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Papéis Avulsos 1882 1839-1908

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Papéis Avulsos1882

1839-1908

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Joaquim Maria Machado de Assis

• Nasceu no Rio de Janeiro, em 1839.

• Filho de pai negro, um pintor, e de uma professora primáriaportuguesa

• Após a morte dos pais, fora criado pela madrasta, quem ointroduziu no mundo das letras

• Ele sofria de epilepsia, gagueira; era pobreza e muito tímido– isolamento social

• Foi autodidata, o que o ajudou a progredir na vida.

• Ditava seus livros à mulher

• Fundou, ao lado de Joaquim Nabuco, a Academia Brasileirade Letras.

• Monarquista, porém desejava o modelo Parlamentarista

• Leitor ávido da literatura inglesa: ironia e sarcasmo

• Em 1908, falece no Rio de Janeiro

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Grandes influências da ciência na Literatura Realista europeia

• Charles Darwin – naturalista (ciência), desenvolveu a teoriada evolução em As origens das espécies (1859)

• Auguste Comte – Desenvolveu a ideia do positivismo (1855),o qual pregava ordenar o mundo pelo conhecimento humanoem detrimento de outros valores (religiosos, metafísicos)

Noção de superioridade pela intelectualidade

• Karl Marx – Primeiro pensador a desenvolver a ciência queestuda a sociedade enquanto conjunto e suas relaçõesconhecida como sociologia; reflete sobre as diferenças declasses

• Nicolau Maquiavel: É reconhecido como fundador dopensamento e da ciência política moderna. Escreveu a obraO Príncipe (1513), mostrando como a sociedade realmentese comporta:

Os fins justificam os meios.

August Comte1798-1857

Charles Darwin1809-1882

Karl Marx1818-1883

Nicolau Maquiavel1469-1527

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Machado e o Realismo

Macho de Assis renegava o Realismo de Eça de Queiroz

• O parasita da mesa: a burguesia ou os realistas, é uma referência imagética comum na obramachadiana

• Não se via como realista, e mais, atacava muitos autores europeus do movimento• CONTRA O REALISMO: uso das elipses (reticências); não é preciso deixar nada claro, não é preciso

dizer tudo• Artigo crítico: O Primo Basílio, por Eça de Queiroz – machado faz uma crítica severa ao escritor e

seu texto, ao movimento realista

Esquematismo psicológico

• Machado era leitor de Shakespeare: uma dos objetos de estudos de Freüd• Freüd (1856-1939): seus estudos embrionários sobre o que seria chamado mais tarde

de PSICANÁLISE começou em 1890

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Características do autor.

• Análise psicológica das personagens: esquematismo;

• Forte ironia e sarcasmo apurado;

• Visão metafísica, relativista de todos os valores humanos(pessimismo/negativismo);

• Verossimilhança: espelho da realidade, a busca pela verdade dasrelações

• Niilismo: não crê nas instituições e valore criados pelo homem

• Críticas à teatralidade das relações sociais e da hipocrisia burguesa,que vive do status e das aparências;

• Forte contraposição entre essência e existência, pois as aparênciasse sobrepõem a tudo.

• Jargões do direito na composição das obras

• Inicia as narrativas dando informações seguras ao leitor

• A existência precede e governa a essência (Jean Paul-Sartre): aexistência humana, para Machado, não presta.Machado de Assis em tela de 1905,

retratado pelo pintor Henrique Bernardelli.

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NIETZSCHE, O NIILISMO & Machado de Assis

Friedrich Wilhelm Nietzsche1844-1900

1. "A moral não tem importância e os valores morais não têm qualquer validade,só são úteis ou inúteis consoante a situação“

2. "A verdade não tem importância; verdades indubitáveis, objetivas e eternasnão são reconhecíveis. A verdade é sempre subjetiva“

3. "Deus está morto: não existe qualquer instância superior, eterna. O Homemdepende apenas de si mesmo“

4. "O eterno retorno do mesmo: A história não é finalista, não há progresso nemobjetivo".

NIILISMO: não existe qualquer crença nas instituições criadas pelo ser humano,como religião, governo, relações, verdade/razão, emoções/sentimentos.

• Total descrédito na existência humana, em suas ações,• O a ética e a moral humanas são corruptas

• NIILISMO: redução ao nada; aniquilamento; não existência; ponto de vista queconsidera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não háqualquer sentido ou utilidade na existência.

