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EDIÇÃO Nº 17 JANEIRO DE 2016 ARTIGO RECEBIDO ATÉ 30/11/2015 ARTIGO APROVADO ATÉ 30/12/2015
CONSIDERAÇÕES DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS EIXOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL II: ORALIDADE, ESCRITA, LEITURA E ANÁLISE LINGUÍSTICA
Sueder Souza1
UTFPR/CT
RESUMO: O cenário escolar começou a apresentar mudanças a partir de 1997 com a publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), cujos objetivos propõem um redimensionamento dos fundamentos teórico-
metodológicos para o ensino de língua materna, que passam a enfatizar a necessidade de se subsidiar as aulas em
uma concepção interacionista da linguagem (BAKHTIN, 1995). Assim, ao ensino-aprendizagem, passam a
interessar os usos linguísticos, ou seja, a língua viva, autêntica e dinâmica. Dessa forma, o presente artigo busca
expor um breve debate acerca dos quatro eixos de ensino, sendo eles: oralidade, escrita, leitura e análise
linguística, que regem as orientações dos PCNs do Ensino Fundamental II. Assim, objetivamos perpassar sobre o
que cada um visa e quais funções exercem no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Por fim, teceremos
reflexões acerca do ensino, de forma a refletir sobre a prática docente.
Palavras-Chave: Ensino de Língua Materna; Eixos de Ensino; Ensino Fundamental II.
ABSTRACT: The school scenario began to show changes from 1997 with the publication of the Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), whose objectives propose hum resizing of theoretical-methodological
fundamentals for teaching mother tongue and passing to emphasize the need to subsidize classes in a interactional
language design (BAKHTIN, 1995). So, the teaching and learning spend the interest in the linguistics uses, as a
living language, authentic and dynamic. Thus, the present article seeks to expose a debate soon about four teaching
axles, being then: orality, writing, reading and analysis linguistics, as the PCNs guidelines of Basic Education II.
So, we aim to pervade about witch one seen and which functions exert any teaching-learning Portuguese. Finally,
we will weave reflections about teaching, to reflect on the teaching practice.
Keywords: Mother Tongue Language Teaching; Teaching Axes; Fundamental Education II.
1 Discente do Curso de Letras Português - Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, Curitiba, Brasil.
Membro dos Grupos de Pesquisa em Estudos da Linguagem; Estudos do Som da Fala.; e Letramento, Prática Docente e
Tecnologia. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A aprendizagem é um processo longo e contínuo, que necessita de intensa mediação escolar, que se dá
através da mediação do professor. A questão é que, ainda hoje, o ensino de língua materna nos níveis Fundamental
e Médio, no nosso caso, em específico, o Ensino Fundamental II, apresenta dificuldades de formar sujeitos que
realmente internalizem os aspectos de oralidade, escrita, leitura e gramaticais/linguísticos – que na maioria da
vezes é visto além da fala, na produção textual –, aprendidos na escola, ou mesmo, expostos na escola.
Um dos motivos dessa dificuldade pode estar relacionado ao fato de que a escola permaneceu alheia a
um papel inovador, no que concerne a oralidade, escrita, leitura e, principalmente relação a gramática, pois
desenvolveu, por muito tempo, ‘‘um ensino de Língua Portuguesa diretamente associado ao trabalho com a
gramática tradicional metalinguística e conceitual da norma padrão’’ (SOUZA; GOMES, 2015, p. 2).
Para tanto, este artigo, primeiramente, apresentará as orientações dos PCNs do Ensino Fundamental II,
referente aos eixos de ensino e posteriormente, debateremos separadamente cada um dos eixos. Por fim, tecer
considerações acerca do ensino de Língua Portuguesa e de suas práticas.
FUNDAMENTAÇÃO DO ENSINO: AS ORIENTAÇÕES DOS PCNS
O cenário escolar começou a apresentar mudanças a partir de 1997 com a publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), cujos objetivos propõem um redimensionamento dos fundamentos teórico-
metodológicos para o ensino de língua materna, que passam a enfatizar a necessidade de se subsidiar as aulas em
uma concepção interacionista da linguagem (BAKHTIN, 1995).
