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1 A cor dos têxteis antigos. Os neutros: beige, castanho e preto Maria Eduarda M. Araújo Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa Texto de apoio ao workshop Pigmentos e Corantes Naturais na Tinturaria Antiga: Usos e Estruturas Cento de Arqueologia de Almada Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa 2012

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A cor dos têxteis antigos.

Os neutros: beige, castanho e preto

Maria Eduarda M. Araújo

Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa

Texto de apoio ao workshop

Pigmentos e Corantes Naturais na Tinturaria Antiga: Usos e Estruturas

Cento de Arqueologia de Almada

Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa 2012

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Introdução

A utilização pelo Homem de corantes de origem animal, vegetal e mineral, é muito antiga. Uma das

principais utilizações era o tingimento de materiais têxteis com os quais não só fabricavam as suas

vestes mas também produziam tapeçarias com as quais embelezam as habitações. É de cerca de

2600 a. c. o primeiro registo escrito conhecido sobre corantes naturais o qual relata a utilização

destes materiais China para obtenção de tecidos de várias cores.

A observação das cores vibrantes de flores, sementes, bagas, frutos, fez com que o homem

quisesse apropriar-se dessas cores tentando passá-las para o seu meio envolvente, vestuário e

habitação. No entanto a maior parte destes materiais naturais tinha cores pouco persistentes

quando aplicadas em tecidos e desapareciam facilmente com a lavagem ou quando expostas à luz.

De entre este vasto conjunto de substâncias havia contudo algumas que, pelo facto de originarem

cores e resistentes atingiram grande valor económico, levando a cobiça e a guerras, fazendo a sua

posse a fortuna de impérios mas também a desgraça de vários povos.

Nos tempos actuais há a ideia de que os tecidos dos antigos , tanto os que eram utilizados para o

vestuário como o de decoração, tinham uma paleta de cores pouco interessante e monótona, que

consistia quase exclusivamente no branco cru, no beige da estopa e no castanho escuro da lã.

Contudo esta ideia não corresponde à realidade. Para além dos vermelhos, amarelos ou azuis,

também as cores neutras como os castanhos ou o preto eram obtidas por tingimento e muito

valorizadas.

Corantes naturais

Um corante natural é uma substância orgânica corada obtida apenas por processos fisico-químicos

(dissolução, precipitação, entre outros) ou bioquímicos (fermentação) de uma matéria-prima

animal ou vegetal. Esta substância deve ser solúvel num meio aquoso, sendo mergulhado neste

meio o material a tingir, e passando então o corante da solução para as fibras têxteis.

É corrente classificar os corantes têxteis em várias categorias consoante o respectivo modo de

aplicação1, 2, sendo que os corantes naturais pertencem apenas a um dos seguintes grupos:

Corantes directos – são corantes que se agarram directamente às fibras do tecido, em geral

fibras de celulose como o algodão e o linho, sem que estas necessitem de um tratamento especial.

Poucos corantes naturais pertencem a esta categoria. Nos corantes directos pode incluir-se um

grupo particular de corantes, os corantes ácidos. Estes corantes são em geral aplicados num banho

ácido, em virtude de possuírem grupos ionizáveis na sua constituição. Os corantes directos são, em

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geral, adequados para os materiais proteicos de origem animal como a seda e a lã em virtude de

poderem formar ligações iónicas com os resíduos carboxilato da proteína.

Corantes de tina – Este é um grupo especial de corantes aplicado à lã e ao algodão, mas

principalmente a este último. O corante é aplicado numa forma química reduzida, incolor, chamada

de forma leuco, e já depois de aplicado ao tecido é transformado na forma corada por oxidação

com o oxigénio do ar ou por adição de agentes oxidantes. Nas preparações tradicionais com

corantes naturais, como por exemplo o índigo, a forma leuco é obtida por putrefacção da matéria

vegetal em meio levemente básico. A forma leuco é solúvel no meio aquoso básico e penetra no

material a ser tingido. A oxidação com o oxigénio do ar origina a forma corada, insolúvel, que fica

depositada nas fibras do material a tingir. É pelo facto de não haver uma ligação química entre o

corante e a fibra que este vai sendo removido com as lavagens.

