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Direitos Humanos – Ponto 2 – As Gerações de Direitos Por Cláudio Dias Lima Filho (5ª Região – Bahia) Conteúdo 2.1. Quadro Sinótico......................................................1 2.2. A Classificação Doutrinária..........................................1 2.3. Críticas à Noção de “Dimensões” ou “Gerações” de Direitos Fundamentais ..........................................................................3 2.3.1. Origens da concepção.............................................3 2.3.2. Substituição X acumulação de uma “geração” por outra.............3 2.3.3. A historicidade dos direitos fundamentais mal retratada..........4 2.3.4. Falsa dicotomia..................................................4 2.3.5. A indivisibilidade dos direitos fundamentais.....................5 2.4. Concepções alternativas – “os novos direitos”........................6 2.4.1. O objeto dos direitos fundamentais de “quinta dimensão”..........6 2.4.2. Os Direitos da Vida Digital......................................6

Direitos Humanos – Ponto 2 – As Gerações de Direitos

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Direitos Humanos – Ponto 2 – As Gerações de Direitos

Por Cláudio Dias Lima Filho (5ª Região – Bahia)

Conteúdo2.1. Quadro Sinótico..............................................................................................................................................1

2.2. A Classificação Doutrinária.............................................................................................................................1

2.3. Críticas à Noção de “Dimensões” ou “Gerações” de Direitos Fundamentais..................................................3

2.3.1. Origens da concepção..............................................................................................................................3

2.3.2. Substituição X acumulação de uma “geração” por outra........................................................................3

2.3.3. A historicidade dos direitos fundamentais mal retratada........................................................................4

2.3.4. Falsa dicotomia........................................................................................................................................4

2.3.5. A indivisibilidade dos direitos fundamentais...........................................................................................5

2.4. Concepções alternativas – “os novos direitos”...............................................................................................6

2.4.1. O objeto dos direitos fundamentais de “quinta dimensão”....................................................................6

2.4.2. Os Direitos da Vida Digital.......................................................................................................................6

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2.1. Quadro Sinótico

Origens do Conceito: Princípios de Convivência e de Justiça.

Marcos: Código de Hamurábi; Profetas Judeus; influência de Buda e Confúcio; Gregos e Romanos; Cristianismo

1a Geração 2a Geração 3a Geração 4a Geração

Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta)

Declaração da Virgínia (Estados Unidos/1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França/1789) Constituição Mexicana (1917) e Constituição Russa (1919) Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU/1948) e Declaração Universal dos Direitos dos Povos (1976) Direitos a uma vida saudável, em harmonia com a natureza, abrangendo as gerações futuras; Princípios ambientais e de desenvolvimento sustentável; Carta da Terra ou Declaração do Rio (ECO/1992)

Direitos negativos (não agir) Direitos a prestações

Direitos civis e políticos: liberdade política, de expressão, religiosa, comercial.

Direitos sociais, econômicos e culturais Direito ao desenvolvimento, ao meio-ambiente sadio, direito à paz Direito à informação, à democracia direta e ao pluralismo. Direitos individuais Direitos de uma coletividade Direitos de toda a Humanidade

Estado Liberal Estado social e Estado democrático e social

2.2. A Classificação Doutrinária

BANCA: Este tópico é baseado no artigo

“A Fundamentação e o Reconhecimento dos Direitos Humanos”, de Xisto Tiago de Medeiros Neto, disponível no sítio www.prt21.gov.br/doutr16.htm.

A primeira geração é identificada a partir do final do século XVIII, voltando-se para as liberdades públicas, em reação ao sistema despótico e ao arbítrio governamental imperantes. A segunda geração, observada após a Segunda Guerra Mundial, inclina-se para o reconhecimento dos direitos sociais e econômicos, com inspiração no princípio da igualdade, em face dos problemas decorrentes dos desníveis econômicos da sociedade, geradores da denominada questão social. A terceira geração, realçada na sociedade contemporânea, descortina os direitos de solidariedade, reconhecidos como o direito à paz, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade, à comunicação e à autodeterminação dos povos, direcionando-se contra a deterioração da qualidade da vida humana. Uma parte da doutrina (nesse sentido: PAULO BONAVIDES), já menciona e identifica nesta classificação os direitos de quarta geração.

