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COMPETÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Alexandre Lima Raslan
Promotor de Justiça. Mestrando em Direitos das Relações Sociais:
Direitos Difusos. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP
Sumário: 1. Introdução – 2. Jurisdição: 2.1. Antecedente histórico; 2.2. Noções gerais e conceitos; 2.3. Características básicas e princípios; 2.4. Espécies; 2.5. Limites; 3. Competência: 3.1. Conceito; 3.2. Competência de jurisdição; 3.3. Critérios de determinação; 3.4. Absoluta e relativa; 3.5. Perpetuação da jurisdição; 3.6. Conexão, continência, prevenção e prorrogação; 3.7. Plena e privativa; 3.8. Comum, exclusiva e concorrente; 3.9. Originária e recursal; 4. A tutela coletiva; 5. Competência na ação civil pública: 5.1. As regras do art. 2º da LACP e do art. 109, I, da CF; 5.2. A regra do art. 93 do CDC: 5.2.1. A posição de Ada Pellegrini Grinover; 5.2.2. A posição de Rizzatto Nunes; 5.2.3. A posição de Hugo Nigro Mazzilli; 5.3. O art. 16 da LACP e o art. 93 do CDC: um caso concreto e sua crítica: 5.3.1. A filosofia da jurisdição coletiva; 5.3.2 Coisa julgada e os interesses transindividuais; 5.3.3. O caso concreto: Recurso Especial n. 838.978; 6. Conclusão.
Resumo: A ação civil pública e as demais ações coletivas devem merecer tratamento e atenção compatíveis com a filosofia que guia a tutela dos interesses transindividuais e os individuais homogêneos, sem sofrer qualquer restrição não imposta à tutela individual. A competência para o processo e julgamento dessas ações, bem como a coisa julgada advinda, deve se conformar com os princípios e objetivos da chamada tutela coletiva, quais sejam, a máxima eficiência e proteção dos respectivos interesses com o menor esforço jurisdicional ou processual, sob pena de se tornar írrita sua utilização. O presente trabalho busca trazer uma visão geral da jurisdição e competência, desde os seus conceitos básicos até aqueles próprios das ações civis públicas.
Palavras-chave: Jurisdição – Competência - Ação civil pública
1
1. Introdução
A modificação no modo de formação, desenvolvimento e
extinção das relações intersubjetivas vem experimentando, desde a
Revolução Industrial, um amadurecimento lento e gradual que tende a
um aperfeiçoamento de igual progressão, contudo, sempre infenso a
retrocessos provocados por resistência de determinadas classes
detentoras dos meios de produção ou do capital financeiro, sem prejuízo
da motivação política do próprio Estado em se ver isentado ou
desobrigado de atender às demandas sociais que emergem da
sociedade de massa. Para tanto, ao mesmo passo em que a sociedade
necessita de instrumentos de conquista e manutenção de direitos e
garantias, todos tendentes ao suprimento de necessidades básicas
(saúde, educação, meio ambiente sadio, segurança, proteção nas
relações de consumo etc.), tanto o Estado quanto aos demais obrigados
ao atendimento desses anseios constitucionais insistem em resistir das
mais diversas formas, seja pela resistência à obediência a esses direitos
ou mesmo com a tentativa de torná-los de difícil ou impossível
apropriação e gozo coletivos.
Uma dessas formas é, sem dúvida, a restrição ao exercício da
jurisdição, mas propriamente aos efeitos dos atos jurisdicionais, tais
como as decisões e as sentenças de mérito, que enfrentam a indevida
limitação territorial dos seus efeitos como se isso fosse compatível com o
ideário da tutela coletiva. Anote-se, por ser oportuno, quem nem mesmo
na tutela de direitos individuais essas restrições incidem. Para a
dissecação desse tema, desde suas raízes históricas imemoriais até a
atualidade, passando pelos mais relevantes conceitos básicos da tutela
individual e da tutela coletiva, busca-se demonstrar que o tratamento da
competência na ação civil pública não pode ser compreendido da mesma
forma das ações individuais, sob pena do aviltamento de outros temas
relacionados com a defesa dos interesses difusos, coletivos stricto sensu
2
e individuais homogêneos, a exemplo dos limites subjetivos da coisa
julgada.
2. Jurisdição
2.1. Antecedente histórico
O momento em que o homem passa a conviver com seus
semelhantes marca o surgimento de conflitos gerados pelo contato social
que, invariavelmente, produz atritos de toda ordem e intensidade, ainda
que restritos a uma unidade familiar. Naqueles tempos imemoriais, que
antecederam o cristianismo, as cidades eram embrionárias, a religião era
a lei e o sacerdote o julgador e executor das decisões, conforme legou o
historiador francês FUSTEL DE COULANGES.1
Nessa unidade familiar a solução dos conflitos era monopólio e
exclusividade do pai ou chefe da família, que concentrava as funções de
sacerdote e julgador. Para o exercício desses poderes eram invocadas
divindades domésticas (antepassados da família), tanto para manter a
família sob uma mesma regra ou lei (religião doméstica) quanto para
decidir acerca de eventuais desentendimentos havidos entre seus
integrantes (pai, mãe, filhos e escravos), cujas sanções poderiam chegar
até a morte, precedidas de procedimento de cunho religioso.
O surgimento das cidades pode ser sinteticamente explicado
como resultado inicial do aumento de uma mesma família e da união de
famílias diversas (clãs e tribos), cada qual conservando intacta a sua
religião doméstica em sua inteireza (lei, julgador etc.) de forma
hermética.
1 A Cidade Antiga. São Paulo : Martins Fontes, 2000, p. 85.
3
Para possibilitar a vida em conjunto de famílias diversas, todas
mantiveram suas religiões (leis) e a centralização das funções de
sacerdote e juiz na figura do respectivo pai. A figura do julgador e o
exercício de suas funções sempre foram essenciais para a convivência
intersubjetiva, ora buscando fundamento na religião ora na
racionalização das funções estatais, como atualmente.
O Estado absoluto, onde a figura do Rei era o fundamento da
Justiça, como valor ou instituição, perdurou como modelo predominante
até a Revolução Francesa, em 1789, quando a burguesia, ávida pelo
poder, confrontou a nobreza (primeiro Estado) e o clero (segundo
Estado), rompendo definitivamente com aquela tradição primitiva da
concentração de funções (sacerdote e julgador).
Surge, assim, o Estado liberal, fundado na liberdade individual,
protegida pela abstenção estatal em face das liberdades individuais e da
propriedade privada, bem como na separação tripartida das funções de
poder do Estado. Formata-se, então, o cenário composto por Executivo,
Legislativo e Judiciário, a exemplo do que se tem hoje, na clássica lição
de PAULO BONAVIDES.2
Ainda que se conserve na atualidade essa tripartição de
funções, o Estado liberal não tem mais adequação suficiente para
atender aos anseios humanos hodiernos, tanto que, depois do período
compreendido entre a Revolução Industrial e o fim da Segunda Guerra
Mundial, a coletividade não mais se satisfaz somente com a liberdade
individual e a abstenção estatal. Desde então, passou-se a exigir uma
atuação positiva do Estado em favor das necessidades da sociedade de
massa (direitos do trabalhador, da família, defesa do consumidor, meio
ambiente, saúde, educação, segurança etc.).
