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DO REFUGO AO REFÚGIO - A CORRESPONDÊNCIA ENTRE A PRODUÇÃO
CAPITALISTA E A PRODUÇÃO DA MASSA SOBRANTE
José Maria Ferreira de Oliveira1
Adriana Gonzaga2
O modo de produção capitalista, globalizado e hegemônico, vem, na
contemporaneidade, demonstrando de forma contundente e cruel, sua natureza
excludente, a partir do movimento de geração, acomodação e eliminação do que o
próprio sistema produz, mas não reconhece, como os 'sobrantes' ou 'sobras humanas' -
aquelas pessoas que não conferem importância econômica no arranjo global a ponto de
terem um papel irrelevante em meio às constantes e cíclicas transformações, crises e
guerras, provocadas pelos desajustes socioeconômicos inerentes ao capitalismo. A
velocidade com que esse movimento vem acontecendo, chama a atenção para o modo
como a vida humana é descartável, transformada em vítima de um sistema de controle
usado, inicialmente, também, para atender as necessidades impostas - ou sugeridas -
pelo capitalismo, transformando necessidades humanas em desejos ilimitados. Os
movimentos diaspóricos desse século coloca em xeque a fragilidade humana diante das
crises e a incapacidade das economias em absorver dignamente uma grande quantidade
de pessoas refugiadas em seus microssistemas econômicos. Entretanto, o que se vê é a
criação de barreiras à entrada e permanência nos territórios procurados, ampliando, cada
vez mais, a geração de 'refugo' diante da experiência de imigração e refúgio. Dessa
forma, refugo e refúgio se correspondem, passando a ser objeto de análise deste artigo.
A partir desta perspectiva, o presente artigo, fruto de uma pesquisa, propõe uma
reflexão em relação aos acontecimentos denunciados pela condição daqueles que são
expulsos por interesses camuflados e silenciados pela grande mídia, simplesmente
tratados ora por deslocamento de imigrantes, ora por refugiados, ora por asilados. Quase
que literalmente estes ‘sem nome’, ‘sem identidade’, ‘sem origem’; é massa de “refugo”
produzida pelo sistema socioeconômico-político transnacional vigente. Este artigo se
1 Bacharel em Administração pela UNIBENNET – RJ; Graduando em Ciências Contábeis, UNILASALLE – RJ. E-mail: [email protected] 2 Economista; Professora Universitária – UNILASALLE - RJ; Mestre em Engenharia de Produção, com ênfase na área de Responsabilidade Social, pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected]
2
dispõe, também, investigar a questão dos refugiados como condição de sobrantes do
sistema econômico vigente. Logo, se faz necessário estudar e entender o que autores
vêm discutindo sobre questões importantes, como modernidade, diáspora, refúgio,
exclusão; bem como a transversalidade destas inquietações disciplinares com o objetivo
de contribuir com interpretações que apontem maior profundidade a respeito da
conjuntura atual e capitalismo, para que se possa ter um panorama mais fidedigno do
momento delicado pelo qual a Humanidade está passando. Nesse sentido, como forma
de delimitação do objeto, pretende-se discutir as tensões contemporâneas de um
capitalismo em crise, enfatizando o movimento diaspórico “refugado” resultante da
guerra e do terror no início do século XXI e em decorrência a existência de uma massa
cada vez maior de pessoas abrigadas em campo de refugiados, incapazes de retomar à
mínima condição de normalidade da natureza da vida, ficando à margem do sistema.
Para alcançar os resultados pretendidos, este trabalho tem como orientação e
base a taxionomia estabelecida por Vergara (1997) que qualifica este tipo de pesquisa a
partir do método de investigação de caráter exploratório quanto aos fins e
essencialmente qualitativa. Assim, foram realizados levantamentos bibliográficos
capazes de fornecer o instrumental analítico, efetuados junto às bases de dados de
institutos especializados.
A VIDA ENTRE O REFUGO E OS QUASE-HUMANOIDES
Segundo a teoria econômica, o refugo tem origem no processo produtivo a partir
de materiais que não poderão ser mais utilizados, ou por estarem defeituosos ou
estragados, portanto, será posto à parte, desprezado (MARTINS, 2009).
