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Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais Departamento de Antropologia Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social DOS FILHOS [DESAPARECIDOS] DESTE SOLO ÉS MÃE GENTIL? Doutorando: Roderlei Nagib Góes Orientador: Prof.º Dr. Luís Roberto Cardoso de Oliveira Setembro, 2012

Defesa

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Page 1: Defesa

Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Antropologia

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

DOS FILHOS [DESAPARECIDOS] DESTE SOLO

ÉS MÃE GENTIL?

Doutorando: Roderlei Nagib GóesOrientador: Prof.º Dr. Luís Roberto Cardoso de Oliveira

Setembro, 2012

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À MARGEM DO RIO DOS MORTOS

Queres tu, realmente, sepultá-lo, embora isso

tenha sido vedado a toda a

cidade?Fala de Ismênia na tragédia Antígona

No Brasil, atualmente, existem 144 desaparecidos políticos da ditadura civil-militar. Na perspectiva dos meus interlocutores, são corpos à espera do sepultamento. São almas à espera da travessia do Aqueronte. Como definiu “Ivan Seixas”, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, “são os fantasmas que voltam sempre. São os fantasmas que querem lembrar que não podem ser esquecidos”.

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PRETÉRITO IMPERFEITO - O TEMPO DA ESPERA

Quando Eduardo Mayr, filho de D. Gertrudes morreu, ela começou a se interessar em saber mais sobre a sua luta. Já senhora, saiu atrás das pessoas que conheceram seu filho e que com ele militaram. Soube da participação de Frederico Eduardo na ALN, descobriu que ele foi treinar guerrilha em Cuba e que voltou como militante do Molipo. Conseguiu localizar os restos mortais de Frederico (na vala comum do cemitério Dom Bosco, no bairro paulistano de Perus), pois haviam documentos que atestavam sua morte e o local onde ele havia sido enterrado.“Dona Gertrudes era capaz de dizer quando seu filho havia sido preso, onde e quem o prendeu, sabia de tudo, mas dizia que, até o dia de enterrá-lo, toda vez que chovia à noite e uma porta ou janela batia, pulava da cama e corria para a porta dizendo 'é ele, é ele!'”. 

“O barqueiro Caronte tinha a função de atravessar as almas para a outra margem do Aqueronte, o rio dos Mortos. Porém, só transportava as dos que tinham tido seus corpos devidamente sepultados. Segundo essa lenda, as almas dos que não haviam sido sepultados não podiam atravessar o rio, e estavam condenadas a vagar pela margem do Aqueronte durante 100 anos.”

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Assim, o desaparecimento de militantes de esquerda, ao longo da ditadura, foi um acontecimento gerador e indutor de campanhas. Ele foi acionador de valores e propulsor de múltiplos sentimentos ritualizados em expressões, contidas ou negociadas de acordo com o espaço em que aparecem, visando transformar a perda familiar em demandas por justiça.

Na perspectiva de meus interlocutores, a concepção nativa de reparação moral não tinha o sentido que lhe atribuia as Comissões sobre Mortos e Desaparecidos e a de Anistia. Essas últimas apareciam como desdobramento da negação ao Direito à Verdade. Ambas colaboram para a construção de uma cisão entre a reparação contida nos instrumentos formais das comissões e a representação que fundamenta o desejo de saber como, onde, por quem e por quê por parte da família da vítima.

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Diante desse contexto, no decorrer desta tese discutiram-se os significados que envolveram as medidas reparatórias aos familiares de desaparecidos e aos ex-presos políticos pelos crimes cometidos por agentes civis e militares durante o regime de 64. A ausência de respostas dos governos militares e civis para questões formuladas já na anistia implicava aos destinatários dessas políticas um déficit de compreensão que precisavam eliminar para se sentirem “justiçados”. Ao longo da trajetória das lutas que travaram, onde não dominavam as forças que dirigiam seus sentidos, os grupos acima citados viam-se como vítimas de “atos de desconsideração” ou de “insultos morais” (Cardoso de Oliveira, 2002, p. 77).

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Os atos de desconsideração, a que se referem, implicavam o desrespeito que sentiam, cotidianamente, quando eram colocados em posição de invisibilidade, considerando que as suas demandas pela verdade e memória estavam em um segundo plano. Assim sendo, meus interlocutores classificavam esses atos como desrespeitosos exatamente porque lhes faltava o reconhecimento do valor deles como sujeitos portadores de direitos e de consideração. Não é à-toa que D. Ivanilda descreve como “traição ”a sensação que teve ao descobrir o que aconteceu a seu marido, Itair Veloso, em uma reportagem da revista VEJA.

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O trabalho de campo foi realizado a partir do segundo semestre de 2009 até dezembro de 2011, primeiramente, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Grupos Tortura Nunca Mais Rio e São Paulo, e, finalmente, na Comissão de Anistia. O objetivo da pesquisa esteve pautado na tentativa de compreender a dissintonia dos sensos de justiça dos familiares de desaparecidos e ex-presos políticos em relação às medidas de reparação empreendidas pelo Estado. Nestes termos, realizei um intenso diálogo com os “familiares de desaparecidos” do GTNM/RJ sobre alguns temas capazes de revelar como a dimensão do insulto estava presente nas interações entre eles e as Comissões de Reparação.

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MULTIPLICIDADE DE VOZESCONFIGURAÇÕES DO CAMPO

ARENA DE DISPUTAS INTERNAS

GRUPO I - RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO/RIO GRANDE DO SUL

GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DO RIO DE JANEIRO;

FAMÍLIA ALMEIDA TELLES: César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles, Janaina Almeida Teles e Edson Almeida Teles;

CRIMÉIA ALICE SCHMIDT DE ALMEIDA;

SUZANE LISBOA.

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CARACTERÍSTICAS DO GRUPO I

O programa de reparações, iniciado no governo Fernando Henrique, está focado somente na dimensão econômica;

As comissões sobre mortos e desaparecidos políticos e a da anistia teriam por propósito desviar-se do dever de justiça, uma vez que, por meio delas, o Estado estaria, de algum modo, tentando impor um cala-boca às vítimas;

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CARACTERÍSTICAS DO GRUPO I

Para o grupo, desvia-se para a esfera privada a questão dos abusos cometidos por agentes do Estado durante a ditadura;

Tal problema deveria ser amplamente discutido pela sociedade brasileira e não ficar restrito à esfera da luta dos familiares. O acerto de contas é com a Nação e não somente com eles.

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MULTIPLICIDADE DE VOZESCONFIGURAÇÕES DO CAMPO

GRUPO I I - SÃO PAULO NÚCLEO DE MEMÓRIA DE SÃO PAULO, GRUPO TORTURA NUNCA MAIS DE SÃO PAULO

GRUPO III – MINAS GERAISNILMÁRIO MIRANDA, “DETINHO” DUARTE E CRISTINA POZZOBON.

GRUPO IV - RIO DE JANEIROGRUPO AMIGOS DE 68 - ELIETE FERRER, ANA BURSZTYN MIRANDA.

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CARACTERÍSTICAS DO GRUPO II, III E IV.

Esses grupos entendem que se têm conquistado pouco a pouco outras dimensões do programa de reparações;

O programa não se restringiu à esfera indenizatória como argumentam os familiares do grupo I;

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CARACTERÍSTICAS DO GRUPO II, III E IV.

Para os membros do grupo II, III e IV, o governo tem empreendido ações que contemplam:

políticas públicas de memória;

construção de verdade administrativa;

gestos de reconhecimento do Estado em direção às vítimas.