2 Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 202-
204.
4
Emerge como resultado dessas exigências o Estado social,
fundado na pró-atividade do Estado soberano, voltado para o
atendimento de necessidades da sociedade, sem se descurar das
liberdades individuais. De outra parte, impõe-se ao aparelho estatal a
obrigação de promover o bem de todos, espontânea ou coercitivamente,
inclusive por meio de provimento jurisdicional.
Pode se concluir, com base nessa transformação de
pensamento, que o Estado, essencialmente uno, integrado por órgãos
que exercem as respectivas funções, a exemplo da jurisdição, não pode
descurar da necessária adequação para atuar conforme a doutrina do
Estado social (não confundir com socialismo), cuja Constituição Federal
de 1988 inaugurou nessas plagas e que ainda se aperfeiçoa arduamente.
Essa atuação, especificamente no que tange à atividade
jurisdicional, não pode pretender promover a pacificação dos conflitos
atendendo exclusivamente as liberdades individuais ou garantindo
aquela vetusta abstenção estatal, sem se falar na propriedade privada
(art. 5º, XII, da CF) dissociada da sua função social (Art. 5º, XIII, art. 170,
II e III, e art. 182, § 2º, da CF) e ambiental (Art. 170, VI, e art. 225, § 1º,
incs. IV, V, VII, §§ 2º e 3º, da CF).
Exige-se hoje, como nunca antes, que haja intensa prevenção
de conflitos e eficaz pacificação dos existentes, combinando acesso à
Justiça e instrumentos extrajudiciais e judiciais verdadeiramente hábeis
para a obtenção da decisão acerca da pretensão e sua respectiva
execução, sem prejuízo de que isso deva acontecer em prazo razoável
(Art. 5º, LXXVIII, da CF).
5
Nesse passo, a Constituição Federal mantém e reafirma a
tradição histórica, social e constitucional de Pindorama,3 reservando ao
Estado brasileiro, ente detentor de “poder unitário”, a absoluta
exclusividade no encargo de pacificar conflitos, individuais ou não, por
meio do exercício da capacidade “de decidir imperativamente e impor
decisões”, nos termos do art. 5º, inc. XXXV, revelador do princípio da
ubiqüidade ou da universalidade da jurisdição, como ensinam ANTÔNIO
CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI GRINOVER e
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO.4
2.2. Noções gerais e conceitos
A resposta ao direito subjetivo de ação, exercitado quando se
pede ao Estado que produza justiça visando pôr fim a determinado
conflito de interesses, está reservada à atividade jurisdicional em
verdadeiro monopólio consubstanciado no dever de responder à
provocação, o que se faz mediante o devido processo legal.
Essa exclusividade, reservada ao Estado para a solução de
controvérsias, visa evitar que os interessados busquem a satisfação de
seus interesses pessoais por meio da autotutela, notadamente em razão
da arbitrariedade e da violência que costumam animar essas disputas
clandestinas, sem se falar na insegurança social que esses episódios
provocam.
Essa é a jurisdição, uma das expressões da soberania do
Estado, sendo exercida em nome do povo (Art. 1º, parágrafo único, e art.
2º, da CF) e pelo Poder Judiciário (Art. 5º, LIII, e art. 92, da CF) por
intermédio de juízes (Art. 1º do CPC).
3 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Objetiva, 2001, p. 2214: nome que os ando-peruanos e populações indígenas pampianas dão ao Brasil; do tupi pindó-rama ou pindó-retama “a região ou o país das palmeiras”.
4 Teoria Geral do Processo. 20 ed. São Paulo : Malheiros. 2004, p. 24.
6
Assim, a jurisdição pode ser entendida como sendo “ao mesmo
tempo, poder, função e atividade. Como poder, é a manifestação do
poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente
e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos
estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante
a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela
é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e
cumprindo a função que a lei lhe compete”, segundo RODOLFO DE
CAMARGO MANCUSO.5
Com mais concisão, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO traz
definição de jurisdição como sendo “a atividade pública e exclusiva com
a qual o Estado substitui a atividade das pessoas interessadas e propicia
a pacificação de pessoas ou grupos em conflito, mediante a atuação da
vontade do direito em casos concretos. Ele o faz revelando essa vontade
concreta mediante uma declaração (processo de conhecimento), ou
promovendo com meios práticos os resultados por ela apontados
(execução forçada). A jurisdição é, pois, manifestação do poder estatal”.6
Segundo ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, que faz compilação
de alguns posicionamentos doutrinários acerca da jurisdição, anota que
para CHIOVENDA trata-se de atividade de “substituição” da atuação
privada pela estatal, no que é acompanhado por ARRUDA ALVIM. Para
CARNELUTTI, a atividade jurisdicional é um meio que o Estado detém
para a composição da lide, nos termos da lei, naqueles casos que sejam
5 Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores.
9 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 79-80. 6 Fundamentos do Direito Processual Civil Moderno. 3 ed. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 115-
116.
7
a ele submetidos, sendo seguido por GALENO LACERDA, ARAKEN DE
ASSIS e FREDERICO MARQUES. 7
Por fim, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO propõe dois conceitos
para jurisdição, sendo um “a atividade pela qual o Estado, com eficácia
vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito em
concreto”. Aqui, a vinculação plena viria com a coisa julgada, impondo-se
definitivamente às partes e seus sucessores de modo perene. Em outra
definição, esse autor entende ser possível conceituar a jurisdição como
“o poder (e o dever) de declarar a lei que incidiu e aplicá-la, coativa e
contenciosamente, aos casos concretos”. 8
Quanto à “declaração”, afirma que não se deve entender tal
aspecto como a mera declaração, sendo que quando disso se tratar não
se estará diante de atividade jurisdicional. Por “aplicação”, deve-se
entender aquela imposta pelo Poder Judiciário, uma vez que as partes
podem aplicar a lei – e o fazem – diariamente de forma espontânea sem
que isso se constitua como ato de jurisdição. No que concerne à
“coatividade” e à “contenciosidade”, a própria administração pública,
respectivamente, impõe suas decisões e aplica sanções, que não se
concretizam como atos jurisdicionais.
Enfim, o que distingue os atos de julgamento dos indivíduos ou
da própria administração pública daqueles exarados pelo Poder
Judiciário é que o ato jurisdicional tem a finalidade de eliminar um conflito
de interesses de forma definitiva, animado por imparcialidade e com
outorga em favor do órgão judiciário de investidura da função estatal de
distribuir a “justiça”, do qual não se pode subtrair a apreciação de
ameaça ou lesão a direito (Art. 5º, XXXV, da CF).