O Ministro CELSO DE MELLO aduz: "enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis ou políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humaos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF-Pleno-MS n.º 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17-11-1995, p. 39.206).

Os direitos fundamentais próprios desta geração (a primeira) são caracterizados pelo estabelecimento, relativamente ao Estado, de um dever de abstenção. Portanto, segundo a classificação dos direitos fundamentais quanto à prestação estatal, adotada por PONTES DE MIRANDA, são direitos fundamentais negativos (aqueles que determinam um ‘non facere’ ou uma prestação negativa por parte do Estado e o comprometimento, do organismo estatal, de assegurar a sua inviolabilidade, de maneira que são correlatos a obrigações de conduta passivas e a sua violação consiste, necessariamente, em uma atuação).

A segunda geração é determinada pela Revolução Industrial e a urbanização do século XIX na Europa, em um meio de opressão e exploração das classes operárias ou nas áreas que relutavam em manter o ignóbil

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sistema da escravidão. São os chamados direitos da igualdade, hoje ampliados consideravelmente e conhecidos como direitos econômicos, sociais e culturais. Consoante a classificação dos direitos fundamentais quanto à prestação estatal, são direitos fundamentais positivos (aqueles que determinam um ‘facere’ ou uma prestação positiva por parte do Estado, decorrendo da classe e técnica da igualdade, acentuando-se na medida em que esta é obtida, de modo que são correlatos a obrigações de conduta ativas e sua violação consiste, obrigatoriamente, em uma não atuação).

No presente século, ante novas realidades de opressão, surgem os direitos de terceira geração, ou seja, os direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, ao desenvolvimento, à co-participação do patrimônio comum do gênero humano, à autodeterminação dos povos, à comunicação e os direitos dos consumidores. Tais direitos correspondem aos direitos difusos ou direitos fundamentais de terceira geração, gestação ou dimensão, também denominados de novíssimos direitos ou direito de fraternidade ou solidariedade, característicos da proteção internacional dos direitos fundamentais. Os direitos de solidariedade ou fraternidade, cuja origem encontra-se no Direito Internacional, são dotados de cunho humanista e universalista, tendendo, contemporaneamente, a cristalizar-se, estando em vias de consagração no Direito Constitucional.

Sobre a consagração, a partir da década de 1960, dos direitos da terceira geração, baseados na solidariedade, anota Canotilho que "pressupõem o dever de colaboração de todos os Estados e não apenas o atuar ativo de cada um e transportam uma dimensão colectiva justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos. Por vezes, estes direitos são chamados direitos de quarta geração. A primeira seria a dos direitos de liberdade, os direitos das revoluções francesa e americana; a segunda seria a dos direitos democráticos de participação política; a terceira seria a dos direitos sociais e dos trabalhadores; a quarta a dos direitos dos povos. A discussão internacional em torno do problema da autodeterminação, da nova ordem econômica internacional, da participação no patrimônio comum, da nova ordem de informação, acabou por gerar a ideia de direitos de terceira (ou quarta geração): direito à autodeterminação, direitos ao patrimônio comum da humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à comunicação, direito à paz e direito ao desenvolvimento.

Na visão de Georg Jellinek, a ampliação do conteúdo dos direitos fundamentais revela quatro estágios de afirmação. O primeiro, correspondente ao status subjectionis, em que o destinatário da norma posta-se em uma situação jurídica subjetiva eminentemente passiva; o segundo, equivalente ao status libertatis, em que há o resguardo quanto à intromissão imotivada do Estado na esfera jurídica individual, impondo-se uma prestação de cunho negativo; o terceiro, cunhado de status civitatis, em que se possibilita exigir uma prestação positiva do Estado para a asseguração de direitos; o quarto, respeitante ao status activae civitatis, em que aos indivíduos se garante a participação na formação da vontade política. Um quinto estágio enseja ser considerado, graças à formulação de ENRIQUE PEREZ LUÑO, pois pertinente ao status positivus socialis, no qual se reconhece e garante os direitos de natureza social, do que decorreu, em seguida, o reconhecimento dos direitos de solidariedade ou fraternidade.

