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Universidade de Braslia - UnB
Instituto de Cincias Humanas - IH
Departamento de Servio Social - SER
Programa de Ps-Graduao em Poltica Social - PPGPS
(Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da
Previdncia Social no Brasil
Maria Lucia Lopes da Silva
BRASLIA - DF
2011
II
Universidade de Braslia - UnB
Maria Lucia Lopes da Silva
(Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da
Previdncia Social no Brasil
Braslia - DF
2011
III
Maria Lucia Lopes da Silva
(Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da
Previdncia Social no Brasil
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Poltica Social do
Departamento de Servio Social da Universidade
de Braslia - UnB como requisito para a obteno
do ttulo de Doutora em Poltica Social.
Orientadora: Prof. Dr. Ivanete Salete Boschetti
Braslia - DF
2011
IV
MARIA LUCIA LOPES DA SILVA
(Des) estruturao do trabalho e condies para a universalizao da
Previdncia Social no Brasil
Tese de Doutorado aprovada em 24 de maro de 2011.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Ivanete Salete Boschetti
Orientadora - SER/UnB
Prof. Dr. Elaine Rossetti Behring
Membro externo - UERJ/RJ
Prof. Dr Marilda V. Iamamoto
Membro Externo - UERJ/RJ
Prof. Dr. Mrio Lisboa Theodoro
Membro Titular - SER/UnB
Prof. Dr. Rosa Helena Stein
Membro titular - SER/UnB
Prof. Dr. Evilsio Salvador
Membro Suplente - SER/UnB
V
Este trabalho dedicado s pessoas que mais amei e se foram durante a sua elaborao:
Minha querida me, Adalgiza Lopes da Silva, cujo perfume ainda posso sentir;
Meu amado pai, Raimundo Ferreira da Silva, principal incentivador e exemplo de vida; e
O meu irmo, que docemente me chamava de filha, Joaquim Lopes da Silva.
In memoriam.
VI
AGRADECIMENTOS
Esta tese no me pertence exclusivamente. Eu conduzi a sua elaborao, apoiada em
trabalhos anteriormente feitos por estudiosos e pesquisadores, no afastamento remunerado do
exerccio profissional, em orientaes acadmicas, em trabalhos de profissionais realizados
com o fim especfico de enriquec-la, em uma conjugao de esforos e aes solidrias de
familiares, de amigos e de companheiros de militncia, tudo meticulosamente articulado pelas
energias universais que nos tornam UNO. Sob esta tica, agradeo aos que contriburam para
que ela tivesse esta densidade material, e o fao, especialmente:
Aos autores de trabalhos de temas correlatos consultados no curso de sua preparao;
Ao Instituto Nacional do Seguro Social pela autorizao para o afastamento remunerado
das atividades do exerccio profissional durante a sua elaborao;
Aos servidores do Departamento de Servio Social, sempre disponveis para atender;
Aos componentes da Banca Examinadora por terem aceitado o convite e contribudo
para o aperfeioamento da tese e para o meu crescimento acadmico;
Ivanete Boschetti, orientadora e amiga, pelas orientaes acadmicas esclarecedoras e
oportunas que me ajudaram a concluir este trabalho e, pela compreenso, pacincia e
profunda solidariedade nos momentos difceis;
Elaine Behring por ter tido importncia singular em meu percurso acadmico recente,
contribuindo de modo cuidadoso para que a afirmao de minhas convices terico-
metodolgicas, no campo das polticas sociais, tenha sido prazerosa.
Aos estatsticos, Fbio de Arajo e Leonardo Aguirre pela contribuio no tratamento e
organizao dos dados estatsticos, especialmente dos microdados da PNAD;
Mione Sales e ao Demtrio Pereira pela dedicao, em tempo exguo, reviso inicial
deste trabalho e traduo do resumo para outros idiomas;
ANFIP e ao Prof Evilsio Salvador pela cesso de tabelas e grficos de suas autorias;
Ao Marcelo Sitcovsky pelo apoio na hora decisiva;
VII
Aos companheiros/as do Comit Nacional para Elaborao de Polticas para Populao
em Situao de Rua e da Chapa concorrente ao CFESS, Tempo de Luta e Resistncia
pela compreenso por minha limitada presena em tempos recentes;
s queridas Ana Paula e Araci Onghero e demais colegas do Self-healing pelo apoio;
Aos queridos/as amigos/as: Marinete Cordeiro, Cleisa Rosa, Priscilla Maia, Sandra
Teixeira, Camile Mesquita, Alberto Andrade, Marilis Xavier, Maria Jos de Freitas,
Cristiane Ducap, Anderson Moraes e Jurilza Mendona pela imensurvel contribuio
no decorrer da elaborao desta tese, das mais diferentes formas, todas decisivas para
que o cronograma de trabalho fosse cumprido - queridos/as este trabalho pertence
tambm a vocs, minha gratido infindvel.
Aos meus irmos e irms, sobrinhas e sobrinhos pela torcida, apoio, carinho e,
compreenso pela ausncia em momentos especiais de suas vidas;
s queridas Alice Lopes, Germana Andrande, Graziella Carvalho e Lorena Andrade
pela presena e apoio nos momentos mais delicados e difceis desta caminhada - o que
vocs fizeram somente se faz para quem se ama. Obrigada por este amor!
Enfim, Famlia Dias: ao Fernando e Adriane pelo jeito intenso e mpar de terem sido
amigos e solidrios nos meses mais recentes, sobretudo a vocs devo a concluso deste
trabalho. E, querida Belinha por ter iluminado e alegrado os meus dias, quando eu
estava em pedaos e precisava estar inteira e por permitir que os seus pais pudessem vir
ao meu socorro. Espero ser capaz de ser infinitamente grata!
VIII
Minha posio polmica. Coloco-me, porm, do lado que me parece guardar a verdade,
como militante do pensamento socialista. FLORESTAN FERNANDES1.
1 Cf.: FERNANDES, 1982, p.4.
IX
RESUMO
Esta tese examina, no contexto contemporneo de desestruturao do trabalho e da
seguridade social no Brasil, as condies para a universalizao da previdncia social.
Argumenta-se que o modelo de previdncia social adotado no pas at a instituio da
seguridade social, em 1988, dependia exclusivamente do trabalho assalariado e tinha sua
cobertura estritamente vinculada ao nvel de emprego. A partir daquele ano, a concepo de
seguridade social e o seu modelo de financiamento possibilitaram o ingresso, na previdncia
social, de trabalhadores que esto inseridos em relaes informais de trabalho, tornando-a,
fundamentalmente, mas no exclusivamente dependente do trabalho assalariado formal. Com
isso, apesar da existncia de limites estruturais plena universalizao desta poltica social no
marco do capitalismo h possibilidades de avanos expressivos nessa direo. Todavia, para
atender aos interesses do grande capital, o significado da seguridade social brasileira vem
sendo corrodo, o seu supervit negado e os direitos da previdncia social reduzidos. Sob o
argumento neoliberal de que constitui um contrato social entre geraes, tenta-se desvincul-
la dos objetivos da seguridade social. Na atualidade, h mais de 50 milhes de pessoas da
Populao Economicamente Ativa fora de sua proteo. So pessoas, principalmente do sexo
masculino, com baixa escolaridade e renda de at dois salrios mnimos. As estratgias
usadas pelo governo federal para ampliar a sua cobertura fogem aos objetivos da seguridade
social prescritos na Constituio do Brasil, imprimem alguma facilidade ao acesso, mas
restringem direitos. Dessa forma, os avanos possveis na direo da universalizao da
previdncia social, como poltica de seguridade social, esto condicionados luta de classes e
a uma correlao de foras capaz de promover, entre outras coisas, a reorientao das
diretrizes macroeconmicas e da poltica de emprego adotadas, o aprofundamento da
democracia no pas e o fortalecimento dos objetivos da seguridade social e do controle da
sociedade sobre a seguridade social, em especial sobre a previdncia social.
Palavras-chave: trabalho, trabalho assalariado, informalidade, contrato social, seguridade
social, assistncia social e previdncia social.
X
ABSTRACT
This thesis examines, in the contemporary context of work and social security
destructuring in Brazil, the conditions for the universalization of social welfare. It is argued
that the model of welfare state adopted in the country up to the institutionalization of social
security, in 1988, depended exclusively on the paid work and had its coverage strictly linked
to level of employment. Since 1988, then, the conception of social security and its model of
functioning made possible the entrance, into the social welfare, of workers who are in the
informal relations of employment, making it, fundamentally, but not exclusively, depended on
formal work. Thus, despite the presence of structural limits to the full universalization of this
social policy in the framework of capitalism, there are possibilities of expressive
advancements in this direction. However, in order to meet the interests of the big capital, the
meaning of the Brazilian social security has been eroded, its surplus denied and the rights to
the social welfare reduced. Under the neoliberal argument that constitutes a social contract
between generations, there have been attempts to unlink it from the goals of social security.
There are, nowadays, more than 50 million people of the Economically Active Population
outside of its protection. They are people, and most of them are men, of low level of formal
education and income of up to two minimum wages. The strategies used by the federal
government to widen its coverage are out of the objectives of social security prescribed in the
Brazilian Federal Constitution. These strategies facilitate the access, but restrict the rights. So,
possible advances in the direction of universalization of social welfare as a policy of social
security are determined by the struggle of classes and by the correlation of forces that is able
to promote, among others, the reorientation of the macroeconomic directives and the policy of
employment adopted, the deepening of the national democracy and the strengthening of the
goals of social security and of the control of the society over social security, specially over
social welfare.
Key-words: work, paid work, informality, social contract, social security, social assistance
and social welfare.
