COPENE 2014

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Para construo de uma educao bsica antirracista:incluso da literatura afro-brasileira nos currculos[footnoteRef:1] [1: Esta comunicao parte modificada de captulo a ser publicado no livro Desafios da Educao Bsica: questes contemporneas (2014), organizado pelos professores: Dr. Fbio Lopes Alves, Dr. Marco Antnio Batista Carvalho e Dr. Adrian Alvarez Estrada, (Universidade Estadual do Oeste do Paran).*Estudante de Doutorado em Educao, na rea de Relaes Raciais e Educao-UFMT. Pesquisadora do NEPRE (UFMT). Professora do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Mato Grosso. * Ps-doutora em Educao. Professora do Instituto de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal de Mato Grosso; coordena o Grupo de Pesquisas Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao (NEPRE).]

Maristela Abadia GUIMARES* Maria Lcia Rodrigues MLLER*

Introduo

Numa tentativa de repensar a educao bsica, a partir da aprovao da Lei 10.639/03, as autoras buscam, nesta comunicao, refletir sobre aes do Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao (NEPRE/UFMT) que cumprindo as Determinaes das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) prope-se a capacitar professores e gestores da rede pblica do Estado de Mato Grosso para promoo de uma educao bsica antirracista. As autoras so pesquisadoras do NEPRE/UFMT, criado em 2001 e certificado pela Capes[footnoteRef:2]. Em 2013, recebeu o Prmio Camlia da Liberdade Ao Afirmativa, Atitude Positiva, na categoria Instituio de Ensino[footnoteRef:3]. O Ncleo desenvolve pesquisas sobre a temtica das Relaes Raciais na Educao, vinculado linha de pesquisa Movimentos Sociais, Poltica e Educao Popular, do Programa de Ps-Graduao em Educao (PPGE) da UFMT. Desde nov./2003 promove cursos de extenso, de aperfeioamento e lato sensu, nas modalidades presencial e a distncia sobre os contedos da lei 10.639/03, oferecendo formao continuada a professores, gestores e tcnicos das redes de ensino, municipais e estadual, de Mato Grosso. Pelo NEPRE j foram defendidas mais de 35 dissertaes de mestrado na rea, publicadas na Coleo Relaes Raciais e Educao. [2: O grupo pode ser visto em: http://plsql1.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0332708S Y5BSIJ.] [3: Concedido pelo Centro de Articulao de Populaes Marginalizadas (CEAP), com o patrocnio da Petrobras, a honraria reconhece iniciativas que promovam aes afirmativas como forma de contribuio para a superao das desigualdades raciais e sociais, de tal forma que fortaleam os princpios democrticos.]

O Ncleo produz todo o material didtico utilizado nos cursos de formao que ministra. Para essa produo so convidados professores com formao stricto sensu na rea temtica. Ilustramos com alguns dos fascculos j produzidos: histria do negro no Brasil, Tpicos especiais sobre diferenas, histria da frica, identidade e cultura afro-brasileira, relaes raciais na sociedade brasileira. Dentre elas, sero objeto deste artigo, os fascculos produzidos em 2010 e 2011 referentes s Estratgias de combate ao racismo, em especfico a parte IV que versa sobre literatura afro-brasileira.A educao bsica, diante das novas perspectivas educacionais, avalia a necessidade de inserir diferentes segmentos sociais, jovens e adultos, quilombolas, indgenas, negros e deficientes, numa escola no mais de carter universalista, mas sim que reconhece que as diferenas existem e como tais precisam ser tratadas. Para cada uma dessas especificidades, tm-se Diretrizes que regulamentam o agir educacional, alcanando as obrigaes que vo desde o Estado, passando pelos dirigentes escolares e chegando ao professor, aquele que diretamente est em sala de aula, em contato e dilogo com o estudante. Assim, os professores tm de lidar com essas mltiplas realidades e precisam passar por formaes especficas. Uma delas se refere ao estabelecido pela Lei 10.63903, que torna obrigatrio o ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira na Educao Bsica. O artigo 26 da LDB 9.394/96, alterado pela Lei 10.639/03, prope que sejam trabalhados contedos programticos referentes Histria e Cultura Afro-Brasileira, ministrados no mbito de todo o currculo escolar. Nesta comunicao ser dada nfase Literatura, em especfico, a afro-brasileira, focalizando conceitos e prtica pedaggica. Pensamento social brasileiro e a construo do racismo[footnoteRef:4] [4: O ttulo desta seo remete ao do fascculo 5, do Curso de Aperfeioamento Relaes Raciais e Educao na Sociedade Brasileira (2010), produzido por Mller, Maria Lcia Rodrigues.]

