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INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
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DEMANDAS DE ALFABETIZAÇÃO EM ESCRITOS DE ALUNOS DO 7º ANO
DEMANDS OF LITERACY IN 7TH
YEAR STUDENTS’ WRITING
Leyciane Lima Oliveira*
Andréia Cristina Fidélis da Silva**
Wagner Rodrigues Silva***
RESUMO: Apresentamos algumas demandas de alfabetização apresentadas na produção textual escrita
de alunos do 7º ano do Ensino Fundamental II. Para tanto, dialogamos com descritores para o ensino de
Língua Portuguesa, presentes no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC); com
abordagens pedagógicas da alfabetização e do letramento; com questões linguísticas relacionadas à
produção e à construção do sentido textual, no contexto do ensino de Língua Portuguesa. As principais
demandas para alfabetização, identificadas nos textos analisados, foram: marcas da oralidade dos
alunos presentes na escrita; segmentação de palavras; dificuldades de organização textual;
desconhecimento das convenções de pontuação; e dificuldade no domínio da correspondência entre
grupos de letras e respectivos valores sonoros.
ABSTRACT: We show some literacy demands presented in textual written production of the students from
7th
year of the Elementary School. For the analysis, we dialogue with descriptors to Portuguese
Language Teaching, on the National Pact for Literacy in Right Age (PNAIC); with pedagogical
approaches of school literacy and social literacy; with linguistics issues related to the textual
comprehension and meaning construction, at the context of Portuguese teaching. The main demands to
literacy identified in text analyzed were: marks of student speech present in the writing; words
segmentation; textual difficulties of organization; unfamiliarity with the convention of punctuation marks;
and difficulty in the field of correspondence between groups of letters and their sound value.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de língua. Gênero textual. Alfabetização. Letramento.
KEYWORDS: Language teaching. Textual genre. Literacy.
INTRODUÇÃO
No contexto brasileiro, o ensino de Língua Portuguesa (LP) tem passado por diversas
mudanças necessárias para a legitimação de objetos de ensino que possam contribuir
para o exercício da cidadania dos egressos do Ensino Básico (EB). Para tanto,
compreendemos como necessárias competências de uso oral e escrito da língua,
envolvendo a leitura e a análise linguística, dentro do universo dos gêneros
organizadores das práticas interativas características de diferentes domínios sociais.
No Ensino Fundamental II (EFII), o professor de LP, normalmente, elabora atividades
para diagnosticar o conhecimento da escrita apresentado pelos alunos. Tais atividades
são justificadas pelo propósito de desenvolver estratégias pedagógicas que melhorem o
desenvolvimento do ensino e da aprendizagem da língua materna. Os resultados dos
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diagnósticos são diversos e dentre os casos mais desafiadores, destacamos textos
confusos, sem a clareza de elementos básicos necessários à compreensão, a exemplo dos
estágios inicial, intermediário e final, além de inúmeros equívocos micro linguísticos,
de ordem ortográfica e gramatical. Mesmo em anos finais do EF, é comum
diagnosticarmos demandas básicas no processo de alfabetização, que envolvem o
conhecimento do sistema alfabético-ortográfico da língua portuguesa.
Esse cenário resulta em desafios para os quais o professor de LP do EFII, normalmente,
não se sente capaz de resolver: por não se julgar um professor alfabetizador, pois não é
licenciado em Pedagogia, ou por ter dificuldades em lidar com demandas adicionais
num espaço de atuação profissional complexo. Não pretendemos identificar os supostos
“culpados” pelos resultados adversos diagnosticados. Neste artigo, pretendemos
proporcionar aos professores responsáveis pela disciplina de LP e, também, aos futuros
professores, a compreensão do processo de alfabetização e alguns caminhos possíveis
para realizar diagnósticos da aprendizagem da escrita dos alunos no EFII.
Para a análise dos manuscritos dos alunos, dados desta investigação, na caracterização
das demandas da alfabetização, consideramos como referência os direitos de
aprendizagem apresentados no Plano Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC), que, nos eixos de Produção de Textos Escritos e Análise Linguística, indicam
descritores essenciais para a certificação da aprendizagem da língua escrita (BRASIL,
2012a; 2012b;2012c). Mobilizamos algumas orientações para o trabalho pedagógico na
perspectiva das abordagens da alfabetização e do letramento, apresentadas por Soares
(2016; 2004; 1998). Considerando questões pertinentes à produção textual e à
construção dos sentidos (cf KOCH, 2009; KOCH; ELIAS, 2010; MASSINI-
CAGLIARI, 2005), expomos algumas demandas textuais apresentadas nos manuscritos
focalizados.
Este artigo está organizado em três principais seções, além desta Introdução, das
Considerações Finais e das Referências, a saber: Contextualização dos manuscritos
investigados; Orientações teóricas; e Análise dos manuscritos.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DOS MANUSCRITOS INVESTIGADOS
Os textos investigados correspondem a manuscritos de alunos pertencentes a três turmas
de 7º ano, com 40 alunos cada, de uma escola pública municipal da capital do Estado do
Tocantins, Palmas. Foram produzidos a partir de uma atividade diagnóstica na aula da
disciplina Pesquisa e Produção Textual (PPT). A seleção textual foi realizada pela
professora de LP, motivada pela necessidade de intervenção evidenciada a partir dos
manuscritos, no tocante a aspectos de alfabetização dos aprendizes. Essa necessidade
fora visualizada pela mesma professora, quando os referidos alunos estavam no 6º ano.