Etimologicamente, a palavra refugo vem do latim refugu, e, segundo o dicionário
Aurélio, significa resto, inútil, rejeitado. Richard Sennett, ao analisar o processo de
produção no sistema capitalista, acentua o fato da flexibilização, que traz novas
estruturas de poder e controle. Segundo o autor, “a nova economia política trai o desejo
pessoal” (SENNETT, 2009, p.54), pois desvincula o desejo natural, inerente ao ser
humano em relação ao desejo proposto ou imposto pelo sistema que ele define como o
novo capitalismo. A modernidade capitalista pressupõe a crença na existência de redes
3
elásticas, portanto flexíveis, como forma de intervenção, criando espaços para que o
sistema seja fragmentado e desta forma receber as devidas intervenções, para que o
mesmo seja aceito ou incorporado pelas sociedades capitalistas. O desejo controlado
pelo sistema produz uma rede flexível para construir e sedimentar uma sociedade capaz
de ser conduzida e determinada pelas volatilidades.
A junção entre os nódulos na rede é mais frouxa; pode-se tirar uma
parte, pelo menos em teoria, sem destruir outras. O sistema é
fragmentado; aí está a oportunidade de intervir. Sua própria
incoerência convida nossas revisões. (SENNETT, 2009, p.55)
A fragmentação trouxe às sociedades modernas um determinado comportamento
de desprendimento do seu passado de forma a orientar-se para o novo, criando
condições para que nada detenha o fluxo do capital, ao aceitar a fragmentação como
uma metodologia sistêmica de organizar e entender as relações socioeconômicas do
novo capitalismo.
O modelo de produção é orientado para que o que for produzido seja percebido e
consumido, por um novo agente social determinado pelo sistema. Para que essa relação
se perpetue, deve entrar em cena a figura ‘quase humanoide’, de um ser criado para dar
continuidade e sustentabilidade ao sistema econômico vigente, que se percebe quase que
exclusivamente como cidadão-consumidor, e introjeta as virtudes disseminadas pelo
sistema: ser volátil, ser flexível, ser fragmentado. A ideia é que esse novo agente social
reflita a linha de produção, isto é, a mesma orientação que se desenvolve ali deverá ser a
mesma que se constrói a antropologia do cidadão-consumidor. Neste sentindo, Sennett
(2006) esclarece:
(...) que não concordamos com aqueles que interpretam o surgimento
do paradigma do mercado como um processo espontâneo originado,
sem qualquer violência à natureza humana, através da aplicação de
uma estrita racionalidade econômica. Pelo contrário, a usurpação de
uma pretensa racionalidade econômica por parte do paradigma do
mercado só foi possível porque se conseguiu impor, em nome de uma
determinada ‘racionalidade econômica’, uma reformulação total do
‘sentido possível’ da vida humana em sociedades complexas.
(SENNETT, 2006, p. 292)
4
As sociedades modernas são orientadas em seu desejo de alcançar o estereótipo
de sociedade modelo, definida por Laburthe-Tolra (1997, p.21) como aquela “voltada
antes para o futuro que para o passado” tendo a modernidade como um valor. O
modelo de sociedade moderna, a partir do evento modernidade é aquele que foi imposto
a ferro e fogo sob o signo da racionalidade científica. O modelo paradigmático original
– o paradigma é tratado aqui como modelo ou padrão, que sustenta a nova lógica
econômica atribuída às sociedades - a ser imitado ou copiado por outras sociedades é
aquele anunciado pelas sociedades europeias e norte-americanas capitalistas modernas,
como o melhor modo de se viver, a melhor forma de se organizar-se socialmente, o
melhor jeito de produzir, de se relacionar, de governar, de inculturar-se, etc. Essa
promessa do bem viver envolve lazer, organização social, cultura, religião, formação,
educação e economia. Esse é o modelo de sociedade ‘perfeita’, capaz de compreender
todas as nuances da existência humana, suas necessidades, sonhos e realizações, por
isso a sociedade é difusa, ou seja, voltada para fora, pois externaliza um modelo que
está no plano dos sonhos, idealizado para ser quase que inalcançável. E, ao mesmo
tempo, dentro desta lógica moderna, não cabe qualquer outra forma de interação, porque
todas as sociedades devem convergir ao modelo único de difusão.
(...) o modelo da modernidade, segundo os próprios termos de
Eisenntadt, “propaga-se” para fora de seu âmbito de origem, noutras
palavras, difunde-se. A teoria da modernidade é uma teoria da difusão.