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PAPÉIS AVULSOS -***- estrutura

• O Brasil não estava acostumado a uma obra de contos• Dividido em 13 textos: 11 contos, 1 novela e 1 advertência• Narradores: 1ª ou 3ª pessoa• Linguagem: altamente erudita, irônica e sarcástica• Referências Bíblicas: para compor a ironia e desconstruir a lógica religiosa• Crítica política: Machado não acreditava na República e/ou no

presidencialismo – defendia a MONARQUIA PARLAMENTARISTA• ADVERTÊNCIA: o livro começa aí; Machado explica como pensou a ordem

temática dos contos• O ALIENISTA: novela alegórica satírica

ASSIS, Machado. Papéis Avulsos. São Paulo: SCHWARCZ S.A., 2015.

APARÊNCIA REALIDADE

AMOR INCAPACIDADE PARA O AMOR

SOLIDARIEDADE EGOÍSMO

AUTENTICIDADE DISSIMULAÇÃO

MORELIDADE AMORALIDADE/IMORALIDADE

GENEROSIDADE AMBIÇÃO

RACIONALISMO INSTINTO

ORDEM DESORDEM

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ADVERTÊNCIA

Este título de Papéis avulsos parece negar ao livro uma certa unidade;faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim deos não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, masnão vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesmahospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fezsentar à mesma mesa.

Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil. O livroestá nas mãos do leitor. Direi somente, que se há aqui páginas queparecem meros contos, e outras que o não são, defendo-me dassegundas com dizer que os leitores das outras podem achar nelas alguminteresse, e das primeiras defendo-me com São João e Diderot. Oevangelista, descrevendo a famosa besta apocalíptica, acrescentava(XVII,9): “E aqui há sentido, que tem sabedoria.” Menos a sabedoria,cubro-me com aquela palavra. Quanto a Diderot, ninguém ignora que ele,não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a umamigo que os escrevesse também. E eis a razão do enciclopedista: é quequando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoasse, e oconto da vida acaba, sem a gente dar por isso.

Deste modo, venha donde vier o reproche, espero que daí mesmo virá aabsolvição.

MACHADO DE ASSISOutubro de 1882

• “Narrado” pelo próprio autor: 1ª pes• Avulsos: ironia• Unidade temática da obra• Tipos de gêneros literários• Conto: texto curto, rápido de ler –

engana a preguiça burguesa de ler• Novela: O Alienista, estrutura mais

longa, alegórica

Ob. Machado explica, ironicamente, comofunciona a estrutura da obra porque oleitor brasileiro não estava acostumadocom uma obra de contos; talvez este sejaum dos primeiros livros de contos, pensadoe elaborado como tal, no Brasil.

Ob2. em 1855, Álvares de Azevedo publicaNoite na Taverna, obra de contosromântico-gótico

ADVERTÊNCIA

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• Narrado em 3ª pessoa• Novela: narrativa intermediária entre o conto e o

romance; trama unilinear, ou seja, que segue odestino de um único personagem

• Dividido em capítulos• Um entrave da ciência, da religião e da política• A narrativa se baseia em crônicas que falam de

um tal Dr. Simão Bacamarte Médico, estudou na Europa, rico aos 34 anos retorna ao Brasil

• Instalou-se em Itaguaí, interior do RJ• Dedicou-se À ciência longe dos olhos da cidade• Aos 40 anos, casa com D. Evarista da Costa e

Mascarenhas 25 anos e viúva Conceito científico de uma boa mulher (p.38-

39)• Fundou a Casa Verde, um hospício: a própria

casa; tratamento da loucura• Estudioso da cultura árabe• Padre Lopes: entende que o Dr. é louco – papel

da Igreja é desacreditar a ciência• Crispim soares: o boticário – braço direito do Dr.

