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Universidade de Brasília - UnB Instituto de Ciências Humanas - IH Departamento de Serviço Social - SER Programa de Pós-Graduação em Política Social - PPGPS (Des) estruturação do trabalho e condições para a universalização da Previdência Social no Brasil Maria Lucia Lopes da Silva BRASÍLIA - DF 2011

(Des) estruturação do trabalho e condições para a universalização da PS no Brasil_Maria Lucia Lopes da Silva_TESE

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  • Universidade de Braslia - UnB

    Instituto de Cincias Humanas - IH

    Departamento de Servio Social - SER

    Programa de Ps-Graduao em Poltica Social - PPGPS

    (Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da

    Previdncia Social no Brasil

    Maria Lucia Lopes da Silva

    BRASLIA - DF

    2011

  • II

    Universidade de Braslia - UnB

    Maria Lucia Lopes da Silva

    (Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da

    Previdncia Social no Brasil

    Braslia - DF

    2011

  • III

    Maria Lucia Lopes da Silva

    (Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da

    Previdncia Social no Brasil

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Poltica Social do

    Departamento de Servio Social da Universidade

    de Braslia - UnB como requisito para a obteno

    do ttulo de Doutora em Poltica Social.

    Orientadora: Prof. Dr. Ivanete Salete Boschetti

    Braslia - DF

    2011

  • IV

    MARIA LUCIA LOPES DA SILVA

    (Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da

    Previdncia Social no Brasil

    Tese de Doutorado aprovada em 24 de maro de 2011.

    BANCA EXAMINADORA:

    Prof. Dr. Ivanete Salete Boschetti

    Orientadora - SER/UnB

    Prof. Dr. Elaine Rossetti Behring

    Membro externo - UERJ/RJ

    Prof. Dr Marilda V. Iamamoto

    Membro Externo - UERJ/RJ

    Prof. Dr. Mrio Lisboa Theodoro

    Membro Titular - SER/UnB

    Prof. Dr. Rosa Helena Stein

    Membro titular - SER/UnB

    Prof. Dr. Evilsio Salvador

    Membro Suplente - SER/UnB

  • V

    Este trabalho dedicado s pessoas que mais amei e se foram durante a sua elaborao:

    Minha querida me, Adalgiza Lopes da Silva, cujo perfume ainda posso sentir;

    Meu amado pai, Raimundo Ferreira da Silva, principal incentivador e exemplo de vida; e

    O meu irmo, que docemente me chamava de filha, Joaquim Lopes da Silva.

    In memoriam.

  • VI

    AGRADECIMENTOS

    Esta tese no me pertence exclusivamente. Eu conduzi a sua elaborao, apoiada em

    trabalhos anteriormente feitos por estudiosos e pesquisadores, no afastamento remunerado do

    exerccio profissional, em orientaes acadmicas, em trabalhos de profissionais realizados

    com o fim especfico de enriquec-la, em uma conjugao de esforos e aes solidrias de

    familiares, de amigos e de companheiros de militncia, tudo meticulosamente articulado pelas

    energias universais que nos tornam UNO. Sob esta tica, agradeo aos que contriburam para

    que ela tivesse esta densidade material, e o fao, especialmente:

    Aos autores de trabalhos de temas correlatos consultados no curso de sua preparao;

    Ao Instituto Nacional do Seguro Social pela autorizao para o afastamento remunerado

    das atividades do exerccio profissional durante a sua elaborao;

    Aos servidores do Departamento de Servio Social, sempre disponveis para atender;

    Aos componentes da Banca Examinadora por terem aceitado o convite e contribudo

    para o aperfeioamento da tese e para o meu crescimento acadmico;

    Ivanete Boschetti, orientadora e amiga, pelas orientaes acadmicas esclarecedoras e

    oportunas que me ajudaram a concluir este trabalho e, pela compreenso, pacincia e

    profunda solidariedade nos momentos difceis;

    Elaine Behring por ter tido importncia singular em meu percurso acadmico recente,

    contribuindo de modo cuidadoso para que a afirmao de minhas convices terico-

    metodolgicas, no campo das polticas sociais, tenha sido prazerosa.

    Aos estatsticos, Fbio de Arajo e Leonardo Aguirre pela contribuio no tratamento e

    organizao dos dados estatsticos, especialmente dos microdados da PNAD;

    Mione Sales e ao Demtrio Pereira pela dedicao, em tempo exguo, reviso inicial

    deste trabalho e traduo do resumo para outros idiomas;

    ANFIP e ao Prof Evilsio Salvador pela cesso de tabelas e grficos de suas autorias;

    Ao Marcelo Sitcovsky pelo apoio na hora decisiva;

  • VII

    Aos companheiros/as do Comit Nacional para Elaborao de Polticas para Populao

    em Situao de Rua e da Chapa concorrente ao CFESS, Tempo de Luta e Resistncia

    pela compreenso por minha limitada presena em tempos recentes;

    s queridas Ana Paula e Araci Onghero e demais colegas do Self-healing pelo apoio;

    Aos queridos/as amigos/as: Marinete Cordeiro, Cleisa Rosa, Priscilla Maia, Sandra

    Teixeira, Camile Mesquita, Alberto Andrade, Marilis Xavier, Maria Jos de Freitas,

    Cristiane Ducap, Anderson Moraes e Jurilza Mendona pela imensurvel contribuio

    no decorrer da elaborao desta tese, das mais diferentes formas, todas decisivas para

    que o cronograma de trabalho fosse cumprido - queridos/as este trabalho pertence

    tambm a vocs, minha gratido infindvel.

    Aos meus irmos e irms, sobrinhas e sobrinhos pela torcida, apoio, carinho e,

    compreenso pela ausncia em momentos especiais de suas vidas;

    s queridas Alice Lopes, Germana Andrande, Graziella Carvalho e Lorena Andrade

    pela presena e apoio nos momentos mais delicados e difceis desta caminhada - o que

    vocs fizeram somente se faz para quem se ama. Obrigada por este amor!

    Enfim, Famlia Dias: ao Fernando e Adriane pelo jeito intenso e mpar de terem sido

    amigos e solidrios nos meses mais recentes, sobretudo a vocs devo a concluso deste

    trabalho. E, querida Belinha por ter iluminado e alegrado os meus dias, quando eu

    estava em pedaos e precisava estar inteira e por permitir que os seus pais pudessem vir

    ao meu socorro. Espero ser capaz de ser infinitamente grata!

  • VIII

    Minha posio polmica. Coloco-me, porm, do lado que me parece guardar a verdade,

    como militante do pensamento socialista. FLORESTAN FERNANDES1.

    1 Cf.: FERNANDES, 1982, p.4.

  • IX

    RESUMO

    Esta tese examina, no contexto contemporneo de desestruturao do trabalho e da

    seguridade social no Brasil, as condies para a universalizao da previdncia social.

    Argumenta-se que o modelo de previdncia social adotado no pas at a instituio da

    seguridade social, em 1988, dependia exclusivamente do trabalho assalariado e tinha sua

    cobertura estritamente vinculada ao nvel de emprego. A partir daquele ano, a concepo de

    seguridade social e o seu modelo de financiamento possibilitaram o ingresso, na previdncia

    social, de trabalhadores que esto inseridos em relaes informais de trabalho, tornando-a,

    fundamentalmente, mas no exclusivamente dependente do trabalho assalariado formal. Com

    isso, apesar da existncia de limites estruturais plena universalizao desta poltica social no

    marco do capitalismo h possibilidades de avanos expressivos nessa direo. Todavia, para

    atender aos interesses do grande capital, o significado da seguridade social brasileira vem

    sendo corrodo, o seu supervit negado e os direitos da previdncia social reduzidos. Sob o

    argumento neoliberal de que constitui um contrato social entre geraes, tenta-se desvincul-

    la dos objetivos da seguridade social. Na atualidade, h mais de 50 milhes de pessoas da

    Populao Economicamente Ativa fora de sua proteo. So pessoas, principalmente do sexo

    masculino, com baixa escolaridade e renda de at dois salrios mnimos. As estratgias

    usadas pelo governo federal para ampliar a sua cobertura fogem aos objetivos da seguridade

    social prescritos na Constituio do Brasil, imprimem alguma facilidade ao acesso, mas

    restringem direitos. Dessa forma, os avanos possveis na direo da universalizao da

    previdncia social, como poltica de seguridade social, esto condicionados luta de classes e

    a uma correlao de foras capaz de promover, entre outras coisas, a reorientao das

    diretrizes macroeconmicas e da poltica de emprego adotadas, o aprofundamento da

    democracia no pas e o fortalecimento dos objetivos da seguridade social e do controle da

    sociedade sobre a seguridade social, em especial sobre a previdncia social.

    Palavras-chave: trabalho, trabalho assalariado, informalidade, contrato social, seguridade

    social, assistncia social e previdncia social.

  • X

    ABSTRACT

    This thesis examines, in the contemporary context of work and social security

    destructuring in Brazil, the conditions for the universalization of social welfare. It is argued

    that the model of welfare state adopted in the country up to the institutionalization of social

    security, in 1988, depended exclusively on the paid work and had its coverage strictly linked

    to level of employment. Since 1988, then, the conception of social security and its model of

    functioning made possible the entrance, into the social welfare, of workers who are in the

    informal relations of employment, making it, fundamentally, but not exclusively, depended on

    formal work. Thus, despite the presence of structural limits to the full universalization of this

    social policy in the framework of capitalism, there are possibilities of expressive

    advancements in this direction. However, in order to meet the interests of the big capital, the

    meaning of the Brazilian social security has been eroded, its surplus denied and the rights to

    the social welfare reduced. Under the neoliberal argument that constitutes a social contract

    between generations, there have been attempts to unlink it from the goals of social security.

    There are, nowadays, more than 50 million people of the Economically Active Population

    outside of its protection. They are people, and most of them are men, of low level of formal

    education and income of up to two minimum wages. The strategies used by the federal

    government to widen its coverage are out of the objectives of social security prescribed in the

    Brazilian Federal Constitution. These strategies facilitate the access, but restrict the rights. So,

    possible advances in the direction of universalization of social welfare as a policy of social

    security are determined by the struggle of classes and by the correlation of forces that is able

    to promote, among others, the reorientation of the macroeconomic directives and the policy of

    employment adopted, the deepening of the national democracy and the strengthening of the

    goals of social security and of the control of the society over social security, specially over

    social welfare.

