialmente ao ambiente da casa, da praia e de elementos presentes na trama. Há também algumas possíveis referências da vestimenta da personagem Moema e das máscaras dos vizinhos (figura 38).

Dos conceitos levantados no style frame da Figura 39, permane-cem as máscaras dos vizinhos, em especial uma máscara grega (que remonta ao estilo da tragédia tradicional grega). Ademais, foca-se no conceito do mar como maldição, que mata toda a família e toma a casa, assim como nos afogados propriamente di-tos, fantasmas que habitam a casa e assombram os Drummond.

As referências tipográficas levantadas se referem majoritaria-mente a fontes serifadas, que transmitam uma ideia de tradição e passado. Também foram levantadas letras caligráficas e espéci-mens em cores que pouco contrastam com o fundo (Figura 40).

Os style frames feitos serviram como inspiração para a fase de geração de alternativas do projeto. A partir deles, foi possível estabelecer a linguagem a ser utilizada em cada projeto e ter uma base para guiar o processo criativo e a experimentação de técnicas de desenho e materiais.

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Figura 37 - Style frame sobre a linguagem em Senhora dos afogados.

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Figura 38 - Style frame sobre as referências de Senhora dos afogados.

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Figura 39 - Style frame sobre os conceitos em Senhora dos afogados.

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Figura 40 - Style frame sobre a tipografia em Senhora dos afogados.

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DESENVOLVIMENTO

Na etapa de criação, houve uma intensa geração de alternativas e uma experimentação não só de materiais, como de técnicas. Inicialmente, foi desenvolvida a ferramenta brain dumping visu-al, que consiste em explorar rapidamente diversas alternativas, para, após definida uma linguagem específica, explorar esta ramificação. (LUPTON, 2013)

Em Boca de Ouro, foram explorados os dentes de ouro combina-dos às formas geométricas, aos padrões astecas, instrumentos de samba e objetos diversos.Também foi explorada a figura do Boca de Ouro como um típico malandro carioca. Isto pode ser visto através da geração de alternativas, presente na Figura 41.

Em Senhora dos afogados, foram feitos diversos desenhos acerca de elementos da cenografia da peça: objetos e móveis, recintos da casa, artefatos das personagens, o farol, o mar. Os sketches podem ser vistos a seguir (Figura 42).

Com a geração de alternativas, foi possível definir o caminho a ser seguido para as animações, e que estilo de arte se encaixa-ria melhor no conceito escolhido. Com o que foi determinado nesta etapa de desenvolvimento, pôde-se, então, partir para a etapa de produção, com a criação dos storyboards.

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Figura 41 - Geração de alternativas de Boca de Ouro.

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Figura 42 - Geração de alternativas de Senhora dos afogados.

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PRODUÇÃO

STORYBOARDS

Após a geração de alternativas e escolha da linguagem visual e da técnica de representação específicos, iniciou-se a confec-ção dos storyboards. Para Taylor (2011), o storyboard é uma ferramenta essencial para a produção de filmes e animações ao longo da história. Nesta ferramenta, são desenhados os quadros chave da animação, definindo movimentos de câmera e trazendo descrições verbais daquilo que não pode ser repre-sentado pelo desenho (TAYLOR, 2011).

A Ilustração 02 explicita a construção e disposição dos elemen-tos do storyboard, para uma comunicação mais clara. O dese-nho vem acompanhado de indicações de planos e movimentos de câmera, mais abaixo há o texto descritivo. Entre cada quadro chave, define-se as transições entre cenas, e por cima vem a indicação de tempo de cada cena e da animação no total.

Para facilitar alguns processos e descrições, são comumente utilizados alguns símbolos que significam efeitos de transição e movimentos de câmera. O Quadro 03, a seguir, tem como base os detalhamentos técnicos definidos por Glebas (2009) para apresentar os símbolos mais comumente utilizados e seus respectivos significados.

