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De Tropeiro a Coronel
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Universidade Federal da Bahia UFBA
De tropeiro a coronel: ascenso e declnio de Marcionillo Antnio de
Souza (1915-1930)
Joo Reis Novaes
Orientador Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo
Salvador, agosto de 2009
Programa de Ps-Graduao em Histria - PPGH
Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas FFCH
Programa de Ps-Graduao em Histria - PPGH Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas FFCH Universidade Federal da Bahia UFBA
De tropeiro a coronel: ascenso e declnio de Marcionillo Antnio de Souza (1915-1930)
Joo Reis Novaes
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao, curso de Mestrado em Histria, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo
Salvador, agosto de 2009
Novaes, Joo Reis
N935 De tropeiro a coronel: ascenso e declnio de Marcionillo Antnio de
Souza (1915-1930) /
Joo Reis Novaes. Salvador, 2009.
153 f.
Orientador: Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo
Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade
de Filosofia e Cincias Humanas, 2009.
1.Coronelismo. 2. Oligarquia. 3. Primeira Repblica I. Arajo, Dilton Oliveira
de. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas. III. Ttulo.
CDD ........
AGRADECIMENTOS
Neste momento, fico feliz em agradecer as pessoas que contriburam para que
eu pudesse finalizar mais uma etapa da minha vida acadmica. Mesmo correndo o
risco de cometer omisses, no poderia deixar de expressar o meu agradecimento e
reconhecimento a colaborao das pessoas listadas abaixo.
O fato de chegar ao final, sem sombras de dvida, tem um sabor muito
especial. E o fantstico que j sinto o cheiro de recomeo. Ao longo dessa jornada,
toda vez que apareceu obstculos, sempre encontrava alguns de vocs
carinhosamente falando: vai passar, seja forte, voc guerreiro, voc pode!
Fazendo com que, ao invs de entregar os pontos, lutasse e continuasse a
caminhada. Se o desafio foi enorme, as motivaes, graas a Deus, foram maiores.
Talvez esta dissertao seja o resultado mais visvel desse processo de
construo. Assim, dedico algumas palavras queles que dela fazem parte direta ou
indiretamente ou, ainda, pelo fato de simplesmente existirem. famlia que constitu
sbios companheiros dos momentos de reflexo, ausncia e abstrao. A Iracema
Lima, companheira e amante que teve a pacincia de enfrentar meus momentos de
nervosismo e desestmulo e sempre afirmar a minha capacidade frente s agruras
da vida. Aos guerreirinhos mais companheiros desta jornada, sempre
compreensivos quanto ao afastamento e ausncia em momentos especiais; a Filipe,
astuto observador do processo de aprendizagem/formao da carreira acadmica
valeu Velho, obrigado pela sua confiana e apoio; a Ciro, meu Filhote lindo,
sempre perguntado pai, vai demorar muito? - Aqui est, filho! Comearemos outra
etapa em breve; a Joo Rafael, que acompanhava o desenvolvimento deste trabalho
riscando os meus livros e desligando o estabilizador nas horas mais imprprias.
Essa era a forma que ele usava para falar: - Pai, estou aqui, quero ateno. Isso
fazia com que parasse de trabalhar e gozasse de boas brincadeiras ao seu lado.
Valeu famlia conseguimos.
A meu pai e a minha me, os mais profundos agradecimentos por ensinar-me o
significado da tica, da coragem, da perseverana. Junto a eles, o meu amor
incondicional aos meus queridos irmos que loucamente sempre acreditaram que eu
poderia mais!
Ao professor Dr. Dilton Oliveira de Arajo, agradeo, sobretudo, a oportunidade
de aprendizado vivenciada ao longo deste trabalho. Tenha certeza que carrego a
mais profunda admirao. Obrigado pelo seu apoio, tempo e pacincia e que Deus
continue te abenoando.
famlia Sardinha, Reis Novaes e Oliveira Lima. Vocs foram fundamentais
nessa reta final; somente os bons so capazes de abrir as portas do corao e
receber o outro com tamanho afeto. Vocs pertencem a esse time!
Aos amigos Alex Guimares, Daniel Costa, Etevaldo Reis, Cleberson Novaes e
os seus demais companheiros de Repblica, muito obrigado por, nos momentos de
stress, socializarem a cerveja e o papo sobre as nuances do coronelismo.
banca de defesa, Prof. Dr. Antnio Guerreiro de Freitas, Dr. Rinaldo Csar
Nascimento Leite e ao incansvel Prof. Dr. Dilton Oliveira de Arajo, no s pela
disponibilidade para realizar a tarefa de julgamento deste trabalho, mas pelas
contribuies que traro como crtica ou sugesto. Destaco agradecimentos ao Prof.
Dr. Israel Oliveira Pinheiro que, no exame de qualificao, analisou e trouxe
sugestes preciosas para o desenvolvimento deste trabalho.
Aos queridos amigos do mestrado. Os nossos encontros foram fundamentais
para que eu pudesse melhor compreender as possibilidades da natureza humana.
Aos funcionrios do Arquivo Pblico do Estado da Bahia, do Arquivo da
Prefeitura Municipal de Maracs, do Arquivo do Frum Washington Luiz, da
Biblioteca Central da Bahia e da Biblioteca do Instituto Histrico e Geogrfico da
Bahia, ao Setor de Microfilmagem da Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas UFBA, em especial a Fbio Flix Nascimento, muito obrigado pela
pacincia e pelo profissionalismo.
Aos professores Jos Alves Dias e Ruy Medeiros pela orientao nos
primeiros passos do projeto de pesquisa. Ao professor Carlos Tadeu Botelho pela
leitura e sugestes apresentadas. Ao pessoal da Secretaria do Programa de Ps-
Graduao em Histria Social da Universidade Federal da Bahia, que com todo o
carinho e competncia sempre procurou nos auxiliar.
Aos senhores Elmo Meira, Manoel e Joaquim Rocha pelas tardes de conversas
a respeito de Maracs e do Coronel Marcionillo Souza.
CAPES que, por meio da concesso de uma bolsa, facilitou a realizao da
pesquisa ora apresentada.
RESUMO
O presente trabalho se insere na discusso do sistema coronelista vigente durante a
Primeira Repblica (1889/1930). Tal sistema fundamentou as suas prticas em uma
rede complexa de compromissos firmados entre a esfera pblica e a privada, a
envolver desde a parentela do coronel at o Presidente da Repblica. Considerando
a possibilidade de haverem especificidades nesse sistema, este trabalho analisa as
estratgias adotadas pelo Coronel Marcionillo Antnio de Souza para tornar-se chefe
poltico do municpio de Maracs e regio e, para isso, busca identificar e
compreender os conflitos estabelecidos entre seu grupo, denominado de Rabudos, e
o que lhe fazia oposio, os Mocs, bem como a significativa participao do
Coronel no movimento que ficou conhecido pela historiografia como Levante
Sertanejo (1919/1920). O recorte temporal privilegiado por este trabalho abrange o
perodo que vai de 1915 a 1930 e a sua delimitao espacial circunscreve a atual
Regio Centro-Sul e as suas fronteiras com a Chapada Diamantina e com o Sul do
Estado da Bahia, reas que conviviam com a influncia direta do Coronel Marcionillo
Souza.
PALAVRAS-CHAVES: Poltica; Coronelismo; Oligarquia; Primeira Repblica.
ABSTRACT
The present work inserts the discussion of the coronelista effective system during the
First Republic (1889/1930). Such system based their practices in a complex net of
commitments between the public and private sphere, to involve from the Coronel until
the Republics President. Considering the possibilities of that system, this work
analyzes the strategies adopted by Coronel Marcionillo Antnio de Souza to turn the
political boss of the municipal district of Maracs, for that, search to identify and to
understand the established conflicts among his group, denominated Rabudos, and
his opposition, Mocs, as the Coronel's significant participation in the movement that
was known for the historiography as Levante Sertanejo (1919/1920). The tem porary
privileged cutting for this work includes the period that is going from 1915 to 1930
and the space delimitation bounds the current Center-South Region and their borders
with Chapada Diamantina and with the South of Bahia, areas that they lived together
with Coronel Marcionillo Souza's direct influence.
WORD-KEY: Political; Coronelismo; Oligarchy; First Republic.
LISTA DE MAPAS
Bahia 2002 19
Limites de Maracs em 1917 25
Estado da Bahia Diviso Poltico-administrativa, 1889 67
LISTA DE TABELAS
Tabela I Populao de Maracs 27
Tabela II Borracha exportada pela Bahia 31
Tabela III Nmero de eleitores de alguns municpios do
Interior da Bahia Controlados por Figuras de Relevante
Destaque no Cenrio Poltico, Durante a Primeira Repblica
48
Tabela IV Localidades Saqueadas pelos Cauasss 76
LISTA DE FIGURAS
Foto 01 Principais Chefes dos Rabudos 62 Foto 02 Tranquilino Antnio de Souza 124 Foto 03 Armas Apreendidas em Maracs e Regio 126
LISTA DE GRFICOS
Grfico I Borracha Exportada pela Bahia (1897-1925) 32 Grfico II Nmero de Eleitores Registrados em Maracs (1905-1934)
48
LISTA DE ABREVIATURAS
APEB Arquivo Pblico do Estado da Bahia
AFWT Arquivo do Frum Washington Trindade
APMM Arquivo da Prefeitura Municipal de Maracs
ACMVM Arquivo da Cmara Municipal de Vereadores de Maracs
SUMRIO
INTRODUO 15 01 O PALCO DOS EMBATES 24 Economia 27
Vias de Comunicao 33
Cenrio Poltico 42
Chegada de Marcionillo de Souza a Maracs 54
02 PACTOS, CONFLITOS E COERO NO SERTO DA BAHIA 60 Rabudos e Mocs 61
O Chefe dos Mocs 63
A Aliana dos Mocs com os Cauasss 64
A Invaso e Saque de Maracs 70
Breve Armistcio 74
Onda de Saques 75
Segunda Interveno 78
A Caa aos Cauasss 82
Deixe-nos com os Cauasss 84
Retorno dos Cauasss 87
Terceira Interveno 89
03 O CHEFE DOS RABUDOS NA CAMPANHA DE LIBERTAO DA BAHIA
94
Fatores que Contriburam para o Levante Sertanejo 95
Rearticulao da Oposio 98
A Adeso dos Coronis do Interior ao Movimento Oposicionista 103
O Serto se Levanta Contra a Capital 108
A Interveno Federal 114
O Declnio Poltico 122
CONSIDERAES FINAIS 132 OBRAS CONSULTADAS 136 DOCUMENTOS CONSULTADOS PERIDICOS CONSULTADOS
140
143
ANEXOS 144
01 - Estrada de rodagem 145
02 Entrevista Elmo Meira 146
03 Entrevista Manoel Bezerra 150
04 ABC, sobre o Coronel Marcionillo de Souza 153
15
INTRODUO
Este um trabalho que se situa no mbito da Histria Poltica, um campo de
estudo que, aps dcadas de abandono por parte do mundo acadmico, vem
adquirindo estatura e valor, liberto que foi dos seus mais graves defeitos, a respeito
dos quais j foram realizados importantes reflexes.1 Entende-se que as presses
exercidas atravs das relaes estabelecidas entre as naes no cenrio
internacional do ps-Segunda Guerra Mundial refletiram significativamente na vida
interna de cada pas, evidenciando que a poltica exerce influncia sobre o destino
dos povos e das existncias individuais. Isso se tornou mais evidente a partir do
aumento das atribuies do Estado moderno, perspectiva que contribuiu
decisivamente para a afirmao de que o poltico possui uma consistncia prpria e
dispondo mesmo de uma certa autonomia em relao aos outros componentes da
realidade social.2
A renovao da histria poltica foi tambm influenciada pelo contato com
outras cincias. Desse modo, a natureza do poltico e o sentido de suas relaes
com as outras sries de fenmenos propiciam mecanismos que permitem uma
melhor anlise e, maior compreenso da articulao do todo social, numa
perspectiva de longa durao, reveladora de experincias humanas no tempo,
objeto do conhecimento histrico. Fazendo uso das palavras de Rmond, considera-
se que o poltico no constitui um setor separado,
modalidade da prtica social, desta maneira, o econmico, o cultural, o cotidiano, o social e o poltico se influenciam mutuamente e desigualmente de acordo com as conjunturas e estruturas que permeiam, guardando ao mesmo tempo cada um a sua vida autnoma e seus dinamismos prprios.3
Por meio da investigao histrica, existe a possibilidade de se perceber
mecanismos importantes da poltica, demonstrando como esta foi influenciada e
influenciou a mentalidade dos indivduos em um dado momento histrico. Considera-
1 Ver: RMOND, Ren. Por uma Histria Poltica. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996. FALCON, Francisco. Histria e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (Org). Domnios da Histria: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Ed. Campos, 1997. 2 RMOND, Ren, op. cit., 1996, p. 23 3 RMOND, Ren, op. cit., 1996, p. 35.