A quarta geração abarcaria o direito à democracia, condição essencial para a concretização de tais direitos. Mais do que um sistema de governo, uma modalidade de Estado, um regime político e uma forma de vida, a democracia, nesse final de século, tende a se tornar, ou já se tornou, o mais recente direito dos povos e dos cidadãos. Para PAULO BONAVIDES (Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998), o direito à democracia (direta), o direito à informação e o direito ao pluralismo comporiam a quarta geração dos direitos fundamentais, “compendiando o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos” e, somente assim, tornando legítima e possível a tão temerária globalização política.

Importante observar que o texto do Prof. Xisto, acima resumido, traz posições um tanto anacrônicas a respeito do tema. A moderna doutrina critica várias das concepções lançadas por ele, assunto a ser tratado a seguir.

2.3. Críticas à Noção de “Dimensões” ou “Gerações” de Direitos Fundamentais

2.3.1. Origens da concepção

FLÁVIA PIOVESAN (Temas de Direitos Humanos, São Paulo: Max Limonad, 1998) noticia as origens do termo. Segundo a autora, no ano de 1979, proferindo a aula inaugural no Curso do Instituto Internacional

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dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, o jurista Karel Vasak utilizou, pela primeira vez, a expressão “gerações de direitos do homem”, buscando, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos humanos com base no lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). De acordo com o referido jurista, a primeira geração dos direitos humanos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté). A segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité). Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité).

O professor e Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, durante uma palestra que proferiu em Brasília, (Seminário Direitos Humanos das Mulheres: A Proteção Internacional, no sítio http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/Cancado_Bob.htm) comentou que perguntou pessoalmente para Karel Vasak por que ele teria desenvolvido aquela teoria. A resposta do jurista tcheco foi: “ah, eu não tinha tempo de preparar uma exposição, então me ocorreu de fazer alguma reflexão, e eu me lembrei da bandeira francesa”. Portanto, segundo Cançado Trindade, nem o próprio Vasak levou muito a sério a sua tese.

Mesmo assim, esse despretensioso discurso logo ganhou fama. Os juristas passaram a repeti-lo e até desenvolvê-lo, como, por exemplo, Norberto Bobbio, que foi um dos principais responsáveis pela sua divulgação.

A moderna doutrina compreende, porém, que a Teoria das Gerações dos Direitos Fundamentais não se sustenta diante de uma análise mais crítica, nem é útil do ponto de vista dogmático. Possui, contudo, grande valor didático, já que facilita o estudo dos direitos fundamentais, e simbólico, pois induz à idéia de historicidade desses direitos.

As críticas a essa Teoria estão logo abaixo, baseando-se no artigo “Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais”, do Prof. GEORGE MARMELSTEIN LIMA, disponível no sítio http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4666.

2.3.2. Substituição X acumulação de uma “geração” por outra

INGO WOLFGANG SARLET (A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003) aduz que o uso do termo “geração” pode dar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por exemplo, os direitos de liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante. O processo é de acumulação e não de sucessão. Além disso, a expressão pode induzir à idéia de que o reconhecimento de uma nova geração somente pode ou deve ocorrer quando a geração anterior já estiver madura o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos países ditos periféricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um nível minimamente satisfatório de maturidade dos direitos da chamada “primeira geração”.

Por causa disso, a teoria contribui para a atribuição de baixa carga de normatividade e, consequentemente, de efetividade dos direitos sociais e econômicos, tidos como direitos de “segunda geração” e, portanto, sem prioridade de implementação. Até em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, ainda não se aceita pacificamente a ideia de que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, apesar de inúmeras Constituições de Estados-membros consagrarem em seus textos direitos dessa espécie.