Corantes que necessitam de mordentes – esta é uma expressão vasta que se aplica tanto a

corantes que se ligam à fibra através de um composto orgânico (por exemplo os taninos), ou

através de um sal ou hidróxido metálico. A maior parte dos corantes naturais vermelhos e amarelos

estão incluídos nesta categoria.

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Auxiliares no tingimento e mordentes

Substâncias auxiliares no tingimento

A utilização de substâncias auxiliares no tingimento para melhor fixação da cor é muito antiga.

Sabe-se que populações da Índia, da América, do Egipto e da Grécia antiga já usavam o alúmen com

este fim.

Vários compostos, ou misturas de compostos orgânicos, foram sendo usados ao longo dos tempos.

Funcionavam como auxiliares na aplicação dos corantes aos tecidos e fibras.A urina foi utilizada

pelos gregos e romanos no tingimento com púrpura de Tiro e com índigo. Sabe-se que os aztecas

também a utilizaram no tingimento com índigo. O leite de búfalo foi usado pelos hindús no

tingimento com a raiz de xaja (ou ruiva indiana). Óleos vegetais, muitas vezes o azeite rancificado,

foram utilizados no tingimento com o vermelho da Turquia. Este último era um processo

complicado, que chegava a demorar vários meses, em que se utilizavam vários mordentes com o

objectivo de obter uma laca aderente ao tecido, formada por alizarina, alumínio e cálcio, sendo a

função do azeite rançoso a de manter os materiais uniformemente distribuídos sobre a fibra.

Algumas destas substâncias actuavam como dispersantes dos corantes no banho de tingimento,

outras ajudavam-no a penetrar no tecido e outras ainda faziam com que a cor ficasse uniforme. Um

destes produtos era o sabão natural pois fazia com que as fibras ficassem molhadas mais facilmente

ao mesmo tempo que ajudava a dispersar o corante. Tinha no entanto o inconveniente de não

poder ser usado em meios ácidos nem em águas muito duras.

Mordentes

Os mordentes são compostos usados em conjunto com corantes que não se fixam às fibras têxteis

quando aplicados directamente sobre estas.

O termo mordente, do latim mordente, particípio passado do verbo mordere, morder, foi

introduzido em 1920 para caracterizar a complexação de um corante com um metal. O metal

agarra-se à fibra “mordendo-a “ e faz o mesmo ao corante, e deste modo realiza a ligação entre

estas espécies: fibra e corante.

Os mordentes são indispensáveis à industria tintureira uma vez que muitos corantes, quando

aplicados directamente, não ficam fixados à fibra a não ser que se aplique um mordente. Esta

situação dá-se tanto com as fibras de origem vegetal como com as de origem animal.

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O mordente pode ser aplicado previamente, antes do corante, ou pode ser aplicado em conjunto.

Os mordentes afectam a cor do corante, uma vez que o mesmo corante conforme o mordente

empregue dá origem a cores diferentes.

Mordentes inorgânicos

Muitos sais inorgânicos têm sido, e ainda o são, utilizados como mordentes. No entanto o

mordente mais popular foi o alúmen.

O alúmen é um material constituído principalmente por sulfatos duplos formados a partir de

sulfatos de alumínio, ferro e crómio com sulfatos de potássio, sódio e amónio. Na natureza aparece

como sulfato duplo de alumínio e de uma das seguintes bases: sódio, potássio, amónio, magnésio,

manganês ou ferro.

O alúmen de potássio tem a seguinte fórmula química: KAl(SO4)2·12(H2O). Era extraído de jazidas, e

o seu comércio era importante, levando ao enriquecimento de vários estados que o extraíam, como

é o caso do papado de Roma. Os estados italianos de Florença e Génova3 deveram muito da sua

riqueza e poderio económico no período do renascimento, ao comércio do alúmen. O monopólio

da extracção e comercialização do alúmen foi destruído quando cerca do século XVIII foi

descoberta, e iniciada, a produção de alúmen sintético, mais barato, principalmente em Liége

(França). Esta nova indústria leva ao colapso da extracção de alúmen natural.