XI
RSUM
Cette thse examine, dans le contexte contemporain de la dstructuration du travail et de la
scurit sociale , les conditions de luniversalit du droit la retraite au Brsil. Nous argumentons que le modle de retraite adopt dans le pays jusqu linstitution de la scurit sociale - un systme national tripartite qui inclut la sant, lassistance sociale et le droit la retraite en 1988, tait fond exclusivement sur le travail salari. Sa couverture tait strictement lie lemploi. Depuis cette date, la conception de scurit sociale avec son nouveau modle de financement ont permis aux travailleurs de lconomie informelle laccs au droit la retraite. Toutefois, le systme du droit la retraite reste fondamentalement
dpendant, quoique pas exclusivement, des cotisations issues de lemploi salari formel.Ainsi, bien quil existe des limites structurelles luniversalit de la politique sociale sous le capitalisme, il y a des possibilits davances significatives dans ce sens. Cependant, pour rpondre aux intrts du capital, selon une terminologie marxienne, les prsupposs de la
scurit sociale brsilienne sont des plus en plus rods : son superavit [excdent fiscal]
est ni et les droits de retraite rduits. En vertu de largument nolibral de que le droit la retraite reprsente un contrat social entre les gnrations, les tentatives sont nombreuses pour
dissocier ce droit des objectifs de la scurit sociale . Actuellement, plus de 50 millions de
personnes de la Population Economiquement Active (PEA) sont en dehors de sa protection.
Cest une population, surtout des hommes, avec un faible niveau de scolarit et dont le revenu peut aller jusqu deux fois le salaire minimum. Les stratgies utilises par le gouvernement fdral, dans le but dlargir sa couverture, chappent, pourtant, aux objectifs et aux principes de la scurit sociale prvus dans la Constitution brsilienne. Elles permettent davoir une certaine facilit daccs, mais au fond elles restreignent les droits. Ceci dit, les progrs possibles dans le sens de luniversalit du droit la retraite, en tant que politique de scurit sociale , sont conditionns la lutte de classes. Seulement le rsultat de corrlation des
forces sociales sera capable de dcider de la rorientation des lignes directrices des politiques
macroconomiques et de la politique de lemploi adoptes. Lapprofondissement de la dmocratie et le renforcement des objectifs et du contrle social par rapport scurit
sociale , en particulier du droit la retraite, sont aussi dpendants de ce dnouement la fois,
politique, social et conomique.
Mots-cls : travail, emploi, conomie informelle, contrat social, scurit sociale, assistance
sociale et droit la retraite.
XII
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Diferena entre o financiamento e o gasto da Seguridade Social, segundo a anlise do
Ministrio da Previdncia Social e da Associao Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal - ANFIP, 2001 a 2009.
TABELA 2 Renncias e outros gastos tributrios (1) para a Confins - diversos exerccios.
TABELA 3 Seguridade Social: Mdia sobre o total do percentual das fontes de recursos, 2000-
2007.
TABELA 4 Retrospectivos: Previdncia e Assistncia Social Institutos e Caixas de Aposentadoria
e Penses - 1923/1951.
TABELA 5 Institutos e Caixas de Previdncia e Assistncia Social - Nmero de Associados e
Resultados Financeiros, por institutos e Caixas - 1950/1957.
TABELA 6 Institutos e Caixas de Previdncia e Assistncia Social - Nmero de Associados e
Resultados Financeiros - 1959/1968.
TABELA 7 Segurados do Instituto Nacional da Previdncia Social, por categoria, segundo as
Unidades da Federao - 1978/1983.
TABELA 8 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte
para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte
(quantidade e %), segundo os anos - 1987-1989.
TABELA 9 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na
semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,
Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)
segundo os anos - 1987-1989.
TABELA 10 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte
para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte
(quantidade e %), segundo os anos - 1990-1999.
TABELA 11 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na
semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,
Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)
segundo os anos - 1990-1999.
XIII
TABELA 12 Evoluo das contrataes, demisses e o saldo lquido, em postos de trabalhado
registrados, e o percentual de admisses em faixas de remunerao de at dois
salrios mnimos - 20005 a 2009.
TABELA 13 Nvel de Ocupao, Taxa de Atividade e Taxa de Desocupao (%), a partir da
Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), Brasil,
segundo os anos - 2001-2008.
TABELA 14 Nvel de Ocupao, Taxa de Atividade e Taxa de Desocupao (%), a partir da
Populao Economicamente Ativa - PEA (10 e mais de idade), Brasil, segundo os
anos - 2001-2008.
TABELA 15 Rendimento mdio real habitual da populao ocupada, por regio metropolitana (%)
- ago/2002; ago/2003; ago/2004; ago/2005; ago/2006; ago/2007; ago/2008; ago/
2009; jul/2010 e ago/2010 (10 anos e mais de idade).
TABELA 16 Trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada no trabalho principal e
contribuintes para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho, com
base Populao Economicamente Ativa - PEA, ocupada (10 anos e mais de idade),
(%), Brasil, 2001-2009.
TABELA 17 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), contribuinte
para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e no contribuinte
(quantidade e %), segundo os anos - 2001-2008.
TABELA 18 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupadas na
semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,
Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)
segundo os anos - 2001-2008.
TABELA 19 Populao Economicamente Ativa - PEA (10 anos e mais de idade), ocupadas na
semana de referncia, contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS,
Militares e RPPS) a partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %)
segundo os anos - 2001-2008.
TABELA 20 Populao Economicamente Ativa - PEA (10 anos e mais de idade), Ocupada,
contribuinte para regime de previdncia, em qualquer trabalho, por Grandes Regies -
2008/2009.
TABELA 21 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade),
contribuinte para o Regime Geral de Previdncia Social - RGPS, segundo o sexo -
Brasil, 2002, 2004, 2006 e 2008.
TABELA 22 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), no
contribuinte para qualquer regime de Previdncia Social, segundo o sexo - Brasil,
2002, 2004, 2006 e 2008.
XIV
TABELA 23 Populao Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de
idade), condio e regime de contribuio previdenciria, segundo a renda, Brasil, -
2008.
TABELA 24 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, requeridos, por
espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e
2009.
TABELA 25 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, concedidos, por
espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e
2009.
TABELA 26 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, indeferidos, por
espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008
e 2009.
TABELA 27 Benefcio de Prestao Continuada de Assistncia Social - BPC, concedidos por
deciso judicial, por espcie (quantidade e %), Brasil, segundo os anos de 2004,
2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010.
XV
LISTA DE GRFICOS
GRFICO 1 Evoluo do Supervit da Seguridade Social - sem e com os efeitos da
Desvinculao dos Recursos da Unio - 2000 a 2008.
GRFICO 2
Indicadores do trabalho, considerando a Populao Economicamente Ativa - PEA
(10 anos e mais de idade) e contribuintes para qualquer regime de previdncia
(%), Brasil, 1992-2009.
GRFICO 3 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade),
contribuinte para qualquer regime de previdncia a partir de qualquer trabalho e
no contribuinte (quantidade e %), segundo os anos - 1987-2008.
GRFICO 4 Populao Economicamente Ativa - PEA (entre 16 e 64 anos de idade), ocupada,
contribuinte para regimes especficos de previdncia (RGPS, Militares e RPPS) a
partir de qualquer trabalho e no contribuinte (quantidade e %) segundo os anos-
1987-2008.
GRFICO 5 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para
o RGPS, segundo a faixa etria, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
GRFICO 6 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para
o RGPS, segundo a renda nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
GRFICO 7 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) contribuinte para
o RGPS, segundo anos de estudo, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
GRFICO 8 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,
segundo a faixa etria, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
GRFICO 9 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,
segundo a renda nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
GRFICO 10 Perfil da Populao Economicamente Ativa - PEA (16-64 anos) no contribuinte,
segundo anos de estudo, nos anos de 2002, 2004, 2006 e 2008.