2.3.3. A historicidade dos direitos fundamentais mal retratada

A evolução dos direitos fundamentais não segue a linha descrita (liberdade igualdade fraternidade) em todas as situações. Nem sempre vieram os direitos da primeira geração para, somente depois, serem reconhecidos os direitos da segunda geração.

O Brasil é um exemplo claro dessa constatação histórica, bastando conferir a nossa história constitucional. Aqui, vários direitos sociais foram implementados antes da efetivação dos direitos civis e políticos. Na “Era Vargas”, durante o Estado Novo (1937-1945), foram reconhecidos, por lei, inúmeros direitos sociais, especialmente os trabalhistas e os previdenciários, sem que os direitos de liberdade (de

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imprensa, de reunião, de associação etc.) ou políticos (de voto, de filiação partidária) fossem assegurados, já que se vivia sob um regime de exceção democrática e a liberdade não saía do papel. Situação semelhante ocorreu/ocorre em Cuba e na China.

Além disso, no plano internacional, os direitos trabalhistas (ditos “sociais”) surgiram primeiro do que os direitos de liberdade, bastando lembrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada logo após a I Guerra Mundial para uniformizar, em nível global, as garantias sociais dos trabalhadores, surgiu antes da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse modo, vários tratados reconhecendo direitos sociais foram editados no começo do século XX (1920/1930), ao passo que a Declaração Universal dos Direitos do Homem somente foi editada em 1948.

Por fim, outra afirmação que historicamente não traduz totalmente a verdade é a de que a postura do Estado Liberal sempre foi uma postura meramente passiva. Essa é apenas uma meia verdade, pois, no campo da repressão, o Estado liberal foi bastante ativo, extrapolando, muitas vezes, a proclamada condição de espectador, colocando-se ao lado dos detentores do capital na repressão aos trabalhadores. Quando a liberdade (no caso, a liberdade de reunião, de associação e de expressão) representava uma ameaça ao status quo, o Estado deixava de lado a doutrina do laissez-faire, passando a agir, intensamente, em nome dos interesses da burguesia.

2.3.4. Falsa dicotomia

Também é equívoco grave considerar que os direitos de primeira geração são direitos negativos, não onerosos, enquanto os direitos de segunda geração são direitos a prestações. Essa visão, certamente influenciada pela classificação dos direitos por status, desenvolvida por GEORG JELLINEK (citado, aliás, pelo artigo do Prof. Xisto, acima), considera, em síntese, que os direitos civis e políticos (direitos de liberdade) teriam o status negativo, pois implicariam em um não agir (omissão) por parte do Estado; os direitos sociais e econômicos (direitos de igualdade), por sua vez, teriam um status positivo, já que a sua implementação necessitaria de um agir (ação) por parte do Estado, mediante o gasto de verbas públicas.

É um grande erro pensar que os direitos de liberdade são, em todos os casos, direitos negativos, e que os direitos sociais e econômicos sempre exigem gastos públicos. Na verdade, todos os direitos fundamentais possuem uma enorme afinidade estrutural. Concretizar qualquer direito fundamental somente é possível mediante a adoção de um espectro amplo de obrigações públicas e privadas, que se interagem e se complementam, e não apenas com um mero agir ou não agir por parte do Estado.

Um exemplo de como a teoria seria “caolha”: o direito à saúde, que é um direito social, e, portanto, de segunda geração, teria, na classificação tradicional, status positivo. No entanto, esse direito não é garantido exclusivamente com obrigações de cunho prestacional, em que o Estado necessita agir e gastar verbas para satisfazê-lo. O direito à saúde possui também facetas negativas como, por exemplo, impedir o Estado de editar normas que possam prejudicar a saúde da população ou mesmo evitar a violação direta da integridade física de um cidadão pelo Estado (o Estado não pode agir contra a saúde dos cidadãos). Além disso, nem todas as obrigações positivas decorrentes do direito à saúde implicam gastos para o erário. Por exemplo, a edição de normas de segurança e saúde no ambiente de trabalho não implica qualquer gasto público, pois quem deve implementar tais medidas são, em princípio, as empresas privadas (cf., a respeito, INGO WOLFGANG SARLET, Algumas Considerações em Torno do Conteúdo, Eficácia e Efetividade do Direito à Saúde na Constituição de 1988. In: Interesse Público n. 12, São Paulo: Nota Dez, 2001).