O Alienista• O propósito do Dr. é estudar a loucura (p.43)

Cria um conceito e uma classificação científicos: tipos de loucuras• D. Evarista: sente-se solitária, abandonada; estava definhando (p.47)

Submissa, sem vontades aparentes• A saúde virou comércio (p.49)• Hipótese, teoria, prática e constatação da loucura (p.51)• O que é a razão? (p.53)• Conceito de prisão (p.60)• Porfírio Caetano das Neves: o barbeiro; incita, organiza e lidera uma

rebelião contra Bacamarte (p.65)• Revolta dos Canjicas: público x administrativo – hesitosa, porém

vencedora• Sebastião Freitas: o vereador; um burocrático, oportunista (p.68)

Acusa o alienista de ser o alienado (louco)• Porfírio alia-se a Bacamarte: convencer os “principais” a apoiar o

governo – discurso de ordem, positivista (p.81)• João Pina: barbeiro rival de Porfírio; assume o governo• Em 5 dias: Bacamarte internou 50 apoiadores do governo

Muito influente, tinha a câmara em suas mãos Tudo era loucura: interna a cidade toda, até a esposa (p.83) Meses depois: todos estavam curados, e ele sozinho (p.96) Não havia loucos em Itaguaí (p.97) Trancou-se na Casa Verde a estudar-se (p98)

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Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se decorpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curascom as leituras, e demonstrando os teoremas comcataplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evaristada Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos,viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática.Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, enão menos franco, admirou-se de semelhante escolhae disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D.Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas deprimeira ordem, digeria com facilidade, dormiaregularmente, tinha bom pulso, e excelente vista;estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos einteligentes. Se além dessas prendas, — únicas dignasde preocupação de um sábio, D. Evarista era malcomposta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o aDeus, porquanto não corria o risco de preterir osinteresses da ciência na contemplação exclusiva, miúdae vulgar da consorte.

(p.38-39)

[...] O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudarprofundamente a loucura, os seus diversos graus,classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa dofenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meucoração. Creio que com isto presto um bom serviço àhumanidade.— Um excelente serviço, corrigiu o boticário.— Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia

fazer; ele dá-me, porém, muito maior campo aos meusestudos.

(p.43)

O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu:— Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma

experiência científica. Digo experiência, porque não meatrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência éoutra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante.Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiênciaque vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meusestudos, era até agora uma ilha perdida no oceano darazão; começo a suspeitar que é um continente.

(p.51)

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Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, edisse:— Supondo o espírito humano uma vasta concha, o

meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola,que é a razão; por outros termos, demarquemosdefinitivamente os limites da razão e da loucura. Arazão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades;fora daí insânia, insânia, e só insânia.

O vigário Lopes, a quem se confiou a nova teoria,declarou lisamente que não chegava a entendê-la,que era uma obra absurda, e, se não era absurda, erade tal modo colossal que não merecia princípio deexecução.

(p.53)

— A Casa Verde é um cárcere privado, disse ummédico sem clínica.

Nunca uma opinião pegou e grassou tãorapidamente. Cárcere privado: eis o que se repetia denorte a sul e de leste a oeste de Itaguaí, — a medo, éverdade, porque durante a semana que se seguiu àcaptura do pobre Mateus, vinte e tantas pessoas, —duas ou três de consideração, — foram recolhidas àCasa Verde. O alienista dizia que só eram admitidoscasos patológicos, mas pouca gente lhe dava crédito.Sucediam-se as versões populares. Vingança, cobiçade dinheiro, castigo de Deus, monomania do própriomédico, plano secreto do Rio de Janeiro com o fim dedestruir em Itaguaí qualquer germe de prosperidadeque viesse a brotar, arvorecer, florir, com desdouro emíngua daquela cidade, mil outras explicações, quenão explicavam nada, tal era o produto diário daimaginação pública.

(p.60)

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— ... porque eu velo, podeis estar certosdisso, eu velo pela execução das vontades dopovo. Confiai em mim; e tudo se fará pelamelhor maneira. Só vos recomendo ordem.A ordem, meus amigos, é a base dogoverno.— Viva o ilustre Porfírio! bradaram as trintavozes, agitando seus chapéus.

(p.81)

— ... porque eu velo, podeis estar certosdisso, eu velo pela execução das vontades dopovo. Confiai em mim; e tudo se fará pelamelhor maneira. Só vos recomendo ordem.A ordem, meus amigos, é a base dogoverno.— Viva o ilustre Porfírio! bradaram as trintavozes, agitando seus chapéus.