Selecionamos treze manuscritos mais desafiadores, por evidenciarem mais
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inadequações linguísticas comuns entre os textos. Apontamos caminhos interventivos
possíveis para minimizar ou, até mesmo, solucionar as demandas de alfabetização.
A escola está localizada na região sul de Palmas, num bairro formado antes mesmo da
construção do plano diretor da capital tocantinense. Esse bairro foi excluído da política
de desenvolvimento municipal, centralizada no Plano Diretor, região central da cidade.
Na região em que a escola está localizada, formaram-se inúmeros bairros periféricos,
onde muitas famílias, desprovidas de recursos econômicos, visualizaram a solução de
uma somatória de necessidades básicas, tais como morar e trabalhar. A instituição
atende a alunos do EFII (6º ao 9º ano), moradores da referida região periférica.
O perfil socioeconômico e cultural da região é bem diversificado, devido à localização
geográfica da escola, no centro comercial da periferia. Nesse sentido, salientamos, de
acordo com Soares (2016), que são diversas as influências que interferem no processo
de aprendizagem inicial da língua escrita, entre elas, destacamos as de ordem social,
econômica e cultural. Todavia, como a própria autora adverte, esses fatores não
implicam como determinantes de prejuízo no processo de aprendizagem da língua
escrita, porque: métodos de alfabetização são conjuntos de procedimentos fundamentados em
teorias e princípios linguísticos e psicológicos, mas suficientemente flexíveis
para que, na prática pedagógica, possam superar as dificuldades interpostas
por fatores externos que interfiram na aprendizagem dos alfabetizandos
(SOARES, 2016, p. 50).
Ao caracterizar o perfil socioeconômico e cultural do aluno, não podemos nos prender a
tal caracterização, acreditando que são determinantes do fracasso do processo de
escolarização. Conforme mostrou a pesquisa de Silva (2012), ao realizar uma
intervenção mediada por gêneros textuais numa turma identificada como defasada na
aprendizagem, justificar o fracasso escolar pela situação socioeconômica do aluno
desencadeia estigmas prejudiciais ao desenvolvimento escolar dos aprendizes.
Visualizando os textos e contrapondo com a questão socioeconômica e cultural, a
diversidade também está apresente nas produções escritas dos alunos. Pelo uso da
língua escrita, alguns alunos aparentam estar inseridos em contextos de letramento que
facilitaram seu processo de alfabetização, ao passo que outros, com as dificuldades de
uso da escrita, fazem-nos trabalhar com a hipótese de não estarem inseridos em
contextos de letramento que pudessem contribuir de forma mais direta para o
aprendizado da escrita.
Segundo Soares (2004), é imprescindível, a mobilização das abordagens pedagógicas da
alfabetização e do letramento no processo de aprendizado da leitura e da escrita, o que
também envolve o conhecimento do sistema alfabético-ortográfico. Apropriando-nos
das palavras da autora:
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Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das
atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do
sistema convencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento
de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas
práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento (SOARES,
2004, p. 14).
Proposta para diagnosticar o aprendizado dos alunos, a atividade de produção escrita,
reproduzida na Figura 1, desencadeadora dos manuscritos investigados, caracteriza-se
pela prática da cultura escolar. É solicitada a produção de um “texto narrativo”, que, de
alguma forma, configura-se como um gênero do domínio escolar, pois, em outros
domínios sociais, a narrativa corresponde a um tipo ou sequência textual componente da
materialidade linguística de diferentes gêneros, juntos com outras tipologias, a exemplo
da descrição, argumentação e injunção. Nesse sentido, destacamos que, numa proposta
de produção textual, a clareza do enunciado é um fator determinante na escrita.
Minimamente, do ponto de vista do contexto situacional, os alunos precisam saber para
quem estão escrevendo e para que propósito.
Figura 1 - Proposta de atividade para produção textual
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Para assegurar ao professor um bom desempenho profissional, sugerimos que o
planejamento das aulas esteja respaldado com o devido aporte teórico, conforme
mencionado por Antunes (2003, p. 34): “é evidente que qualquer discussão sobre os
objetivos da atividade pedagógica, por mais completa que possa parecer, deve
complementar-se com o estudo, a crítica, a reflexão, a pesquisa [...] e a acuidade de
todos aqueles que participam dessa atividade”. É importante romper com a tradição de
“seguir” um material didático, ficar apenas na transmissão de conteúdos amparados num
manual que lhe indica o “passo a passo” do que “deve fazer” em sala e construir com os
alunos e não mais para eles o conhecimento a respeito da língua (cf. ANTUNES, 2003).
Uma atividade de produção escrita, mesmo com o objetivo diagnóstico, deve ser
planejada com o intuito de inserir o aluno no universo dos gêneros textuais,
considerando, portanto, suas funções sociais. A atividade da Figura 1 poderia ser
complementada com o estudo do gênero fábula, uma vez que os quadrinhos mostram
sequências de interações entre pessoais e animais. Destacamos a importância de se
trabalhar numa abordagem do letramento social a partir dos gêneros textuais (cf.