Assim, ao ensino-aprendizagem, passam a interessar os usos linguísticos, ou seja, a língua viva,
autêntica e dinâmica.
Nesse sentido, os PCNs orientam:
Toda linguagem carrega dentro de si uma visao de mundo, prenha de significados e
significacoes que vao alem do seu aspecto formal. O estudo apenas do aspecto formal,
desconsiderando a inter-relacao contextual, semantica e gramatical propria da natureza
e funcao da linguagem, desvincula o aluno do carater intrasubjetivo, intersubjetivo e
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social da linguagem. [...] Destaca-se que a linguagem, na escola, passa a ser objeto de
reflexao e analise, permitindo ao aluno a superacao e/ou a transformacao dos
significados veiculados (BRASIL, 1998. pp. 6-8).
Ainda que:
Toda e qualquer analise gramatical, estilistica, textual deve considerar a dimensao
dialogica da linguagem como ponto de partida. O contexto, os interlocutores, generos
discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o dito/escrito, os
significados sociais, a funcao social, os valores e o ponto de vista determinam formas
de dizer/escrever. As paixoes escondidas nas palavras, as relacoes de autoridade, o
dialogismo entre textos e o dialogo fazem o cenario no qual a lingua assume o papel
principal (BRASIL, 1998. p. 21).
Essa citação está fundamentada em Bakhtin (1979), quando afirma que:
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estao relacionadas
com a utilizaçao da lingua. Nao e de surpreender que o carater e os modos dessa
utilização sejam tao variados como as proprias esferas da atividade humana [...]. O
enunciado reflete as condições especificas e as finalidades de cada uma dessas esferas,
nao so por seu conteudo tematico e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada
nos recursos da lingua - recursos lexicais, fraseologicos e gramaticais - mas tambem, e
sobretudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 1979, p. 179).
Dessa maneira, os PCNs estabeleceram, então, a oralidade, a escrita, a leitura e a análise linguística,
como os eixos de ensino, retirando a primazia de um ensino predominantemente gramatical.
Com isso, um dos objetivos das aulas de língua materna é promover o dominio da competência
gramatical alem dos limites escolares, ou seja, para a solução dos problemas da vida, para o acesso aos
conhecimentos e aos bens culturais e a participação plena no mundo letrado.
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PRÁTICAS DE ENSINO EM LÍNGUA PORTUGUESA
A prática de ensino de Língua Portuguesa merece destaque sob seus eixos de ensino, pois exerce
papel crucial no processo de ensino-aprendizagem e na formação do sujeito. Dessa maneira,
apresentaremos brevemente um pouco de cada eixo de ensino e seus desdobramentos à luz de alguns
pressupostos e do documento norteador, os PCNs.
Oralidade
Os motivos são compreensíveis. A ideia corrente de que não é o papel da escola ensinar o sujeito a falar,
a final aprendemos desde criança. A verdade se dá até certo ponto, uma vez que reduzir o ensino de oralidade, ou
até mesmo a oralidade em si, à fala coloquial do cotidiano, seja por meio de bate-papo, whatsapp, chat no
facebook, conversa do dia-a-dia etc., seria um equivoco.
O equivoco se da a medida em que na linguagem oral, encontra-se em diversos gêneros, tais como
entrevistas, debates, exposições, diálogos com autoridades etc., e, em relação a todos esses gêneros orais e outro
mais, o professor exerce papel importante.
Alguns estudiosos da linguagem, tais como Marcuschi (2001) e Neves (2004) e ainda, os próprios PCNs,
põem essa modalidade ao lado da modalidade escrita, ressaltando a importância desse estudo no desenvolvimento
da competência discursiva dos alunos.