Este alúmen era muito apreciado pois não provocava alteração na cor dos corantes.

Também podia ser obtido a partir de um mineral de alumínio, a alunita (Figura 1), KAl3(SO4)2(OH)6

por calcinação a 700º e lexiviação deste.

Figura 1 – alunita, minério de alumínio (foto: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Mineraly.sk_-

_alunit_m.jpg)

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Ao contrário dos sais de alumínio os sais de ferro alteram a cor dos corantes, tornando-os mais

escuros. Este é usado como sulfato ferroso (ou vitríolo verde ou “ couperose vert, francês), de

fórmula química Fe2(SO4)3·7H2O.

A 90°C o sulfato ferroso perde água de hidratação de maneira a formar um mono hidrato incolor,

que era também chamado "vitríolo verde", pela sua relação histórica com a produção de ácido

sulfúrico.

Este composto existe em jazidas ou pode ser obtido por oxidação da pirite branca, dissulfureto de

ferro. Era usado para reforçar o tingimento com a falsa púrpura, como a urzela, e para dar um tom

violeta avermelhado a um certo tipo de cohonila cujo tom principal era o vermelho arroxeado. No

Egipto esta falsa púrpura era obtida com a garança ( ou ruiva) submetida a um mordente de alúmen

com um pouco de ferro. No entanto, quando associada a um tanino era utilizado para obter tintura

negra. Esta tintura tem o problema de originar a formação de ácido sulfúrico que é fatal para a seda

e para a lã levando à sua degradação. Na idade média foi proibida a sua utilização no tingimento da

lã de boa qualidade, sendo apenas utilizados para têxteis mais baratos.

Um outro sal de ferro, o acetato de ferro, Fe(CH3COO)3, obtido dissolvendo em ácido acético

limalha, aparas e pedaços de ferro, também era usado e mais apreciado no tingimento da lã e da

seda, por o ácido acético se libertar quando os banhos de tingimento eram aquecidos. Tornava-se

assim mais inofensivo para estes materiais.

Os mordentes de cobre, na forma de acetato e/ou sulfato de cobre (vitríolo azul) foram

principalmente usados com o acetato de ferro para os violeta. Sózinhos modificam os corantes

naturais amarelos para os tons de verde azeitona ou verde bronze.

A utilização do mordente de estanho, cloreto estanhoso, SnCl2, é bastante mais recente, datando

do século XVII. Era principalmente utilizado para avivar o carmim da cochonilha.

A utilização do mordente de crómio é ainda mais recente, datando do século XIX. O composto mais

usado era o dicromato de potássio, K2Cr2 O7. Forma complexos muito estáveis com os corantes e as

fibras têxteis, dando origem a cores muito sólidas à lavagem e à luz. Tem contra a sua utilização o

facto de ser muito tóxico para os trabalhadores que o manipula e de ser altamente poluente.

Para além dos mordentes várias outras substâncias foram também usadas no tingimento dos

tecidos. Funcionavam como auxiliares na aplicação dos corantes aos tecidos e fibras. Algumas

destas substâncias actuavam como dispersantes dos corantes no banho de tingimento, outras

ajudavam-no a penetrar no tecido e outras ainda faziam com que a cor ficasse uniforme. Um destes

produtos era o sabão natural pois fazia com que as fibras ficassem molhadas mais facilmente ao

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mesmo tempo que ajudava a dispersar o corante. Tinha no entanto o inconveniente de não poder

ser usado em meios ácidos nem em águas muito duras.

Mordentes orgânicos

Os mordentes orgânicos mais populares foram os galhotaninos que não são uma espécie química

bem definida mas uma mistura de compostos da família dos taninos hidrolizáveis. Estão presente

na noz de galha, no sumagre, na raiz da ratânia, entre outros. O ácido tânico, um galhotanino, é

muitas vezes usado abusivamente como sinónimo de ácido gálhico ou de ácido digálhico (Figura 2).