SILVA, 2014). O objeto de aprendizado é o uso do texto, que é “o uso da língua, em
circunstâncias de oralidade, de leitura e de escrita” (ANTUNES, 2003, p. 108).
3. ORIENTAÇÕES TEÓRICAS
Inicialmente, ressaltamos a concepção de texto assumida nesta pesquisa. De acordo com
Koch (2009), a Linguística Textual “trata o texto como um ato de comunicação
unificado num complexo universo de ações humanas”. Prontificamo-nos a analisar essas
ações humanas, verificando os mecanismos linguísticos acionados pelos alunos,
passíveis do estabelecimento da interação pela escrita. Mencionamos três tipos de
conhecimentos mobilizados pelo usuário da língua para produção textual, conforme
explicitado por Koch (2009, p. 320):
O conhecimento linguístico compreende o conhecimento gramatical e o
lexical, sendo o responsável pela articulação som-sentido. É ele o
responsável, por exemplo, pela organização do material linguístico na
superfície textual [...].
O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo é aquele que se
encontra armazenado na memória de cada indivíduo [...].
O conhecimento sócio-interacional é o conhecimento sobre as ações verbais,
isto é, sobre as formas e inter-ação através da linguagem.
Focalizamos o conhecimento linguístico dos alunos. Relacionamos esse conhecimento à
concepção de alfabetização como o processo de aprendizagem sobre o sistema
alfabético-ortográfico da escrita, que se constrói tomando como referência as práticas de
leitura e escrita envolvidas em vivências sociais, ou seja, eventos de letramento.
Compreendemos letramento como práticas sociais em que a escrita desempenha alguma
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função na interação, daí a relevância da articulação dos fenômenos da alfabetização e do
letramento no trabalho pedagógico. Ainda sobre o conhecimento linguístico,
destacamos o seguinte enunciado de Koch e Elias (2010, p. 37):
Escrever é uma atividade que exige do escritor conhecimento da ortografia,
da gramática e do léxico de sua língua, adquirido ao longo da vida nas
inúmeras práticas comunicativas de que participamos como sujeitos
eminentemente sociais que somos e, de forma sistematizada, na escola.
Com a intenção de compreender como o aluno se apropriou do sistema de escrita
alfabética-ortográfica, os conhecimentos analisados foram os mencionados por Leal e
Morais (2010) na citação transcrita adiante, além dos conhecimentos de mecanismos
textuais, muitas vezes ignorados no processo de alfabetização:
a) se escreve com letras, que não podem ser inventadas, que têm um
repertório finito e que são diferentes de números e outros símbolos;
b) as letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças na
identidade das mesmas (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos
variados (P, p, P, p);
c) a ordem das letras é definidora da palavra e, juntas, configuram-na, e uma
letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras;
d) nem todas as letras podem vir juntas de outras e nem todas podem ocupar
certas posições no interior das palavras;
e) as letras notam a pauta sonora e não as características físicas ou funcionais
dos referentes que substituem;
f) todas as sílabas do português contêm uma vogal;
g) as sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes, vogais e
semivogais (CV, CCV, CVSv, CSvV, V, CCVCC...), mas a estrutura
predominante é a CV (consoante-vogal);
h) as letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que
pronunciamos;
i) as letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um
valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra.
(LEAL; MORAIS, 2010, p. 35-36).
Apresentamos uma análise linguística dos manuscritos, considerando as demandas de
alfabetização apresentadas nos textos. Ou seja, buscamos compreender o processamento
operacionalizado pelos alunos, elaboramos hipóteses a fim de deduzir as motivações das
escolhas linguísticas realizadas por eles.
Na produção escrita dos alunos do 7º ano, observamos que a fase de consolidação de
alguns descritores do PNAIC (BRASIL, 2012a) deveria ter ocorrido até o 3º ano. Os
manuscritos evidenciam resquícios de um processo de alfabetização falho, restando a
necessidade de intervenções tardias. A aquisição da língua escrita não ocorreu de forma
progressiva, conforme sugerido no PNAIC (BRASIL, 2012b, p. 44)
O trabalho no eixo da apropriação da escrita alfabética deve ser realizado no
ciclo de alfabetização de forma progressiva. Espera-se que, a cada ano, seja
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dada ênfase em conhecimentos diferentes, para que, ao longo dos anos, os
alunos venham a se apropriar de todos os direitos de aprendizagens
progressivamente. Os direitos de aprendizagens possibilitam que possamos
planejar e orientar os avanços do ensino e das aprendizagens no ciclo de três
anos de alfabetização com intencionalidade didática e pedagógica.
A avaliação e o acompanhamento do aprendiz, na sua apropriação da língua escrita,
ainda podem ser realizados de forma progressiva, mesmo não se enquadrando na meta
do PNAIC, que estabelece a integralização do ciclo de alfabetização aos oito anos de
idade, ou seja, até o 3º ano do Ensino Fundamental I. Dos alunos não se pode tirar o
direito à aprendizagem, afetada por uma situação de exclusão que teima em persistir.