    Key-words: work, paid work, informality, social contract, social security, social assistance

    and social welfare.

  • XI

    RSUM

    Cette thse examine, dans le contexte contemporain de la dstructuration du travail et de la

    scurit sociale , les conditions de luniversalit du droit la retraite au Brsil. Nous argumentons que le modle de retraite adopt dans le pays jusqu linstitution de la scurit sociale - un systme national tripartite qui inclut la sant, lassistance sociale et le droit la retraite en 1988, tait fond exclusivement sur le travail salari. Sa couverture tait strictement lie lemploi. Depuis cette date, la conception de scurit sociale avec son nouveau modle de financement ont permis aux travailleurs de lconomie informelle laccs au droit la retraite. Toutefois, le systme du droit la retraite reste fondamentalement

    dpendant, quoique pas exclusivement, des cotisations issues de lemploi salari formel.Ainsi, bien quil existe des limites structurelles luniversalit de la politique sociale sous le capitalisme, il y a des possibilits davances significatives dans ce sens. Cependant, pour rpondre aux intrts du capital, selon une terminologie marxienne, les prsupposs de la

    scurit sociale brsilienne sont des plus en plus rods : son superavit [excdent fiscal]

    est ni et les droits de retraite rduits. En vertu de largument nolibral de que le droit la retraite reprsente un contrat social entre les gnrations, les tentatives sont nombreuses pour

    dissocier ce droit des objectifs de la scurit sociale . Actuellement, plus de 50 millions de

    personnes de la Population Economiquement Active (PEA) sont en dehors de sa protection.

    Cest une population, surtout des hommes, avec un faible niveau de scolarit et dont le revenu peut aller jusqu deux fois le salaire minimum. Les stratgies utilises par le gouvernement fdral, dans le but dlargir sa couverture, chappent, pourtant, aux objectifs et aux principes de la scurit sociale prvus dans la Constitution brsilienne. Elles permettent davoir une certaine facilit daccs, mais au fond elles restreignent les droits. Ceci dit, les progrs possibles dans le sens de luniversalit du droit la retraite, en tant que politique de scurit sociale , sont conditionns la lutte de classes. Seulement le rsultat de corrlation des

    forces sociales sera capable de dcider de la rorientation des lignes directrices des politiques

    macroconomiques et de la politique de lemploi adoptes. Lapprofondissement de la dmocratie et le renforcement des objectifs et du contrle social par rapport scurit

    sociale , en particulier du droit la retraite, sont aussi dpendants de ce dnouement la fois,

    politique, social et conomique.

    Mots-cls : travail, emploi, conomie informelle, contrat social, scurit sociale, assistance

    sociale et droit la retraite.

  • XII

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Diferena entre o financiamento e o gasto da Seguridade Social, segundo a anlise do

    Ministrio da Previdncia Social e da Associao Nacional dos Auditores Fiscais da

    Receita Federal - ANFIP, 2001 a 2009.

    TABELA 2 Renncias e outros gastos tributrios (1) para a Confins - diversos exerccios.

    TABELA 3 Seguridade Social: Mdia sobre o total do percentual das fontes de recursos, 2000-

    2007.

    TABELA 4 Retrospectivos: Previdncia e Assistncia Social Institutos e Caixas de Aposentadoria

    e Penses - 1923/1951.

    TABELA 5 Institutos e Caixas de Previdncia e Assistncia Social - Nmero de Associados e

    Resultados Financeiros, por institutos e Caixas - 1950/1957.

    TABELA 6 Institutos e Caixas de Previdncia e Assistncia Social - Nmero de Associados e

    Resultados Financeiros - 1959/1968.

    TABELA 7 Segurados do Instituto Nacional da Previdncia Social, por categoria, segundo as

    Unidades da Federao - 1978/1983.

    TABELA 8 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte

    para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte

    (quantidade e %), segundo os anos - 1987-1989.

    TABELA 9 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na

    semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,

    Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)

    segundo os anos - 1987-1989.

    TABELA 10 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte

    para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte

    (quantidade e %), segundo os anos - 1990-1999.

    TABELA 11 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na

    semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,

    Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)

    segundo os anos - 1990-1999.

  • XIII

    TABELA 12 Evoluo das contrataes, demisses e o saldo lquido, em postos de trabalhado

    registrados, e o percentual de admisses em faixas de remunerao de at dois

    salrios mnimos - 20005 a 2009.

    TABELA 13 Nvel de Ocupao, Taxa de Atividade e Taxa de Desocupao (%), a partir da

    Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), Brasil,

    segundo os anos - 2001-2008.

    TABELA 14 Nvel de Ocupao, Taxa de Atividade e Taxa de Desocupao (%), a partir da

    Populao Economicamente Ativa - PEA (10 e mais de idade), Brasil, segundo os

    anos - 2001-2008.

    TABELA 15 Rendimento mdio real habitual da populao ocupada, por regio metropolitana (%)

    - ago/2002; ago/2003; ago/2004; ago/2005; ago/2006; ago/2007; ago/2008; ago/

    2009; jul/2010 e ago/2010 (10 anos e mais de idade).

    TABELA 16 Trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada no trabalho principal e

    contribuintes para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho, com

    base Populao Economicamente Ativa - PEA, ocupada (10 anos e mais de idade),

    (%), Brasil, 2001-2009.

    TABELA 17 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte

    para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte

    (quantidade e %), segundo os anos - 2001-2008.

    TABELA 18 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na

    semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,

    Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)

    segundo os anos - 2001-2008.

    TABELA 19 Populao Economicamente Ativa - PEA (10 anos e mais de idade), ocupadas na

    semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,

    Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)

    segundo os anos - 2001-2008.

    TABELA 20 Populao Economicamente Ativa - PEA (10 anos e mais de idade), Ocupada,

    contribuinte para regime de previdncia, em qualquer trabalho, por Grandes Regies -

    2008/2009.

    TABELA 21 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade),

    contribuinte para o Regime Geral de Previdncia Social - RGPS, segundo o sexo -

    Brasil, 2002, 2004, 2006 e 2008.

    TABELA 22 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), no

    contribuinte para qualquer regime de Previdncia Social, segundo o sexo - Brasil,

    2002, 2004, 2006 e 2008.

  • XIV

    TABELA 23 Populao Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de

    idade), condio e regime de contribuio previdenciria, segundo a renda, Brasil, -

    2008.

    TABELA 24 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, requeridos, por

    espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e

    2009.

    TABELA 25 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, concedidos, por

    espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e

    2009.

    TABELA 26 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, indeferidos, por

    espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008

    e 2009.

    TABELA 27 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, concedidos por

    deciso judicial, por espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004,

    2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010.

  • XV

    LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1 Evoluo do Supervit da Seguridade Social - sem e com os efeitos da

    Desvinculao dos Recursos da Unio - 2000 a 2008.

    GRFICO 2

    Indicadores do trabalho, considerando a Populao Economicamente Ativa - PEA

    (10 anos e mais de idade) e contribuintes para qualquer regime de previdncia

    (%), Brasil, 1992-2009.

    GRFICO 3 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade),

    contribuinte para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e

    no contribuinte (quantidade e %), segundo os anos - 1987-2008.

    GRFICO 4 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupada,

    contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS, Militares e RPPS) a

    partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %) segundo os anos-

    1987-2008.

    GRFICO 5 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para

    o RGPS, segundo a faixa etria, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

    GRFICO 6 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para

    o RGPS, segundo a renda nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

    GRFICO 7 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para

    o RGPS, segundo anos de estudo, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

    GRFICO 8 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,

    segundo a faixa etria, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

    GRFICO 9 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,

    segundo a renda nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

    GRFICO 10 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,

    segundo anos de estudo, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.

  • XVI

    LISTA DE SIGLAS

    AEPS - Anurio Estatstico da Previdncia Social

    ANC - Assembleia Nacional Constituinte

    ANFIP - Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal

    APL - Arranjos Produtivos Locais

    ASMARE-

    BEPS -

    Associao dos Catadores de Papel, Papelo e Material Reaproveitvel

    Boletim Estatstico da Previdncia Social

    BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

    Bird - Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento

    BPC - Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social

    BM - Banco Mundial

    CAPs - Caixas de Aposentarias e Penses

    CBO - Classificao Brasileira de Ocupaes

    CDP - Certificado da Dvida Pblica

    CFESS - Conselho Federal de Servio Social

    Ceme - Central de Medicamentos

    CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil

    CLP - Comisso de Legislao Participativa

    CLT - Consolidao das Leis do Trabalho

    CNSS - Conselho Nacional de Seguridade Social

    Confins - Contribuies para o Financiamento da Seguridade Social

    Contag - Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    CPMF - Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira

    CSLL - Contribuio Social sobre o Lucro Lquido

    CUT - Central nica dos Trabalhadores

    CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

    DASP - Departamento Administrativo do Servio Pblico

    DBA - Departamento de Benefcios Assistenciais

    Dataprev - Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social

    DIEESE - Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos

  • XVII

    DRU - Desvinculao de Receitas da Unio

    EC

    FELC -

    Emenda Constitucional

    Frum Estadual Lixo e Cidadania de Minas Gerais

    EFPC - Entidade Fechada de Previdncia Complementar

    FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador

    FET - Fundo de Estabilizao Fiscal

    FIES - Fundo de Incentivo ao Ensino Superior

    FIPPS - Frum Itinerante e Paralelo sobre a Previdncia Social

    FIPSS - Frum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    FNAS - Fundo Nacional de Assistncia Social