7 Jurisdição e Competência. 14 ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 5. 8 Ob. cit., p. 6.
8
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em didáticas
passagens, assentam que a jurisdição é “uma das funções do Estado,
mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito
para, imparcialmente, buscar a pacificação dos conflitos que os envolve,
com justiça”, sendo que se trata da “única atividade admitida pela lei
quando surge o conflito”. Finalizam esses autores dizendo que, além da
atividade substitutiva, o Estado visa “garantir que as normas de direito
substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzam
aos resultados enunciados”, ou seja, que o escopo jurídico da jurisdição
é a atuação (cumprimento, realização) das normas de direito substancial
(direito objetivo), tanto por meio da imposição de preceito (cognição)
quanto na modificação no mundo fenomênico (execução).9
ARRUDA ALVIM, em poucas palavras, conceitua jurisdição
como sendo atividade de “índole substitutiva” e que se “destina a
solucionar um conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao
Estado-juiz, sob a forma e na medida da lide”, cabendo ser afirmado, por
meio de decisão ou sentença, “a existência de uma vontade concreta da
lei, favoravelmente àquela parte que seja merecedora da proteção
jurídica”.10
Sinteticamente, portanto: a jurisdição, exercida por juízes
investidos de parcela da função do Poder estatal, substitui as partes em
conflito na valoração fática e jurídica dos aspectos da controvérsia, no
ambiente do devido processo legal, visando, além de pacificar a
sociedade naquele exato momento, tornar imutável a decisão para que
se encerre definitivamente a disputa, sem prejuízo de evitar que haja
9 Ob. cit., p. 145-147. 10 Manual de Direito Processual Civil. 10 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p. 172-
173.
9
repetição da mesma pendenga ou se evitando que conflitos da mesma
natureza se multipliquem e tenham decisões paradoxais.
2.3. Características básicas e princípios da jurisdição
A jurisdição caracteriza-se pela necessidade de ser provocada
para que possa atuar, não podendo haver jurisdição sem ação (Nemo
judex sine actore). Isso significa que os juízes não podem, em regra,11
provocar a jurisdição e resolverem o conflito por eles trazido (Ne
procedat judex ex officio), mas, sim, devem aguardar que as partes
interessadas na solução busquem o Poder Judiciário, provocando-o para
que elimine a pendenga de forma definitiva (Art. 2º, e art. 262, do CPC).
É o princípio da inércia da jurisdição.
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao comentarem esse
princípio, afirmam que “os órgãos jurisdicionais são, por sua índole,
inertes”, cabendo aos interessados provocar a atividade estatal, pois, do
contrário, seriam instaurados conflitos desnecessários e não julgados
úteis pelas partes. Por fim, entendem que o exercício da jurisdição
somente deve ser provocado depois que outros meios de tutela tenha
sido infrutíferos (conciliação endo e extraprocessual, autocomposição e,
excepcionalmente, a autotutela).12
A jurisdição também deve ser reconhecida como uma atuação
pública, ou seja, um monopólio estatal outorgado ao Poder Judiciário,
devendo sempre ser exercida por um órgão a ele pertencente, por meio
de seus representantes, os juízes, regularmente investidos na autoridade
de exercer essa função primordial do Estado. Aqui, reafirma-se a
proibição de que o cidadão possa exercer a autotutela, a defesa privada
11 Art. 61 e art. 73 da Lei de Recuperação de Empresas; art. 797 e art. 989, do CPC. 12 Ob. cit., p. 148-149.
10
de interesses incontroversos, sob pena de cometimento do crime de
exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, do CP), sem prejuízo de
qualquer outro. Trata-se do princípio da investidura.
Como anteriormente dito, a jurisdição é uma substituição, ou
seja, se alguém se nega a afirmar ou a realizar determinada prestação
legal, mesmo que se omitindo, o Estado, por meio do exercício da
jurisdição, realizará o comando normativo respectivo. Se o devedor não
paga dívida, o juiz, na execução, determinará a constrição de bens, bem
como sua alienação pública, para que o credor veja satisfeito seu direito
ao crédito.
Dessa constatação se retira o princípio da inevitabilidade, que
se traduz na sujeição e submissão de todos às imposições do Estado-
juiz, independentemente da vontade das partes ou de qualquer pacto
havido entre elas, tornando impossível que haja escusa ou proteção que
dificulte ou impeça que a autoridade estatal seja exercida e aplicada.
Assim, o devedor não pode se esquivar de cumprir a obrigação
anteriormente assumida, nem mesmo se isentar ou imunizar de atender
os comandos judiciais tendentes à concretização da norma aplicável.
A jurisdição também se caracteriza em razão do princípio da
indelegabilidade, ou seja, deve ser exercida por órgão do Poder
Judiciário e seus respectivos juízes, não podendo haver delegação dessa
atribuição para outros órgãos ou indivíduos (Art. 5º, XXXV, da CF).
Constitucionalmente, deve ser dito, nenhum dos Poderes pode delegar
atribuições que a Carta Política a eles atribuiu.
A respeito da jurisdição, não pode o Poder Judiciário delegar a
outros entes os poderes que a Constituição Federal lhe atribui, nem
mesmo e de igual forma, não pode o juiz delegar suas atribuições a outro
pessoa não investida ou a outro juiz, bem como não se admite que haja
11
negativa em julgar determinada causa (Art. 126, do CPC), com exceção
das hipóteses de incompetência, impedimento ou suspeição. No caso
das cartas precatórias, não há delegação de jurisdição, mas, sim, pedido
de auxílio para cumprimento de decisão já proferida.
Há, ainda, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (da
ubiqüidade ou da universalidade) (art. 5º, inc. XXXV, da CF), que garante
a todos o acesso ao Poder Judiciário e a obrigação deste em dar
atendimento àquele que exerça o direito subjetivo de ação (provocação),
deduzindo pretensão fundada no direito e pedindo solução para um
conflito. Entenda-se, contudo, que a regra de que não se pode “excluir da
apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”, não
confere ao autor o “atendimento” de seu pedido (pretensão), mas, sim,
apenas o acesso e o julgamento.
Ligado ao princípio da inafastabilidade, existe o princípio do juiz
natural (art. 5º, inc. XXXVII, da CF), que repugna o juiz ou o Tribunal de
exceção, instituídos para o processo e julgamento de determinadas
causas ou pessoas, sem previsão constitucional. Significa esse princípio
que já se deve estar composto e ser conhecido o órgão que promoverá a
apreciação das pretensões antes mesmo que elas ocorram.
Por fim, a jurisdição possui um atributo imprescindível para sua
correta compreensão e distinção das demais decisões, a coisa julgada,
que torna os atos jurisdicionais imutáveis, não podendo ser revistos ou
modificados. Esse atributo, ao cabo de todos os demais, diferencia a
jurisdição das atividades legislativa e administrativa.
Trata-se, enfim, de tornar eficazmente imutável, de forma
absoluta, a solução dada a determinado embate, garantindo efetividade à
atividade jurisdicional por meio da autoridade da coisa julgada, nos
termos do § 3º do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, verbis:
12
“chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
caiba recurso”.
O art. 467 do Código de Processo Civil, por sua vez, reza que
“denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário”, devendo ser entendida como uma qualidade que torna
imutável o efeito declaratório da sentença.