A criação dos storyboards – desde a criação da narrativa até a confecção dos desenhos de fato – levou cerca de um mês. A história pensada para Boca de Ouro (Ilustração 03) consiste no bicheiro caminhando pelo bairro da Madureira, com um samba

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Ilustração 02 - Disposição de elementos no storyboard.

tocando ao fundo; ele é visto de vários pontos de vista, porém nunca se vê sua face, demonstrando as diversas facetas que ele assume na peça de Nelson Rodrigues e que nunca representam quem ele é verdadeiramente.

Já em Senhora dos afogados (Ilustração 04), a casa vazia dos Drummond é mostrada aos poucos, seus recintos e móveis abandonados, tudo sob o olhar dos vizinhos (máscaras) e an-tepassados da família (quadros). Por fim, chega-se à praia e ao mar, fantasma e maldição final dos Drummond, belo e ameaça-dor, convidativo e aterrorizante com suas ondas. Os storyboards completos se encontram no apêndice deste trabalho.

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Quadro 03 - Símbolos utilizados em storyboards e seus significados.

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Ilustração 03 - Extrato do storyboard referente à vinheta de Boca de Ouro.

Ilustração 04 - Extrato do storyboard referente à vinheta de Senhora dos afogados.

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ANIMATICS

Após a criação dos storyboards foi necessário checar se o ritmo e tempo impostos às animações estavam apropriados. Para isso, foram feitos animatics, uma ferramenta que consiste em animar as imagens do storyboard para compreender como fun-cionariam os movimentos de câmera, a música, o ritmo, dentre outros aspectos da vinheta (TAYLOR, 2011).

O animatics de Boca de Ouro foi iniciado no programa Adobe Illus-trator®, no qual o cenário foi desenhado e colorido. Já a persona-gem do Boca de Ouro foi desenhada no aplicativo de animação Fli-paClip®, utilizando o tempo de 10 frames por segundo. Após esse processo, os vídeos da animação foram exportados separadamen-te, pois cada ponto de vista da animação foi desenhado a parte, e unidos no software de edição de vídeo iMovie®. Este animatics uniu duas técnicas, a animação propriamente dita e o stop motion, utilizado em momentos em que a personagem não aparecia na vinheta. Junto à edição final do vídeo, também foi feita a edição de som: um samba instrumental, complementado com efeitos sono-ros de pássaros, risadas de crianças e bondinhos passando, para evocar a ideia de um subúrbio carioca dos anos 1950.

O processo de criação deste animatics, que levou pouco mais de um mês, foi em sua maior parte o desenho da personagem no FlipaClip®, pois foram necessários dez desenhos para que se completasse um segundo de animação. A edição do vídeo no iMovie® foi consideravelmente simples, levando apenas um dia, e a maior parte deste tempo de edição consistiu na busca pelos efeitos sonoros diversos que foram utilizados na vinheta.

Já o animatics de Senhora dos afogados foi feito em sua totali-dade com a técnica do stop motion. Os cenários e o efeito de luz e sombra do farol foram desenhados e coloridos no programa Adobe Illustrator®, processo que levou de duas a três sema-nas. Após isso, as imagens exportadas foram organizadas e animadas no programa iMovie®, no qual também foi feita uma edição de som básica e inacabada. A edição de som consistiu em vozes femininas (que pertencem ao grupo Gori Women Choir) vocalizando em crescendo até um término súbito, e após, o mar pode ser ouvido. A parte final de criação, após o desenho dos cenários, foi relativamente rápida, levando apenas poucas horas para ser feita.

Vale salientar que algumas cenas foram editadas ou retiradas dos animatics, buscando uma maior clareza da vinheta. O processo de criação de ambos os animatics levou cerca de dois meses, e al-guns fragmentos dos vídeos podem ser vistos a seguir (Figuras 43 e 44). Os animatics também estão disponíveis online, podendo ser acessados através dos códigos QR (Figuras 45 e 46) e links a seguir.