Como no restante do pas, os ndices de desigualdades em Mato Grosso entre negros e brancos so expressivos com a balana pendendo favoravelmente para esses ltimos. Nas quase quarenta pesquisas realizadas pelo NEPRE foi possvel constatar que nas escolas do Estado (pblicas e privadas) se reatualizam constantemente o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento, constructos ideolgicos poderosos a impedir que alunos negros tenham, em sua maioria, possibilidades de cumprir uma trajetria exitosa de estudos, como seus colegas brancos. Some-se aos mecanismos intraescolares de discriminao, a deliberada produo de uma invisibilidade simblica, praticamente um desaparecimento, de pretos e pardos. A populao negra de Mato Grosso representa praticamente 60% da populao do Estado (Censo 2010/IBGE), no entanto no se v apresentada e nem representada nos espaos de produo cultural e de rememorao e comemorao da memria social. Entendemos que o desaparecimento simblico deva ser contestado tambm no plano do simblico, criando-se mecanismos institucionais que contribuam para recuperar a histria do povo negro em Mato Grosso. Isso posto, a escola no e nunca foi neutra. Sempre foi um espao construdo simbolicamente. Assim, a formao de professores para uma educao antirracista configura-se num espao em construo, onde se fazem presentes novas prticas pedaggicas, a discusso de conceitos, at ento ausentes dos espaos escolares, como racismo, discriminao, preconceito, esteretipo, raa, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferena. Assim tambm como devem ser propostas prticas pedaggicas na perspectiva da reeducao das relaes tnico-raciais. Vivemos em uma sociedade onde existe um imaginrio social profundamente hostil a quase tudo o que se refere a negros e a indgenas, o qual foi sendo construdo ao longo dos anos por sucessivas geraes e est impregnado em todas as nossas relaes sociais.Se voltssemos nossos olhos ao passado, ainda que brevemente, depararamos com cenrios bem instigantes e extremamente negativos no que se refere populao negra. A partir da metade do sculo XIX, em especial depois da guerra do Paraguai, as elites brasileiras comearam a se preocupar com a heterogeneidade cultural e tnica da populao que aqui vivia. Essas elites foram influenciadas pelas teorias racistas produzidas na Europa e nos Estados Unidos que estabeleciam uma suposta hierarquia entre as raas, com os povos negros na base da pirmide. Como ramos um pas onde predominava a populao negra, nossas elites, adeptas do pensamento mais moderno, as teorias racistas, preocupavam-se com as possibilidades do progresso do pas e, na opinio delas, havia no Brasil uma populao de pele muito escura e isso poderia dar mostras do nosso atraso. A soluo encontrada, ao final de anos de acalorados debates, era o branqueamento da populao brasileira. Esse branqueamento, na opinio de seus defensores, seria alcanado com a importao de migrantes europeus e a miscigenao destes com os nacionais. Sendo assim, nos primeiros anos do sculo XX, j estavam assentadas as bases no Brasil para o desenvolvimento de um imaginrio social que privilegiava a aparncia europeia e abominava tudo o que se referia nossa herana africana. Geraes e geraes de brasileiros foram formadas tendo como base esse iderio racista, muitas vezes apresentado como cincia. Infelizmente, as escolas de formao de professores tambm foram influenciadas por essas ideias e, em consequncia disso, geraes de professores tinham esse iderio como verdade absoluta, conferindo inferioridade aos seus alunos negros.

A histria oficial...