XVI
LISTA DE SIGLAS
AEPS - Anurio Estatstico da Previdncia Social
ANC - Assembleia Nacional Constituinte
ANFIP - Associao Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
APL - Arranjos Produtivos Locais
ASMARE-
BEPS -
Associao dos Catadores de Papel, Papelo e Material Reaproveitvel
Boletim Estatstico da Previdncia Social
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
Bird - Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento
BPC - Benefcio de Prestao Continuada da Assistncia Social
BM - Banco Mundial
CAPs - Caixas de Aposentarias e Penses
CBO - Classificao Brasileira de Ocupaes
CDP - Certificado da Dvida Pblica
CFESS - Conselho Federal de Servio Social
Ceme - Central de Medicamentos
CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil
CLP - Comisso de Legislao Participativa
CLT - Consolidao das Leis do Trabalho
CNSS - Conselho Nacional de Seguridade Social
Confins - Contribuies para o Financiamento da Seguridade Social
Contag - Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPMF - Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira
CSLL - Contribuio Social sobre o Lucro Lquido
CUT - Central nica dos Trabalhadores
CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
DASP - Departamento Administrativo do Servio Pblico
DBA - Departamento de Benefcios Assistenciais
Dataprev - Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos
XVII
DRU - Desvinculao de Receitas da Unio
EC
FELC -
Emenda Constitucional
Frum Estadual Lixo e Cidadania de Minas Gerais
EFPC - Entidade Fechada de Previdncia Complementar
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador
FET - Fundo de Estabilizao Fiscal
FIES - Fundo de Incentivo ao Ensino Superior
FIPPS - Frum Itinerante e Paralelo sobre a Previdncia Social
FIPSS - Frum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social
FMI - Fundo Monetrio Internacional
FNAS - Fundo Nacional de Assistncia Social
FNS - Fundo Nacional de Sade
FNPS - Frum Nacional sobre Previdncia Social
FRGPS - Fundo do Regime Geral de Previdncia Social
FS - Fundo Social
FSM -
FSE -
Frum Social Mundial
Fundo Social de Emergncia
Fsindical - Fora Sindical
FUMIN - Fundo Multilateral de Investimentos
Funabem - Fundao Nacional de Bem-Estar do Menor
Funrural - Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural
Gesst - Grupo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social e Trabalho
Iapas - Instituto de Administrao Financeira da Previdncia Social
IAPs - Institutos de Aposentadorias e Penses
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS - Circulao de Mercadoria e Servios
INAMPS - Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
INPS - Instituto Nacional da Previdncia Social
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
IPASE - Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do Estado
ISSB - Instituto de Servios Sociais do Brasil
Ipea - Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas
XVIII
IPMF - Imposto Provisrio sobre Movimentao Financeira
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
IRPJ - Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas
IVA-F - Imposto sobre Valor Adicionado Federal
LBA - Fundao Legio Brasileira de Assistncia Social
LOA - Lei Oramentria Anual
LOAS - Lei Orgnica de Assistncia Social
LOPS - Lei Orgnica da Previdncia Social
LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal
MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
MEI - Programa do Microempreendedor
MNCR - Movimento Nacional de Catadores de Materiais Reciclveis
MNPR - Movimento Nacional de Populao de Rua
MPAS - Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
MPS - Ministrio da Previdncia Social
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego
NAP - Ncleo de Avaliao de Polticas
NCST - Nova Central Sindical do Brasil
OCDE - Organizao para Cooperao do Desenvolvimento Econmico
OIT - Organizao Internacional do Trabalho
OMC - Organizao Mundial do Comrcio
PBF - Programa Bolsa Famlia
PDV - Programa de Demisso Voluntria
PEA - Populao Economicamente Ativa
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego
PEP - Programa de Educao Previdenciria
PIA - Populao em Idade Ativa
PIB - Produto Interno Bruto
PIS - Programa de Integrao Social
PME - Pesquisa Mensal de Emprego
XIX
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio
PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
Pr-rural - Programa de Assistncia ao Trabalhador Rural
PSPS - Programa Simplificado de Previdncia Social
REFIS - Programa de Recuperao Fiscal
RGPS - Regime Geral de Previdncia Social
RJU - Regime Jurdico nico
RMV - Renda Mensal Vitalcia
RPPS - Regimes Prprios de Previdncia Social
SABI - Sistema de Administrao de Benefcios por Incapacidade
Sead - Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados
Sebrae - Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
Senaes - Secretaria Nacional de Economia Solidria
Senarc - Secretaria Nacional de Renda de Cidadania
Simples - Regime Especial Unificado de Arrecadao de Tributos e Contribuies
devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
Sinpas - Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social
SIES - Sistema Nacional de Informaes em Economia Solidria
SNAS - Secretaria Nacional de Assistncia Social
SPS - Secretaria de Previdncia Social
SRFB - Secretaria da Receita Federal do Brasil
SUAS - Sistema nico de Assistncia Social
Susep - Superintendncia de Seguros Privados
SUS - Sistema nico de Sade
UDN - Unio Democrtica Nacional
UGT - Unio Geral dos Trabalhadores
UFF - Universidade Federal Fluminense
XX
Introduo ................................................................................................................................. 21
Capitulo I - Acumulao do Capital, organizao do trabalho e proteo social
1.1. O trabalho assalariado como condio de acesso proteo social .............................. 46 1.2. O padro de acumulao fordista, a organizao do trabalho e a proteo social, de
1940 a 1970 .......................................................................................................................... 57 1.3. A acumulao flexvel, a condio estrutural do trabalho e os sistemas de proteo
social a partir da dcada de 1970. ......................................................................................... 77
Captulo II - A previdncia social no Brasil no contexto da seguridade social: concepo e
financiamento ........................................................................................................................... 89
2.1. O significado da seguridade social na Constituio Federal de 1988 ........................... 89 2.2. A concepo de previdncia social como um contrato social ..................................... 106 2.3. Formato do financiamento e gasto da seguridade social ............................................. 126 2.4. Balanos recentes entre as receitas e as despesas da seguridade social e importncia de
cada fonte no financiamento dos gastos do sistema ........................................................... 136
Captulo III - A condio estrutural do trabalho no Brasil e o seu reflexo na cobertura da
previdncia social em perodos especficos do sculo XX ..................................................... 149
3.1. Particularidades da formao do mercado de trabalho no pas e da estruturao da
previdncia social, com cobertura a categorias especficas (1920 a 1970) ........................ 151 3.2. A instituio da seguridade social no Brasil em um contexto internacional de mudanas
no mundo do trabalho com reflexos no pas e o seu rebatimento na cobertura da previdncia
social (dcada de 1980) ...................................................................................................... 189
3.3. A reestruturao produtiva no Brasil e o seu impacto no mundo do trabalho e na
cobertura da previdncia na dcada de 1990 ...................................................................... 200
Capitulo IV - A ( des)estruturao do trabalho e a cobertura da previdncia social no Brasil no
contexto da crise do capital na primeira dcada do sculo XXI
4.1. Aspectos gerais da economia e da organizao do trabalho no incio do sculo XXI
que desafiam a universalizao da cobertura da previdncia social. .................................. 211 4.2. Indicadores do trabalho nos anos 2000 comparados PEA contribuinte ao sistema previdencirio e aos no contribuintes. .............................................................................. 227 4.3. Perfil dos contribuintes ao RGPS e dos no contribuintes para qualquer regime de
previdncia na primeira dcada do sculo XXI .................................................................. 249
Captulo V - condies para a universalizao da cobertura da previdncia social no contexto
da (des)estruturao do trabalho e da seguridade social no Brasil ......................................... 260
5.1. Limites universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil ..................... 262 5.2. Limites de proteo social aos desempregados e subempregados .............................. 276 5.3. Estratgias recentes do governo federal para ampliar a cobertura do RGPS .............. 285
5.4. Amostra de propostas dos movimentos sociais pela ampliao do acesso ao
RGPS.......................................................................................................................................298
Consideraes finais: possibilidades de avanos rumo universalizao da previdncia social
................................................................................................................................................ 318
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Introduo
Hoje vivemos em um mundo firmemente mantido sob as rdeas do
capital, numa era de promessas no cumpridas e esperanas
amargamente frustradas, que at o momento s se sustentam por
uma teimosa esperana. ISTVN MESZROS2
A anlise de condies para a universalizao da previdncia social no Brasil requer
situ-la na totalidade histrica levando-se em conta a configurao assumida pelo capital no
processo de renovao do padro de acumulao no cenrio contemporneo cujas estratgias
incidem na desestruturao do trabalho e dos direitos relativos seguridade social.
As medidas para amortecer os efeitos da crise que marca a cena contempornea mundial
so movidas pela busca incessante do capital por super lucros e se sustentam na
superexplorao da classe trabalhadora mediante a extrao do trabalho excedente. Tais
medidas esto conectadas reestruturao produtiva, financeirizao do capital e
redefinio das funes do Estado, que compem a estratgia de enfrentamento da onda longa
recessiva (MANDEL, 1982) que se tornou evidente em meados da dcada de 1970.
Sob a ideologia neoliberal, esta estratgia e os seus efeitos mudaram as relaes e a
dinmica da sociedade capitalista contempornea.
A face financeira do capital comanda a acumulao, afeta a configurao do Estado e da
sociedade civil, mais a organizao dos trabalhadores e as lutas sociais. Como diz Iamamoto:
Na busca incessante e ilimitada do aumento exponencial da riqueza quantitativa - o crescimento do
valor pelo valor -, os investimentos financeiros tornam a relao social do capital com o trabalho
aparentemente invisvel. Intensifica-se a investida contra a organizao coletiva de todos aqueles
que, destitudos de propriedade, dependem de um lugar nesse mercado (cada dia mais restrito) para
produzir o equivalente de seus meios de vida (Id., 2007, p. 21).
Nesse contexto, potencializados pelas diretrizes neoliberais, advindas dos poderes
imperialistas e impostas aos pases do capitalismo perifrico, como o Brasil, aprofundam-se
as desigualdades sociais, o desemprego macio prolongado, a desregulamentao e a
informalizao das relaes de trabalho, elevando-se o quantitativo dos destitudos de direitos.
O Estado assume nova configurao, com funes cada vez mais vinculadas aos interesses do
capital e o fundo pblico passa a ter destinao voltada para beneficiar o capital ao invs do
2 MSZROS, Istvn. Para Alm do Capital: rumo a uma teoria da transio. Trad: Paulo Cezar Castanheira e
Srgio Lessa. 3 reimpresso. So Paulo: Boitempo, 2009.p. 37.
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investimento em proteo social. Em face disso, intensificam-se a privatizao e a
mercantilizao da satisfao das necessidades sociais, o que significa que:
o bem-estar social tende a ser transferido ao foro privado dos indivduos e famlias, dependentes
do trabalho voluntrio ou dos rendimentos familiares dos diferentes segmentos sociais na
aquisio de bens e servios mercantis, restando ao Estado, preferencialmente, a responsabilidade
no alvio da pobreza extrema. [...]. Adquirem destaque polticas sociais voltadas preservao dos
mnimos vitais dos segmentos da crescente populao excedente lanados ao pauperismo: e ao seu
controle poltico, preservando o direito sobrevivncia de imensos contingentes sociais e
alimentando o consenso de classe necessrio luta hegemnica (IAMAMOTO, 2009, p. 342; 343).
um cenrio de fragilizao da seguridade social no Brasil e no mundo, especialmente,
no que se refere aos direitos previdencirios vinculados ao trabalho.
Esta tese, portanto, resulta de pesquisa realizada no decorrer do curso de Doutorado do
Programa de Ps-Graduao em Poltica Social - PPGPS, do Departamento de Servio Social
- SER, da Universidade de Braslia - UnB, iniciado em maro de 2007. Seu objeto de pesquisa
localiza-se na relao entre trabalho e previdncia social no Brasil. Para situ-lo nessa relao
foi preciso, primeiro, resgatar a organizao do sistema previdencirio brasileiro.
