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0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DJANDERSON MARTINS DOS SANTOS O TAMBOR DE MINA EM BELÉM: um estudo da performance corporal como linguagem religiosa no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lêgo Saponnã. BELÉM 2014

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

DJANDERSON MARTINS DOS SANTOS

O TAMBOR DE MINA EM BELÉM: um estudo da performance corporal como linguagem

religiosa no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lêgo Saponnã.

BELÉM

2014

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

DJANDERSON MARTINS DOS SANTOS

O TAMBOR DE MINA EM BELÉM: um estudo da performance corporal como linguagem

religiosa no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lêgo Saponnã.

BELÉM

2014

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade do Estado do

Pará, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em

Ciências da Religião.

Orientadora: Profa. Dra. Taissa

Tavernad de Luca.

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Dados Internacionais de Catalogação na publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Santos, Djanderson Martins dos

O Tambor de Mina em Belém: um estudo da performance corporal como linguagem

religiosa no terreiro Abassá Afro-brasileiro Lêgo Saponnã. / Djanderson Martins dos Santos, Belém,

2014.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará. Belém, 2014.

Orientação de: Taíssa Tavernard de Luca

1. Cultos Afro-brasileiros- Belém-PA. 2. Performance corporal. 3. Religião. I. Luca,

Taíssa Tavernard de (Orientador). II. Título.

CDD: 21 ed. 299.6

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3

DJANDERSON MARTINS DOS SANTOS

O TAMBOR DE MINA EM BELÉM: um estudo da performance corporal como linguagem

religiosa no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lêgo Saponnã.

Dissertação aprovada em 26/09/2014 para obtenção do título de Mestre em Ciências da

Religião.

Banca Examinadora:

____________________________________________________

Profa. Dra. Taíssa Tavernard de Luca - Presidenta da Banca

Universidade do Estado do Pará

_____________________________________________________

Profa. Dra. Daniela Cordovil Corrêa dos Santos

Universidade do Estado do Pará

_____________________________________________________

Prof. Dr. Emerson José Sena da Silveira

Universidade Federal de Juiz de Fora

BELÉM

2014

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade do Estado do

Pará, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em

Ciências da Religião.

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4

A minha amada esposa Karolyne Santos, que

veio iluminar e dar ainda mais sentido à minha

vida.

A minha Mãe, Selma Raimunda pelas

incansáveis horas de dedicação e perseverança.

As minhas irmãs Jaqueline e Hevelyne, pela

amizade e carinho; e as minhas sobrinhas

Elizabeth, Eduarda e Luciene, por fazerem

parte da minha felicidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelos momentos de felicidade e de angústia, que iluminam e me dão força para seguir

a misteriosa caminhada da vida, e pelos momentos de dificuldade que norteiam a cada

instante minha existência.

À minha família, que move meus sonhos e minhas esperanças: meus pais, Djalma Almeida e

Selma Raimunda, pelo eterno cuidado, dedicação e amor; pelo apoio nos momentos difíceis e

de inquietantes decisões; por estarem ao meu lado a cada passo, a cada pequena conquista e

grandes realizações.

As minhas irmãs, pelas pessoas que tornaram, pelos momentos de orgulho, companheirismo,

sorrisos, brigas e amizade.

Aos meus tios e primos, em especial Walber Oliveira, pelos abraços e pelo apoio.

Ao meu amor, Karolyne Santos, pelo companheirismo em todos os momentos, pelos sorrisos

e carão, pelo cuidado carinhoso e atenção, por mostrar que sonhos podem se tornar realidade.

Obrigado pela vida maravilhosa que tu me proporcionas. Agradeço em especial à minha

sogra, Nilcéa Santos, e a minha cunhada...

Ao Terreiro Abassá Legô Xapannã, por me acolher e permitir o desenvolvimento de meu

trabalho. Agradeço ao Babalorixá da Casa, Orlando Bassú pelos conhecimentos repassados, a

mãe Ane pelas horas de dedicação nos rituais me explicando todo o processo e significado do

culto.

À minha orientadora e amiga Taíssa Tavernard de Luca, pela paciência e compreensão, e por

acreditar na minha capacidade e no meu crescimento profissional e pessoal, pelo apoio em

todos os momentos e, principalmente, pela amizade.

Aos membros do PPGCR da UEPA. Aos meus professores da graduação e pós-graduação, a

Universidade do Estadual do Pará, à secretaria da pós-graduação, em especial a Andréa pela

responsabilidade do seu trabalho, a todos que contribuíram para o meu crescimento

profissional e pessoal, muitíssimo obrigado!

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6

Só há um templo no mundo e é o corpo

humano. Nada é mais sagrado que esta forma

sublime. Inclinar-se diante de um homem é

fazer homenagem a esta revelação na carne.

Toca-se o céu quando se toca um corpo

humano.

Friedrich Novalis

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RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade fazer um estudo etnográfico sobre um terreiro

religião de matriz africana e afro-brasileira mais comum em Belém/Pá denominada Tambor

de Mina, especificamente o terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lêgo Saponnã dentro dos

paradigmas da corporeidade de Csordas (2008) em diálogo com fenomenologia da religião e a

Antropologia Simbólica e Interpretativa, Geertz (1989) como também a função do mito na

experiência performática, Turner (1987) em uma tentativa enriquecedora de buscar novos

olhares e novas perspectivas de conhecimento sobre a performance corporal como linguagem

religiosa. Este estudo se propõe a fazer uma análise do corpo como expressão do sagrado nas

práticas religiosa do Tambor de Mina.

Palavras-chaves: Tambor de Mina. Corpo. Performance. Religião Afro-brasileira.

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ABSTRACT

The present work aims to make an ethnographic study on a yard religion with African roots

and african-brazilian more common in Belém / Shovel called the Drum, specifically yard

Abassá Afro-Brazilian LEGO Saponnã within the paradigms of embodiment of Csordas

(2008 ) in dialogue with phenomenology of religion and the Symbolic and Interpretive

Anthropology, Geertz (1989) as well as the function of myth in performative experience,

Turner (1987) in an enriching attempt to seek new insights and new perspectives of

knowledge about body performance as religious language. This study aims to make an

analysis of the body as an expression of the sacred in the religious practices of the Tambor de

Mina.

Keywords: Tambor de Mina. Body. Performance. Afro-Brazilian religion.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1 - Manual de formação dos Ogãns.........................................................................33

Fotografia 2 - Corredor de entrada do terreiro..........................................................................40

Fotografia 3 - Do meio para frente do corredor........................................................................41

Fotografia 4 – O centro do terreiro...........................................................................................42

Fotografia 5 - Local onde ficam alguns instrumentos litúrgicos e a caixa de som...................43

Fotografia 6 – Festa da caranguejada........................................................................................46

Fotografia 7 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Ogum....................................................58

Fotografia 8 - Filha de santo incorporada pelo Orixá Oxalá.....................................................59

Fotografia 9 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Xangô...................................................61

Fotografia 10 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Oxóssi.................................................62

Fotografia 11 - Filha de santo incorporada pelo Orixá Oxum..................................................64

Fotografia 12 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Yemanjá.............................................66

Fotografia 13 - Filho de santo sendo incorporado pelo Caboclo..............................................68

Fotografia 14 - Filho de santo sendo incorporado pelo Caboclo..............................................69

Fotografia 15 - Filho de santo sendo incorporado pela entidade Erê........................................71

Fotografia 16 - Obrigação para o Orixá Exu.............................................................................73

Fotografia 17 - Local onde ocorre a Gira..................................................................................75

Fotografia 18 - Obrigação para todos os Orixás.......................................................................76

Fotografia 19 – O respeito pela hierarquia................................................................................77

Fotografia 20 - No ato da incorporação....................................................................................80

Fotografia 21 – Uma das performances de Exu........................................................................81

Fotografia 22 - Performance de Exu.........................................................................................82

Fotografia 23 - Performance de Exu.........................................................................................83

Fotografia 24 - A figura masculina e a utilização dos instrumentos litúrgicos.........................87

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 - Bairro do Guamá.......................................................................................................38

Mapa 2 - Ruas adjacentes do terreiro........................................................................................39

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

GERMAA Grupo de Estudo sobre Religiões de Matriz Africana na Amazônia

GPMINA Grupo de Pesquisa de Religião e Cultura Popular

MPB Música Popular Brasileira

PPGCR Programa de Pós-Graduação de Ciências da Religião

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UEPA Universidade do Estado do Pará

UFPA Universidade Federal do Pará

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................13

2 GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: PRIMEIRO CONTATO COM O

CAMPO...............................................................................................................................16

2.1 MESTRADO: NOVOS CONCEITOS E POSSÍVEIS POSSIBILIDADES......................19

3 TERREIRO DE MINA LÊGO XAPANNÃ: UMA CASA PERFORMÁTICA............31

3.1 HISTÓRICO: A CONSTRUÇÃO DE UM TERREIRO INOVADOR..............................31

3.2 HISTÓRIA DE VIDA DO SACERDOTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA

IDENTIDADE.....................................................................................................................36

3.3 ESPAÇO: A LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DO ESPAÇO.........................................38

3.4 CALENDÁRIO DE ATIVIDADES...................................................................................44

4 O CORPO DIVINIZADO: A EXPERIÊNCIA EXTÁTICA...........................................49

4.1 RELAÇÃO SUJEITO DIVINDADE..................................................................................49

4.2 O MITO COMO INSTRUMENTO SIGNIFICATIVO PARA PERFORMANCE...........50

4.3 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO MITO.................................................................52

4.4 OS MITOS DE ORIGEM...................................................................................................54

4.4.1 O panteão........................................................................................................................55

4.4.2 Os orixás..........................................................................................................................56

4.4.3 Ogum...............................................................................................................................56

4.4.4 Oxalá...............................................................................................................................58

4.4.5 Xangô...............................................................................................................................60

4.4.6 Oxóssi..............................................................................................................................61

4.4.7 Iansã................................................................................................................................63

4.4.8 Oxum...............................................................................................................................64

4.4.9 Yemanjá..........................................................................................................................65

4.4.10 Caboclos e crianças (Erês) alguns relatos etnográficos............................................67

4.4.10.1 Caboclos......................................................................................................................67

4.4.10.2 Crianças ou Erês..........................................................................................................70

5 EXU: UM ORIXÁ DE VÁRIAS PERFORMANCES......................................................72

5.1 A PREPARAÇÃO PARA O TRANSE..............................................................................74

5.2 A GIRA...............................................................................................................................78

5.3 ETNOGRAFIA DA FESTA PARA EXU..........................................................................79

6 O TAMBOR: INSTRUMENTO SIGNIFICATIVO PARA PERFORMANCE............85

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13

6.1 A IMPORTÂNCIA DO TAMBOR....................................................................................85

6.2 ABATAZEIROS: O SOM DA PERFORMANCE.............................................................86

6.3 A PERFORMANCE DOS ABATAZEIROS E O SOM QUE DÁ VIDA AO RITUAL...87

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................91

REFERÊNCIAS......................................................................................................................93

GLOSSÁRIO...........................................................................................................................96

ANEXOS..................................................................................................................................99

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1 INTRODUÇÃO

Há diversos estudos científicos sobre religiões de matriz africana na Amazônia

norteados por paradigmas epistemológicos contratantes. Produzir argumentos sobre campo

religioso no estado do Pará, especificamente em Belém, é inquestionável, a uma considerada

variedade de religiões de diversas matrizes africanas. São elas: a Mina, do qual este trabalho

fez o recorte que é proveniente do estado do Maranhão em meio a economia da borracha, a

Umbanda e suas raízes brasileiras e o Candomblé, que entrou no Pará a partir da chagada de

sacerdotes que vieram da Bahia na segunda metade do século XX.

A Mina é, historicamente, a religião mais antiga no Pará. Uma tradição religiosa que

foi trazida por negros escravos vindos do Daomé (República Popular do Benim) para os

Estados do Maranhão e Pará. O termo Mina faz referência ao maior empório de escravos sob

domínio português; o Forte São Jorge de Elmina, situado na Costa do Ouro, atual Gana, que

exportava mão-de-obra negra para diversas partes do Brasil (Vergolino, 2003).

Esta pesquisa foi realizada na casa Abassá lego Xapannã localizado no bairro do

Guamá Belém/Pa. Minha relação como o campo foi construída com muita dificuldade. O

presente trabalho tem como finalidade fazer um estudo etnográfico sobre um terreiro religião

de matriz africana e afro-brasileira mais comum em Belém/Pá denominada Tambor de Mina.

Tendo como norte paradigmáticos o conceito de corporeidade de Csordas (2008) em diálogo

com fenomenologia da religião e a Antropologia Simbólica e Interpretativa, Geertz (1989)

como também a função do mito na experiência performática, Turner (1987) em uma tentativa

enriquecedora de buscar novos olhares e novas perspectivas de conhecimento sobre a

performance corporal como linguagem religiosa.

Este estudo se propõe a fazer uma análise do corpo como expressão do sagrado nas

práticas religiosa do Tambor de Mina uma das principais tradições afro religiosa em terras

paraense, especificamente no terreiro do Pai Orlando Bassú devido as características

performáticas dos seus cultos. Descobri na prática o quanto sua “fama” de que ele e “seu

terreiro” eram performáticos e ao mesmo tempo difícil de conseguir fazer a pesquisa.

Demorei mais de um ano para conseguir uma relação harmoniosa com ele e em especial com

sua esposa Adriana.

Tive dificuldade de conseguir minhas entrevistas durante um longo período da

pesquisa, como também, relacionar a teoria com o campo, já que, minha relação com ele era

apenas um processo de curiosidade. A necessidade para fundamentar a análise e as

dificuldades da pesquisa de campo foram os grandes entraves no desenvolvimento deste

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trabalho. De fato, descobri o processo da dádiva na prática. Minha relação passou a mudar a

partir do momento em que ofereci recursos financeiros e passei a auxiliar na locomoção de

pessoas para os rituais que terminavam sempre depois da meia noite. Podemos pensar em algo

interesseiro e egoísta pela parte dos “nativos”, no entanto levando em consideração a

generosidade da troca de Mauss (1974) há também a relação de se colocar no lugar do outro.

Minhas perguntas de campo passaram a ser respondida pelo pai de santo, que passou a

ter mais disponibilidade para comigo e pelo interesse da minha pesquisa, já que, “os contratos

fazem-se sob a forma de presentes” (MAUSS, 1974, p. 41). Este trabalho passou por várias

etapas em sua constituição metodológica. O pai de santo não tem uma relação harmoniosa

com as universidades de Belém, em especial, com os pesquisadores, pois para ele, “só querem

receber e não querem dar nada em troca”. Descobri isso um pouco tarde esta relação

simbólica que possibilitou uma maior clareza sobre o campo. Hoje estou presente em todas as

festas e buscando novos matérias para completar esta pesquisa, como também, novos olhares

sobre a função do corpo.

Dentro de uma problemática epistemológica das Ciências Humanas no que concerne o

objeto de estudos das Ciências da Religião é possível introduzir mais uma categoria de análise

do fenômeno religioso. Essa categoria é o corpo como linguagem, mais especificamente uma

linguagem religiosa.

Muitos movimentos religiosos, em especial os afro-religiosos, veem no corpo um

instrumento de validação e pertença religiosa, como também instrumento de interação como a

esfera da transcendência, do qual, se materializa no real vivencial. A problemática que nos

vem a reboque desta categoria de análise permeia a legalização paradigmática que será

utilizada para que haja validade sobre esse objeto.

Essa discussão teórico-metodológica será demonstrada no primeiro capítulo no intuito

de analisar a possibilidade de um diálogo entre a Antropologia Interpretativa e

Fenomenologia da Religião destacando a capacidade da multidisciplinaridade das Ciências da

Religião no que concerne a análise do fenômeno, como também, minha experiência com a

pesquisa de campo.

No segundo capítulo farei uma descrição completa do Abassá Lêgo Saponnã. A

necessidade de fazer tal descrição fica clara já que a pesquisa é um estudo de caso. Muitas das

descrições foram retiradas de filmagens, fotos e relatos transcritos das entrevistas realizadas

com pai de santo e de conversas informais com alguns membros do terreiro.

No terceiro capítulo dialogarei com os conceitos de performance de Victor Turner

(1987), o conceito de Corporeidade de Thomas Csordas (2008) e o conceito de transe de Ioan

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M. Lewis (1977) com a performance de alguns Orixás que utilizam o corpo do filho de santo

para revelar características presente na constituição mitológicas de sua origem na tentativa de

mostrar o corpo como instrumento de manifestação deste sagrado.

No quarto capítulo destacarei a importância do tambor e da performance do

tamboreiro para o bom desenvolvimento do ritual, mais ainda, a relação que sua performance

tem com o transe e a performance do filho de santo que utiliza seu corpo como experiência

religiosa com o sagrado (orixá).

Houve momentos difíceis para o término deste trabalho, principalmente em relação as

cobranças financeiras e a disponibilidade do pai Bassú para minhas entrevistas. Como

também, entre outras iniciativas do próprio pai ao deixar bem claro que as universidades de

Belém não o “ajudaram e não ajudam em nada” durante todos estes anos. No entanto mesmo

com todas essas dificuldades consegui dar procedimento no trabalho de pesquisa. No trabalho

busquei destacar minha relação harmoniosa com a teoria e a minha estranheza do campo.

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2 GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO: PRIMEIRO CONTATO COM O

CAMPO

Já aprovado no curso de graduação em Ciências da Religião da Universidade do

Estado do Pará (UEPA) em 2008 e ainda cursando algumas disciplinas obrigatórias, lembro-

me do primeiro contato com a pesquisa de campo. Uma dessas disciplinas, especificamente a

Antropologia Cultural, ministrada pelo Antropólogo Mauricio Costa, fomos estimulados um

grupo de cinco calouros, a produzir um pequeno artigo. Esta produção deveria conter

entrevistas e fotos conforme o tema sorteado. Estávamos todos ansiosos, e um dos motivos

dessa ansiedade fora justamente a incompreensão do que seria a etnografia ou o que muito

depois iríamos descobrir com pesquisa de campo.

Antes do sorteio dos temas para pesquisa, o grupo divergia do que iríamos estudar.

Uns lutavam ardentemente para estudar o catolicismo popular, e eu, me inclui, no grupo que

desejava abordar as religiões de Matriz Africana na Amazônia. Em um determinado dia, que

sinceramente a minha memória seletiva não recorda, houve os sorteios dos temas. Nosso

grupo ficou responsável em fazer uma análise sobre a presença do Candomblé na cidade de

Belém e sabíamos, por intermédio de alguns professores que estas casas funcionavam à noite,

mesmo assim, entramos em um consenso e decidimos ficar com que fora sorteado.

O professor proporcionou algumas bibliografias para situar-nos no tema a ser

pesquisado. As referências que ele nos ofereceu na época fora as seguintes: Umbanda, meu

Caminho (2006) de Fanny Pitaki Cunico, Os Estudos Afro-Brasileiros (1973) de Roger

Bastirdes, O Duplo e a Metamorfose (1996) de Monique Augras, Candomblés na Bahia

(1948) de Edison Carneiro, Exu, Pode e Perigo (1985) de Liana Trindade, Candomblé e

Umbada- caminhos da devoção brasileira (2000) e Orixás na Metrópole (1995) de Vagner

Gonçalves Dias, O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil

colonial (2007) de Laura de Melo Sousa e o Xirê: modo de ser e de viver o candomblé (2002)

de Rita de Cássia Amaral.

Depois de explicar-nos todas as bibliografias descritas acima nos reunirmos em grupo

para decidir o título de nosso artigo que se intitulou “Na encruzilhada da Amazônia: um

estudo sobre os candomblés de Belém”, isso ocorreu por que iríamos falar especificamente do

Candomblé. O que nos foi narrado pelo professor era que iríamos utilizar essas referências

como base para nossas pesquisas bibliográficas para produção do artigo.

Praticamente nenhum dos participantes do grupo conhecia essas bibliografias, e

tampouco, tinha experiência com a pesquisa de campo. Vale ressaltar que o curso de

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graduação em Ciências da Religião é de licenciatura plena e que neste período havia umas

certas dificuldades com acadêmicas essas disciplinas advindas do bacharelado que

incentivavam a as técnicas de pesquisa qualitativa.

Mesmo sem experiência, com a pesquisa de campo e bibliográfica, começamos a

desenvolver o artigo e dividir as tarefas, uma vez que tal atividade, valeria nossa nota do

segundo bimestre. Decidimos que antes de irmos para o campo, faríamos uma breve análise

das produções acadêmicas sobre as religiões de Matriz Africana na Amazônia e produzir um

questionário como perguntas direcionadas. Fiquei responsável em fazer um balanço dessas

produções acadêmicas, e é justamente nesse contexto, que começou o meu interesse nesta

temática.

Ao realizar um balanço sobre estas produções, senti dificuldades de encontrar estudos

específicos sobre o Candomblé em Belém, e mais ainda, ficava cada vez mais confuso

compreender ou até mesmo dialogar com as referências que o professor nos oferecera, pois

neste período passei a ter um breve contato com as produções dos Antropólogos africanistas

do Pará. Mesmo que breve, e sem habilidade de análise conceitual, ficava claro que havia algo

de diferente do que fora escrito por alguns escritores utilizados pelo professor como

bibliografia básica.

Ao longo da produção do artigo, o grupo fez algumas visitas de campo em um terreiro

de Candomblé e Mina localizado no bairro do Satélite em Belém do Pará. Este terreiro serviu

de base para produzirmos o nosso trabalho etnográfico. A dificuldade e a inexperiência em

campo dos pesquisadores iniciantes nos proporcionaram o primeiro contato com a pesquisa, e

mais ainda, foi a primeira vez que utilizei um caderno de anotações, pois até então, utilizava

apenas os livros.

Este artigo foi o marco inicial de uma longa trajetória de diálogo com a Antropologia.

Ao longo dos últimos três anos de graduação em Ciências da Religião busquei me aprofundar

na leitura de conceitos advindos desta área de conhecimento, especificamente, a Antropologia

Interpretativa de Clifford Geertz. Essa escolha adivinha de uma melhor relação que eu tinha

com a teoria que visava um diálogo com outras áreas do conhecimento.

Quando comecei a pensar no trabalho de conclusão de curso, já estava com a intenção

de produzir algo referente às religiões de Matriz Africana na Amazônia. Para realizar essa

produção, ao desenvolver o pré-projeto de pesquisa, busquei o diálogo entre a Fenomenologia

da Religião e Antropologia. Depois do primeiro contato com o campo na realização do artigo,

na segunda visita, iniciei as pesquisas para a ampliação do projeto no meu último ano de

graduação.

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A pessoa responsável por este possível diálogo com Antropologia foi a minha

orientadora e Antropóloga Leila Melo, professora contratada da UEPA no ano de 2012. Ao

saber que ficaria responsável por me orientar depois de ler o meu projeto, ficou entusiasmada

com a possibilidade de abordagem interdisciplinar, no entanto, foi clara ao dizer que não

compreendia sobre os conceitos da Fenomenologia da Religião.

No entanto, caminhar por vários terreiros de Belém me aproximou ainda mais do

campo, percebe-se que ao longo dos últimos seis anos do curso de Graduação em Ciências da

Religião houve um significativo aumento de artigos e trabalhos de conclusão de curso (TCC)

com as especificidades da Antropologia. Isso é reflexo da presença de antropólogos no quadro

de professores do curso e possibilidade inovadora de aproximação e análise do fenômeno

religioso.

No desenvolvimento do meu TCC usei conceitos da Antropologia como Sincretismo e

Ressignificação de Marcelo Barros e da Fenomenologia como os conceitos de sagrado de

Mircea Eliade e Numinoso de Rudolf Otto para delimitar o objeto. Este olhar multidisciplinar

ficou a desejar, pois faltou uma delimitação do tema, talvez por isso, produzir uma análise

sem muita objetividade no que tange os possíveis resultados. Quando iniciei o pré-projeto

para o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (PPGCR) no intuito de ser

aprovado, não esqueci as críticas, tampouco, desisti de dialogar com a Antropologia e ao ser

aprovado no programa, senti possibilidade de caminhar com a “breve” parceira.