A histria oficial, que comeou a ser construda ainda no Imprio e transmitida pela escola, construa um imaginrio sobre o povo brasileiro em que o ideal do branqueamento encontrava-se suficientemente popularizado. Ao comporem a histria da nao, terminaram por estabelecer a ideia de uma hierarquia entre as raas: ao branco cabia representar o papel de civilizador, era responsabilidade dele aperfeioar o ndio; o negro era o responsvel pelo atraso, limitadas que eram suas possibilidades de progresso intelectual. Sendo o branqueamento a soluo e a ponte entre o passado heroico e as possibilidades futuras do pas. escola cabia garantir esses lugares sociais.Comeou-se a entender que a escola era o espao privilegiado para a realizao de rituais simblicos que construiriam e reafirmariam o pertencimento nao e o sentimento de nacionalidade. Da mesma maneira, no havia instituio melhor para conformar novos valores morais e hbitos de trabalho e de higiene relativos a uma sociedade que se pretendia moderna, urbana e industrial. Ademais, naquela poca, a escola era uma agncia social poderosa porque era o nico espao de difuso de ideias. Como sabemos, no existia nem rdio, nem televiso. Apesar de estar longe de ser universalizado o ensino - proeza que ficaria para o final do sculo XX - em 1920, o Brasil j tinha 54 mil professores nas escolas brasileiras. Essa longa reflexo nos permite pensar que a escola, espao habitado por educadores e estudantes, no se configura como um lugar comum, que pode ser ocupado igualmente por todos. Pelo contrrio, relendo a literatura produzida naquele perodo, pareceria que o negro estava presente nas anlises como ameaa ao progresso do pas, nunca como parceiro, muito menos como cidado brasileiro. Ao longo do sculo XX, apesar das inmeras lutas de movimentos negros; da existncia do Teatro Experimental do Negro, ainda nos anos de 1940; da Imprensa Negra nas primeiras dcadas do sculo XX; da luta interminvel de Abdias de Nascimento e muitos outros para garantir polticas educacionais para a populao negra; de socilogos como Oracy Nogueira e Florestan Fernandes desmascararem o mito da democracia racial e tambm de, no sculo XXI, a Lei 10.639/03 j ter completado dez anos de existncia, ainda h muito o que fazer para diminuir os ndices de desigualdade racial na educao. Para enfrentar tal desafio fundamental a participao ativa dos professores. Necessrio se faz que os educadores estejam sempre atentos a alguns dos constructos ideolgicos que impedem de ver como so produzidas as desigualdades raciais no Brasil. Um desses constructos a fbula das trs raas, mito fundador da nacionalidade brasileira, descrita por Roberto DaMatta, na obra Relativizando: uma introduo antropologia social (1981, 1. ed.). Essa fbula, como mito fundador da nossa nacionalidade, apresenta brancos, negros e indgenas de forma hierarquizada. Brancos inteligentes e valentes, no pice; indgenas, corajosos e descuidosos, em segundo lugar e, em ltimo, negros como dotados de fora fsica e pouca inteligncia. Essa fbula faz parte da vida de nossa sociedade e contada e recontada de infinitas maneiras, inclusive nas escolas. uma maneira de conferir a negros e ndios uma posio subalterna sem aparentemente insult-los. O permanente elogio a brancos europeus ou a tudo que se refere Europa e, em contrapartida, o esquecimento da frica e dos africanos ou o fato de apresent-los como se fossem atrasados, boais e negar sua contribuio para a construo do Brasil uma outra maneira de inferiorizar esse grupo.Hoje em dia, j temos suficientes estudos na rea da educao que demonstram as condies desiguais que so oferecidas nas escolas s crianas e jovens negros. Infelizmente, acontecem cotidianamente situaes hostis contra alunos negros nas escolas brasileiras. Essas condies e acontecimentos atuam permanentemente para o agravamento das diferenas de desempenho escolar desse segmento. Isso posto, o desafio atual, acreditamos, da educao bsica formar professores e gestores para agir numa escola que valorize as diferenas, dentre elas, que valorize e afirme a populao negra, recontando a histria, recriando e reinventando um currculo que seja plural. Por isso, a obrigatoriedade de incluso de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currculos da Educao Bsica, pois se trata de deciso poltica, com fortes repercusses pedaggicas, inclusive na formao de professores (DCNERE-R..., 2004, p. 10).