Esse sistema constitudo por trs regimes bsicos e um complementar. Os regimes
bsicos so: a) os Regimes Prprios de Previdncia Social - RPPS destinados aos servidores
pblicos civis da Unio, do Distrito Federal, dos Estados e Municpios e aos militares do
Distrito Federal e dos Estados, os quais so organizados e geridos por cada ente federado, sob
superviso da Unio, quando esta no a gestora; b) o Regime dos servidores pblicos
militares da Unio, organizado e gerido pela Unio; e c) o Regime Geral de Previdncia
Social - RGPS destinado a todos os cidados maiores de 16 anos3 que a ele se vinculem
mediante contribuio e a seus dependentes, o qual organizado e gerido pela Unio e tem
seus servios e benefcios viabilizados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
O Regime complementar facultativo e composto pela previdncia complementar
aberta e fechada. As instituies que oferecem planos individuais de previdncia aberta ao
mercado so fiscalizadas pela Superintendncia de Seguros Privados - SUSEP, do Ministrio
da Fazenda. E as Entidades Fechadas de Previdncia Complementar - EFPC (fundos de
penso) no possuem fins lucrativos e mantm planos coletivos de previdncia acessveis aos
empregados de uma empresa e aos servidores da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municpios e aos associados ou membros de entidades de carter profissional ou classista.
As EFPC so supervisionadas pelo Ministrio da Previdncia Social - MPS.
3 Os adolescentes com idade entre 14 e 16 anos, na condio de aprendiz, tm direito proteo previdenciria.
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Esta pesquisa analisou apenas a Previdncia Social que se organiza sob a forma de
RGPS e compe a seguridade social, desde a Constituio Federal de 1988 e at o momento
no se tornou universal, conforme estabelece a Carta Constitucional.
Apresentao do problema
O trabalho sempre esteve no centro das mutaes do capitalismo. Todavia, esta
centralidade tornou-se mais evidente a partir das transformaes ocorridas nesse modo de
produo em sua etapa monopolista. Sob o padro fordista/keynesiano, o pacto social entre
empresrios, trabalhadores e o Estado teve como base a estimulao do consumo, a busca do
pleno emprego e a estruturao de sistemas de proteo social. Foi essa a soluo encontrada
para amortecer os efeitos da crise do capitalismo, cujo pice da depresso ocorreu entre 1929
e 1932. Desde ento, tornou-se mais explcita a relao entre o padro de acumulao do
capital, a organizao do trabalho e a proteo social. Isto porque o trabalho assalariado, sem
nenhum perodo precedente comparvel, destacou-se como o centro do capitalismo e
determinante das relaes sociais, e assim, o centro das mutaes desse modo de produo.
No perodo entre as dcadas de 1940 e 1970, o Estado social4 consolidou-se em vrios
pases do capitalismo avanado e o trabalho assalariado estvel fortaleceu-se como condio
de acesso proteo social. A generalizao do trabalho assalariado nesses pases foi
determinante para a consolidao dos sistemas de proteo social, que se destinavam aos
empregados e aos seus dependentes econmicos. Estes eram assistidos em relao sade,
tinham direito a aposentadorias, penses e outros benefcios compensatrios incapacidade
temporria de trabalho ou mesmo benefcios que possibilitavam o acesso ao consumo, ao
lazer, educao, etc. Aos inaptos para o trabalho era oferecida a assistncia social.
Vale dizer que at mesmo nos pases em que foram estruturados sistemas de seguridade
social com vocao universal, como na Inglaterra e nos pases escandinavos, o pleno emprego
constitua-se importante meta e, os sistemas de proteo social tambm contavam com as
cotas oriundas do trabalho assalariado estvel e tinham os seguros sociais como eixo central.
4 Neste Trabalho usaremos a expresso Estado social para significar o Estado Social de Direitos que se constri para
organizar a vida poltica e social no perodo Ps-Segunda Guerra Mundial com base no fordismo-keynesianismo. Cf. PISN,
1998. Outras terminologias so encontradas na literatura como Welfare State (Estado de Bem-estar) e tat Providence ou
Estado Providncia. A primeira de origem anglo-saxnica usada para designar as polticas sociais estruturadas com base no
fordismo-keynesianismo no ps-guerra. A ltima terminologia usada para designar o Estado Providncia, constitudo na
Frana, no sculo XIX, ou a ideia de Estado responsvel pela regulao do mercado para responder as situaes de riscos
pessoais e sociais, constitudo naquele pas no sculo XX. Cf.: BOSCHETTI, jan./jun.2003, v.15, n.1, p.57-96.
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Ian Gough (1978) ao desenvolver suas reflexes sobre o Estado social5 faz referncia ao
seu carter contraditrio, por atender aos interesses de acumulao e proteo social:
...el Estado tiende a actuar com el fin de asegurar las condiciones que reproduzan esse modelo y
las relaciones de exploracin dentro de el, que bajo el capitalismo significa asegurar la
acumulacin continua de capital [...] el Estado del Bienstar engloba uma actitud racional que
tambin se opone a la del mercado. Em algn sentido acta para satisfazer las necesidades y extender los derechos y haciendolo asi, contradice los simples requerimientos directos del sistema
de economia capitalista. [...] esta e, pue, la razn por la que nosotros caracterizamos el Estado del
Bienstar como um fenmeno contradictrio (GOUGH, 1978, p. 66).
J Robert Castel6 ao se referir ao Estado social destaca o seu papel como fiador dos
sistemas de seguridade social que se formaram, o que equivale figura do o guardio de uma
nova ordem de distribuio dos bens (CASTEL, 1998, p.405), ou seja, o guardio das
prestaes dos contribuintes da seguridade social para serem usadas em dadas situaes.
O Brasil no viveu a experincia de generalizao do emprego nem de Estado social
conforme foi desenvolvido nos pases do capitalismo avanado. Todavia, na dcada de 1930
comeou a ganhar expresso um sistema de proteo social no pas destinado basicamente aos
trabalhadores assalariados inseridos nas relaes formais de trabalho e aos seus dependentes.
Seguindo essa lgica, o sistema se desenvolveu, em consonncia com a estruturao do
mercado de trabalho no pas at a dcada de 1980, quando uma nova lgica de proteo social
foi estabelecida, com a instituio da seguridade social pela Constituio Federal de 1988.
Tratava-se de uma lgica menos dependente do trabalho assalariado formal e com vocao
universal, porm essa perspectiva no foi plenamente adotada.
O colapso do padro de acumulao fordista/keynesiano na dcada de 1970 um dos
reflexos da nova crise do capital que se manifestou naquela dcada. Para amortecer os efeitos
dessa crise, a estratgia central do capital foi composta pela reestruturao produtiva, a
redefinio das funes do Estado e a financeirizao do capital. Esses processos, embora
possuam caractersticas especficas, no podem ser vistos de modo desarticulados entre si nem
da ideologia neoliberal, que ganhou fora nas sociedades capitalistas a partir daquele decnio.
5 O que o autor denomina Estado Del Bienestar (traduo para o espanhol de Welfare State) equivale ao que
neste trabalho denominamos Estado social.
6 Robert Castel estudou a condio do trabalho ao longo da histria, tendo a Europa como locus de pesquisa,
sobretudo a Frana. Seu objetivo foi analisar a questo social. Embora eu no considere apropriada a ideia defendida pelo
autor de nova questo social para explicar as mutaes recentes do capitalismo, considero valiosa sua pesquisa e concordo com ele em aspectos particulares. Mas, essa concordncia no anula duas restries globais sua obra. A primeira refere-se
socialdemocracia como alternativa de organizao social, pois acredito que somente o socialismo possibilitar liberdade
ampla aos seres humanos. A segunda restrio diz respeito base terico-conceitual, que perpassa sua obra, por meio dos
conceitos de solidariedade, integrao e coeso social de Durkheim, os quais, a meu ver, se opem viso marxiana, que orienta esta tese, sobretudo no que se refere luta de classes como um processo permanente, na sociedade capitalista, em
face do antagonismo de interesses entre as classes sociais fundamentais.
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A reestruturao produtiva mudou o mundo do trabalho7. Sob o padro de acumulao
chamado flexvel8, as metamorfoses ocorridas apresentaram-se sob um novo modo de
produzir, com mtodos e processos de trabalho baseados em tecnologias avanadas; modos de
gesto da fora de trabalho direcionados conciliao de classes e medidas que reduziram a
criao e oferta de empregos estveis e aprofundaram o desemprego e o trabalho precrio.
Esse quadro tornou a composio da classe trabalhadora mais heterognea e complexa e
exigiu um perfil de trabalhador capaz de usar intensamente o seu poder intelectual em favor
do capital, elevando os nveis de explorao sobre o trabalho e dos lucros dos capitalistas.
Nesse contexto, o comando da acumulao pelo capital financeiro9 e as mudanas nas
funes do Estado sob a ideologia neoliberal compuseram um cenrio no qual os sistemas de
proteo social estruturados sob o fordismo/ keynesianismo sofreram grandes ataques. Nos
pases do capitalismo avanado, onde estes sistemas estavam mais estruturados e sob um
controle democrtico da sociedade mais forte, foram preservados em aspectos essenciais,
ainda que com transformaes em seus critrios de abrangncia.