Há, ainda, vários outros direitos sociais (de greve e de sindicalização, para mencionar apenas dois) cuja nota mais marcante é precisamente um não-agir estatal. Igualmente, há vários direitos ditos de primeira geração (direito de petição e de ação, direito ao devido processo, direito dos presos a um tratamento digno etc.) cujo cumprimento somente ocorrerá através da adoção de medidas positivas (agir) por parte do Estado.

Na verdade, somente pelo contexto histórico há sentido em distinguir os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Do ponto de vista estrutural e funcional, todos esses direitos se equivalem e se completam, numa relação de interdependência.

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2.3.5. A indivisibilidade dos direitos fundamentais

Como se observa, todas as categorias de direitos fundamentais, sejam os direitos civis e políticos, sejam os direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais, exigem obrigações negativas ou positivas por parte do Estado. Os direitos civis e políticos não são realizados apenas mediante obrigações negativas, assim como os direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais não são realizados apenas com obrigações positivas. É de suma importância tratar os direitos fundamentais como valores indivisíveis, a fim de não se priorizarem os direitos de liberdade em detrimento dos direitos sociais ou vice-versa.

Essa indivisibilidade dos direitos fundamentais exige que seja superada essa ideia estanque de divisão dos direitos através de gerações. E mais: exige que seja abominada a ideia de que os direitos sociais são direitos de segunda categoria, como se houvesse hierarquia entre as diversas gerações de direitos fundamentais, e que a violação de um direito social não fosse tão grave quanto a violação de um direito civil ou político.

2.3.6. “Dimensões” no lugar de “gerações”

Parte da doutrina recente (Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Bonavides) tem preferido o termo “dimensões” no lugar de “gerações”, afastando a equivocada idéia de sucessão, em que uma geração substitui a outra.

Há, no entanto, dúvidas a respeito da correção desta concepção, haja vista que os direitos fundamentais são indivisíveis. As outras desvantagens da Teoria, não ligadas apenas à questão de “substituição” de direitos, não são sanadas com a simples troca de vocábulo.

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais.

Veja-se, como exemplo, o direito à propriedade: na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), a propriedade tem seu sentido tradicional, de natureza essencialmente privada, tal como protegida no Código Civil; já na sua acepção social (segunda dimensão), esse mesmo direito passa a ter uma conotação menos individualista, de modo que a noção de propriedade fica associada à idéia de função social (art. 5º, inciso XXIII, da CF/88); por fim, com a terceira dimensão, a propriedade não apenas deverá cumprir uma função social, mas também uma função ambiental (a respeito: WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, Introdução ao Direito Processual Constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999).

2.4. Concepções alternativas – “os novos direitos”

2.4.1. O objeto dos direitos fundamentais de “quinta dimensão”

Os poucos que se arriscaram a tratar do tema não chegaram, ainda, a uma delimitação do que sejam tais direitos. Para o Prof. SYLVIO MOTTA, da EMERJ (cf. artigo Direitos Individuais E Coletivos, disponível no sítio http://www.ielf.com.br/webs/ielfnova/impressao1.cfm?origem=785&origemcaminho3=instituto) eles representariam os direitos advindos da realidade virtual, demonstrando a preocupação do sistema constitucional com a difusão e desenvolvimento da cibernética na atualidade, envolvendo a internacionalização da jurisdição constitucional em virtude do rompimento das fronteiras físicas através da "grande rede".