A língua oral, em contraposição com a língua escrita, é uma questão de tradição social, historicamente
aceita e que, tornou-se sinônimo de conhecimento, devido a literatura e em segundo momento ao clássico,
acabando pelo desdobramento científico.
Tais questões, fizeram com que o ensino de língua oral fosse desvalorizada pela sociedade. A questão é
que a língua oral é parte da cultura, inclusive a cultura também se molda por meio dela, ou seja, por meio do uso
da língua percebemos características não só linguísticas, mas socio-culturais de um determinado falante ou grupo
deles. A língua reflete visão de mundo, ideologia, atitude, crenças etc.
Devido a supervalorização da escrita, a língua oral abre espaço ao erro, segundo aponta Fávero (2001).
Assim, pensando no ambiente escolar, tal postura desencadeou uma visão dicotômica entre a fala e a escrita que,
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segundo Marcuschi (2001), não devemos analisar as questões entre língua oral e escrita em cima de uma
perspectiva dicotômica, pelo fato de estarmos assim atribuindo à escrita um caráter explícito, elaborado e
planejado, justamente ao contrário do que caracteriza à modalidade oral.
Assim, a oralidade se intensificou a partir de 1997 com as propostas dos PCNs onde as habilidades orais
de comunicação em aulas de língua materna focam na competência comunicativa do falante, a fim de que os
sujeitos possam perceber os diferentes efeitos de sentidos e as diferentes adequações da língua às situações
comunicativas reais.
Embora a proposta pedagógica da escola ainda esteja centrada na concepção de língua normativa,
reconhecemos o empenho da escola em cumprir seu papel e fazer melhorias no ensino.
Escrita
No atual panorama educacional, o texto assume um papel de destaque, ja que se configura como
objeto de ensino-aprendizagem da lingua materna. Essa delimitacao deu-se pelas caracteristicas
constitutivas dos textos, os quais sao gerados em elos interativos entre sujeitos e manifestam-se pela
oralidade e pela escrita. Pelo texto oral, os individuos atuam e agem constantemente no dia a dia.
Marcuschi (2001) ressalta a relevancia da cultura humana oral, destacando a oralidade como uma
expressiva atividade comunicativa, pois, a partir dela, o individuo inicia a racionalizacao do mundo e
forma a sua identidade social, grupal e regional.
A escrita, em um momento posterior do desenvolvimento cognitivo, alia-se a fala nessa
formacao de identidade, que se da, segundo a teoria sociointeracionista, a partir da interacao do sujeito
com o seu momento sociocultural, usando instrumentos que transformam tanto o seu meio quanto a si
proprio (MARCUSCHI, 2001, p. 36).
Na atualidade, a escrita apresenta uma inquestionavel participacao nas esferas sociais, uma vez
que
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[...] se tornou um bem social indispensavel para enfrentar o dia-a-dia, seja nos centros
urbanos ou na zona rural (...) nao por virtudes que lhe sao imanentes, mas pela forma
como se impos e a violencia com que penetrou nas sociedades modernas e impregnou
as culturas de um modo geral (MARCUSCHI, 2001, pp. 16-17).
Cabe a escola, portanto, a tarefa de contribuir para o desenvolvimento das habilidades textuais
orais e, em especial, escritas dos alunos. Esse processo, segundo os documentos norteadores de ensino,
‘‘deve ser inter-relacionado pelas praticas de analise linguistica, as quais devem possibilitar reflexoes
que proporcionem a ampliacao textual-discursiva dos sujeitos’’ (SOUZA; GOMES, 2015, p. 07).
Assim, partimos da premissa de que texto é discurso, assim, sendo discurso, é criação, história, produto
social e meio pelos quais os sujeitos se expressam frente as estruturas sociais. Indo ao encontro desse
posicionamento de conceito de texto, dialogamos também com Wachowicz (2010) que afirma que é
[...] imperioso dizer que texto é discurso. Ele não pode ser visto apenas como uma
estrutura que fale por si, como nas tradições estruturalistas de tratamento textual, nem
tampouco como uma espécie de módulo conceitual latente na mente dos falantes, como
defendem as concepções cognitivistas. Muito provavelmente, texto também é tudo isso
(WACHOWICZ, 2010, p. 22, grifo do autor).