Essa imutabilidade, como qualidade do efeito declaratório da
sentença, vincula as partes (e sucessores) do respectivo processo,
impedindo a rediscussão entre elas, sob pena de se configurar a
litispendência, na definição do § 2º do art. 301 do Código de Processo
Civil: “uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a
mesma causa de pedir e o mesmo pedido”.
Examinemos, brevemente, os efeitos dessa coisa julgada, tanto
com relação às partes (autor e réu), que define os limites subjetivos,
quanto com relação à matéria atingida pela declaração de mérito contida
no dispositivo da sentença, que respeita aos limites objetivos.
Por limites subjetivos da coisa julgada pode-se entender, com
LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, como
sendo “em princípio, portanto, tomando a regra geral, tem-se que
somente as partes (e seus sucessores, por inferência lógica) ficam
acobertadas pela coisa julgada. Autor e réu da ação ficam vinculados à
decisão judicial, já que foram sujeitos do contraditório que resultou na
edição da solução judicial”.13
13 Manual do Processo de Conhecimento. 5 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p.
638.
13
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, depois de
considerarem que a coisa julgada material deve ser entendida como “a
imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro,
entre as mesmas partes”, o que impede o juiz de voltar a julgar, as partes
a renovar a discussão ou o legislador em regular diversamente a relação
jurídica acobertada, afirmam que “a eficácia natural da sentença vale
erga omnes, enquanto autoridade da coisa julgada somente existe entre
as partes”.14
Portanto, os limites subjetivos da coisa julgada (material)
devem ser encontrados na definição precisa de quem será atingido por
sua autoridade, o que atende a uma necessidade política: quem não
participou do contraditório não pode ser prejudicado. O art. 472 do
Código de Processo Civil afirma que “a sentença faz coisa julgada às
partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando
terceiros”.
Com relação aos limites objetivos, invoca-se o art. 471-D do
Código de Processo Civil, que diz que “não fazem coisa julgada: I – os
motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença; II a verdade dos fatos, estabelecida como
fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial,
decidida incidentalmente no processo”.
Assim, os limites objetivos se restringem àquela parte
dispositiva da sentença, tornando imutável exclusivamente essa fração
da sentença, uma vez que tanto no relatório quanto na fundamentação
não se vê e não se faz julgamento.
2.4. Espécies de jurisdição 14 Ob. cit., p. 327.
14
Ainda que a jurisdição deva ser entendida como uma das
funções do Poder estatal e manifestação da soberania, portanto, una,
indivisível e indelegável, desta forma não comportando divisões ou
fragmentações, a doutrina, e por que não a própria legislação, acaba por
classificar a jurisdição com o fim de distribuir os processos mediante
critérios.
Assim, segundo ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA,
ADA PELEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, pode
ser a jurisdição civil ou penal, a depender do objeto da pretensão (p. ex.:
reparação de dano provocado por acidente de consumo e pretensão
punitiva em razão de homicídio); especial ou comum, conforme o órgão
judiciário em atuação (p. ex.: Justiça Militar, Eleitoral e do Trabalho ou
Justiça Federal ou Estadual); superior ou inferior, conforme a situação
hierárquica do órgão judiciário (p. ex.: Tribunais de Justiça, Tribunais
Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal ou Juízes de primeira instância); e, de direito ou de eqüidade, de
acordo com a fonte de direito que serve de fundamento para o
julgamento (p. ex.: decisão regida pela limitação legal ou com certa
margem de individualização a depender do caso concreto, essa a
depender de previsão expressa de cabimento.15
Importante salientar quer a jurisdição especial (Eleitoral, art.
121; Militar, arts. 124 e 125, § 4º; do Trabalho, art. 114) tem sua
competência definida pela Constituição Federal, o que se faz de modo
expresso, não se podendo ampliar ou restringir tal espectro de atuação
por meio de lei infraconstitucional ordinária.
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO entende, conforme esquema
didático que adota, que a jurisdição federal é daquelas especiais,
juntamente com a trabalhista, eleitoral e militar, aduzindo que a 15 Ob. cit., p. 156.
15
competência para a atuação dos respectivos juízes está inscrita no art.
109, I, da Constituição Federal.16
Para MARCELO ABELHA RODRIGUES, com razão, devem ser
acrescidas a essa classificação a jurisdição graciosa (voluntária) ou
contenciosa, a depender da existência ou não de conflito a ser decidido
(p. ex.: homologação judicial de avença particular ou execução de
avença particular); a arbitral ou estatal, no caso da estipulação de
delegar a um terceiro não investido de jurisdição a decisão do conflito ou
provocar a Estado-juiz mediante a ação no exercício do respectivo direito
subjetivo (p. ex.: arbitragem nas relações de consumo ou dedução de
pretensão mediante o devido processo legal judicial). 17
Por fim, traz esse mesmo autor a jurisdição civil coletiva,18 não
sem advertir que se trata de técnica didática que não desvirtua ou
desnatura a essência unitária da jurisdição como função de Poder
estatal. Esta espécie, pode ser definida como “o conjunto de regras
processuais que devem ser aprioristicamente utilizadas na tutela
processual coletiva”, previstas na Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública) e na Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), cuja
integração legislativa redunda no conjunto único de regras processuais.
2.5. Limites da jurisdição
Como função correlata e representativa de uma parcela da
soberania estatal, a jurisdição encontra limitações internas e externas,
sendo aquelas no sentido de excluir a tutela jurisdicional em certos casos
e estas para preservar a existência simultânea de mais de uma
soberania.
16 Ob. cit., p. 29. 17 Elementos de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000, p. 18 Ob. cit., p. 111-112.
16
Tratando-se de soberania, que é exercida por todas as funções
do Poder estatal, a limitação da jurisdição é produto da atuação da
função legislativa, que por meio de normas internas fixa o espaço e o
tempo de atuação da função de expedir e impor decisões.
Nesse passo, o legislador pode limitar a atuação da jurisdição
por critérios de conveniência, ou seja, resolver não se ocupar de alguns
conflitos, tanto por serem insignificantes quanto por integrarem a tradição
religiosa ou cultural do respectivo País. De igual forma, a jurisdição pode
se ver excluída da apreciação de conflitos em que não haja viabilidade
para que se imponha a autoridade para a execução ou cumprimento da
decisão judicial.
Em resumo, cada Estado tem o poder de atuar
jurisdicionalmente nos limites de seu território, conforme a legislação
estipular. No Brasil, o conflito de interesse que tenham como objeto
matéria civil deve ser julgado mediante a jurisdição brasileira nas
hipóteses previstas pelo Código de Processo Civil, no art. 88 quando, (I)
réu for domiciliado neste País, (II) a pretensão do autor for de obrigação
a ser cumprida no Brasil; (III) o fato ocorreu em nosso território; no art. 89
quando, (I) o objeto da pretensão for imóvel aqui situado, (II) estiverem
situados no Brasil os imóveis do inventário.