Ao começar a participar das aulas do programa, passei por profundas mudanças no

meu olhar de pesquisador. Assim como a minha inclusão no grupo de pesquisa Grupo de

Estudo sobre Religiões de Matriz Africana na Amazônia1 (GERMAA) possibilitou a

aproximação com diferentes paradigmas científicos e múltiplos conceitos da Antropologia e

Fenomenologia, trazendo mais objetividade e delimitação do tema para o meu pré-projeto.

Em apenas dois anos de programa já é notório a mudança de uma pesquisa científica com

responsabilidade teórica.

Assim como no curso de graduação, uma Antropóloga ficou responsável pela minha

orientação no desenvolvimento da pesquisa. A experiência de campo, pesquisa e magistério

de minha orientadora Taíssa Tavernard contribuiu para uma melhor relação entre a

Antropologia e as Ciências da Religião. Uma pesquisadora que prioriza a relação entre teoria

e etnografia, e mais ainda, aberta a multidisciplinaridade na análise do fenômeno religioso.

1 Grupo de Pesquisa na UEPA que busca o fortalecimento da produção acadêmica a respeito das religiosidades

Afro-Amazônicas.

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2.1 MESTRADO: NOVOS CONCEITOS E POSSÍVEIS POSSIBILIDADES

No último ano de graduação os professores do curso incentivam a todos a fazermos a

prova para o programa recém chegado na universidade. Estes estímulos me levaram a

produzir um projeto que dialogava com que já havia sido produzido para o desenvolvimento

do TCC como critério de conclusão de curso. Neste ano ocorreria o segundo processo

seletivo do PPGCR da UEPA e a bibliografia na linha de hermenêutica me agradava e já

havia alguma relação como que estudara para minhas pesquisas.

Passei por todos os processos seletivos do PPGCR e fui aprovado dentro do limite de

vagas. Em um dos vários diálogos como minha orientadora no decorrer dos primeiros meses

do programa, antes de começar a visita de campo para fazer pesquisa etnográfica, decidimos

desenvolvê-la em apenas um terreiro. Um dos nossos objetivos com essa decisão era de

limitar o “objeto” para não recair no erro de minha produção na graduação, pois, o tempo é

reduzido para produzir uma dissertação de mestrado, como também, uma tentativa de não se

sentir como Malinowisk e suas experiências etnográficas com os papuo-malésios que habitam

as ilhas e as costas da Nova Guiné ao etnografar o Kula2, descrito abaixo.

Imagine-se o leitor repentinamente sozinho, em meio a todo seu equipamento, em

uma praia tropical perto de uma aldeia nativa, enquanto a lancha ou o escaler que o

trouxe vai-se afastando no mar até sumir de vista. Depois de se ter acomodado no

alojamento de algum homem brando da vizinhança, comerciante o missionário, o

que lhe resta a fazer é começar imediatamente seu trabalho etnográfico.

(MALINOWISK, 1986, p. 27).

As pesquisas de campo de Malinowisk mudaram o rumo da Antropologia como

método para os trabalhos antropológicos na academia. Por vários anos a etnografia foi objeto

de discussão por diversos autores das ciências sociais. Fique certo que influenciou as

“Ciências do Espírito”3, sendo assim, as Ciências da Religião e em especial a da UEPA, pois,

em minha formação o meu primeiro contato bibliográfico com os métodos etnográficos foi

com o autor referido acima.

Para o que fora discutido na orientação, o terreiro que decidimos pesquisar é liderado

pelo babalorixá Orlando Bassú (Urubitauá). Pai Bassú é praticante do Tambor de Mina4 e foi

iniciado em 1950, em São Luís do Maranhão pela mãe Margarida Mota. É liderança religiosa

do Abassá Afro-Brasileiro Lego Saponnã situado na Pass. Bugarim, nº 50, bairro do Guamá,

2 Kula é um complexo sistema econômico de trocas entre as tribos do extremo leste da Nova Guiné. 3 Conceito utilizado por Dilthey para fundamentar o paradigma epistemológico das ciências humanas e suas

especificidades em relação ao objeto. 4 O tambor de mina é uma denominação religiosa praticada principalmente no Pará advindo do Maranhão. Ver

trabalhos do casal Sérgio e Mundicarmo Ferretti.

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aberto há mais de 30 anos em Belém (Pará), cultuando em seus ritos a vertente Mina Jeje-

Nagô.

Suas raízes de ancestrais são representadas pela africana Brasília Sofia nascida em

Kumassi (Gana) fundadora do Terreiro do Egito em 1864, Maria Pia dos Santos Lago

sucessora da basílica, Orlando Bassú é filho de Margarida Mota iniciada por Maria Pia e

fundadora do terreiro Deus é quem guia, Rua Padre Roma, 54 – Lira–São Luís – CEP: 65026-

070. Segundo alguns dados de uma pesquisa realizada durante o ano de 2002 pelo grupo de

Pesquisa “Religião e Cultura Popular” - GPMINA Coordenador: Sergio Figueiredo Ferretti

em São Luis do Maranhão este terreiro da finada Margarida Mota e agora coordenado pela

Mãe Vicência ainda possui calendário litúrgico com Festas para São Lazaro entre 20 e 24 de

fevereiro, Mesa branca sexta-feira Santa, Cura/pajelança - sem data fixa entre outras.

Seu título de sacerdote da nação nagô em foi alcançado 1995 após sete anos de pai de

santo usando o título de abame, daí passando para Babalorixá, em uma bonita festa, colorida e

exótica que marcou os seus vinte e um anos de atividade de pai de santo. A festa de Orlando

Bassú, com toques de atabaques, acompanhados de 226 filhas de santo com duração de dois

dias. Nesta ocasião foi entregue o seu decá (diploma) a um filho de santo que completou sua

iniciação.

Nesta festa compareceram convidados especiais como José Ribamar Castro, presidente

do tribunal de Ogum do Maranhão; José Paiva, presidente da Confederação Nacional dos

Cultos Afro-Brasileiros, com sede em Brasília e Juvenal Maranhão Barbosa, presidente da

federação dos cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará. Em breves palavras Orlando Bassú,

trajando o axô (roupa de sacerdote) disse que em seu terreiro só praticava o bem através de

caboclos como João da Mata, Jaguarema, Jurema, Tabajara e Rompe-Mato.

Conforme conversa que tive com a minha orientadora, ela me falou que em seu vários

anos de pesquisa sobre as religiões de Matriz Africana na Amazônia, esse terreiro se

caracterizava como um dos melhores locais para realização da pesquisa em função de sua

diversidade performática. Além do representante religioso Orlando Bassú e seus filhos serem

extremamente performáticos, havia uma melhor acessibilidade para pesquisadores. Seu

terreiro foi objeto de vários estudos ao longo dos anos de consolidação das pesquisas

africanistas em Belém.

A escolha de apenas um terreiro contribuiu no desempenho de qualidade para um

pesquisador iniciante. No período da graduação já havia realizado duas visitas nesta casa de

culto, no entanto o objetivo era simplesmente conhecer, assim como, a capacidade de

observação. O trabalho etnográfico é um dos grandes desafios para o PPGCR da UEPA.

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Etnografar não é uma tarefa fácil para os cientistas da Religião da região Norte, mas, passa a

ser um instrumento possível e eficaz no que tange a multidisciplinaridade epistemológica.

No Brasil, a perspectiva dominante é a das ciências da religião, ou seja, um campo

de estudos marcados por multidisciplinaridade, tendo como objeto a religião. Mas há

também controvérsias a respeito. Há aqueles que defendem a ciência da religião, no

singular, não só para marcar sua autonomia disciplinar, mas também, para indicar a

necessidade de um “método unificador”. E outros que defendem a nomenclatura no

plural, ciências da religião, para enfatizar o seu caráter “pluridisciplinar” e a riqueza

da diversidade metodológica. (TEIXEIRA, 2011, p. 842).

Não vou entrar no mérito da discussão nacional sobre a epistemologia e nomenclatura

das especificidades da “Ciência ou Ciências da Religião”, como também, sobre pesquisas que

visão o pragmatismo, essencialismo subjetivista ou as contribuições ou não da teologia. Frank

Usarski (2006), Luiz Felipe Pondé (2001), Giovanni Filoramo e Carlos Prandi (1999),

Faustino Teixeira (2001) entre outros, discutem os entraves epistemológicos das Ciências da

Religião no Brasil. Vou levar em consideração o que Faustino Teixeira descreve ao falar da

multidisciplinaridade de abordagem nas Ciências da Religião.

Mas de fato, o que se verifica é a presença de um campo disciplinar marcado por um

pluralismo metodológico. O objeto de estudo das ciências da religião é o fenômeno

religioso em toda a sua complexidade. Mas o modo de captar o fenômeno segundo

as diversas disciplinas que compõem esse campo tem seus matizes diferenciados.

(TEIXEIRA, 2011, p.843).

Essa característica de beber das variadas fontes metodológicas como auxílio deste

trabalho, seja mais uma tentativa de entender o objeto religião, especificamente o corpo como

linguagem da manifestação do sagrado. A região Norte possui sua especificidade

epistemológica ou seus matize e que está sendo desenvolvida ao longo de mais de 10 anos

com o curso de graduação em Ciências da Religião da UEPA, e agora, com o PPGCR. Longe

da problemática sobre especificidade, o cientista da religião do Norte, está encontrando o

equilíbrio entre o objetivismo e subjetivismo no que tange a cientificidade da análise do

fenômeno religioso.

A possibilidade deste equilíbrio vem pelas “mãos” da Antropologia paraense. Aqui,

diferentemente de outras regiões do país, a pesquisa de campo está presente como arsenal

metodológico das ciências da religião em função do profundo diálogo travado, dentro da

academia paraense, entre estes dois paradigmas. Tenho plena certeza que, mesmo com dois

anos do programa, encontrará em breve a sua própria “identidade epistemológica”. Até

porque, cada campo de pesquisa nas áreas das Ciências da Religião precisa buscar referenciais

teóricos que possam abranger a necessidade do pesquisador.

Meu projeto inicial era enfatizar a performance corporal como um instrumento de

manifestação e de diálogo do sagrado. Nas minhas pesquisas bibliográficas percebi que uma

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das formas de compreender tal perspectiva era analisando as danças e os tamboreiros do

terreiro e trazer para academia o que Thomas Csordas descreve, ao fazer uma análise

performática da cura, como paradigma da corporeidade. “Na área da religião, o paradigma da

corporeidade traz consigo a aposta de que a experiência religiosa é um observatório

privilegiado das relações entre corporeidade e significação”. (CSORDAS, 2008, p.11). E é na

dança dos pais e filhos de santo e na performance dos tamboreiros que Ekedis e Ogãns se

configura uma das maiores expressões simbólicas em relação ao sagrado.

A dança como linguagem do corpo, que permite exprimir sentimentos e

pensamentos; como instrumento físico, que transforma os movimentos corporais em

símbolos que os membros da sociedade compreendem e cujo objetivo é o de

representar as experiências do mundo exterior e psíquico. (HANNA, 1979 apud

CAMARGO, 2011, p.19).

Levando em consideração a concepção sobre a dança, que simbolicamente transforma

os movimentos corporais em uma linguagem compreendida pela sociedade, podemos incluir a

performance nas danças como linguagem religiosa e que só pode ser compreendida pela

comunidade religiosa do qual faz parte. O homem é capaz de perpassar o simples sentido das

coisas e caracterizar um novo sentido que se configura conforme a experiência humana e

singular em cada ser humano.

Por um lado, se o corpo pode ser mostrado como base existencial da cultura e do

sujeito em vez de o simples substrato biológico de ambos, o caminho estaria livre

para compreensão do corpo como não apenas essencialmente biológico, mas

igualmente religioso... (CSORDAS, 2008, p.18)

Nesse sentido que a contribuição de Csordas para essa pesquisa se tornou mais

relevante, pois, toda experiência religiosa que tenha como finalidade o objeto sagrado

(transcendente) ela é essencialmente humana, sendo assim, está submetida a uma vivência

relacional com o mundo, com outro indivíduo e o grupo humano do qual pertence.

Havia um forte temor na observação de campo para o desenvolvimento do projeto, o

de não encontrar uma possibilidade de analisar a performance como experiência religiosa, até

porque, quando se trata de experiência religiosa fica a sensação de vazio metodológico no que

tange a objetividade nos resultados de algumas áreas do conhecimento científico. Mesmo que

a Ciências da Religião tenha seu próprio instrumento de análise ou esteja construindo, ainda

assim, está sempre passível de críticas ou até mesmo de inviabilidade de objetividade

científica.

Quando terminei a primeira visita de campo ficou a sensação de não ter compreendido

nada, mais ainda, que iria ser um longo trabalho, por o campo continuar estranho e uma

profunda nostalgia malinowiskiana ao relatar o papel do etnólogo, sabendo que os tempos são

outros, no qual o nativo tornou-se o pesquisador de quem está lhe pesquisando, ao mesmo

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tempo, o desejo de etnografar a totalidade a qual o pesquisador vivenciará na prática de anos,

mas, rapidamente lembrei que esses anos foram reduzidos para dois anos de obrigatoriedade

para a titulação de Mestre no PPGCR.

O terreiro no qual este trabalho foi desenvolvido foi pesquisado por vários

Antropólogos ao longo de sua história e pela primeira vez por um pesquisador formado em

Ciências da Religião. Deixando claro que essa diferença só é possível pelo pesquisador, pois

para os nativos, “todos somos gente da universidade”. A presença de alguns pesquisadores

possibilita uma via de mão dupla para quem está chegando, seja antropólogo ou qualquer

outro pesquisador.

Senti na pele as duas. A primeira possibilita um maior entrosamento entre o

pesquisador e a liderança religiosa, foi o que aconteceu. O Babalorixá da casa me recebeu

com tranquilidade em relação ao que faria em seu terreiro, pois sabia por intermédio de uma

ligação de minha orientadora que iria pesquisar sua casa. Há uma relação harmoniosa entre a

Taissa Tavernard e o Pai Orlando Bassú e um profundo respeito por causa de suas lutas e seus

trabalhos acadêmicos desenvolvidos em prol do movimento Afro-Religioso no Pará.

A segunda característica, talvez seja, a mais preocupante. Muitos membros do terreiro

e em especial o líder religioso deseja e até mesmo imagina que estou lá para continuar o

trabalho desenvolvido por Taissa. Esse desejo vem da possibilidade de valorização do seu

nome e de sua comunidade religiosa no que tange as relações de poder com outros terreiros ou

grupos religiosos.

Certa vez, só para demonstrar essas características, em uma das festas no terreiro em

meio as doutrinas cantadas pelo pai de santo para seus filhos e para o público que prestigiava

o evento, estava sentado no degrau da escada, quando de repente, pronunciou no microfone

“aquele garoto que está sentado na escada é pesquisador da universidade e está fazendo sua

pesquisa aqui na minha casa junto com a doutora Taissa” (Orlando Bassú). Havia várias

outras lideranças religiosas, que até então, não me conheciam, mas quando terminou a

celebração vieram ao meu encontro me convidando para visitar seus terreiros.

A cada visita de campo, a sensação de estranhamento se afastava, isso ocorria

conforme a tinta da caneta iria se esgotando e a bateria da câmera pedindo nova carga.

Aparecia no caderno de campo e nas filmagens um mundo complexo de informações e

desinformações, tudo o que houvera estudado sobre o sincretismo5 e a falta de pureza nas

religiões Afro-Paraense se consolidava nas celebrações religiosas e no cotidiano desse

5 Ver obras Repensando Sincretismo de Sergio Figueiredo Ferretti e A Semana Santa nos Terreiros: Um Estudo

do Sincretismo Religioso em Belém do Pará de Anaíza Vergolino.

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terreiro. No entanto, recordei as palavras de James Clifford ao relatar a autoridade etnográfica

como um fator importante para a pesquisa.

Analisando esta complexa transformação, deve-se ter em mente o fato de que a

etnografia está, do começo ao fim, imersa na escrita. Esta escrita inclui, no mínimo,

uma tradução da experiência para a forma textual. O processo é complicado pela

ação de múltiplas subjetividades e constrangimentos políticos que estão acima do

controle do escritor. Em resposta a estas forças, a escrita etnográfica encena uma

estratégia específica de autoridade. (CLIFFORD, 2008, p. 21).

Uma das maiores preocupações em relação à pesquisa de campo fora justamente à

dicotomia entre o que escrevera e o que fora falado pelos nativos e aqui entende aquele que

vivencia a experiência “isto é exatamente o que a experiência-próxima significa – as ideias e

as realidades que elas representam estão natural e indissoluvelmente unidas”. (GEERTZ,

1997, p. 89). Essa dificuldade acentua ainda mais com a visível relação de poder e de capital

simbólico6 com os outros terreiros, especialmente entre os líderes religiosos.

Nesse processo dicotômico da etnografia, o que mais favoreceu minha pesquisa, foram

as tentativas de explicação do nativo, como também, a observação. Não vou discorrer sobre

conceito de poder e capital simbólico, mesmo que, uma das formas de marcar território nas

celebrações ritualísticas seja a disputa performática com roupas e danças diferenciadas. Foi

com as características da observação participante influenciada por Wilhelm Dilthey e descrita

por James Clifford que passei a entender o nativo através de uma dialética.

A observação participante serve como uma fórmula para o contínuo vaivém entre o

“interior” e o “exterior” dos acontecimentos: de um lado, captando o sentido de

ocorrência e gestos específicos, pela empatia; de outro dá um passo atrás, para situar

esses significados em contextos mais amplos. Acontecimentos singulares, assim,

adquirem uma significação mais profunda ou mais geral, regras estruturais, e assim

por diante. Entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula

paradoxal e enganosa, mas pode ser considerada seriamente se reformulada em

termos hermenêuticos, como uma dialética entre experiência e interpretação.

(CLIFFORD, 2008, p. 21).

Dar ênfase nas explicações dos nativos foi sempre objeto de discussão teórico-

metodológico para as Ciências Sociais. No entanto, nas áreas promiscua7 das Ciências da

Religião tal perspectiva torna-se um dos instrumentos de análise de dados para o nosso objeto.

Encontrar sentido no que fora exposto pelo pesquisado faz da Fenomenologia da Religião e da

Antropologia Interpretativa paradigmas epistemológicos sempre inovadores.

6 Ver Economia das Trocas Simbólicas de Pierre Bourdieu e O tambor das flores: uma análise da Federação

Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Pará de Anaíza Vergolino especificando o contexto

paraense.

7 O termo promiscuidade fora utilizado por Douglas Rodrigues da Conceição em uma das aulas do PPGCR da

UEPA.

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Para captar conceitos que, para outras pessoas, são de experiência próxima, e fazê-lo

de uma forma tão eficaz que nos permita estabelecer uma conexão esclarecedora

com os conceitos de experiência distante criados por teóricos para captar os

elementos mais gerais da vida social, é sem dúvida uma tarefa tão delicada, embora

um pouco menos misteriosa, que colocar-se "embaixo da pele do outro". O truque é

não se deixar envolver por nenhum tipo de empatia espiritual interna com seus

informantes. (GEERTZ, 1997, p.88).

Nesta perspectiva, continuarei o nosso diálogo entre teoria e campo. A cada visita o

povo de santo (nativo) acostumava-se com minha presença. Aos poucos filmá-los e descrever

suas atitudes fora se tornando normal, pelo menos de minha parte, aqueles olhares cheios de

dúvidas do que iria fazer com aquele material que estava filmando, diminuía a cada bom dia

ou boa noite que ganhava. Passei a construir uma relação de empatia (não a espiritual) mútua.

O convívio e as trocas de experiência através dos diálogos foi nos possibilitando um melhor

relacionamento.

Essa relação possibilitou a Adriana esposa do Orlando Bassú me pedir contribuição

para as festas, me vender convites, falar para eu não esquecer a câmera no dia da festa ou da

celebração ordinária. “... olha não se esqueça de sua câmera amanhã”, foram suas palavras no

primeiro dia de festa em homenagem ao seu “santo de cabeça” que foi comemorada em dois

dias.

Para a Antropologia Clássica havia uma restrição metodológica no que tange o

observador e o observado, desta forma, alimentava-se a impossibilidade de extrair possíveis

informações plausíveis sobre o objeto. Diferentemente, para Antropologia Interpretativa

influenciada por Dilthey, como fora expressa nas palavras de Clifford, “o ato de compreender

os outros inicialmente deriva do simples fato da coexistência num mundo que é partilhado”.

(CLIFFORD, 2008, p. 34).

Mesmo assumindo que o trabalho do pesquisador que está no campo seja a capacidade

de extrair dessa experiência o objetivável para suas pesquisas, há uma necessidade de ser

empático, “ser humano é ser religioso, e ser religioso é ser humano” (MAGALHÃES, 2008,

p. 28) como expressou Antonio Carlos Magalhães ao destacar a importância da religião para

história da humanidade.

Usar o método da Fenomenologia da Religião para analisar a performance só pode ser

possível através da observação direta, valorizando o diálogo com o nativo adentrando no seu

universo existencial expressado simbolicamente na corporeidade através de sua performance.

A fenomenologia religiosa é o estudo do fato religioso em suas manifestações e expressões

sensíveis, não o fato em si, mas sim o seu significado e sua essência final para o ser humano

religioso que expressou ou expressa por diversas formas simbólicas.

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Então fazer uma abordagem, do fenômeno religioso na religião Tambor de Mina em

Belém, com o paradigma da corporeidade, só será possível a partir do momento que o

pesquisador for para dentro do terreiro e vivenciar, sem pré-conceitos e subjetividades, as

experiências vividas pelos membros do grupo e tentar descrever o sentido que aquele

fenômeno performático tem para o ser religioso. Napoleão Figueiredo (1962) ainda nos

primeiros anos dos estudos sobre as religiões de Matriz Africana na Amazônia destacava a

necessidade de estudar a experiência religiosa com novos paradigmas para melhor

compreender o fenômeno.

Penetrando em qualquer uma dessas casas de culto, a experiência religiosa que irá

observar é resultante de um longo processo aculturativo, onde se encontram

amalgamados, formando um corpo de crença único, reminiscência ou sobrevivências

africanas, catolicismo, xamanismo indígena, pajelança cabocla, Kardecismo,

teosofismo, preceitos de sociedade secretas e dificilmente, sem análise mais

profunda, poderá entender o mecanismo de funcionamento e o significado da

cerimônia que observa. (FIGUEIREDO, 1962, p. 154).

Tommy Akira Goto, em seu livro Fenômeno Religioso: a fenomenologia em Paul

Tillich, esclarece que a Fenomenologia da Religião destaca-se como uma disciplina autônoma

e um método peculiar na abordagem do objeto de estudo, fenômeno religioso, buscando

compreender o significado profundo da religiosidade, que se expressa no culto religioso (nas

danças e na performance dos tamboreiros) a totalidade de sua existência em direção ao

sagrado.

Foi com essa intenção de pesquisa que recordei Roberto Cardoso de Oliveira ao

descrever sobre o olhar antropológico, “talvez a primeira experiência do pesquisado de campo

(ou no campo) esteja na domesticação teórica do seu olhar”. (OLIVEIRA, 1996, p. 15).

Sentado em uma das cadeiras dos visitantes por horas, sem pelo menos levantar para tomar

um copo com água, passei a aguçar o olhar sobre o objeto. Percebi o quanto é necessário a

prática da observação para melhor dialogar com as disciplinas acadêmicas do PPGCR e em

especial como a Fenomenologia da Religião no desenvolvimento da pesquisa.

O ato de observar o campo me proporcionou um universo de perspectivas de análises,

como também, um profundo encontro com o mundo religioso do outro. O diferente foi se

configurando em uma realidade concreta e possível de interpretação ao passo que a minha

observação foi direcionada através do olhar treinado para o objeto. Assumo que este olhar

ainda não está totalmente pronto, mas, está se desenvolvendo ao longo da pesquisa e da leitura

e re-leituras dos referencias teóricos e metodológicos.

A influência do ato de observar o campo na área de conhecimento das Ciências da

Religião vem da Antropologia. Diferentemente do antropólogo de campo, o cientista da

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religião, da região norte, é um iniciante nesta arte metodológica. A etnografia nas áreas das

Ciências da Religião é buscar novos rumos metodológicos, pois, esse olhar está baseado

inicialmente em uma inerente multidisciplinaridade epistemológica.

O meu olhar tem essa característica multidisciplinar. Essa característica facilita e

atrapalha o pesquisador. Se o objeto já fora definido com antecedência, o campo passa a

dialogar com o seu objeto, mas se não, o cientista religioso vê-se no mundo sem fim de

informações impossibilitando seu desenvolvimento. Com o olhar mais treinado e o objeto

definido facilitaram minhas observações no campo, buscando o que interessava para a

contribuição no trabalho.