O trabalho com o eixo da escrita contribui para que o indivíduo se insira em uma sociedade letrada de
forma com que a estreita ligação entre escola e sociedade seja algo reconhecido e efetivo e que reflita na sociedade.
Também, para o desenvolvimento das propostas de produção de texto, temos arcabouço nos
procedimentos da sequência didática (DOLZ; NOVERRAZ & SCHNEUWLY, 2004), exposta aqui em forma
gráfica:
Figura 1 – Sequência Didática.
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Fonte:
DOLZ,
NOVERRAZ
e
SCHEUWLY, 2004, p. 64
Ainda, o esquema abaixo, de Borghi, Calvo e Freitas (2010), traz uma interessante análise e explicação
da sequência didática de Dolz, Noverraz e Scheuwly (2004), que ratifica o que aqui se argumenta:
Figura 2 - Esquema do Procedimento de Sequência Didática
Fonte: Borghi, Calvo e
Freitas (2010, p. 8).
Com esse esquema, é possível
verificar a relevância do caráter
modular da proposta, que é
capaz de proporcionar etapas
de desenvolvimento de habilidades
necessárias à produção o gênero-alvo.
O trabalho de forma de forma isolada com o aluno é um caminho que nunca deve ser seguido. Esse
caminho dificulta a integração de novas aprendizagem em relação à escrita. Dessa forma, como proposto por Dolz,
Noverraz e Schneuwly (2004), a sequência didática tem caráter integrador em relação à aprendizagem e a
produção textual dos alunos, de forma que as fases a serem seguidas devam ser integradas, ou seja, façam parte
de um todo e não separadamente.
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Leitura
A ampliação e percepção do mundo se dá através do caminho da leitura, ou seja, quanto mais o sujeito
lê, mais ele está integrado com o seu meio e, automaticamente, com o meio de outros. A leitura se dá de diversas
maneiras e, é uma necessidade cada vez mais latente nesse mundo globalizado em que vivemos. A questão é que,
para tal façanha, é necessário que o sujeito seja orientado para a leitura.
A noção de decodificação de código não pode ser objetivo da escola, uma vez que estão desenvolvendo
sujeitos críticos para atuar em sociedade. Do mesmo modo, não cabe apenas a escola esse trabalho, deveria ‘‘vir
de casa’’.
Análise Linguística
As aulas de língua materna entram em embate ao que concerne o ensino tradicional e um ensino que
privilegie a Análise Linguística (AL), de acordo com as novas perspectivas dos avanços teóricos-metodologicos
que a linguística aprimorou, e aprimora, com o passar do tempo, e que se aplica ao ensino.
Dessa forma, as escolas estão (re)pensando de maneira mais atenta e diferenciada, cuidando para que a
estrutura de conteúdos, seja espaço também para a reflexão desses conteúdos, seja nos aspectos orais, gramaticais,
literários, de produção de textual etc.
Ainda, de acordo com as orientações dos PCNs, a produção de sentido deve estar articulada, a questão
é que muitas dessas propostas, ainda que bem intencionadas, não obtém êxito e acabam caindo na boa e velha
perspectiva normativa e prescritiva.
De modo a situar acerca das diferenças entre o ensino de gramática e o de AL, Mendonça (2006)
organizou um quadro esclarecedor das duas práticas:
Quadro 1: Diferenças entre Ensino de Gramática e Análise Linguística
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Ensino de Gramática Prática de Análise Linguística
Concepção de língua como sistema, estrutura
inflexível e invariável.
Concepção de língua como ação interlocutiva
situada, sujeita às interferências dos falantes.
Fragmentação entre os eixos de ensino: as
aulas de gramática não se relacionam
necessariamente com as de leitura e de
produção textual.
Integração entre os eixos de ensino: a AL e
ferramenta para a leitura e a produção de textos.