Em se tratando de matéria penal, em razão da estrita
obediência ao princípio da territorialidade, que impõe que a jurisdição
penal tem espaço de atuação no mesmo âmbito de aplicação da norma,
não se poderá atuar além dos limites do respectivo Estado. Com a
jurisdição especial do Trabalho ocorre a mesma restrição e pelo mesmo
fundamento.
Internamente, a jurisdição tem atuação irrestrita materialmente
e inevitável aos indivíduos, porém, tem sua participação avançado por
17
sobre vetustas áreas e matérias em que sua promoção não era admitida,
a exemplo do exame cada vez mais profundo das questões que
envolvem a discricionariedade administrativa, bem como a oportunidade
e conveniência, diminuído as hipóteses de impossibilidade de demanda.
3. Competência
3.1. Conceito
Partindo do pressuposto de que a jurisdição é una e não
comporta divisão ou fragmentação, bem como que todos os juízes
nacionais exercem essa função representativa da soberania do estatal de
modo simultâneo e independente, a necessidade de organizar essas
atuações para uma perfeita prestação jurisdicional vem, segundo CELSO
AGRÍCOLA BARBI,19 com a “divisão de trabalho entre os juízes” e a
resultante de “limitar a atividade de cada um, tendo em vista determinada
área territorial, ou a natureza das questões a serem decididas, ou a
qualidade das pessoas interessadas no litígio, ou o tipo especial de
atividade que o juiz é chamado a desenvolver em determinado processo.
Essa medida da jurisdição atribuída a cada juiz é a chamada
competência”, cuja regulamentação vem com a Constituição Federal e as
leis ordinárias.
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,20 no mesmo sentido,
afirmam que a distribuição do exercício da jurisdição resulta na
competência, que é a quantidade de jurisdição atribuída a cada órgão ou
grupo de órgãos (Liebman), resultante de um “processo gradativo de
concretização” e de legitimação guiado por “regras legais”,
19 Comentários ao Código de Processo Civil. 10 ed. Rio de Janeiro : Editora Forense, 1998, vol.
1, p. 290. 20 Ob. cit., p. 246.
18
constitucionais ou ordinárias, que reservam a determinados órgãos o
poder de atuar em concreto na expedição e imposição de decisões, de
forma a excluir todos os demais (adequação entre processo e órgão
julgador).
A Constituição Federal e as Estaduais, o Código de Processo
Civil e o Penal, as leis federais ordinárias e os Códigos de Organização
Judiciárias dos Estados, bem como os Regimentos Internos dos
Tribunais, são fontes das regras de competência e regerão essa divisão
de trabalho de forma organizada. As competências fixadas
constitucionalmente são absolutas e exaustivas, não podendo ser
alteradas por nenhuma outra regra legal, salvo emenda constitucional, no
mínimo.
A competência, portanto, não deve ser entendida como um
fator de cisão da soberania estatal por meio da função jurisdicional, mas,
sim, de organização interna que serve à prevenção e à reparação de
ameaças ou lesões ao princípio da segurança jurídica, em última análise,
uma vez que define previamente um único órgão julgador que deverá,
compulsoriamente, realizar a tarefa de pacificar o conflito, substituindo as
partes em busca de um resultado conforme o direito e a justiça.
3.2. Competência de jurisdição
Ainda que se saiba da impropriedade da expressão
competência de jurisdição, uma vez que a competência é a medida da
jurisdição e não outra significação, a carência de fórmula mais adequada
para se entender perante qual Justiça se deve exercer o direito subjetivo
de ação, a doutrina e a jurisprudência adotam esse título para diferençar
se o conflito será resolvido pela Justiça comum (CF – civil ou penal, arts.
106 e 125) ou por uma das Justiças especializadas (CF – Eleitoral, art.
118; Militar, art. 122; Trabalhista, art. 111).
19
Assim, depois de se concluir pela competência da Justiça
brasileira, deve-se perquirir perante qual das Justiças brasileiras se deve
comparecer para exigir a resposta estatal, sendo que as competências
que não estejam previstas de modo expresso na Constituição Federal
como sendo das Justiças especializadas caberão à Justiça comum,
federal ou estadual ou aquela do Distrito Federal.
3.3. Critérios de determinação
Segundo a doutrina de LUIZ GUILHERME MARINONI e
SÉRGIO CRUZ ARENHART,21 o Código de Processo Civil brasileiro
adotou o critério tripartite para a disciplina da competência, adotando-se
a posição de CHIOVENDA, sendo: objetivo, funcional e territorial.
O objetivo é critério que leva em consideração as
características da causa sob exame. Distribuem-se as ações entre
diversos órgãos jurisdicionais conforme a natureza da causa: é a
competência em razão da matéria (Falência, Família, Sucessões) ou do
valor da causa (Juizados Especiais) ou da qualidade das pessoas
(Fazenda Pública), nos termos do art. 91 do Código de Processo Civil.
O critério funcional se relaciona com as funções
desempenhadas pelo órgão jurisdicional no processo, ou seja, preverá
qual órgão julgará em primeira instância e qual órgão revisará o julgado
(recurso). Não se despreza, ainda, que este critério considera a natureza
e as exigências especiais para a função do juiz em determinadas causas,
como, por exemplo, no caso de juiz de determinado território possuir
mais facilidade e eficácia no exercício da função por estar mais próximo
do fato ou coisa. O art. 93 do Código de Processo Civil regra esse
critério, prevendo que os Tribunais terão a competência determinada
21 Manual do Processo de Conhecimento. 5 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p. 42-
43.
20
pela Constituição Federal e pelas leis de organização judiciária, sendo
que os juízes de primeiro grau se submeterão às regras do Código de
Processo Civil.
Já o critério territorial, por sua vez, adota a dimensão espacial
atribuída à atividade de cada um dos órgãos jurisdicionais para a
determinação da competência. Sob esse critério a competência é
distribuída conforme as comarcas (Justiça Estadual) ou circunscrições ou
seções (Justiça Federal). Os arts. 94 a 100 do Código de Processo Civil
regem a competência de foro (em regra, relativa), sendo que a regra
geral é a que prevê que nas ações reais sobre bem móvel ou direito
pessoal deverão ser propostas no domicílio do réu (art. 94), sendo que
as ações fundadas em direito real sobre imóveis terá competência
absoluta o juiz da situação da coisa (art. 95).
3.4. Absoluta e relativa
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO,22 sintetiza bem os motivos e
diferenças entre essas competências ao asseverar que em alguns casos
visa atender aos interesses das partes, concedendo-lhes facilidades para
o acesso à Justiça, donde tem as partes a disponibilidade sobre o foro
competente, seja elegendo um foro em cláusula de contrato ou
simplesmente não opondo exceção declinatória de foro. Tem-se aqui a
competência relativa, aquele em que o juiz não pode tomar qualquer
iniciativa quanto a ela, cabendo exclusivamente às partes (art. 114, do
CPC).
Por outro lado, quando há interesse público, consubstanciado
no anseio de uma melhor gestão do processo e conseqüente prestação
jurisdicional mais eficiente, nem as partes podem dela dispor nem o juiz
pode se recusar a ela. É a competência absoluta, não prorrogável por 22 Ob. cit., p. 99.