16
se ainda que a correlao dos fatores econmicos, polticos e culturais, revelados na
cotidianidade histrica, comprovam a dinmica de uma sociedade que est em
processo constante de se desconstruir e se reconstruir continuadamente. Diante de
tais ponderaes, concebe-se que, ao analisar a realidade de uma sociedade e das
suas experincias histricas, no prudente que o historiador divorcie os fatores
polticos dos fatores econmicos, sociais e culturais, pois a dissociao nega a
dinmica social e, portanto, abandona a anlise histrica quanto s suas diversas
possibilidades de abordagem.
A abertura para outras disciplinas sinaliza tambm que o campo do poltico
no s tem fronteiras indefinidas, como tambm aponta para dimenses variadas.
Lidar com essas variveis no tempo longo tem sido materializado em uma das
funes inerentes ao pesquisador que estuda o tempo histrico, suas
permanncias/transformaes verificadas na sociedade. Diante disso, pode-se
perceber que a renovao da Histria Poltica foi possvel a partir do dilogo com as
demais disciplinas das Cincias Humanas, conforme as reflexes de Rmond ao
salientar que:
[...] a renovao da histria poltica foi grandemente estimulada pelo contato com outras cincias sociais e pelas trocas com outras disciplinas [...]. impossvel para a histria poltica praticar o isolamento: cincia-encruzilhada, a pluridisciplinaridade para ela como o ar de que ela precisa para respirar.4
Deste modo, as anlises acerca da poltica manifestada em diversos perodos
da histria brasileira, renovam-se constantemente devido crescente utilizao de
abordagens multidisciplinares. Evidencia-se, cada vez mais, que a diversidade de
instrumentos tericos indispensvel para uma melhor apreenso dos fenmenos
polticos. Desse modo, busca-se avanar no conhecimento de como o coronelismo
foi vivenciado, experimentado e transformado atravs da trajetria e dos projetos de
seus atores concretos.
Nessa perspectiva, considerando o renascimento da Histria Poltica e os
inmeros trabalhos acadmicos que acompanham a renovao dos estudos deste
campo, o presente trabalho tem a pretenso de discutir o coronelismo vigente
durante a Primeira Repblica, especificamente no Municpio de Maracs e regio,
4 RMOND, Ren, op. cit., 1996, p.29.
17
que teve como um dos seus mais importantes protagonistas, o Coronel Marcionillo
Antnio de Souza.
Faz-se mister ressaltar que o coronelismo, fenmeno frequentemente
revisitado por cientistas sociais5 e historiadores6, fundamentou suas prticas a partir
de um compromisso legitimo ou no firmado entre a esfera pblica e a esfera
privada do poder. Tal estratgia resultou de um longo processo histrico que
adquiriu materialidade na estrutura social, consubstanciando num sistema poltico de
compromissos, cuja complexa rede de relaes envolvia desde o coronel at o
presidente da Repblica.
Para melhor compreender esse sistema foi necessrio analisar as diversas
reflexes de estudiosos acerca de conceitos imprescindveis como: coronelismo,
mandonismo, patrimonialismo e clientelismo. Nesse sentido procurei estabelecer um
dilogo com o pensamento de estudiosos como Victor Nunes Leal,7 Eul-soo Pang,8
Maria de Lourdes Janotti,9 Maria Isaura Pereira de Queiroz,10 Consuelo Novais
Sampaio11 e Jos Murilo de Carvalho12 (1998), dentre outros. A compreenso
desses conceitos possibilitou uma anlise mais precisa a respeito das vicissitudes
das prticas polticas que permearam o cenrio das disputas pelo poder local em
Maracs e em outras partes do Estado da Bahia.
importante destacar que a Bahia configurava-se como um importante Estado
na hierarquia poltica da federao durante a Primeira Repblica. Dessa forma,
como ressalva Eul-soo Pang,13 esse Estado proporciona uma srie de vantagens
para quem quer deslindar os meandros do sistema coronelista, seja por sua
extenso fsica e demogrfica, seja por sua importncia econmica e poltica que
5 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida poltica brasileira e outros ensaios. So Paulo: Editora Alfa-Omega, 1976. Neto, Zahid Machado (org). O Coronelismo na Bahia, cadernos de Pesquisa n 03. Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1972. 6 SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Polticos da Bahia na Primeira Repblica; uma poltica de acomodao. Salvador: Centro Editorial e Didtico da UFBA, 1998. (Estudos Baianos). CARVALHO, Jos Murilo. Pontos e Bordados: escritos de histria poltica. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. 7 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto: o municpio e o regime representativo no Brasil. 3 Ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. 8 PANG, Eul-soo. Coronelismo e Oligarquias (1889-1934): a Bahia na Primeira Repblica Brasileira. Trad. Vera Teixeira Soares. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979. 9 JANOTTI, Maria de Lourdes Mnaco. O Coronelismo: uma poltica de compromisso. So Paulo: Braziliense, 1981. (Coleo Tudo Histria). 10 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de, op. cit., 1972. 11 SAMPAIO, Consuelo Novais, op. cit., 1998. 12 CARVALHO, Jos Murilo, op. cit., 1998. 13 PANG, Eul-soo, op. cit., 1979.
18
perdurou desde os tempos coloniais, perpassando o Imprio, e desaguando no
perodo ora em que se situa este estudo.
Assim como mencionado anteriormente, o presente trabalho se insere na
discusso acerca do coronelismo existente no Brasil durante a Primeira Repblica
(1889-1930), tendo como eixo da sua investigao e anlise, as estratgias
utilizadas pelo Coronel Marcionillo Antnio de Souza para tornar-se chefe poltico do
Municpio de Maracs e regio. Na luta pelo poder, uma dessas estratgias,
possivelmente a mais interessante, foi tentativa, no apenas as implementadas por
Marcionillo e seus pares, mas tambm por seus rivais, em controlar as instituies
polticas e administrativas daquela regio. O grupo, no controle dessas instituies,
poderia controlar com mais facilidade os votos provenientes de seus redutos. Para o
perodo, exercer esse controle era fundamental, pois o voto constitua-se como um
instrumento importante de barganha no cenrio poltico do Brasil e, em especial, da
Bahia.
O recorte temporal desta pesquisa abrange o perodo compreendido entre os
anos de 1915 e 1930. O primeiro marco corresponde invaso da cidade de
Maracs pela famlia dos Cauasss e a posterior perseguio a esse grupo pela
Fora Policial do Estado auxiliada por jagunos cedidos pelo Coronel Marcionillo
Souza. A partir de ento, tendo acesso a armas, munies e contando com o apoio
do Governo do Estado, Marcionillo fortaleceu-se poltica e militarmente, o que
contribuiu para a consolidao da sua influncia no cenrio poltico municipal,
estadual e federal na dcada de 1920. O inicio da quarta dcada, momento final da
cronologia escolhida, foi adotada em funo da priso dos lderes do Levante
Sertanejo, no qual Marcionillo participou ao lado dos coronis Horcio de Matos e
Anfifilo Castelo Branco. Marcou tambm o inicio do seu irreversvel declnio.
A delimitao espacial esta relacionada Regio Centro-Sul da Bahia e s
suas fronteiras com a Chapada Diamantina e com o sul do Estado, reas que
conviviam com a influncia direta do principal chefe poltico de Maracs. Essa
Cidade dista 368 Km da capital. Segundo o Censo realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatstica (IBGE) em 2004, possui uma populao de 31.683
habitantes, compreendendo uma rea de 2.435.20 Km, com uma altitude prxima
aos 1.100 metros acima do nvel do mar, o que lhe possibilita uma temperatura
mdia anual de 19.2 C, ocupando, desta forma, a posio de um dos municpios
19
mais frios do Estado, mesmo tendo boa parte do seu territrio includo no chamado
polgono das secas.