    FNS - Fundo Nacional de Sade

    FNPS - Frum Nacional sobre Previdncia Social

    FRGPS - Fundo do Regime Geral de Previdncia Social

    FS - Fundo Social

    FSM -

    FSE -

    Frum Social Mundial

    Fundo Social de Emergncia

    Fsindical - Fora Sindical

    FUMIN - Fundo Multilateral de Investimentos

    Funabem - Fundao Nacional de Bem-Estar do Menor

    Funrural - Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural

    Gesst - Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho

    Iapas - Instituto de Administrao Financeira da Previdncia Social

    IAPs - Institutos de Aposentadorias e Penses

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS - Circulao de Mercadoria e Servios

    INAMPS - Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social

    INPS - Instituto Nacional da Previdncia Social

    INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

    IPASE - Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do Estado

    ISSB - Instituto de Servios Sociais do Brasil

    Ipea - Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas

  • XVIII

    IPMF - Imposto Provisrio sobre Movimentao Financeira

    IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

    IRPJ - Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas

    IVA-F - Imposto sobre Valor Adicionado Federal

    LBA - Fundao Legio Brasileira de Assistncia Social

    LOA - Lei Oramentria Anual

    LOAS - Lei Orgnica de Assistncia Social

    LOPS - Lei Orgnica da Previdncia Social

    LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal

    MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MEI - Programa do Microempreendedor

    MNCR - Movimento Nacional de Catadores de Materiais Reciclveis

    MNPR - Movimento Nacional de Populao de Rua

    MPAS - Ministrio da Previdncia e Assistncia Social

    MPS - Ministrio da Previdncia Social

    MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego

    NAP - Ncleo de Avaliao de Polticas

    NCST - Nova Central Sindical do Brasil

    OCDE - Organizao para Cooperao do Desenvolvimento Econmico

    OIT - Organizao Internacional do Trabalho

    OMC - Organizao Mundial do Comrcio

    PBF - Programa Bolsa Famlia

    PDV - Programa de Demisso Voluntria

    PEA - Populao Economicamente Ativa

    PEC - Proposta de Emenda Constitucional

    PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego

    PEP - Programa de Educao Previdenciria

    PIA - Populao em Idade Ativa

    PIB - Produto Interno Bruto

    PIS - Programa de Integrao Social

    PME - Pesquisa Mensal de Emprego

  • XIX

    PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    Pr-rural - Programa de Assistncia ao Trabalhador Rural

    PSPS - Programa Simplificado de Previdncia Social

    REFIS - Programa de Recuperao Fiscal

    RGPS - Regime Geral de Previdncia Social

    RJU - Regime Jurdico nico

    RMV - Renda Mensal Vitalcia

    RPPS - Regimes Prprios de Previdncia Social

    SABI - Sistema de Administrao de Benefcios por Incapacidade

    Sead - Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados

    Sebrae - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

    Senaes - Secretaria Nacional de Economia Solidria

    Senarc - Secretaria Nacional de Renda de Cidadania

    Simples - Regime Especial Unificado de Arrecadao de Tributos e Contribuies

    devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

    Sinpas - Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social

    SIES - Sistema Nacional de Informaes em Economia Solidria

    SNAS - Secretaria Nacional de Assistncia Social

    SPS - Secretaria de Previdncia Social

    SRFB - Secretaria da Receita Federal do Brasil

    SUAS - Sistema nico de Assistncia Social

    Susep - Superintendncia de Seguros Privados

    SUS - Sistema nico de Sade

    UDN - Unio Democrtica Nacional

    UGT - Unio Geral dos Trabalhadores

    UFF - Universidade Federal Fluminense

  • XX

    Introduo ................................................................................................................................. 21

    Capitulo I - Acumulao do Capital, organizao do trabalho e proteo social

    1.1. O trabalho assalariado como condio de acesso proteo social .............................. 46 1.2. O padro de acumulao fordista, a organizao do trabalho e a proteo social, de

    1940 a 1970 .......................................................................................................................... 57 1.3. A acumulao flexvel, a condio estrutural do trabalho e os sistemas de proteo

    social a partir da dcada de 1970. ......................................................................................... 77

    Captulo II - A previdncia social no Brasil no contexto da seguridade social: concepo e

    financiamento ........................................................................................................................... 89

    2.1. O significado da seguridade social na Constituio Federal de 1988 ........................... 89 2.2. A concepo de previdncia social como um contrato social ..................................... 106 2.3. Formato do financiamento e gasto da seguridade social ............................................. 126 2.4. Balanos recentes entre as receitas e as despesas da seguridade social e importncia de

    cada fonte no financiamento dos gastos do sistema ........................................................... 136

    Captulo III - A condio estrutural do trabalho no Brasil e o seu reflexo na cobertura da

    previdncia social em perodos especficos do sculo XX ..................................................... 149

    3.1. Particularidades da formao do mercado de trabalho no pas e da estruturao da

    previdncia social, com cobertura a categorias especficas (1920 a 1970) ........................ 151 3.2. A instituio da seguridade social no Brasil em um contexto internacional de mudanas

    no mundo do trabalho com reflexos no pas e o seu rebatimento na cobertura da previdncia

    social (dcada de 1980) ...................................................................................................... 189

    3.3. A reestruturao produtiva no Brasil e o seu impacto no mundo do trabalho e na

    cobertura da previdncia na dcada de 1990 ...................................................................... 200

    Capitulo IV - A ( des)estruturao do trabalho e a cobertura da previdncia social no Brasil no

    contexto da crise do capital na primeira dcada do sculo XXI

    4.1. Aspectos gerais da economia e da organizao do trabalho no incio do sculo XXI

    que desafiam a universalizao da cobertura da previdncia social. .................................. 211 4.2. Indicadores do trabalho nos anos 2000 comparados PEA contribuinte ao sistema previdencirio e aos no contribuintes. .............................................................................. 227 4.3. Perfil dos contribuintes ao RGPS e dos no contribuintes para qualquer regime de

    previdncia na primeira dcada do sculo XXI .................................................................. 249

    Captulo V - condies para a universalizao da cobertura da previdncia social no contexto

    da (des)estruturao do trabalho e da seguridade social no Brasil ......................................... 260

    5.1. Limites universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil ..................... 262 5.2. Limites de proteo social aos desempregados e subempregados .............................. 276 5.3. Estratgias recentes do governo federal para ampliar a cobertura do RGPS .............. 285

    5.4. Amostra de propostas dos movimentos sociais pela ampliao do acesso ao

    RGPS.......................................................................................................................................298

    Consideraes finais: possibilidades de avanos rumo universalizao da previdncia social

    ................................................................................................................................................ 318

  • 21

    Introduo

    Hoje vivemos em um mundo firmemente mantido sob as rdeas do

    capital, numa era de promessas no cumpridas e esperanas

    amargamente frustradas, que at o momento s se sustentam por

    uma teimosa esperana. ISTVN MESZROS2

    A anlise de condies para a universalizao da previdncia social no Brasil requer

    situ-la na totalidade histrica levando-se em conta a configurao assumida pelo capital no

    processo de renovao do padro de acumulao no cenrio contemporneo cujas estratgias

    incidem na desestruturao do trabalho e dos direitos relativos seguridade social.

    As medidas para amortecer os efeitos da crise que marca a cena contempornea mundial

    so movidas pela busca incessante do capital por super lucros e se sustentam na

    superexplorao da classe trabalhadora mediante a extrao do trabalho excedente. Tais

    medidas esto conectadas reestruturao produtiva, financeirizao do capital e

    redefinio das funes do Estado, que compem a estratgia de enfrentamento da onda longa

    recessiva (MANDEL, 1982) que se tornou evidente em meados da dcada de 1970.

    Sob a ideologia neoliberal, esta estratgia e os seus efeitos mudaram as relaes e a

    dinmica da sociedade capitalista contempornea.

    A face financeira do capital comanda a acumulao, afeta a configurao do Estado e da

    sociedade civil, mais a organizao dos trabalhadores e as lutas sociais. Como diz Iamamoto:

    Na busca incessante e ilimitada do aumento exponencial da riqueza quantitativa - o crescimento do

    valor pelo valor -, os investimentos financeiros tornam a relao social do capital com o trabalho

    aparentemente invisvel. Intensifica-se a investida contra a organizao coletiva de todos aqueles

    que, destitudos de propriedade, dependem de um lugar nesse mercado (cada dia mais restrito) para

    produzir o equivalente de seus meios de vida (Id., 2007, p. 21).

    Nesse contexto, potencializados pelas diretrizes neoliberais, advindas dos poderes

    imperialistas e impostas aos pases do capitalismo perifrico, como o Brasil, aprofundam-se

    as desigualdades sociais, o desemprego macio prolongado, a desregulamentao e a

    informalizao das relaes de trabalho, elevando-se o quantitativo dos destitudos de direitos.

    O Estado assume nova configurao, com funes cada vez mais vinculadas aos interesses do

    capital e o fundo pblico passa a ter destinao voltada para beneficiar o capital ao invs do

    2 MSZROS, Istvn. Para Alm do Capital: rumo a uma teoria da transio. Trad: Paulo Cezar Castanheira e

    Srgio Lessa. 3 reimpresso. So Paulo: Boitempo, 2009.p. 37.

  • 22

    investimento em proteo social. Em face disso, intensificam-se a privatizao e a

    mercantilizao da satisfao das necessidades sociais, o que significa que:

    o bem-estar social tende a ser transferido ao foro privado dos indivduos e famlias, dependentes

    do trabalho voluntrio ou dos rendimentos familiares dos diferentes segmentos sociais na

    aquisio de bens e servios mercantis, restando ao Estado, preferencialmente, a responsabilidade

    no alvio da pobreza extrema. [...]. Adquirem destaque polticas sociais voltadas preservao dos

    mnimos vitais dos segmentos da crescente populao excedente lanados ao pauperismo: e ao seu

    controle poltico, preservando o direito sobrevivncia de imensos contingentes sociais e

    alimentando o consenso de classe necessrio luta hegemnica (IAMAMOTO, 2009, p. 342; 343).

    um cenrio de fragilizao da seguridade social no Brasil e no mundo, especialmente,

    no que se refere aos direitos previdencirios vinculados ao trabalho.