Incluso da literatura afro-brasileira como proposta de reinveno do currculo na educao bsica

Retomando os trabalhos do NEPRE feitos numa perspectiva de reorientao curricular voltada para profissionais que trabalham com a educao bsica, pensou-se, durante os anos de 2010 e 2011 sobre a necessidade de se discutir a aplicao da Literatura Afro-Brasileira nos currculos das escolas de educao bsica. A partir dessa viso, foi ento proposta a construo de uma sntese do que seria esta literatura e de como lev-la para sala de aula. Dessa reflexo, nasceu o fascculo Estratgias de combate ao racismo que, dentre outras discusses, apontava o estudo da literatura afro-brasileira e trazia estratgias para aplic-la em sala de aula. O ensino da histria e cultura afro-brasileira implantado nos termos da Lei n 10.639, de 9 de janeiro de 2003 umas das estratgias da meta 7 do Plano Nacional de Educao para o decnio 2011-2020. Passados dez anos, verificamos que ainda h muito para ser feito.Ausente dos livros didticos pela invisibilidade da populao negra garantida nos sculos de branqueamento da populao brasileira, os estudos sobre literatura afro-brasileira no so recentes. O professor Eduardo Assis, em 2011, organizou um conjunto de 4 volumes de Literatura e afrodescendncia no Brasil: antologia crtica, que mapeia a produo literria afro-brasileira desde o sculo XIX. Nesses volumes, encontramos a face afro da literatura brasileira e nela que nos baseamos para esta exposio e tambm de Assis que tomamos emprestado o conceito de que literatura afro-brasileira conceito em construo. Uma pergunta neste nterim se faz: mas quem produz a literatura afro-brasileira, tambm chamada de literatura negra? No so apenas escritores e escritoras negras, em conformidade mais uma vez com os estudos de Assis, mas todos aqueles escritores e escritoras que tematizaram a questo racial, trazendo luz as caractersticas culturais e identitrias do povo negro e africano.O papel da literatura mltiplo em qualquer nao, pois contm nos escritos literrios, a memria de um povo. Nesse sentido, ela aprofunda, supera e contribui para o conhecimento da vida de um povo e de suas tradies. E tudo isso junto forma a cultura de um povo que se manifesta nas artes, nas cincias, na vida social, enfim.Por conseguinte, pensamos, desse modo, que a literatura afro-brasileira viria a ser um caminho pedaggico para reinveno do currculo nas escolas de educao bsica e, nesse sentido, trazemos para este dilogo o poeta afro-brasileiro e professor Cti: nasce o interlocutor negro do texto cunhado pelo eu negro (2002, p. 23). Assim, essa literatura, que de luta e de resistncia, coloca o negro como protagonista de sua histria. O negro torna-se sujeito do narrar. Ele protagoniza sua narrativa, sua vivncia, sua cultura, seu dizer, isso tambm posto nas palavras do poeta negro catarinense, Cruz e Sousa, no texto Emparedado parte da obra Evocaes, publicada em 1898 que entoa vozes negras do sculo XIX, revelando-nos o que a histria oficial oculta: as teorias cientficas vigentes no sculo XIX imputavam ao negro desqualificaes. Estas vieram para os bancos escolares e as escolas, reprodutoras de desigualdades, trataram de solidificar. Se enfrentssemos esses esteretipos por meio da literatura afro-brasileira, trabalharamos em prol de um fazer antirracista? O NEPRE acredita nessa possibilidade e, por isso, ao longo dos anos tem trabalhado nessa perspectiva. Outros entraves, porm se apresentam quanto pensamos na formao dos professores com conhecimentos em literatura afro-brasileira e, ainda que no sejam objetos desta comunicao, podem ser referidos e apresentados como sugestes para futuras investigaes.Voltando o olhar para a educao de Mato Grosso, em relao prtica pedaggica, o Estado promulgou a Lei Estadual n. 5.573, de 6 de fevereiro de 1990, que Dispe sobre a obrigatoriedade do ensino das disciplinas de Histria, Geografia e Literatura de Mato Grosso, nas Escolas de 1 e 2 Graus, pblicas ou particulares, que funcionem no Estado e reza em seus artigos:Art. 1 Passa a ser obrigatrio o ensino da Histria, da Geografia e da Literatura de Mato Grosso nas Escolas Pblicas ou Particulares, de 1 e 2 Graus, que funcionem no Estado.[...]Art. 3 No 2 Grau a Histria, a Geografia e a Literatura de Mato Grosso constituiro objeto de uma cadeira autnoma, com programas especficos (grifos das autoras).