Metodologia transmissiva, baseada na
exposição dedutiva (do geral para o particular,
isto e, das regras para o exemplo) +
treinamento.
Metodologia reflexiva, baseada na indução
(observação dos casos particulares para a
conclusão das regularidades/regras).
Privilégio das habilidades metalinguísticas. Trabalho paralelo com habilidades
metalinguísticas e epilinguisticas.
Ênfase nos conteúdos gramaticais como
objetos de ensino, abordando isoladamente e
em sequência mais ou menos fixa.
Ênfase nos usos como objetos de ensino
(habilidades de leitura e escrita), que remetem a
vários outros objetos de ensino (estruturais,
textuais, discursivos, normativos), apresentados e
retomados sempre que necessário.
Centralidade na norma padrão. Centralidade dos efeitos de sentido.
Ausência de relação com as especificidades
dos gêneros, uma vez que a análise e mais de
cunho estrutural e, quando normativa,
desconsidera o funcionamento desses gêneros
nos contextos de interação verbal.
Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida
em que contempla justa- mente a intersecção das
condições de produção dos textos e as escolhas
linguísticas.
Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o
período. Unidade privilegiada: o texto.
Preferência pelos exercícios estruturais, de
identificação e classificação de
unidades/funções morfossintáticas e correção.
Preferência por questões abertas e atividades de
pesquisa, que exigem comparação e reflexão
sobre adequação e efeitos de sentido.
Fonte: Mendonça (2006, p. 207).
Essa comparação explicita e didatiza as principais diferenças entre as duas propostas de ensino
da língua. Dentre elas, três diferenças merecem destaque aqui, pois sintetizam os pontos relevantes de
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diferenciação entre a AL e o ensino de gramática: a concepção de língua, a unidade de ensino privilegiada
e as habilidades envolvidas.
O modo de compreender gramática e ensiná-la depende da concepção que se tem por língua. Como
aponta Antunes (2009), ao ter como concepção de língua “um sistema abstrato, virtual apenas, despregado dos
contextos de uso, sem pés e sem face, sem vida e sem alma, ‘inodora, insípida e incolor’, os resultados não serão
satisfatórios’’ (ANTUNES, 2009, p. 34). Dessa forma, ocorrerá “o declínio da fluência verbal, da compreensão e
da elaboração de textos mais complexos e formais, da capacidade de leitura da linguagem simbólica, entre muitas
outras perdas e reduções.” (ANTUNES, 2009, p. 34).
Nesse sentido,
[...] os documentos oficiais, ao indicarem os eixos de ensino, propõem, inicialmente, a
concepção de língua por eles assumida: a interacionista Compreendida em sua função
interacional, é possível verificar que a língua, para o desempenho das interações sociais,
organiza-se em gêneros relativamente estáveis (BAKHTIN, 1992) e materializa-se em
textos orais e escritos. Somente essa concepção de língua pode embasar um ensino de
base reflexiva e o abandono de práticas mecânicas e artificiais (SOUZA; GOMES, 2015,
p. 12).
Daí decorre a unidade de ensino assumida por cada uma das práticas. Enquanto a gramática tradicional
assume, no limite de suas funções, como objeto de análise, a oração, a AL privilegia o texto, entendido como
enunciado. O enunciado é visto como uma unidade real de comunicação discursiva o que permite a compreensão
da natureza linguística.
Conforme Bakhtin (2006, p. 274), o discurso só pode existir de fato em forma de enunciações concretas
de determinados sujeitos. Desse modo, ao se tomar o enunciado como objeto da AL, toma-se o enunciado
enquanto uma unidade real. Este atua como um elemento da comunicação discursiva ao passo que a oração é
apenas unidade de língua, que não leva em conta alternância dos sujeitos do discurso, fator principal que os
diferencia.