Liga-se, desta maneira, a uma corrente de pensamento sociológico
segundo a qual as mudanças sociais dão-se, sobretudo, pela difusão
das informações a partir de um centro que é suposto produzi-las.
(LABURTHE-TOLRA, 1997, p.21)
Aquelas sociedades que ousarem vislumbrar outras perspectivas de interação,
estarão sujeitas à conversão pela força, legitimando, assim, as guerras e invasões, para
que aja a sobreposição de um modelo sobre o outro.
A modernização é, assim, percebida como o rolo compressor
destinado a esmagar todas as civilizações para reduzi-las ao modelo
do Ocidente industrializado. Por isso a teoria da modernização é
também chamada de teoria da convergência das civilizações, já que se
presume que todas aproximam-se de um modelo único.
(LABURTHE-TOLRA, 1997, p.21)
5
Enfim, as sociedades da Europa e América do Norte apresentam-se como o
paradigma original a ser seguido e agem de forma não tão sutil, cerceando umas
sociedades e constrangendo outras a negarem seu modelo originário, até corromperem-
se ao modelo difuso. Como num jogo de sedução, tais grupos hegemônicos se
apresentam como sociedades perfeitas em sua organização sócio-político-econômica,
capazes de satisfazerem as necessidades individuais, bem como realizar seus desejos no
curto-prazo.
Para entrar nesta lógica de modernidade, as sociedades têm por incumbência
(SENNETT, 2009) romper com seu passado, implementando um movimento de
mudança sob o paradigma do progresso, criando condições de aceitação para irromper
no processo de fragmentação de suas matrizes culturais, a fim de flexibilizá-las.
RELAÇÕES FLUIDAS E PESSOAS INÚTEIS
A fluidez da modernidade capitalista se sustenta na dissociação da natureza e do
humano. À natureza são aplicadas as práticas tecno-científicas e ao humano as práticas
político-sociais, num descompasso. Em conformidade com Laburthe-Tolra (1997), esta
dissociação provoca fragmentações que criam espaços que, segundo Baumann (2001),
geram condições para que a fluidez capitalista preencha as lacunas formadas,
transformando o que se estabelece das relações do humano com o humano e deste com a
natureza, rompendo drasticamente com a cosmovisão, pois a sociedade da tradição tinha
uma forma de ver, entender e se colocar no mundo, diferentemente da modernidade
capitalista. Assim, a natureza deixa de ser parceira do humano para se tornar sua serva.
Em oposição à essa visão, Latour(1991)3 argumenta sobre a indissociabilidade
entre a natureza e o humano, pois os fatos técnicos-científicos repercutem ao mesmo
tempo nos fatos sociais e políticos, e a isto ele denomina como fatos ‘híbridos’, ou seja,
estão intrinsecamente associados, de tal forma que não existe a possiblidade deles
acontecerem em espaços diferentes. É por esse motivo que a modernidade capitalista
tem dificuldade em lidar com esses fatos híbridos, “pois mantém a ilusão de que fatos
3 apud LABURTHE-TOLRA, 1997, p. 23
6
de natureza e fatos de sociedade são criados em espaços diferentes, por pessoas
diferentes” (LABURTHE-TOLRA, 1997, p. 23).
É com o advento da modernidade capitalista que uma nova forma de cultura é
gestada e posteriormente manifestada, sedimentando sua identidade: a inutilidade
humana. SENNETT (2006), desenvolve a ideia de que a produção capitalista provocou
uma desestabilização nos processos de produção, deslocando o movimento desta
inutilidade a partir do advento das cidades fabris. Tal movimento foi deflagrado pela
inquietação e reacomodação no novo modelo de produção urbano-industrial, que forçou
o camponês a buscar refúgio nas cidades – os chamados ‘refugiados agrícolas’ expulsos
do campo para que a lógica capitalista promovesse um rearranjo econômico, social e
político alterando a relação entre trabalho e produção.
Estes refugiados agrícolas foram expulsos de sua condição natural de labor, a
partir do momento em que a terra se transforma em mercadoria, perdendo a possiblidade
de explorá-las, não restando outra saída a não ser refugiarem-se nas cidades, numa
tentativa de reposicionarem-se junto às novas matizes, inauguradas pelo novo modelo
(HUBBERMAN, 2010). A condição dos camponeses, ligados ao modo anterior de
produção, os colocava em posição de desvantagem de inclusão, surgindo daí o grande
desafio de se adaptarem ao novo sistema produtivo.