21
vontade ou omissão das partes e impondo ao juiz a obrigação (poder-
dever) de exercer a fiscalização e anunciar oficialmente sua
incompetência, independentemente da suscitação pelas partes (art. 113,
do CPC).
3.5. A perpetuação da jurisdição
O princípio da perpetuatio jurisdicionis [rectius: competência],
pode ser entendido como aquele que, atendendo à necessidade de se
conferir estabilização ao processo, determina que no momento em que
foi proposta a demanda incide a vedação da alteração da competência
em razão da alteração dos fatos ou fundamentos de direito que operaram
aquela determinação (ex.: autor fixa domicílio em comarca diversa depois
do ajuizamento), nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil.
Assim, ligada determinada causa a um foro e juízo específicos,
somente quando suprimido o juízo ou modificada sua competência em
razão da matéria ou da hierarquia é que não incidirá esse princípio (ex.:
criação de novos Tribunais). Já decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, no Conflito de Competência n. 38.713, que havendo a
instalação de vara da Justiça Federal em comarca em que haja vara da
Justiça Estadual, não incidirá a perpetuação da jurisdição, uma vez que a
competência prevista no art. 109, inc. I, da Constituição Federal, é
absoluta, impondo-se a remessa dos processos ao juízo competente.
Na hipótese de desmembramento de comarcas a doutrina vem
entendendo que se trata de caso de aplicação da perpetuação da
jurisdição por se entender que há modificação no “estado de direito”.
Contudo, a jurisprudência não vem seguindo essa orientação justificando
calcada nas “necessidades de administração da Justiça”, determinando-
22
se a remessa dos processos existentes para a nova comarca, como
anota ATHOS GUSMÃO CARNEIRO.23
3.6. Conexão, continência, prevenção e prorrogação
Segundo o art. 103 do Código de Processo Civil, “reputam-se
conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a
causa de pedir”.
Segundo NELSON NERY JUNIOR,24 basta que haja
coincidência com relação a um dos elementos da ação (partes, causa de
pedir ou pedido) para existir conexão. Contudo, nem sempre a simples
identidade de partes provoca conexão, uma vez que seu pressuposto
está no objeto ou na causa de pedir.
Para esse autor, há conexão quando “a causa de pedir em
apenas uma de suas manifestações seja igual nas duas ações. Existindo
duas ações fundadas no mesmo contrato, onde se alega inadimplemento
na primeira e nulidade de cláusula na segunda, há conexão. A causa de
pedir remota (contrato) é igual em ambas as ações, embora a causa de
pedir próxima (lesão, inadimplemento) seja diferente”. Entende-se assim
tratar-se a conexão como causa modificativa da competência.25
O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vem firmando reiterado
entendimento no sentido de que “a configuração do instituto da conexão
não exige perfeita identidade entre as demandas, senão que, entre elas
preexista um liame que as torne passíveis de decisões unificadas", a
exemplo do decido no Conflito de Competência n. 22.123, ou de que “o
23 Ob. cit., p. 97-98. 24 Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9 ed. São Paulo : Revista
dos Tribunais, 2006, p. 312-313. 25 Ob. cit., p. 314.
23
instituto da conexão tem, assim, como sua maior razão de ser, evitar o
risco das decisões inconciliáveis. Por esse motivo, diz-se, também, que
são conexas duas ou mais ações quando, em sendo julgadas
separadamente, podem gerar decisões inconciliáveis sob o ângulo lógico
e prático”, conforme o Conflito de Competência n. 57.562.
O art. 104 do Código de Processo Civil prevê que “dá-se a
continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto
às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo,
abrange o das outras”.
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,26 quando a comenta,
afirma que é um “fenômeno que se assemelha à conexão é a
continência”, que seria “maior do que a conexão, dado que uma das
causas se contém por inteiro dentro da outra, e não apenas no tocante a
alguns elementos da lide, como se passa entre as ações conexas”.
Afirma, ainda, que em razão da identidade relativa entre sujeitos, objeto e
causa de pedir, haveria uma aproximação maior com a litispendência,
que seria a identidade absoluta. Para esse autor, a continência,
juntamente com a conexão, seria uma das formas mais comuns de
modificação ou prorrogação de competência relativa.27
Já ATHOS GUSMÃO CARNEIRO,28 divergindo, assevera que a
continência é uma forma especial de conexão, sendo que haveria apenas
divergência de amplitude entre os objetos de ambas, entendendo-a
também como uma forma de prorrogação de competência.
26 Curso de Direito Processual Civil. 20 ed. Rio de Janeiro : Editora Forense, 1997, vol. I. p.
181. 27 Ob. cit., p. 180. 28 Ob. cit., p. 104.
24
A solução dada para os casos de conexão ou continência é
aquela prevista no art. 105 do Código de Processo Civil, que prevê que
“o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar
a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam
decididas simultaneamente”, o que pode ser provocado inclusive pelo
Ministério Público quanto atuar como fiscal da lei.
Essa regra visa que decisões conflitantes ou inconciliáveis não
sejam emitidas por mais de um juízo, sendo todos competentes, devendo
o juiz apreciar a questão de ofício, uma vez que se trata de matéria de
ordem pública, não sujeita à preclusão, não sendo necessária a sua
veiculação por meio de exceção, mas, sim, que se alegue com a
contestação (incompetência absoluta).
Havendo a hipótese de conexão ou continência, deve ser
aplicada a regra do art. 106 do Código de Processo Civil, que considera
o juiz competente aquele que “despachou em primeiro lugar”, tornando-
se prevento. Contudo, se estão os juízes competentes em comarcas
distintas, a citação válida é que concretizará a prevenção de um dos
juízos (art. 219 do CPC). Já se os juízes competentes estiverem na
mesma comarca, prevento será aquele que primeiro despachou (art. 101
do CPC). Trata-se a prevenção de regra fixadora de competência entre
dois órgãos jurisdicionais igualmente competentes.
A competência pela prorrogação, que apenas incide em casos
de competência relativa, ocorre quando uma cláusula contratual prevê
que em determinada situação relativa ao negócio jurídico respectivo os
contratantes pactuam que as ações dele oriundas serão propostas no
foro de eleição, ainda que pelas regras gerais o foro devesse ser outro
(art. 111 do CPC; art. 42 do CC; Súmula 335 do STF). Outra hipótese de
prorrogação é aquele em que o réu aceita a competência escolhida pelo
autor (acordo tácito), uma vez que proposta a demanda perante um juízo
25
relativamente competente o réu não excepciona o foro (exceção em
apartado) no prazo da contestação (art. 305 do CPC), tornando esse
juízo o competente, por prorrogação, para todo o processo e julgamento,
inclusive para todas as causas interligadas.
Segundo ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA
PELEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,29 a
prorrogação “determina a modificação, em concreto, na esfera de
competência de um órgão (isto é, com referência a determinado
processo)”, sendo que a prevenção não é fator de determinação e nem
de modificação, pois trata de caso em que todos os juízos são
competentes e haverá um prevento, excluído todos os demais.