BAHIA 2002
Maracs
0 80 160 240km
0 50 100 150 200Scale in Kilometers
20
A relevncia desse trabalho evidencia-se no fato de que a maioria das
interpretaes sobre o coronelismo na Bahia dedicou-se a estudar regies como a
Chapada Diamantina e Sul do Estado14, existindo, portanto, poucos estudos do
gnero voltados para outras regies, a exemplo da Regio Centro-Sul. Ademais,
ainda no foi realizado nenhum estudo sobre a atuao do Coronel Marcionillo
Antnio de Souza no cenrio poltico baiano durante a Primeira Repblica, perodo
de ascenso e declnio desse coronel, cujo pice de poder foi o momento de sua
participao no denominado Levante Sertanejo (1919-1920), direcionado contra o
Governo do Estado, que representava o seabrismo. Quando muito, a atuao
poltica de Marcionillo tangencialmente mencionada no corpo de trabalhos
significativos para a compreenso das nuances do mandonismo no Nordeste
brasileiro, podendo ser apontados, a ttulo de exemplos, os de Sampaio e Pang.15
A quase inexistncia de estudos referentes histria poltica e administrativa
do municpio de Maracs tornou-se um dos principais motivadores para a realizao
desse trabalho. No obstante, pretende-se enriquecer o debate sobre as
especificidades do coronelismo, pois, a partir das questes levantadas pelo presente
trabalho, pude identificar a necessidade da realizao de novas pesquisas a respeito
do municpio de Maracs e regio.
Estes certamente foram os motivos acadmicos que me levaram a pesquisar a
respeito do coronelismo em Maracs, embora tenham sido as inmeras histrias que
ouvia na minha adolescncia a respeito das brigas travadas entre os Rabudos e os
Mocs, bem como a invaso dessa cidade pelos Cauasss e o respeito ou, quem
sabe medo, que via nos semblantes de alguns ancios maracaenses ao narrar os
feitos do Coronel Marcionllo Souza, que despertaram o meu interesse pelo tema,
antes mesmo de iniciar uma trajetria acadmica.
No decorrer desse trabalho deparei-me com algumas dificuldades,
principalmente no que diz respeito s fontes. A Cmara Municipal de Maracs
perdeu as atas das sesses do Conselho Municipal do perodo estudado. Digo
perdeu, pois cheguei a consultar algumas dessas atas. Meses depois dessa primeira
leitura, quando retornei para finalizar a catalogao dos dados, as atas haviam
desaparecido do arquivo da Cmara e as pessoas que trabalham nessa Instituio 14 Para um maior aprofundamento sobre a temtica sugere-se a leitura de: FALCN, Gustavo, op. cit., 1995; ROSA, Dora Leal, op. cit., 1989. 15 SAMPAIO, Consuelo Novais, op. cit., 1998. PANG, Eul-soo, op. cit., 1979.
21
no sabiam dar notcias de seu paradeiro e o responsvel pelo Arquivo da Prefeitura
Municipal de Maracs, achando que as traas e os cupins que devoram a
documentao do perodo privilegiado por esse trabalho iriam espalhar-se pela
documentao mais recente, resolveu coloc-la, sem nenhuma proteo, nos fundos
do prdio, onde esse arquivo se encontra.
Entretanto, mesmo com as dificuldades mencionadas, as fontes documentais
que aliceram as nossas proposies so variadas. A anlise das leis e dos
decretos administrativos demonstra a preocupao, por parte daqueles que
controlavam os cargos polticos e administrativos do municpio de Maracs, em
viabilizar projetos que foram entendidos, na poca, como modernizadores,
principalmente os da estrutura urbana e das vias de comunicao. No Frum
Washington Luiz, em Maracs, encontram-se inventrios, registros de terras e
processos crimes, alm de outros documentos que envolvem tanto a vida do
Coronel Marcionillo Souza, quanto as das pessoas que estiveram direta ou
indiretamente ligadas a ele.
Na Biblioteca Central da Bahia foram consultados peridicos como, A Tarde,
Democrata, Dirio da Bahia, Dirio de Notcias, Gazeta do Povo e O Imparcial, que
informam e se posicionam, dentre outras coisas, a respeito do desenrolar do
Levante Sertanejo. Torna-se necessrio destacar os limites impostos por algumas
dessas documentaes, principalmente os processos-crime e as entrevistas
divulgadas por aqueles jornais, j que o contedo dessas fontes, a depender dos
interesses dos grupos que os produziam, pode variar significativamente, o que exigiu
um olhar mais atento por parte do pesquisador. No Arquivo Pblico do Estado da
Bahia foram localizados documentos como leis, processos-crime, inventrios,
correspondncias trocadas entre os representantes dos cargos polticos e
administrativos de Maracs e do Governo estadual, o que contribuiu para responder
a algumas das questes que surgiram ao longo dessa pesquisa.
O depoimento de Manoel Bezerra, irmo de Joo Bezerra, que combateu o
grupo de Lampio, possibilitou uma leitura mais apurada acerca do processo que
culminou com a priso do Coronel Marcionillo Souza, pois ele foi contratado por
Juraci Magalhes, antes mesmo desse ser indicado interventor da Bahia, para
realizar a priso de Marcionillo em 1930. J as entrevistas decorrentes de conversas
com Jos Antnio dos Santos, apelidado de Z Manoca que, alm de conviver com
22
Marcionillo Souza era filho de Antnio Preto, chefe dos jagunos e homem de inteira
confiana de Marcionillo, ofereceu informaes preciosas a respeito do cotidiano do
coronel e das aes do seu exrcito particular de jagunos.
O presente trabalho est dividido em trs captulos. No primeiro, intitulado O
Palco dos Embates, destaco alguns aspectos polticos, econmicos e sociais do
municpio de Maracs ao tempo em que os fatos aqui investigados aconteceram, o
que nos permitiu construir o cenrio no qual o Coronel Marcionillo Souza
desenvolveu seus projetos de domnio e mando. Tambm destaco o momento de
sua chegada e fixao no municpio, dando nfase a alguns dos primeiros fatores
que possibilitaram o seu ingresso na poltica local e o rompimento com o seu sogro,
o Coronel Francisco Alves Meira.
Pactos, Conflitos e Coeres no Serto da Bahia o segundo captulo, nesse
analiso os conflitos entre os membros da elite maracaense, destacando as suas
consequncias na configurao do cenrio poltico do municpio de Maracs e
regio. Ademais, a invaso e o saque dessa cidade pelos Cauasss aliados dos
Mocs, faco contrria a do Coronel Marcionillo Souza bem como a perseguio
empreendida pelo Governo do Estado, com o auxlio de Marcionillo ao primeiro
grupo, ganham relevncia. Alm disso, esse captulo evidencia a relao mantida
entre os grupos em conflito e o partido dominante na Bahia de ento.
J o terceiro e ltimo captulo recebe o ttulo de O Chefe dos Rabudos na
campanha de Libertao da Bahia. Nesta parte, apresento alguns aspectos que
permitiram a ecloso do Levante Sertanejo, alm de levantar algumas hipteses a
respeito dos motivos que teriam levado o Coronel Marcionillo Souza a participar da
marcha armada contra o Governo do Estado em 1919-1920. O resultado desse
movimento permitiu que Marcionillo ocupasse a liderana poltica do municpio de
Maracs e regio at 1930, momento em que foi preso juntamente com outros
coronis do interior. Esse fato inicia o processo de declnio poltico do Coronel
Marcionllo Souza que at 1943, momento da sua morte, no foi revertido.
O debate sobre o funcionamento do sistema poltico na Primeira Repblica est
longe de ser concludo. Com todos os seus limites e possveis lacunas, espero que
esse trabalho possa contribuir para a compreenso das especificidades do
coronelismo em Maracs e regio durante o perodo ora em foco. Alm disso,
23
espero que este trabalho possa despertar o interesse de outros pesquisadores para
a histria de Maracs e regio, ainda to carente de estudos.
24
CAPTULO I
O PALCO DOS EMBATES
Antes de reportar-me Maracs da poca republicana, perodo privilegiado
pelo presente estudo, necessrio situar, embora de maneira sucinta, o processo
histrico de povoamento da regio qual pertence este municpio. Tal processo foi
iniciado em torno de 1651, momento em que o governo da capitania da Bahia com
o intuito de por fim aos constantes ataques realizados pelos indgenas s vilas
situadas no Recncavo, alm de objetivar a construo de vias de comunicao
entre o serto e o litoral passou a incentivar e financiar, respectivamente, a ao
de entradas e de bandeiras que se dirigiam para o interior da Capitania. Quando da
tentativa de efetivar os seus objetivos, o governo deparou-se com a forte resistncia
dos nativos, dentre eles, os ndios Maracs16 guerreiros, valentes, pertinazes na
lucta e seguros no golpe.17
A princpio, o governo passou a incentivar e, s vezes, financiar as aes dos
bandeirantes que combateriam os Maracs, que, inicialmente, foram liderados pelos
capites residentes na Bahia Gaspar Dias Adorno, Pedro Gomes, Joo Peixoto
Viegas, Antonio Guedes de Brito e Francisco Dias Dvila dentre outros.18 Os
ncleos de povoamento que surgiram durante a investida desses bandeirantes a
partir de 1651 sofreram violentos ataques por parte dos ndios. Procurando vencer
os nativos, o governador Alexandre de Sousa Freire, em 1671, escreveu para as
Cmaras de So Vicente e So Paulo solicitando ajuda. Pouco tempo depois, os
paulistas, liderados por Baio Parente, Braz Rodrigues de Arco, auxiliados por
grupos de baianos, travaram sangrentos combates com os indgenas, que acabaram
dominados, passando, os bandeirantes de contratos, a terem direitos sobre as terras
16 Os nativos receberam esta denominao por usar um instrumento de guerra que consistia em um cilindro oco, de madeira leve e fina, cheio de pedras midas e tapado nas extremidades, chamado marac. Existe certa dificuldade em classificar etnicamente os ndios Maracs, para maiores informaes consultar SIERING, Fredrich Cmara. Conquista e Dominao dos Povos Indgenas: Resistncia nos Sertes dos Maracs (1650 1701). Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. (mimeo). 17 BARROS, Francisco Borges de. Memria sobre o municpio de Maracs. Salvador: Escola Typographica Salesiana, 1917, p. 17. 18 SIERING, Fredrich Cmara, op. cit., 2008, p. 106.
25
conquistadas e sobre os silvcolas aprisionados. Isso na poca era uma prtica
constante posto que,
A concesso de favores reais aos que serviam e contribuam para o sucesso do empreendimento colonial era parte da estratgia governamental para estimular seus sditos a realizarem empreendimentos que, muitas vezes, podiam implicar na perda da vida ou dos investimentos realizados. Aps a Restaurao do Brasil, em 1640, e a retomada do projeto de ampliao do territrio conquistado no Reino do Brasil, as benesses tornaram-se importante moeda de troca entre sditos e a Coroa.19
Nessa perspectiva, a Coroa distribuiu diversas sesmarias entre os colonos, que
foram encarregados de desenvolver a agricultura e a pecuria naquela localidade,
tida como um timo pouso, por possuir terras frteis e, conseqentemente, boas
pastagens. Com o avanar dos anos, os sesmeiros (inclusive ex-bandeirantes)
deram origem a uma elite local que, nas regies de sua influncia, exerceram o
governo, promulgaram leis e assumiram as funes prprias do Estado. Alguns anos
mais tarde, a ao dos missionrios veio reforar o povoamento da regio, onde os
religiosos do Convento do Carmo receberam, em 1673, uma sesmaria de quatro
lguas quadradas que lhes serviu como ncleo para o desenvolvimento de suas
misses. A partir de ento, e com a doao de uma lgua quadrada da Fazenda
gua Fria, realizada pela portuguesa Maria da Paixo, iniciou-se a construo de
novas habitaes e de uma capela em homenagem a Nossa Senhora das Graas.