Nos pases do capitalismo perifrico a reestruturao produtiva, a financeirizao do
capital e as mudanas no papel do Estado como estratgias neoliberais de amortecimento dos
efeitos da crise, ocorreram em nveis, formas, ritmos e pocas diferentes, de acordo com as
caractersticas de cada pas. Mas, em todos eles, em decorrncia de suas dvidas externas essas
estratgias de ajustes neoliberais desenvolveram-se sob o comando dos pases do capitalismo
avanado, e, em geral, com a mediao do Fundo Monetrio Internacional - FMI, do Banco
Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento - BIRD10
e do Banco Interamericano
para o Desenvolvimento - BID11
. As conseqncias desses processos, na essncia, so iguais
quelas ocorridas nos pases do capitalismo avanado, com efeitos lesivos mais acentuados
para a classe trabalhadora, inclusive com fortes ataques s polticas sociais em estruturao.
O Brasil realizou o seu ajuste estrutural, sobretudo, a partir de 1995, seguindo o mesmo
padro neoliberal de outros pases de capitalismo perifrico. O ajuste, em condies
submissas, provocou mudanas na condio estrutural do trabalho, as quais resultaram no
7 O mundo do trabalho compreendido nesta tese como o complexo que envolve a regulao institucional do
trabalho (sindicalismo, justia do trabalho, registros e classificaes profissionais, quadro de ocupaes) o mercado de
trabalho, sua configurao (PIA, PEA,entre outros) e sua dinmica (taxa de atividade, nvel de ocupao, emprego,
desemprego, informalidade, alterao no quadro de ocupaes, etc.). Sobre o tema, cf. CARDOSO, 2006; SILVA, 2009. 8 Cf.: HARVEY, 2004c. 9 Aqui tambm chamado capital portador de juros, finanas ou nos termos de Marx capital fetiche.
10 O BIRD(International Bank for Reconstruction and Development) foi criado em 1944 e juntamente com a
Associao Internacional para o Desenvolvimento - AID criada em 1960, constitui o chamado Banco Mundial. 11 O BID foi criado em 1959.
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aumento da explorao dos trabalhadores. Entre os sinais dessa superexplorao do trabalho
encontram-se o desemprego crnico; o aprofundamento da precarizao das relaes e
condies de trabalho; o uso intensivo da fora de trabalho, combinado com mtodos e
tecnologias avanadas direcionadas para elevar a produtividade; a queda da renda mdia
mensal real dos trabalhadores e as alteraes do perfil e da composio da classe trabalhadora.
Houve, portanto, o aprofundamento da desestruturao do trabalho no pas. No mbito do
Estado, ocorreu um retrocesso nas polticas sociais em estruturao, a exemplo da seguridade
social, instituda pela Constituio Federal de 1988, em uma conjuntura de lutas por direitos
sociais no pas, mas de avano do projeto neoliberal em escala mundial, com reflexos no
Brasil, particularmente na dcada de 1990. Alm disso, o Estado presidiu a privatizao de
vrias empresas e bancos estatais e a regresso de muitos direitos sociais e do trabalho.
Nesse contexto, ocorreu a reduo da cobertura da previdncia social, que como em
outros pases, se desenvolveu com grande dependncia do trabalho assalariado estvel,
principalmente at 1988, quando a seguridade social foi instituda. De acordo com anlise do
Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas - IPEA,
a insero das pessoas no mundo da proteo social pela via do trabalho - que at 1980, constitua
a regra para pouco mais da populao ocupada - passou a ser uma expectativa ainda menos crvel
para a maioria dos trabalhadores brasileiros no decorrer deste ltimo quarto de sculo (IPEA,
2007, p.8).
Segundo outro estudo desse mesmo instituto de pesquisas, com base nos microdados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD/IBGE12
, em 1987, a previdncia social
assegurava cobertura a 51,8 % da Populao Economicamente Ativa - PEA (ocupada e
desocupada), com idade entre 16 e 64 anos. A partir de ento, porm, esse percentual
12 Nesta tese so usadas muitas informaes e dados produzidos pela Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica IBGE. Por isso, preciso esclarecer conceitos adotados por esse rgo: a) condio de ocupao - pessoas classificadas, quanto condio de ocupao na semana de referncia da pesquisa, em ocupadas e desocupadas; b) pessoas
ocupadas - as pessoas que tinham trabalho durante toda ou parte da semana de referncia, e ainda, as pessoas que no
exerceram o trabalho remunerado que tinham nesse perodo por motivo de frias, licena, greve, etc.; c) pessoas
desocupadas - as pessoas sem trabalho na semana de referncia que tomaram alguma providncia efetiva de procura de
trabalho nesse perodo. Usamos como sinnimos pessoas sem ocupao e procurando ocupao; d) pessoas
economicamente ativas - so as pessoas ocupadas e desocupadas na semana de referncia; e) pessoas no economicamente
ativas - pessoas no classificadas na semana de referncia como ocupadas ou desocupadas; f) taxa de atividade - a
percentagem das pessoas economicamente ativas (de um grupo etrio) em relao ao total de pessoas (do mesmo grupo
etrio); g) nvel de ocupao - a percentagem das pessoas ocupadas (de um grupo etrio) em relao ao total de pessoas (do
mesmo grupo etrio); h) taxa de desocupao - a percentagem das pessoas desocupadas (de um grupo etrio) em relao s
pessoas economicamente ativas (do mesmo grupo etrio); i) ocupao - cargo, funo, profisso ou ofcio exercido pela pessoa. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD adota a idade de dez anos ou mais de idade para a definio
dos quantitativos e percentuais globais a que se referem os conceitos citados. Cf. IBGE, 2008, p. 35, 36 e 37 e IBGE, 2009, p.
32 e 33. 26. Porm, neste trabalho, nas tabelas de elaborao prpria, cujos dados consideram a PEA, priorizamos considerar a faixa etria entre 16 e 64 anos, para no computarmos trabalho infantil e para considerarmos o limite de idade
at o qual mais facilmente se acessa ao mercado de trabalho. Contudo, usaremos tambm a faixa de 10 anos e mais de idade,
para fins de comparaes com informaes do IBGE ou de outros rgos e pesquisadores em que nos referenciamos.
27
comeou a decrescer, de modo que em 1997 o percentual de cobertura previdenciria desse
universo correspondia a 45,1%13
. Um decrscimo acentuado, coincidente com o agravamento
do desemprego e da queda da renda mdia mensal real dos trabalhadores. Entretanto, de
acordo com esse estudo, a partir de 2001 percebe-se a recuperao dessa cobertura,
concomitante melhoria dos indicadores do mercado de trabalho, de forma que em 2007 a
cobertura previdenciria representava 51,2%14
da PEA (ocupada e desocupada), na faixa
etria entre 16 e 64 anos. Ainda assim, essa cobertura no alcanava nem os patamares de
1987. As pessoas da PEA que tinham direitos sociais assegurados representaram uma
proporo menor entre 1987 e 2007, comparativamente dcada anterior a 1987, em que os
indicadores do mercado de trabalho apontavam o fortalecimento do emprego, com carteira
assinada. Alm disso, a partir de 1997 houve um grande aumento do percentual de pessoas
desocupadas no mbito da PEA, procura de emprego. Assim, mesmo que a melhoria dos
indicadores do trabalho a partir do incio do sculo XXI tenha contribudo para a recuperao
paulatina da cobertura previdenciria para a populao ocupada, essa cobertura ainda foi
limitada, considerando o grande percentual da fora de trabalho desocupada. Se fosse
considerada apenas a populao ocupada, o percentual de cobertura da previdncia social em
2007 j era maior do que o de 1987 (IPEA, 30 de set. de 2008, p. 13, 14,15).
Com a crise desencadeada a partir de setembro de 2008, a tendncia de melhoria dos
indicadores do trabalho foi interrompida, ainda que os dados da PNAD realizada em 2008,
coletados antes do pice da crise no registrem essa interrupo, o que veio ocorrer somente
em 2009. Assim, a PNAD/2008 registrou a queda da informalidade e o aumento do nvel de
ocupao, do emprego com carteira assinada, da renda real mdia mensal e da cobertura
previdenciria sobre a populao ocupada (IBGE, 2009). Os dados da PNAD/2009, por sua
vez, mostram os efeitos da crise, em 2009, sobretudo em relao ao nvel de ocupao e taxa
de desocupao. Considerando a PEA, com 10 anos e mais de idade, houve queda no nvel de
ocupao de 57,5% em 2008, para 56,9%, em 2009 e tambm o crescimento da taxa de
desocupao em 18,5% em 2009, comparativamente a 2008 (IBGE, 2010, p. 59; 61).
As anlises referentes ao impacto da crise sobre o trabalho e a seguridade social em
2009 so divergentes entre as instituies que estudam o tema. De acordo com a ANFIP:
13 Em estudo que realizamos com base nos microdados da PNAD, no ano de 1997, a cobertura do universo de
pessoas com estas caractersticas correspondia a 44,3%. Os dados do estudo sero mostrados nesta tese. Cf.: Tabela 10. 14 No estudo que realizamos com base nos microdados da PNAD, no ano de 2007, o percentual de cobertura
previdenciria da Populao Economicamente Ativa - PEA ocupada correspondia a 49,5%.Cf.: Tabela 17.
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Essa crise [que se manifestou no ltimo trimestre de 2008] afetou direta e indiretamente a
execuo de programas e aes e a arrecadao das receitas da seguridade social em 2009.
Diretamente pelos seus efeitos sobre a produo e o emprego, indiretamente, porque o governo
adotou diversas medidas anticclicas para enfrentar e minimizar as suas conseqncias,
renunciando a receitas e ampliando gastos (ANFIP, jul.2010, p.96).
No entanto, para o IBGE, em relao ao emprego com carteira assinada houve
crescimento de 2008 para 2009, em 1,5%, da mesma forma que o rendimento mdio mensal
real teve crescimento de um para o outro ano, em 2,2% (IBGE, 2010, p. 66; 70).