Apesar de a Legislao existir desde 1990 no se tem registros de seu cumprimento, o que nos permite afirmar que quando se fala em estudar literatura nas escolas de Mato Grosso, fala-se em continuar os estudos cannicos contidos nos livros didticos. Inexistiria estudos sobre a literatura produzida no Estado? Muitos so os estudiosos da literatura mato-grossense, alguns deles professores universitrios, dentre os quais podemos citar Agnaldo Rodrigues, estudioso do teatro mato-grossense, Isaac Ramos, pesquisador do Concretismo em Mato Grosso, Renata Rolon, estudiosa da literatura infanto-juvenil em Mato Grosso, Marli Walker, da literatura feminina em Mato Grosso. Ainda no h, no entanto, um levantamento sobre escritores e escritoras negras em Mato Grosso, o que no nos permite falar em literatura afro-mato-grossense. Agrava-se o quadro quando voltamos os olhos para os cursos de Letras, Histria, Artes, Geografia, e demais licenciaturas ofertadas nas IES, sejam privadas ou pblicas, poucos so os que tm disciplinas obrigatrias que se refiram aos estudos africanos, afro-brasileiros ou mesmo regionais[footnoteRef:5]. Por isso, a proposta de estudos sobre literatura afro-brasileira fica prejudicada, qui de escritores afro-mato-grossenses, considerando que no h estudos especficos nos cursos de graduao. Sentimos que somente a formao continuada no consegue dar conta do processo de reatualizao dos currculos da educao bsica no Estado que contemple os estudos de literatura afro-brasileira, o que justifica a importncia de se pensar sobre essa realidade, visibilizando-a. [5: UFMT: No curso de Licenciatura e Bacharelado em Geografia, a partir de 2012, consta a disciplina optativa Educao das Relaes tnico-raciais(http://www.geografia.ufmt.br/docs/PPP_LICENCIAT URA.pdf). No curso de Histria, consta a informao de que histria da frica um dos temas da formao, mas no se tem acesso matriz do curso (http://www.ufmt.br/ufmt/unidade/index.php/secao/ siteAlt/5997/5990/ICHS). No curso de Letras, no conseguimos acesso Matriz pelo Portal.UNEMAT: INSTRUO NORMATIVA N 002/2008/1 PROEG que orienta que Art. 3 Os cursos de licenciaturas e bacharelados devero incluir nas ementas de pelo menos uma das disciplinas constantes nas suas matrizes curriculares contedos voltados Educao das Relaes tnico-Raciais e ao Ensino de Histria, Cultura Afro-Brasileira e Africanas.]

A literatura afro-brasileira se mostra na proposta curricular

chegada a hora de indagar: ser que dado aos educadores conhecerem o currculo da escola onde trabalham? Ser que j observaram se nele constam, para todos os contedos, estudos que proponham uma educao antirracista? J verificaram se h proposta para trabalhar com a literatura afro-brasileira? J se levantou nos livros didticos de Lngua Portuguesa, de Histria, de Literatura, de Artes se neles contm textos literrios, imagens, charges com temticas positivas sobre a populao negra, indgena, amarela e branca numa mesma quantidade, ou algumas aparecem em maior quantidade? Quais aspectos e de qual cultura aparece com mais destaque? Essas perguntas so importantes para se pensar quais contedos poderiam ser inseridos nos currculos das escolas e que mostrassem a literatura afro-brasileira, ainda que apenas um recorte, considerando que no pequena a produo literria afro-brasileira como mostrado na antologia organizada por Duarte (2011), que mapeia 100 autores, desde precursores (sculo XIX) at a contemporaneidade. Retomando o conceito de literatura afro-brasileira, Bernd (1988, p. 96) afirma que ela se configura como uma forma privilegiada de autoconhecimento de reconstruo de uma imagem positiva do negro, o que mostra a importncia de lev-la para o contexto educacional, ainda que essa literatura no vigore no livro didtico. Quais seriam as temticas dessas escrituras que permitem que elas sejam denominadas de afro-brasileiras? Buscamos, mais uma vez, em Duarte (2008) a resposta, que diz ser as temticas de distintas ordens: 1) O resgate da histria do povo negro na dispora brasileira, passando pela denncia da escravido e de suas consequncias, ou ir at glorificao de heris como Zumbi e Ganga Zumba; 2) A denncia da escravido; 3) Os feitos gloriosos dos quilombolas, como, por exemplo, presentes tanto no Canto dos Palmares, de Solano Trindade (1961), quanto no Dionsio esfacelado (1984) de Domcio Proena Filho e ainda no gibi Quilombo, lanado pelo MEC[footnoteRef:6]; 4) As tradies culturais ou religiosas transplantadas para o Brasil, destacando a riqueza dos mitos, lendas e de todo um imaginrio circunscrito muitas vezes oralidade; 5) Outra vertente dessa diversidade temtica situa-se na histria contempornea e busca trazer ao leitor os dramas vividos pelos negros na modernidade brasileira; 6) A crtica ao preconceito e ao branqueamento, a marginalidade, a priso, e, ainda, de acordo com Sousa (2005), a literatura infanto-juvenil. [6: Este material encontra-se disponvel em: disponvel em http://diversidade.mec.gov.br/sdm/arquivos/gibi _quilombos.pdf.]