Não há como negar a importância do olhar antropológico para as Ciências da Religião,

como também, a necessidade de utilizá-lo pelo pesquisador do fenômeno religioso que busque

a opção da pesquisa de campo como metodologia de análise de dados empíricos e

qualitativos. Perto da história da Etnografia como método para Antropologia, a sua influência

nas Ciências da Religião do Norte é como um “recém-nascido” construindo sua identidade.

Por quatro vezes cheguei pela manhã para observar os preparativos para as celebrações

que só aconteceria à noite. Lembro que em um desses dias estava por quase quatro horas

sentado observando a entrada e saída das pessoas responsáveis pela preparação e ornamento

das comidas e materiais litúrgicos, veio um rapaz em minha direção, talvez já cansado de me

ver ali parado, e me perguntou o porquê eu estava parado sem fazer nada e simplesmente

observando. Respondi com objetividade que fazia parte de minha pesquisa.

Não contente, me indagou mais uma vez, “você faz parte da universidade? E para que

serve essa pesquisa que faz você ficar aqui com fome sentado por horas?”. Sem no momento

saber responder o seu questionamento, respondi ainda mais objetivo, para desenvolver o meu

projeto de Mestrado e ser aprovado

Ao mesmo tempo em que exercitava o olhar para “meu objeto” aguçava a capacidade

de ouvir que fora descrita pelo Roberto Cardoso de Oliveira. Ao destacar o ouvir

antropológico, Cardoso, mostra a necessidade de mudança de paradigma em relação aos

pensamentos clássicos das Ciências Sociais através da observação participante, pois, segundo

suas palavras o encontro etnográfico:

Cria um espaço semântico partilhado por ambos os interlocutores, graças a qual

pode ocorrer aquela “fusão de horizontes” (como os hermeneutas chamariam esse

espaço), desde que o pesquisador tenha a habilidade de ouvir o nativo e por ele ser

igualmente ouvido, encetando um diálogo teórica mente de “iguais”, sem receio de

estar, assim contaminando o discurso do nativo com elementos de seu próprio

discurso. Mesmo porque acreditar ser possível a neutralidade idealizada pelos

defensores da objetividade absoluta é apenas viver numa doce ilusão... (OLIVEIRA,

1996, p. 21).

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O que Roberto Cardoso de Oliveira propõe como etnografia para as Ciências Sociais é

relevante para esta pesquisa. É necessário haver uma relação de empatia entre os

“participantes da pesquisa” segundo a Fenomenologia da Religião, para que haja a

possibilidade de extrair o essencial. Uma das dificuldades deste diálogo nas pesquisas

contemporâneas vem da incompreensão da língua falada pelos nativos. A comunicação era

praticamente incompreensível, qualquer tentativa de comparação com a língua portuguesa

fora frustrada, principalmente nos cânticos dos rituais e ao chamá-los pelos nomes. Por isso

que “é evidente tanto o Ouvir quanto o Olhar não podem ser tomados como faculdade

totalmente independentes no exercício da investigação”. (OLIVEIRA, 1996, p. 18). Senti na

pele esta máxima, entre o Olhar e o Ouvir, fui impulsionado a ir para terceira, a de Escrever.

Mas se o olhar e o Ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos mais

preliminares no trabalho de campo é seguramente no ato de Escrever, portanto na

configuração final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento se

torna tanto ou mais crítica. (OLIVEIRA, 1996, p. 22).

Passei escrever tudo o que observava, hora dos rituais, instrumentos utilizados,

quantas músicas eram cantadas, quem dirigia o ritual, quem chegava e quem saia do terreiro,

os apetrechos como: colares no corpo e no cabelo, toalhas, comidas e bebidas, roupas e

sapatos dos que participavam do ritual como dos que estavam observando.

À medida que a pesquisa vai se desenvolvendo, o ato de escrever passa a auxiliar o

pesquisador, pois, as teorias passam a dialogar com o campo. No começo da escrita há uma

necessidade de não deixar passar nada pela tinta da caneta. Conforme o tempo passa, muito

daquilo que fora escrito não vai servir. Para Ciências da Religião, especificamente para o

cientista da religião que utiliza Antropologia Interpretativa e a Fenomenologia da Religião, a

descrição detalhada do objeto passa a ser o melhor caminho.

Fazer uma descrição densa do objeto recorda os conflitos epistemológicos que Clifford

Geertz discutiu em sua obra “Interpretação das Culturas”. Dessa discussão Geertz propõem

uma etnografia microscópica. Para Ele, “dizer que a etnografia é uma pesquisa microscópica

não significa que ela não pretenda interpretações em grande escala, de sociedades inteiras,

civilizações ou acontecimentos mundiais.” (GEERTZ, 1989, p. 31). Levando em consideração

essa máxima geertziana foi que passei a descrever ainda mais o objeto.

A cada descrição no caderno de campo ou até mesmo nas filmagens direcionava para o

meu foco. Depois de me familiarizar com o campo e suas complexas características, passei a

enfatizar o olhar, ouvir e escrever para as performances. A sensação de passar a delimitar seu

objeto é confortante, mesmo que o seu sentido e seu significado estejam no corpo, que

percorre não só o ritmo da música, como também, no dia a dia do terreiro. Como expressou

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James Clifford, na obra A Experiência Etnográfica: antropologia e literatura no séc. XX, ao

discutir a influência do pensamento Diltheyano para a Antropologia Simbólica e

Interpretativa.

Seguindo os passos de Dilthey, a “experiência” etnográfica pode se encarada como a

construção de um mundo de significados, a partir de estilos intuitivos de sentimento,

percepção e inferências. Essas atividades fazem uso de pistas, traços, gestos e restos

de sentido antes de desenvolver interpretações estáveis. (CLIFFORD, 2008, p. 34).

Todos os rituais passaram a ser descritos com ênfase nas performances corporais.

Muitos dos meus escritos foram feitos em cima do meu olhar em relação a movimentações

voluntárias e involuntárias dos corpos nos momentos das danças, como também, na

performance do tamboreiro. Sempre ao começar um ritual que envolva dança os membros

passam a se mover em círculo de forma que passos e gestos do corpo passem a ser

sincronizados. O corpo passa a ser um meio de diálogo entre o sagrado e o nativo.

Esse diálogo é possível segundo a concepção de corpo de Merleau-Ponty, pois “o

corpo é nosso meio geral de ter um mundo” (Merleau-Ponty, 2006, p. 203). Para ele o corpo é

a forma primária de se relacionar com o mundo vivido e com sua consciência. Muito mais que

um simples depósito, o corpo possui uma característica singular, “tenho consciência do

mundo por meio de meu corpo” (Merleau-Ponty, 2006, p. 122). O corpo então se torna um

meio e não um fim em si mesmo, sendo assim, é possível caracterizá-lo, pois, características

da corporeidade no paradigma fenomenológico merleaupontyano está nas entrelinhas da

compreensão da Antropologia performática de Thomas Csordas.

Merleau-Ponty não estudou as religiões de Matriz Africana na Amazônia ao discutir a

concepção do corpo, muito pelo contrário, sua maior contribuição foi para a psicologia ao

discordar da influência do pensamento cartesiano sobre a divisão entre corpo e alma,

possibilitando uma melhor compreensão sobre a subjetividade, trazendo assim a importância

do corpo para a constituição do ser no mundo e para os estudos acadêmicos.

O corpo é o que mais se destaca no dia a dia do terreiro. De todas as festas que

participei não há como não destacar a para Exu no que tange a relevância do corpo. Havia

entre os participantes um homem que se destacava pela capacidade performática. Seu corpo

contorcia-se de uma forma tão intensa e ainda, seguido de risadas extravagantes, que o pai de

santo mandou parar a festa para perguntar, de forma irônica, se estava tudo bem com ele.

A Fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty foi construída com influência do

pensamento sistemático do Judeu Alemão Edimund Hussel (1859-1901), em uma obra

intitulada Investigação Lógica (1900) que o método fenomenológico se firmou como corrente

filosófica e método científico. Sua obra revolucionou o pensamento e os paradigmas

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científicos da construção de conhecimento moderno ocidental. Suas críticas direcionavam-se

para o pragmatismo científico, o psicologismo, o Positivismo e a Metafísica.

Nas religiões de Matriz Africana na Amazônia, em especial meu objeto de pesquisa, o

Tambor de Mina, o corpo passa a ser o maior instrumento de representação diante da

sociedade e da comunidade nativa. A intensidade de sua performance corporal é norteada

pelas doutrinas cantadas ou narradas pelo sacerdote Orlando Bassú que em seguida passa a ser

repetida pelos que estão na roda, ao som dos toques do tamboreiros.

A pesquisa de campo é de suma importância para meu objeto, pois neste primeiro

momento da pesquisa tem a intenção de destacar a importância de diálogo com outras

disciplinas para um melhor desenvolvimento do trabalho para o pesquisador nas áreas das

Ciências da Religião. A multidisciplinaridade é um fator inerente das pesquisas dos cientistas

religioso da região Norte.

A intenção é destacar a mudança do pesquisador das religiões em dialogar com as

disciplinas das Ciências Sociais em especial a Antropologia Interpretativa e a Etnografia

permeando a possibilidade de analisar a religião Tambor de Mina como o paradigma

epistemológico da Fenomenologia da Religião.

O resultado proposto por esta pesquisa será exposto em outro momento. Ao longo do

desenvolvimento deste trabalho aparecerá capítulos específicos sobre a performance como

linguagem da experiência religiosa. Antes de discutirmos a possibilidade de análise do

fenômeno performático da corporeidade como linguagem religiosa e manifestação do sagrado,

faremos um breve percurso histórico metodológico dos estudos sobre as religiões Afro-

Brasileiras na Amazônia destacando as discussões em torno do nosso objeto ao que foi

discutido dentro do paradigma da Fenomenologia.

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3 TERREIRO DE MINA LÊGO XAPANNÃ: UMA CASA PERFORMÁTICA

O terreiro de Mina Lêgo Xapannã possui suas peculiaridades em relação as práticas

ritualísticas dos demais terreiros de Belém/Pará. Uma casa que se diferencia das demais em

especial pela sua estrutura física, pelas vestimentas exuberantes dos frequentadores, como

também, pelo pai de Santo. Sua casa representa tudo de novo em relação aos rituais e festas

litúrgicas. O que mais me chamou atenção foi a utilização de um caixa de som para entonação

das doutrinas quando cantadas pelo pai de santo, e este, brinca com trocadilhos em meio ao

ritual, como também, toca outras doutrinas, em especial as da tradição do Ketu, devido suas

influências históricas.

3.1 HISTÓRICO: A CONSTRUÇÃO DE UM TERREIRO INOVADOR

As informações que seguem abaixo foram retiradas de uma homenagem escrita pelo

Babalorixá Luiz Tayandô, um dos filhos de santo do babá Orlando Bassú aqui estudado por

ocasião do II Congresso Municipal Afro-brasileiro. O texto intitula-se “A Tradição e o

Dinamismo no Culto Mina”. Algumas informações mais contemporâneas sobre sua

casa foram retirados de entrevistas realizadas ao longo da pesquisa. Dei voz ao texto

de Pai Luiz Tayandô porque quando perguntei para o Pai Bassú sobre como poderia

falar de sua carreira sacerdotal e o histórico de sua de sua casa ele disse para eu

colocar aquilo que o seu filho havia produzido alguns anos atrás.

Segundo as palavras de Luiz Tayandô a homenagem é de extrema e merecida

relevância, suas palavras vão buscar esclarecer suas raízes e principalmente sua luta e

dinamismo em prol de sua comunidade religiosa. O que relato são informações colhidas

durante estes 21 anos de convivência e aprendizado no Abassá Afro-brasileiro Lêgo

Xapannã, além de buscas e conversas de boca e ouvidos com grandes sacerdotes com

Euclides Vicência Bastos, Delfina, Zizi de manezinho, Lozina de Légua, Tomas

Mundica Tainha, Denis da Casa das minas e a saudosa Mãe Dudu da Casa de Nagô.

Conforme as afirmações de Pai Tayandô, por volta de 1855, chega no Brasil,

proveniente de Kumasi, Costa do Ouro; uma negra africana chamada Massinokou

Alapong, e batizada aqui com o nome de Basília Sofia. Esta e outras abnegadas

sacerdotisas fundaram o Terreiro do Egito (ILÊ NYAME). Casa que reuniu várias

vertentes da religiosidade africana e maranhense. Ao kufá, sucedeu-lhe a Sra. Maria Pia

(IRAÉ AKOU VONUNKO). Esta senhora foi a principal responsável pela expansão do

Page 34: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

33

tambor de mina no Maranhão, de sua sabedoria foram iniciados Euclides (Talabyan),

Jorge Itaci (Kadan Manja), Zacarias (NANKOUSSILÉ), Denira (NANABÊBE),

Celestina (OSSIAKESÃBENÃ), além da senhora Margarida Mota (COBEREM

TANIZOU). Dona Margarida foi a médium do Vodun Lêgo Xapannã para iniciar

Orlando Bassú, e que dentro dos documentos e registrado no Tribunal de Ogum

(Federação Maranhense) como pertencente a nação MINAS NEHROS ou conforme

Dona Margarida, Tribos de Negros Iorubas de Abadam. Bassú é iniciado em 1970 e

em 1979 recebe liberação, cargo e autorização para estabelecer em Belém uma

nova comunidade desta tradição Afro-Maranhense.

Em 1980, viaja ao Rio de Janeiro, e em visita ao seu padrinho de confirmação

sacerdotal (DECA) deu obrigação no Nagô Vodun, tradição de Recife levada ao Rio

pelo Babalorixá José Ribeiro, conhecido como “Rei do Candomblé do Brasil". Ao

chegar do Rio, Bassú, implantou em sua casa o novo ritual mantendo sua ligação com o

rito mina nagô do Maranhão. Para ele Bassú foi o primeiro a impor e expor sua

religiosidade publicamente, andando pelas ruas de Belém com filhos de santo em trajes

afro-brasileiro. Também foi pioneiro no uso do vocabulário afro no cotidiano de sua

comunidade. Sua casa serviu para pesquisa do Músico-etimólogo Mario Brasil. Deste

trabalho conjunto com a antropóloga Dra. Anaíza Vergolino nasceu o CD

patrocinado pelo Ministério da Cultura e antiga Secut que buscou destacar os

cânticos dos orixás, caboclos e seres encantados com o selo “A Música e o Pará”.

Um outro instrumento para os iniciantes são as cartilhas sobre as comidas

específicas para cada Orixá, como também, saudações, rezas, preceitos (segue a foto

da capa do livro).

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34

Fotografia 1 - Manual de formação dos Ogãns

Fonte: Babalorixá Orlando Bassú.

Segundo pai Bassú os filhos de Santo têm sérias obrigações para com os Orixás e

encantados. Tem deveres a cumprir, quer para com seu Babalorixá ou Yalorixá, quer para

com o seu terreiro, onde fez a sua obrigação de cabeça. São preceitos que deverá cumprir,

dentro da lei, com seriedade e respeito, não devendo pensar que, terminado o período de

noviciado, estará livre de certos deveres. Deverá obediência e respeito ao seu Babalorixá ou

Yalorixá, isto é, seu Pai de Santo ou Mãe de Santo, a quem deve tudo que aprendeu.

A mim o Babalorixá da casa compete exercer todas as funções características do seu

cargo como: presidir sacrifícios, preparará e iniciar filhos de Santos filhas de Santo

na Mina Jeje Nagô. Preparar os acentos dos respectivos orixás, resolveu pelo jogos

de Búzios qualquer questão surgidas dentro do terreiro ou de pessoas que a mim

recorrer, observar e corrigir a execução todos os preceitos e do ritual, marcar os

ritmos e serem obedecido pelos tocadores de atabaque o ilús ou Tambores, corrigir

os filhos de Santo para eles porem em prática a execução dos preceitos, tenho que

praticar o chamado curandeirismo ou linha de cura, já que há um carência financeira

e espiritual das pessoas que vem aqui curar doenças e os meus conhecimentos no

empregos de banhos de ervas da preciosa flora Brasileira ajuda muito. A Yalorixá

que são as sacerdotisa dentro do terreiro tem as mesmas funções do Babalorixá.

(Entrevista realizada com Pai Bassú no dia 04/01/13).

Deles recebeu seus preceitos "assentos" seus conhecimentos e a eles deverá, sempre

amizade e respeito. Embora venha a ter seu próprio terreiro, o que é natural e lógico, ele

próprio já um Babalorixá ou Yalorixá, deverá cumprir certos deveres indispensáveis para com

aqueles que o iniciaram e para com o Terreiro onde foi preparado.

Page 36: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

35

1) Comparecer ao Terreiro nos dias de "ossé", no dia estabelecido para essa cerimônia pelo

seu Babalorixá ou Yalorixá;

2) Comparecer ao terreiro nos dias de obrigação e quando ali se realizarem toques,

especialmente nas segunda-feira e nos de festas tradicionais; .

3) Fazerem "Dobalé" aos pés do Babalorixá ou Yalorixá e dar "Buxuxu" aos seus irmãos mais

velhos quando chegarem, se retirarem, ou ao tirá-los para dançar o Orixá;

4) Ajudar a Mãe Pequena ou Pai Pequeno em tudo que se fizer necessário durante as ocasiões

especiais, cumprindo rigorosamente as ordens recebidas;

5) Ajudar a cantar e tocar para os Orixás, conforme aprendeu, bem como dançar corretamente

para os mesmos. Contribuindo para a alegria e esplendor do toque;

6) Comprar roupas próprias do ritual, de acordo com as cores de cada Orixá, e do seu próprio

Anjo de Guarda, a fim de se apresentar vestido corretamente;

7) Concorrer, na medida das suas posses, com o que se fizer necessário para o perfeito

funcionamento do terreiro, fornecendo velas, arroz, animais, etc para as cerimônias que se

realizem, quer para o seu próprio Orixá, quer para o que faltar para seus irmãos em situação

difícil;

8) Manter atitude digna e correta dentro e fora do terreiro, não fumando dentro da Barraca ou

Peji, evitando bebidas alcoólicas ou palavras e gestos desrespeitosos para com seus irmãos,

assistentes ou Orixás presentes;

9) Trajar obrigatoriamente a cor branca nas segunda-feira e demais dias que forem de

preceito;

10) Não comer carne nas sextas-feiras, nem adulterar de quinta para sexta- feira, bem como

nos dias de “obrigações”; .

11) Respeitar e fazer respeitar as salvações dos Orixás em geral, como as de Iansã, Obaluaê,

Oxalá, etc. e os de seu Babalorixá ou Yalorixá além do seu próprio;

12) Ter fé e confiança nos seus Orixás, gosto e satisfação em cumprir os preceitos e

obrigações da lei, alegria no progresso da Religião;

13) Não compartilhar de outros "Terreiros", quer em obrigações ou festejos, sem prévia

autorização do seu Babalorixá ou Yalorixá;

14) Dentro do seu próprio Terreiro deverá cumprir os preceitos recebidos dos seus

iniciadores, sem incorrer em falhas, recebendo festivamente a visita dos mesmos,

homenageando-os e prestigiando-os dentro do ritual, bem como destinando-lhes, sempre o

lugar de relevo a que tem direito, como seus superiores;

15) Ter paciência com todos, manter a calma, estimular a união sincera com seus irmãos,

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36

respeitar e auxiliar o próximo no que se ligar as suas necessidades materiais e espirituais;

16) Tratar com cordialidade, amabilidade e gentileza aos visitantes, evitando com habilidade e

calma, qualquer abuso dos mesmos, dentro do terreiro.

Assim vemos que os filho de fé, quando sincero e cumpridor dos seus deveres, embora

já “feito” e habilitado ao exercício do sacerdócio, deverá manter para com seu Babalorixá ou

Yalorixá, bem como para o terreiro onde foi iniciado, certas obrigações severas e deveres que

deverá cumprir escrupulosamente. Isto não importa em que o seu próprio terreiro seja

descuidado, pois ele deverá saber harmonizar essas obrigações e deveres, preparando para

uma vida de lutas e sacrifícios. Deve o Filho de Santo saber que faz parte de um todo, é um

elo de uma grande corrente, que se tornará cada vez maior por seu intermédio quando por sua

vez fizer outros filhos de santos.

Funções do terreiro e as pessoas responsáveis são: o Ogãn Kolofé prestando

homenagem a Wilson Teixeira conhecido em nossa casa como Fineluango que foi o

padrinho escolhido pelo os Orixás e o mesmo recebeu a homenagem de mim se

tornado Ogãn Nilu batedor de atabaque. Alexandre conhecido como nome Delemâ

recebeu o título de Ogãn Alabê o mesmo já ensinou e professou Romulo conhecido

como Obiluanda e tornou-se o Tun Alabê da casa, o pinto Akyotun o Ogãn Nilu da

casa, e Ebami. As Ekedis são encarregadas de organizar as festas e preparar as

homenagens. A mãe Jurema Obajalandê me acompanha desde a época da Umbanda

e era conhecida como Cotá. Ogãn de Erin do ritual Marcelo Júlio Lopes mais

conhecido na casa Sandylopê, Ialaxé é a zeladora dos Axés, Iabassê é a cozinheiras

dos Orixás, Eliane Corrêa conhecida como Nipedejin é a organizadora dos preceitos

da casa. Yaô são os iniciados no terreiro. O Abassá propriamente dito é o lugar onde

se realiza os cultos e cerimonias Afro Brasileira na casa do Santo. Tem a sala grande

onde se apresenta o ritual. Temos o roncó (quarto onde se recolhe os Filhos de Santo

em preceito) roncó é o onde está recolhido os assentamentos dos Orixás. (Entrevista

realizada com Pai Bassú no dia 04/01/13).

O que lhe compete fazer para com os seus superiores, seus próprios filhos farão em

relação a ele também. Assim, deverá respeitar engrandecer, apoiar e prestigiar o seu

Babalorixá ou Yalorixá. Assim darão exemplo do que esperam receber dos seus “filhos", mais

tarde.

Nos dias de festa organiza-se as Ekedis e os Ogãns arrumam o terreiro e cadeiras de

dos orixás e visitantes especiais e os assentos em gerais e os assentos da casa deve

haver espaço livre para os filhos de Santos dancem e principalmente para chegada

dos Orixás pais sendo que os Orixás não devem ficar em contato com os assistentes.

O Abassá deverá ser sempre mantido cuidado pelos Filhos de Santo da casa, deverão

enfeitar e ornamentar todo o terreiro com muito carinho e zelo. (Entrevista realizada

com Pai Bassú no dia 04/01/13).

Há também o juramento à nação Nagô, e para iniciante (Iaô) um pacto verbal

entre ele e o assentamento central da casa (Axé-Opô), a pedra do Orixá pessoal (Ota)

e perante às autoridades do culto. Todas às vezes que este iniciante passa de grau

(recebe um cargo hierárquico) deve-se reunir as autoridades do culto para que ele

renove este juramento.

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37

O juramento é feito com ele de costa para a rua, a mão direita sobre o peito

(coração) e a esquerda sobre o assentamento. No caso de entrega Axé (Deca) ele

deve fazer com as costas voltadas para o salão de ritual e de frente para a rua, com

isso ele está prestando juramento não só às autoridades da casa, mas a toda

comunidade Afro. Após este ato, ele deve se levantar pedir bênção as autoridades

presentes.

Como me foi permitido este juramento descrevo pelas mãos do próprio pai

Orlando Bassú segue descrito abaixo o modelo deste juramento o que nos leva a

compreender a dificuldade de conseguir algumas informações destes grupos.

“Juro pela bandeira de Olorun, pelos meus ancestrais e tomo como meus

testemunhos meus orixás

............................................................................................... e o meu anjo da

guarda a quem respeito e glorifico. Estimarei como meu próprio zelador de

santo ............................. da nação nagô. Este que me ensinou a viver

espiritualmente, transmitindo os ensinamentos e fundamentos desta nação, a

respeitar as tradições, trazidas da África e conservada com amor e carinho

nas casas tradicionais do maranhão, ao quais me acho ligado

espiritualmente. A ninguém darei, para agradar, os segredos, nem conselhos

que induza a destruição. Também não darei um presságio diferente, ainda

que seja calculado. Manifesto na casa que eu for, entrarei para o bem de

todos.