3.7. Plena e privativa
A competência plena ou cumulativa ocorre quanto em
determinada comarca haja um ou mais juízos a quem se reserva
competência para processar e julgar todas as causas propostas no foro
respectivo, desde que, no caso de mais de um juízo, haja distribuição
indistinta das causas entre todos.
A competência privativa se dá quando a lei outorga ao órgão
julgador o conhecimento de causas determinadas, tanto em razão da
matéria quanto em razão do valor da causa. É o caso das varas de
Registros Públicos ou de Família e Sucessões e os Juizados Especiais,
respectivamente.
3.8. Comum, exclusiva e concorrente
A competência comum é aquela residual ou que remanesce
daquela medida ou quantidade reservada pela competência privativa, 29 Ob. cit., p. 261.
26
quando numa determinada comarca haja uma vara com competência
privativa para o julgamento de causas da Fazenda Pública e as demais
receberão todos os processos que não estejam entre aqueles atribuídos
àquela outra.
A competência exclusiva prevê que as ações devem ser
propostas em determinado foro, a exemplo da ação reivindicatória de
imóvel e o ajuizamento no foro da situação do bem (art. 95 do CPC).
A competência concorrente ocorre quando o autor elege o foro
ou quando o segundo foro é subsidiário. Naquela, o direito subjetivo de
ação pode ser exercitado em qualquer um dos foros previstos (art. 100,
IV, parágrafo único, do CPC), alternativamente (ex.: as indenizações por
acidente de trânsito: no domicílio do autor ou do réu ou no local do fato).
Nessa, há uma subsidiariedade (art. 94 e § 2º, do CPC), ou seja, há um
foro determinado, contudo, na impossibilidade de se saber qual é, pode a
ação ser ajuizada em um foro subsidiário (ex.: nas ações pessoais ou
reais mobiliárias, o foro é o do domicílio do réu, porém, acaso seja
desconhecido ou incerto o paradeiro, será o domicílio do autor).
3.9. Originária e recursal
Aqui se diferencia a originária da recursal por se tratar aquela
de reserva da primeira instância e esta da segunda. A eleição legal para
determinadas causas em relação da competência ocorre em razão da
matéria ou da qualidade das partes.
A regra geral é que aos juízes de primeiro grau está reservada
a competência originária, sendo que a recursal cabe aos Tribunais e
Turmas Recursais. Contudo, em algumas hipóteses, a competência
originária é atribuída aos Tribunais, a exemplo dos mandados de
segurança contra ato do Presidente da República (art. 102, I, d, da CF)
27
que é do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ou nas ações rescisórias, em
que caberá ao Tribunal que proferiu o acórdão o processo e julgamento
de sua rescisão (art. 493, I e II, do CPC).
4. A tutela coletiva
A sociedade atual, entendida como aquela germinada na
Revolução Industrial e no pós Segunda Guerra Mundial, na qual ainda
estamos inseridos, exige uma forma nova e adequada de regras as
relações entre os indivíduos e destes com os bens dispostos na natureza
(água, ar etc.), no mercado de consumo (produtos e serviços) e naqueles
criados pela dinâmica das relações entre os sujeitos de direito (acesso à
Justiça, devido processo legal etc.).
A exigência de uma forma mais adequada e efetiva de se
conquistar e se manter direitos e garantias transparece desde as
relações entre indivíduos determinados até naquelas em que não se
consegue determinar quem são os beneficiários da pretensão, uma vez
que esses titulares constituem uma universalidade. É a individualidade e
a transindividualidade, duas faces de um mesmo tempo.
Para o atendimento das exigências e necessidades tanto dos
indivíduos quanto da transindividualidade não se pode oferecer
instrumentos processuais que não se prestem a tornar efetivos os
anseios de seus titulares, sob pena de se conceder por uma via e se
negar por outra.
A própria tutela de direitos individuais vem sofrendo inúmeras
intervenções para que se torne mais célere e eficaz, tanto no
concernente ao direito substancial quanto ao processual, rompendo com
alguns paradigmas em nome do atendimento efetivo da pretensão do
28
titular do direito (ex.: antecipação da tutela, tutela específica, efeitos dos
recursos, cumprimento da sentença etc.).
Nesse sentido, ou seja, de se proteger as garantias e os
direitos próprios das relações na sociedade de massa (e de risco), há de
se reconhecer a existência de outras categorias de interesses que, sem
prejuízo daqueles individuais, vêm para completar essa lacuna por meio
de previsão jurídica positivada, que entre nós vem representada, entre
outras, pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),
precisamente no art. 81, incs. I (difusos), II (coletivos stricto sensu) e III
(individuais homogêneos).
Ainda que se reconheça que a Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação
Popular) foi a primeira norma a dispor sobre os interesses da
coletividade, uma vez que destinada essencialmente à defesa do
patrimônio público, alguns inconvenientes acabaram por retirar a
efetividade desejada, a exemplo da sua legitimação que, muito embora
seja exemplo e reconhecimento de democracia participativa, encontra um
titular da pretensão hipossuficiente e vulnerável, com raríssimas
exceções.
A Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), editada décadas
depois, resolve esse inconveniente da legitimação, ainda que
inicialmente tivesse objeto restrito ao meio ambiente, consumidor, bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Mais
recentemente, qualquer interesse difuso ou coletivo pode ser objeto de
sua proteção, inclusive as infrações à ordem econômica e à economia
popular, bem como os direitos da criança e do adolescente, do idoso, dos
portadores de necessidades especiais etc.
Contudo, é de se reconhecer que somente com a edição da Lei
n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) a sociedade brasileira
29
passou a ter a seu dispor um verdadeiro microssistema de direito
processual coletivo, com a subsidiariedade do Código de Processo Civil.
Assim, a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),
por meio dos arts. 83, 90 e 117, e a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública), por seu art. 21, acabaram por inaugurar uma integração que
passou a conferir à tutela coletiva um status de existência nunca antes
imaginado, isso sem se falar na contribuição que a Lei n. 4.717/65 (Lei
da Ação Popular) empresta ao microssistema que rege as ações
coletivas (gênero do qual a ação civil pública, a ação popular, o mandado
de segurança coletivo, a ação direta de inconstitucionalidade etc. são
espécies).
Aqui cabe uma constatação, um reclame e um alerta: os
interesses transindividuais e os individuais homogêneos não rivalizam ou
inauguram maniqueísmo com os individuais, mas, em verdade, vêm se
somar visando à materialização do princípio da dignidade da pessoa
humana. Por isso, não se pode dispensar a essas categorias de
interesses substanciais o mesmo tratamento processual, urgindo-se e se
impondo uma revisão de paradigmas, a valorização do resultado eficaz, a
mitigação da dogmática excessiva e paralisante, sob pena de se dar ao
homem menos do que ele anseia e merece e outorgar às regras mais do
que elas significam.
A Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) se trata de norma
estritamente procedimental, não outorgando direito ou garantias
materiais, ao contrário da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), sendo que este breve estudo se propõe a se debruçar
sobre o tema da competência na ação civil pública, em específico.