Para reverter essa situação, é necessária a mobilização de diferentes atores: governo,
educadores, comunidade, família e, até mesmo, o próprio aprendiz.
De forma cooperativa, o professor de LP que possui alunos com demandas de
alfabetização no EFII necessita (re)construir o percurso escolar dos aprendizes. Para a
contínua reconstrução desse processo pedagógico, a partir das práticas escolares de
linguagem – leitura, produção textual e análise linguística –,
se faz necessário o registro do acompanhamento das aprendizagens dos
alunos, para que o professor possa verificar os avanços e as dificuldades,
buscando adequar novas estratégias didáticas em função dos resultados
observados nos instrumentos de avaliação. Diante disso, diferentes aspectos
podem ser foco de atenção em sala de aula em suas intervenções futuras,
como os linguísticos (ex.: a utilização de mecanismos coesivos; organização
sequencial do texto, a progressão temática; organização de texto em
partes/parágrafo; pontuação; escrita com correção ortográfica; escrita com
correção quanto à acentuação) e os aspectos sociocomunicativos, que buscam
reflexões sobre o gênero a ser trabalhado, as finalidades da escrita, o contexto
de produção. Na avaliação, tais aspectos também precisam ser considerados
(BRASIL, 2012b, p. 33-34).
O professor precisa acompanhar o aprendizado dos alunos, utilizando-se de registros,
evitando que alguns aprendizes tenham suas dificuldades ignoradas. Para o aprendizado
da escrita, o diagnóstico contínuo é imprescindível, o que possibilitará intervenções
necessárias para o cumprimento do papel social da escola como principal agência de
letramento. Mais uma vez, concordamos Antunes (2003, p. 37) ao afirmar que:
Já não há mais lugar para o professor simplistamente repetidor, [...] que fica
passivo, à espera de que lhe digam exatamente como fazer, como “passar” ou
“aplicar” as noções que lhe ensinaram. [...] O novo perfil do professor é
aquele do pesquisador, que, com seus alunos (e não, “para” eles), produz
conhecimento, o descobre e o redescobre. Sempre.
Uma mudança de postura, diante de uma expressão como “não sou professor
alfabetizador”, costumeiramente repetida por professores de LP atuantes no EFII, faz-se
urgentemente necessária, porque no dia a dia em sala de aula:
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Sentimos na pele que não dá mais para “tolerar” uma escola que, por vezes,
nem sequer alfabetiza (principalmente os mais pobres) ou que, alfabetizando,
não forma leitores nem pessoas capazes de expressar-se por escrito, coerente
e relevantemente, para assumindo a palavra, serem autores de uma nova
ordem das coisas. É, pois, um ato de cidadania, de civilidade da maior
pertinência, que aceitemos, ativamente e com determinação, o desafio e rever
e de reorientar a nossa prática de ensino da língua (ANTUNES, 2003, p. 37;
itálicos do original).
No processo de apropriação do conhecimento do sistema de escrita, as interações,
envolvendo as funções sociais da linguagem, precisam ser consideradas. Isso demonstra
a relevância da tematização do conhecimento sócio-interacional, em situações de
aprendizagem. Conferir sentido ao aprendizado do funcionamento da língua é propiciar
situações em que, simultaneamente, a construção da aprendizagem sobre a escrita
ocorra em um ambiente de acesso a uma multiplicidade de textos e portadores textuais.
Conforme Soares (1998, p. 47), “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler
e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o
indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado” (itálico do original).
3. ANÁLISE DOS MANUSCRITOS
Nos manuscritos, observamos demandas relacionadas à alfabetização. Destacamos as de
maior recorrência quanto à produção textual, relacionadas à organização do texto e ao
descritor do eixo Produção de textos escritos do PNAIC (BRASIL, 2012a, p. 34): “gerar
e organizar o conteúdo textual, estruturando os períodos e utilizando recursos coesivos
para articular ideias e fatos”. Também apresentamos algumas marcas nos escritos, que
nos remetem à oralidade dos alunos. Essas marcas são peculiares à escrita de crianças
em fase de aquisição da escrita: referências imprecisas; repetições; recorrências de
organizadores textuais como e, aí, daí, então, (d)aí então; justaposição de enunciados,
sem marca de conexão; discurso direto; e equívocos de segmentação gráficai.
Nos textos, podemos constatar a necessidade de ser trabalhada na escola a questão da
coesão nos escritos, apesar da criança já trazer para a escola conhecimento em relação
ao uso da coesão na oralidade. Conforme afirma Massini-Cagliari (2001, p. 82),
o papel da escola deve ser apenas o de aperfeiçoar os conhecimentos dos
alunos, já adquiridos quando aprenderam a falar, ensinando como transportá-
los para a linguagem escrita, que tem suas características próprias (as quais
também devem ser explicitadas para os alunos) e colocando-os em contato
com todo o tipo de linguagem escrita, para que possam ampliar o seu
repertório de mecanismos coesivos (MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 82).