Abstenha-me de qualquer mal voluntário, de toda indiferença ouvir, calar,

não ver vendo o que não for necessário revelar. Conservarei como segredo

todas as faltas de minha seita se eu cumprir este juramento com fidelidade,

gozo eu, minha vida. Minha religião, meu culto, boa reputação entre todos

os meus irmãos. Em Oxalá se dele me afastar ou infringi-lo suceda-me o

contrário. Eu juro.”

3.2 HISTÓRIA DE VIDA DO SACERDOTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE

Pai Orlando Machado da Silva, nasceu em Belém do Pará, no dia 20 de agosto

de 1947, tendo incorporado pela primeira vez aos 12 anos de idade, dando início

'assim a sua vida espiritual. “Eu nasci no dia 20 de agosto 1947 numa sexta-feira de Oxalá

às 18h30min. na Santa Casa de Misericórdia do Pará, ID: 4355306, CPF: 09406336200.

Filho de Orlando Machado, mãe Maria de Nazaré Borges da Silva”. (Entrevista realizada com

Pai Bassú no dia 11/02/13).

Em 1970, viajou para a' cidade de São Luis capital do Estado do Maranhão,

onde realizou a feitura de santo (iniciação sacerdotal) no Tambor de Mina, nação

Nagô através da saudosa Sacerdotisa (Yalorixá) Margarida Mota – Oberem Tanizu

(Nome de Santo), fundadora do terreiro Deus é Quem 'Guia, no Estado do

Maranhão, e Margarida Mota foi iniciada no Tambor de Mina por Maria Pia dos

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38

Santos Lago, sucessora de Basília Sófia fundadora do terreiro do Egito em 1864, de

onde se expandiu o Tambor de Mina no Maranhão e posteriormente para

Belém/Pará.

Orlando Machado da Silva - Urubitauá (nome de santo), em 1979 recebeu a

liberação, cargo e autorização para estabelecer em Belém, uma nova comunidade

desta tradição Afro-Maranhense.

Em 1980, viaja ao Rio de Janeiro e visita seu padrinho confirmação Sacerdotal

e da Obrigação no Nagô Vodun, quando retorna implanta em sua casa o novo Ritual,

mas mantendo sua ligação com o Rito Mina Nagô do Maranhão, como também, com

o Candomblé Ketu. Pai Bassú não vê problema em saber das demais tradições afro-

brasileiras, o que lhe incomoda é má formação dos filhos e filhas de santo de hoje

que não aprendem cantar doutrinas de suas tradições de origem, guisar, de outras.

Orlando Machado da Silva ou Orlando Bassú, como é mais conhecido em

Belém do Pará, foi o primeiro a impor e expor sua religiosidade publicamente,

andando pelas ruas de Belém com os filhos de Santo em trajes Afro-Brasileiro.

Velho conhecido de alguns políticos paraenses com antigo prefeito de Belém

Edimilson Rodrigues, Pai Bassú guarda com carinho uma foto tirada em um dos

eventos produzidos na gestão do prefeito.

Também foi pioneiro no uso do vocabulário Afro no cotidiano da sua

comunidade. Sua casa, Associação Religiosa e Cultural Abassá Afro Brasileiro Lêgo

Xapannã, já serviu de cenário para Documentários, Pesquisas, Estudos da Dinâmica

Ritualística, da Antropologia Afro-Brasileira, do Resgate da Sonoridade Africana e

de Base para Estudos Acadêmicos.

Orlando Bassú durante a sua vida religiosa, já visitou mais de Vinte Estados

Brasileiros, países da Europa, América do Sul, Central e Estados Unidos, trabalhando

a serviço na parte Espiritual, realizando Palestras e participando de Seminários como

convidado.

Em sua biografia também consta a Produção de Discos (CD's), Livros e outras

Publicações, que dão a sua contribuição para divulgação da cultura, da religião e do

resgate das tradições Afro-Brasileira no Brasil. E recentemente estava na

Universidade Federal de Roraima para ser homenageado devido sua contribuição

para um trabalho de mestrado intitulado, O discurso do sagrado: o uso estratégico da

linguagem em práticas do candomblé (2012), de Cristina Nascimento de Oliveira.

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39

3.3 ESPAÇO: A LOCALIZAÇÃO E A DESCRIÇÃO DO ESPAÇO

Com um total de 94.610 habitantes, o Guamá é o mais populoso dos bairros de Belém

dados do Censo de 2010. Segundo pesquisas se caracteriza como um dos bairros mais

violentos da região metropolitana está localizada a Universidade Federal do Pará (UFPA) e

faz margem com o rio Guamá. Geograficamente faz fronterira com bairros como Terra Firme

e Condor. Em relação aos terreiros de tradições afro-brasileiras neste bairro não consegui

quantificar, no entanto, há uma representação significativa desta tradição, o centenário

Terreiro de Mina Dois irmãos está situado à Passagem Pedreirinha, número 282, bairro do

Guamá. Segue o mapa por bairros:

Mapa 1 - Bairro do Guamá

Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/cc/Guam%C3%A1.png/220px

Guam%C3%A1.png>.

O terreiro Abassa Afro-brasileiro Lêgo Xapanã fica localizado na passagem Bugarim,

bairro do Guamá, número 213, CEP 66065-188, município de Belém do Estado do Pará. Até o

ano de 2013 não havia no mapa da cidade e nem nos documentos da prefeitura este endereço

o que dificultava as exigências da população e do próprio Pai Bassú que buscavam durante

anos políticas públicas, como, saneamento básico, segurança, iluminação e asfaltamento da

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40

via, já que era a única do entorno que não havia sido asfaltada durante os governos anteriores.

Segundo Pai Bassú, a localização dificultava o acesso de clientes que seu terreiro seja visitado

frequentemente por desconhecidos que preferem que ele vá em outros locais e que regulariza

a permanência ou não dos participantes em suas festas anuais. Segue o mapa por passagens e

travessas:

Mapa 2 - Ruas adjacentes do terreiro

Fonte: Google Maps. Disponível em: <https://maps.google.com.br>.

No ano 2012 o governo de Simão Jatene foi cumprido as devidas reivindicações na

passagem Bugarim, o que possibilitou uma mudança significativa na localidade, não só para

os participantes do terreiro, como também, para todos os moradores que estão reconstruindo

suas casas com alvenaria e maior qualidade de vida, já que, com o asfalto e a iluminação

adequada possibilita uma maior segurança. Um pouco da história da fundação do terreiro nas

palavras de Pai Bassú.

A Casa foi após a iniciação feita de minha mãe de Santo dona Margarida Motta que

ao trabalhar na praça como motorista de táxi encontrou um velho cliente dentro do

carro e que lhe perguntou onde era seu terreiro. Eu tinha chegado do Maranhão e

estava sem casa de trabalho. O mesmo perguntou se eu poderia ver sua esposa que

se encontra doente e o médico tinha dito que era um tumor no estômago e estava em

processo de cirurgia e eu fui olhar a mulher e que ela tinha tudo para que eu

trabalhasse no processo de cura. Tinha uma casa em Benevides e lá eu falei com

dona Herondina e ela passou o material e foram fazer a cura em Benevides. Ele

(esposo) fez uma promessa que se sua esposa ficasse curada ele daria uma casa para

Page 42: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

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mim. No período de 90dias ela estava boa andando, tomado banho por ela mesmo e

ai depois de 90 dias, seu Antônio Batista Guedes o esposo da dona Tereza Batista

Guedes (a senhora que ficou curada) fez uma pergunta para mim. Quer trabalhar

como motorista disse que sim e e eu passei lhe ajudar. Seis meses depois ele fez uma

pergunta se eu queria um terreno em Benevides só que era em 1971 e pra lá era

muito atrasado, então ele disse que tinha um terreno que tinham doado a ele que era

de invasão na Passagem Bugarim n: 87 entre Albimiranda e 14 de abril. Este terreno

quem tinha doado era Sr. D. Ramiro inclusive tem uma passagem perto com nome

D. Ramiro. Fiquei muito triste, pois área era muito alagada e só igapó mais aceitei.

Ele vendo que a esposa dele ficou boa fez uma casa de madeira de lei e com telha de

barro e o salão de madeira que ao ser encerado ficava muito bonito. Em 1972, 20 de

janeiro Dia Festa São Sebastião foi inaugurada a casa e até hoje ela se mantém em

pé. Eu pedi que minha mãe viesse em Belém para fazer os assentamentos. Pedir

ajuda para um Babalorixá morador do bairro do Guamá chamado Zezinho de Xangó

ou Zezinho de Jarina para fazer o assentamento de Exu e minha mãe de Santo

Margarida Motta para fazer o assentamento do seu Orixá Obaluaê. (Entrevista

realizada com Pai Bassú no dia 11/02/13).

O terreiro fica entre duas casas de alvenaria, uma de dois andares e a outra só de um

andar. Suas características visuais logo na entrada não possibilita o observador identificar,

pois não há nenhum nome especificando que é uma casa de culto afro-brasileiro, o que

diferenciava das demais casa era justamente o portão de correr que fora trocado este ano por

uma de metalon e passou a ficar fechado. Diferentemente quando está com as portas abertas,

pois há mais possibilidade de qualquer observador identificar que é um terreiro Afro-

brasileiro, já que logo na entrada há algumas imagens em especial a imagem de São Jorge

montado em um cavalo de mais ou menos dois metros de altura.

Fotografia 2 - Corredor de entrada do terreiro

Fonte: Produção do próprio autor.

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Essa dificuldade de perceber o local como casa de culto desaparece quando o

observador adentra no espaço. Logo na entrada há as imagens dos trezes orixás cultuados na

casa uns pintados na parede e outros na escultura, do lado esquerdo a imagem de São Jorge

(Ogum) e São Sebastião (Oxóssi), já no lado direito do corredor de entrada pintados, há de

Exu, Obaluaê, Nanã Baruku, Oxumaré, Ewá, Oxum, Yemanjá, Xangô, Oyá, Oxalá, Beije, e

onze imagens de caboclos como a do seu Baiano Grande, seu Zé Pelintra, Seu Mariano,

Rompe Mato, Dona Maria Légua, Dona Terra Légua, Seu Zé Raimundo, Dona Rosinha, Seu

Manézinho e Dona Herondina.

Fotografia 3 - Do meio para frente do corredor

Fonte: Produção do próprio autor.

Na frente das imagens dos caboclos, do lado esquerdo de quem entra para o corredor

principal, há um dos três roncóis da casa onde ficam guardados os assentamentos e é local que

se dar de comer e beber para os orixás, como também, se valoriza a hierarquia na hora

adentrar neste espaço, já que, só pode entrar o Babalorixá, a Yalorixá, Ogãn ou uma Ekedi, no

entanto, há também uma possibilidade do ingresso de Iaôs quando necessário colocar algum

remédio. “Sempre que ingressar no roncó a pessoa tem que tomar banhos de ervas e banhos

de descarrego pelo Pai santo”. (Entrevista realizada com Pai Bassú no dia 11/02/13). Há uma

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performance corporal específica de alguns filhos de santo e em especial os Iaôs ao passar em

frente da porta do roncó. Curva-se o corpo em sinal de veneração.

Roncó local sagrado localizado no fundo da casa ao abrir uma porta ampla estão

sentada os Orixás Xangô, Ogum, Odé Obaluaê, Iemanjá, Iansã, Oxum, Nana

Buruku, Oxalá, Orixalá e Oxóssi cercado desse assentamento as cantarinas de barro

no quartinho e lousa com água (Omin) ou com as bebidas dos Orixás e pratos

coberto por outro pratos de e alimentos sagrados frutas dentro do Peji e é guardado

os atributos como o abebe da Oxum e Iemanjá, Machado de Xangô, espada de

Ogum, Xaxará de Obaluaê, o leque de Nana Buruku, a espada de Oxóssi, o Baba de

Ibejy que é usada pelos Erês como símbolo obrigatório. Encontra se pendurada as

cabaças, o agogô, o Enum que é uma espécie de espanador do boi sacrificado ou da

vaca, símbolo de cargo sacerdotal dispostos pelo chão, como também, crânios de

animais sacrificados, vários instrumentos que são utilizados nos cultos são ali

guardados no roncó. (Entrevista realizada com Pai Bassú no dia 26/06/13).

Ao fim deste corredor estreito de no máximo um metro e meio de largura está

localizado o salão onde ocorre as danças ritualísticas, antes de chegar no centro há uma

escada de alvenaria e um corrimão de ferro que dar acesso ao andar de cima. Neste local onde

ficam guardados os instrumentos litúrgicos das festas anuais, como por exemplo o andor que

leva São Sebastião no dia de sua procissão votiva, com também varrias cadeiras de plásticos e

as cinco cadeiras de santo (palhas) específicas para sentar os sacerdotes que possuem cargo.

No segundo piso localiza-se também o local que serve para muitos dos filhos de santo

trocarem as vestimentas litúrgicas antes dos rituais.

Fotografia 4 - O centro do terreiro

Fonte: Produção do próprio autor.

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O barracão que mede mais o menos uns três metros de largura por oito de

comprimento. Ele é todo circundado por cadeiras nas quais os visitantes esperarem suas

consultas ou assistem aos rituais. As paredes e colunas possuem pôsteres das conquistas,

como também, das homenagens que foram feitas para o sacerdote ao longo de sua carreira no

santo. Quadros com várias fotos do pai de santo participando de alguns rituais, celebrações

cívicas e momentos de lazer com a família. Há também escritos na parede esquerda, próximo

a escada de acesso ao andar de cima os nomes de alguns Ogãns da casa e um pouco mais na

frente os nomes dos orixás da casa.

No lado direito, antes de chegar na cozinha, há um corredor pequeno que faz fundo

com o consultório do Pai Bassú que mede de quarenta centímetros de largura e dois metros de

comprimento. O centro do barracão é dividido por uma grade de ferro. As frentes dessa grade

ficam dispostas os tronos rituais onde sentam as entidades de alto status quando incorporadas

ou visitantes ilustres. Após a grade há um platô onde estão dispostos os tambores. Eles são em

números de três, o tambor Rum que é aquele que manda o recado especificamente para os

Orixás, o tambor Rumpi manda recado para os orixás femininos e o tambor Lê que manda

recado para todas as entidades, há também, as cabaças que auxiliam no ritual.

Fotografia 5 - Local onde ficam alguns instrumentos litúrgicos e a caixa de som

Fonte: Produção do próprio autor.

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Após os tambores localiza-se uma caixa de som preta de mais de um metro de altura e

cinquenta de largura. Ao lado deste platô situa-se o consultório onde Pai Bassú faz suas

consultas e joga seus búzios. Após o consultório há uma vitrine de vidro onde ficam os

objetos litúrgicos para vender, como o CD ponto de santo já mencionado, como também, seus

remédios e porções curativas, velas e outros objetos, um pouco mais a frente, perto da porta

de entrada da sala do Babá, há uma escada caracol que também da acesso para o andar de

superior.

A parte da cozinha é a maior em largura que o barracão, pois mede uns cinco metros

de largura por mais cinco de comprimento. Neste espaço há mais dois roncóis localizados ao

lado direito fazendo fundo com a parte que são preparadas comidas das festas na casa e as

comidas do dia a dia. Ela está subdividida em dois espaços, uma parte menor que deve medir

dois metros de largura com três de comprimento localiza-se na lateral direita onde encontra-se

um fogão, dois freezers, uma pia pequena e um armário para mantimentos e panelas. Na parte

mais ampla vê-se uma mesa de madeira onde ocorre as refeições diárias.

Nos fundos nos fundos da casa há os dois banheiros, o banheiro do Pai Bassú (mitoró

Babá) e o banheiro da casa (mitoró Ilê). Alguns ventiladores, dois de pés e dois de parede,

uma televisão localizada na parede de entrada do consultório, mas voltada para o centro da

área da cozinha. Há também uma pequena área descoberta onde ele dá banhos nos filhos e

clientes.

3.4 CALENDÁRIO DE ATIVIDADES

Durante algum tempo busquei descrever as celebrações litúrgicas da casa e o quanto

este terreiro diferenciava-se dos demais, pois não há toques nos dias da semana comum que

fora programado ou planejado. Há um toque mensal que ocorre frequentemente na primeira

segunda-feira e que não é regra devido seus compromissos, este toque é feito para Exu. No

entanto, sempre que necessário e decido por Pai Bassú, há toques durante a semana ou

programado para tal dia do mês.

Tem que ser assim, por eu ter muito compromisso e viajo muito, tenho que andar

com teu telefone na minha agenda para te avisar do que vai ter e tu trazer a tua

câmera e bater bastante foto e fazer tuas filmagens e fazer teu trabalho. Eu atendo

todo dia com consultas aqui no meu consultório, você ver, quando acho que tenho

tempo para falar com você aparece alguém atrás de uma orientação. (Entrevista

realizada com Pai Bassú no dia 11/02/13).

Os atendimentos de cura e acompanhamento espiritual ocorre todos os dias da semana,

como também o jogo dos búzios sempre incorporado pela cabocla Herondina. O local de

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atendimento denominado de consultório por ele e pelos seus filhos de santo, está localizado

perto da cozinha e ao lado da mesa de café e tem escritos na cabeceira da porta as seguintes

palavras em Iorubá Jará (quarto) Oluá (senhor) pintadas de branco em uma porta vermelha.

As festas mais tradicionais em sua casa ocorrem durante o ano e são programadas

antecipadamente por todos que fazem parte e pelos seus colaboradores. Durante o mês de

janeiro se celebra as seguintes festas. A festa de São Sebastião, santo sincretizado com Orixá

Obaluaê ou Oxóssi, ocorre no dia vinte de janeiro e é uma das festas mais importante do seu

ano litúrgico, primeiro ocorre a missa católica e ao término de todos os atos litúrgicos romano

começa a procissão pelas ruas do bairro do Guamá com andor do santo até o barracão onde

acontecerá o toque para orixá Obaluaê que é o orixá de cabeça do Pai Bassú e em seguida

para caboclos.

Sexta-feira da paixão as 3 horas da tarde pela primeira vez Orlando Bassú filho se

manifesta com Exu das almas, na passagem volta da tripa n: 69. Na casa de meu pai

o povo contava que existia um Girau de madeira onde me encontraram em transe

manifestado com Exu das almas. A minha vovó dona Antônia Borges perguntou

para entidade se não ia subir e a entidade não subiu, aí minha avó fez subir com pau

de vassoura como era festa para São Sebastião (eu tinha 12 anos de idade) aí fui, foi

que veio uma semana depois, veio Manezinho da Cruz Vermelha o mesmo bebia e

fumava como era proibido criança beber como ele fazia, ele se fingia de limpar os

copos das pessoas presente e bebia escondido, na época existia muita perseguição de

polícia militar e Juiz de menor. O mesmo na minha cabeça alta hora da madrugada o

tambor rufando a polícia chega aí eu me escondia debaixo do fogão de barro, logo

que Juiz de menor ia embora com a polícia eu era localizado pelo papai ou pela

minha avó, um adolescente de 12 anos bebendo, geralmente vinha minha avó e fazia

subir a entidade pelo cabo de vassoura. (Entrevista realizada com Pai Bassú no dia

11/02/13).

Nos meses de fevereiro e março não há toques programados. Já no mês de abril os

filhos de santo recolhem na semana santa, na quinta-feira santa há o ritual chamado de

caranguejada onde todos se reúnem e comem a vontade o marisco com feijoada. Este dia é

obrigação que o Babalorixá da casa para o Orixá Obaluaê onde são oferecidos comida e

caranguejo à vontade e no término de comer seus três caranguejos o filho amasse suas cascas

com a própria mão e coloque em um lugar especifico para depois ser despachado no mato ou

no cemitério junto com a obrigação de Oxalá, já que é semana santa, para tirar “as coisas

ruins” adquirida durante o ano e afastar todo e qualquer tipo de doença. “Por duas vezes

durante minha vida tentei comer caranguejo e me deu um negócio no estomago que fui direto

para o hospital, pra nunca mais...” (Fala do Pai Bassú no ritual de sete anos de obrigação de

uma das suas filhas no dia 12/02/14) como também, ocorre as aberturas de cura (os cortes

com navalhas no corpo) sendo que a quantidade de corte depende do orixá de cabeça. Na

sexta-feira santa há um ritual específico do terreiro do Babá, pois só neste dia o seu Orixá Exu

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baixa em seu corpo trazendo uma performance impar ao ponto da necessidade de um tradutor

para interpretar suas palavras em ioruba ou como se diz no terreiro tudo em africano.

Fotografia 6 - Festa da caranguejada

Fonte: Produção do próprio autor.

Já no sábado de aleluia há o ritual do bolo, onde o pai de santo dá algumas palmadas

em cada filho da casa para tirar toda e qualquer interferência do mal, ou como é chamada no

terreiro de quizila, durante todo o ano, como também o ritual da peia onde o filho de santo

pagará por todas as falhas com suas obrigações durante o ano. Há também um toque para São

Jorge, sincretizado com orixá Ogum, no dia 23 de abril.

Para muitos terreiros de Belém, especialmente os de Mina-Nagô, a sequência de

tempo Carnaval/Quaresma representa a passagem de um chamado “período de

euforia” (Tempo do Carnaval) para um “período de meditação” (Tempo da Semana

Santa). Esse período de ruptura é marcado por muitas interdições rituais, algumas

das quais recaem principalmente sobre o calendário. (HENRY, 1987, p. 60).

No mês de maio há a festa para cabocla dona Mariana que vem uma vez por ano na

cabeça do Babalorixá da casa, segundo minhas pesquisas da cabocla esta entidade baixa

frequentemente nos rituais em outros filhos de santo, mas a festa é importante pela figura do

pai de santo. Não há festas programadas nos meses de junho e julho. Já no mês de agosto há,

junto com a festa de São Sebastião, a festa para cabocla dona Herondina no dia 09 do mês e a

festa para exu no dia 24 de agosto. Há uma estreita relevância com essa festa de dona

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Herondina e a história da vida no santo do Pai Bassú e seu contado com a Umbanda ao ponto

de ter em uma das paredes de barracão uma homenagem escrita de “salve mãe Herondina,

feliz aniversario” feita pela sua esposa a Babalorixá Adriana.

Não há festas durante os meses de setembro e outubro. Já no mês de novembro ocorre

a festa para seu orixá de cabeça, Xapanã, um dos acontecimentos mais importantes do ano.

Neste ritual há uma quantidade ainda maior dos membros da casa e dos seus filhos e filhas de

santo. No ritual toca-se para orixás com dezesseis doutrinas de entrada e dez de saída, baixam

no centro do terreiro quase todos os trezes orixás da casa e em seguida baixa em sua cabeça

Xapannã para depois tocar para Caboclo. Já no terceiro final de semana do mês de dezembro

ocorre a festa tradicional para orixá Iemanjá, planeja durante o ano com vendas de lugares nos

ônibus para locomoção até a praia de outeiro.

Estas festas anuais são conhecidas e celebradas por todo comunidade do terreiro

Abassa Afro-brasileiro Lêgo Xapannã. O calendário que segue abaixo com os dias de culto e

celebrações semanais não deixa de ser importante neste terreiro e serve para manter a unidade

do ritual em outras casas dos seus filhos de santo.

O calendário litúrgico da casa caracteriza-se nas linhas Mina Jeje-nagô que cultual

semanalmente as seguintes divindades. Semana Nagô: segunda-feira, Exu, Obaluaê, Iansã do

Ballet, Nanã Bioku e Egun-gun; terça-feira, Ogum e Obá; quarta-feira, Xangô, Oyá, Irôkô e

Osun-maré; quinta-feira, Oxóssi, Ossanyin e logun-edê; sexta-feira Oxalá; sábado Yemanjá,

Oxum, Nanã Buruku e Yabas e domingo os Erês.

Já na semana Mina-Jeje ocorre diferente, pois cultua-se: segunda-feira, Xapanã,

Acossi, Vó Missan, Dã, Bosukó, Boça Labê e Lokô; terça-feira, Doçu, Agongonó, Daco,

Bedigá, Dada-hô e Arronoviçavá; quarta-feira, Badé, Averequete, Xandantá, Sogbô e

Naveorualin; quinta-feira, Azacá, Aguê, Boço Jara, Boço Van-de-Regi e Legua Boji Boa;

sexta-feira, Toy Lisa, Obayla e Toy Jobi; sábado, Naedona, Navezuarina, Oruana, Ewá e Naê

e no domingo Toy Zomadomu.