    Esta tese, portanto, resulta de pesquisa realizada no decorrer do curso de Doutorado do

    Programa de Ps-Graduao em Poltica Social - PPGPS, do Departamento de Servio Social

    - SER, da Universidade de Braslia - UnB, iniciado em maro de 2007. Seu objeto de pesquisa

    localiza-se na relao entre trabalho e previdncia social no Brasil. Para situ-lo nessa relao

    foi preciso, primeiro, resgatar a organizao do sistema previdencirio brasileiro.

    Esse sistema constitudo por trs regimes bsicos e um complementar. Os regimes

    bsicos so: a) os Regimes Prprios de Previdncia Social - RPPS destinados aos servidores

    pblicos civis da Unio, do Distrito Federal, dos Estados e Municpios e aos militares do

    Distrito Federal e dos Estados, os quais so organizados e geridos por cada ente federado, sob

    superviso da Unio, quando esta no a gestora; b) o Regime dos servidores pblicos

    militares da Unio, organizado e gerido pela Unio; e c) o Regime Geral de Previdncia

    Social - RGPS destinado a todos os cidados maiores de 16 anos3 que a ele se vinculem

    mediante contribuio e a seus dependentes, o qual organizado e gerido pela Unio e tem

    seus servios e benefcios viabilizados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

    O Regime complementar facultativo e composto pela previdncia complementar

    aberta e fechada. As instituies que oferecem planos individuais de previdncia aberta ao

    mercado so fiscalizadas pela Superintendncia de Seguros Privados - SUSEP, do Ministrio

    da Fazenda. E as Entidades Fechadas de Previdncia Complementar - EFPC (fundos de

    penso) no possuem fins lucrativos e mantm planos coletivos de previdncia acessveis aos

    empregados de uma empresa e aos servidores da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e

    dos Municpios e aos associados ou membros de entidades de carter profissional ou classista.

    As EFPC so supervisionadas pelo Ministrio da Previdncia Social - MPS.

    3 Os adolescentes com idade entre 14 e 16 anos, na condio de aprendiz, tm direito proteo previdenciria.

  • 23

    Esta pesquisa analisou apenas a Previdncia Social que se organiza sob a forma de

    RGPS e compe a seguridade social, desde a Constituio Federal de 1988 e at o momento

    no se tornou universal, conforme estabelece a Carta Constitucional.

    Apresentao do problema

    O trabalho sempre esteve no centro das mutaes do capitalismo. Todavia, esta

    centralidade tornou-se mais evidente a partir das transformaes ocorridas nesse modo de

    produo em sua etapa monopolista. Sob o padro fordista/keynesiano, o pacto social entre

    empresrios, trabalhadores e o Estado teve como base a estimulao do consumo, a busca do

    pleno emprego e a estruturao de sistemas de proteo social. Foi essa a soluo encontrada

    para amortecer os efeitos da crise do capitalismo, cujo pice da depresso ocorreu entre 1929

    e 1932. Desde ento, tornou-se mais explcita a relao entre o padro de acumulao do

    capital, a organizao do trabalho e a proteo social. Isto porque o trabalho assalariado, sem

    nenhum perodo precedente comparvel, destacou-se como o centro do capitalismo e

    determinante das relaes sociais, e assim, o centro das mutaes desse modo de produo.

    No perodo entre as dcadas de 1940 e 1970, o Estado social4 consolidou-se em vrios

    pases do capitalismo avanado e o trabalho assalariado estvel fortaleceu-se como condio

    de acesso proteo social. A generalizao do trabalho assalariado nesses pases foi

    determinante para a consolidao dos sistemas de proteo social, que se destinavam aos

    empregados e aos seus dependentes econmicos. Estes eram assistidos em relao sade,

    tinham direito a aposentadorias, penses e outros benefcios compensatrios incapacidade

    temporria de trabalho ou mesmo benefcios que possibilitavam o acesso ao consumo, ao

    lazer, educao, etc. Aos inaptos para o trabalho era oferecida a assistncia social.

    Vale dizer que at mesmo nos pases em que foram estruturados sistemas de seguridade

    social com vocao universal, como na Inglaterra e nos pases escandinavos, o pleno emprego

    constitua-se importante meta e, os sistemas de proteo social tambm contavam com as

    cotas oriundas do trabalho assalariado estvel e tinham os seguros sociais como eixo central.

    4 Neste Trabalho usaremos a expresso Estado social para significar o Estado Social de Direitos que se constri para

    organizar a vida poltica e social no perodo Ps-Segunda Guerra Mundial com base no fordismo-keynesianismo. Cf. PISN,

    1998. Outras terminologias so encontradas na literatura como Welfare State (Estado de Bem-estar) e tat Providence ou

    Estado Providncia. A primeira de origem anglo-saxnica usada para designar as polticas sociais estruturadas com base no

    fordismo-keynesianismo no ps-guerra. A ltima terminologia usada para designar o Estado Providncia, constitudo na

    Frana, no sculo XIX, ou a ideia de Estado responsvel pela regulao do mercado para responder as situaes de riscos

    pessoais e sociais, constitudo naquele pas no sculo XX. Cf.: BOSCHETTI, jan./jun.2003, v.15, n.1, p.57-96.

  • 24

    Ian Gough (1978) ao desenvolver suas reflexes sobre o Estado social5 faz referncia ao

    seu carter contraditrio, por atender aos interesses de acumulao e proteo social:

    ...el Estado tiende a actuar com el fin de asegurar las condiciones que reproduzan esse modelo y

    las relaciones de exploracin dentro de el, que bajo el capitalismo significa asegurar la

    acumulacin continua de capital [...] el Estado del Bienstar engloba uma actitud racional que

    tambin se opone a la del mercado. Em algn sentido acta para satisfazer las necesidades y extender los derechos y haciendolo asi, contradice los simples requerimientos directos del sistema

    de economia capitalista. [...] esta e, pue, la razn por la que nosotros caracterizamos el Estado del

    Bienstar como um fenmeno contradictrio (GOUGH, 1978, p. 66).

    J Robert Castel6 ao se referir ao Estado social destaca o seu papel como fiador dos

    sistemas de seguridade social que se formaram, o que equivale figura do o guardio de uma

    nova ordem de distribuio dos bens (CASTEL, 1998, p.405), ou seja, o guardio das

    prestaes dos contribuintes da seguridade social para serem usadas em dadas situaes.

    O Brasil no viveu a experincia de generalizao do emprego nem de Estado social

    conforme foi desenvolvido nos pases do capitalismo avanado. Todavia, na dcada de 1930

    comeou a ganhar expresso um sistema de proteo social no pas destinado basicamente aos

    trabalhadores assalariados inseridos nas relaes formais de trabalho e aos seus dependentes.

    Seguindo essa lgica, o sistema se desenvolveu, em consonncia com a estruturao do

    mercado de trabalho no pas at a dcada de 1980, quando uma nova lgica de proteo social

    foi estabelecida, com a instituio da seguridade social pela Constituio Federal de 1988.

    Tratava-se de uma lgica menos dependente do trabalho assalariado formal e com vocao

    universal, porm essa perspectiva no foi plenamente adotada.

    O colapso do padro de acumulao fordista/keynesiano na dcada de 1970 um dos

    reflexos da nova crise do capital que se manifestou naquela dcada. Para amortecer os efeitos

    dessa crise, a estratgia central do capital foi composta pela reestruturao produtiva, a

    redefinio das funes do Estado e a financeirizao do capital. Esses processos, embora

    possuam caractersticas especficas, no podem ser vistos de modo desarticulados entre si nem

    da ideologia neoliberal, que ganhou fora nas sociedades capitalistas a partir daquele decnio.

    5 O que o autor denomina Estado Del Bienestar (traduo para o espanhol de Welfare State) equivale ao que

    neste trabalho denominamos Estado social.

    6 Robert Castel estudou a condio do trabalho ao longo da histria, tendo a Europa como locus de pesquisa,

    sobretudo a Frana. Seu objetivo foi analisar a questo social. Embora eu no considere apropriada a ideia defendida pelo

    autor de nova questo social para explicar as mutaes recentes do capitalismo, considero valiosa sua pesquisa e concordo com ele em aspectos particulares. Mas, essa concordncia no anula duas restries globais sua obra. A primeira refere-se

    socialdemocracia como alternativa de organizao social, pois acredito que somente o socialismo possibilitar liberdade

    ampla aos seres humanos. A segunda restrio diz respeito base terico-conceitual, que perpassa sua obra, por meio dos

    conceitos de solidariedade, integrao e coeso social de Durkheim, os quais, a meu ver, se opem viso marxiana, que orienta esta tese, sobretudo no que se refere luta de classes como um processo permanente, na sociedade capitalista, em

    face do antagonismo de interesses entre as classes sociais fundamentais.

  • 25

    A reestruturao produtiva mudou o mundo do trabalho7. Sob o padro de acumulao

    chamado flexvel8, as metamorfoses ocorridas apresentaram-se sob um novo modo de

    produzir, com mtodos e processos de trabalho baseados em tecnologias avanadas; modos de

    gesto da fora de trabalho direcionados conciliao de classes e medidas que reduziram a

    criao e oferta de empregos estveis e aprofundaram o desemprego e o trabalho precrio.

    Esse quadro tornou a composio da classe trabalhadora mais heterognea e complexa e

    exigiu um perfil de trabalhador capaz de usar intensamente o seu poder intelectual em favor

    do capital, elevando os nveis de explorao sobre o trabalho e dos lucros dos capitalistas.

    Nesse contexto, o comando da acumulao pelo capital financeiro9 e as mudanas nas

    funes do Estado sob a ideologia neoliberal compuseram um cenrio no qual os sistemas de

    proteo social estruturados sob o fordismo/ keynesianismo sofreram grandes ataques. Nos

    pases do capitalismo avanado, onde estes sistemas estavam mais estruturados e sob um

    controle democrtico da sociedade mais forte, foram preservados em aspectos essenciais,

    ainda que com transformaes em seus critrios de abrangncia.