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Destacamos três textos dos treze selecionados para exemplificar as ocorrências nos
manuscritos dos alunos do 7º ano, que se assemelham ao descritor do PNAIC (BRASIL,
2012a) e às situações que remetem à fase inicial de aquisição da língua escrita. Sempre
reproduzimos o manuscrito original, seguido da transcrição do referido texto e,
posteriormente, de uma versão possível de reescrita.
Texto 1 – VERSÃO ORIGINAL
TRANSCRIÇÃO
*o ratinho e a bruxa*
o gato feis uma Pegadia com a bruxa ele colocou um rato mecanico Para a suta a bruxa e ele tavar
rinor da bruxa e a bruxa olho Para ele ela nevatou varinha dela e som dela sitafomou cachorro
mecanico e ogato ficou com medor do cachorro mecanico e correu do cahorro mecanico com medor
correu e correu do cachorro mecanico eaida cachorro mecanico Pegou o gato mais o gato com
seguir fugi do cachorro mecanico Pulou Pela janela da casa no lixeiro.
Fim
REESCRITA POSSÍVEL
O ratinho e a bruxa
O gato fez uma pegadinha com a bruxa. Ele colocou um rato mecânico para assustar a bruxa e
estava rindo dela. A bruxa olhou para o gato e levantou a varinha e transformou o som em
cachorro mecânico. O gato ficou com medo do cachorro e correu, correu e ainda o cachorro pegou
o gato, mas o gato conseguiu fugir. Pulou pela janela da casa, caindo na lixeira.
O aluno conhece e faz uso de grafias com correspondências regulares contextuais entre
letras ou grupo de letras e seu valor sonoro, como G/GU em gato e conseguir; R/RR em
rato e cachorro/correu. Conhece e usa palavras que retomam coesivamente passagens
textuais: na primeira linha, substitui a palavra gato pelo pronome ele; e, na quarta linha,
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substitui bruxa por ela. Quanto à organização textual, faltou a disposição em parágrafos,
no entanto, podemos perceber uma organização de sequências de ações (início, meio e
fim). A ausência da pontuação também não favoreceu a compreensão nítida dessa
divisão em tópicos, mas se pode inferir pela progressão das atividades realizadas pelos
personagens envolvidos (gato, bruxa e cachorro mecânico).
As repetições e o uso de sequenciadores textuais, bastante usados na oralidade informal,
aparecem na escrita do pronome ele, ela e da conjunção e, também com os substantivos
bruxa e cachorro. A ocorrência da segmentação gráfica ocorre na tentativa de escrita
dos vocábulos “assustar” (a suta), “se transformou” (sitafomou), “o gato” (ogato), e
“ainda” (eaida), “consegue” (com seguir). Algumas ocorrências se justificam pela
criança tomar a escrita como representação da oralidade, ignorando as diferenças entre
essas duas modalidades da língua. Ou seja, os alunos escrevem se baseando
exclusivamente na percepção sonora das palavras a serem escritas. Nessa tentativa de
representar a segmentação gráfica, ora separa inadequadamente palavras, ora junta
palavras equivocadamente. Mesmo se equivocando, há situações em que se torna
evidente o conhecimento linguístico do aluno, conforme percebemos com segmentação
errada de “consegue”, quando o aluno se utiliza de duas palavras existentes na língua
para representação (com seguir).
No Quadro 1, pontuamos, a partir dos descritores do PNAIC (BRASIL, 2012a), nos
eixos de Produção de Textos Escritos e Análise Linguística, o que o aluno sabe e o que
ele precisa aprender.
Quadro 1 – Demonstrativo das aprendizagens – PNAIC (BRASIL, 2012a, p.34-36).
Conhecimentos adquiridos Conhecimentos a serem
apropriados
Conhecimentos a serem
aprofundados e consolidados
- Domina correspondência
entre letras de modo a escrever
palavras e texto;
- Conhece o uso das grafias de
palavras com correspondências
regulares diretas e contextuais
(P, T, D, F, V; G/GU;
SA/SO/SU; JÁ/JO/JU).
- Organizar o texto em tópicos e
parágrafos;
- Utilizar recursos coesivos para
articular ideias e fatos;
- Revisar de forma autônoma os
textos durante o processo de
escrita, retomando a parte já
escrita e planejando a reescrita;
- Pontuar os textos favorecendo a
compreensão do leitor;
- Fazer uso da letra maiúscula
corretamente.
- Segmentar palavra em textos;
- Conhecer a funcionalidade de
palavras que retomam
coesivamente o que já foi escrito
(pronomes pessoais, sinônimos e
equivalentes);
- Grafia das palavras com
correspondências irregulares (ex.
uso do s);
- Compreender que a escrita
possui suas especificidades, não
é uma representação da
oralidade;
- Fazer uso das grafias de
palavras com correspondências
regulares contextuais (R/RR;
NH) ainda há oscilações durante
a escrita.
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No Texto 2, comentamos outros aspectos linguísticos evidentes nos manuscritos
investigados. Destacamos o uso da expressão “era uma vez”, característica das
introduções das narrativas infantis, com as quais o autor do referido manuscrito parece
ter alguma afinidade.