Desta forma, formou-se o ncleo do povoado que, com o passar dos tempos,
transformou-se na cidade de Maracs. Posteriormente, em 184220, a Lei provincial
n. 169 elevou a Capela de Nossa Senhora das Graas condio de Freguesia,
demarcando-a da seguinte forma:
A Nova Freguezia de Nossa Senhora das Graas de Maracs dividir-se-h com a sede de S. Sebastio do Sincor, da qual, se separa pelo rio Jacar em toda a sua extenso e por uma linha recta, que corre do logar de sua nascena at a extrema que atualmente tem a Freguezia de S. Sebastio com as suas limtrofes, ficando entendido que todo o terreno a esquerda desta linha pertence Nova Freguezia, e o da direita de S. Sebastio.21
19 SIERING, Fredrich Cmara, op. cit., 2008, p. 85. 20 Nota-se aqui um significativo espao de tempo no contemplado pelo presente trabalho, por este no fazer parte do seu objetivo central. 21 BARROS, Francisco Borges de, op. cit., 1917, p. 22.
26
Durante o Segundo Reinado, a Freguesia de Nossa Senhora das Graas foi
desmembrada de Santa Isabel do Paraguau hoje municpio de Mucug
assumindo a condio de vila pela Lei n. 518, de 19 de abril de 1856. J no perodo
republicano, na primeira dcada do sculo XX, a Lei n. 810, de 30 de junho de
1910, elevou Maracs categoria de municpio, tendo um territrio de
aproximadamente 7.780 Km, limitando-se com as localidades de Itaberaba,
Amargosa, Areia (atual Ubara), Monte Cruzeiro (distrito da atual Santa Teresinha),
Andara, Jussiape, Jequi e Boa Nova. Como pode ser visto no mapa abaixo:
Como pode ser constatado, Maracs possua um territrio extenso a essa
poca. Aos poucos, foi sofrendo significativas modificaes e dando origem a outros
municpios como Lafaiete Coutinho (1962), Planaltino (1962), Marcionlio Souza
(1962) e Lagedo do Tabocal (1989). Como medida para melhor administrar este
vasto territrio, em 1917 o municpio estava dividido em oito distritos policiais, a
13 S
14 S
40 W
41 W
Itaberaba
Andara
Jussiap
Boa Nova
Monte Cruzeiro
Amargosa
Jequi
Areia Maracs
LIMIT E
Limites de Maracs em 1917
Fonte: SEI, 2000.Elaborador: Junvio da S. Pimentel, jul/2008.
Bahia
27
saber: Sede, Morros, Serra da Boa Vista, Porto Alegre, Machado Portela, Bandeira
de Melo, Tamburi e Figueredo. No ano de 1920, contava com uma populao de
33.663 habitantes, chegando, na dcada de 1930, a cerca de 40.000, como pode ser
acompanhado na tabela abaixo.
TABELA I POPULAO DE MARACS Ano 1920 1921 1922 1923 1924 1930
N de Habitantes 33.663
34.403
35.143
35.883
36.625
40.000
Percentual de crescimento
-
2,2
2,15
2,1
2,07
9,2
Fonte: Anurio Estatstico Ano 1924: Territrio e populao, vol. I. Imprensa Oficial do Estado da Bahia. Salvador, 1926, p. 538. FERREIRA, Jurandir Pires. Enciclopdia dos municpios brasileiros. IBGE, 1958, p.25
ECONOMIA
A partir de 1915, verificou-se uma diversificao na economia de Maracs, que
se deu em um momento de significativa melhoria dos ndices econmicos do Estado
da Bahia. Consuelo Novaes Sampaio (1985) salienta que no lustro de 1915 a 1920,
o aquecimento da atividade comercial do Estado chegou ordem de 72%,
comparado ao quinqunio antecedente. Segundo a autora, o pice desse processo
ocorreu em 1919, ano correspondente ao chamado Levante do Sertanejo, que
contou com a importante participao do coronel Marcionillo Souza e que ser
abordado no Terceiro Captulo.
Torna-se importante destacar que, nos anos posteriores a 1919, Maracs
possua uma economia diversificada seguindo a tendncia do cenrio baiano.
Entretanto, deparava-se com certa estagnao econmica, em consequencia,
possivelmente, do fato de que, a mdio e longo prazo, os efeitos da Primeira Guerra
Mundial foram negativos para a economia baiana, como salienta Sampaio:
[...] ao terminar o conflito, os pases beligerantes entregaram-se a tarefa de converter a sua indstria de guerra em indstria de paz, com reflexos imediatos na economia dos pases dependentes como o Brasil. Na Bahia, importantes firmas comerciais estimuladas pelos altos lucros auferidos nos ltimos anos da guerra, haviam reabastecido seus estoques e negociado novas compras na poca em que se processava aquela transformao nas economias dos pases beligerantes. Em conseqncia, os pedidos feitos s
28
chegaram praa de Salvador com atraso de 6 meses e numa poca em que o valor do mil reis comeava a cair, o dlar a subir rapidamente.22
Apesar de enfrentar perodos de estagnao, ao longo do perodo abordado
neste trabalho (1916 a 1931), a produo agrria de Maracs era bastante
diversificada. Cultivava-se algodo, cana-de-acar, mandioca, feijo, milho,
mamona, caf e fumo, dentre outros produtos. Destes, o fumo destacou-se nas
exportaes at a dcada de 1930. Esse produto tinha como destino as cidades de
Cachoeira, So Flix e a capital baiana, tendo sido, durante muito tempo, entre 1860
e 1930, uma das principais fontes de arrecadao da Bahia, inclusive nos perodos
de crise econmica do Brasil Imprio e Republicano.
O cultivo do fumo em Maracs processava-se de forma parecida com o que
ocorria no restante do Estado. A sua produo era realizada em pequenas
propriedades e a mo-de-obra utilizada era composta por um nmero reduzido de
indivduos. Em muitos casos, utilizava-se o trabalho dos membros da famlia do
prprio produtor, com o acrscimo de poucos indivduos vindos de fora. Outra
caracterstica marcante da produo do fumo em Maracs era a rotao que os
agricultores faziam entre esta e outras lavouras, geralmente alimentares, que
serviam para a manuteno das pessoas envolvidas na sua produo.
J o caf, tudo indica, foi alavanca da economia de Maracs durante boa
parte do perodo estudado. Em 1917, apresentava-se ainda como uma atividade
agrcola regular destinada ao consumo interno e pouco comercializado para fora dos
limites do municpio. Contudo, no incio da dcada de 1920 ele desponta como um
dos principais produtos da regio destinados exportao. Durante o ano de 1925,
o municpio aparece como um dos principais centros de produo de caf no
Estado. Seguindo essa tendncia, a maioria das fazendas do Coronel Marcionillo
Souza tinha como sua principal fonte de renda o caf, plantado nas fazendas
Contendas, Gameleira e Tartaruga.
At meados da primeira dcada dos novecentos, os principais comerciantes do
produto em Maracs eram os scios Major Francisco Jos Portela e seu cunhado
Egas de Oliveira Pintombo. O caf adquirido por essa sociedade era revendido em
22 SAMPAIO, Consuelo Novais. O Poder Legislativo da Bahia: Primeira Repblica (1889-1930). Salvador: Grfica da Assemblia Legislativa da Bahia, 1985, p. 37.
29
So Flix para a Firma Plnio Moscoso & Companhia. A sociedade entre o Major e
seu cunhado faliu em 1907. O motivo teria sido o fato de eles venderem o caf para
entrega23. Nesse ano houve um aumento significativo do preo do produto, no
restando outra alternativa aos dois comerciantes, para saldar os compromissos
firmados com a Firma Plnio Moscoso & Companhia, seno venderam as tropas que
serviam para transportar o caf at Tamburi, todo o estoque da firma, casas
inclusive a destinada ao armazenamento do produto gados e outros bens. Na
dcada de 1920, quem despontava no comrcio do caf no municpio era Jernimo
Tranzillo e Vicente Mariniello.24
O fato de o caf ser um dos carros-chefe das exportaes do municpio fazia
com que as crises enfrentadas por este produto no mercado externo refletissem
diretamente na sua economia. Desta maneira, durante a crise econmica de 1929,
poca em que o preo do caf caiu de forma assustadora, diversas firmas
maracaenses entraram na justia com o pedido de concordata, alegando no
poderem cumprir com os seus compromissos, devido refreada das atividades
comerciais desenvolvidas no municpio. A ttulo de exemplo podem ser citadas as
firmas Angeli & Paganuncci, de propriedade de Jos Paganuncci e Silvestre Angeli;
a Juventino Costa e Companhia, de Juventino Costa, bem como a Taveira e
Companhia, de Theophilo Portela. Essas trs firmas se dedicavam ao comrcio e
venda de gneros do pas25. O exposto vem reafirmar uma das caractersticas que
marcavam a economia, no s da Bahia, mas do Brasil como um todo, que a sua
forte dependncia ao mercado externo.
Outro produto que teve destaque na pauta de exportao do municpio foi a
borracha vegetal. Ela era extrada da Manioba, planta nativa do semi-rido
brasileiro, cuja altura varia de 5 a 12 metros. A Espcie que apresentava maior
incidncia em Maracs era a Manihot Maracasensis Ule, tpica das matas secas do
quadriltero formado por Maracs, Rio de Contas, Andara e Lenis. Recebeu esse
23 Vender para entrega significava, na poca, que as grandes firmas compravam, antecipadamente, dos seus clientes todo ou parte do caf que seria adquirido na prxima safra. No caso dos scios mencionados, a sua produo era pequena, a maior parte do caf que comercializavam era adquirida de terceiros. Assim, precisavam de capital de giro, esse era solicitado dos seus credores e deveria ser pago com certa quantia de sacas de caf, avaliadas pelo preo do dia do emprstimo. Dessa forma, qualquer aumento no preo do produto, no dia da quitao da dvida, acarretava srios prejuzos. 24 OSVALDO, Portela. Autobiografia. s.e. Maracs s.d, p. 9 e 13. 25 AFWT, Processos Cveis, n. 558, 559 e 560, ano de 1929.