De qualquer modo, como nos anos anteriores, os indicadores relacionados ao trabalho
repercutiram na cobertura previdenciria, em 2009, como ser demonstrado adiante.
importante, todavia, ressaltar que no foram somente os indicadores relacionados ao
trabalho que influenciaram a cobertura previdenciria em anos recentes. A instituio do
oramento da seguridade social, que sustenta o financiamento das aes das polticas de
sade, previdncia e assistncia social, pela Constituio Federal de 1988, tambm favoreceu
a recuperao da cobertura previdenciria, desde ento.
A aplicao dos objetivos da seguridade social de equidade na participao do custeio e
da diversidade das fontes de financiamento, ainda que de modo parcial, foi um importante
fator de favorecimento da cobertura previdenciria, cuja maior expresso o percentual dos
chamados segurados especiais15
da previdncia social no conjunto dos segurados do RGPS.
De acordo com o Ministrio da Previdncia Social - MPS, com base nos dados da
PNAD, em 2007, os segurados especiais foram estimados em 7,78 milhes do universo
estimado de 53,82 milhes das pessoas ocupadas, com idade entre 16 e 59 anos, que possuam
cobertura da previdncia naquele ano (BRASIL, out. 2008, p. 1). Essa categoria de segurado,
criada em 1991, com base nas determinaes constitucionais referentes seguridade social,
tem reduzida participao no custeio da seguridade social16
, porm sua cobertura no
desequilibra o sistema devido multiplicidade de fontes de financiamento que o sustenta,
ainda que essa diversidade da base de financiamento no esteja sendo plenamente explorada e
as fontes possuam diferentes importncias no conjunto do oramento.
15 Categoria de segurado criada pela Lei 8.212, de 1991, que em seu art. 12, inciso VII c/c art. 195, 8 da
Constituio Federal, considera segurado especial o produtor, o meeiro, o parceiro e o arrendatrio rurais e o pescador
artesanal e seus cnjuges, que trabalham em regime de economia familiar, sem empregados permanentes. 16 A contribuio dos segurados especiais, incluindo o empregador rural corresponde 2,1% sobre a receita bruta da
comercializao de sua produo agrcola. Cf. BRASIL, 1991a, art. 25. A Lei 11.718 de 23 de jun de 2008 traz as seguintes
recomendaes: At 31 de dez de 2010 vale a regra atual para o trabalhador empregado e contribuinte individual rural, para
obteno da aposentadoria por idade, ele dever comprovar apenas o exerccio da atividade rural. De 2010 a 2015 para fins
de carncia para aposentadoria por idade, cada ms de contribuio ser multiplicado por trs, at o limite de 12 meses no
ano. De 2016 a 2020, a contagem ser em dobro. Neste caso o trabalhador rural empregado ter que contribuir por pelo
menos seis meses por ano para ter direito aposentadoria por idade. Cf. BRASIL, 2008d e BRASIL, 1 a 15 de ago.2008, p. 1.
29
Vale registrar que o oramento da seguridade social no tem sido destinado
exclusivamente ao pagamento de aes referentes sade, previdncia e assistncia social
como determina a Constituio Federal. Percebem-se desvios acentuados de recursos desse
oramento para outras aes do governo federal. Os maiores percentuais de desvio ocorrem
em funo da incidncia da Desvinculao das Receitas da Unio - DRU, para favorecer o
cumprimento de compromissos do governo federal com os servios da dvida. A mdia de
desvio do oramento da seguridade social no perodo de 2000 a 2008, por meio da incidncia
da DRU representou 26,4 bilhes, com maior destaque para os anos de 2007 e 2008, em que
essa incidncia representou 39,1 bilhes em ambos os anos (ANFIP, 2009, p.50).
A proteo social das pessoas desocupadas inexpressiva. O seguro desemprego tem
alcance limitado e condicionado a uma vinculao anterior ao trabalho com carteira
assinada, com raras excees. As estratgias de ampliao da proteo social usadas pelo
governo federal, em anos recentes, tendem centralidade da assistncia social, no mbito da
seguridade social (MOTA [org.], 2008), com destaque para os programas de transferncia de
renda, que alcanam os desempregados17
. Nota-se, contudo, que essa tendncia centralidade
da assistncia social de cunho poltico-ideolgico, pois material e estruturalmente essa
poltica continua perifrica e no se constitui prioridade para novos investimentos.
Portanto, no que se refere proteo social no Brasil, por meio do acesso previdncia,
tomando-se como base os dados da PNAD/2009, nota-se que a situao dos trabalhadores
muito difcil. Nesse ano, comparativamente a 2008, houve um pequeno crescimento da PEA
ocupada contribuinte para qualquer regime de previdncia. Entretanto, no cmputo geral da
PEA ampliou-se a quantidade estimada e o percentual de pessoas no coberto por qualquer
regime de previdncia. A PEA total em 2009 foi estimada em 101,1 milhes de pessoas,
sendo 92,7 milhes ocupadas e 8,4 milhes desocupadas. Da PEA ocupada, 53,5% (49,6
milhes) contribuam para algum regime de previdncia, restando 43,1milhes sem proteo.
Essa quantidade estimada de pessoas da PEA ocupada sem proteo, acrescida de 8,4 milhes
estimados para a PEA desocupada atinge 51,5 milhes da PEA total sem cobertura
previdenciria (IBGE, 2010, p.59; 61; 67). Em 2008 esse nmero correspondeu a 51,3
milhes (IBGE, 2009). Portanto, estima-se que existem, atualmente, no Brasil, mais de 50
milhes de pessoas da populao economicamente ativa sem cobertura previdenciria. uma
estimativa elevada que afeta os nveis de pobreza e a qualidade de vida dos trabalhadores.
17 Os que se enquadram nos critrios de renda familiar per capita adotados pelo programa.
30
As categorias que se encontram fora da cobertura previdenciria so aquelas que, na
PEA, esto em ocupaes precrias, possuem os menores rendimentos ou no os possuem de
forma alguma, possuem os menores nveis escolares ou so analfabetos funcionais. Isso sem
referir os que no conjunto da Populao em Idade Ativa - PIA, desistiram de procurar trabalho
e no possuem rendimentos. Estes, geralmente, desconhecem as formas de acesso
previdncia e, se as conhecessem, dificilmente teriam como ter acesso a ela, no modelo atual.
Esse universo de pessoas no foi computado na PEA, em funo da metodologia usada, mas
por suas caractersticas compe o grupo dos que no possuem cobertura previdenciria.
Assim, a no aplicao plena dos objetivos da seguridade social e das recomendaes
constitucionais relacionadas ao seu oramento e a insuficincia de rendimentos, sobretudo por
falta de acesso ao trabalho assalariado estvel constituem os principais obstculos para
ingresso na previdncia social, no modelo atual.
As medidas do governo federal, na ltima dcada, para reverter esse quadro foram
limitadas e se apoiaram numa viso neoliberal de previdncia social como contato social,
representando o compromisso entre geraes de trabalhadores (BRASIL, 16 a 31 de jul.
2008). Isso a distancia dos princpios de seguridade social e responsabiliza exclusivamente o
trabalhador pelos custos do sistema, negando a perspectiva de compromisso plural e solidrio,
orientado pela Constituio Federal ao defini-la como poltica de seguridade social. Essa
viso reflete a ditanova contratualizao que na viso de Boaventura de Sousa Santos18:
Em primeiro lugar, trata-se de uma contratualizao liberal individualista, moldada na idia de
contrato de direito civil, entre indivduos e no na idia do contrato social entre agregaes
colectivas de interesses sociais divergentes [...]
[...] A nova contratualizao , enquanto contratualizao social, um falso contrato, uma mera
aparncia de compromisso constitudo por condies impostas, sem discusso ao parceiro mais
fraco no contrato, condies to onerosas quanto inescapveis (SANTOS, 2010, p. 327).
18Boaventura de Sousa Santos portugus, doutor em Sociologia do Direito, com vasta experincia acadmica e
diversas obras publicadas. Algumas de suas obras so polmicas. A coletnea de artigos, Pela mo de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade, publicada no Brasil ao final dos anos 1990, foi acertadamente criticada pelo campo da tradio marxista. Cito o artigo subjetividade, cidadania e emancipao em que o autor afirma que o erro de Marx foi pensar que o capitalismo, por via do desenvolvimento tecnolgico das foras produtivas, possibilitaria ou mesmo tornaria necessria a
transio para o socialismo. Como se veio a verificar, entregue a si prprio, o capitalismo no transita para nada seno para
mais capitalismo. A equao automtica entre progresso tecnolgico e progresso social desradicaliza a proposta
emancipadora de Marx e torna-a, de fato, perversamente gmea da regulao capitalista (SANTOS, 1997, p.243). Essa afirmao de autor, em nossa opinio, inconsistente teoricamente. O conjunto das obras de Marx mostra que no possvel
uma transio automtica para o socialismo, mas que para isso indispensvel a organizao da vontade poltica dos trabalhadores, como diz Jos Paulo Netto, no artigo, O Marx de Sousa Santos: uma nota polmica, publicado pela revista acadmica do Programa de Ps-Graduaao da Escola de Servio Social - PPGESS, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, em 1997. Cf.: NETTO, 1997. Assim, apesar desta referncia sobre contrato social em Boaventura,
discordamos do autor sobre a importncia da obra de Marx para a compreenso do capitalismo contemporneo e para apontar
caminhos para a emancipao poltica e humana. Discordamos tambm de sua viso sobre Ps-modernidade e novos movimentos sociais e de parte de sua anlise sobre contrato social nos captulos 1 e 9 desta obra: SANTOS, 2010. Porm, concordamos com os contedos citados neste trabalho. Cf.: SANTOS, 1997; 2010 e NETTO, 1997.