O conceito de “fatores de produção” evoluiu ao longo da história do
pensamento econômico. Nos clássicos, havia ainda uma forte
preocupação com a reprodução dos fatores necessários – os não-
necessários, os sobrantes sempre foram um problema – à produção.
Aos poucos, porém, o Capital passou a ser considerado como o fator
de produção por excelência. Todo o resto só é visto ainda como fator
de produção na medida em que o Capital o necessita. Isto implica,
logicamente, numa exclusão dos fatores não produtivos. Em suma, a
vida do homem se deslocou do centro da economia. (ASSMANN;
HINKELAMMERT, 1989, p.307)
Com o aprimoramento do modo de acumulação capitalista, novas situações de
refúgio se expandiram de forma tentacular. Com muito esmero e encantamento, o
capitalismo continua a estabelecer formas e métodos de expansão, para que se manifeste
de forma mais leve e sutil, podendo intervir e corromper as culturas que o contrapõe.
7
Percebe-se este aprimoramento do sistema quando se deflagra uma devastadora
destituição proposital de valores, de potenciais e de talentos, tornando os indivíduos
simplesmente invisíveis perante os olhos da grande maioria da sociedade,
desaparecendo do contexto da produção, tornando-se uma massa sobrante. (SENNETT,
2006)
Diante do pesadelo da inutilidade, o sistema nada tem a oferecer para que o
indivíduo não caia no esquecimento e se posicione fora das matrizes de produção. O
sistema só se torna pungente porque gera sobras. O lucro não inclui – somente um
agente se beneficia - uma empresa ou uma elite econômica - enquanto os outros agentes
econômicos se movimentam para que essas sociedades particulares continuem a
acumular seus lucros. Nota-se que a pujança capitalista se estrutura através das elites
regionais que concentram o capital. Isso é bastante perceptível nas análises econômicas
e contábeis – os lucros são destinados para quem investe seu capital, e quem tem o
poder de investir é justamente aquele que o detém. Portanto, este conserva a riqueza
daqueles que o financiam, sustentando um sistema de concentração do lucro. O que era
um bem distributivo torna-se um bem cumulativo. Então, para gerar novos bens, a teoria
econômica fundamenta-se no sacrifício - de todas as coisas que envolvem o processo de
produção - para gerar novos bens. “ Nessa seleção de talentos, são deixados no limbo
os considerados carentes de recursos internos. Já não podem ser considerados úteis ou
valiosos, não obstante o que realizaram” (SENNETT, 2006, p.120).
FRAGMENTOS
O sistema financiado a partir da concentração dos lucros, cria seus próprios
mecanismos de sustentação, através das intervenções nos espaços em que as redes
tramadas pelas sociedades sejam mais flexíveis. A fragmentação chegou a tal ponto que,
na atualidade, reflete um descompasso nas relações humanas. Sennett (2006), ao
abordar o assunto, aponta em direção ao surgimento de um novo ente social, ao que ele
denomina como consumidor-cidadão-expectador.
8
Nesta mesma perspectiva, os autores de ‘Para além do espírito do império’ são
contundentes em admitir a criação de uma nova subjetividade humana, que não está
valorada por ser humana, mas sim, sedimentada na relação de consumo de mercadoria,
cujo valor não está na existência humana, mas sim, nas coisas. Daí a proposição da
coisificação do ser humano e transposição do valor àquilo que ele consegue consumir:
“Exatamente como a cadeira é despojada de sua existência, o valor de uma cadeira já
não está em seu uso e nem como foi produzida. Aqueles cujas vidas estão envolvidas no
capitalismo também são despojados de sua existência” (RIEGER, MIGUEZ SUNG ,
2012, p.62). Está aí o nascimento de uma nova subjetividade social.