30
nome em homenagem ao municpio onde foi encontrada e ao botnico Alemo
Ernesto Ule, que a catalogou durante a sua excurso ao interior da Bahia em 1914.26
A explorao da borracha de manioba no Brasil teve incio nas primeiras
dcadas do sculo XIX. No Cear, a partir de 1845, encontra-se registro de sua
produo. Na regio de Maracs obteve-se conhecimento das propriedades
comerciais desta planta a partir de 1897, ano no qual o Coronel Jos Henrique dos
Santos, residente em Maracs, dirigiu-se capital baiana conduzindo uma amostra
do ltex extrado da manioba e a apresentou ao governador do Estado, o
Conselheiro Luiz Vianna. Este, por sua vez, solicitou ao Secretrio da Agricultura
Jos Antnio da Costa, que enviasse um tcnico para estudar e certificar-se da
viabilidade econmica da explorao da borracha na regio, j que tal produto, no
Cear, ocupava lugar de destaque nas exportaes, constituindo, dessa forma, em
um importante canalizador de divisas para aquele Estado. Assim, cumprindo tais
determinaes, o Secretrio da Agricultura designou o engenheiro Joaquim Bahiana
para analisar as condies para a sua produo.27
Ao chegar a Machado Portela, que era quela poca, povoado de Maracs, o
engenheiro Joaquim Bahiana logo percebeu a existncia da planta na regio.
Analisou alguns exemplares da espcie, os quais indicavam para uma baixa
produtividade de ltex. Mas ressaltou, no final de seu relatrio, enviado ao
Secretrio da Agricultura, a impossibilidade de precisar a real produtividade da
Manihot Maracasensis Ule devido aos poucos recursos tcnicos que dispunha e ao
curto espao de tempo para desenvolver os seus estudos. Contudo, demonstrou a
viabilidade comercial de tal atividade e assegurou que essa viria a ocupar lugar de
destaque na economia da regio produtora e do Estado como um todo, o que veio
de fato a ocorrer a partir do ano de 1902.28
O sertanejo, acostumado a viabilizar estratgias que lhes permitiam conviver e
enfrentar os longos perodos de seca, percebeu na extrao do ltex da manioba
uma alternativa capaz de contribuir para a sua subsistncia. Desta forma, diversas
famlias maracaenses passaram a dedicar-se produo da borracha. Outros, como 26 BASTOS, Jos Alberto Magalhes. Manioba: Produto de Borracha do Nordeste Brasileiro. Braslia: Editerra Editora LTDA, 1985. 27 APEB. Setor Republicano: Relao da Documentao da Secretaria da Agricultura: caixa 2382; maro 166; documento 522 a 527. 28 APEB. Setor Republicano: relao da Documentao da Secretaria da Agricultura: caixa 2382; maro 166; documentos 522 a 527.
31
o Coronel Marcionillo Souza, vo se encarregar de comercializ-la com empresas
sediadas em So Flix e na capital baiana, as quais se encarregavam de export-la.
Algumas empresas estrangeiras tambm abriram filiais no municpio para
facilitar o comrcio e a explorao da borracha da manioba. A ttulo de exemplo,
pode ser citada a sucursal da belga Bahia Rublir, gerenciada por Leon Masselmam
de Chenoy.29A presena desse tipo de empreendimento, no ano de 1909, em
Maracs, demonstra a importncia econmica de tal atividade.
Em 1900, o Brasil era responsvel por 90% da produo mundial de borracha
vegetal. A Bahia, a partir de 1902, com a exportao da borracha de manioba,
passou a contribuir, significativamente, com esse quadro e, a cada ano, a sua
produo aumentava como pode ser percebido na Tabela II e no Grfico I.
TABELA II Borracha exportada pela Bahia
ANO
PRODUO EM QUILOGRAMAS
PERCENTUAL DE CRESCIMENTO DA
MASSA
VALOR
1897 1901 806.185,5 - 3.288:778$000
1902 1906 3.652.436 353 9.364:256$000
1907 1911 6.026.562,5 65 20.035:249$000
1912 1916 3.539.483,5 - 41,27 8.708:440$000
1917 1921 904.503 - 74,45 1.302:760$000
1922 -1925 652.289 -27,88 945.703:788$000 Fonte: BARROS, Francisco Borges de. Memria sobre o municpio de Maracs. Escola Typographica salesiana: Salvador, 1917. Pg. 13.
29 APEB. Setor Republicano. Secretaria de Segurana Pblica: Correspondncia Recebida e expedida: caixa 6450; maro 01; perodo1890 a 1911.
32
Grfico 1 - Borracha Exportada pela Bahia (1897-1925)
Fonte: BARROS, Francisco Borges de. Memria sobre o municpio de Maracs. Escola Typographica salesiana: Salvador, 1917. Pg. 13.
A ttulo de exemplo, torna-se interessante destacar que, em 1925, a Bahia
produzia 3.573.411 kg de borracha de manioba,30 o que j demonstrava acentuado
decrscimo na sua produo em relao aos anos anteriores. Em relao ao
mercado interno, So Paulo e o Rio de Janeiro constituam-se enquanto os
principais consumidores da borracha produzida na Bahia. No mercado externo, os
dois pases que mais compravam a borracha baiana eram os Estados Unidos da
Amrica e a Alemanha, juntos davam uma renda de aproximadamente 127:124$000
(cento e vinte sete contos e cento e vinte quatro mil ris) para os produtores
baianos.31
Tal cenrio s se modificou a partir de 1930, quando a borracha vegetal
exportada pelo Brasil passou a corresponder a apenas 3% da produo mundial. Os
fatores que mais contriburam para isso foram a entrada da borracha sinttica no
mercado, oferecida a preo mais baixo do que a borracha vegetal; o fato de a
borracha vegetal brasileira ser obtida de plantas nativas, espalhadas pelos campos
com baixa densidade (1,2 plantas por hectare), o que dificultava e tornava cara a
sua explorao; a concorrncia da borracha vegetal asitica, que tinha o seu cultivo
30 Essa produo do ano de 1925 e no do quadrinio 1922/1925, como demonstrado no grfico anterior a essa informao. 31 Mensagem apresentada Assemblia Legislativa Pelo Governador Francisco de Ges Calmon, em sete de abril de 1926.
3.652.436 3539483,5
904.503 652.289
6026562,5
806.105,50,00
1.000.000,00
2.000.000,00
3.000.000,00
4.000.000,00
5.000.000,00
6.000.000,00
7.000.000,00
1897-1901 1902-1906 1907-1911 1912-1916 1917-1921 1922-1925
Prod
uo
em
qui
logr
amas
33
racionalizado permitindo uma maior densidade (400 plantas por hectare) e uma
maior produtividade devido seleo de espcies mais produtivas.32
Com a falta de competitividade do produto brasileiro no mercado externo, a
extrao do ltex da manioba aos poucos foi abandonada pelo sertanejo. Este
passou a no encontrar preo e nem espao que o estimulasse a continuar com tal
atividade. Aos poucos, as plantas de manioba foram derrubadas para serem
utilizadas como lenha e para alimentar a indstria de tamancos, j que a sua
madeira resistente e ao mesmo tempo leve. Somou-se a isso a crena do
sertanejo de que a rama desta planta, quando murcha, torna-se txica para o gado,
da vindo o apelido da manioba de mandioca brava. Hoje em dia raro encontrar
exemplares dessa espcie no municpio de Maracs.
VIAS DE COMUNICAO
No que se refere ao escoamento da produo de Maracs, importante
salientar que este era realizado atravs da Estrada de Ferro Central da Bahia, que
tocava o municpio nos distritos de Machado Portela, Queimadinhas, Bandeira de
Melo e Tamburi.33 Este ltimo, por ser mais prximo da sede do municpio e por
ligar-se a esta por meio da Estrada Real, recebia uma soma maior de mercadorias e
de pessoas que tinham como destino a capital baiana. As mercadorias, antes de
1927, eram conduzidas ao povoado de Tamburi por tropeiros, viagem que levava em
mdia dois dias. De l seguia de trem, por mais um dia, at as cidades de Cachoeira
e So Flix. No dia seguinte, partia de vapor para Salvador. A concluso de todo o
percurso, se no ocorressem imprevistos, levava em mdia quatro dias, tornando a
viagem bastante cansativa e custosa.
As deficincias das vias de comunicao herdadas do Imprio contriburam
para o profundo desconhecimento que a intelectualidade e os integrantes do
governo, residentes na Capital, possuam do interior do Estado da Bahia. Tal fato,
segundo Silva,34 dificultava a elaborao de projetos que possibilitassem o 32 BASTOS, Jos Alberto Magalhes, op. cit., 1985, p. 14 e 15. 33 Este fora elevado a condio de Cidade em 1962 e recebe o nome de Macionilio Souza. 34 SILVA. Aldo Jos Morais da. Instituto Histrico e Geogrfico da Bahia: origem e estratgia de consolidao institucional 1894-1930. Tese (Doutorado em Histria) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007, p. 35 e 36.
34
desenvolvimento e integraes regionais. Assim, num perodo em que os meios e as
vias de comunicao do Estado eram deficientes, o fato de a Estrada de Ferro
Central da Bahia passar no municpio de Maracs lhe proporcionava um meio
eficiente para escoar a sua produo. Essa estrada foi a segunda a ser construda
na Bahia, tendo recebido, inicialmente, o nome de Paraguassu Steam Tram Road
Company (1865). Dez anos depois, passou a se chamar Brazilian Imperial Central
Bahia Railway Company.