31
As iniciativas do governo federal so limitadas tambm porque se apoiam em uma
poltica de emprego baseada no rendimento mnimo do trabalho e na alta rotatividade. O ano
de 2009 exemplo dessa situao, de cada 16 contratos assinados de trabalho, 15
correspondiam a demisses no mesmo exerccio (ANFIP, jul. 2010, p. 57). Ademais, os
programas do governo federal no modificam as causas estruturais do no acesso ao RGPS e
ainda restringem direitos. Um exemplo o Programa de Educao Previdenciria - PEP, em
andamento desde 1999, mas com pouco impacto, inclusive porque seu foco est na
informao sobre os direitos e deveres dos beneficirios da previdncia social, mas no altera
a condio de renda das pessoas alcanadas por ele. Outro exemplo o Plano Simplificado de
Previdncia Social - PSPS criado pela Lei Complementar N 123 de dezembro e
regulamentado pelo Decreto 6.042, de 12 de fevereiro de 2007. Este plano assegura um
percentual de contribuio individual reduzido de 20% para 11% sobre o salrio-mnimo com
vistas a atrair os trabalhadores que tm dificuldades para recolher o percentual de 20%.
Porm, para que isso ocorra, preciso que o contribuinte faa opo pela excluso do direito
ao benefcio de aposentadoria por tempo de contribuio. uma iniciativa que incentiva o
acesso previdncia reduzindo direitos. Assim, os estimados mais de 50 milhes de
trabalhadores que, em 2009 estavam sem cobertura previdenciria permanecem sem proteo
(IBGE, 2010), mesmo que existam diversas categorias e grupos sociais tentando negociar com
o governo federal formas mais adequadas aos seus perfis para contriburem com o sistema, a
exemplo dos catadores de materiais reciclveis e vrias entidades do movimento de mulheres.
Em face desse quadro e, considerando que no mbito das relaes informais de trabalho
outras formas de ocupaes precrias se expandem neste contexto marcado pelo desemprego
crnico no pas e grande parte do contingente nessas ocupaes precrias no dispe de
cobertura previdenciria, considerando ainda o antagonismo entre a universalizao do
trabalho assalariado e a lei geral de acumulao capitalista, questiona-se:
Diante da desestruturao do trabalho, da corroso do significado de seguridade social
previsto na Constituio Federal de 1988 e da insuficincia de renda do elevado quantitativo
de trabalhadores, sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e,
fundamentalmente dependente do trabalho assalariado estvel, quais os limites e
possibilidades de universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil?
Essa a indagao central que traduz o problema investigado no decorrer do Doutorado.
A essa indagao, outras ganharam importncia no processo investigativo, como:
32
1- Quais as funes do Estado e da poltica social no capitalismo? Em que contexto e
sob quais condies se estruturou a proteo social, especialmente, os seguros e a
seguridade social, no mundo e no Brasil?
2- A previdncia social, no mbito da seguridade social no Brasil, difundida como um
contrato social, que compromissos sociais isso acarreta? Em que viso de contrato
social a previdncia social no Brasil se apoia? A concepo de contrato social, sob a
tica rousseauniana implicaria novos compromissos com a universalizao da
cobertura da previdncia social, para alm dos existentes atualmente?
3- Quais as principais caractersticas da condio do trabalho no Brasil, na primeira
dcada do sculo XXI?
4- No mbito da populao economicamente ativa, qual o perfil dos contribuintes da
previdncia social e dos no contribuintes para o sistema previdencirio do Brasil, na
primeira dcada do sculo XXI?
5- Em um contexto de desemprego crnico e do trabalho precarizado, quais as principais
estratgias recentes do governo federal para ampliar a cobertura do RGPS? So
estratgias que apontam para a universalizao do acesso, sem restrio de direitos,
respeitando os objetivos da seguridade social? So estratgias que atacam as causas
estruturais que limitam ou impedem esta universalizao de cobertura?
6- Que aspectos da economia e do mercado de trabalho devem ser considerados na
construo de propostas na direo da universalizao da previdncia social?
7- Em um contexto de desemprego estrutural, que medidas ainda no exploradas pelo
governo federal so possveis vislumbrar para que, se adotadas, possam imprimir
avanos ao processo de universalizao da previdncia social no pas?
8- H condies legais e de financiamento que possibilitem alternativas de proteo
social, pelo RGPS, aos trabalhadores informais que trabalham em regime de
economia familiar, no meio urbano, no trabalho associado e cooperado sem fins
lucrativos e s mulheres pelo trabalho (no-remunerado) realizado na reproduo
social, sem restrio de direitos, comparativamente a outros trabalhadores?
9- Qual seria a capacidade de expanso da cobertura do RGPS, se a forma plural e
solidria de financiamento da seguridade social fosse plenamente executada,
conforme previsto constitucionalmente, sem desvios de recursos para outros fins?
33
10- H necessidade de criao de novas fontes de financiamento da seguridade social
para que haja avanos na direo da universalizao de seguridade social?
Dessa forma, o objeto de pesquisa decorrente do problema apresentado a anlise dos
limites e das possibilidades de universalizao da cobertura da previdncia social no Brasil
diante da desestruturao do trabalho, da corroso do significado da seguridade social previsto
na Constituio Federal de 1988 e da insuficincia de renda do elevado quantitativo de
trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e,
fundamentalmente dependente do trabalho assalariado.
A pesquisa partiu da hiptese de que a (des)estruturao do trabalho, a corroso
do significado de seguridade social previsto na Constituio Federal de 1988 e o
elevado quantitativo de trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de
previdncia social conforme configurados na primeira dcada do sculo XXI, no
Brasil, refletem a redefinio das funes do Estado e as mudanas estruturais no
papel das foras produtivas no capitalismo contemporneo sustentadas pelo padro
de acumulao flexvel em escala mundial, cujos efeitos principais so o
desemprego macio prolongado, a precarizao do trabalho e a queda na renda
mdia mensal real dos trabalhadores. Em face disso, aprofundam-se os limites para
a universalizao da cobertura da previdncia social no pas, que se viabiliza,
sobretudo, a partir do trabalho assalariado estvel, no universal. Entretanto, com
base nos fundamentos que sustentam a previdncia social, no mbito da seguridade
social, como um contrato social solidrio e democrtico, em um contexto da luta de
classes e de uma correlao de foras poltica favorvel aos trabalhadores, possvel
vislumbrar possibilidades de avanos na direo de sua universalizao. Isso requer
o aprofundamento da democracia e a reorientao das diretrizes macroeconmicas
vigentes, a partir de processos combinados que conduzam: criao de novos
postos de trabalho assalariado formal e estvel; ao alargamento da participao dos
trabalhadores inseridos nas relaes informais de trabalho , na base do RGPS;
elevao da renda mdia mensal real dos trabalhadores e plena efetivao da
viso de seguridade social expressa na Constituio Federal de 1988 , por meio do
aprofundamento de seus objetivos, especialmente o da equidade na forma de
participao no custeio, apoiado na diversidade da base de financiamento do
sistema, inclusive criando novas fontes de financiamento, se necessrio.
34
O objeto de pesquisa foi circunscrito a um universo temtico constitudo a partir de
quatro eixos: o padro de acumulao do capital, organizao do trabalho e a proteo social;
concepo e financiamento da previdncia social no Brasil no contexto da seguridade; a
condio estrutural do trabalho no Brasil e o seu impacto na cobertura da previdncia social
em perodos especficos do sculo XX; a (des) estruturao do trabalho e a cobertura da
previdncia social no Brasil no contexto da crise do capital na primeira dcada do sculo XXI
e condies para a universalizao da cobertura da previdncia social no contexto da (des)
estruturao do trabalho e da seguridade social no Brasil.
O percurso realizado para elucid-lo assentou-se em um referencial terico-
metodolgico cujos eixos norteadores formaram-se a partir das categorias tericas: trabalho,
Estado, polticas sociais, seguridade social e previdncia social.
A discusso sobre o trabalho ocupa lugar central nesta tese. a partir dela que outras
categoria tericas vo ganhando importncia no trato do objeto de estudo. Assim, preciso
que se explicite a tica de anlise que orienta sua abordagem, ainda que de modo sucinto.
Inicialmente preciso dizer que a viso marxiana orientou nossas reflexes. O dilogo
em torno da categoria trabalho desenvolveu-se, sobretudo, com Marx e Engels no que se
refere ao seu significado para a constituio do ser social e na produo da vida material, nos
marcos do capitalismo. Nas reflexes, contamos com o apoio das ideias de diversos autores
que se colocam no campo da tradio marxista. Assim, as ideias que apontamos no corpo da
tese, sobre a categoria trabalho esto referenciadas no lastro desta tradio terica e poltica.
Na viso marxiana, o trabalho possui dupla dimenso. Esta tese reconhece e analisa
estas duas dimenses do trabalho, a partir do que reafirma a sua centralidade na estruturao
do capitalismo e das relaes sociais na contemporaneidade. Um dos pressupostos afianados
por este estudo , portanto, o de que a sua capacidade de gerar mais-valia continua
insubstituvel e vital para o capitalismo, mesmo em um contexto de desemprego crnico e de
desestruturao do trabalho assalariado.
Dessa forma, o capitalismo pode superexplorar a fora de trabalho pela intensificao de
seu uso, pode precarizar as relaes de trabalho e restringir direitos dos trabalhadores, pode
reduzir a criao e a oferta de postos de trabalho e aumentar o uso de tecnologias avanadas e
de mtodos de trabalho para incrementar a produo e elevar a produtividade, mas no pode
se abster da compra da fora humana de trabalho. ela que produz mais-valia, e a produo
da mais-valia o que sustenta o modo de produo capitalista.
35
No contexto fordista/keynesiano o trabalho assalariado confirmou-se como condio de
acesso proteo social. Foi a partir da relao capital/trabalho em conjunturas nas quais a
correlao de foras entre as classes sociais esteve favorvel aos trabalhadores que vrios
direitos se viabilizaram, principalmente os direitos relativos seguridade social. Isso aponta
uma relao contextual entre trabalho, Estado e polticas sociais. E mostra, especialmente,
que as diversas formas de interveno do Estado so condicionadas pelos interesses e
capacidade de classe, os quais so determinados especialmente no nvel da produo.