    Nos pases do capitalismo perifrico a reestruturao produtiva, a financeirizao do

    capital e as mudanas no papel do Estado como estratgias neoliberais de amortecimento dos

    efeitos da crise, ocorreram em nveis, formas, ritmos e pocas diferentes, de acordo com as

    caractersticas de cada pas. Mas, em todos eles, em decorrncia de suas dvidas externas essas

    estratgias de ajustes neoliberais desenvolveram-se sob o comando dos pases do capitalismo

    avanado, e, em geral, com a mediao do Fundo Monetrio Internacional - FMI, do Banco

    Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento - BIRD10

    e do Banco Interamericano

    para o Desenvolvimento - BID11

    . As conseqncias desses processos, na essncia, so iguais

    quelas ocorridas nos pases do capitalismo avanado, com efeitos lesivos mais acentuados

    para a classe trabalhadora, inclusive com fortes ataques s polticas sociais em estruturao.

    O Brasil realizou o seu ajuste estrutural, sobretudo, a partir de 1995, seguindo o mesmo

    padro neoliberal de outros pases de capitalismo perifrico. O ajuste, em condies

    submissas, provocou mudanas na condio estrutural do trabalho, as quais resultaram no

    7 O mundo do trabalho compreendido nesta tese como o complexo que envolve a regulao institucional do

    trabalho (sindicalismo, justia do trabalho, registros e classificaes profissionais, quadro de ocupaes) o mercado de

    trabalho, sua configurao (PIA, PEA,entre outros) e sua dinmica (taxa de atividade, nvel de ocupao, emprego,

    desemprego, informalidade, alterao no quadro de ocupaes, etc.). Sobre o tema, cf. CARDOSO, 2006; SILVA, 2009. 8 Cf.: HARVEY, 2004c. 9 Aqui tambm chamado capital portador de juros, finanas ou nos termos de Marx capital fetiche.

    10 O BIRD(International Bank for Reconstruction and Development) foi criado em 1944 e juntamente com a

    Associao Internacional para o Desenvolvimento - AID criada em 1960, constitui o chamado Banco Mundial. 11 O BID foi criado em 1959.

  • 26

    aumento da explorao dos trabalhadores. Entre os sinais dessa superexplorao do trabalho

    encontram-se o desemprego crnico; o aprofundamento da precarizao das relaes e

    condies de trabalho; o uso intensivo da fora de trabalho, combinado com mtodos e

    tecnologias avanadas direcionadas para elevar a produtividade; a queda da renda mdia

    mensal real dos trabalhadores e as alteraes do perfil e da composio da classe trabalhadora.

    Houve, portanto, o aprofundamento da desestruturao do trabalho no pas. No mbito do

    Estado, ocorreu um retrocesso nas polticas sociais em estruturao, a exemplo da seguridade

    social, instituda pela Constituio Federal de 1988, em uma conjuntura de lutas por direitos

    sociais no pas, mas de avano do projeto neoliberal em escala mundial, com reflexos no

    Brasil, particularmente na dcada de 1990. Alm disso, o Estado presidiu a privatizao de

    vrias empresas e bancos estatais e a regresso de muitos direitos sociais e do trabalho.

    Nesse contexto, ocorreu a reduo da cobertura da previdncia social, que como em

    outros pases, se desenvolveu com grande dependncia do trabalho assalariado estvel,

    principalmente at 1988, quando a seguridade social foi instituda. De acordo com anlise do

    Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas - IPEA,

    a insero das pessoas no mundo da proteo social pela via do trabalho - que at 1980, constitua

    a regra para pouco mais da populao ocupada - passou a ser uma expectativa ainda menos crvel

    para a maioria dos trabalhadores brasileiros no decorrer deste ltimo quarto de sculo (IPEA,

    2007, p.8).

    Segundo outro estudo desse mesmo instituto de pesquisas, com base nos microdados da

    Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD/IBGE12

    , em 1987, a previdncia social

    assegurava cobertura a 51,8 % da Populao Economicamente Ativa - PEA (ocupada e

    desocupada), com idade entre 16 e 64 anos. A partir de ento, porm, esse percentual

    12 Nesta tese so usadas muitas informaes e dados produzidos pela Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica IBGE. Por isso, preciso esclarecer conceitos adotados por esse rgo: a) condio de ocupao - pessoas classificadas, quanto condio de ocupao na semana de referncia da pesquisa, em ocupadas e desocupadas; b) pessoas

    ocupadas - as pessoas que tinham trabalho durante toda ou parte da semana de referncia, e ainda, as pessoas que no

    exerceram o trabalho remunerado que tinham nesse perodo por motivo de frias, licena, greve, etc.; c) pessoas

    desocupadas - as pessoas sem trabalho na semana de referncia que tomaram alguma providncia efetiva de procura de

    trabalho nesse perodo. Usamos como sinnimos pessoas sem ocupao e procurando ocupao; d) pessoas

    economicamente ativas - so as pessoas ocupadas e desocupadas na semana de referncia; e) pessoas no economicamente

    ativas - pessoas no classificadas na semana de referncia como ocupadas ou desocupadas; f) taxa de atividade - a

    percentagem das pessoas economicamente ativas (de um grupo etrio) em relao ao total de pessoas (do mesmo grupo

    etrio); g) nvel de ocupao - a percentagem das pessoas ocupadas (de um grupo etrio) em relao ao total de pessoas (do

    mesmo grupo etrio); h) taxa de desocupao - a percentagem das pessoas desocupadas (de um grupo etrio) em relao s

    pessoas economicamente ativas (do mesmo grupo etrio); i) ocupao - cargo, funo, profisso ou ofcio exercido pela pessoa. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD adota a idade de dez anos ou mais de idade para a definio

    dos quantitativos e percentuais globais a que se referem os conceitos citados. Cf. IBGE, 2008, p. 35, 36 e 37 e IBGE, 2009, p.

    32 e 33. 26. Porm, neste trabalho, nas tabelas de elaborao prpria, cujos dados consideram a PEA, priorizamos considerar a faixa etria entre 16 e 64 anos, para no computarmos trabalho infantil e para considerarmos o limite de idade

    at o qual mais facilmente se acessa ao mercado de trabalho. Contudo, usaremos tambm a faixa de 10 anos e mais de idade,

    para fins de comparaes com informaes do IBGE ou de outros rgos e pesquisadores em que nos referenciamos.

  • 27

    comeou a decrescer, de modo que em 1997 o percentual de cobertura previdenciria desse

    universo correspondia a 45,1%13

    . Um decrscimo acentuado, coincidente com o agravamento

    do desemprego e da queda da renda mdia mensal real dos trabalhadores. Entretanto, de

    acordo com esse estudo, a partir de 2001 percebe-se a recuperao dessa cobertura,

    concomitante melhoria dos indicadores do mercado de trabalho, de forma que em 2007 a

    cobertura previdenciria representava 51,2%14

    da PEA (ocupada e desocupada), na faixa

    etria entre 16 e 64 anos. Ainda assim, essa cobertura no alcanava nem os patamares de

    1987. As pessoas da PEA que tinham direitos sociais assegurados representaram uma

    proporo menor entre 1987 e 2007, comparativamente dcada anterior a 1987, em que os

    indicadores do mercado de trabalho apontavam o fortalecimento do emprego, com carteira

    assinada. Alm disso, a partir de 1997 houve um grande aumento do percentual de pessoas

    desocupadas no mbito da PEA, procura de emprego. Assim, mesmo que a melhoria dos

    indicadores do trabalho a partir do incio do sculo XXI tenha contribudo para a recuperao

    paulatina da cobertura previdenciria para a populao ocupada, essa cobertura ainda foi

    limitada, considerando o grande percentual da fora de trabalho desocupada. Se fosse

    considerada apenas a populao ocupada, o percentual de cobertura da previdncia social em

    2007 j era maior do que o de 1987 (IPEA, 30 de set. de 2008, p. 13, 14,15).

    Com a crise desencadeada a partir de setembro de 2008, a tendncia de melhoria dos

    indicadores do trabalho foi interrompida, ainda que os dados da PNAD realizada em 2008,

    coletados antes do pice da crise no registrem essa interrupo, o que veio ocorrer somente

    em 2009. Assim, a PNAD/2008 registrou a queda da informalidade e o aumento do nvel de

    ocupao, do emprego com carteira assinada, da renda real mdia mensal e da cobertura

    previdenciria sobre a populao ocupada (IBGE, 2009). Os dados da PNAD/2009, por sua

    vez, mostram os efeitos da crise, em 2009, sobretudo em relao ao nvel de ocupao e taxa

    de desocupao. Considerando a PEA, com 10 anos e mais de idade, houve queda no nvel de

    ocupao de 57,5% em 2008, para 56,9%, em 2009 e tambm o crescimento da taxa de

    desocupao em 18,5% em 2009, comparativamente a 2008 (IBGE, 2010, p. 59; 61).

    As anlises referentes ao impacto da crise sobre o trabalho e a seguridade social em

    2009 so divergentes entre as instituies que estudam o tema. De acordo com a ANFIP:

    13 Em estudo que realizamos com base nos microdados da PNAD, no ano de 1997, a cobertura do universo de

    pessoas com estas caractersticas correspondia a 44,3%. Os dados do estudo sero mostrados nesta tese. Cf.: Tabela 10. 14 No estudo que realizamos com base nos microdados da PNAD, no ano de 2007, o percentual de cobertura

    previdenciria da Populao Economicamente Ativa - PEA ocupada correspondia a 49,5%.Cf.: Tabela 17.

  • 28

    Essa crise [que se manifestou no ltimo trimestre de 2008] afetou direta e indiretamente a

    execuo de programas e aes e a arrecadao das receitas da seguridade social em 2009.

    Diretamente pelos seus efeitos sobre a produo e o emprego, indiretamente, porque o governo

    adotou diversas medidas anticclicas para enfrentar e minimizar as suas conseqncias,

    renunciando a receitas e ampliando gastos (ANFIP, jul.2010, p.96).

    No entanto, para o IBGE, em relao ao emprego com carteira assinada houve

    crescimento de 2008 para 2009, em 1,5%, da mesma forma que o rendimento mdio mensal

    real teve crescimento de um para o outro ano, em 2,2% (IBGE, 2010, p. 66; 70).