A construo dessa estrada foi realizada com capital ingls35 e est
diretamente relacionada descoberta de pedras preciosas na Chapada Diamantina,
o que acarretou, em meados do sculo XIX, uma verdadeira onda migratria para a
regio. A explorao e o comrcio de pedras preciosas proporcionaram um
desenvolvimento impressionante para diversas localidades como Morro do Chapu,
Caetit, Lenis, Andara, Bom Jesus do Rio de Contas, Minas do Rio de Contas,
dentre outras.36 Incentivado por esta euforia, o ento presidente da Provncia da
Bahia, Cansanso de Sinimbu decidiu:
[...] criar melhores condies de acesso s Lavras Diamantinas. Solicita e consegue da Assemblia Legislativa a Lei n 592, de 22 de julho de 1856, atravs da qual concedido a Manuel Jos de Figueiredo Leite o privilgio, por sessenta anos, da construo de uma estrada que, partindo de So Flix, v a Santa Isabel com ramais por Andara e Lenis, originando-se desse privilgio a Companhia Tram-Road Paragua, convertida depois na Ferrovia Central da Bahia, de que seria empresrio o engenheiro Hugh Wilson, comeando efetivamente, como comeou, naquela cidade e terminando em Machado Portela, com ramal para Bandeira de Melo, vinte lguas distantes dos Lenis.37
A construo da Brazilian Imperial Central Bahia Railway Company refora
uma tendncia presente no Brasil em meados do sculo XIX, e que surge no seio
das discusses realizadas entre governantes, comerciantes e produtores a respeito
dos problemas que afetavam o desenvolvimento das provncias. Como assevera
Antnio Guerreiro de Freitas (2000), dois problemas despontavam no cenrio baiano
quando se tentava integrar os diversos espaos e explorar o potencial econmico do 35 Para uma viso geral da poltica nacional de viao frrea do perodo ora em apreo, ver: CARLETTO, Cssia Maria Muniz. A Estrada de Ferro de Nazar no Contexto da Poltica Nacional de Viao Frrea. Salvador, 1979. Dissertao (Mestrado em Histria). Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia. p. 7 a 54. 36 SILVA. Aldo Jos Morais da, op. cit., 2006, p.43. 37 MORAES, Walfrido. Jagunos e Heris: a civilizao do diamante nas Lavras da Bahia. 3 Ed, Salvador: Edies GRD, 1984, p. 36 e 37.
35
interior da Bahia: as secas e a deficincia dos meios de transportes. Para solucionar
esse ltimo empecilho, via-se na construo de estradas de ferro uma sada segura,
capaz de acelerar o progresso e a modernizao da Provncia. Nesse sentido, foi
aprovada a Lei Provincial n. 644, de 26 de junho de 1852, que estabelecia as regras
para as concesses, principalmente a garantia do pagamento de juros sobre o
capital investido pelas companhias na construo das estradas de ferro em qualquer
ponto do territrio brasileiro.38
A construo da Central da Bahia evidencia a lgica da organizao do sistema
virio baiano, ou seja, este deveria garantir a Salvador o lugar de centro convergente
da atividade comercial, principalmente daqueles produtos voltados para a
exportao. Dessa forma, os minerais e produtos agrcolas seriam transportados
para os portos fluviais das cidades do Recncavo ou ento para os ncleos mais
importantes do litoral e, desses lugares, por navegao para o porto da capital.
Corroborando com o exposto, Freitas ressalta que:
Apesar de uma situao ainda crtica no incio do presente sculo, no resta dvida que a construo de novos meios de transportes agitou uma Bahia acostumada a se ver exclusivamente atravs do espelho representado por Salvador e seu Recncavo. Cidades e vilas nasceram e cresceram as margens dos trilhos ou nas rotas dos vapores; o Estado especializava e criava condies para uma nova regionalidade, tudo sem abrir mo de ter e reconhecer Salvador como ncleo central, lugar estratgico, principalmente em razo de seu porto, que a tornava passagem obrigatria de pessoas e mercadorias. No entanto, como era de se esperar as mudanas ocorridas no alteraram significativamente o quadro, ou seja, apesar da reduo das distancias e do tempo de viagem a maior parte do interior permanecia longe, distante econmica e socialmente do litoral.39
Dentro desse contexto, principalmente a partir de 1927, o percurso de Maracs
a Salvador passou a ser realizado em um espao de tempo menor (trs dias de
viagem). Isso se deu graas construo de uma estrada de rodagem ligando
Maracs a Tamburi, o que diminuiu de dois para um dia a viagem realizada entre
essas duas localidades que, a partir de ento, passou a ser feita de automvel. O
primeiro projeto apresentado ao Conselho Municipal, visando viabilizao dessa
estrada, data de 16 de abril de 1925, e foi encaminhado pelos conselheiros
38 FREITAS, Antnio Fernando Guerreiro de. Eu vou para a Bahia: a construo da regionalidade contempornea. Bahia Anlise & Dados. Salvador: Editora SEI, vol 9 n 4, p. 24-37, maro de 2000. 39 FREITAS, Antnio Fernando Guerreiro de, op. cit., 2000, p. 27 e 28.
36
Diocreciano da Silva e Ranulpho Coutinho, que justificaram a importncia do
empreendimento argumentando que a estrada viria a atender aos anseios dos
negociantes e lavradores por melhores vias e meios de transportes para
escoamento de suas mercadorias.40 Isso no momento em que a Bahia,
especialmente Maracs, convivia com uma constante expanso da lavoura de caf,
e em que os meios de transportes tradicionais no eram suficientes para atender a
toda a demanda, gerando, segundo a Comisso da Fazenda do Conselho Municipal,
uma verdadeira crise neste setor, como pode ser verificado abaixo:
[...] A Comisso reconhece a situao realmente angustiosa por que, neste momento, passa a produo extraordinria e crescente do Municpio, principalmente a do caf, de que o maior centro de produo do Estado asfixiada pelas dificuldades do seu escoamento, nos tempos prprios, no bastando j para o seu transporte os meios insuficientes e carssimos de conduo ordinria [...] os fretes elevaram-se de um modo fantstico, ao mesmo tempo que escassearam os meios comuns de transporte para essa enorme produo [...] determinando isso a crise de transporte que hoje, digo, que ora atravessamos, absolutamente irremedivel pelos meios ordinrios e primitivos [...].41
O projeto apresentado ao Conselho Municipal em 16 de abril de 1925 foi
aprovado e transformado em lei no dia 18 do mesmo ms e ano. Essa atitude segue
a poltica estabelecida pelo Estado, posto que a Assemblia Legislativa, em 31 de
agosto de 1917, aprovou, sob forma de lei, o primeiro plano rodovirio. Este plano
autorizava a construo de estradas de rodagem que viessem a ligar centros
produtores a mercados consumidores, ou a rios navegveis, ou a estradas de ferro,
ou a portos de mar,42 realidade condizente com as observaes de que: [...] O Estado da Bahia deu continuidade preocupao com os transportes, questo tida como prioritria desde os tempos provinciais. Inicialmente, centrou-se em dar continuidade poltica de construo de estradas de ferro, mas, logo depois, passaria a incentivar e subsidiar a construo de estradas de rodagem, o que, aps 1930, se transformaria na nica alternativa considerada para os transportes [...].43
40 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 34 a 40. 41 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 37. 42 ZORZO, Francisco Antnio. Retornando a Histria da Rede Viria do Brasil: o estudo dos efeitos do desenvolvimento ferrovirio na expanso da rede rodoviria da Bahia (1850-1950). Sitientibus: Revista da Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, n 22, p. 99-119, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 21 jan. 2009. p. 109. 43 FREITAS, Antnio Fernando Guerreiro de, op. cit. 2000, p. 25.
37
No entanto, a Lei de 18 de abril de 1925 foi revogada pelo Conselho Municipal
de Maracs, baseando-se na alegao de que o Municpio no dispunha de
recursos suficientes para financiar a construo da estrada de rodagem que ligaria
Maracs a Tamburi. A soluo desse impasse, de acordo com o Conselho, seria a
criao de uma empresa que reuniria recursos, tanto pblicos quanto privados,
capazes de viabilizar um projeto de vital importncia para o desenvolvimento
econmico do municpio.44 Essa proposta no destoava da poltica adotada pelo
Governo do Estado que, desde 1910, concedia uma srie de vantagens para
particulares interessados em construir e explorar vias de comunicao que, neste
caso, seriam as estradas de rodagem.45
Seguindo essa indicao, em 16 de outubro de 1925, foi criada a Empresa
Rodoviria de Maracs Sociedade Annima. Seu principal objetivo era construir e
explorar estradas para o trfego de automveis ou de outros veculos e meios
convenientes para o transporte de cargas e de passageiros. Ficava sob a
responsabilidade dessa empresa construir e explorar linhas telefnicas marginais s
mesmas estradas. Teria tambm o direito de explorar as rodagens, por ela
construdas, durante 50 anos a partir da data de finalizao do empreendimento. O
capital para a viabilizao da empresa seria de trezentos contos de ris, distribudos
em 1.500 aes, as quais seriam vendidas pelo valor de duzentos mil ris cada. O
municpio, como consta do artigo 2 do estatuto da empresa, garantiria, juros de 6%
ao ano sob o capital aplicado.
A princpio, os cofres pblicos receberiam 15% da renda angariada pela
empresa sob a forma de impostos. Entretanto, como incentivo participao do
capital privado nesta empreitada, a Intendncia garantiria, se necessrio, a
complementao ou total pagamento dos juros e amortizaes dos ttulos emitidos
pela Empresa Rodoviria de Maracs Sociedade Annima, tornando o investimento,
pelo menos em teoria, um negcio seguro, cheio de vantagens para aqueles que
tivessem a coragem de contribuir para a melhoria das vias de comunicao
existentes no Municpio.
44 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 54. 45 Algumas das vantagens oferecidas a empresas e a particulares pelo Estado foram: prazo de 30 anos para a explorao das vias de comunicao; o no pagamento de impostos tanto municipais, quanto estaduais; preferncia para aquisio de terras devolutas prximas s estradas, dentre outras.
38
Como as lideranas polticas, na sua maioria, no queriam ficar de fora dos
projetos que materializassem a idia de modernizao e desenvolvimento do
Municpio, passaram, ao menos em um primeiro momento, a compor a diretoria da
Empresa Rodoviria de Maracs Sociedade Annima. Essa foi composta da
maneira que segue: Presidente: Raul Silva; Vice-Presidente: Dante Paganuncci;
Diretor: Coronel Andr Magalhes Jnior; Secretrio: o rbula Alceu Pereira da
Silva; Conselho fiscal: Coronel Marcionillo Antnio de Souza, Major Nestor S,
Salvador Mariniello, Fernando Morbeck do Esprito Santo, Capito Joo Francisco
de Andrade e Ruy Bassamphio da Silva Pereira; Suplentes: Carlos Mariniello;
Ponplinio Rodrigues Moreira; Joo Guedes Pereira; Nelson Alves Portela, Jos
Miranda Rebouas e Rodolphino Marques da Silva.46 Faz-se necessrio ressaltar
que a escolha da diretoria da empresa era uma prerrogativa do intendente. Assim,
percebe-se mais um possvel mecanismo a ser utilizado como barganha no jogo
poltico. Aquele que viesse a ocupar tal cargo, em contrapartida, deveria fidelidade a
quem o nomeasse.