Assim, a categoria Estado compreendida, nesta tese, como uma expresso da luta de
classes, o qual representa primordialmente os interesses da classe dominante. Porm,
incorpora tambm relativamente as demandas da classe trabalhadora, explicitadas na luta de
classes. Partindo dessa diretriz, a categoria Estado debatida, no seio da tese, com base na
contribuio de diversos autores de tradio marxista. Suas funes so analisadas, assim, a
partir de diferentes pontos de vistas. A seguinte passagem da obra de Iamamoto rene os
eixos centrais a partir dos quais os dilogos sobre o Estado e as suas funes no capitalismo
se desenvolvem no curso da tese:
importante acentuar o papel que cumpre ao Estado nesse modo de dominao. O Estado tem o
papel-chave de sustentar a estrutura de classes e as relaes de produo. O marxismo clssico j
estabelecia as funes que pertencem ao domnio do Estado: criar as condies gerais da produo,
que no podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos grupos dominantes: controlar as
ameaas das classes dominadas ou fraes das classes dominantes, atravs de seu brao repressivo
(exrcito, polcia, sistema judicirio e penitencirio); e integrar as classes dominantes, garantindo a
difuso de sua ideologia para o conjunto da sociedade. Essas funes coercitivas se unem s
funes integradoras, destacadas pela anlise gramsciana, exercidas pela ideologia e efetivadas por
meio da educao, cultura, dos meios de comunicao e categorias do pensamento. Para Mandel
(1985) as funes repressivas e integradoras se entrelaam para providenciar as condies gerais
da produo (IAMAMOTO, 2007, p. 120).
O contexto contemporneo marcado pelo comando do capital financeiro sobre os
processos de acumulao, articulado aos grandes grupos industriais transnacionais, como bem
configura Franois Chesnais:
O mundo contemporneo apresenta uma configurao especfica do capitalismo, na qual o capital
portador de juros est localizado no centro das relaes econmicas e sociais. As formas de
organizao capitalistas mais facilmente identificveis permanecem sendo os grupos industriais
transnacionais [...]. Mas a seu lado, menos visveis e menos atentamente analisadas, esto as
instituies financeiras bancrias, mas sobretudo as no bancrias, que so constitutivas de um
capital com traos particulares.[...] (CHESNAIS, 2005, p. 35).
Sob essa configurao do capitalismo contemporneo o Estado assume funes
diferenciadas das assumidas em outros contextos, porm sempre vinculadas s necessidades
do capital, como bem delimita Iamamoto, apoiada em Husson (1999) e Ianni (2004a):
36
A mundializao no suprime as funes do Estado, de reproduzir os interesses
institucionalizados entre as classes e grupos sociais, mas, modifica as condies de seu exerccio
na medida em que aprofunda o fracionamento social e territorial. O Estado passa a presidir os
grandes equilbrios sob a vigilncia estrita das instituies financeiras supranacionais, consoante a sua necessria submisso aos constrangimentos econmicos, sem que desapaream suas funes
de regulao interna (IAMAMOTO, 2007, p.121).
Quanto s polticas sociais, no curso da tese, o propsito foi problematizar o seu
surgimento e desenvolvimento no contexto da acumulao capitalista e da luta de classes,
com a perspectiva de demonstrar os seus limites e possibilidades. Assim, a partir da
perspectiva crtico-dialtica, essa foi concebida como como uma mediao entre economia e
poltica, como resultado de contradies estruturais engendradas pela luta de classes e
delimitadas pelos processos de valorizao do capital (BEHRING, 2009b, 302).
Assim, a inteno foi analis-las, conforme sugere Behring (2009b): como processos e
resultados de relaes complexas e contraditrias que se estabelecem entre Estado e sociedade
civil no mbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produo e
reproduo do capitalismo, nos seus grandes ciclos de expanso e estagnao (Id., p. 304).
Esse esforo foi direcionado, sobretudo para entender a seguridade social conforme
estruturada no mundo capitalista no Ps-Guerra e instituda no Brasil, em 1988. Esforo
equivalente foi feito para compreender a previdncia social no mbito da seguridade social.
No capitalismo, a seguridade social estruturou-se tendo como referncia a organizao
social do trabalho e constituiu-se como o centro dos sistemas de proteo social. A sua
conformao em cada pas deu-sede acordo com as condies especficas do desenvolvimento
do capitalismo, da luta de classes e capacidade de presso da classe trabalhadora. Assim,
assumiu uma face mais abrangente ou mais restrita, segundo o contexto em que se fundou e
desenvolveu.
No Brasil, sua instituio aconteceu em um perodo histrico de luta por direitos sociais
e restabelecimento das liberdades democrticas. Assim foi concebida como um conjunto
articulado de aes de iniciativa dos poderes pblicos e da sociedade, voltadas para viabilizar
os direitos referentes sade, previdncia e assistncia social (BRASIL, 2008a, art. 194) e
foi orientada para atender a um conjunto de objetivos que apontam para a sua universalizao
e capacidade de incidir na reduo da pobreza e das desigualdades sociais no pas. Todavia,
sua estruturao deu-se, no contexto da onda longa recessiva, sob os auspcios da ideologia
liberal e financeirizao do capital o que corroeu o seu significado original. Constituiu grande
conquista dos trabalhadores na dcada de 1980. No tempo presente , sobretudo, um campo
37
de lutas e de formao de conscincia crtica em relao desigualdade social no
Brasil, de organizao dos trabalhadores (CFESS, set. 2000, p. 2).
A caracterizao da previdncia social como poltica de seguridade social,
permite que seja comparada a um contrato social. Duas vises de contrato social
permeiam os debates entre os que assim a concebem: uma baseada na viso do
liberal John Rwals (dominante) e outra na viso do democrata Rousseau. Assim,
como uma poltica de seguridade social, que viabiliza direitos derivados e dependentes do
trabalho, a previdncia social tem sofrido as mesmas determinaes econmicas e polticas
que dilapidaram o significado da seguridade social. Sob a viso neoliberal, tem sido tratada
como um seguro privado, como um contrato social entre geraes de trabalhadores, ao
mesmo tempo em que tem sido alvo de disputa do grande capital, como um negcio rentvel.
Esse o microextrato do referencial terico, que compe o corpo da tese e fundamenta
o trato do objeto, o percurso para elucid-lo e as reflexes desenvolvidas.
O objetivo geral da pesquisa foi identificar limites e possibilidade de universalizao da
cobertura da previdncia social no Brasil diante do aprofundamento da desestruturao do
trabalho assalariado, da dilapidao da seguridade social e do elevado quantitativo de
trabalhadores sem vinculao ao modelo atual de previdncia social contributivo e
fundamentalmente dependente do trabalho assalariado formal. Este objetivo geral vinculou-se
aos seguintes objetivos especficos: Recuperar o debate sobre o trabalho assalariado como
condio de acesso proteo social, sob o fordismo/keynesianismo, e sobre as funes da
poltica social, principalmente da seguridade social luz do pensamento de autores do campo
da tradio marxista; resgatar o significado de seguridade social expresso pela Constituio
Federal de 1988 e a concepo de previdncia social como uma poltica de seguridade social,
fundada na viso de contrato social solidrio e democrtico, com vistas a mostrar a
dilapidao dessa noo e ao mesmo tempo, o potencial universalizante de proteo social
que ela possui; evidenciar a condio estrutural do trabalho no Brasil na primeira dcada do
sculo XXI, a partir da anlise dos indicadores do trabalho e de seus rebatimentos na
cobertura da previdncia social; explicitar os diferentes graus de dependncia histrica do
sistema de previdncia social no Brasil do trabalho assalariado estvel, bem como os impactos
e restries que esta dependncia impe universalizao da previdncia social no pas;
revelar o formato de financiamento e gasto da seguridades social estabelecidos pela
Constituio Federal de 1988 e as suas potencialidades na direo da universalizao do
38
acesso ao sistema; mostrar o perfil das pessoas da PEA contribuintes do RGPS e dos no
contribuintes para qualquer regime de previdncia, na primeira dcada do sculo XXI; apontar
limites e possibilidades de ampliao da cobertura da previdncia social mediante o
incremento do emprego estvel, da plena efetivao do oramento da seguridade social e da
equidade na forma de participao no custeio da seguridade social, da promoo da filiao
ao RGPS a partir da vinculao a outras ocupaes diferentes do trabalho assalariado e da
criao de novas formas de custeio da seguridade.
Recorte Metodolgico
O objeto de pesquisa foi abordado a partir da perspectiva crtico-dialtica, priorizando-
se o desvendamento das contradies que o envolvem enquanto fenmeno social analisado,
com vista a apreender suas mltiplas determinaes luz de sua contextualizao histrica e
do referencial terico que orientou a tese.
Sob esta tica, o esforo foi superar a aparncia fenomnica e emprica referente
relao entre trabalho assalariado e previdncia social no Brasil, especialmente na primeira
dcada do sculo XXI, com vista a identificar, na essncia dessa relao, os limites e
possibilidades de avanos na direo da universalizao da previdncia social no pas, no
contexto de desestruturao do trabalho e da seguridade social.
No decorrer da pesquisa, tentamos assegurar que a relao teoria /histria perpassasse
todo o processo investigativo, em decorrncia da compreenso de que at mesmo as
categorias mais abstratas so produtos de sua prpria condio histrica e no possuem pleno
valor seno nos limites destas condies (MARX, 2003). Do mesmo modo, procuramos
conduzir as anlises na perspectiva de totalidade, de forma que os complexos constitutivos da