Texto 2 – VERSÃO ORIGINAL
TRANSCRIÇÃO
O Ratima
era uma rreis uma Bruxa tarra ourrino um radio diBoua aí canda dafe ela ciasusta com rato aí ela
grita aaa aí ela coloca cupa no gata ela Brigou con ele ele fica disconfiado ela fala ki rrai i
transfoma e um calhoro u gato fica mareno de medo ela fico olhano praeli com acara e rai
Fim
REESCRITA POSSÍVEL
O ratinho
Era uma vez uma bruxa que estava ouvindo um rádio de boa aí quando dá fé ela se assusta com o
rato e grita: Aaa! Ela coloca culpa no gato, brigou com ele e ele ficou desconfiado. Ela fala que vai
transformar o rádio em um cachorro, aí ela vai e transforma em um cachorro. O gato fica
morrendo de medo. Ela fica olhando pra ele com a cara e sai.
No Texto 2, destacamos o uso do discurso direto (aaa), utilizado pelo aluno para
representar o grito da personagem em função do susto sofrido. Estão presentes diversas
marcas que parecem reproduzir a fala do aluno, levando-nos a compreender que ele
ignora as adequações linguísticas necessárias aos diferentes contextos de uso da língua
(ouvindo/ouvino; vez/veis; estava/tava; olhando/olhano; o/u; morrendo;moreno). O uso
da palavra diboua (de boa) corresponde a uma gíria bastante utilizada oralmente por
jovens na região em que a escola focalizada está situada. Outra expressão característica
da fala da região é “quando dá fé” (canda dafe). No Texto 2, não ocorre a organização
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textual em parágrafos, e, diferentemente do que inferimos no Texto 1, não conseguimos
encontrar indícios de uma sequência tópica. Há apenas sequências de ações, sem
marcação temporal significativa, a exemplo de evidências do encerramento das ações,
excerto pelo uso da palavra fim.
No Quadro 2, apresentamos uma relação dos conhecimentos já adquiridos pelo autor do
Texto 2, além de conhecimentos a serem apropriados, aprofundados e consolidados.
Conhecimentos adquiridos Conhecimentos a serem
apropriados
Conhecimentos que precisam
ser aprofundados e
consolidados
- Domina correspondência
entre letras de modo a escrever
palavras e texto;
- Conhece o uso das grafias de
palavras com correspondências
regulares diretas P, B, T, D, F,
V e contextual.
- Organizar o texto dividindo em
tópicos e parágrafos;
- Utilizar recursos coesivos para
articular ideias e fatos;
- Revisar de forma autônoma os
textos durante o processo de
escrita, planejando a reescrita;
- Pontuar os textos favorecendo a
compreensão do leitor;
- Fazer uso da letra maiúscula
corretamente.
- Segmentar palavra em textos;
Conhecer palavras que retomam
coesivamente o que já foi escrito
(pronomes pessoais, sinônimos e
equivalentes);
- Grafar palavras com correspon-
dências irregulares; uso do som
do S;
- Compreender que a escrita
possui suas especificidades, não
é uma representação da fala;
- Fazer uso das grafias de
palavras com correspondências
regulares contextuais (R/RR;
QU/C; M/N; NH; SA/SO/SU)
ainda há oscilações durante a
escrita.
Quadro 2 – Demonstrativo das aprendizagens – PNAIC (BRASIL, 2012a, p. 34-36).
Diante das análises empreendidas nos dois manuscritos exemplificados, consideramos
que compreender o conhecimento possuído pelos alunos sobre convenções da escrita é
fundamental para orientar o planejamento das situações de aprendizagem, o que
pressupõe uma maior familiarização do professor com práticas de análise linguística.
Neste sentido, conforme afirma Weisz (2009, p. 65-66), o professor deve propor
atividades que promovam oportunidades para que o aluno possa acionar e testar os
saberes que já possui, levantando hipóteses e enfrentando situações em que precisa
tomar decisões e resolver problemas que estejam associados à seleção de conteúdos que
mantenham uma abordagem social e não apenas a escolarizada.
Para o ensino da ortografia, apontamos os princípios básicos sugeridos por Morais
(2002, p. 72-75), que norteiam o planejamento e execução das atividades elaboradas
pelo professor: valorizar a escrita espontânea do aluno para fomentar a reflexão sobre a
ortografia e propor questões que provoquem dúvidas e discussões para que os alunos
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tenham oportunidade de construir novas aprendizagens sobre a escrita das palavras, com
estímulo de boas situações de aprendizagens em sala de aula. Também indicamos as
Implicações pedagógicas sugeridas por ANTUNES (2003, p. 61-66; itálicos do
original) para que o trabalho com a escrita seja: escrita de autoria também dos alunos;
escrita de textos; escrita de textos socialmente relevantes; escrita funcionalmente
diversificada; escrita de textos que têm leitores; escrita contextualmente adequada;
escrita metodologicamente ajustada; escrita orientada para a coerência global; escrita
adequada também em sua forma de se apresentar.
Sendo o texto o objeto de estudo e, não mais sendo utilizado como pretexto para o
ensino das regras gramaticais, uma aula de LP seria de: “falar, ouvir, ler e escrever
textos em língua portuguesa, dentro de uma distribuição e complexidade gradativas,
atentando o professor para o desenvolvimento já conseguido pelos alunos no domínio de
cada habilidade” (ANTUNES, 2003, p. 111; itálicos do original).
