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Universidade Estácio de Sá Direito Penal IV Concurso de Pessoas Aula I 1. INTRODUÇÃO. Conceito: O concurso de pessoas, também denominado de concurso de agentes, concurso de delinqüentes (concursus delinquentium) ou co-delinqüência, implica na concorrência de duas ou mais pessoas para o cometimento de um ilícito penal. Há quem denomine, ainda, o concurso de pessoas de co-autoria ou co-participação. Ocorre, no entanto, que essas expressões não são propriamente sinônimos de concurso de pessoas, mas sim espécies deste último, que abrange tanto a autoria quanto a participação. Aliás, esse foi o entendimento da própria comissão reformadora da parte geral do Código Penal, conforme pode se ver do item 25 da exposição de motivos:

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Universidade Estácio de Sá

Direito Penal IV

Concurso de Pessoas

Aula I

1. INTRODUÇÃO.

 Conceito:

 

O concurso de pessoas, também denominado de concurso de agentes,

concurso de delinqüentes (concursus delinquentium) ou co-delinqüência, implica na

concorrência de duas ou mais pessoas para o cometimento de um ilícito penal.

 

Há quem denomine, ainda, o concurso de pessoas de co-autoria ou co-

participação.

 

Ocorre, no entanto, que essas expressões não são propriamente

sinônimos de concurso de pessoas, mas sim espécies deste último, que abrange tanto a

autoria quanto a participação.

 

Aliás, esse foi o entendimento da própria comissão reformadora da

parte geral do Código Penal, conforme pode se ver do item 25 da exposição de motivos:

"Ao reformular o Título IV, adotou-se a denominação ‘Do Concurso de Pessoas’

decerto mais abrangente, já que a co-autoria não esgota as hipóteses de concursus

delinquentium".

 

Diferença entre concurso de agentes e concurso de crimes:

 

Não há que se confundir o concursus delinquentium (concurso de

pessoas) com o concursus delictorum (concurso de crimes) nem tampouco com o

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concursus normarum (concurso de normas penais). São três institutos penais totalmente

distintos, muito embora possam vir a se relacionar.

 

2. DEFINIÇÃO.

 

O Código Penal Brasileiro não traz exatamente uma definição de

concurso de pessoas, afirmando apenas no caput do art. 29 que "quem, de qualquer

modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua

culpabilidade".

 

O diploma penal pátrio dispõe, ainda, que "se a participação for de

menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço" (art. 29, § 1º),

bem como que "se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-

lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter

sido previsível o resultado mais grave" (art. 29, § 2º).

 

Conceituação Doutrinária:

 

Em nível doutrinário, tem-se definido o concurso de agentes como a

reunião de duas ou mais pessoas, de forma consciente e voluntária, concorrendo ou

colaborando para o cometimento de certa infração penal.

 

Deveras, é possível extrair pelo menos 4 (quatro) elementos básicos do

conceito de concurso de pessoas, quais sejam:

 

a)pluralidade de agentes e de condutas;

b)relevância causal de cada conduta;

c) liame subjetivo ou normativo entre as pessoas;

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d) identidade de infração penal.

 

Caso inexista qualquer desses requisitos não há que se falar em

concurso de pessoas.

 

2.1. Pluralidade de agentes e de condutas

 

A própria idéia de concurso é de pluralidade, portanto impossível falar

em concurso de pessoas sem que exista coletividade (dois ou mais) de agentes e,

conseqüentemente, de condutas.

 

Note-se, entretanto, que é necessário, até pelo primado maior da

culpabilidade (isto é, da responsabilização das pessoas "na medida de sua

culpabilidade"), que se diferencie o autor do mero partícipe.

 

2.2. Relevância causal de cada conduta.

 

Não basta a multiplicidade de agentes e condutas para que se tenha

configurado o concurso de pessoas; necessário se faz que em meio a todas essas

condutas seja possível vislumbrar nexo de causalidade entre elas e o resultado ocorrido.

 

Diz-se, nesse sentido, que a conduta de cada autor ou partícipe deve

concorrer objetivamente (ou seja, sob o ponto de vista causal) para a produção do

resultado. Ou, ainda, que cada ação ou omissão humana (conduta) deve gozar de

importância (relevância), à luz do encadeamento causal de eventos, para a verificação

daquele crime, contribuindo objetivamente para tanto.

 

Desse modo, condutas irrelevantes ou insignificantes para a existência

do crime são desprezadas, não constituindo sequer participação criminosa; deve-se

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concluir, nesses casos, pela não concorrência do sujeito para a prática delitiva. Isso,

porque, a participação exige mínimo de eficácia causal à realização da conduta típica

criminosa.