    De qualquer modo, como nos anos anteriores, os indicadores relacionados ao trabalho

    repercutiram na cobertura previdenciria, em 2009, como ser demonstrado adiante.

    importante, todavia, ressaltar que no foram somente os indicadores relacionados ao

    trabalho que influenciaram a cobertura previdenciria em anos recentes. A instituio do

    oramento da seguridade social, que sustenta o financiamento das aes das polticas de

    sade, previdncia e assistncia social, pela Constituio Federal de 1988, tambm favoreceu

    a recuperao da cobertura previdenciria, desde ento.

    A aplicao dos objetivos da seguridade social de equidade na participao do custeio e

    da diversidade das fontes de financiamento, ainda que de modo parcial, foi um importante

    fator de favorecimento da cobertura previdenciria, cuja maior expresso o percentual dos

    chamados segurados especiais15

    da previdncia social no conjunto dos segurados do RGPS.

    De acordo com o Ministrio da Previdncia Social - MPS, com base nos dados da

    PNAD, em 2007, os segurados especiais foram estimados em 7,78 milhes do universo

    estimado de 53,82 milhes das pessoas ocupadas, com idade entre 16 e 59 anos, que possuam

    cobertura da previdncia naquele ano (BRASIL, out. 2008, p. 1). Essa categoria de segurado,

    criada em 1991, com base nas determinaes constitucionais referentes seguridade social,

    tem reduzida participao no custeio da seguridade social16

    , porm sua cobertura no

    desequilibra o sistema devido multiplicidade de fontes de financiamento que o sustenta,

    ainda que essa diversidade da base de financiamento no esteja sendo plenamente explorada e

    as fontes possuam diferentes importncias no conjunto do oramento.

    15 Categoria de segurado criada pela Lei 8.212, de 1991, que em seu art. 12, inciso VII c/c art. 195, 8 da

    Constituio Federal, considera segurado especial o produtor, o meeiro, o parceiro e o arrendatrio rurais e o pescador

    artesanal e seus cnjuges, que trabalham em regime de economia familiar, sem empregados permanentes. 16 A contribuio dos segurados especiais, incluindo o empregador rural corresponde 2,1% sobre a receita bruta da

    comercializao de sua produo agrcola. Cf. BRASIL, 1991a, art. 25. A Lei 11.718 de 23 de jun de 2008 traz as seguintes

    recomendaes: At 31 de dez de 2010 vale a regra atual para o trabalhador empregado e contribuinte individual rural, para

    obteno da aposentadoria por idade, ele dever comprovar apenas o exerccio da atividade rural. De 2010 a 2015 para fins

    de carncia para aposentadoria por idade, cada ms de contribuio ser multiplicado por trs, at o limite de 12 meses no

    ano. De 2016 a 2020, a contagem ser em dobro. Neste caso o trabalhador rural empregado ter que contribuir por pelo

    menos seis meses por ano para ter direito aposentadoria por idade. Cf. BRASIL, 2008d e BRASIL, 1 a 15 de ago.2008, p. 1.

  • 29

    Vale registrar que o oramento da seguridade social no tem sido destinado

    exclusivamente ao pagamento de aes referentes sade, previdncia e assistncia social

    como determina a Constituio Federal. Percebem-se desvios acentuados de recursos desse

    oramento para outras aes do governo federal. Os maiores percentuais de desvio ocorrem

    em funo da incidncia da Desvinculao das Receitas da Unio - DRU, para favorecer o

    cumprimento de compromissos do governo federal com os servios da dvida. A mdia de

    desvio do oramento da seguridade social no perodo de 2000 a 2008, por meio da incidncia

    da DRU representou 26,4 bilhes, com maior destaque para os anos de 2007 e 2008, em que

    essa incidncia representou 39,1 bilhes em ambos os anos (ANFIP, 2009, p.50).

    A proteo social das pessoas desocupadas inexpressiva. O seguro desemprego tem

    alcance limitado e condicionado a uma vinculao anterior ao trabalho com carteira

    assinada, com raras excees. As estratgias de ampliao da proteo social usadas pelo

    governo federal, em anos recentes, tendem centralidade da assistncia social, no mbito da

    seguridade social (MOTA [org.], 2008), com destaque para os programas de transferncia de

    renda, que alcanam os desempregados17

    . Nota-se, contudo, que essa tendncia centralidade

    da assistncia social de cunho poltico-ideolgico, pois material e estruturalmente essa

    poltica continua perifrica e no se constitui prioridade para novos investimentos.

    Portanto, no que se refere proteo social no Brasil, por meio do acesso previdncia,

    tomando-se como base os dados da PNAD/2009, nota-se que a situao dos trabalhadores

    muito difcil. Nesse ano, comparativamente a 2008, houve um pequeno crescimento da PEA

    ocupada contribuinte para qualquer regime de previdncia. Entretanto, no cmputo geral da

    PEA ampliou-se a quantidade estimada e o percentual de pessoas no coberto por qualquer

    regime de previdncia. A PEA total em 2009 foi estimada em 101,1 milhes de pessoas,

    sendo 92,7 milhes ocupadas e 8,4 milhes desocupadas. Da PEA ocupada, 53,5% (49,6

    milhes) contribuam para algum regime de previdncia, restando 43,1milhes sem proteo.

    Essa quantidade estimada de pessoas da PEA ocupada sem proteo, acrescida de 8,4 milhes

    estimados para a PEA desocupada atinge 51,5 milhes da PEA total sem cobertura

    previdenciria (IBGE, 2010, p.59; 61; 67). Em 2008 esse nmero correspondeu a 51,3

    milhes (IBGE, 2009). Portanto, estima-se que existem, atualmente, no Brasil, mais de 50

    milhes de pessoas da populao economicamente ativa sem cobertura previdenciria. uma

    estimativa elevada que afeta os nveis de pobreza e a qualidade de vida dos trabalhadores.

    17 Os que se enquadram nos critrios de renda familiar per capita adotados pelo programa.

  • 30

    As categorias que se encontram fora da cobertura previdenciria so aquelas que, na

    PEA, esto em ocupaes precrias, possuem os menores rendimentos ou no os possuem de

    forma alguma, possuem os menores nveis escolares ou so analfabetos funcionais. Isso sem

    referir os que no conjunto da Populao em Idade Ativa - PIA, desistiram de procurar trabalho

    e no possuem rendimentos. Estes, geralmente, desconhecem as formas de acesso

    previdncia e, se as conhecessem, dificilmente teriam como ter acesso a ela, no modelo atual.

    Esse universo de pessoas no foi computado na PEA, em funo da metodologia usada, mas

    por suas caractersticas compe o grupo dos que no possuem cobertura previdenciria.

    Assim, a no aplicao plena dos objetivos da seguridade social e das recomendaes

    constitucionais relacionadas ao seu oramento e a insuficincia de rendimentos, sobretudo por

    falta de acesso ao trabalho assalariado estvel constituem os principais obstculos para

    ingresso na previdncia social, no modelo atual.

    As medidas do governo federal, na ltima dcada, para reverter esse quadro foram

    limitadas e se apoiaram numa viso neoliberal de previdncia social como contato social,

    representando o compromisso entre geraes de trabalhadores (BRASIL, 16 a 31 de jul.

    2008). Isso a distancia dos princpios de seguridade social e responsabiliza exclusivamente o

    trabalhador pelos custos do sistema, negando a perspectiva de compromisso plural e solidrio,

    orientado pela Constituio Federal ao defini-la como poltica de seguridade social. Essa

    viso reflete a ditanova contratualizao que na viso de Boaventura de Sousa Santos18:

    Em primeiro lugar, trata-se de uma contratualizao liberal individualista, moldada na idia de

    contrato de direito civil, entre indivduos e no na idia do contrato social entre agregaes

    colectivas de interesses sociais divergentes [...]

    [...] A nova contratualizao , enquanto contratualizao social, um falso contrato, uma mera

    aparncia de compromisso constitudo por condies impostas, sem discusso ao parceiro mais

    fraco no contrato, condies to onerosas quanto inescapveis (SANTOS, 2010, p. 327).

    18Boaventura de Sousa Santos portugus, doutor em Sociologia do Direito, com vasta experincia acadmica e

    diversas obras publicadas. Algumas de suas obras so polmicas. A coletnea de artigos, Pela mo de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade, publicada no Brasil ao final dos anos 1990, foi acertadamente criticada pelo campo da tradio marxista. Cito o artigo subjetividade, cidadania e emancipao em que o autor afirma que o erro de Marx foi pensar que o capitalismo, por via do desenvolvimento tecnolgico das foras produtivas, possibilitaria ou mesmo tornaria necessria a

    transio para o socialismo. Como se veio a verificar, entregue a si prprio, o capitalismo no transita para nada seno para

    mais capitalismo. A equao automtica entre progresso tecnolgico e progresso social desradicaliza a proposta

    emancipadora de Marx e torna-a, de fato, perversamente gmea da regulao capitalista (SANTOS, 1997, p.243). Essa afirmao de autor, em nossa opinio, inconsistente teoricamente. O conjunto das obras de Marx mostra que no possvel

    uma transio automtica para o socialismo, mas que para isso indispensvel a organizao da vontade poltica dos trabalhadores, como diz Jos Paulo Netto, no artigo, O Marx de Sousa Santos: uma nota polmica, publicado pela revista acadmica do Programa de Ps-Graduaao da Escola de Servio Social - PPGESS, da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro - UFRJ, em 1997. Cf.: NETTO, 1997. Assim, apesar desta referncia sobre contrato social em Boaventura,

    discordamos do autor sobre a importncia da obra de Marx para a compreenso do capitalismo contemporneo e para apontar

    caminhos para a emancipao poltica e humana. Discordamos tambm de sua viso sobre Ps-modernidade e novos movimentos sociais e de parte de sua anlise sobre contrato social nos captulos 1 e 9 desta obra: SANTOS, 2010. Porm, concordamos com os contedos citados neste trabalho. Cf.: SANTOS, 1997; 2010 e NETTO, 1997.