No Texto 3, ilustramos uma situação particularmente diferente dos textos
exemplificados previamente. Há indícios de tentativas de compreensão do
funcionamento da escrita pelo aluno, que reconhece a constituição da escrita por letras,
que variam em ordem e repertório. As hipóteses de uso das letras para escrever palavras
são bastante imprecisas, a exemplo do registro de supostas preposições (de; da).
Identificamos a cópia de alguns excertos do enunciado da atividade diagnóstica (textual
a partí da história em; contando), além do uso do ponto final. O aluno tem
conhecimento da necessidade do título para o texto.
Texto 3 – VERSÃO ORIGINAL
TRANSCRIÇÃO
A Boeual diu salgea
Atuca rogaBoreflaildaegla de esigerla meisesldoesgla megladí eaige, emegadqea sg textual a partí
da história em sega Beisea aresodunla Bo atuca enesagdalsgedaeisbog dea eianegadas cantuRação
menrea de contandocatirnso. Ssegedgrmsecidabbegiarlgeção seams drea icada aeseglael da
sedrladarbrgeracerla.
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REESCRITA POSSÍVEL
Não é possível fazer a reescrita do texto sem verificar com o aluno as tentativas efetuadas por ele.
Esses conflitos fazem parte da construção do conhecimento sobre o funcionamento da
escrita. Segundo Soares (2010, p. 22) “a criança nesse processo, formula por si mesma
algumas normas ou regras sobre o sistema de escrita, ao mesmo tempo que também
constrói um código de sinais”. Esse aprendizado envolve o uso de estratégias de
levantamento e checagem das hipóteses sobre a escrita, manipulação, construção e
reconstrução das palavras e conduzem à observação das especificidades da língua.
A respeito da interpretação da escrita no texto exemplificado é possível observar outra
situação de aprendizagem que, ainda, precisa ser garantida. No percurso da escrita, é
notável que o aluno não consegue fazer a relação entre a letra e seu valor sonoro. Esse
fato corresponde a um momento, geralmente, vivenciado pelas crianças nas etapas de
alfabetização, em que mesmo não conseguindo regular a quantidade de caracteres e
quais utilizar na construção da palavra, a criança já começa a compreender que há uma
relação entre a fala e a escrita. Esse conflito compreende a transição entre a hipótese de
escrita pré-silábica “em que não há correspondência grafofônica” para a silábica “em
que já há essa correspondência, mas no nível da sílaba (uma letra representaria uma
sílaba)” (BRASIL, 2012a, p. 16).
Sobre esse assunto é importante ressaltar que segundo a teoria da psicogênese da escrita,
elaborada por Emília Ferreiro e colaboradores, essas ideias e hipótese dos aprendizes
seguem uma ordem de evolução, fazendo associações a propriedades dos objetos ou
seus significados até chegar a compreensão de que a escrita corresponde a relação entre
fonemas e grafemas (BRASIL, 2012c, p. 02).
Retomando a prática da cópia mencionada previamente, destacamos que essa atividade
mecânica predomina em muitas salas de alfabetização, dificultando que a criança
avance para o nível alfabético. Sobre esse contexto tradicional de ensino, Ferreiro
(1985, p. 14) faz a seguinte observação:
Fundamentalmente a aprendizagem é considerada, pela visão tradicional,
como técnica. A criança aprende a técnica da cópia, do decifrado. Aprende a
sonorizar um texto e a copiar formas. A minha contribuição foi encontrar
uma explicação, segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos
que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa. Essa criança
não pode se reduzir a um par de olhos, de ouvidos e a uma mão que pega o
lápis. Ela pensa também a propósito da língua escrita e os componentes
conceituais desta aprendizagem
Considerando a contribuição da autora, torna-se necessário que o professor propicie
situações em que o aluno seja ativo no processo de construção do conhecimento sobre o
funcionamento da língua. Para que isso aconteça, não basta apenas ter o contato com o
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material escrito, é preciso desafiá-lo a relacionar, comparar e a confrontar suas ideias
sobre a escrita. Nesse sentido, Antunes (2003, p. 115-116) enfatiza que as situações que
envolvem atividades de escrita devem promover experiências que mobilizem as ações
de planejar a escrita, revisar e reformular o texto. Promover um ambiente favorável à
realização de atividades em que o aluno seja ativo nas interações concretas de leitura e
escrita é fundamental para garantir os direitos de aprendizagem em diferentes etapas da
escolarização.
Assim, compreender o sistema de escrita alfabética-ortográfica está diretamente
relacionado a oportunidades de uso e reflexão sobre o funcionamento da escrita, quando
o aluno tem a oportunidade de interagir familiarizando-se com a escrita em atividades
significativas de leitura e produção de textos, o que pressupõe um trabalho pedagógico
orientado pelas abordagens da alfabetização e do letramento.
No Quadro 3, elencamos os possíveis conhecimentos adquiridos pelo autor do Texto 3,
além dos conhecimentos a serem apropriados para continuar no processo de
alfabetização.
Conhecimentos adquiridos Conhecimentos a serem apropriados
- Reconhece que escrita é representada
por letras e que elas variam em ordem e
repertório;
- Compreende que a escrita obedece a uma
ordem, da esquerda para direita, e de
cima para baixo.