Na família Gentil que adora-se durante a semana: segunda-feira, Rei Sebastião e

Rainha Rosa; terça-feira, Dom José Floriano, Dom Carlos e Dom João Soeiro; quarta-feira,

Dom Miguel, Dom Luís, Dom João e Dom Pedro Angaço; quinta-feira, Rainha Dina, Toy

Zezinho de Maramadá e Rei da Bandeira; sexta-feira Dom Manoel; sábado, Dona Servana,

Dona Maria Antônia, Dona Clara, á e Rei da Bandeira; sexta-feira Dom Manoel; sábado,

Dona Servana, Dona Maria Antônia, Dona Clara, Rainha Madalena e Princesa Flora e o

domingo é livre.

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Segundo Orlando Bassú, os índios que são cultuados na casa pertencem a linha da

jurema branca e são este cultuados no terreiro durante a semana: segunda-feira, Anhanga,

Curupira, Jurupari e Erudinas; terça-feira, Tupinanbás; quarta-feira, Caramuru e Jussara;

quinta-feira, Aimores; sexta-feira, Guaracy e Nhã-de-Jara; sábado, Rudá, Yara-mar, Yracema,

Boiuna, Jurema Branca e Jaci.

Depois de uma breve descrição do terreiro e suas características litúrgicas e estruturais

seguirei para uma discursão sobre a performance de alguns orixás que visualizei na festa de

São Sebastião. Não são todos os cultuados na casa e sim aquele que conseguir fazer as

filmagens para visualizar e depois, e mais ainda, os que estavam na festa. Em seguida

analisarei a performance do orixá Exu em uma das festas que ocorre durante o ano e em

seguida algumas características performáticas de caboclos e crianças.

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4 O CORPO DIVINIZADO: A EXPERIÊNCIA EXTÁTICA

4.1 RELAÇÃO SUJEITO DIVINDADE

O que mais caracteriza as questões de identidade das religiões afro-brasileira é o

corpo, pois é no corpo que a divindade imanente habita. O sagrado torna-se imanente a

medida em que ocupa o corpo do sujeito no momento do transe mediúnico. Corpo adora a

divindade e se tornando o corpo divino.

Este capítulo percorrerá a questão deste corpo como instrumento de manifestação do

sagrado através do transe. Há várias formas de se chegar ao transe religioso nestas religiões,

no entanto, irei me deter sobre a capacidade performática do ser religioso fazer seu corpo

materializar o som que brota dos tambores, possibilitando assim este estado de consciência

com gestos parcialmente ou totalmente involuntários. Transe pode ser entendido segundo Ioan

Lewis como:

Estado de dissociação, caracterizado pela falta de movimento voluntários, e,

frequentemente por automatismo de ato de pensamento, representados pelo estado

hipnótico e mediúnico. Assim entendido, transe pode compreender dissociação

mental completa ou apenas parcial e é, frequentemente, acompanhado de visões

excitantes ou alucinações... (LEWIS, 1977, p. 41).

Para Ioan Lewis o transe sofre interferência culturais, fisiológicas e simbólicas. O

transe para Lewis pode ser compreendido como instrumento das divindades em suas

pesquisas com etnográficas na obra, Êxtase Religioso: um estudo antropológico da possessão

por espíritos e do xamanismo (1977) visualizou uma linguagem que direcionava o transe

como vontade dos deuses ao ponto de denominar a relação da entidade com seu hospedeiro de

casamento espiritual. Nesta perspectiva que o corpo torna instrumento das divindades, suas

performances se caracterizadas pelo mito que torna-se o instrumento.

Com minha presença em campo busquei transcrever o que aparentemente mais era

significativo na relação estabelecida entre sujeito e divindade, para Lewis é um são “filhos

sanguíneo com e da divindade” (LEWIS, 1977, p. 75), foi aí que surgiu a possibilidade de

analisar a performance no ato do transe. É para chegar ao transe e permanecer nele que o

corpo transmiti toda uma performance singular, possibilitando para o observador a análise.

Analisar o ato performático nas perspectivas antropológicas de Victor Turner como uma

valorização da exterioridade de uma experiência interna e que é manifestada pela performance

no ritual, no drama social. O corpo do agente performático transmite de forma não verbal,

mas expressar o sentido da experiência para coletividade.

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O conceito de performance de Victor Turner passou por várias de influências, ver o

artigo Drama, ritual e performance em Victor Turner de Maria Laura Viveiros de Castro

Cavalcanti (2013). A hermenêutica Dilthey foi uma dessa influências em sua antropologia,

especificamente no conceito de performance “sua visão da performance como um processo no

qual uma experiência se consuma e o sentido pode ser apreendido sempre de modo relativo”

(CAVALCANTI, 2013, p. 425). A relação do transe como instrumento norteado pelo mito, a

performance como instrumento de exteriorização da experiência e o corpo como meio desta

manifestação é que nos possibilita visualizar a experiência religiosa no terreiro Abassá Afro-

brasileiro Lêgo Xapannã.

Para demonstrar todas essas características do corpo nos momentos de transe foram

utilizadas filmagem e fotografia como recurso metodológico. A descrição vem do olhar do

observador e de sua capacidade transmitir em palavras. Contrariando o método de análise

corporal do coreografo e teórico da dança Laban (1978) ao propor que não é possível fazer

uma análise da performance corporal apenas com a observação exterior. Juguei ser possível

tal analise dentro da fenomenologia.

Visando analisar a relação sujeito e divindade na performance do transe só será

possível caracterizando a funções do mito como linguagem religiosa e instrumento

significativo de sentido na busca vivência do ritual.

4.2 O MITO COMO INSTRUMENTO SIGNIFICATIVO PARA PERFORMANCE

Falar do corpo com manifestação do sagrado na performance do transe no Abassá

Afro-Brasileira Lêgo Saponnã faz necessário dialogar com as questões mitológicas que

envolvem a o panteão afro-paraense. Só é possível compreender algumas movimentações

voluntárias e involuntárias, como também, a relação que o fiel tem com seu corpo, através de

uma comparação com os mitos de fundação da entidade que baixam na Guma.

Para que haja uma melhor compreensão da experiência é necessário compreender o

mito em seu significado mais profundo tomando como base de fundamento os conceitos

utilizados por Mircea Eliade sobre os mitos e resumidos nas palavras de Croatto, “o mito é o

relato de um acontecimento originário, no qual os Deuses agem e cuja finalidade é dar sentido

a uma realidade significativa” (CROATTO, 2010. p. 209).

O mito é o maior representante da linguagem religiosa dos afro-brasileiros,

consequentemente sua performance no transe já que é neste momento que o mito toma forma.

Toda sua vida religiosa é direcionada pelos mitos que permeiam o fundador de seu terreiro e

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do seu Orixá de cabeça. Os afro-brasileiros souberam ressignificar os mitos ao longo de sua

história em território brasileiro transmitindo toda a essência do mito pela oralidade.

Alguns diálogos informais com Pai Bassú eram feitos especificamente pela manhã

onde sentávamos todos, esposa Adriana, filhos e outras pessoas que entram e saem

constantemente, deu para perceber todo um processo de ressignificação de suas práticas ao

longo de sua trajetória na vida de santo. Mesmo carismático e comunicativo, Bassú com

sacerdote é um homem muito ocupado com as tarefas ordinárias e extraordinárias do dia-dia

do terreiro e deixando um pouco de lado os compromissos com meus desejos de pesquisador.

Foram muitas das vezes que marquei uma entrevista e não obtivi sucesso.

O que percebi em relação as questões mitológicas das entidades que são cultuados em

sua casa derivam de suas origens e de sua relação com a os livros e trabalhos desenvolvidos

na academia. Em sua sala há uma mesa de madeira de lei com um vidro em cima da qual ele

faz os atendimentos (civis, negócios, viagens e outros assuntos importantes e espirituais do

qual faz incorporado especificamente cabocla Dona Herondina) há um dicionário completo do

Iorubá para o português.

Certa vez lhe perguntei o que achava da questão de ter vivenciado as diversas práticas

religiosas afro-paraense e de que muitos outros Babalorixás não concordavam com tal prática

já que perdia um pouco da pureza, ele respondeu:

Eu vim da umbanda e ainda hoje eu não posso ver uma casa que vou lá, rapaz...

conheço todos os terreiros de umbanda de Belém e quando monta um novo busco

saber onde é só pra eu ir para ajudar ou apenas conhecer, tenho com muito orgulho

10 anos na umbanda e não posso negar isso, quando eu era criança fui expulso

detido no colégio e meu pai, o velho Bassú, foi lá na escola, antigo Lauro Sodré me

deu uma surra e disse já que você quer trabalhar, agora tu vai. Ele me deu uma

barraquinha de madeira e eu fui vender jornal e verduras. Achas rapaz que posso

esquecer minha origem, tudo que eu tenho agradeço a umbanda que me acolheu

(Entrevista realizada com pai Orlando Bassú no dia 13 /07/13).

Essa relação de ressignificação dos mitos só foi possível devido sua intimidade com

outras práticas afro-religiosas e em especial a umbanda, sua personalidade e seu carisma são

refletidos nas pessoas que fazem parte de seu terreiro. Em uma pesquisa realizada por Anaíza

Vergolino e Mário Lima Brasil para produzir o encarte da produção musical denominada “A

música de Culto Afro-Brasileiro na Amazônia” destacava a peculiaridade do Babalorixá

Orlando Bassú ao dizer que “assimilação e a incorporação do novo em um processo de

hibridismo antropofágico compõem um elemento comum de seus rituais” (VERGOLINO;

BRASIL, p. 13).

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53

4.3 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO MITO

O mito é um texto a ser narrado buscando dizer algo ao seu interlocutor para se referir

a uma realidade existente, por isso que ele é narrado de forma que sua sequência seja lógica

de um determinado episódio onde o emissor dirige-se ao receptor. O mito é um fenômeno

literário situado em um determinado espaço e tempo de uma realidade vivida, por isso que é

representado como fato histórico, entendendo fato histórico como algo que realmente

aconteceu e que foi captado pela experiência religiosa da realidade e não como algo

imaginário da realidade primitiva sem a faculdade da razão.

O mito relata os acontecimentos primeiros se transformando numa espécie de

explicação das origens sem o tempo e o espaço cronologicamente determinado. São os Deuses

que agem nos mitos e ele expressa sentido de uma determinada realidade protagonizada pelos

deuses.

Pois bem, o mito é o relato dessa origem divina das coisas e das instituições. Esse é

o modo como o mito expressar a experiência religiosa do originário, como manifesta

a sacralidade hierofanizada naquilo que lhe concerne profundamente em sua

realidade. Portanto, todo mito responde a uma pergunta do homo religiosus sobre

seu ser-no-mundo. Não há mitos sobre coisas banais. (CROATTO, 2010 p. 219).

Ao narrar um acontecimento instaurador do que os deuses fizeram o narrador busca

fazer ressonância no que acontece na atualidade, não como um simples fato histórico e sim

como algo fundamental e significativo para o homem religioso que percebe no mito outra

realidade, pois o mito incorpora simbolicamente essa realidade primeira.

Pode também ocorrer uma releitura dos mitos devidos suas transformações ao longo

da história de determinada cultura, com isso os mitos podem ser recriados de duas formas pela

comunidade religiosa. A primeira é que os elementos específicos podem ser modificados para

responder a nova realidade, como também há novas produções de mitos para responder a essa

nova realidade.

Na Mina há esse processo de releitura dos mitos de origens. Esta afirmação traz uma

carga de responsabilidade de uma aprofundada pesquisa de campo, algo que não foi possível

ser feito devido a grande dificuldade financeira e estrutural, no entanto fica claro que por

causa do processo de formação histórica do Mina em Belém, possibilita tal perspectiva. Outra

possibilidade é que muitos dos mitos aprendidos por pais e mães de santo do terreiro Abassá

Afro-Brasileira Lego Saponnã derivam de estudos acadêmicos produzidos por clássicos da

Antropologia como Pierre Verger e Reginaldo Prandi.

Sabe-se que tais mitos, mesmo quando não conciliáveis entre si, acabam sendo

vivenciados sem conflitos, quanto por imposição histórico-social são obrigados a

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conviverem em um mesmo ciclo religioso, pois através da reimaginação mitológica

da cultura ágrafa, forma-se a dinâmica do movimento, da adaptação e alegria do

mito em suas variantes locais, buscando, de forma popular e sem os rigores da

academia, formar a oralidade básica e religiosa do templo do Orixá local.

(MARINHO, 2010, p. 161).

Há uma grande diferença entre mito, fábula, lenda e conto. Faz necessário

compreender essa diferença para que não perca o valor simbólico de cada conceito e mais

importante não negligencie a dimensão de verdade presente no mito, este trabalho não traz

detalhadamente esta diferença, no entanto é para que o leitor não confunda.

Mito (Mythus) lenda (Sage) e conto (Marchen) diferenciam-se entre si por sua

origem e finalidade. O mito é a filosofia primitiva, a mais simples forma intuitiva de

pensamento, uma série de tentativas de compreender o mundo, de explicar: a vida e

a morte, o destino e a natureza, os Deuses e o culto. A lenda é a história primitiva,

modelada ingenuamente em ódio e amor, transformada e simplificada

inconscientemente. Mas o conto surgiu da necessidade de diversão, e serve para esta

finalidade. Por isso ele não tem tempo e nem lugar considerando apenas a diversão e

omitindo o incômodo [...], segundo o gosto do narrador de todas as obras de fantasia

da humanidade. (BETHE apud CROATTO, 2010, p. 234).

Há uma intrínseca relação entre o mito e o símbolo. O símbolo é a linguagem primeira

da experiência religiosa, essa característica vem da sua capacidade polissêmica, essa

peculiaridade se encerra no mito, pois nele não há uma linguagem ambígua e difusa que

permita várias interpretações pessoais, dessa forma o símbolo no mito refere-se, mesmo

polissêmico, há uma única interpretação dentro de uma cosmovisão de determinada cultura.

Estamos afirmando que o símbolo, uma vez assumindo em uma construção mítica,

delimita-se na sua polissemia original. Aparece agora como intencionado, ou como

hierós logos de uma determinada experiência, de um fenômeno relacionado

especialmente com um grupo social, com suas experiências. O símbolo fica, assim,

ligado a uma cosmovisão. Nessa posição, no entanto, adquire uma nova dimensão.

Está como potenciado. Delimitado por um lado, é verdade, mas expandindo por

outro, pois ingressa em um simbolismo maior o do mito enquanto tal. (CROATTO,

2010, p. 238).

Para melhor compreender essa relação entre mito e símbolo faz necessário entender e

ficar esclarecido que o símbolo não se anula no mito, pelo contrário se prolonga cada vez

mais devido está inserido na realidade primeira. Essa realidade mitológica sempre pertence ao

grupo e nunca ao individual. O mito é delimitador de uma realidade existencial de um

determinado grupo possuindo assim uma irredutibilidade e uma oposição em relação ao outro

mito, no entanto há sempre uma espécie de circularidade e participação de uma cosmovisão

mitológica com a outra.

O mito é sempre totalizador mesmo apresentando sentido a uma realidade.

Arquetipamente há sempre o desejo em uma esperança escatológica, o homem sempre vê no

mito o principio e o fim de tudo. Outra função que o mito apresenta ao grupo cultural do qual

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pertence é sua capacidade de exercer uma pratica social que deriva da experiência como essa

realidade mágica.

A eficiência que o mito outorga às ações humanas tem outras conseqüências:

costumes e usos, leis e normas de uma sociedade ficam legitimadas pelo mito, pois

aparecem fundamentados em um acontecimento arquetípico conferidor de sentido e

autorizados por uma intenção divina, transcendente. A sacralidade das origens

converte-se em garantia de inamovibilidade. (CROATTO, 2010, p. 293).

O mito por todas essas características peculiares também é gerador de cultura e é por

isso como fator histórico não pode deixar de ser destacado pelo pesquisador, principalmente o

das religiões, como fonte verídica de uma realidade cultural, pois o mito também tem ligação

interpretativa da história humana.

4.4 OS MITOS DE ORIGEM

Para melhor compreensão da performance fundamentada no mito farei um breve relato

histórico de alguns mitos de origem das principais entidades que baixam no terreiro Abassá

Afro-Brasileira Lego Saponnã com intuído de demonstrar a similaridade performática entre o

fiel e a entidade que está em seu corpo divinizado. Para buscar tais características faz

necessário resgatar trabalhos clássicos de Antropólogos como Nina Rodrigues com a obra Os

Africanos no Brasil (1982).

Este motivo de buscar clássicos para compreensão histórica de alguns mitos é devido à

dificuldade de entrevistar pai Bassú sobre cada um dos mitos e entender que como em suas

palavras e em seu histórico de vida religiosa os mitos que são narrados em sua casa vieram ser

compreendidos em obras clássicas e com o próprio Pierre Verger do qual ele mesmo disse

certa vez “quando não sei cantar ou não sei alguns detalhes de um mito vou lá no livro do

Verger e dou uma lidinha”. (Entrevista realizada com pai Orlando Bassú no dia 13 /07/13)

Mesmo que haja uma dificuldade de expor as narrativas mitológicas dos deuses e

entidades Afro-Brasileiras devido à variedade de explicações. Minha intenção não é discutir a

veracidade das pesquisas feitas por clássicos como Pierre Verger (1981), Nina Rodrigues

(1982) e Artur Ramos (1935) e sim expor alguns mitos na tentativa de exemplificar algumas

características performáticas.

Não tive oportunidade de conversar com cada pessoa que vi ou filmei nos rituais do

terreiro, certamente seria o ideal para descobrir a relação simbólica que este vivia com seu

Orixá de cabeça e minhas conclusões vieram através da comparação com os mitos de origem

dos destas divindades. Também sei que se fosse perguntar sobre a origem dos mitos dos seus

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Orixá de cabeça não saberia me responder de forma lógica a narrativa mítica e talvez ainda

me diria para pesquisar. Uma coisa certa, se fosse possível entrevistar um por um dos filhos

de Santo dos Orixás que serão narrados abaixo enriqueceria de detalhes esta pesquisa.

A sequência da que será demonstrar segue a hierarquia do panteão da religião afro-

brasileira influenciada pela hierarquia da tradição Nagô, Ketu e a Umbanda. Falarei de alguns

senhores (orixás) dos quais tive oportunidade realizar as gravações e retirar algumas fotos.

Em seguida falarei de modo geral a peculiar performance dos caboclos e dos Erês e depois

destacarei a etnografia do ritual para Exu suas diversas performances.

4.4.1 O panteão

Os Orixás são ancestrais africanos divinizados africanos que correspondem a pontos

de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças.

A característica de cada orixá aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se

através de emoções nos rituais e no corpo do devoto. Sentem raiva, ciúme, demonstram

vaidade, orgulho. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores,

comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos, nas palavras de Luca (2007, p. 4) “As

sequências variam no que se refere à ênfase dada a cada entidade cultuada; os instrumentos

musicais; os paramentos das entidades e principalmente, ao ritual iniciático” e até horários

nos diversos terreiros e nações. Segundo Vergolino (2002, p. 22):

os rituais de culto aos orixás nagô, são de Exu, Ogum, Oxossi, Obaluaiê, Oxum,

Iansã, Iemanjá, Xangô, Oxalá; cultua-se também voduns jêje que podem

corresponder aos orixás nagôs tais como Èlebara (Exu), Doçu (Ogum), Azacá

(Oxóssi), Acossi Sapatá (Obaluaiê ou Omolu ou Xapanã), Badé (Xangô), Euá

(Oxum), Vó Missã (Nanã), Iansã (Barbasueira).

Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, cada

Orixá foi também associado a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos

negros. Para manterem os seus orixás vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem

dos santos católicos. Vou centrar minha pesquisa nos orixás nagôs porque a casa apesar de ser

de Mina é casa onde o nagô prevalece, pois é um terreiro onde separam os orixás como no

candomblé, é uma casa que canta em Yorubá, faz feitura e iniciação nos rituais do candomblé.

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4.4.2 Os orixás

Ainda que haja algumas divergências entre Nina Rodrigues e Artur Ramos sobre a

origem dos Orixás usarei as palavras do primeiro neste momento. Assim diz o autor:

... do consórcio de Obatalá, o céu, com Odudua, a terra, nasceram dois filhos:

Aganju e Yemanjá, sendo Yemanjá as águas e Aganju a terra firme, desposando seu

irmão Aganju, Yemanjá deu a Luz Orugaan, o ar, as alturas, o espaço entre o céu e a

terra. Orugam concebe incestuoso amor por sua mãe e, aproveitando a ausência

paterna, raptou-a e a violou. Aflita, e entregue a violento desespero, Yemanjá

desprende-se dos braços do filho e foge alucinada, desprezando as infames propostas

da continuação as escondidas daquele amor criminoso. Orugan a persegue, mas,

preste a deitar-lhe a mão, Yemanjá cai morta. Desmesuradamente . cresce-lhe o

corpo e, dos seios monstruosos, nascem dois rios que adiante se reúnem,

constituindo uma lagoa. Do ventre enorme que se rompem nasceram: Dada, deusa

ou orixá dos vegetais, Xangô, deus do trovão, Ogum, deus do ferro e da guerra,

Olokun deus do mar, Oloxá deus do lagos, Oiá deusa do rio Niger, Oxum deusa do

rio Oxum, Obá deusa do rio Obá, Okô orixá da agricultura, Oxóssi deus dos

caçadores, Ajê-Xalagá ou Ajê-Xanlungá deus da saúde, Xankpanâ ou Xapanâ deus

da varíola, Orum o sol e Oxu a lua. (RODRIGUES, 1982, p. 330).

Usarei as palavras de Pierre Verger para destacar algumas nativas míticas e

características dos principais Orixás que vieram com os negros africanos para o Brasil. Os

mitos que serão expostos logo a seguir têm por objetivo a comparação de algumas

performances do fiel com o mito de origem do seu orixá de cabeça já que “cada cabeça é feita

da mesma substância dos deuses e a identificação dessa origem divina tem de se apoiar-se em

corpus mitológico...” (AUGRAS, 1996, p. 89).

4.4.3 Ogum

Entre as diversas lendas e mitos africanos e afro-brasileiros sobre a figura do Orixá

Ogum, segundos alguns estudiosos, Babalorixás e Yalorixás, deve-se dar credibilidade a que

fora narrada por Pierre Verger, sendo assim, segue abaixo um diálogo entre a narrativa mítica

com algumas características da performance.

Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà e foi ele que se tornou

regente do reino de Ifé quando Odùduà ficou temporariamente cego. Ogum decidiu,

depois de numerosos anos ausente de Irê, voltar para visitar seu filho. Infelizmente,

as pessoas celebravam, no dia da sua chegada, uma cerimônia em que os

participantes não podiam falar sob nenhum pretexto. Ogum tinha fome e sede; viu

vários potes de vinho de palma, mais ignorava que estivessem vazios. (VERGER,

1981, p. 44).

Há uma peculiaridade performática de Ogum ao baixar no centro do terreiro devido

sua estreita relação como o mito de origem descrito por Verger. Seu corpo movimenta-se de

como um guerreiro pronto para uma batalha. Seus braços permanecem firmes ao se segurar

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uma espada e um escudo de metal “Como orixá, Ogum é o deus do ferro, dos ferreiros e de

todos aqueles que utilizam esse material: agricultores, caçadores, açougueiros, barbeiros,

marceneiros, carpinteiros, escultores” (VERGER, 1981, p. 44) em sintonia com o balançar do

seu tronco e de suas pernas como que fosse avançando uma disputa armada.

Ogum, como personagem histórico, teria sido o filho mais velho de Odùduà, o

fundador do Ifé. Era um temível guerreiro que brigava sem cessar contra os reinos

vizinhos. Dessas expedições, ele trazia sempre um rico espólio e numerosos

escravos. Guerreou contra a cidade de Ará e a destruiu. Saqueou e devastou muitos

outros Estados e apossou-se da cidade de Ire, matou o rei, aí instalou seu próprio

filho no trono e regressou glorioso, usando ele mesmo o título de Oníìré, “Rei de

Ire”. (VERGER, 1981, p. 44).