Tudo indica que esse empreendimento no obteve sucesso imediato, pois a
construo da estrada de rodagem somente foi iniciada na gesto do Coronel Andr
Magalhes Jnior, mais precisamente no dia 15 de abril de 1927, data na qual o
Conselho Municipal, presidido pelo Coronel Marcionillo Souza, aprovou uma verba
no valor de vinte mil contos de ris para iniciar a construo da to esperada estrada
de rodagem, que foi concluda em 1929, ano em que Marcionillo ocupava a
Intendncia do Municpio e o Coronel Andr Magalhes Jnior presidia o Conselho
Municipal.47
A construo de estradas, como a mencionada acima, se deu em diversas
partes do territrio baiano. Tal empreendimento era compreendido como sinnimo
de modernidade, capaz de gerar o to sonhado desenvolvimento para o interior do
Estado. J para os representantes polticos municipais, como no caso do Coronel
Marcionillo Souza, essa ao configurava-se como um mecanismo capaz de
legitimar as suas aes perante a populao local, posto que, para o Coronel era
interessante apresentar-se como um indivduo que zelava pela moral e pelo
desenvolvimento de sua cidade. 46 AFWT. Cartrio de Registro de Mveis e Hipotecas, Ttulos e Documentos, Livro B, n. 02, p. 69 e 73, perodo 1919 a 1934. 47 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 42.
39
Seguindo essa lgica, o Coronel Marcionillo Souza, durante o perodo em que
ocupou a Intendncia do municpio, de 1928 a 1930, alm de concluir as obras da
estrada de rodagem que ligava Maracs ao povoado de Tamburi, construiu a
estrada que ligava Maracs a Itiruu. Esta era entendida como uma via alternativa
que ligava a Estrada de Ferro Central da Bahia com a Estrada de Ferro de Nazar,
que a este perodo se estendia at o municpio de Jaguaquara, a pouco menos de
20 quilmetros de Itiruu. Construiu tambm a estrada que ligava Maracs
Fazenda Yapor, passando pelas fazendas gua Fria, Santo Antnio, Estiva, Santa
Maria e Engenho Velho, como pode ser visto no anexo 01.
No foi possvel identificar os nomes dos proprietrios das fazendas acima
mencionadas. Provavelmente pertenciam a pessoas que de alguma forma estavam
ligadas ao Coronel Marcionillo Souza, seja por laos polticos, de amizade ou de
parentesco, pois foi comum, ao longo da Primeira Repblica, os chefes polticos
beneficiarem seus pares com obras de tal natureza. O que evidenciava uma cultura
poltica que tinha como caractersticas mais pronunciadas a legitimao de
interesses de grupos locais (invariavelmente apresentados como interesses de toda
a sociedade) e a fluidez dos limites entre o pblico e o privado. Tal atitude evidncia
relaes clientelistas estabelecida entre Marcionillo e sua parentela, embora deva
ser ressaltado que coronelismo no se confunde com clientelismo, fenmeno mais
amplo e que surge antes daquele e ainda hoje est presente no cenrio poltico.
Segundo Carvalho, pode-se afirmar que o clientelismo chegou a ampliar-se com o
fim do coronelismo em 1930.
Por conta das deficincias das vias de comunicao, as informaes a respeito
dos acontecimentos, principalmente de ordem poltica, custavam a chegar a
Maracs. s vezes, demorava semanas para a populao local ter acesso a jornais
editados na capital. A soluo para tal situao se d em 1926, quando diversos
moradores da cidade, estando entre eles o Coronel Marcionillo Souza, se unem e
fundam a Rdio Sociedade de Maracs.48 Essa sociedade adquire um aparelho
receptor de programas de radiodifuso no valor de trs mil contos de ris e o instala
no Frum do Municpio por este ser um local politicamente neutro, pelo menos em
teoria para onde convergiam, todas as noites, aqueles que queriam se manter bem 48 ACMVM, Ata da Fundao do Rdio Sociedade de Maracs, 1926. Trata-se de uma sociedade que se formou com o objetivo de comprar um aparelho receptor de programas de radiodifuso e no para fundar uma emissora de rdio, como o nome da sociedade sugere.
40
informados. Coube Intendncia contratar um funcionrio, Olinto Eloy, que ficou
encarregado de por em funcionamento e de fazer a manuteno do aparelho. Todas
as noites o rdio era ligado s 19 e desligado s 21 horas. Nesse intervalo, as
pessoas ouviam e comentavam as principais notcias apresentadas pelo noticirio.
Tudo isso ocorria seguindo um ritual bastante divertido, como salienta o Senhor
Elmo Meira:
Olinto Eloy, A Olinto Eloy ia todo bonito naquele horrio, era de sete s nove da noite, s ligava nesse horrio. Ouvia o noticirio da voz do Brasil etc, e Olinto ficava no relgio, rodando uma correntinha no dedo na frente do prdio pra cima e pra baixo, ele tinha um apelido de Duda: Duda vem ligar o rdio j t passando do horrio, ainda falta um minuto pra ligar, a ele entrava todo posudo de gravata de terno branco, chegava para a platia, o salo cheio umas cinquenta ou cem pessoas iam assistir, Chegava boa noite pessoal, a a platia boa noite Duda, liga logo esse rdio, a ele ligava. Antes de ligar o rdio ele, tinha uma capazinha no rdio ele tirava aquela capa com toda a pacincia dobrava, apanhava um espanadorzinho ia espanar o rdio, a j perdia uns dez minutos com isso, ligava o rdio, a todo mundo ouvia o rdio, todo mundo comentando o que se passava s nove horas em ponto ele p, fechava o rdio, boa noite pessoal, e ia embora.49
A compra do aparelho de radiodifuso modificou a rotina das noites da sede do
municpio, posto que, ouvir o noticirio divulgado pelo rdio tornou-se parte do
cotidiano de um nmero significativo dos seus moradores. A novidade contribua
para o fomento de um ambiente no qual, dentre outras coisas, era possvel
acompanhar, com maior rapidez, os assuntos da vida poltica do Estado da Bahia,
em particular, e do Brasil como um todo.
Ter acesso notcia falada naquele momento era algo significativo, posto que,
como j mencionado, os jornais impressos demoravam dias para chegar a Maracs,
somando-se a isso o fato de que,
Tomando como base os eleitores, temos uma dimenso dos leitores da Bahia, pois s os alfabetizados poderiam votar. Segundo Consuelo Novais Sampaio, em 1890 da populao adulta 81,9% no sabiam ler; em 1920, 75% era analfabeta. A maior parte dos letrados encontrava-se na regio metropolitana de Salvador. Embora saber escrever fosse uma imposio para o voto, muitos eleitores no eram necessariamente leitores. Isso significa um universo ainda
49 Entrevista concedida pelo Sr. Elmo Meira (89 anos) ao autor em fevereiro de 2008, Maracs BA.
41
mais restrito de leitores neste perodo. Assim a elite letrada compunha um quadro restrito da sociedade baiana.50
O Frum de Maracs, onde se encontrava o rdio, tornou-se um espao de
socializao, local que passou a aglutinar os indivduos que buscavam informaes,
ao mesmo tempo em que propiciava um ambiente de encontros favorvel a
discusses a respeito de problemas que afetavam o Municpio. Segundo Vilaa e
Albuquerque, a insero do rdio na comunidade local representava a conquista de
mais um elemento modernizador. Entretanto, as informaes e discusses que
chegavam comunidade atravs do rdio contriburam, em alguma medida, para
minar os alicerces do poderio dos coronis. Possivelmente, no momento em que o
Coronel Marcionillo Souza financiou e incentivou a compra do aparelho de
radiodifuso, ele o fez para no perder a iniciativa social e para assegurar seu cetro
paternalista de doador de coisas, de patrocinador de causas,51 de um indivduo que
destinava todas as suas foras para o bem de sua comunidade.
Outra tentativa de inserir elementos de modernizao em Maracs ocorreu
durante o mandato do aliado poltico do Coronel Marcionillo Souza, Coronel Andr
Magalhes Jnior que, em 1925, tentou por em prtica uma reforma urbana na
cidade. Comeou ampliando a minscula Praa da Matriz, situada na Rua Sete de
Setembro. Para realizar esse empreendimento, algumas casas foram
desapropriadas e no lugar da antiga praa foi construda uma outra que recebeu o
nome de Rui Barbosa. A execuo de tal projeto custou ao errio municipal
quantia de trs mil contos de ris.52 Este ato, entendido como sinnimo de progresso
e modernidade, era praticado com freqncia em vrias outras cidades do Brasil,
como Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro.53
50 REIS, Meire Lcia Alves dos. A Cor da Notcia: Discurso sobre o negro na imprensa baiana (1888-1937). Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2000. (mimeo), p. 7 e 8. 51 VILAA, Marcos Vincios; ALBUQUERQUE, Roberto C. de. Coronel, coronis: apogeu e declnio do coronelismo no Nordeste. 4 Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 43. 52 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 33. 53 Para maiores informaes a respeito da idia de modernidade defendida pela intelectualidade baiana ver: BELENS, Adroaldo de Jesus. A Modernidade sem Rosto: Salvador e a Telefonia (1881-1924). Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002. (mimeo), p. 20 a 60.
42
CENRIO POLTICO
Em um primeiro momento, a elite baiana se ope ao processo de mudana do
regime poltico monrquico para o republicano. Ela chega a desejar uma resistncia
armada em defesa das instituies monrquicas. Por conta de tal situao, a
Proclamao da Repblica na Bahia s foi reconhecida em 17 de novembro, dois
dias depois, portanto, do movimento efetivado no Rio de Janeiro sob a liderana do
Marechal Deodoro da Fonseca e seus pares. Esse quadro revela o carter
conservador da elite baiana, que temia alteraes na ordem estabelecida, devido
sua dependncia em relao ao governo central. Entretanto, quando constatada [...] a irreversibilidade do processo estas mesmas elites logo se puseram a articular a sua reacomodao no novo cenrio, de forma a garantir o mnimo possvel de rupturas e perdas de poder e prestgio. Mais do que uma estratgia momentnea, contudo, tal poltica de acomodao veio a caracterizar o cenrio baiano durante toda a Primeira Republica, estendendo-se para alm desta. Tal poltica explicava-se por um lado, pela fragilidade econmica do estado e sua consequente dependncia de eventuais recursos oriundos do governo central. Por outro, a prpria estrutura poltica baiana, cindida entre as foras da capital e do interior, determinava a imperiosa necessidade do apoio federal para o governo estadual, ante a independncia poltico-econmica das oligarquias rurais baianas e o peso destas como arregimentadoras de votos e apoio poltico.54
Ao longo da Primeira Repblica, foi comum a implementao de medidas que
contribussem para aumentar a autonomia dos municpios, pois esses poderiam ser
controlados, sem grandes interferncias, pelas oligarquias locais, o que ameaaria o
projeto do governo Estadual em relao centralizao do poder poltico. Desta
forma, era preciso dar ao Estado os meios de impedir essa possibilidade.55
Seguindo essa lgica, a Constituio brasileira de 1891, delegava aos Estados
prerrogativa de elaborar leis, inclusive destinada organizao de seu sistema
eleitoral, o que possibilitava maior controle sob o municpio. No caso da Bahia, a
reforma da Constituio estadual de 1891 e a promulgao da Lei de Organizao
Municipal, realizadas durante o primeiro mandato de Seabra (1912-1916), podem
ser entendido como tentativas de centralizao do poder por parte do Estado.