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Figura 45 - Código QR do animatics de Boca de Ouro, também disponível no link:

https://goo.gl/LnGV69

Figura 43 - Fragmentos do animatics de Boca de Ouro.

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Figura 46 - Código QR do animatics de Senhora dos afogados, também disponível

no link: https://goo.gl/Gteodt

Figura 44 - Fragmentos do animatics de Senhora dos afogados.

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ESCOLHA

Para definir qual vinheta seria finalizada, foi necessário consi-derar os processos de animação – o desenho de cenários e per-sonagens, a criação e aplicação de efeitos, a edição de vídeo e a edição de som – e os aspectos técnicos de ambas as vinhetas. O tempo hábil requerido para a criação também foi levado em conta, especialmente com a equipe reduzida envolvida neste projeto, no caso, duas pessoas apenas.

Apesar do animatics de Senhora dos afogados ser mais longo que o de Boca de Ouro, a ausência de personagens a tornou mais viável de ser feita, já que não trazia cenas de movimento, como caminhadas ou corridas. Isso pôde ser comprovado na própria criação do animatics, que levou menos tempo para ser feito que o de Boca de Ouro. Além disso, a edição de som se mostrou mais simples que a outra, sendo empregadas menos faixas de áudio para obter um resultado satisfatório. Com tudo isso em mente, foi decidido finalizar a vinheta referente à peça Senhora dos afogados. Com esta decisão tomada, partiu-se, então, para a criação da animação propriamente dita.

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IMPLEMENTAÇÃO

Após decidido o animatics a ser finalizado, iniciou-se a criação da animação final. O formato escolhido foi de alta definição, 1080p.

Inicialmente, foi decidida a retirada do cenário do escritório, presente no animatics, da vinheta final. Isso se deu porque, ao contrário dos outros cenários, o escritório não é mencionado na peça.

Os cenários remanescentes foram inicialmente rascunhados em papel para que pudesse ser analisada a distribuição dos móveis e a posição de um possível ponto de fuga no cenário, caso este fosse necessário. Estes rascunhos iniciais se basearam nos cenários do storyboard e suas percepções no animatics – se a distribuição dos elementos na cena e o ponto de vista proposto foram satisfatórios ou não em atingir a intenção inicial, de fazer o espectador se sentir oprimido e solitário na casa. Após isso, os cenários foram rascunhados digitalmente tanto pelo progra-ma Adobe Photoshop® quanto pelo Paint Tool SAI®.

Os cenários foram finalizados inteiramente no Paint Tool SAI®, coloridos, texturizados e finalizados. Para que todos os cenários fossem condizentes no estilo, a intenção inicial era que cada membro da equipe fosse responsável por uma fase de finali-zação dos cenários. Porém, findou-se que ambos os membros interferiram em todas as fases de desenho, texturização e colo-ração, havendo cenários fruto de trabalho conjunto e cenários feitos inteiramente por apenas um dos componentes da equipe. Apesar disso, a comunicação constante permitiu aos membros

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que acompanhassem os trabalhos um do outro e os utilizassem como base para criar cenários concordantes entre si. Na Figura 47, pode-se ver a evolução de um dos cenários da animação, do storyboard, passando pelo animatics, até sua forma final digital.

Após finalizados, os cenários foram exportados para o programa Adobe After Effects®, no qual foram feitas as animações e efeitos no geral. Esses efeitos consistem na transição da luz do farol, seu foco de luz iluminando e abandonando os cenários; a transição do cenário da sala de jantar para o espelho, em que a câmera atravessa o espelho, e do espelho para a porta da frente, seguin-do as pegadas molhadas no chão; as ondas do mar se movendo e batendo e, por fim, o efeito de água dos textos, como se os créditos estivessem submersos no mar. Os cenários com suas devidas animações foram exportados separadamente e importa-dos para o programa de edição de vídeos Adobe Premiere®, que permitiu a exportação destes mesmos vídeos em arquivos mais leves. Neste mesmo programa foram unidos os vídeos do mar com os textos dos créditos, que haviam sido feitos em separado.