Nessa mesma linha de discussão, Sennet (2006) destaca a questão da potência e
do potencial na propagação do culto ao consumo como matriz de controle. Segundo o
autor “Assim é que as diferenças de imagem adquirem fundamental importância na
obtenção de lucros. Quando as diferenças podem ser de certa forma infladas, o
comprador potencial estará vivenciando a paixão do consumo” (p.135). A propagação
do culto ao consumo, uma das matrizes de controle do sistema, é a forma como o
capitalismo dissemina sua ideologia nas relações sociais, encantando o cidadão, aquele
que tem o potencial ao consumo, pois é quem está mais próximo ao sistema. A mesma
estruturação que é feita no sistema de produção, é feita no sistema social. Consumir
deixou de ser um simples ato de compra. Isto só foi possível quando o mesmo processo
de valoração dado às coisas e ‘mercadorias’ foi transposto às relações que envolvem o
ser humano.
Exatamente como o valor dos bens consumíveis depende de sua
posição no mercado, e assim de seu relacionamento com outros bens
consumíveis, independente do seu valor de uso, o valor da
subjetividade das pessoas expresso no seu trabalho também depende
desses fatores. O valor é assim, uma relação entre pessoas expressa
como relação entre coisas. (RIEGER, MIGUEZ SUNG , 2012, p.63-
64).
Quanto mais prósperas e avançadas as sociedades de consumo, mais se
submetem e se tornam subserviente ao modelo imposto, e, dessa forma, aqueles que
não consomem ou que não tem perspectivas de consumir, não podem ser elevados ao
status de humano – é a sobra, é o refugo.
9
REFUGO E REFUGIO
O início do século XXI testemunha, na atualidade, o mais profundo movimento
capitalista de inutilização da vida. O mar mediterrâneo se torna o referencial de
sacrifícios, cemitério e memorial de mortes e vidas atormentadas por causa de uma
racionalidade econômica, concentrada em uma economia de mercado expansionista e
universal. Nela, as perseguições são construídas por um poder que em sua metodologia
utiliza a guerra e a concentração de riquezas como partes de uma ordem sacrifical de
vidas humanas.
Na contemporaneidade sistematicamente testemunha-se a tentativa de alentar os
corações a respeito das crueldades e vitimações deflagradas na condição humana de
refugiados. “Os orçamentos militares do mundo superam anualmente toda a dívida
externa acumulada do Terceiro Mundo” (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989,
p.294) Mais destruidor do que constatar tal estatística, é perceber, conforme os autores,
“ que as técnicas psicológicas de ‘engenharia social’ de tipo militarista invadem a
publicidade e áreas significativas das artes”. Na prática, percebe-se o crescimento da
indústria dos jogos virtuais que tem a violência como base.
Na formulação econômica de Adam Smith4, deflagrou-se o pressuposto
sacrifical, tendo como justificativa a remuneração do capital e sua expansão. A
violência fazia parte desta cosmovisão, colocando-se como parte natural e normal de se
ver e conceber o mundo. Porém, o que chama a atenção é que nas sociedades modernas,
a violência e o sacrifício são substancialmente paradigmáticos. Se se tornam paradigmas
pode-se matar, violentar e despojar porque é justificável, sob a perspectiva econômica –
no lucro – e sob a perspectiva social – na implantação da “pax romana”, sabendo que
esta é o modus operandi do império de se organizar e expandir.
A ideologia do sacrifício seria, então, o emaranhado econômico que postulava
que, para produzir-se riqueza, seriam necessários sacrifícios inerentes ao processo de
produção. Dessa forma, a nova ordem econômica é dotada de leis naturais autônomas,
4 SMITH, apud ASSMANN, HINKELAMMERT, 1989
10
visto que nas sociedades anteriores a natureza era o fator determinante no processo de
produção.
Na articulação da economia de mercado há uma prerrogativa de disfarçar ou
ocultar a metodologia e a materialidade de um processo vitimatório, estruturado e
anunciado como uma boa notícia para se chegar à realização do milagre do
desenvolvimento. A partir deste ideal, instaura-se modelos de dominação
fundamentados no emprego contínuo e sistemático da força e da violência. Porém, aos
olhos das sociedades, estas complexas tramas só se justificam porque vem disfarçada de
uma ideologia, legitimada pela própria construção do paradigma. Assmann;
Hinkelammert (1989) comentam sobre o “ disfarce estrutural do sacrificialismo”, como
sendo a “forma que a ideologia sacrifical assume quando se identifica inteiramente com
a formulação dos procedimentos econômicos” (p.305). O disfarce vem de uma própria
ideologia intrínseca ao sistema, e para Baumann (2001) os disfarces estão conectados
com a modernidade líquida quando discute sobre o tempo e o espaço, afirmando que as
variantes extremas da estratégia êmica são hoje, e como sempre o encarceramento,
deportação e assassinatos. Consequentemente pode-se deduzir: sob a forma de
sacrifício.