Figura 2 – Estruturas dos ácidos gálhico e digálhico

O ácido tânico e outros galhotaninos foram utilizados por vários povos, de vários continentes,

desde os hindús, aos gregos antigos e aos índios americanos sendo muito populares na Europa

medieval.

Os taninos

O nome de tanino provém do francês tanin e inclui uma grande gama de compostos polifenólicos

naturais.

Desde os tempos antigos que são conhecidas substâncias que têm propriedades de fazer a

curtimenta das peles animais obtendo-se deste modo um material flexível e resistente, o cabedal.

Embora a curtimenta das peles seja um processo muito antigo só no século XX, com o

desenvolvimento das técnicas analíticas, foi elucidado o processo que na realidade ocorre: os

taninos promovem o aparecimento de ligações cruzadas entre as fibras de colagénio que formam a

pele.

Na natureza os taninos encontram-se em muitas plantas superiores, como na casca do carvalho e

do castanheiro, e nas folhas do sumagre, etc…

OH

OH

OH

COOH

OOH

OH

OH

OH

OH

O

COOH

ácido gálhico ácido digálhico

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Os taninos são também, como atrás referido, utilizados como mordentes no tingimento de tecidos

São també utilizados na indústria alimentar como antioxidantes.

Os taninos são macromoléculas polifenólicas. O seu peso molecular encontra-se em geral entre os

300 e os 3000 D, embora já tenham sido isoladas moléculas cuja massa molecular é superior a 20

0000 D e que ainda são classificadas como taninos.

Historicamente os taninos são divididos em duas grandes classes: Os taninos hidrolisáveis e os

taninos condensados.

Os taninos hidrolisáveis devem este nome ao facto de, por acção da água quente ou por acção de

enzimas, poderem ser hidrolisados a componentes mais simples. Podem ser formados a partir do

ácido gálico (ou gálhico, ácido 3,4,5 tri-hidroxi-benzóico), os galhotaninos, ou então do ácido

elágico ( lactona do ácido hexa-hidroxi-difenóico), os elagitaninos. O ácido elágico é formado pelo

acoplamento carbono-carbono de duas unidades de ácido gálhico seguida de lactonização

espontânea (Figura 3).

Figura 3 – Estruturas dos ácidos gálico, elágico e hexa-hidroxi-difenóico

O ácido tânico (Figura 4), um dos taninos hidrolizáveis mais simples, é formado por ácido gálico e

glucose, encontrando-se os grupos hidroxilo da glucose esterificados com ácido gálico. Moléculas

mais complicadas são formadas por esta unidade esterificada com outros radicais de ácido gálico.

O OH

OH

OHOH

OOH

OH

O

O

OH

OH

O

O

OH

OHOH

O

OH

OHOH

OH

OH

ácido gálico ácido elágico ácido hexa-hidroxi-difenóico

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Figura 4 – Estrutura de uma pentagaloil-glucose

Uma outra categoria de taninos é a dos taninos condensados, que são formados por unidades de

catequina unidas entre si por ligações carbono-carbono, que se estabeleceram entre o carbono 3

de uma unidade e o carbono 8 de outra unidade de catequina (Figura 5).

Figura 5 – estrutura da catequina e de um tanino condensado

O

OH

OHOH

O

O

O

O

OO

O

OH

OH

OHO

OH

OHOHO

OHOH

OH

OOH

OH

OH

OH

HO

OH

HO

OH

OH

OH

HO

OH

HO

OH

OH

OH

HO

OH

HO

OH

OH

OH

HO

OH

HO

OH

OH

Catequina

3

8

3

8

n

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Estes compostos também são designados por proantocianidinas, pois por cisão oxidativa ( e não

hidrólise) em álcool, a quente, dão origem às antocianidinas (Figura 6).

Figura 6 – Formação de uma antocianidina

Existe ainda um outro tipo de taninos, os taninos complexos, designados inicialmente por “taninos

não clássicos”, em que uma unidade glicosídica está ligada, por uma ligação C-C a uma catequina e

cujos grupos hidroxilo estão esterificados com o ácido gálico e com o ácido elágico. Estes taninos

são parcialmente hidrolisáveis (Figura 7).