Segundo ele, os conflitos bélicos cada vez mais frequentes entre o Ocidente e o Oriente explicariam o quão urgente é a regulamentação de tais direitos, pois, a pretexto de integrar, a Internet acaba por servir ao propósito daqueles que pretendem destruir indiscriminadamente a cultura do Oriente e do Ocidente, promovendo uma uniformização dos padrões comportamentais norte-americanos em todo o planeta. Seria, assim, impostergável o reconhecimento jurídico efetivo dos direitos de quinta geração, cabendo aos operadores do Direito a busca de um caminho harmônico para sua implantação e regulamentação nacional e internacional.

Já o Prof. JOÃO PROTÁSIO FARIAS DOMINGUES DE VARGAS (UFRGS) evoca Norberto Bobbio para apresentar sua concepção de “direitos de quinta dimensão”: seria o direito de ter sentimentos e de reconhecer os sentimentos dos outros não foram consagrados nas gerações anteriores. Apesar de não

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dizê-lo de todo expresso, é o que Norberto Bobbio prega no último capítulo de sua obra, "A Era dos Direitos", ao dissertar sobre as "razões da tolerância", para além da mera racionalidade lógica e do sentido tradicional e moral dado ao termo.

O reconhecimento do dano moral ou psicológico, desvinculado do dano patrimonial, no entendimento dele, seria típico da quinta geração (ainda que a reparação possa ser aplicada às gerações anteriores), pois expressa o reconhecimento de um direito intrínseco à personalidade: o de ter e manter sentimentos, conceito que se vincularia à chamada “inteligência emocional” (cf. artigo Tentando Definir Direitos Humanos -Elementos Para Uma Teoria Geral, disponível em http://www.direito.ufrgs.br/pessoais/Protasio/tex/dh.htm#p5.1.2.5).

2.4.2. Os Direitos da Vida Digital

O Prof. HUGO CESAR HOESCHL (Pós-Doutor em Governo Eletrônico, Doutor em Inteligência Aplicada e Mestre em Direito pela UFSC) traz nova abordagem a respeito das “dimensões” dos direitos fundamentais, tendo como novo foco a “vida digital”, no artigo Os Conflitos e os Direitos da Vida Digital, disponível no sítio http://www.mct.gov.br/legis/Consultoria_Juridica/artigos/vida_digital.htm. A concepção, apesar de bem arrojada, comete o equívoco de conceber cada direito fundamental compartimentalizado numa “dimensão”. Mas, não obstante tal fato, optei por fazer constar, nesse resumo, tais noções.

Segundo o Prof. Hugo, “a primeira dimensão surge com a passagem do Estado de natureza para o estado civil. A segunda com a necessidade de regulamentação da vida privada, orientada pelos direitos civis. A terceira vem em razão das discussões sobre ampliação do exercício do poder, os direitos políticos. A quarta está ligada às questões de natureza coletiva, quando surgem os direitos sociais, influenciados pelo trabalho em massa. Os direitos difusos, principalmente nas questões ambientais e de consumo, provocaram uma nova aglutinação, de muito destaque na atualidade, sedimentando a quinta dimensão. Os temas ligados às questões da Bioética, como manipulação genética, transplantes de órgãos e hibridação homem/máquina, entre outros, motivam a sexta dimensão. Realidade Virtual, Inteligência Artificial e Internet são os principais acontecimentos ligados à telemática. Centralizam a discussão sobre o direitos de sétima dimensão. A armazenagem computacional e respectivo processamento estão ligados diretamente ao centro do problema. O último momento (até agora) é a inteligência”. Não há, porém, referência mais específica a respeito do que seria o direito fundamental DA ou À inteligência. Nem se, em sua concepção, seria tal fato ensejador da criação de uma nova dimensão de direitos: a oitava.

De sua concepção nota-se um desmembramento do que está consagrado na doutrina acerca do que seja primeira, segunda e terceira dimensões. Por isso, é arriscado esposá-la. É, no entanto, uma exposição arrojada e relevante, no que diz respeito aos direitos relacionados à bioética e telemática, pouco tratados, ainda, na doutrina, mas que merecem, desde já, a atenção dos operadores do direito, pois também essenciais à garantia da dignidade da pessoa humana.