A edição de vídeo propriamente dita foi feita no programa iMo-vie®. Nele, foram unidos os vídeos com suas devidas transições e foi ajustado o tempo da animação. A música e os efeitos sono-ros também foram acrescidos à animação neste programa.

Os cenários levaram um período de cerca de um mês para se-rem finalizados completamente. Já a fase de animação e edição final da vinheta levaram de duas a três semanas para serem fei-tas, totalizando um período de quase dois meses para a criação da vinheta final.

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Figura 47 - Evolução do cenário da escadaria.

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O PRODUTO FINAL

A animação final trouxe os cenários dos ambientes internos da residência Drummond citados na peça, sempre envoltos por uma atmosfera sombria e acompanhados pelos quadros de familia-res, arrancados ou não, pois as marcas deixadas por eles é tão opressora quanto os olhares dos antepassados da família.

Todos os cenários apresentados estão marcados pela água do mar, uma eterna ameaça à família e à casa. A água embosca a cama do casal no quarto, escorre dos quadros na escada, marca os locais na mesa das três personagens afogadas da família e sai do espelho, indo em direção à porta da mansão, que leva ao mar, o destino final. O outro grande elemento da peça, o farol, é evocado pelas transições iniciais de cena, com efeitos fade in e fade out que se assemelham à luz giratória do farol.

Os ambientes da casa são marcados por móveis e objetos antigos, que representam a tradição e inércia vivida pela família Drummond. Em dois dos recintos da casa, nota-se a presença de máscaras escondidas, uma referência aos vizinhos, que estão sempre a espreita. Na escada, à medida que que se vai descen-do, os quadros vão se tornando maiores, obedecendo a instru-ção dada por Nelson Rodrigues na própria peça.

Por fim, nota-se que aquilo que está sendo mostrado é, na realidade, o reflexo em um espelho, o objeto que representa a punição final de Moema e, por consequência, da família Drum-mond por inteiro.

A paleta de cores traz tons de madeira e toques de vermelho escuro, representativo da desconfiança e raiva na família, assim como da morte e do sangue Drummond derramado. Essa paleta é quebrada em alguns momentos por tons frios de azul, que evocam o mar e sua constante presença. A edição de som seguiu aquilo determinado por Rodrigues na própria peça, o coro fúne-bre e raivoso das prostitutas e o som constante do mar.

A Figura 48 traz alguns fragmentos da vinheta, que está disponível online e pode ser acessada pelo seguinte código QR (Figura 49).

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Figura 48 - Fragmentos da vinheta de Senhora dos afogados.

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Figura 49 - Código QR da vinheta de Senhora dos afogados, também disponível no link: https://goo.gl/P791MT

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CONSIDERAÇÕES FINAISEste Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo a criação de uma vinheta sobre a tragédia Senhora dos afogados, de Nelson Rodrigues. Durante a maior parte do processo, foram pensadas e trabalhadas duas peças, sendo a outra a obra Boca de Ouro do mesmo autor, para que, diante dos animatics cria-dos, fosse decidida apenas uma para ser finalizada.

A primeira fase deste projeto consistiu no levantamento teóri-co acerca do surgimento do motion design e das titles sequences, assim como sobre Nelson Rodrigues, sua vida e suas obras. Esta etapa também envolveu a leitura e análise das duas peças escolhidas. Para finalizar esta fase de problematização, foram feitos mapas mentais e de conceito, painéis semânticos e style frames para que, enfim, as linguagens de ambas as vinhetas pudessem ser definidas.

A etapa seguinte consistiu em experimentações de técnicas, materiais e estilos para chegar à melhor maneira de se repre-sentar visualmente a linguagem escolhida previamente.

Na terceira fase, foram elaborados os storyboards e, posterior-mente, os animatics de ambas as peças. Ao final desta etapa, foi definida a vinheta a ser finalizada.