54 SILVA. Aldo Jos Morais da. op. cit., 2006, p. 69. 55 LEAL, Victor Nunes, op. cit., 1997, p. 123.
43
Entretanto, o Governo estadual no podia prescindir, para se manter no poder,
do apoio dos representantes das oligarquias locais, os coronis. Como assegura
Carvalho,
[...]. A estabilidade do sistema como um todo exigia que a maioria dos coronis apoiasse o governo, embora essa maioria pudesse ser eventualmente trocada. As manipulaes dos resultados eleitorais sempre beneficiam um grupo em detrimento de outro e tinha um custo poltico. Se entravam em conflito com um nmero significativo de coronis, os governadores se viam em posio difcil, se no insustentvel. Basta mencionar os casos da Bahia, de Gois, do Cear e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos [...].56
Assim como o Estado necessitava da atuao dos coronis para a preservao
da ordem estabelecida durante a Primeira Repblica, os coronis necessitavam do
apoio do Estado para legitimar as suas aes perante a populao de seus redutos.
Isso vem fortalecer a definio de coronelismo, de Leal (1997) como um sistema.
Nesse sistema, os coronis fundamentavam as suas prticas a partir de um
compromisso legtimo ou no firmado entre a esfera pblica e a esfera privada
do poder. Tal estratgia resultou de um longo processo histrico e sua gnese se
materializou na estrutura social, resumindo-se num sistema poltico de
compromissos. Essa complexa rede de relaes envolvia desde a parentela do
coronel at o Presidente da Repblica. De acordo com o mesmo autor, o
coronelismo resulta do federalismo implantado na Primeira Repblica, em
substituio ao centralismo imperial, numa conjuntura que envolvia a decadncia
econmica dos grandes fazendeiros e a ascenso da estrutura burocratizada do
Estado, associada ao recuo do patrimonialismo. O mesmo autor assevera que a
propriedade da terra era um dos principais elementos para a vigncia desse sistema
poltico.57
Em contraposio, Eul-soo Pang (1979) afirma que o poder do coronel
encontrava-se assentado em seu status social, reconhecido e legitimado pelos
indivduos que estavam, de algum modo, sob sua tutela. Para este autor, o
coronelismo um fenmeno historicamente datado que vai de 1889 quando
56 CARVALHO, Jos Murilo, op. cit., 1998, p.137. 57 LEAL, Victor Nunes, op. cit., 1997.
44
ocorreu uma modificao na estrutura poltica do Brasil, com a implementao do
regime republicano a 1930, momento do golpe de Estado de Getlio Vargas.58
J Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976), define o coronelismo baseado no
conceito elaborado por Jean Blondel, de que este fenmeno uma das
manifestaes do mandonismo local brasileiro, e datado historicamente, pois:
embora aparecendo a apelao de coronel desde a segunda metade do Imprio, na Primeira Repblica que o coronelismo atinge sua plena expanso e a plenitude de suas caractersticas. O coronelismo , ento, a forma assumida pelo mandonismo local a partir da proclamao da repblica: o mandonismo teve vrias formas desde a Colnia, e assim se apresenta como o conceito mais amplo com relao aos tipos de poder poltico-econmico que historicamente marcaram o Brasil.59
Nessa definio, o mandonismo no aparece como um sistema e sim como uma
caracterstica da poltica tradicional brasileira. Ele existe desde os tempos coloniais,
passando pelo Imprio e vai alm da primeira repblica. Para Carvalho, a tendncia
que desaparea completamente medida que os direitos civis e polticos
alcancem todos os cidados.60
consenso entre esses autores que, para legitimar o seu poder perante a sua
comunidade, o coronel deveria angariar recursos com o quais realizaria a construo
de obras de utilidade pblica para a sua localidade, como escolas, estradas,
ferrovias, igreja, postos de sade, luz e gua encanada. Assim, essas obras tinham
por finalidade no s desenvolver o seu espao, como tambm construir e preservar
a sua liderana e aumentar a dependncia poltica do seu eleitorado.
Essa estratgia era implementada em um momento no qual as mudanas no
cenrio poltico da Bahia processavam-se de forma lenta. Isso devido acentuada
crise econmica que afetou o pas em finais do sculo XIX. Tal crise inicia-se no
perodo imperial, devido queda do preo do acar no mercado externo, o que
ocasionou a falta de capital, habitualmente oriundo do comrcio internacional, para o
financiamento da produo de bens destinados exportao. Soma-se a isso o
declnio constante da mo-de-obra utilizada nas lavouras, resultante do fim do trfico
africano e da prpria escravido, bem como das epidemias que afetaram o pas, a
58 PANG, Eul-soo, op. cit., 1979. 59 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de, op. cit., 1976, p. 172. 60 CARVALHO, Jos Murilo, op. cit., 1998, p.133.
45
exemplo da clera, em meados do sculo XIX.61 Nos anos iniciais da Repblica,
ainda era visvel os efeitos desta crise, sendo que sob sua influncia
[...] d-se uma acomodao tcita dos diferentes setores sociais, o que implicou na preservao das prticas, valores e instituies presentes na Bahia imperial, e conferiu ao Estado (do posterior perodo republicano) um ritmo incomodamente lento, mas ainda assim tolerado pelos segmentos dominantes da sociedade, frente alternativa das incertezas de alteraes sociais mais profundas.62
nesse contexto que se insere o perfil poltico do municpio de Maracs,
esboado a partir do mandonismo local que se estruturava, ento, sob a forma do
coronelismo. Em Maracs, assim como em boa parte do serto baiano, os principais
agentes a comandar a esfera poltica provinham da elite local, que utilizava a
propriedade da terra como um dos sustentculos para a manuteno e efetivao do
seu poder, pois, como ocorria em todo o pas, boa parte da populao residia na
zona rural. Tornando-se, em muitos casos, facilmente manipulada pelos interesses
dos coronis da poca, a exemplo do Coronel Marcionillo Souza e do seu rival
poltico, o Coronel Jos Antnio de Miranda.
Como esses coronis possuam grandes propriedades rurais, empregando ou
arrendando terra para um nmero significativo de indivduos, passavam a exigir
dessa gente, a sua clientela, a defesa de seus interesses. Com a populao mais
pobre que habitava a zona urbana no era diferente, posto que a maioria acabava
prestando servio para esses coronis, principalmente no perodo de colheita do
caf, pois os trabalhos oferecidos no comrcio e na indstria eram limitados. Em
Maracs, esse ltimo setor funcionava de forma quase artesanal. As poucas
indstrias que existiam dedicavam-se produo de gneros para abastecer o
mercado local, tais como vinagre, velas, sabo, olarias, engenhos de aguardente,63
dentre outros. Essas fbricas possuam uma estrutura rudimentar e um baixo poder
de arregimentao de trabalhadores.
Evidentemente, quando se ressalta certo domnio exercido pelos coronis
sobre as populaes rural e urbana, no h a pretenso de negar as contradies e
resistncias materializados por elas contra os interesses dos coronis, que tinham 61 ARAJO, Dilton Oliveira de. Republicanismo e Classe Mdia em Salvador: 1870 a 1889. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1992. (mimeo), p.140. 62 SILVA. Aldo Jos Morais da, op. cit., 2006, p. 35. 63 APMM, Ata do Conselho Municipal de Maracs, perodo de 1922 a 1929, p. 46.
46
conscincia da existncia de tais contradies e resistncias, tanto que mantinham
exrcitos particulares de jagunos, utilizados para tentar controlar as possveis
manifestaes contra a ordem estabelecida.
Nessa perspectiva, em Maracs, assim como em outros lugares do Brasil, o
sertanejo criou estratgias64 de resistncia que norteavam as suas prticas, em suas
relaes familiares, sociais e polticas, fundamentados a partir de recursos
simblicos e materiais disponveis naquela sociedade, o que lhes permitia, muitas
vezes, burlar as regras impostas pelos chefes locais. No perodo em exame, ao
observar a organizao scio-espacial de Maracs, percebe-se a grande
concentrao de negros na Rua do Cuscuz. Tal fato pode ser entendido como uma
dessas estratgias para enfrentar, ou ao menos, para burlar a ordem estabelecida,
posto que, essa parcela da populao, atravs de seus laos de amizade e de
parentesco, lanava mos de mecanismos que lhes permitiam fazer frente
excluso social imposta pela populao branca. Essa rua ocupava um espao que
hoje compreende as ruas 13 de Maio, Andr Magalhes e a Amlia Mariniello. Jerry
Guimares enfatiza que essa via pblica, naquele perodo, foge acepo habitual
do termo, posto que:
Rua do Cuscuz uma denominao genrica no para uma rua, no sentido literal, mas para um espao mais amplo. o que Jacques DAdesky chama de espao de pertencimento que especifica a posio do ator social e a inscrio de seu grupo de pertencimento em um lugar. neste sentido simblico, portanto, que utilizamos o termo Rua do Cuscuz [...].65
A rua recebe esse nome pelo fato de que os seus antigos moradores faziam
cuscuz para ser vendido ao restante da comunidade, de modo muito artesanal,
como fica patente na fala de um dos moradores do municpio:
[...] por que Cuscuz? Porque aquele pessoal que, vamos dizer, construram Maracs, eram sempre africanos, e eles faziam muito cuscuz de milho, e vendiam aos brancos, porque naquela poca no existia padaria. Ento ficou chamando Rua do Cuscuz, porque todo mundo ia l comprar cuscuz.66
64 Ainda como exemplos dessas estratgias, podem ser citados: o ingresso no exrcito particular de outro coronel, rival ao seu desafeto; dar coito e colaborar para a execuo de vingana empreendida por inimigos do coronel malquisto, dentre outros. 65 Guimares, Jerry Santos. O Clube do Cuscuz: espao de festa, identidades e resistncias. Monografia (Graduao em histria) Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitria da Conquista, 2003, (mimeo), p. 43. 66 Entrevista concedida pelo Sr. Gesnio dos Anjos (78 anos), realizada por Jerry Guimares em fevereiro de 2003, Maracs BA.
47
De acordo com o que foi dito, pode-se inferir que a delimitao espacial da
cidade de Maracs tem a sua gnese a pa