- Reconhecer, nomear e ordenar as letras do
alfabeto;
- Identificar semelhança sonora em sílabas;
- Reconhecer que as sílabas variam em suas
composições;
- Segmentar oralmente as sílabas de palavras e
comparar quanto ao tamanho;
- Segmentar palavras em texto;
- Dominar correspondência entre as letras e seu
valor sonoro de modo a ler e escrever palavras e
textos.
Quadro 3 – Demonstrativo das aprendizagens – PNAIC (BRASIL, 2012a, p. 37).
Para que ocorram avanços no processo de apropriação do sistema de escrita alfabética
são elencadas no PNAIC (2012b, p. 9), propostas de atividades direcionadas para uma
intervenção pedagógica mediante a situação apresentada no texto em análise:
1) atividades envolvendo a sistematização das correspondências som-grafia;
2) atividades envolvendo consciência fonológica;
3) atividades para desenvolver a fluência de leitura;
4) atividades envolvendo leitura e produção de texto;
5) atividades para o ensino da norma ortográfica.
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Acreditamos que se o professor conseguir diagnosticar de forma mais precisa os
conhecimentos apropriados pelos alunos a respeito da escrita, será possível visibilizar as
demandas mais desafiadoras trazidas por alunos com atraso no processo de
alfabetização.
Acreditamos ser possível mudar o cenário do fracasso escolar que o aluno enfrenta em
relação ao aprendizado da língua escrita. Um professor engajado em atuar de forma
eficaz, interferindo produtivamente neste cenário para que ele mude, bem como
articulando com os outros atores que também o compõem: escola, família e o próprio
aprendiz. Sem essa articulação, dificilmente se alcançará o resultado estimado, o avanço
progressivo e expressivo do aprendizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As demandas de alfabetização recorrentes nos manuscritos analisados confirmam nossas
convicções, fundamentadas no diálogo entre os autores mobilizados neste artigo.
Alguns saberes relacionados aos direitos de aprendizagem, presentes no PNAIC (2012a;
2012b), não são garantidos aos alunos no ciclo de alfabetização, haja vista alguns
conhecimentos elementares sobre a escrita não serem apropriados por alunos do 7º ano.
Ao analisar os manuscritos, foi possível observar que as dificuldades apresentadas na
escrita refletem os parâmetros tradicionais do ensino, em que aprendizagens do sistema
de escrita alfabética-ortográfica se distanciam das práticas sociais e estão centradas em
atividades escolarizadas, em situações em que são propostas atividades
descontextualizadas, com reflexões incipientes sobre o objeto de conhecimento. O uso
da língua corresponde apenas ao processo elementar de codificação e decodificação.
É necessário compreender que o ensino da língua escrita depende fundamentalmente da
mobilização de saberes em condições concretas de uso, para que o aprendiz possa
avançar a partir dos conhecimentos possuídos. Os contatos com os textos que circulam
socialmente e a aprendizagem que a leitura e a escrita oferecem são experiências
fundamentais para a formação de leitores e escritores proficientes.
As demandas para alfabetização encontradas numa turma de 7º ano são diversas e
requerem do professor a (re)construção da aula de LP, precisando complexificar os
objetos de ensino, considerando o texto e suas funções sociais, se apropriando do
universo dos gêneros textuais vinculados a diferentes domínios sociais.
Apresentamos alguns encaminhamentos para subsidiar a atividade de diagnóstico do
conhecimento da escrita. Esperamos contribuir para que professores em serviço e em
formação inicial possam mobilizar estratégias de ensino que assegurem aos alunos o
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aprendizado da língua escrita em sua complexidade. Os atores sociais envolvidos, neste
contexto, professor, escola, família e aluno, precisam perceber a eficácia do ensino da
língua escrita, que se volta para um propósito e significado: tornar o indivíduo o autor
do seu próprio texto, construindo saberes para a vida além dos muros escolares.
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Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Brasília: MEC, SEB,
2012a.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.
Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: o último ano do ciclo de
alfabetização: consolidando os conhecimentos: ano 3: unidade 03 / Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.
Brasília: MEC, SEB, 2012b.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.
Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: a apropriação do sistema de
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* Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional – ProfLetras, Campus de
Araguaína, Universidade Federal do Tocantins – UFT. [email protected] **
Aluna do Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional – ProfLetras, Campus de
Araguaína, Universidade Federal do Tocantins – UFT. [email protected] ***
Doutor em Linguística Aplicada e professor do Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de
Língua e Literatura (Mestrado e Doutorado) e Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras), Câmpus de
Palmas, Universidade Federal do Tocantins – UFT. [email protected] i De acordo com Koch e Elias (2010, p. 18), “cabe, pois, ao professor conscientizar o aluno das
peculiaridades da situação de produção escrita e das exigências e recursos que lhe são próprios. Isto é,
quando da aquisição da escrita, a criança necessita ir, aos poucos, conscientizando-se dos recursos que
são prototípicos da oralidade e perceber que, por vezes, não são adequados ao texto escrito. É claro que
isso não acontece de um momento para outro, levando, por vezes, anos a fio”.