A animação escolhida, Senhora dos afogados, foi, então, refinada e concluída na fase final deste trabalho.

Ao longo deste projeto, pôde-se notar a complexidade envolvida em um processo de animação, especialmente quando este en-

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volve a tradução de uma obra literária para a linguagem audiovi-sual. Além do tempo investido no processo de análise das peças e tradução de linguagens, o processo de criação da animação em si – tanto os storyboards e animatics, quanto à vinheta final – também se mostrou demorado, laborioso e complexo.

Diante disso, notou-se que não é possível finalizar duas anima-ções no tempo pré-definido de um semestre com uma equipe reduzida como a deste projeto, duas pessoas apenas. Aquilo que foi previsto e planejado desde o TCC1, que apenas uma animação seria finalizada, cumpriu-se, então.

Este projeto de animação foi algo que realmente estava fora da zona de conforto, uma experiência inicial nesta área. Assim, foi uma jornada permeada por erros e acertos. Os animatics poderiam ter sido feitos com menos preocupação e cuidado, pois tomaram muito tempo deste projeto, fazendo com que a criação da vinheta final fosse ainda mais árdua pelo tempo re-duzido. A decisão de fazer os cenários finais totalmente digitais se provou ideal, pois a possibilidade de utilizar texturas poupou um grande tempo de finalização dos cenários. Já o processo de animação no After Effects® se mostrou mais trabalhoso que o imaginado, requerendo inclusive revisitas aos desenhos de cenários para correções primordiais. Em razão da dificuldade encontrada na fase de animação dos cenários, não houve muito tempo para pensar o texto da vinheta que, apesar de ter sido animado, poderia ter sido melhor trabalhado. Pode-se dizer que, caso houvesse tempo, a vinheta permaneceria sendo tra-balhada para se aproximar ainda mais de um refinamento ideal.

Em contrapartida, considerando o resultado obtido, tem-se a vinheta resultante como um material capaz de traduzir a atmosfera da peça Senhora dos afogados, seus elementos e sua essência trágica. As cores, texturas, enquadramentos e efeitos foram empregados, proporcionando à vinheta a obscuridade e a tragédia dignas de seu enredo. Uma vinheta de média com-plexidade, feita com esmero e visando sua qualidade atendeu àquilo que foi pretendido, representar a peça e atrair o inte-resse de espectadores para essa obra, e até outras, de Nelson Rodrigues.

Este projeto na íntegra pode ser visto não só como o relato de uma experimentação na área do motion design, mas também como um caminho que pode ser seguido passo-a-passo em pro-jetos futuros e para interessados em se aventurar por essa área. Um modelo que inspire outros projetos, que possam adotar, oti-mizar e aprimorar o modo de pensar e agir, de planejar e criar.

Futuramente, é planejado um maior refinamento da vinheta de Senhora dos afogados e o desenvolvimento final da vinheta de Boca de Ouro. Serão estudadas possíveis maneiras de dispo-nibilizá-las para que cumpram com sua finalidade primária, a divulgação da obra de Nelson Rodrigues. Espera-se, também, estudar como este projeto pode se tornar uma metodologia es-pecífica voltada para a tradução de obras escritas para o meio audiovisual para que, em algum momento futuro, este caminho não precise ser trilhado sem uma orientação, que este projeto possa servir como inspiração e referência.

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APÊNDICE A - Painel semântico da peça Boca de Ouro

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Apêndice B - Painel semântico sobre a personagem Boca de Ouro

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Apêndice C - Painel semântico da peça Senhora dos afogados

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Apêndice D - Painel semântico sobre a personagem Moema

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Apêndice E - Painel semântico sobre a personagem D. Eduarda

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Apêndice F - Painel semântico sobre a personagem Misael

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Apêndice G - Storyboard da vinheta de Boca de Ouro

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Apêndice H - Storyboard da vinheta de Senhora dos afogados

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