Por isso, podemos mergulhar em cada uma delas e encontrar um novo mundo cheio de perspectivas pedaggicas. Essas temticas podem tanto ser manifestadas em produes literrias de autores negros e no-negros. Autores vrios tm manifestado preocupao em divulgar estudos sobre a literatura afro-brasileira, o mais denso estudo feito hoje sobre o tema pertence ao grupo de pesquisa da UFMG Literafro[footnoteRef:7], coordenado por Duarte. Alm deste, h a publicao Cadernos Negros[footnoteRef:8] que, em 2008, completou 30 anos de existncia. [7: Este projeto de pesquisa, bem como artigos cientficos, relaes de autores e obras de literatura afro-brasileira podem ser acessados e so constantemente atualizados em http://www.letras.ufmg.br/liter afro/] [8: Podem ser acessados no stio http://www.quilombhoje.com.br/]

Em correspondncia Lei 10.639/03 inmeros so os projetos e estudos desenvolvidos e que podem ser aplicados nas escolas de educao bsica em todo o Brasil, todavia ainda preciso que professores sejam formados para essa realidade, que no nova, posto que a referida Lei e suas Diretrizes j completaram 10 anos e nessa direo que se inserem os estudos e pesquisas do NEPRE.

Sugestes de atividades didticas focalizando a literatura afro-brasileira

Apesar de transcorridos dez anos da aprovao da Lei 10.639/03, verificamos nos cursos de formao de professores, tanto de aperfeioamento como especializao, constantes reclamaes sobre a falta de material didtico para trabalhar com Educao Bsica numa vertente de valorizao da populao negra. Durante esses anos, pensamos, conjuntamente, em sugestes para prtica de atividades e, sinteticamente, exemplificamos alguns: 1. Lngua Portuguesa/Literatura: Visita biblioteca da escola, com o fito de levantar as obras de literatura infantil e infanto-juvenil, cujas temticas sejam referentes s histrias que contenham personagens negros e negras; 2. Histria do Brasil: visita biblioteca da escola para pesquisar personalidades negras, sejam ou no brasileiras, e construir um Compndio de Personalidades negras, essa atividade pode ser feita tambm no laboratrio de informtica e, alm de incentivar a pesquisa, estimula a escrita e a autoria; 3. Artes: personagens negras no cinema, no teatro, msica, pintura, artesanato. O professor pode tambm levantar peas teatrais, filmes, por exemplo, cujos protagonistas sejam negros e negras e ensai-las na sala de aula, buscando discutir os papis e contextualizando-os historicamente. Quais outras propostas didticas podemos pensar para a prtica em sala de aula, seja na educao bsica, seja nos demais espaos educacionais e at nos cursos superiores? H uma gama varivel de estratgias. Alm das citadas acima, contextualizamos tambm sobre o fato de se pensar a msica como expresso literria, tida como poderoso instrumento para se trabalhar em sala de aula, pois mexe com a imaginao. Quando falamos em msica, falamos de todos os ritmos, sejam eles a Msica Popular Brasileira, na qual temos grandes nomes de artistas negros como Milton Nascimento, Djavan, Gilberto Gil, Jamelo, Ivone Lara, Pixinguinha, Alcione, Chico Csar entre tantos outros. Falamos tambm de Emicida, Racionais MC, Criolo, Negra Li, Rappa, falamos de rap, funk, hip hop, ritmos que, no Brasil, esto diretamente ligados populao negra e pobre e, muitas vezes, discriminados por isso.Indo alm da msica, adentramos o cinema afro-brasileiro, fundamental para enriquecer nosso conhecimento sobre a cultura, religiosidade e arte africana e afro-brasileira. Um exemplo o filme Besouro (2009)[footnoteRef:9], que transita entre o mundo dos orixs ao ritmo da capoeira. dinmico e pode trazer para o universo da sala de aula discusso importante sobre os orixs e sua relao com a natureza e o universo das religies de matriz africana. [9: http://www.besouroofilme.com.br/]