(p.83)

Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia darnascença ou curso à mais simples mentira do mundo, ainda daquelas queaproveitam ao inventor ou divulgador, que não fosse logo metido na CasaVerde. Tudo era loucura. Os cultores de enigmas, os fabricantes decharadas, de anagramas, os maldizentes, os curiosos da vida alheia, os quepõem todo o seu cuidado na tafularia, um ou outro almotacé enfunado,ninguém escapava aos emissários do alienista. Ele respeitava as namoradase não poupava as namoradeiras, dizendo que as primeiras cediam a umimpulso natural e as segundas a um vício. Se um homem era avaro oupródigo, ia do mesmo modo para a Casa Verde; daí a alegação de que nãohavia regra para a completa sanidade mental. Alguns cronistas creem queSimão Bacamarte nem sempre procedia com lisura, e citam em abono daafirmação (que não sei se pode ser aceita) o fato de ter alcançado dacâmara uma postura autorizando o uso de um anel de prata no dedopolegar da mão esquerda, a toda a pessoa que, sem outra provadocumental ou tradicional, declarasse ter nas veias duas ou três onças desangue godo. Dizem esses cronistas que o fim secreto da insinuação àcâmara foi enriquecer um ourives, amigo e compadre dele; mas,conquanto seja certo que o ouvires viu prosperar o negócio depois da novaordenação municipal, não o é menos que essa postura deu à Casa Verdeuma multidão de inquilinos; pelo que, não se pode definir, semtemeridade, o verdadeiro fim do ilustre médico.

(p.83)

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Chegado a esta conclusão, o ilustre alienista teve duassensações contrárias, uma de gozo, outra de abatimento.A de gozo foi por ver que, ao cabo de longas e pacientesinvestigações, constantes trabalhos, luta ingente com opovo, podia afirmar esta verdade: — não havia loucosem Itaguaí; Itaguaí não possuía um só mentecapto. Mastão depressa esta ideia lhe refrescara a alma, outraapareceu que neutralizou o primeiro efeito; foi a ideia dadúvida. Pois quê! Itaguaí não possuiria um único cérebroconcertado? Esta conclusão tão absoluta, não seria porisso mesmo errônea, e não vinha, portanto, destruir olargo e majestoso edifício da nova doutrina psicológica?

A aflição do egrégio Simão Bacamarte é definida peloscronistas itaguaienses como uma das mais medonhastempestades morais que têm desabado sobre o homem.Mas as tempestades só aterram os fracos; os fortesenrijam-se contra elas e fitam o trovão. Vinte minutosdepois alumiou-se a fisionomia do alienista de umasuave claridade.— Sim, há de ser isso, pensou ele.

(p.97)

Mas o ilustre médico, com os olhos acesos daconvicção científica, trancou os ouvidos à saudadeda mulher, e brandamente a repeliu. Fechada aporta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e àcura de si mesmo. Dizem os cronistas que elemorreu dali a dezessete meses, no mesmo estadoem que entrou, sem ter podido alcançar nada.Alguns chegaram ao ponto de conjeturar quenunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí;mas esta opinião, fundada em um boato quecorreu desde que o alienista expirou, não temoutra prova, senão o boato; e boato duvidoso, poisé atribuído ao padre Lopes, que com tanto fogorealçara as qualidades do grande homem. Sejacomo for, efetuou-se o enterro com muita pompae rara solenidade.

(p.98)

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Curiosidades sobre o nome da protagonista: Dr. Simão Bacamarte

Dr.

Simão

Bacamarte

Nome portuguêsSímbolo de colonização

Símbolo de statusIntelectualidade

autoridade

Trocadilho de BonaparteArma de fogo: cano curto e largo

opressão

Observação:

Todas as referências e analogiasao nome da protagonistadirecionam uma leitura críticasobre uma personagem querepresenta o positivismo e odespotismo autoritário.Bacamarte se impõe àpopulação de Itaguaí por causada sua “superioridade”intelectual (positivismo), julga eprende todos de formaarbitrária, até mesmo quem ocontrária (despotismo).

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Teoria do MedalhãoDiálogo

• Diálogo entre pai e filho: dura um ano – aniversários de 21e 22 anos de Janjão

• O pai: não foi medalhão; quer preparar o filho para ofuturo Sugere um ofício: MEDALHÃO deseja ver o filho um POLÍTICO importante e notável Aos 45 anos, um homem deve estar feito, estável ofício de status e aparências; influências

• Para ser um medalhão: inópia mental, sujeito sem ideias, alienado e

manipulável deve saber usar a palavra: retórica; falar bonito, porém

sem conteúdo frequentar lugares públicos o nome é o que importa: manter o nome imaculado

Ob. Crítica de Machado aos padrões sociais e à corrupção dosvalores, descrença na famíliaOb2. referência a Maquiavel no final do conto: os finsjustificam os meios.