Figura 7 – Estrutura de um tanino complexo

OHH

O

OH

OH

OH

OH

OHH

O

OH

OH

OH

OH

OHH

O

OH

OH

OH

OH OH

O

OH

OH

OH

OH

n

+

O

OH

OH

OHO

OH

OHOH

OOH

OHOH

OH

OH OH

OO

OH

HO

OH

OH

OH

OH

O

O

OO

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Alterações na cor provocadas pelo tipo de mordente usado

Como já foi referido, a utilização de mordente pode afectar a cor do corante.

As figuras abaixo são um bom exemplo desta afirmação. Foram realizadas algumas experiências de

tingimento artesanal com garança (ou ruiva dos tintureiros) sobre lã e algodão. Foram usados o

sulfato de ferro, o alúmen, o sulfato de cobre e o sumagre.

Só o mordente, sem o corante

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Os neutros, beige e castanho e preto e as plantas ricas em taninos hidrolisáveis

Os carvalhos

A casca

Os carvalhos são árvores de médio a grande porte que incluem espécies de folha caduca e de folha

perene. Estas últimas encontram-se em geral no sul da Europa enquanto que as primeiras se

encontram mais para o norte. O género a que pertencem, Quercus, inclui árvores que em

português são designadas por nomes correntes que não as permitem associar ao género como seja

o sobreiro, Quercus suber, ou a azinheira, Quercus ilex rotundifólia.

Os carvalhos europeus utilizados em tinturaria são o carvalho roble (sin. carvalho-vermelho, ou

carvalho-alvarinho), Quercus robur (sin. Quercus pedunculata), e o carvalho branco (ou roble

branco), Quercus petraea (sin. Quercus sessiliflora)(Figura 8 e 9). Estas duas espécies são muito

parecidas sendo por vezes estes carvalhos confundidos um com o outro. O roble branco cresce em

solos mais pobres e é um pouco menos robusto . O carvalho roble foi em tempos passados a árvore

dominante nas florestas portuguesas do Minho, Douro litoral e Beiras.

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Figura 8 - Quercus róbur (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_robur.jpg)

Figura 9 - Quercus petrae (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_petraea_-

_K%C3%B6hler%E2%80%93s_Medizinal-Pflanzen-118.jpg)

Destes dois carvalhos utiliza-se a casca pulverizada, comercializada na forma de pó.

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A casca é rica em elagitaninos (pedunculagina, vescalagina, castalagina) contendo uma pequena

quantidade de taninos condensados, taninos complexos, catequina, galocatequina, leucocianidina,

leucodelfinidina e outros flavonoides.

Pedunculagin

Vescalagin

A casca, sem mordente, produz um tom beige escuro de folha seca. Com mordentes de ferro

obtêm-se cinzentos e negros resistentes à lavagem e à luz.

Em Portugal existe uma outra espécie de carvalho o Quercus pyrenaica vulgarmente chamado de

rebolo.

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As galhas

O Quercus infectoria (sin. Quercus lusitânica), conhecido como carvalhiça, carvalho-anão,

cerqueiro-bravo é uma espécie natural de Portugal, Espanha e Marrocos. É um pequeno arbusto

que não ultrapassa normalmente os 50 centímetros de altura, sendo encontrado

predominantemente em matas e matagais. Quando infectado por um pequeno insecto, Cynips

gallae tinctoriae, a planta cria uma excrecência, mais ou menos esférica e irregular que envolve os

ovos do insecto. Estas formações, chamadas de galhas, são ricas em taninos hidrolisáveis do tipo

gallotanino. Estas galhas também são conhecidas por: “Turkish gall, Galla tinctoria, Galla halepense,

Galla levantica or Galla quercina.