Tendo por base o referencial teórico, analisa-se o movimento de vitimação
imposto aos povos que habitam parte do Oriente Médio. O argumento sustentado neste
artigo é que os sacrifícios de vidas humanas são produto da expansão do capital
hegemônico colonialista e universal. Para a sociedade moderna capitalista, isto se
tornou um paradigma, um modelo de um modo de produção que se reflete num mundo
político-social-econômico e nas relações humanas como um todo, até mesmo na
compreensão de um novo ens humano fabricado a partir deste paradigma.
Nazanín Armanian, cientista política, no artigo publicado na revista Carta Maior,
sob o título de ‘12 razões da guerra contra a Síria’, elucida e argumenta o arquétipo
articulado pelas economias globais ‘notáveis’, como por exemplo, eliminar os rivais de
Israel, sem a percepção das destruições de países muçulmanos, pois do contrário,
configuraria islamofobia. Apelam ao cenário mundial para a necessidade de enfrentar o
inimigo do ocidente: o extremismo islâmico. Arquitetam um novo modelo sócio-
11
político – econômico e cultural para o novo Oriente Médio. Segundo a autora, com
inevitáveis “dores de parto”, citando Condoleezza Rice.
Efetivar o ousado projeto de controle militar de todo o mediterrâneo. O
obstáculo para a concretização imediata dessa ação é a Síria, único país fora da área da
OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte; proporcionar a dominação da
chamada Eurásia, cuja fronteira inicial a partir da Ásia é a Síria, e a partir da Europa, a
fronteira final, é a Síria. Desestabilizar a relação entre Síria e Moscou,
consequentemente destruir qualquer relação comercial com a Rússia; Controlar a rota da
seda; a urgência da instalação do gasoduto árabe, porém para o êxito, é necessário
mudar o regime de poder na Síria, levando ao poder o regime sunitas aliados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em conta os principais aspectos levantados e argumentados por esta
pesquisa, pode-se concluir que existe uma real necessidade de contínuo aprofundamento
das questões apresentadas; a humanidade encontra-se na atualidade na encruzilhada da
“competição” ou “cooperação”.
Por um lado, testemunha-se o crescimento da ideologia da guerra, sustentada por
uma cultura patriarcal que só consegue entender a resolução dos conflitos por este viés.
Esta mesma cultura sedimentou e propagou a cultura do capital que se modernizou,
globalizou, consequentemente continua produzindo guerras econômicas, políticas e
sociais; impondo estruturas desiguais, injustas e violentas.
Para entender este movimento denominado como diaspórico, que neste artigo
percebe-se como refugo, faz-se necessário ouvir as vozes silenciadas, mergulhar no mar
real da travessia e procurar desatar os ‘nós’ do simbólico ocultados no êxodo destes
povos (pessoas) em busca de uma ‘terra prometida’ onde derrama democracia,
igualdade, oportunidades, liberdade, fraternidade; terras, estas, que antecipam o paraíso
– o futuro - prometido pelo sistema que transforma ‘bens e serviços’, a ‘excelência da
vida’ em refugo.
12
Denúncia e anúncio são movimentos dicotômicos nesta travessia, ecoam através
do signo verbal calado profundas situações de abandono, menosprezo e de
desintegração da vida. Murmúrios que jamais penetrarão a audição dos controladores
das redes onipresentes e oniscientes que se julgam capazes de conduzir o bem-estar das
sociedades através de sua mão invisível e redentora.
De tudo o que foi exposto através desta incursão científica; entende-se que a
Academia possui papel relevante em apontar as estruturas que sustentam esta lógica;
bem como oferecer às sociedades reflexões que colaborem no processo de
decomposição dos disfarces fluídos em nossa cultura, para que se desvelem, entre
outros, os véus que encobrem a exortação do refúgio – ‘refugo’.
BIBLIOGRAFIA
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HINKELAMMERT, F – As armas ideológicas da morte, São Paulo, Edições Paulinas,
1983.
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VERGARA, Sylvia Constant – Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração.
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