O corpo daquele que está no centro do barracão sendo utilizado pela entidade Ogum

para manifestar sua trajetória mítica torna-se visível na interação com os participantes ao criar

uma espécie de linguagem visual com as características de sua performance. Sua performance

busca demostrar a força impulsiva, seriedade e virilidade diante do grupo a transmitindo

através da performance a sua experiência interna da permanência do sagrado no seu corpo.

Tratar o papel da sensibilidade no aprendizado e não prática religiosa, entretanto,

requer mais que uma simples descrição das experiências sensíveis produzidas nos

rituais, é preciso traçar os fios que conectam essas experiências a outras arenas da

vida social, encontrar os caminhos pelos quais elas desembocam, com maior ou

maior força, na vida cotidiana. (RABELO, 2011, p.19)

Sua vestimenta caracteriza-se pelo azul marinho tradicional e alguns adereços de

penas no capacete. “Por razões que ignoramos, Ogum nunca teve direito de usar uma coroa (adé),

feita com pequenas contas de vidro e ornada por franjas de miçangas, dissimulando o rosto, emblema

da realeza para os iorubas”. (VERGER, 1981, p. 45). O capacete busca uma das características

simbólica com os do soldado romano devido o sincretismo com o cristianismo católico na

figura de São Jorge. Há também a performance de Ogum no corpo do Pai Bassú.

Diferentemente da sagacidade da performance descrita acima, percebi que um “Ogum velho”

no corpo dele. Sua performance destaca-se corridas lentas e gestuais mais controlados em

relação aos braços e pernas, um andar mais cambaleante e com menos sagacidade nos gestos

dos braços e pernas.

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Fotografia 7 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Ogum

Fonte: Produção do próprio autor.

Além das armas brancas há a utilização de um peitoral de metal, pulseiras e braceletes

do mesmo material e “pendurados numa haste horizontal, também de ferro: lança, espada, enxada,

torquês, facão, ponta de flecha e enxó, símbolos de suas atividades”. (VERGER, 1981, p. 45). Sua

performance segue com gritos de um guerreiro bravo e indomável. Esses utensílios são uma

das formas de validar a sua experiência do transe norteado pelo mito.

4.4.4 Oxalá

Dentre os diversos os Orixás da mitologia Iorubá, Oxalá talvez seja o que mais possui

credibilidade e veneração. Entre outros nomes dos quais é chamado há alguns que se

destacam como, O grande Orixá, Orixalá. Há uma estreita relação com a figura de Jesus

Cristos do cristianismo católico e a figura de Oxalá ao fazer uma comparação históricas com

alguns mitos.

“O Grande Orixá” ou “Rei do Pano Branco”, ocupa uma posição única e inconteste

do mais importante orixá e o mais elevado dos deuses iorubás. Foi o primeiro a ser

criado por Olodumaré, o deus supremo. Òrì_ànlá-_bàtálá é também chamado Òrì_à

ou _bà-Ìgbò, o Orixá ou o Rei dos Igbôs. Tinham um caráter bastante obstinado e

independente o que lhe causava inúmeros problemas. (VERGER, 1981, p. 100).

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Oxalá caracteriza-se pela utilização do branco em sua vestimenta e um grande bastão

de metal denominado de paxorô, pois “Òrì_ànlá pôs-se a caminho apoiado num grande cajado de

estanho, seu paxorô, o cajado para fazer cerimônias” (VERGER, 1981, p. 100) com uma imagem de

um pássaro e enfeites de um disco de metal e vários sinos. Sua performance traz suas

principais referencias mitológicas. Seu andar cambaleante faz referência Oxalufan um dos três

nomes de sua representação que simboliza um senhor já idade avançada e com sabedoria. Seu

corpo movimenta-se lentamente já que seu tronco não possui uma elasticidade de uma pessoa

jovem, seus paços são curtos e arrastados.

Fotografia 8 - Filha de santo incorporada pelo Orixá Oxalá.

Fonte: Produção do próprio autor.

No ato do transe, o corpo ao ser invadido pela entidade e tornando-se morada, homem

tem uma experiência com o corpo “em termos vivencias não como um objeto mas como um

sujeito...” (CSORDAS, 2008, p. 142), passa a construir sua uma relação simbólica com o

grupo, demonstrando uma experiência válida e significativa. O Transe performático de Oxalá

ao baixar no centro do barracão passa a ser vivenciada por todos através das técnicas

corporais.

Se o homem é um animal sapiente, uma ferramenta de tomada animal, um animal de

auto realização, um animal simbólico, ele é, nada menos que, um animal de

performance, o Homo Performans, não no sentido, talvez, que um animal de circo

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que pode ser um animal performático, mas no sentido que o homem é um animal,

suas performances são de certa forma, reflexiva, em realização ele revela a si

mesmo. (TURNER, 1987, p. 12).

O homo performans do transe de Oxalá tem um dos braços sempre apoiados no bastão

de metal e outro levantado com a palma da mão para baixo como sinal de benção e

superioridade e às vezes a necessidade de alguém que está na roda segurar o bastão com que

fora apoiar e dar sustentabilidade a uma pessoa idosa. Suas expressões faciais seguem com a

mesma serenidade do início ao fim do ritual, há uma imponência em seus paramentos

litúrgicos e em seu andar cauteloso e firme.

4.4.5 Xangô

Diante das lendas e dos mitos sobre a figura de Xangô ele aparece como um Rei que

tem a capacidade de governar com ferro e fogo é juiz na hora de julgar e redentor no

momento de salvar, pois “Xangô é viril e atrevido, violento e justiceiro; castiga os mentirosos,

os ladrões e os malfeitosos”. (VERGER, 1981. p. 92). Como força da natureza caracteriza-se

como o Orixá do fogo, do raio e da tempestade e “por esse motivo, a morte pelo raio é

considerada infamante. Da mesma forma uma casa atingida pelo raio é uma casa marcada pela

cólera de Xangô”. (VERGER, 1997, p. 92).

Como personagem histórico, Xangô teria sido o terceiro Aláàfìn Òyó, “Rei de Oyó”,

filho de Oranian e Torosi, a filha de Elempê, rei dos tapás, aquele que havia firmado

uma aliança com Oranian. Xangô cresceu no país de sua mãe, indo instalar-se, mais

tarde, em Kòso (Kossô), onde os habitantes não o aceitam por causa de seu caráter

violento e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente, impor-se pela força. Em

seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se para Oyó, onde estabeleceu um

bairro que recebeu o nome de Kossô. Conservou, assim, seu título de _ba Kòso, que,

com o passar do tempo, veio a fazer parte de seus oríkì. (VERGER, 1981, p. 93).

Há uma imponência peculiar na performance de Xangô ao baixar no terreiro. Sua

virilidade e sua firmeza estão presentes no remexer de suas pernas e braços ao ponto de

prolongasse com pequenas corridas no centro do terreiro. “O símbolo de Xangô é o machado

de duas lâminas estilizado, o oxé, que seus elégùn trazem nas mãos quando em transe.

Lembra o símbolo de Zeus em Creta”. (VERGER, 1981, p. 93). Sua vestimenta

predominantemente vermelha e branca cobrindo apenas o dorso deixando expostos os

ombros.

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Fotografia 9 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Xangô

Fonte: Produção do próprio autor.

No transe do orixá Xangô há uma valorização performática das características da

personalidade interior e exterior que fora narrada no mito por Pierre Verger, pois “os códigos

verbais e não-verbais simbólicos... em certa medida são a primazia de uma determinada

tendência psicológica”. (TURNER, 1987, p. 25). O corpo vivencia de tal forma o mito que a

performance corporal torna-se instrumento de socialização deste mito para o grupo.

Seu tronco movimenta-se com rapidez em sintonia com os seus braços e pernas.

Algumas vezes o braço, com braceletes, levanta-se de um lado para o outro com em uma

tentativa de flutuar no centro do salão. Algumas vezes dar giros intensos nas duas direções

horária e anti-horária com os dobrados um em cima do outro em seu tórax com pequenos

pulos coma as duas pernas e às vezes apenas uma. Em sua mão xangô leva um machado de

duas lâminas denominado de oxé e uma guia com as mesmas cores de sua vestimenta.

4.4.6 Oxóssi

Oxóssi na tradição afro-brasileira é conhecido como Orixá caça ou o senhor das

florestas entre outros nomes. Por ser conhecedor da florestas e matas tem uma estreita relação

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com a figura do caçador e daqueles que trabalham com ervas medicinais. Tem força de um

jovem e a honestidade de um orixá caracterizado com simplicidade nas ledas e mitos africanos:

Oxossi, o deus dos caçadores, teria sido o irmão caçula ou filho de Ogum. Sua

importância deve-se a diversos fatores. O primeiro é de ordem material, pois, como

Ogum, ele protege os caçadores, torna suas expedições eficazes, delas resultando

caça abundante. O segundo é de ordem médica, pois os caçadores passam grande

parte do seu tempo na floresta, estando em contato frequente com Ossain, divindade

das folhas terapêuticas e litúrgicas, e aprendem com ele parte do seu saber. O

terceiro é de ordem social, pois normalmente é um caçador que, durante suas

expedições, descobre um lugar favorável à instalação de uma nova roça ou de um

vilarejo. (VERGER,1981, p. 52).

Por ser caracterizado com o Orixá da natureza e de tudo o que nela existe há em sua

vestimenta a predominância da cor verde. Igualmente como a vestimenta de xangô não cobre

apenas o doso deixando de fora os ombros com metais nos braços e anti-braços ligados por

algumas correntes, um escudo e um chapéu de metal com algumas penas verde. Em suas mãos

há um arco-e-flecha simbolizando a figura do índio caçador.

Fotografia 10 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Oxóssi.

Fonte: Produção do próprio autor.

Sua performance é intensa devido seus passos firmes e sua movimentação rápida no

centro do salão. Ao caminhar lança-se para frente e para baixo como um caçador em busca de

sua caça. Seus braços sempre a frente do seu corpo em sintonia com o tronco que curva-se

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como que no ponto de dar o bote e pegar sua presa. Para diante do salão girando para um lado

e para outro com os braços levantados e pernas entre abertas olhando para cima e para baixo.

4.4.7 Iansã

Iansã é considerada um dos Orixás mais temperamental que não leva “problemas para

casa” ao ponto de usar a força quando quer algo, ciumenta, guerreira, atraente e amante. É a

orixá feminina mais vaidosa segundo a tradição, lenda e mitos obre ela sua origem:

Oya (Oiá) é a divindade dos ventos, das tempestades e do rio Níger que, em iorubá,

chama-se Odò Oya. Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento

ardente e impetuoso. Conta uma lenda que Xangô enviou-a em missão na terra dos

baribas, a fim de buscar um preparado que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar

fogo e chamas pela boca e pelo nariz. Oiá, desobedecendo às instruções do esposo,

experimentou esse preparado, tornando-se também capaz de cuspir fogo, para

grande desgosto de Xangô, que desejava guardar só para si esse terrível poder.

Oiá foi, no entanto, a única das mulheres de Xangô que, ao final do seu reinado,

segui-o na sua fuga para Tapa. E, quando Xangô recolheu-se para baixo da terra em

Kossô, ela fez o mesmo em Irá. Antes de se mulher de Xangô, Oiá tinha vivido com

Ogum. Ela fugiu com Xangô, e Ogum, enfurecido, resolveu enfrentar o seu rival;

mas este último foi à procura de Olodumaré, o deus supremo, para lhe confessar que

perdoasse a afronta.

E explicou-lhe: “Você, Ogum, é mais velho do que Xangô! Se, como mais velho,

deseja preservar sua dignidade aos olhos de Xangô e aos outros orixás, você não

deve se aborrecer nem brigar; deve renunciar a Oiá sem recriminações”. Mas Ogum

não foi sensível a esse apelo, dirigido aos sentimentos de indulgência. Não se

resignou tão calmamente assim, lançou-se à perseguição dos fugitivos e, como

vimos anteriormente, trocou golpes de varas mágicas com a mulher infiel. Que foi

então, dividida em nove partes. Este número 9, ligado a Oiá, está na origem de seu

nome Iansã e encontramos esta referência no ex-Daomé, onde o culto de Oiá é feito

em Porto Novo sob o nome de Avosan, no bairro Akron (Lokoro dos Iorubás) e sob

o de Abosan, mais ao norte em Baningbê. Esses nomes teriam por origem a

expressão Aborimsan (“com nove cabeça”), alusão aos supostos nove braços do

delta do Níger. (VERGER, 1981, p. 64-65).

Sua vestimenta predominantemente branca e vermelha com vários estampados

listrados e por ser considerada também uma guerreira, leva nos estampados taça e espada. Sua

performance no terreiro em embrenhada de dinamismo e consistência. Com passos firmes em

sintonia com os braços forte e veloz demonstrando uma inquietude e alegria.

Sua performance é peculiar ao destacar o balançar dos braços curvados com as mãos

fechadas de um lado para outro como o tronco baixo simbolicamente representando alguém

enfurecido de um lado para outro e algumas vezes para no centro do salão e da uma remexida

em todo corpo ainda como tronco voltado para baixo. Em determinado momento levanta-se o

tronco e passa a mexer como os braços em uma característica feminina como que se estivesse

nadando.

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65

4.4.8 Oxum

Diferentemente do Orixá feminina Iansã, Oxum é segundo a tradição e mitos africanos

e afro-brasileiros, a mais meiga, delicada, nobre e desejada com esposa fiel com jeito de

menina a audácia e malícia de uma mulher adulta.

Oxum é a divindade do rio de mesmo nome que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu.

Era, segundo dizem, a segunda mulher de Xangô, tendo vivido antes com Ogum,

Orunmilá e Oxossi. As mulheres que desejam ter filhos dirigem-se a Oxum, pois ela

controla a fecundidade, graças aos laços mantidos com Ìyámi-Àjé (“Minha Mãe

Feiticeira”). (VERGER, 1981, p. 67).

Sua performance é caracterizada pela rica e brilhante vestimenta na cor de amarelo-

ouro empunhada de uma pequena espada e uma espécie de leque de metal também na cor da

mesma. Seus movimentos são suaves no que tange a sintonia dos braços com as pernas e o

tronco. Seus braços movimentam-se no mesmo balancear de sua perna de um lado para outro

como estivesse fazendo com um filho no colo de um lado para outro.

Fotografia 11 - Filha de santo incorporada pelo Orixá Oxum

Fonte: Produção do próprio autor.

Sua delicadeza narrada no mito pode ser percebida pelo suave de sua performance.

Delicada como uma jovem e sensual como uma mulher. Percebi que há uma relação

harmoniosa na performance do orixá Yemanjá e a orixá Oxum. “Mulher elegante que tem

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joias de cobre maciço”. É uma cliente dos mercadores de cobre. Oxum limpa suas joias de

cobre antes de limpar seus filhos”. (VERGER, 1981, p. 67). Seus movimentos são brandos e

suas pernas arrastam-se de um lado para outro com o tronco levantado, em alguns raros

momentos, baixa-se duas vezes o tronco com a mesma leveza de sua performance. Em um

outro momento colocas suas mãos sobre sua cintura e gira suavemente para com pequenos

balançar de sua cabeça.

4.4.9 Yemanjá

Yemanjá é o Orixá mais conhecido em terras brasileiras devido sua profunda relação

com o cristianismo católico no processo de ressignificação da religiosidade afro-brasileira. É

conhecida com Orixá das algas salgadas e do mar com uma beleza exuberante e maternal.

Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé omo ejá (“Mãe cujos filhos são peixe”), é o

orixá dos Egbá, uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan,

onde existe ainda o rio Yem_já. As guerras entre nações iorubas levaram os Egbá a

emigrar na direção oeste, para Abeokutá, no início do século XIX. Evidentemente,

não lhes foi possível levar o rio, mas, em contrapartida, transportaram consigo os

objetos sagrados, suportes do àse da divindade, e o rio Ògùn, que atravessa a região,

tornou-se, a partir de então, a nova morada de iemanjá. Este rio Ògùn não deve,

entretanto, ser confundido com Ògún, o deus do ferro e dos ferreiros. (VERGER,

1981, p. 73).

A performance de Yemanjá no centro do terreiro caracteriza-se pela predominância da

cor azul e branco em suas vestimentas fazendo referência a cor mar, como também, a guia

confeccionada com pontas de vidro transparente. Em uma de suas mãos leva um espelho que

tem ao centro a figura de um peixinho o Abebé com intuito de admirar sua beleza em outra

mão. Seu rosto é coberto por uma franja de miçangas chamado de Fila, além de pulseiras e

braceletes, há também miçanguinhas conhecidas como deloguns.

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Fotografia 12 - Filho de santo incorporado pelo Orixá Yemanjá.

Fonte: Produção do próprio autor.

Em sua performance dá para perceber a suavidade de um Orixá que é mãe e esposa

demonstrado no equilíbrio no centro do salão. Seu corpo movimenta-se com os balançar dos

braços e pernas de um lado para o outro assim como as ondas do mar ao mesmo tempo em

que se observa no espelho. “Ela é representada nas imagens com o aspecto de uma matrona,

de seios volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. Esta particularidade de

possuir seios mais majestosos – ou somente um deles, segundo outra lenda”. (VERGER,

1981. p. 73). Seus movimentos corporais demonstram toda sua feminilidade e beleza. Sua

leveza do tronco em relação aos seus braços caracteriza-a com uma mulher madura e

responsável.

Todas essas narrativas míticas e características dos principais Orixás em terras

brasileiras narradas nas palavras de Pierre Verger em sua Obra intitulada Os Orixás (1981),

certamente há diversas interpretações por outros autores e mais ainda a ressignificação que os

mesmos sobre em cada terreiro afro-brasileiro. No Pará não foi diferente com este processo

das narrativas míticas, no entanto, mesmo que haja algumas modificações, a características

mais comuns do mito permanece com instrumento da experiência do transe.

Fato é que algumas dessas características mais essenciais destas narrativas estão

presentes nos principais momentos que antecedem o transe e em especial no momento

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performático do mesmo. O corpo com parte substância do Orixá fica perceptível no momento

do ritual e o quanto faz necessário fazer-se este corpo transparecer este elo mitológico entre o

homem e o seu Orixá para que se consolide a sua identidade religiosa.

É na festa que os orixás vêm à terra, no corpo de suas filhas, com a finalidade de

dançar, de brincar no xirê, termo que em Ioruba significa exatamente isto: brincar,

dançar, divertir-se. É através dos gestos, sutis ou vigorosos, dos ritmos efervescentes

ou cadenciados, das cantigas que “falam” das ações e dos atributos dos orixás, que o

mito é revivido, que o orixá é vivido, como a soma das cores, brilhos, ritmos,

cheiros, movimentos, gostos. A vida dos orixás é o principal tema (e a vinda dos

orixás é o principal motivo) da festa. Os deuses incorporam seus eleitos e dançam

majestosamente: usam roupas brilhantes, ricas, coroas e cetros, espadas e espelhos;

são os personagens principais do drama religioso. (AMARAL, 2005, p. 48).

Darei uma ênfase nas características performáticas do orixá Exu, para isso descreverei

algumas características do mito de Exu em algumas performances que foram gravadas na

festa de 2013 através de fotos. Minha intenção é demonstrar o Homo Performans de Victor

Turner (1987) e sua capacidade exteriorizar sua experiência religiosa em estado de transe

norteado pelo mito.

4.4.10 Caboclos e crianças (Erês) alguns relatos etnográficos

Depois de caracterizar especificamente algumas performances de alguns Orixás falarei

um pouco mais sucintamente de alguns caboclos e encantados. Serão expostas algumas

características performáticas retiradas de filmagens realizadas na pesquisa de campo. Este

propósito decorre da necessidade de caracterizar o corpo como linguagem religiosa e expor

futuras pesquisas sobre o assunto.

Falarei especificamente destas duas categorias. Com a pesquisa de campo que foi

realizada no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lego Saponnã, depois dos Orixás, foram as que

mais se destacaram nos eventos tradicionais. Mesmo com toda dificuldade de análise de

devido o processo de sincretismo e ressignificação das performances destacarei de forma

generalizada algumas características.

4.4.10.1 Caboclos

Praticamente em todos os eventos que participei no terreiro houve toques para

caboclos. Segundo Ferretti, (1993) “são espíritos cultuados como personagens lendários que

um dia teriam vivido na terra mas que, por alguma razão, não conheceram a morte, tendo

passado da vida terrena ao plano espiritual por meio de algum encantamento: são os

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encantados”. A configuração corporal como linguagem religiosa da performance do caboclo é

peculiar. Suas características diferenciam das demais desde processo de incorporação até a

saída do transe. Com a chegada do caboclo o corpo algumas vezes apoia-se na curva de uma

das pernas que fora dobrada e a outra esticada ao ponto encosta o quadril no tornozelo da que

esta apoiada ao chão.

Algumas vezes apenas o tronco volta-se para trás com os dois braços esticados e

esboçando pequenos pulinhos com uma perna só em torno de alguns giros. Outras vezes há o

cruzamento dos braços com batidas no centro do peito com os punhos rígidos e mãos

fechadas. O que percebi de mais geral nestes aspectos é o grito, uns mais intensos e outros

mais suaves. Dependendo do caboclo ocorrerá a performance, suas diferenças inicias vão se

dar peculiaridade de sua linha de origem.

Fotografia 13 - Filho santo sendo incorporado pelo Caboclo

Fonte: Produção do próprio autor.

O caboclo quando baixa no terreiro utiliza-se de todas as características corpo (cavalo)

divinizado. É uma “invasão” do sagrado ao ponto de mudar até suas características físicas do

rosto. Sua expressão facial é peculiar ao torcer quase que sempre os lábios para cima ou para

baixo com uma forte respiração nasal e sussurros. Rapidamente seus olhos fecham e sua testa

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franze junto com sua boca. Essas características faciais demonstram que o seu corpo está

como o peso da sacralidade quando fora “invadido”.

Outra característica peculiar do caboclo é que ele caminha na gira quase “mancando”.

Essa característica é perceptiva nos que demonstram capacidade física. Já os mais velhos não

há tanto esta característica de troca de peso de uma perna para outra e sim apenas um breve

balançar com uma perna na frente outra atrás. Este movimento caracteriza um pisar intenso e

firme com um dos pés.

Diferentemente dos homens as mulheres demonstram mais suavidade neste enrolar das

pernas e braços, seus quadris movimentam-se em sintonia com seus braços e pernas. A um

pouco de sensualidade no seu jogo corporal. Sua leva e rosto sereno na hora que de girar no

centro do terreiro destaca seu gênero feminino em contraponto a firmeza e segurança do

gênero masculino.

Fotografia 14 - Filho de santo sendo incorporado pelo Caboclo

Fonte: Produção do próprio autor.

Todas essas características descritas acima variam conforme a performance do filho de

santo, a origem do caboclo, como também, o processo de hierarquia presente no terreiro.

Foram destacadas as maias gerais como andar e girar no centro “mancando”, braços cruzados

ou não, às vezes para frente, outras vezes para trás, como também, cotovelos levantados com

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as mãos para cima, outras vezes esticadas com as mãos abertas ou fechadas para frente com o

tronco ereto.

Há necessidade de estudar a especificidade de cada uma das linhas ou famílias destes

Caboclos. Certamente a ressignificação de todas essas performances seja um dos instrumentos

possíveis para uma análise detalhada do corpo como linguagem religiosa e instrumento de

manifestação do sagrado nos terreiros de mina em Belém.

4.4.10.2 Crianças ou Erês

Em algumas de minhas visitas no terreiro presencie a incorporação de Erês

predominantemente em mulheres, especificamente a esposa do Babalorixá da casa. Falo

especificamente devido o maior contato com ela chegando até mesmo conversar por duas

vezes com o Erê que fora incorporado. O processo de incorporação dos Erês não diferencia

dos demais no início do transe, com o balançar do corpo seguido de um grito remexendo todo

o seu corpo.

O que vai diferenciar de forma geral os Erês de outras entidades é sua característica

performática. Eles se movimentam, falam, sentam, caminham e dançam como se fossem

crianças de pouca idade, certo que este Erê amadurecerá, falarei de forma geral de suas

atitudes performáticas sem caracterizar sua idade. Assim como as crianças ao sentar em

banquinhos, engatinham, usam chupetas, comem doces, deita no chão, falam com pouca

compreensão das palavras, às vezes sozinhas batendo palmas, pulando e demonstrando muita

alegria. Seus braços e pernas não seguem o ritmo da música e correm de um lado para o outro

no centro do terreiro, por vezes ficam minutos sentados chupando pirulito e falando sozinha

ou brincando com algum brinquedo.