— Meia-noite? Entras nos teusvinte e dois anos, meu peralta;estás definitivamente maior.Vamos dormir, que é tarde.Rumina bem o que te disse, meufilho. Guardadas as proporções, aconversa desta noite vale oPríncipe de Machiavelli. Vamosdormir.

(p.111)

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A chinela Turca• Narrado em 3ª pessoa• Bacharel Duarte é apaixonado por Cecília, parenta do Major

Lopo Alves (amigo da família)• Diálogo entre o bacharel e o major: Lopo escreveu um drama

O major que uma opinião com franqueza Não havia nada de novo nas 180 páginas Atrapalhou os planos de Duarte: ir ao baile encontrar Cecília O major vai embora contrariado

• Meia-noite: aparece um falso empregado da polícia Duarte fora acusado de roubar uma chinela turca: metáfora

para o coração de Cecília (p119) 5 homens o sequestram Provavelmente a mando de um rival à mão de Cecília Um homem velho, 55 anos, aparece e explica tudo Obrigação de Duarte era casar com a dona da chinela Foge abruptamente: joga-se da janela A casa em que se refugia era do Major Lopo: fez o bacharel

passar por um drama para provar a sua teoria (p.125)• Ob. Machado ironiza o leitor ao explicar a própria metáfora

(p119)

[...] Cavando mais fundo no terreno dasconjeturas, pareceu-lhe achar umaexplicação nova e definitiva. A chinelavinha a ser pura metáfora; tratava-se docoração de Cecília, que ele roubara,delito de que o queria punir o jáimaginado rival.

(p.111)

[...] — Ninfa, doce amiga, fantasiainquieta e fértil, tu me salvaste de umaruim peça com um sonho original,substituíste-me o tédio por umpesadelo: foi um bom negócio. Um bomnegócio e uma grave lição: provaste-meainda uma vez que o melhor drama estáno espectador e não no palco.

(p.125)

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Na ArcaTrês capítulos inéditos do Gênesis

• Narrado em 3ª pessoa• Alusão ao episódio bíblico do dilúvio (genocídio)• Dividido em capítulosCapítulo A§6 (p.127): exploração e interesse; salvar o que tem serventia§11 (p.127): ganância, acúmulo de bens§12 (p.127): disputa de poder entre Javé e Sem, filhos de Noé§17 (p.128): vaidade e luta por importância e poder – violência eindividualismo

Capítulo B• Cam deseja conciliar os irmãos§12 (p129): Cam pensa em trocar suas terras pelo rio e suasmargens

Capítulo C• Briga violenta entre Javé e Sem: Noé precisou interceder• Lutam por terras que nem possuem

Ob. A arca boiava sob as águas do abismo.Ob2. o ser humano disputa violentamente pelo poder desde suaorigem

• Machado critica duramente aexistência humana

• Ironiza o ideal religioso: o serhumano luta e age com violênciapara alcançar seus objetivos

• A família desestrutura pela disputade poder

• PODER: o ABISMO do ser humano• VIOLÊNCIA: a ARCA na qual navega

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D. BeneditaUm retrato

• Narrado em 3ª pessoa – interferências em 1ª pessoa• D. Benedita: entre 36-45 anos; em 1869 fez 42 anos, aspecto jovial

Eulália (18), sua filha O marido (45), infiel Todos na família pareciam mais jovens do que eram – menos

Eulália Eulália casaria com Dr. Leandrinho, filho de D. Maria dos Anjos Benedita envia uma carta ao marido sobre o casamento Eulália não quer casar, mas a mãe quer obrigá-la

• Se Benedita não tinha vontade própria, a filha também não teria• Primeiro-Tenente Mascarenhas: D. Benedita se encanta com ele e

resolve atender seu pedido para casar-se com Eulália (p.155)• Eulália conformou-se com esse casamento: casa com Mascarenhas• 15 dias depois: falece no Pará o desembargador, marido de D.