É com base em tais pressupostos que a prática de AL leva a reflexão, pois a intenção discursiva do sujeito
determina o todo do enunciado, revertendo toda essa intenção, adaptando-a e aplicando-a em um determinado
gênero. A reflexão linguística é a atividade epilinguística a que o quadro se refere.
Assim, entende-se por epilinguístico
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[...] a prática reflexiva em relação ao texto escrito e/ou lido e de suas operações sobre
ele, de forma a explorá-lo em suas diversas possibilidade de realizações. Ou seja, a
atividade epilinguística diferencia-se da linguística, que consiste, essencialmente, no
próprio ato de ler e escrever, e também distingue-se da metalinguística, que supõe a
própria capacidade de descrever e falar sobre a linguagem como objeto de estudo. Neste
ponto reside a diferença apontada no quadro de Mendonça (2006), ou seja, a gramática
tradicional foca na metalinguagem apenas, enquanto a AL requer habilidades
epilinguísticas (SOUZA; GOMES, 2015, p. 13).
Verifica-se, portanto, que o foco adotado pela AL é a reflexão, de forma a sugerir que os sujeitos
analisem os fenômenos e os elementos linguísticos, bem como as estratégias discursivas - com o foco no uso da
linguagem - além de propor o desenvolvimento de competências de produção e interpretação de textos.
Considerações
Com relação a leitura e escrita, já estamos cientes de que devemos privilegiar uma prática de produção
contextualizada em diferentes gêneros discursivos. A dúvida que permeia é no ensino gramatical e oral, em que o
foco na reflexão e no uso, gera uma problemática.
Através de uma proposta focada no uso e na reflexão é que as atividades dos eixos de ensino devem se
inserir. Essas abordagens não precisam ser trabalhadas de forma separada, mas sim podem e devem ser abordadas
de forma integrada.
Como é o caso da gramática que dá lugar agora a análise linguística e, em que os PCNs de Lingua
Portuguesa de Ensino Fundamental II (1998) afirmam, sem maiores detalhes, que toda analise gramatical deve
considerar o texto como base.
De acordo com esse cenário, outras questões devem ser pensadas no ensino, pois devem ser atualizadas
com o desenvolver e com as mudança da sociedade, como por exemplo, os estudos de letramento, os novos
letramentos, que exercem um papel na mudança de conduta e de valores os quais a sociedade necessita saber lidar
e ainda, aprender, adaptar, readaptar, se portar, ensinar etc., ou seja, o sujeito necessita alterar-se junto ao processo
de ensino-aprendizagem dentro da escola, da Universidade, do cursinho e de qualquer outra esfera social cotidiana.
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Assim, rumo aos novos letramentos, segundo Barton (1998, p. 09), existem diversos tipos de letramentos
que ocorrem simultaneamente, ou seja, o letramento digital seria um desses tipos de letramento, pois ele não seria
o mesmo em todos os contextos. Assim, há diferentes letramentos que acarretam diversos sentidos justamente por
serem situados na história e acompanhar as mudanças de cada contexto tecnológico.
A questão também é como ocorre essa mudança, por muitos, vista com certo receio, as formas de
comunicação são outras, mas pensando em formas de comunicação e as relações entre os sujeitos em um contexto,
por exemplo, uma forma de enunciação de linguagem de negócios, baseada em um dialeto inglês, existe uma
unidade orgânica que não pode ser desfeita, por isso se assemelha as formas da enunciação em uma classificação
de formas da comunicação verbal (BAKHTIN, 1995[1929], p. 43), ou seja, se pensarmos em gêneros discursivos,
que incorporam novas formas de letramento, podemos identificar os gêneros digitais e o trabalho com as questões
enunciativo-discursivas de Bakhtin (1995 [1929]).
Dessa maneira, as práticas devem ser adaptadas e repesadas para o ensino, pois como citamos o exemplo
no inicio deste trabalho, a escola ficou muitos anos em cima de uma gramática tradicional e, atualmente, não
podemos agora ficar anos ignorando a tecnologia, por exemplo, que se trata de uma situação emergente também
no ensino-aprendizagem.
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