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Fotografia 15 - Filho de santo sendo incorporado pela entidade Erê

Fonte: Produção do próprio autor.

Assim como uma criança brincando ao som de uma música com o ritmo acelerado, os

Erês dançam, batem palmas, correm e pula relação à doutrina cantada no terreiro, seu corpo

demonstra alegria contagiante de uma criança. Quase sempre ficam sentadas e arrastando o

seu o corpo espontaneamente. Engatinham com as pernas mexendo-se para cima e para baixo,

ficam deitadas ao ponto de rolar no com o sorriso expresso no rosto pegando nos pés ou no

brinquedo ao seu redor.

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73

5 EXU: UM ORIXÁ DE VÁRIAS PERFORMANCES

Exu tem uma característica peculiar nos terreiros das religiões de matriz africana na

Amazônia devido suas múltiplas recepções mitológicas, como também, lendas urbanas sobre

sua suas origens e funções, trabalharei com as características de Exu que fora influenciado

pela sua relação do pai Bassú com a Umbanda. Há na casa uma relação histórica com a figura

de Exu. Como fora relatado em um dos depoimentos de Pai Bassú, foi em uma sexta-feira da

paixão que ele o recebeu pela primeira vez.

Mesmo com dificuldade de diferenciar na prática, o Exu Orixá e o Exu na Umbanda,

então entende-se neste trabalho o Exu como entidade ou espírito de luz que tem por missão

ajudar seus protegidos dando lhes orientação em forma de consultas de adivinhação, pois

estes incorporados em seus médiuns respondem com a verdade aquilo que o consulente quer

saber com a finalidade de lhe avisar de algum mal ou bem que esteja preste a acontecer, com

o intuito de impedir algum mal ou lhe mostrar algum bem em seus caminhos, já que, na

Umbanda exu é uma entidade muito ligada à terra e, portanto, bastante conhecedora dos

anseios, desejos e necessidades.

Exu como orixá é o movimento, a dinâmica da vida, promovendo a interação entre

criador e criaturas, quem possibilita o equilíbrio dos mundos e a perpetuação dos seres. O

símbolo deste Orixá é o falo órgão sexual masculino, representando a fertilidade. Suas

características controversas – provocador, brincalhão, astuto, sensual – o associaram à figura

bíblica de Satanás. Na performance da festa misturam-se estas duas características, tanto

como Orixá, como também, da Umbanda.

Uma obra de autoria do Antropólogo Napoleão Figueiredo, que tem como norte

metodológico a Antropologia cultural, em Os Caminhos de Exu destaca todo o processo ritual

e mitológico da entidade Exu. Neste trabalho dar para o leitor compreender que Figueiredo

faz uma pesquisa minuciosa, em relação a uma única entidade. Sendo assim, fica claro que o

desejo de compreender as especificidades das Religiões de Matriz Africana na Amazônia.

Talvez, a sua escolha por essa entidade seja a sua misteriosa relevância quando se fala dos

rituais nas religiões de Matriz Africana, tanto para os adeptos, como para os observadores e

estudiosos, já que há uma complexidade histórica na sua identidade, como também, no seu

gênero.

Uma das festas mais esperadas no terreiro Abassá Afro-Brasileira Lego Saponnã é a

festa para Exu que ocorre todo dia 24 de agosto. Uma festa onde envolve uma grande

quantidade de filhos e filhas de Santo. Escolhi esta festa por um momento onde aparece todo

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74

o processo de inovação performática em sua casa. Praticamente todos com suas vestimentas

apropriadas para este ritual e cada um com sua performance particular no momento do transe.

Segundo Monique Augras a relatar os modelos míticos em sua obra O Duplo e a Metamorfose

(1992) “nos ritos de candomblé, vinte e um é o número que corresponde a Exu, e diz-se

vulgarmente que existem 21 Exus”. (AUGRAS, 1992, p. 94).

No início de qualquer festa se faz a obrigação para Exu (padê), e que sacrificado

galo preto ou vermelho com os cânticos e toque especiais para sacrificar as aves

(Adie e Akukó) Godôpé que é a cabra, sangue (ou até) deverá cair sobre os atos dos

Orixás festejados sobre acentos do Exus. Essa cerimônia só poderá ser feita por

quem tem mão de faca (Axogum) afim de evitar que o inexperiente cometa erros

prejudiciais evitando assim que Exu perturbe ou permita que a festa seja perturbada,

e sim de alegria e calma para isso que Exu é servido em primeiro lugar depois de

sacrificado os animais entregue as iabases (cozinheira que prepara as comidas de

santo) para ser preparado servido depois pelo Babalorixá ou Yalorixá, pai pequeno

ou a mãe pequena dentro do ritual e só assim é dado o início do toque. Cantam-se

abertura tirado pelos Ogãns e Ekedis e o Babalorixá tira o canto pelo coral das filhas

de Santo para esses cantos são observados o xire (a festa) não podendo cantar em

confusão, ora para um, ora para outro Orixá. O xire é estabelecido de um modo

geral em primeiro lugar Marabó 2° Ogum e Osé 3° Obaluaê e Omulu 4º Nana

Baruku 5º Oxóssi 6° Ewá 7° Irokó, Ossany e Ibejy 8° Oxumaré 9° Oxum 10°

Iemanjá 11° Xangô 12° Iansã 13° Orixalá e Oxalá. (Entrevista realizada com pai

Orlando Bassú no dia 13/07/13).

Fotografia 16 - Obrigação para o Orixá Exu

Fonte: Produção do próprio autor.

Antes de relatar a festa para Exu e analisar a performance corporal do sujeito que foi

invadido pelo orixá no ato do transe falarei um pouco sobre as questões que antecedem todo e

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75

qualquer celebração e ritualística vivenciada pelos membros da casa. Em minha observações e

filmagens destacarei a preparação do corpo para o transe.

5.1 A PREPARAÇÃO PARA O TRANSE

Os relatos que serão descritos abaixo sobre as performances corporais dos praticantes

do ritual será especificamente o que antecede as festas de tambor de toda segunda-feira.

Buscarei descrever pelo menos as três horas antes da celebração através daquilo que os corpos

que vivenciarão, ou não, o transe. Essas horas nos proporcionam entender um pouco mais o

quanto essas mudanças influenciaram no comportamento dos fiés e dos participantes.

Sempre busquei nas minhas pesquisas de campo chegar algumas horas antes do ritual

começar. Há uma grande vantagem para o pesquisador chegar ao local antes da grande

maioria, que é a possibilidade de observar a normalidade do comportamento daqueles que

mais tarde estarão na roda girando e nesta “normalidade” que irei me deter.

As pessoas que vão chegando e saldando as que já estão lá levando em consideração a

hierarquia da casa, entram com passos lentos e o tronco do corpo um pouco curvado em sinal

de respeito aos mais velhos isso muda de acordo com o status da pessoa que entra e com uma

intimidade como se adentra em sua casa própria, o sorriso vem junto da saudação de boa

noite. Vai se formando pequenos grupos de conversas e risadas extravagantes perceptivos nos

mais novos e uma conversa mais centralizada dos mais velhos. Tal característica faz

compreender o corpo como parte inerente da relação interpessoal entre a pessoa e o seu Orixá,

pois “quando o corpo é reconhecido pelo que ele é em termos vivências, não como um objeto,

mas como um sujeito, a distinção, mente-corpo se torna muito mais incerta”. (CSORDAS,

2008, p. 142).

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Fotografia 17 - Local onde ocorre a Gira

Fonte: Produção do próprio autor.

Estes se formam grupos em todos os lugares do terreiro, sentados na entrada, lá fora

para fumar cigarros, na parte de cima do terreiro aonde muitos vão se arrumar, mais perto da

cozinha por haver uma televisão e alguns bancos e cadeiras de espera, muitos vão para lá

justamente pela programação da televisão e em especial as telenovelas, onde passam a

comentar sobre o capítulo anterior em curtas risadas com alguns personagens da mesma.

Quem está responsável pela arrumação da festa andam para um lado e para outro com

um pouco mais de pressa para ver se está tudo pronto. “Nos dias de festa há um toque especial

em homenagem a Orixá festejado e o terreiro é caprichado e com ambiente limpo pelos Yaõs

na intenção de alegrar o ambiente” (palavras de pai Bassú no dia 02/09/13). Esses já estão

vestidos com as roupas que participaram do ritual e andam com a fisionomia de preocupação

gerada pela responsabilidade que lhe são garantidas. Alguns são jovens e outros mais velhos

demonstram uma esperteza e dinamismo nos seus trabalhos.

Faltando, mais ou menos, uma hora antes do ritual começa a tocar nas caixas de som

do terreiro algumas doutrinas que foram gravadas no CD em parceria com Musicólogo Mario

Brasil pelo próprio Babalorixá da casa Pai Bassú, como também, música popular brasileira

(MPB) e Samba como temáticas afro-brasileiras. As pessoas que irão participar do ritual que

ainda não estão vestidas, deslocam-se para parte de cima do terreiro para trocar de roupa e

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logo em seguida descer e esperar iniciar o ritual. Alguns descem logo para começar a se

concentrar com as doutrinas que já estão sendo tocadas no som e outros descem apenas

quando começa.

A música tem um caráter ritualístico, importante para evocar as entidades que se

manifestam nos médiuns, quando esses cantam e dançam ao som dos instrumentos

de percussão. Sua estrutura é cíclica, responsorial, onde o solista canta e o coro

responde. O ritual divide-se em duas partes: o xirê, onde canta para os orixás,

obedecendo-se a uma determinada ordem, e a “virada prá caboclo”, que nos rituais

noturnos geralmente acontece por volta das meia-noite, quando se canta para os

caboclos, entidades nacionais e regionais. Pode-se perceber, nessa “virada”, uma

mudança no caráter das músicas”. (VERGOLINO; BRASIL, p. 07).

Determinado momento por ondem do Babalorixá da casa passam a recolher para

dentro do Roncó a obrigação que fora feita para os Orixás dois três dias antes. No que tange a

performance corporal torna-se um momento singular. Quando começam a recolher todas as

obrigações os Iaôs fazem um círculo para receber das mãos do Babalorixá, da Yalorixá, Ogãn

ou uma Ekedi e levar andando de costas e segurando com as duas mãos em direção ao Roncó

e entregar para as pessoas que tenham os mesmos cargos das que lhe entregaram.

Fotografia 18 - Obrigação para todos os Orixás

Fonte: Produção do próprio autor.

Alguns minutos antes do ritual, os que estão na parte de baixo e que passam a se

concentrar com as doutrinas, começam a diminuir o ritmo dos seus passos e de suas

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conversas. Alguns andam de um lado para outro com passos lentos e com poucas

movimentações dos braços. O corpo já não demonstra com clareza a tranquilidade de quando

o sujeito chegou ao terreiro, mas também, não demonstra nada de diferente. É com que se

preparassem para algo que se é desconhecido pela sua consciência, no entanto, o seu corpo é

instrumento deste acontecimento e por isso que talvez a expressão entre os Nagôs que diz “os

deuses existe porque existe os homens” tenha uma melhor compreensão.

Nesse momento toca-se o Adjá um instrumento litúrgico parecendo uma sineta de

metal, feito com Bronze ou metal Dourada ou simplesmente Prateado. O Adjá pode ser

composto com duas ou três "câmpulas" enquanto são tocados para os Orixás. “Não existe

ritual sem o Adjá” (palavras de Orlando Bassú no dia 02/09/2013). Só o Babalorixá, Ekedis e

os pais e mães pequenos (a) podem manuseá-lo. Instrumento que serve para invocar os Orixás

junto com os atabaques e as cabaças. Sendo que todos os Orixás respondem o Adjá.

No toque deste instrumento litúrgico os Orixás começam a se manifestar nos corpos

dos que estão se preparando papar o ritual tornado este corpo sua morada e seu instrumento de

manifestação. Como o Orixá não fala e é o primeiro a se manifestar no barracão ao invadir o

corpo este se deita diante dos mais velhos no santo para que ele suba de volta e vire para Erês,

pois eles são a voz do Orixá e sua performance será descrita mais adiante.

Fotografia 19 - O respeito pela hierarquia

Fonte: Produção do próprio autor.

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Ao se abaixar para que a pessoa de cargo cruze sua costa na intenção suspender o

Orixá e permanecer o Erê o filho de santo hasteia uma toalha branca na frente e depois se

ajoelha com as mãos fendidas sobre o peito e desce fazendo uma espécie de revência com a

cabeça apoiando os cotovelos no chão e colocando as mãos sobre sua testa. Permanecerão

assim até o final do ritual e só será possível a incorporação por um caboclo se este estiver

mais de um ano no santo.

Na maioria das vezes os que chegam em cima da hora do ritual e não passam por este

processo de “autorreflexão” saem sem passar pelo estado de transe da roda. O que fica

parecendo é que o seu corpo não está em sintonia com sua consciência e ele passa horas

girando e nada acontece, mas levando em consideração a corporeidade Merleaupontyana, a

descrição está relacionada à atitude corpórea de entende, que se meu corpo não está

preparado, eu também não estou.

Percebo muitas das vezes, em sua fisionomia, um estado de insatisfação pessoal

quando isso ocorre, já que, além dos participantes da roda há a presença de daqueles que vão

apenas observar e quando isso acontece muitos fixam seus olhares incrédulos. Csordas buscou

Marcel Mauss para destacar a funcionalidade do corpo ao citar que “o corpo humano é o meio

mais concreto e imediato de persuadir as pessoas da realidade do poder divino”. (MAUSS,

1950 apud CSORDAS, 2008, p. 50).

Este momento que ocorrem minutos antes do ritual é o que vai possibilitar ou não o

bom desenvolvimento do estado de transe no corpo do fiel. Há na valorização deste “pré-

transe” com o cuidado do corpo através da “autorreflexão” e da diminuição cardiorrespiratória

uma espécie de lavagem de consciência e pedida de permissão para que seu corpo torne

instrumento de manifestação do sagrado, não posso entrar na consciência para fazer este

diagnóstico psicológico, mas é o que demonstra a fisionomia do seu rosto. Com os olhos

fechados, o corpo tenso, a testa franzida, os cílios tremendos.

5.2 A GIRA

Ao chegar perto de iniciar o ritual, as pessoas que estão na parte de baixo do terreiro e

irão participar do toque de segunda-feira começam a se aproximar do centro. É neste local que

ocorre às principais festas públicas e as outras conforme o calendário da casa descrito no

capítulo anterior. Quanto mais se aproxima o início do ritual, há uma aglomeração neste

pequeno espaço, criando uma intensa esfera de calor e fazendo com que os dois pequenos

ventiladores da parede não tenham suporte necessário para refrescar o ambiente e todos os

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que estão presentes demonstrem calor físico ao ponto de alguns participantes e visitantes

“pegarem um pouco de ar” lá fora.

Percebo que o calor é motivo de algumas reclamações por parte dos mais antigos do

terreiro e em especial os mais idosos. Determinado momento, antes do início, se desliga o

som como um sinal que já está preste a começar e é para os participantes que não estão no

centro se aproximem e possa todos estar presentes no começo do ritual. Aqueles que vão se

aproximando do centro onde está um maior aglomerado dos participantes buscam sempre a

parte mais ventilada.

Mesmo antes de começa, já é perceptivo o desgaste físico de alguns. Suas vestimentas

ficam molhadas de suor e talvez seja por isso que quase todos os que vão para roda tem

consigo uma toalhinha de rosto. Certo que, para alguns participantes, este calor parece ajudar

o corpo como estimulo físico e psicológico criando uma “atmosfera psicológica” (LEWIS,

1977, p. 60) no estado de transe.

Uma das características fundamentais, assim como as demais religiões de matrizes

africanas praticadas no Brasil, é o transe ou a possessão, que usualmente costuma

ocorrer em rituais onde as entidades espirituais homenageadas e cultuadas são

invocadas e “recebidas” pelos Filhos e Filhas de santo, Pais e Mães de santo. A

identificação afro no Maranhão também é conhecida como “brinquedo de Santa

Bárbara”, expressão que se refere aos toques ou festas de Tambor de Mina

(FERRETTI, 1985, p. 37).

Os que estão presentes no centro se organizam em círculo de forma hierárquica,

Ekedis, Yalorixás, Babalorixás, Abians e por último os Iaôs para começar o ritual. Os

abatazeiros, que já estavam aquecendo seus corpos e os tambores com leves toques no

tambor, passam a entoar sons para que o pai de santo comece a cantar as doutrinas e os que

estão presente passem a girar de forma horária no centro do salão e em seguida possibilitar

uma organização harmônica em que todos possam ter espaço para movimentar seus corpos.

Buscarei destacar com mais detalhes a performance como instrumento de

manifestação do sagrado no ritual para Exu. Este ritual foi um dos que conseguir uma

quantidade maior de material para análise, como também, demonstrou pelas fotos e filmagens

uma maior possibilidade de dialogar com a teoria.

5.3 ETNOGRAFIA DA FESTA PARA EXU

Quase todos as entidades que baixam no terreiro possuem uma igualdade em relação a

performance no corpo do receptor. Ao ser incorporado por exu aparece este movimento e se

caracteriza como uma espécie de tremor no tronco e braços por alguns segundos e logo em

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seguida surge uns movimentos com que fosse um brusco empurrão para traz, fazendo-o de

certa forma perder um pouco o equilíbrio havendo necessidade de se apoiar em alguém talvez

a aquilo que Ioan Lewis descreveu como “depositário dos deuses” ou “cavalo e égua” na

experiência do transe e poder da divindade no corpo. (LEWIS, 1977, p. 62-63).

A foto abaixo retrata essa característica peculiar da maioria das entidades ao usar o

corpo do médium para baixar no terreiro. Que muitas das vezes vêm seguida de um grito

forte. No caso de exu este grito vem com o tom de voz “grossa” e com uma espécie de

rouquidão meio que sombria e misteriosa. Para Monique, muitas dessas características de

relacionada a Exu e o mal vem pela confusão que fizeram em alguns terreiros ao compará-lo a

figura do Diabo.

Fotografia 20 - No ato da incorporação

Fonte: Produção do próprio autor.

Na figura acima esta espécie de tremor do corpo, em especial na área do tronco

demonstra a presença da entidade e sua energia ao começar o movimento no centro do peito e

se espalhasse pelos ombros, cotovelos, braços e mãos ao ponto de haver uma sensação de

morada do sagrado com os braços abertos. Já parte do tronco para baixo do corpo, esse tremor

fica perceptivo como fraqueza nas pernas por alguns segundos, e que às vezes caem devido a

energia da entidade, neste caso Exu, aquele que domina o Axé.

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Entre as diferentes performances na festa de Exu, os mais novos já incorporados

arrastavam-se com o tronco encurvado com risadas prolongadas, movimentam-se próximo ao

chão do terreiro, quase ajoelhado, com o tronco encurvado ao ponto de encostar suas costas

no chão, os braços para trás e as mãos retorcidas ou às vezes suspensas no ar com balançar

para frente para trás, por vezes tensas e por vezes leves.

A foto abaixo destaca uma das performances mais emblemática de um dos

participantes da festa de 2012 para Exu no terreiro do Pai Orlando Bassú. Essa peculiaridade

descrita acima sobre a arrasta-se ao chão com corpo em movimento e risadas prolongadas e

extravagância na hora do seu caminhar chamou a atenção da maioria dos participantes do

ritual.

Fotografia 21 - Uma das performances de Exu

Fonte: Produção do próprio autor.

Em outros momentos, aparece andando lentamente com pequenos sussurros e risadas

leves, mas quase sempre com uma leve curvatura tronco com os braços para trás e uma

demonstração da testa franzida e com os lábios para frente é peculiar em seu rosto. Os exus

movimentam o pescoço e a cabeça de maneiras diferentes das demais entidades e, às vezes

assemelhando-se ao movimento de um de um animal de quatro patas como cachorro, outras

vezes a um morcego, como estar representado na imagem abaixo.

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Fotografia 22 - Performance de Exu

Fonte: Produção do próprio autor.

A foto acima destaca esta outra peculiaridade da performance do Exu. Movimentos

leves do tronco e dos braços, com o andar suave e passos curtos em sincronia com o tronco do

corpo, o rosto franzido e com os lábios para frente e pequenos sussurros.

Falarei um pouco da interferência do mito, levando em consideração estas duas

específicas performances do corpo do médium incorporado pelo Orixá Exu. Uma peculiar

característica do mito de criação sobre a figura de Exu faz referência a seu “poder de

transformação” (AUGRAS, 1996, p. 92). “As diferentes atitudes performáticas e com as mais

varias vestimentas deriva talvez inconstância de sua personalidade e identidade e da

capacidade de “ele transforma tudo, por ter engolido tudo”. (AUGRAS, 1996, p. 92).

Esta característica dinâmica da figura de Exu também está presente em muitas das

performances. O corpo se remexe muitas das vezes de forma desarmônica e com postura

extremamente dinâmica a passo de correr de um lado ao outro do terreiro com intensidade dos

movimentos corporais ao ponto de bater em outras pessoas com gestos involuntários. Nas

palavras Ioan Lewis ao destacar que alguma comunidade no ato do transe a perda temporária

da alma destaca que “essa evasão temporária da alma provoca tremores e convulsões, que são

características de estágios iniciais da possessão e do transe”. (LEWIS, 1977, p. 54).

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Outra característica presente na performance ritualística do Orixá Exu no corpo do fiel

é a questão da sexualidade extravagante. Esta se torna perceptivo quase que especificamente

com as mulheres na hora do ritual. Além de todos os gestos descrito acima sobre a

movimentação involuntária da chegada e permanência do Orixá Exu no corpo, intensifica-se

com as vestimentas mais ousadas, maquiagens sensuais demonstrando uma sensualidade e

que é refletida na sua performance.

Na imagem abaixo dar para perceber a questão da sexualidade e da provocação da

figura de Exu, nas palavras de Monique “a saliência, com todos os sentidos populares da

palavra, parece ser mesmo a marca registrada de exu”. (AUGRAS, 1996, p. 95). A

performance no ritual também traz alguns traços desta saliência. A provocação com risadas e

o toque com as mãos nos em parte dos corpos dos participantes, sentar no colo de homens e

mulheres que estão sentados observando, movimentar o tronco para frente do rosto de lhe

observa ao ponto de encostar seus seios na boca ao caminhar na roda do terreiro.

Fotografia 23 - Performance de Exu

Fonte: Produção do próprio autor.

O corpo é o meio de comunicação pelo qual o Orixá fala através da performance para

comunidade religiosa. Sendo assim o divino invade o corpo do médium tornando-o parte

integrante desta divindade, há por alguns momentos um diálogo profundo entre o Orixá e

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todos aqueles que estão presente no ritual possibilitando um pouco do axé dos deuses para os

mortais. O corpo (cavalo) não mais é um simples corpo e sim divino ao ponto de torna-se um

meio hierofânico por aquele que comungam da mesma realidade simbólica norteada e

vivenciada pelas narrativas místicas.

Certamente faltaram alguns orixás do panteão do terreiro, isso ocorreu devido os filhos

e filhas de santo não estarem presente nos momentos que participei da festa e fiz as filmagens.

Entendo que faz necessário etnógrafa alguns outros rituais para fundamentar ainda mais esta

pesquisa. Por esse motivo busquei transcrever os que fiz as filmagens e tirei mais fotografias.

No entanto, o que há de mais comum no terreiro Abassa Afro-brasileiro Lêgo Xapanã são os

caboclos e encantados e Erês. Nesse sentido que julguei necessário descrever suas

características performáticas e dialogar com a teoria.

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6 O TAMBOR: INSTRUMENTO SIGNIFICATIVO PARA PERFORMANCE

6.1 A IMPORTÂNCIA DO TAMBOR

O desenrolar da consolidação das religiões de matrizes africana no Brasil ocorreu em

um longo processo de ressignificação das práticas trazidas pelos negros africanos junto com

as dos chamados ‘colonizadores” em uma busca incessante de manter suas identidades diante

de desta nova realidade sócio histórica. Entre os variados meios de preservação das suas

práticas religiosas está a utilização dos tambores como espinha dorsal para o bom

desenvolvimento do ritual.