  • 31

    As iniciativas do governo federal so limitadas tambm porque se apoiam em uma

    poltica de emprego baseada no rendimento mnimo do trabalho e na alta rotatividade. O ano

    de 2009 exemplo dessa situao, de cada 16 contratos assinados de trabalho, 15

    correspondiam a demisses no mesmo exerccio (ANFIP, jul. 2010, p. 57). Ademais, os

    programas do governo federal no modificam as causas estruturais do no acesso ao RGPS e

    ainda restringem direitos. Um exemplo o Programa de Educao Previdenciria - PEP, em

    andamento desde 1999, mas com pouco impacto, inclusive porque seu foco est na

    informao sobre os direitos e deveres dos beneficirios da previdncia social, mas no altera

    a condio de renda das pessoas alcanadas por ele. Outro exemplo o Plano Simplificado de

    Previdncia Social - PSPS criado pela Lei Complementar N 123 de dezembro e

    regulamentado pelo Decreto 6.042, de 12 de fevereiro de 2007. Este plano assegura um

    percentual de contribuio individual reduzido de 20% para 11% sobre o salrio-mnimo com

    vistas a atrair os trabalhadores que tm dificuldades para recolher o percentual de 20%.

    Porm, para que isso ocorra, preciso que o contribuinte faa opo pela excluso do direito

    ao benefcio de aposentadoria por tempo de contribuio. uma iniciativa que incentiva o

    acesso previdncia reduzindo direitos. Assim, os estimados mais de 50 milhes de

    trabalhadores que, em 2009 estavam sem cobertura previdenciria permanecem sem proteo

    (IBGE, 2010), mesmo que existam diversas categorias e grupos sociais tentando negociar com

    o governo federal formas mais adequadas aos seus perfis para contriburem com o sistema, a

    exemplo dos catadores de materiais reciclveis e vrias entidades do movimento de mulheres.

    Em face desse quadro e, considerando que no mbito das relaes informais de trabalho

    outras formas de ocupaes precrias se expandem neste contexto marcado pelo desemprego

    crnico no pas e grande parte do contingente nessas ocupaes precrias no dispe de

    cobertura previdenciria, considerando ainda o antagonismo entre a universalizao do

    trabalho assalariado e a lei geral de acumulao capitalista, questiona-se:

    Diante da desestruturao do trabalho, da corroso do significado de seguridade social

    previsto na Constituio Federal de 1988 e da insuficincia de renda do elevado quantitativo

    de trabalhadores, sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e,

    fundamentalmente dependente do trabalho assalariado estvel, quais os limites e

    possibilidades de universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil?

    Essa a indagao central que traduz o problema investigado no decorrer do Doutorado.

    A essa indagao, outras ganharam importncia no processo investigativo, como:

  • 32

    1- Quais as funes do Estado e da poltica social no capitalismo? Em que contexto e

    sob quais condies se estruturou a proteo social, especialmente, os seguros e a

    seguridade social, no mundo e no Brasil?

    2- A previdncia social, no mbito da seguridade social no Brasil, difundida como um

    contrato social, que compromissos sociais isso acarreta? Em que viso de contrato

    social a previdncia social no Brasil se apoia? A concepo de contrato social, sob a

    tica rousseauniana implicaria novos compromissos com a universalizao da

    cobertura da previdncia social, para alm dos existentes atualmente?

    3- Quais as principais caractersticas da condio do trabalho no Brasil, na primeira

    dcada do sculo XXI?

    4- No mbito da populao economicamente ativa, qual o perfil dos contribuintes da

    previdncia social e dos no contribuintes para o sistema previdencirio do Brasil, na

    primeira dcada do sculo XXI?

    5- Em um contexto de desemprego crnico e do trabalho precarizado, quais as principais

    estratgias recentes do governo federal para ampliar a cobertura do RGPS? So

    estratgias que apontam para a universalizao do acesso, sem restrio de direitos,

    respeitando os objetivos da seguridade social? So estratgias que atacam as causas

    estruturais que limitam ou impedem esta universalizao de cobertura?

    6- Que aspectos da economia e do mercado de trabalho devem ser considerados na

    construo de propostas na direo da universalizao da previdncia social?

    7- Em um contexto de desemprego estrutural, que medidas ainda no exploradas pelo

    governo federal so possveis vislumbrar para que, se adotadas, possam imprimir

    avanos ao processo de universalizao da previdncia social no pas?

    8- H condies legais e de financiamento que possibilitem alternativas de proteo

    social, pelo RGPS, aos trabalhadores informais que trabalham em regime de

    economia familiar, no meio urbano, no trabalho associado e cooperado sem fins

    lucrativos e s mulheres pelo trabalho (no-remunerado) realizado na reproduo

    social, sem restrio de direitos, comparativamente a outros trabalhadores?

    9- Qual seria a capacidade de expanso da cobertura do RGPS, se a forma plural e

    solidria de financiamento da seguridade social fosse plenamente executada,

    conforme previsto constitucionalmente, sem desvios de recursos para outros fins?

  • 33

    10- H necessidade de criao de novas fontes de financiamento da seguridade social

    para que haja avanos na direo da universalizao de seguridade social?

    Dessa forma, o objeto de pesquisa decorrente do problema apresentado a anlise dos

    limites e das possibilidades de universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil

    diante da desestruturao do trabalho, da corroso do significado da seguridade social previsto

    na Constituio Federal de 1988 e da insuficincia de renda do elevado quantitativo de

    trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e,

    fundamentalmente dependente do trabalho assalariado.

    A pesquisa partiu da hiptese de que a (des)estruturao do trabalho, a corroso

    do significado de seguridade social previsto na Constituio Federal de 1988 e o

    elevado quantitativo de trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de

    previdncia social conforme configurados na primeira dcada do sculo XXI, no

    Brasil, refletem a redefinio das funes do Estado e as mudanas estruturais no

    papel das foras produtivas no capitalismo contemporneo sustentadas pelo padro

    de acumulao flexvel em escala mundial, cujos efeitos principais so o

    desemprego macio prolongado, a precarizao do trabalho e a queda na renda

    mdia mensal real dos trabalhadores. Em face disso, aprofundam-se os limites para

    a universalizao da cobertura da previdncia social no pas, que se viabiliza,

    sobretudo, a partir do trabalho assalariado estvel, no universal. Entretanto, com

    base nos fundamentos que sustentam a previdncia social, no mbito da seguridade

    social, como um contrato social solidrio e democrtico, em um contexto da luta de

    classes e de uma correlao de foras poltica favorvel aos trabalhadores, possvel

    vislumbrar possibilidades de avanos na direo de sua universalizao. Isso requer

    o aprofundamento da democracia e a reorientao das diretrizes macroeconmicas

    vigentes, a partir de processos combinados que conduzam: criao de novos

    postos de trabalho assalariado formal e estvel; ao alargamento da participao dos

    trabalhadores inseridos nas relaes informais de trabalho , na base do RGPS;

    elevao da renda mdia mensal real dos trabalhadores e plena efetivao da

    viso de seguridade social expressa na Constituio Federal de 1988 , por meio do

    aprofundamento de seus objetivos, especialmente o da equidade na forma de

    participao no custeio, apoiado na diversidade da base de financiamento do

    sistema, inclusive criando novas fontes de financiamento, se necessrio.

  • 34

    O objeto de pesquisa foi circunscrito a um universo temtico constitudo a partir de

    quatro eixos: o padro de acumulao do capital, organizao do trabalho e a proteo social;

    concepo e financiamento da previdncia social no Brasil no contexto da seguridade; a

    condio estrutural do trabalho no Brasil e o seu impacto na cobertura da previdncia social

    em perodos especficos do sculo XX; a (des) estruturao do trabalho e a cobertura da

    previdncia social no Brasil no contexto da crise do capital na primeira dcada do sculo XXI

    e condies para a universalizao da cobertura da previdncia social no contexto da (des)

    estruturao do trabalho e da seguridade social no Brasil.

    O percurso realizado para elucid-lo assentou-se em um referencial terico-

    metodolgico cujos eixos norteadores formaram-se a partir das categorias tericas: trabalho,

    Estado, polticas sociais, seguridade social e previdncia social.

    A discusso sobre o trabalho ocupa lugar central nesta tese. a partir dela que outras

    categoria tericas vo ganhando importncia no trato do objeto de estudo. Assim, preciso

    que se explicite a tica de anlise que orienta sua abordagem, ainda que de modo sucinto.

    Inicialmente preciso dizer que a viso marxiana orientou nossas reflexes. O dilogo

    em torno da categoria trabalho desenvolveu-se, sobretudo, com Marx e Engels no que se

    refere ao seu significado para a constituio do ser social e na produo da vida material, nos

    marcos do capitalismo. Nas reflexes, contamos com o apoio das ideias de diversos autores

    que se colocam no campo da tradio marxista. Assim, as ideias que apontamos no corpo da

    tese, sobre a categoria trabalho esto referenciadas no lastro desta tradio terica e poltica.

    Na viso marxiana, o trabalho possui dupla dimenso. Esta tese reconhece e analisa

    estas duas dimenses do trabalho, a partir do que reafirma a sua centralidade na estruturao

    do capitalismo e das relaes sociais na contemporaneidade. Um dos pressupostos afianados

    por este estudo , portanto, o de que a sua capacidade de gerar mais-valia continua

    insubstituvel e vital para o capitalismo, mesmo em um contexto de desemprego crnico e de

    desestruturao do trabalho assalariado.

    Dessa forma, o capitalismo pode superexplorar a fora de trabalho pela intensificao de

    seu uso, pode precarizar as relaes de trabalho e restringir direitos dos trabalhadores, pode

    reduzir a criao e a oferta de postos de trabalho e aumentar o uso de tecnologias avanadas e

    de mtodos de trabalho para incrementar a produo e elevar a produtividade, mas no pode

    se abster da compra da fora humana de trabalho. ela que produz mais-valia, e a produo

    da mais-valia o que sustenta o modo de produo capitalista.