Figura 10 - Quercus lusitanica (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Quercus_lusitanica_-

_K%C3%B6hler%E2%80%93s_Medizinal-Pflanzen-253.jpg)

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Durante séculas estas galhas, conjuntamente com um mordente de ferro, foram a principal matéria

para tingir de negro a seda. Na Europa, na Idade Média e na Renascença, a maior parte das receitas

para tingir não só a seda como o linho e os tecidos mistos de algodão e linho era baseada na noz de

galha e no ferro. Diminuindo a concentração do mordente de ferro obtinham-se tons variados de

cinzento. Se se usasse o alúmen obtinham-se beiges

Vários outros carvalhos também desenvolvem galhas, que são igualmente ricas em galhotaninos.

As figuras abaixo mostram o resultado das galhas do Q. pyrenaica com os diversos mordentes.

As cúpulas das bolotas

Existe uma variedade de carvalho, Quercus macrolepsis, incorrectamente designado por Q. aegilops

que em linguagem corrente é chamado de valónia, é uma árvore de grande porte, natural da zona

Mediterrânea oriental, ilhas Balcânicas e Ásia Menor (Figura 11).

Figura 11 – Quercus macrolepsis (fonte:

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As cúpulas das glandes dessa árvore, chamadas de valóneas têm sido utilizadas para a obtenção de

uma matéria rica em elagitaninos muito apreciada em tinturaria e em curtumes. Sem mordente

obtem-se um beige acastanhado e com mordente cinzentos e negro(Figura 12).

Figura 12 – Lã pura tingida com extracto do corante natural valónia, marca Hue & Dye. Na

fotografia a partir de cima: mordantada com alumen , modificado som sulfato de ferro, modificado

com ácido cítrico, modificado com carbonato de sódio

(http://dtcrafts.co.uk/dyesFixers/hueAndDye/dy320.html)

Quimicamente o valonado (tannino de valónea) é formado por uma fracção de baixo peso

molecular de taninos hidrolisáveis tais como o ácido flavogalónico, ácido elágico e gálico,

pentagaloilglucose e todo o tipo de produtos de degradação e oxidação dos componentes

importantes de tanino valonea. Além disso, a castalagina e a vescalagina e outros componentes de

maior massa molecular derivados destes compostos constituem componentes importantes.

Ácido flavogalónico

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O castanheiro

O castanheiro, Castanea sativa, é outra das árvores de grande porte rica em taninos.

É uma fonte de elagitaninos (Figura---): castalina, castalagina, vescalagina, kurigalina, chestanino e

acutissimino A.

Em tinturaria utilizava-se a casca, o extracto de tanino e outros sub-produtos.

Com um mordente de ferro era utilizado para tingir a seda de negro, com a vantagem de lhe

conferir corpo que esta tinha perdido com a lavagem. Também era usado para dar um acabamento

lustroso ao algodão.

Figura------O castanheiro

As figuras abaixo mostram o resultado do tingimento com casca de castanheiro e os diversos

mordentes

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Castanheiro e mordentes :lã

Castanheiro e mordentes: lã e algodão

Figura ---- - taninos e polifenóis presentes na casca de castanheiro: 1castalin; 2 castalagin; 3

vescalagin; 4 kurigalin; 5 5-O-galloylhamamelose 4

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Figura ---- continuação - Taninos e polifenóis presentes na casca de castanheiro: 6 (3’5’-dimethoxy-4’-hydroxyphenol)-1-O-beta-D-(6-O-galloyl)glucose; 7 chestanin; 8 acutissimin4

Um arbusto muito especial: o sumagre dos correeiros

O sumagre dos correeiros, Rhus coriaria L., é um arbusto lenhoso, de folhas ovais e frutos redondos

e vermelhos. É uma planta que atinge 1 a 2 metroa quando cultivada mas que em estado

espontâneo pode ter um porte superior atingindo os 3 a 4 metros. Originário do Médio-oriente,

estendeu-se por toda a bacia mediterrânea, sendo cultivado em solos pobres. É cultivado há

centenas de anos na Sicília para obtenção do tanino. Actualmente surge espontâneamente no

norte de Portugal, na zona do Douro, tendo-se tornado uma espécie marginal, infestante de taludes

e zonas não cultivadas. Em Portugal é também conhecido pelos nomes de sumagre vulgar, sumagre

verdadeiro ou sumagre siciliano.