Benedita (p.157)• 5 meses depois: Mascarenhas foi para o sul sob ordem da marinha• Eulália (grávida) fica com a mãe: Benedita fica só quando eles se

mudam para o norte• Aconselham o casamento para D. Benedita• Ela tem vontade: VELEIDADE – vontade inútil

• As mulheres não têm direitos;são ou devem ser submissas

• Submissão: às vontades doshomens e da sociedade

• Benedita: ironia – Bem x ocomportamento da personagem

obriga a filha a fazer o que nãoquer

casamento por interesse acomodada com a infidelidade

do marido

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O segredo do BonzoCapítulo inédito de Fernão Mendes Pinto

• Narrado em 1ª pessoa: em 1552 – período degrandes navegações

• O narrador e seu amigo, Diogo Meireles,caminhavam na cidade de Fuchéu

• Discussão do valor da ciência (p.161)• Homens que pronunciam uma nova doutrina

na cidade (p.162): a reforma protestante (1517)• Os dois visitam um Bonzo da nova doutrina• A realidade é o que cada um enxerga ou

acredita (p.164): verdade e conveniência• Hipocrisia religiosa: o Bonzo faz o povo

acreditar em algo que nem ele acredita• 3 experiências de como enganar as pessoas

(p.167)• Doutrina lucrativa com os “milagres”

• Bonzo: figura eclesiástica budista; preguiçoso,medíocre, ignorante; fingido, sonso

[...] Considerei o caso, e entendi que, se uma coisapode existir na opinião, sem existir na realidade, eexistir na realidade, sem existir na opinião, a conclusãoé que das duas existências paralelas a única necessáriaé a da opinião, não a da realidade, que é apenasconveniente. Tão depressa fiz este achadoespeculativo, como dei graças a Deus do favor especial,e determinei-me a verificá-lo por experiências; o quealcancei, em mais de um caso, que não relato, por vosnão tomar o tempo.

(p.164)

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O anel de Polícrates• Diálogo entre A e Z• Sobre um tal Xavier: rico e pródigo (liberal,

esbanjador; generoso) Perdeu tudo que adquiriu com sua riqueza Z o conhece há 15 anos A e Z parece que falam de 2 Xavier diferentes Xavier era um homem de ideias, de razões Tornou-se trivial, sem ideias, inópio Hipocondríaco A vida é um cavalo xucro (indomável) e

manhoso (com vontades) Xavier é a própria ideia

Ob. Quem não for cavaleiro, que o pareça. (p.178)

• Polícrates: tirano grego que matou um irmão eexilou o outro para ficar com o poder só para si

• O jogo das aparências; as máscaras sociais• A ditadura da imoralidade e hipocrisia

[...] Quem não for cavaleiro, que o pareça. Realmente,não era uma ideia extraordinária; mas a penúria doXavier tocara a tal extremo, que esse cristal pareceu-lhe um diamante. Ele repetiu-a dez ou doze vezes,formulou-a de vários modos, ora na ordem natural,pondo primeiro a definição, depois o complemento; oradando-lhe a marcha inversa, trocando palavras,medindo-as, etc.; e tão alegre, tão alegre como casa depobre em dia de peru. De noite, sonhou queefetivamente montava um cavalo manhoso, que estepinoteava com ele e o sacudia a um brejo. Acordoutriste; a manhã, que era de domingo e chuvosa, aindamais o entristeceu; meteu-se a ler e a cismar. Entãolembrou-se... Conhece o caso do anel de Polícrates?

(p.164)

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O empréstimo• Narrado em 1 pessoa: ironia – narrar uma anedota verdadeira• Sobre um “rapaz” de 50 anos, Vaz Nunes:

Só trabalha – tabelião Era viúvo, sem filhos Já morto

• Custódio: não tinha dinheiro, porém tinha bom gosto eaproveitava a vida Vivia de esmolas (p.188-189) Metia-se em negócios furados Vaz Nunes ficou de arranjar emprego ao Custódio, que não

aceitou Queria 500 mil réis para empreender em sociedade numa

fábrica de agulhas No fim, Custódio aceitou 5 mil réis: usou o dinheiro para

jantarOb. Custódio sabia que não ganharia o que pediu; ele fez de tudopara receber o que precisava – malandragem (p.195)

• Anedota: uma invenção• Crítica às aparências: as pessoas se dedicam demais ao que

não é essencial e deixam de viver a vida plenamente

— Quer ver?E o tabelião desabotoou o paletó, tirou

a carteira, abriu-a, e mostrou-lhe duasnotas de cinco mil-réis.— Não tenho mais, disse ele; o que

posso fazer é reparti-los com o senhor;dou-lhe uma de cinco, e fico com aoutra; serve-lhe? Custódio aceitou oscinco mil-réis, não triste, ou de má cara,mas risonho, palpitante, como se viessede conquistar a Ásia Menor. Era o jantarcerto. Estendeu a mão ao outro,agradeceu-lhe o obséquio, despediu-seaté breve, — um até breve cheio deafirmações implícitas.