  • 35

    No contexto fordista/keynesiano o trabalho assalariado confirmou-se como condio de

    acesso proteo social. Foi a partir da relao capital/trabalho em conjunturas nas quais a

    correlao de foras entre as classes sociais esteve favorvel aos trabalhadores que vrios

    direitos se viabilizaram, principalmente os direitos relativos seguridade social. Isso aponta

    uma relao contextual entre trabalho, Estado e polticas sociais. E mostra, especialmente,

    que as diversas formas de interveno do Estado so condicionadas pelos interesses e

    capacidade de classe, os quais so determinados especialmente no nvel da produo.

    Assim, a categoria Estado compreendida, nesta tese, como uma expresso da luta de

    classes, o qual representa primordialmente os interesses da classe dominante. Porm,

    incorpora tambm relativamente as demandas da classe trabalhadora, explicitadas na luta de

    classes. Partindo dessa diretriz, a categoria Estado debatida, no seio da tese, com base na

    contribuio de diversos autores de tradio marxista. Suas funes so analisadas, assim, a

    partir de diferentes pontos de vistas. A seguinte passagem da obra de Iamamoto rene os

    eixos centrais a partir dos quais os dilogos sobre o Estado e as suas funes no capitalismo

    se desenvolvem no curso da tese:

    importante acentuar o papel que cumpre ao Estado nesse modo de dominao. O Estado tem o

    papel-chave de sustentar a estrutura de classes e as relaes de produo. O marxismo clssico j

    estabelecia as funes que pertencem ao domnio do Estado: criar as condies gerais da produo,

    que no podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos grupos dominantes: controlar as

    ameaas das classes dominadas ou fraes das classes dominantes, atravs de seu brao repressivo

    (exrcito, polcia, sistema judicirio e penitencirio); e integrar as classes dominantes, garantindo a

    difuso de sua ideologia para o conjunto da sociedade. Essas funes coercitivas se unem s

    funes integradoras, destacadas pela anlise gramsciana, exercidas pela ideologia e efetivadas por

    meio da educao, cultura, dos meios de comunicao e categorias do pensamento. Para Mandel

    (1985) as funes repressivas e integradoras se entrelaam para providenciar as condies gerais

    da produo (IAMAMOTO, 2007, p. 120).

    O contexto contemporneo marcado pelo comando do capital financeiro sobre os

    processos de acumulao, articulado aos grandes grupos industriais transnacionais, como bem

    configura Franois Chesnais:

    O mundo contemporneo apresenta uma configurao especfica do capitalismo, na qual o capital

    portador de juros est localizado no centro das relaes econmicas e sociais. As formas de

    organizao capitalistas mais facilmente identificveis permanecem sendo os grupos industriais

    transnacionais [...]. Mas a seu lado, menos visveis e menos atentamente analisadas, esto as

    instituies financeiras bancrias, mas sobretudo as no bancrias, que so constitutivas de um

    capital com traos particulares.[...] (CHESNAIS, 2005, p. 35).

    Sob essa configurao do capitalismo contemporneo o Estado assume funes

    diferenciadas das assumidas em outros contextos, porm sempre vinculadas s necessidades

    do capital, como bem delimita Iamamoto, apoiada em Husson (1999) e Ianni (2004a):

  • 36

    A mundializao no suprime as funes do Estado, de reproduzir os interesses

    institucionalizados entre as classes e grupos sociais, mas, modifica as condies de seu exerccio

    na medida em que aprofunda o fracionamento social e territorial. O Estado passa a presidir os

    grandes equilbrios sob a vigilncia estrita das instituies financeiras supranacionais, consoante a sua necessria submisso aos constrangimentos econmicos, sem que desapaream suas funes

    de regulao interna (IAMAMOTO, 2007, p.121).

    Quanto s polticas sociais, no curso da tese, o propsito foi problematizar o seu

    surgimento e desenvolvimento no contexto da acumulao capitalista e da luta de classes,

    com a perspectiva de demonstrar os seus limites e possibilidades. Assim, a partir da

    perspectiva crtico-dialtica, essa foi concebida como como uma mediao entre economia e

    poltica, como resultado de contradies estruturais engendradas pela luta de classes e

    delimitadas pelos processos de valorizao do capital (BEHRING, 2009b, 302).

    Assim, a inteno foi analis-las, conforme sugere Behring (2009b): como processos e

    resultados de relaes complexas e contraditrias que se estabelecem entre Estado e sociedade

    civil no mbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produo e

    reproduo do capitalismo, nos seus grandes ciclos de expanso e estagnao (Id., p. 304).

    Esse esforo foi direcionado, sobretudo para entender a seguridade social conforme

    estruturada no mundo capitalista no Ps-Guerra e instituda no Brasil, em 1988. Esforo

    equivalente foi feito para compreender a previdncia social no mbito da seguridade social.

    No capitalismo, a seguridade social estruturou-se tendo como referncia a organizao

    social do trabalho e constituiu-se como o centro dos sistemas de proteo social. A sua

    conformao em cada pas deu-sede acordo com as condies especficas do desenvolvimento

    do capitalismo, da luta de classes e capacidade de presso da classe trabalhadora. Assim,

    assumiu uma face mais abrangente ou mais restrita, segundo o contexto em que se fundou e

    desenvolveu.

    No Brasil, sua instituio aconteceu em um perodo histrico de luta por direitos sociais

    e restabelecimento das liberdades democrticas. Assim foi concebida como um conjunto

    articulado de aes de iniciativa dos poderes pblicos e da sociedade, voltadas para viabilizar

    os direitos referentes sade, previdncia e assistncia social (BRASIL, 2008a, art. 194) e

    foi orientada para atender a um conjunto de objetivos que apontam para a sua universalizao

    e capacidade de incidir na reduo da pobreza e das desigualdades sociais no pas. Todavia,

    sua estruturao deu-se, no contexto da onda longa recessiva, sob os auspcios da ideologia

    liberal e financeirizao do capital o que corroeu o seu significado original. Constituiu grande

    conquista dos trabalhadores na dcada de 1980. No tempo presente , sobretudo, um campo

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    de lutas e de formao de conscincia crtica em relao desigualdade social no

    Brasil, de organizao dos trabalhadores (CFESS, set. 2000, p. 2).

    A caracterizao da previdncia social como poltica de seguridade social,

    permite que seja comparada a um contrato social. Duas vises de contrato social

    permeiam os debates entre os que assim a concebem: uma baseada na viso do

    liberal John Rwals (dominante) e outra na viso do democrata Rousseau. Assim,

    como uma poltica de seguridade social, que viabiliza direitos derivados e dependentes do

    trabalho, a previdncia social tem sofrido as mesmas determinaes econmicas e polticas

    que dilapidaram o significado da seguridade social. Sob a viso neoliberal, tem sido tratada

    como um seguro privado, como um contrato social entre geraes de trabalhadores, ao

    mesmo tempo em que tem sido alvo de disputa do grande capital, como um negcio rentvel.

    Esse o microextrato do referencial terico, que compe o corpo da tese e fundamenta

    o trato do objeto, o percurso para elucid-lo e as reflexes desenvolvidas.

    O objetivo geral da pesquisa foi identificar limites e possibilidade de universalizao da

    cobertura da previdncia social no Brasil diante do aprofundamento da desestruturao do

    trabalho assalariado, da dilapidao da seguridade social e do elevado quantitativo de

    trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e

    fundamentalmente dependente do trabalho assalariado formal. Este objetivo geral vinculou-se

    aos seguintes objetivos especficos: Recuperar o debate sobre o trabalho assalariado como

    condio de acesso proteo social, sob o fordismo/keynesianismo, e sobre as funes da

    poltica social, principalmente da seguridade social luz do pensamento de autores do campo

    da tradio marxista; resgatar o significado de seguridade social expresso pela Constituio

    Federal de 1988 e a concepo de previdncia social como uma poltica de seguridade social,

    fundada na viso de contrato social solidrio e democrtico, com vistas a mostrar a

    dilapidao dessa noo e ao mesmo tempo, o potencial universalizante de proteo social

    que ela possui; evidenciar a condio estrutural do trabalho no Brasil na primeira dcada do

    sculo XXI, a partir da anlise dos indicadores do trabalho e de seus rebatimentos na

    cobertura da previdncia social; explicitar os diferentes graus de dependncia histrica do

    sistema de previdncia social no Brasil do trabalho assalariado estvel, bem como os impactos

    e restries que esta dependncia impe universalizao da previdncia social no pas;

    revelar o formato de financiamento e gasto da seguridades social estabelecidos pela

    Constituio Federal de 1988 e as suas potencialidades na direo da universalizao do

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    acesso ao sistema; mostrar o perfil das pessoas da PEA contribuintes do RGPS e dos no

    contribuintes para qualquer regime de previdncia, na primeira dcada do sculo XXI; apontar

    limites e possibilidades de ampliao da cobertura da previdncia social mediante o

    incremento do emprego estvel, da plena efetivao do oramento da seguridade social e da

    equidade na forma de participao no custeio da seguridade social, da promoo da filiao

    ao RGPS a partir da vinculao a outras ocupaes diferentes do trabalho assalariado e da

    criao de novas formas de custeio da seguridade.

    Recorte Metodolgico

    O objeto de pesquisa foi abordado a partir da perspectiva crtico-dialtica, priorizando-

    se o desvendamento das contradies que o envolvem enquanto fenmeno social analisado,

    com vista a apreender suas mltiplas determinaes luz de sua contextualizao histrica e

    do referencial terico que orientou a tese.

    Sob esta tica, o esforo foi superar a aparncia fenomnica e emprica referente

    relao entre trabalho assalariado e previdncia social no Brasil, especialmente na primeira

    dcada do sculo XXI, com vista a identificar, na essncia dessa relao, os limites e

    possibilidades de avanos na direo da universalizao da previdncia social no pas, no

    contexto de desestruturao do trabalho e da seguridade social.

    No decorrer da pesquisa, tentamos assegurar que a relao teoria /histria perpassasse

    todo o processo investigativo, em decorrncia da compreenso de que at mesmo as

    categorias mais abstratas so produtos de sua prpria condio histrica e no possuem pleno

    valor seno nos limites destas condies (MARX, 2003). Do mesmo modo, procuramos

    conduzir as anlises na perspectiva de totalidade, de forma que os complexos constitutivos da