Ainda tematizando sobre o cinema afro-brasileiro, o cineasta Jefferson De, em sua obra Dogma feijoada: o cinema negro brasileiro (2005[footnoteRef:10]), traz a historiografia do cinema negro brasileiro e roteiros que podem ser ensaiados e apresentados em sala de aula, como Distrada para a morte, em que, um dos personagens, em certo momento, dialoga com Carolina de Jesus. Mas quem Carolina de Jesus[footnoteRef:11]? [10: A obra completa pode ser baixada gratuitamente em http://livraria.imprensaoficial.com.br/media/ ebooks/12.0.813.132.pdf] [11: Em 2014, a escritora completa 100 anos. Ruth de Sousa, fala sobre a Carolina em: http://www.youtube.com/watch?v=mLkJy86VU84. Outras informaes podem ser buscadas em: http://www.palmares.gov.br/personalidades-negras-carolina-de-jesus/. Tambm h estudos de ps-graduao sobre a autora, como http://repositorio.unb.br/bitstream/10 482/9169/ 1/CAPIT ULO _Memori aAutobiografiaDiario.pdf. Carolina de Jesus tambm da nome Biblioteca do Museu Afro-Brasileiro de So Paulo http://www.museuafrobrasil.org.br/explore/biblioteca-carolina-maria-de-jesus.]

Portanto, so inmeros os desafios, pensamos, no entanto, apesar dos desafios, que a literatura afro-brasileira permite enfrentar a barreira do silncio e do apagamento da memria negra e contribui, sobretudo, e principalmente, para que se eduquem cidados negras e negros que se orgulhem de seu pertencimento e que, ainda, possam colaborar econmica e socialmente com o pas em nvel de igualdade com todos os outros.

Conseguiramos finalizar?

Entendemos que a arte possui um conceito fluido e sempre em construo, como tambm acontece com a literatura brasileira, regional e afro-brasileira, posto que ela no caminha numa nica direo, e sim em dilogo com outras linguagens em busca do encontro com sua prpria linguagem num trabalho de significao e tambm de ressignificao.Ao falarmos de literatura afro-brasileira, buscamos dizer que esta no uma discusso nova, todavia ao longo dos tempos tem sido deixada de lado, seja durante o longo tempo da escravido pelo qual passou o Brasil, seja por que a suposta democracia racial invisibilizou a populao negra e esta, de um modo ou de outro, faz jus a polticas pblicas para o combate das desigualdades. Por conseguinte, pensar a literatura afro-brasileira como componente curricular uma ao para ressignificar o papel de negros e negras na formao da cultura nacional e afirmar a identidade negra ao lado das demais identidades que tambm compuseram e compem a nao brasileira.Nessa tentativa de finalizar um estudo que talvez demore muito a se completar, buscamos pensar a literatura afro-brasileira, cujo papel quebrar esteretipos que se afiguram contra o negro. A partir dessas consideraes, pensamos que a literatura afro-brasileira pode sim ser um instrumento para nomear e reconhecer a efetiva participao da populao negra brasileira para a construo do pas, inclusive na educao e para alm dela. Para que as polticas pblicas de Estado, institucionais e pedaggicas, que visam reconhecer e valorizar a identidade, a cultura e a histria da populao africana e afro-brasileira possam ter sucesso dependem necessariamente de trabalho conjunto, de articulao entre processos educativos escolares e polticas pblicas, posto que as mudanas ticas, culturais, pedaggicas e comportamentais para as vivncias das relaes tnico-raciais no se limitam escola, e a literatura afro-brasileira apenas aponta mais um mais um caminho que no se trilha sozinho. Em face disso, o que se busca para a educao bsica pensar sobre a importncia de inserir nos projetos pedaggicos das escolas contedos referentes literatura afro-brasileira porque a compreendemos como importante instrumento para a construo de novas prticas educativas para uma educao antirracista.

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