 

2.3. Liame subjetivo ou normativo entre as pessoas.

 

Necessário, também, que exista vínculo psicológico ou normativo entre

os diversos "atores criminosos", de maneira a fornecer uma idéia de todo, isto é, de

unidade na empreitada delitiva. Exige-se, por conseguinte, que o sujeito manifeste, com

a sua conduta, consciência e vontade de atuar em obra delitiva comum.

 

"Nos crimes dolosos, os participantes devem atuar com vontade

homogênea, no sentido de todos visarem a realização do mesmo tipo penal. A esse

fenômeno dá-se o nome de princípio da convergência". [01] Neste ponto, é preciso

explicar que a exigência de liame ou vínculo subjetivo não significa a necessidade de

ajuste prévio (pactum sceleris) entre os delinqüentes. Não se exige conluio, bastando

que um agente adira à vontade do outro.

 

Forçosa é a conclusão de Rogério Greco, ao afirmar que "se não se

conseguir vislumbrar o liame subjetivo entre os agentes (crimes dolosos), cada qual

responderá, isoladamente, por sua conduta". Exemplifica o autor: "No caso clássico em

que A e B atiram contra C, sendo que um deles acerta mortalmente o alvo e o outro erra,

não se sabendo qual deles conseguiu alcançar o resultado morte, dependendo da

conclusão que se chegue com relação ao vínculo psicológico entre os agentes, as

imputações serão completamente diferentes". Vejamos as duas conclusões possíveis

trazidas pelo eminente professor Greco:

 

"Se dissermos que A e B agiram unidos pelo liame subjetivo, não

importará saber, a fim de condená-los pelo crime de homicídio, qual deles,

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efetivamente, conseguiu acertar a vítima, causando-lhe a morte. Aqui, o liame subjetivo

fará com que ambos respondam pelo homicídio consumado";

 

"Agora, se chegarmos à conclusão de que os agentes não atuaram

unidos pelo vínculo subjetivo, cada qual deverá responder pela sua conduta. No caso em

exame, não sabemos quem foi o autor do resultado morte. A dúvida, portanto, deverá

beneficiar os agentes, uma vez que um deles não conseguiu alcançar o resultado morte,

praticando, assim, uma tentativa de homicídio. Dessa forma, ambos deverão responder

pelo crime de homicídio tentado". [02]

 

Frise-se que ausente o liame subjetivo entre os agentes de crime doloso

não há falar em concurso de pessoas; pode haver, na espécie, a depender das

circunstâncias do caso concreto, autoria colateral ou incerta ou desconhecida, mas

nunca co-delinqüência.

 

Quanto aos delitos culposos, em que pese antiga divergência sobre a

possibilidade de concurso de pessoas, modernamente tem se admitido, com certa

tranqüilidade, que alguém possa conscientemente contribuir para a conduta culposa de

terceiro, residindo o elemento vontade na realização da conduta, e não na produção do

resultado.

 

Observe que, aqui, diferentemente do concurso de pessoas no crime

doloso, o binômio consciência e vontade não repousa sobre o objetivo de alcançar fim

criminoso comum (isto é, de praticar certo crime), mas sim de realizar a conduta

culposa, manifestada na imprudência, imperícia ou negligência. Por isso, importante

diferenciar o liame subjetivo, que existe no concurso de pessoas em crimes dolosos, do

vínculo normativo, apresentado em face dos crimes culposos.

 

2.4. Identidade de infração penal.

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Este, que é o quarto e último requisito, representa, na verdade, assim

como o primeiro, mera obviedade. Aliás, Damásio afirma tratar-se a "identidade de

infração para todos os participantes" não propriamente de um requisito, mas sim de

verdadeira "conseqüência jurídica diante das outras condições". [03]

 

De fato, impossível falar em concurso de pessoas se a concorrência

criminosa, envolvendo dois ou mais agentes, cada um com sua conduta, interligados, no

entanto, por vínculo subjetivo, não se destinar à prática de certa e determinada infração

penal.

Enfim, a unidade de infração penal apresenta-se, conforme o

posicionamento adotado:

 

a) como requisito indispensável ao concurso de pessoas;

 

b) como produto lógico-necessário em face do concurso de agentes.

Destaque-se que a infração penal deve ser ao menos tentada, já que o

CP expressamente previu, no art. 31, que "o ajuste, a determinação ou instigação e o

auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega,

pelo menos, a ser tentado".

Importante mencionar que, à luz do princípio geral da unidade

incriminatória (teoria monista), expressamente consagrado no caput do art. 29 do CP,

tem-se que, uma vez reconhecido o concurso de pessoas, todos (autores e partícipes)

responderão pelo mesmo tipo penal, salvo raríssimas exceções pluralísticas.

 

 

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