(p.195)

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A sereníssima repúblicaConferência do Cônego Vargas• Narrado em 1 pessoa: personagem protagonista

• Ciência sem razão: a linguagem dos insetos – tema fútil• República – liberdade- democracia: crítica de Machado a um

sistema que, para ele, não funciona e permite o superficial• Desejava publicar uma obra: Sereníssima República (p.201)• Perseverar é importante ao Estado (p.202): analogia com a

paciência resignada de Penélope• O processo eleitoral republicano é falho: crítica ao modelo

presidencialista, de escolha do povo – o saco (p.202-203)• Referência à Penélope novamente: ter de refazer tudo (p.207)

• Machado criticava constantemente a república e seu conceitode democracia e liberdade: exemplos históricos da Grécia eRoma antigas

• Machado era monarquista, adepto do parlamentarismo

— Vós sois a Penélope da nossarepública, disse ele ao terminar; tendesa mesma castidade, paciência e talentos.Refazei o saco, amigas minhas, refazei osaco, até que Ulisses, cansado de dar àspernas, venha tomar entre nós o lugarque lhe cabe. Ulisses é a Sapiência.

(p.207)

PENÉLOPE: na mitologia grega, é esposa de Ulisses; esperou a volta de seu marido da Guerra de Troia. Diante dainsistência do pai para que casasse novamente, e para não desagradá-lo, ela resolveu aceitar a corte dospretendentes à sua mão, estabelecendo a condição de que o novo casamento somente aconteceria depois queterminasse de tecer um sudário para Laerte, pai de Ulisses. Com esse estratagema, ela adiou o evento por dezanos, até o retorno de Ulisses.

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• Narrado em 3ª pessoa: 5 amigos conversam numa sala• Um homem: entre 40/45 anos; silencioso, provinciano, capitalista,

inteligente, astuto e cáustico• Jacobina: certa noite, conta um caso de sua vida (p.209)

Não há uma só alma, há duas: o duplo; o ser e o parecer Quando tinha 25 anos: pobre e recém promovido a ALFERES Tia Marcolina: mandou colocar um ESPELHO no quarto dele O espelho: de 1808, da corte de d. João VI

• O Alferes eliminou o homem (p.214) Um dia, acorda e está completamente só em casa Sentiu medo: de não ser reconhecido (p.217) Até nos sonhos se via vestindo a farda O inconsciente impulsivo (p.218-219)

Ob. Último parágrafo: quando conseguiu tirar a farda, voltou a si e aspessoas voltaram (p.220)Ob2. Talvez viveu um delírio em frente ao espelho

O espelhoEsboço de uma nova teoria da

alma humana

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Teoria da existência de duas almas:

Nem conjetura, nem opinião, redarguiu

ele; uma ou outra pode dar lugar a

dissentimento, e, como sabem, eu não

discuto. Mas, se querem ouvir-me

calados, posso contar-lhes um caso de

minha vida, em que ressalta a mais clara

demonstração acerca da matéria de que

se trata. Em primeiro lugar, não há uma só

alma, há duas...

Duas?

Nada menos de duas almas. Cada

criatura humana traz duas almas consigo:

uma que olha de dentro para fora, outra

que olha de fora para dentro...

(p.209)

A alma externa preponderou a alma interna. O

parecer ser venceu o ser

O alferes eliminou o homem. Durante

alguns dias as duas naturezas equilibraram-

se; mas não tardou que a primitiva cedesse à

outra; ficou-me uma parte mínima de

humanidade. Aconteceu então que a alma

exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo,

os olhos das moças, mudou de natureza, e

passou a ser a cortesia e os rapapés da casa,

tudo o que me falava do posto, nada do que

me falava do homem. A única parte do

cidadão que ficou comigo foi aquela que me

entendia com o exercício da patente; a outra

dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes

acreditar, não?

(p.214)

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Ob. Quando conseguiu tirar a farda, voltou a si, e os outros da casa também retornaram. Logo,

o que jacobina viveu foi um delírio em frente ao espelho.

[...]

Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte

do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral;

nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava,

enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os

escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um

letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas

não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano;

aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo.

Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia

tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a

uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando,

meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar

mais seis dias de solidão sem os sentir...

Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas.

(p.218-219)