Não é, todavia Exu, o único intermediário entre os homens e os deuses. Os três

tambores do candomblé também o são: O “Rum”, que é o maior; o “Rumpi”, de

tamanho médio; e o “Lê”, que é o menor. Não são tambores comuns ou, como se diz

ali, tambores “pagãos”; foram batizados na presença de padrinho e madrinha, foram

aspergidos por água benta trazida da igreja, receberam um nome, e o círio aceso

diante deles consumiu-se até o fim. (...). Compreende-se por que razão os

instrumentos apresentam algo de divino, que impede que sejam vendidos ou

emprestados sem cerimônias especiais de dessacralização ou de consagração,

interessando-nos saber que somente por meio de músicas fazem baixar os deuses nas

carnes dos fiéis (BASTIDE, 2001, p. 34).

Os Atabaques são os principais instrumentos da música ritualista que movimenta o

terreiro, cuja execução é da responsabilidade dos Ogãs. Suas origens remonta a originalidade

da africanidade no terreiro e usados em quase todos rituais do Abassá, e junto com o Adjá são

utilizados para convocar os Orixás e possibilitar o elo entro sagrado e o corpo “possivelmente

pelo caráter predominantemente mágico”. (TUPINAMBÀ, 1973, p. 11). O Atabaque maior

tem o nome de Rum, o segundo tem o nome de Rumpi e o menor tem o nome de Le. Os

atabaques nos rituas afro-paraense são objetos sagrados. São usados quase que unicamente

nas dependências do terreiro, não saem para as ruas com os que são utlizados nas festas e

socias por bandas de musicas, pois estes são preparados exclusivamente para esse fim.

O tambor, no batuque, não é um mero instrumento destinado a acompanhar as

danças, e que pudesse ser substituído por outro qualquer. Ele tem um papel

preponderante na função, e múltiplas são as suas finalidades. Além de animar a

coreografia do candomblé, dar-lhe intensidade, graças o calor, é ele que invoca e faz

descer os orixás, trazendo-os para junto dos homens, através dos cavalos do santo,

pois esse é o motivo essencial da festa. (TUPINAMBÁ, 1973, p. 11).

A essência dos atabaques são feitas com os couros dos animais que são sacrificados

nas obrigações para os Orixás da qual a casa foi assentada. Só depois de passar pelos rituais é

que poderão ser usados no terreiro. O formato de um atabaque é feito de um cone bem

comprido em relação ao diâmetro, e pintados com cores e desenhos que o caracterizem, com

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cerca de vinte a vinte e cinco centímetros na parte superior e de dez a quinze centímetros na

extremidade oposta e apoiada no chão ou em artes de ferro.

Os tambores do terreiro Abassá foram utilizados pelo velho Bassú como instrumento

litúrgico e depois passados para o filho Orlando Bassú. Não há ritual no terreiro sem o toque

destes tambores. São tocados por pessoas chamadas de Abatazeiros, músicos especificamente

do sexo masculino e no geral possuem formação iniciática para ocupar essa função. É um

cargo de muita responsabilidade uma vez que bom toque possibilita o bom ritual, o que só

será possível com a performance adequada. Há também outros instrumentos litúrgicos que

auxiliam os tambores sagrados denominados de agogôs, xequerês ou aguês, e adjás mas estes

possuem importância secundária na orquestra litúrgica.

6.2 ABATAZEIROS: O SOM DA PERFOMANCE

A figura do abatazeiro dentro do terreiro é de suma importância para o desenrolar das

práticas durante o período do ritual. Este tem grande prestígio, se este, passou por suas

devidas formações durante o processo de obrigação durante sua vida no terreiro. No entanto, o

que fica claro é que não há um processo de ensino aprendizado metódico de repetição dos

toques durante sua formação, e sim, o dom que vem de berço e uma relação sentimento de

pertença com aquela prática.

Com os que tive oportunidade de conversar demonstram que sua permanência se deu

pelo encantamento da prática do toque do tambor. Fica perceptível tal característica de

encantamento nos diversos rituais que participei sempre há jovens de 15 a 18 anos, com

também, um jovenzinho de 9 anos filho do abatazeiro Romulo, que vem acompanhar seu pai

nos rituais, enquanto os outros fazem parte da vizinhança. Há três oficias abatazeiros que

ficam responsáveis pelo ritual. Romulo, Wanderson e Fabricio. Todos estão presentes no

terreiro desde dos 8 a 9 anos de idade, pois seus familiares faziam parte da casa o que

possibilitou, quando criança, uma aproximação com as práticas do terreiro.

O que dá para perceber na relação entre os Abatazeiros mais velhos e os jovens que

ficam ao lado só observando é que o ensinamento vem pela observação do ritual. Como são

várias as doutrinas cantadas no ritual tende o mais velho possibilitar os mais novos tocar

certas doutrinas já quase perto do ritual. Os mais velhos ficam observando a atuação dos

pupilos ao ponto de repreender em meio ao toque os equívocos na hora da performance.

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6.3 A PERFORMANCE DOS ABATAZEIROS E O SOM QUE DÁ VIDA AO RITUAL

Sua performance no toque dos tambores é que possibilitará o bom desenvolvimento do

ritual. Quase sempre sua formação vem através do dom que recebera desde de criança

“cheguei aqui com nove anos e fui logo pra perto dos tambores, foi o que me identifiquei

logo, sabe... coisa de dom, mesmo” (Entrevista com Romulo Silva no dia no dia 08/01/14).

Romulo é a figura mais importante dos abatazeiros da casa, pois é a pessoa responsável por

todos os objetos litúrgicos do terreiro. Sua função é preparar os objetos que serão utilizados

na festa, como também, mantê-los sempre limpo e pronto para uso.

Fotografia 24 – A figura masculina e a utilização dos instrumentos litúrgicos

Fonte: Produção do próprio autor.

A foto mostra alguns desses instrumentos litúrgicos como: a cabaça logo a frente dos

tamboreiros sendo tocadas por dois filhos de santo da casa, o tambor Rum localizado do lado

direito, o tambor Lê no centro e o tambor Rumpi do lado esquerdo. Suas performances são

norteadas por um instrumento significativo chamando de Agogô ou Gã que é composto de

duas ou três campânulas presas por uma haste de ferro, pertence ao Orixá Ogum. Pode ser

composto de duas ou três campânulas presas por uma haste de ferro, pertence ao Orixá Ogum

e por isso é o primeiro instrumento que deve ser tocado nas liturgias dos cânticos.

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Como é um objeto sagrado, antes do seu uso deve passar por rituais litúrgicos de

consagração, isso implica banho de folha, ervas, sacrifícios vegetais, animais e minerais para

adquirir o (axé) "força vital" no sentido de interferir no transe dos iniciados. Este é o primeiro

instrumento tocado e só pode ser feito por homens que possuem um cargo no terreiro, assim

como, no entanto, percebi que nos rituais no Abassa não leva se em conta tal hierarquia na

hora do ritual.

Rum, segundo a tradição e Pai Bassú, é o tambor de som mais grave. É o tambor que

conta as histórias das divindades, através da marcação dos passos do dançarino e da

performance dos braços dos abatazeiros, acompanha as notas da melodia das doutrinas. O

grave é o chão, é onde está firmada a comunhão da música com a Terra, ou com aquilo que é

firme e difícil de se modificar, de se mover. Por esse mesmo motivo, os sons graves

pertencem à memória e à tradição. O Rumpi tem o som mais leve do ritual e o Lê tem o som

mais agudo, no entanto a necessidade dos três para o equilíbrio do ritual.

Antes de tudo, podemos dizer que a essência do Batuque é o “tambor de caboclo”,

pois os rituais do Batuque que desfrutam de maior popularidade entre os adeptos e

os apreciadores são os “tambores” em que os espíritos chamados de “caboclos”

baixam para os médiuns e comunicam com os assistentes. Assim sendo, os cultos

sem os “caboclos” ou sem os “tambores” não tem graça, faltando-lhes alguma coisa

indispensável do ponto de vista dos adeptos. E é no Mina-Nagô que eles encontram

esses elementos essenciais em forma mais completa. (FURUYA, 1986, p. 42).

O tamboreiro não é acometido pelo transe já que seu papel é possibilitar a

musicalidade para o transe e o equilíbrio do ritual, mas a sua performance é de suma

importância para o transe dos demais filhos de santo. É através da performance musical e o

toque do Agogô que as entidades passam a baixar no terreiro, como também, a performance

do orixá é norteada pelo ritmo que brota dos tambores, dando este, sincronia e ritmo na dança

possibilitando o corpo externar a experiência com o sagrado para a comunidade.

O agogô é quem chama os tambores e é quem vai nortear a intensidade do toque,

assim com, quem vai puxar as doutrinas. A performance do tamboreiros varia conforme as

doutrinas passam a ser cantadas. Existem toques específicos para cada Orixá que baixam no

terreiro, por exemplo, Exu é o Adarrum, Oxalá é Aguerê 2. Xangô é Alujá, Ogum é Adarrum,

Oxóssi é Adarrum, Omulu é Opanijé, Obaluaê é Olubajé, Iemanjá é Aguerê 2, Oxum é

Aguerê 1, Iansã é Adarrum, Nanã Buruku é Alujá e Oxúm é Aguerê 2. Já caboclos é

praticamente o Adarrum.

Os orixás expressam suas características através dos ritmos particulares, criando um

momento musical em que elas se tornam inteligíveis e plenas de sentido religioso. A

sincronia entre dança, cores e ritmo é tão perfeita que é possível entender o orixá

como esse conjunto de cor, ritmo e movimento. (AMARAL, 2005, p. 54).

Page 91: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

90

Todo o ritual começa com o Aguerê 1 que se caracteriza por um toque mais lento e

cadenciado, há o Aguerê 2 que tem o toque um pouco mais acelerado, mas ainda lento e o

Aguerê 3 que já é totalmente acelerado. Há também o Adarrum que é toque acelerado em

especial para caboclos e Orixás mais novos, o Alujá e Opanijé são toques acelerado e Olubajé

que é mais lento. Determinada momento acontece a virada onde a performance dos

abatazeiros mudam de toque e que norteada no desenrolar do ritual e para quem esteja

cantando.

As primeiras doutrinas que são para orixás por isso que possuem uma suavidade, e se

utiliza Aguerê 1, pois os que estão girando, movimentem seus corpos com leveza e harmonia

física nos braços, das pernas, cabeça e tronco. Este momento caracteriza-se pela clareza e

consciência dos movimentos corporais. Seus corpos passam a dar vida às doutrinas, como

também, é marcado pelo sorriso nos rostos dos participantes, conversas paralelas, brincadeiras

por causa do calor e sussurros com breves risadas e que se intensificam quando há uma

pequena pausa ao passar para outra doutrina.

Dança, música, adornos e vestimentas apresentam-se interligados nos rituais de

candomblé e Mina. A dança ritual vincula-se diretamente a manifestação dos deuses,

sendo o transe estimulado pelo ritmo e pelas cantigas. Não só o indivíduo praticante

da religião dança ou canta; a própria divindade assim se expressa e se apresenta,

determinando a essencialidade desses elementos para realização do ritual. (COSTA

DE PAIVA, 2009, p. 71).

Seus corpos passam a se movimentar conforme as doutrinas são cantadas pelo Pai de

Santo e repetidas pelos que estão girando no centro do terreiro. O movimento segue um ritmo

sincronizado dos atabaques, braços de um lado para ou outro seguindo o ritmo do tronco e da

cabeça. Este movimento só é quebrado quando há uma doutrina cantada ao ritmo do Aguerê 3

e Adarrum no toque para Orixá e na virada para caboclo.

Este movimento é realizado por quase todos os participantes, no entanto, os mais

“velhos no santo” ou nas palavras de Ioan Lewis “mestres dos espíritos” (LEWIS, 1971, p.

61) já não o fazem os mesmos movimentos dos corpos dos mais “novos no santo” há uma

espécie de preservação de sua movimentação corporal ou uma maior posição na hierarquia e

só o faz quando necessário ou simplesmente caminha suavemente em meio aos ritmos mais

dançantes. Sua suavidade no andar e sua postura no início do ritual demonstra uma maior

relação com as entidades.

Trata-se de uma linguagem constituída por códigos experimentados pelo e no corpo.

Entender tais códigos significa poder entender o que está sendo dito (não como

símbolo de grafia ou fala, mas com símbolos visuais) durante as cerimônias. A

linguagem partilhada pelo grupo assume a forma de imagens, a partir das quais o

próprio sentido é partilhado e negociado entre seus membros. (COSTA DE PAIVA,

2009, p. 71).

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91

Há uma espécie de valorização de sua imagem diante dos mais novos quando ao

caminhar na roda e demonstrar através do corpo ereto e do pouco balançar dos braços e de

ainda a suavidade do remexer de suas pernas. O que me parece que só é possível estes

movimentos pelos que possuem uma história de íntima relação com o sagrado representado

nas entidades que baixam nos terreiros.

Pernas e as mãos são as partes do corpo mais responsáveis pela marcação rítmica da

dança; e, por esta razão, são as partes do corpo que merecem mais atenção durante o

aprendizado da “baia”. As mãos deverão estar sempre descontraídas, quase fechadas.

Mesmo que o médium esteja “incorporado”, dificilmente elas assumirão outra

posição. Em alguns casos elas penderão dobradas nos pulsos, ligeiramente em

concha. Quanto as pernas, estas quase não se movimentarão: cumprirão apenas os

deslocamentos dos diversos passos, e nunca estarão completamente retesadas.

Mesmo estando o dançarino parado, elas deverão ficar ligeiramente “en plie”,

dobradas na articulação dos joelhos. (VERGOLINO, 1965, p. 49).

Muitas das características performáticas na hora do transe no centro do terreiro são

embrenhadas do que é mais comum nos mitos. Desde sua preparam antes do transe até a sua

vivência na hora do ritual leva-se em conta a relação do mito de fundação, ressignificação

vivenciada pelo homem religioso e pela comunidade religiosa do qual faz parte na questão da

identidade simbólica. A interferência do mito na performance torna-se visível com a

performance do abatazeiro, pois este toca os ritmos diferenciados para cada entidade levando

em consideração suas características físicas e psicológicas descritas nos mitos de origem.

No Candomblé e na Mina a linguagem se fundamenta na narrativa mítica. A escolha

de cada elemento que compõe essa produção de imagens, em especial, os gestos da

dança, encontrará sua explicação no mito que narra a história de cada Orixá, criando

uma espécie de órbita em que o sentido pode movimenta-se. A divindade executa

movimentos que celebram seus feitos, narrando suas histórias. A forma é embasada

pelo conteúdo mítico”. (COSTA DE PAIVA, 2009, p. 72).

Aqui está a razão da importância de instrumentos litúrgico para o processo do transe e

sua manifestação na performance corporal no Xirê. O Agogô e seus aparentados, o mais

agudo de uma orquestra ritual e o instrumento de a perda ou não da consciência para o transe,

como também o clássico Adjá, que ao ser agitado acima das cabeças dos filhos de santo

chamam para o seu corpo o Orixá, para alguns o som agudo do Adjá que vem de cima. As

cabaças e os tambores dão fundamentos músicas para o transe. O Orixá baila e fala pelo corpo

do filho de santo, assim com os Erês tornam-se porta voz dos Orixás, assim também o corpo

performático na gira.

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92

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há com discutir o quanto faz necessário novas pesquisas em torno das religiões de

matriz africana em terras paraenses. O objeto de análise das regiões de matriz africana na

Amazônia pode ser norteado todos os paradigmas possíveis, tanto nas ciências humanas, com

também, nas chamadas ciências objetivas. Este trabalho norteado pela Antropologia

Interpretativa e fenomenologia fez um corte especifico no que tange o corpo como morada do

sagrado imanente na ritualística do Tambor de Mina.

Analisar as religiões de matriz africana na Amazônia com algo pronto e com conceitos

definidos em relação as outras regiões do país, talvez nos tornemos generalistas de mais,

como também, analisar apenas pelo lado essencialista, nos tornaremos reducionistas. Fato é,

que o campo sempre será o grande norteador para fundamentação da pesquisa dessas religiões

na Amazônia. Este trabalho não se preocupou em analisar as interfaces do sincretismo que

ocorre nos rituais, digo isso, justamente pelo fato de que qualquer pesquisador que adentre em

um terreiro de Belém, perceberá o quanto é difícil delimitar esta linha de conceito do que é, e

o que caracteriza, uma religião.

O Tambor-de-Mina do em Belém tem algumas características advinda da tradição

maranhense que continuam sendo observadas nos dias atuais, como também, significativas

ressignificações com a cultura paraense. Apesar de existir vários terreiros que foram fundados

por pais de santo com tradição dos africanos do Maranhão, os terreiros de Mina em Belém,

além de não terem uma genealogia africana, uma das principais características são caboclas,

no terreiro Legô Saponnã, tal característica é pertinente.

Orixás, Caboclos e Erês são as entidades que mais representam a religiosidade dos

mineiros no Pará. Este trabalho buscou relacionar algumas performances como instrumento

de manifestação do sagrado. Essas manifestações foram analisadas fazendo relação com os

mitos de origem no que tange a figura de alguns Orixás e em especial a figura de Exu. Outras

foram analisadas apenas suas algumas características performáticas que tinham relação com a

identidade de cada entidade com fora o caso dos caboclos e dos Erês.

Compreender a relação do corpo como instrumento de morada do sagrado requer ainda

mais estudos voltados para análises fenomenológicas do objeto e suas peculiaridades. Minha

intenção é traçar um plano geral dessas características com intuito de continuar a pesquisa em

outro momento. É inevitável para tal perspectiva a parceria com a pesquisa de campo

detalhada e minuciosa de cada uma dessas entidades.

Na primeira parte de trabalho busquei destacar a dinâmica do processo dos estudos em

torno do objeto religião ao longo da história. Como também a parceria entre as ciências da

Page 94: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

93

religião com a antropologia simbólica e interpretativa. Já no segundo momento realizei uma

etnografia geral do terreiro e no terceiro momento destaquei a relação da fenomenologia

através do corpo como linguagem religiosa demonstrando algumas performances gerais de

entidades específicas do panteão da Mina presente no terreiro Abassá Afro-Brasileiro Lego

Saponnã dirigido pelo Babalorixá Orlando Bassú. Como também a figura do abatazeiro e sua

performance, o som que brota dos seus tambores com instrumento de ligação entre o sagrado

e o corpo do fiel auxiliando em sua experiência.

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94

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Page 98: Dissertao Djanderson Martins dos Santos.pdf

97

GLOSSÁRIO

ABASSÁ: casa onde realiza as festas ritualísticas.

ABEBE: uma espécie de legue utilizado pelos Orixás Ogum e Yemanjá.

ABIAN: aquele que inicia uma nova jornada em sua vida religiosa, pois começará a ter

contato com os segredos do terreiro.

ADÉ: uma espécie de coroa.

ADIE: galinha em Iorubá.

ADJÁ: instrumento litúrgico utilizado para chamar os Orixás.

AGOGÔ: primeiro instrumento litúrgico a ser tocado no ritual e pertencente ao Orixá Ogum.

AKUKO: galo em Iorubá.

AXÉ: representa a força vital dos Orixás.

AXÓ: vestimenta utilizada pelo filhos e filhas de Santo.

AXOGUM: o Ogãn da casa responsável pelo sacrifício dos animais.

BABALORIXÁ OU BABÁ: título que o sacerdote recebe depois de ter passado por todos os

preceitos e obrigações exigidas para formação da vida religiosa.

BARIBA: grupo étnico da atual Nigéria.

BUXUXU: comprimento diante dos mais velhos.

CANDOMBLÉ: a religião formada com as práticas ritualísticas trazidas pelos negros

africanos e o processo de ressignificação no Brasil.

CANDOMBLÉ KETU: grupos religiosos afro-brasileira que cultua os orixás da nação Ketu.

DECA OU DEKÁ: o diploma que o religioso recebe para exercer suas funções.

DOBALÉ: comprimento prescrito aos iniciados no terreiro.

EJÉ: sangue em Iorubá.

EKEDIS: é um cargo feminino com várias funções dentro do terreiro que variam com

cozinhar, auxiliar o Babá, e puxar as danças.

ELEGUM: palavra para denominar os iniciados no terreiro.

ENUM: espécie de espanador de boi sacrificado.

ERÊS: entidades crianças cultuadas nos terreiros afro-brasileiros e conhecidos com porta voz

dos Orixás.

FILÁ: uma espécie de chapel.

FILHO DE SANTO: nome dado ao membro que foi iniciado no Abassá.

GODOPÉ: cabra em Iorubá.

GUMA: o centro do terreiro na hora do ritual.

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IABASE: cozinheira que prepara as comidas dos Orixás.

IAÔ: filho de santo que foi recém iniciado no terreiro e ainda não pagou sua obrigação de e

um e sete anos.

IFÉ: uma antiga cidade Iorubá do sudoeste da Nigéria.

IGBÔS: uma das etnias que foram trazidas com os africanos escravizados para o Brasil.

ILÊ: casa onde realiza as festas ritualísticas.

MÃE PEQUENA: a segunda pessoa do terreiro e a primeira na ausência do Babalorixá ou

Yalorixá do Abassá e a pessoa responsável por resolver as pendências administrativas antes

de repassar ao Babá ou Baba.

NAÇÃO NAGÔ: povo que vive no sudeste da Nigéria, como também, caracterização dos

praticantes afro-religiosos que cultuam determinada nação dos Orixás que foram trazidos por

negros Nagôs durante o processo de escravidão.

OBRIGAÇÃO DE CABEÇA: nome dado a celebração onde ocorre a confirmação do Orixá

da pessoa.

OGÃN: as pessoas responsáveis pela manutenção do terreiro cada um com suas devidas

obrigações.

OGÃM ALABÊ: chefe dos Ogãns Nilu e um dos responsáveis em tocar o Agogô.

OGÂM KOLOFÉ: chefe dos atabaques.

OGÃM NILU: tocador de atabaque.

OMIM: água para Orixá.

OPO: termo que configura uma espécie de pilastra.

ORIXÁ: entidades trazidas pelos negros africanos, no processo de escravidão, e que passaram

a ser cultuadas no Brasil.

OSSÉ: é o banho no assentamento do Orixá.

OTA: pedra sagrada dos Orixás.

PADÊ: oferenda ao Orixá Exu antes do início do ritual.

PAI PEQUENO: a segunda pessoa do terreiro e a primeira na ausência do Babalorixá ou

Yalorixá da Abassá e a pessoa responsável por resolver as pendências administrativas antes de

repassar ao Babá ou Baba.

PAXOXÔ: Bastão de metal.

PEJI: casa do santo ou local onde são feitos os assentamentos dos orixás.

RONCÓ: espaço sagrado onde ficam recolhidos os iniciados no Candomblé e o local onde se

dar de comer aos Orixás.

SELADORA: nome dado a pessoa responsável pelo terreiro.

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99

TAMBOR DE MINA: uma manifestação religiosa afro-brasileira típica do Maranhão onde se

cultua Voduns, Orixás, Caboclos entre outras entidades.

TERREIRO: um dos nomes para designar o local de culto das religiões afro-brasileiras.

TOQUE: nome dado a musicalidade do terreiro na hora do ritual.

XARARÁ: uma espécie de cetro de mão feito de nervura de palha do dendezeiro enfeitados

com búzios e contas.

XIRÊ: termo utilizado para denominar a sequência das doutrinas cantadas no ritual.

VODUNS: são entidades cultuadas pelo panteão Jeje.

YALORIXÁ O BABA: título que a sacerdotisa recebe depois de ter passado por todos os

preceitos e obrigações exigidas para formação da vida religiosa.

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100

ANEXOS

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101

ANEXO A - Fotografia festa da caranguejada

Fonte: Produção do próprio autor.

ANEXO B – Fotografia festa da caranguejada

Fonte: Produção do próprio autor.

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102

ANEXO C – Fotografia dos tamboreiros como espaço masculino

Fonte: Produção do próprio autor.

ANEXO D – Fotografia do filho de um dos tamboreiros

Fonte: Produção do próprio autor.

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103

ANEXO E – Fotografia de Orlando Bassú incorporado pelo Orixá Ogun

Fonte: Produção do próprio autor.

ANEXO F – Fotografia de Orlando Bassú em atendimento espiritual

Fonte: Produção do próprio autor.

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104

ANEXO G – Fotografia do ritual de virada para caboclo

Fonte: Produção do próprio autor.