O sumagre era colhido em Agosto. Os ramos eram cortados e postos a secar ao sol. Depoois de seco

era malhado para separar as astes e as folhas que eram moídas em separado, até se obter um pó

fino como farinha. O pó de sumagre era comercializado para as fábricas de curtumes e para as

tinturarias.

Na Península ibérica o sumagre foi utilizado desde os tempos da ocupação árabe, sendo as

primeiras referências escritas do primeiro quartel do século X. A sua produção tinha uma elevada

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importância económica, tendo-se constatado que no sec. XVII as exportações de sumagre através

da barra do Douro eram muito superiores ao do vinho. Parte era vendida para Lisboa mas mais de

metade era exportado para vários portos europeus: ingleses, alemães holandeses e franceses. A

produção de sumagre foi-se extinguindo no país durante os meados do século passado. Em 1964,

em Vila Nova de Foz Coa, o sumagre ainda era um género agrícola próprio. Foi suplantado pelo

sumagre importado da Sicília que entrou no mercado a preços competitivos, pela casca de carvalho

e por produtos químicos de síntese bastante mais baratos.

As folhas de sumagre são ricas em galhotaninos chegando aos 36%. Possui ainda glicósidos dos

flavonóis miricetina, quercetrina e quempferol.

O sumagre era muito utilizado no tingimento da lã, da seda e do algodão e servia sobretudo,

misturado com outros corantes, para para fixar as cores dando-lhes também tons mais escuros.

Misturado com a ruiva produzia o cinzento e com a madeira de sândalo e deferentes mordentes

tons de avelã, bronze e grenat. Conhecido desde a Antiguidade, é mencionado no primeiro tratado

escrito Europeu sobre a arte de tingir onde é mencionado como fonte da tinta para tingir de preto.

No entanto era sobretudo usado para o tingimento da lã, sendo o preto obtido com mordente de

ferro.

Outras árvores, outros compostos: a nogueira

A nogueira, Juglans regia L. é uma árvore de porte majestoso, que pode atingir 10 a 15 m de altura.

Originária da Ásia Menor há já muito tempo que foi aclimatizada nas regiões temperadas da Europa

onde é cultivada pela madeira e pelos frutos.

A matéria corante é obtida a partir das folhas, colhidas no princípio do verão, da casca, quando a

árvore é abatida ou quando os ramos são podados, e ainda do pericarpo dos frutos ainda verdes,

que caíram prematuramente.

O composto responsável pela cor é uma naftoquinona, a juglona (Figura --). Este composto existe

na planta fresca na forma de beta-D-glucopiranósido da hidrojuglona. É particularmente abundante

nas raízes, nos ramos jovens e nos frutos onde representa 6 a 8% do peso seco. Juntamente com

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este composto existe ácido gálhico e elagitaninos, cerca de 3 a 4% nas folhas, que funcionam como

mordentes no tingimento, e ainda flavonoides como a quercetina, quercetrina, hiperóxido,

miricetina, entre outros, que dão nuances de amarelo.

Figura _____________ Estrutura química da juglona

Os diferentes tons de castanho e castanho avermelhado obtidos com a decocção das folhas e da

casca, encontram-se entre as tinturas mais sólidas do reino vegetal, mesmo sem utilização prévia

de mordente.

A figura abaixo apresenta o resultado de uma experiência com cascas de noz e os diversos

mordentes

Bibliografia

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2 Guaratini, C. C. I., Zanoni, M. V. B., Química Nova, 2000, 23, 71.

3 Delamare, F.; Guineau , B.; Colour, making and using dyes and pigments, Thames and Hudson Ltd, London, 2000.

4 Olivier Lampire, Isabelle Mila, Maminiaina Raminosoa,Veronique Michon, Catherine Herve du Penhoat, Nathalie

Faucheur, Olivier Laprevote, Augustin Scalbert, Polyphenols isolated from the bark of castanea sativa Mill. Chemical

structures and auto association, Phytochemistry 1998, 49, 623-631

O

Ojugulona

OH