5. Competência na ação civil pública
30
5.1. As regras do art. 2º da LACP e do art. 109, I, da CF
Apenas relembrando, já se consignou que a competência é a
quantidade de jurisdição cujo exercício é reservado a cada órgão
jurisdicional, ou como prefere MOUTARI CIOCCHETTI DE SOUZA,30 “é
o modo pelo qual o exercício da jurisdição é racionalizado dentre os
diversos órgãos jurisdicionais”.
Assim, o art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)
reza que “as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para
processar e julga a causa”. Cumpre, desde logo, destacar as expressões
“foro do local onde ocorrer o dano” e “competência funcional”.
Sem se desprezar a gênese e a finalidade da ação civil pública,
que por si só já serviriam para assentar a competência absoluta como
regra a ser seguida, uma vez que a própria natureza dos interesses
tutelados exige que não haja disponibilidade pelas partes, não se pode
deixar de analisar as expressões acima destacadas.
A previsão de competência funcional para as ações civil
públicas e a adição do critério territorial resulta em indiscutível
competência absoluta, uma vez que em razão da natureza dos
interesses tutelados a condução dos processos coletivos deve merecer
empenho e vigilância compatíveis, tanto pela maior proximidade do órgão
judicial com os fatos, com as partes e as testemunhas, quanto pela
possibilidade técnica de se proferir decisão ou sentença com qualidade
diferenciada e, portanto, acrescida na legitimidade.
Analisando o dispositivo como um todo e dando especial
atenção às expressões em destaque, pode-se concluir que a lei se 30 Ação Civil Pública e Inquérito Civil. 2 ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 31.
31
utilizou “da somatória de dois critérios para a fixação da competência: de
início, da regra territorial (juiz do local do dano) e, em arremate, disse
que ela será funcional”, segundo MOUTARI CIOCCHETTI DE SOUZA,31
para quem “a competência para o julgamento de ação civil pública é
formada por um critério composto: ela é territorial-funcional” e, sendo
funcional, é absoluta, sem prejuízo de anotar que o vocábulo funcional foi
utilizado sem rigor técnico, mas, em verdade, com a nítida intenção de
“enfatizar a natureza absoluta da regra de competência territorial”.
HUGO NIGRO MAZZILLI,32 ao analisar o art. 2º, atesta ser a
competência absoluta para as ações civis públicas ou ações coletivas,
uma vez que há a finalidade é a “de facilitar a defesa dos interesses
transindividuais” e, por isso, “essas ações devem ser ajuizadas no foro
do local do dano”, inclusive pelo fato de que em atenção ao critério
funcional haverá facilitação para a coleção de provas e a realização de
julgamento por juiz que tenha tido ou possa vir a ter maior contato com a
ameaça ou o dano. Ainda, de forma categórica, afirma esse autor que
não se trata, em verdade, de instituição de juízo com competência
funcional, mas, sim, de competência absoluta e, portanto, inderrogável e
improrrogável, ao reverso da territorial ou relativa.
Para RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, o art. 2º traz dois
critérios “fixadores ou determinativos de competência, que,
ordinariamente, aparecem desconectados”, sendo que um deles refere
ao local do fato, que induz à competência relativa, e o outro ao critério
funcional, que nos leva à competência absoluta, sendo que se trataria de
“competência territorial funcional” (Liebman) de natureza absoluta, daí
decorrendo as conseqüências próprias. Prosseguindo, afirma que essa
competência é “instituída em razão das funções que o juiz exerce no
31 Ob. cit., p. 31-32. 32 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
patrimônio público e outros interesses. 16 ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 225-226.
32
processo, o qual estará melhor habilitado a decidir as questões
imobiliárias no local onde se encontra o imóvel”, seguindo a competência
territorial especial do art. 100, inc. V, alínea a, do Código de Processo
Civil (forum commissi delicti). 33
Ao comentar o art. 2º e a competência funcional que instaura,
NELSON NERY JUNIOR,34 sinteticamente, diz que se trata “de
competência de natureza absoluta, improrrogável por vontade das
partes”, podendo ser suscitada na contestação e reconhecida a qualquer
tempo e grau de jurisdição, devendo o juiz reconhecê-la de ofício, sendo
que as decisões proferidas por juiz incompetente são nulas (art. 113, §
2º, do CPC) e a sentença desafia ação rescisória (art. 485, II, do CPC).
Reforça essa afirmação quando assenta que a competência funcional é
“espécie de competência absoluta” instituída levando “em consideração a
função que o órgão jurisdicional exerce”.35
A aparente contradição entre o foro do local do dano e a
competência funcional é ressaltada por MARCELO ABELHA
RODRIGUES,36 ao dizer que a competência territorial considera o critério
geográfico e visa aumentar o contato do juiz com os elementos da causa,
sendo que a funcional tem relação com uma função exercida pelo
julgador no processo. Aquela é relativa e esta absoluta. Contudo,
assenta que não há dúvida de que se trata de competência absoluta,
uma vez que o texto legal expressamente reclama a competência
funcional.
33 Ação Civil Pública : em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores.
10 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007, p. 67-68. 34 Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. São Paulo : Revista dos
Tribunais, 2006, p. 483. 35 Código de Processo Civil Comentado, p. 285. 36 Ações Constitucionais. Salvador : JusPodivm, 2006, p. 308-309.
33
A tranqüilidade havida com a conclusão de que a competência
para a ação civil pública é absoluta, uma vez que de natureza funcional,
não se desconsiderando o prestígio do aspecto territorial (local do dano),
é abalada relativamente quando se trata da hipótese do art. 109, inc. I,
da Constituição Federal, que versa sobre a denominada “competência de
jurisdição” e diz: “Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as
causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.
Aquela redação imprecisa do art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública) ainda gera algumas interpretações conflitantes, a
exemplo daquela esposada na Súmula n. 183 do STJ, já revogada, que
dizia: “Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de
vara da Justiça Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que a
União figure no processo”.
A perplexidade causada pela referida Súmula, que interpretava
inadequadamente o art. 2º, resultava que o juiz federal competente em
razão da incidência do art. 109, I, da Constituição Federal, tinha sua
competência afastada em prol de juiz estadual da comarca que abrangia
o local do dano, sede da comarca ou não, uma vez que se dava à
expressão “no foro do local onde ocorrer o dano” uma exegese
expansiva por demais e, sobretudo, equivocada, pois considerava que
simplesmente por não haver vara federal no local do dano caberia o
processo e julgamento ao juiz estadual.
Contudo, há que se ver que não há espaço territorial brasileiro
que esteja imune à jurisdição e, conseqüentemente, sempre haverá, no
mínimo, um juiz estadual e um juiz federal (sentido amplo), com
competência para processar e julgar as causas respectivas, tudo a
34
depender do que está reservado a cada um deles pela Constituição
Federal, que delimita a “competência de jurisdição”, a exemplo do que
faz o art. 109, I.
Julgando em sentido contrário à Súmula n. 183 do STJ e
provocando seu cancelamento, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
decidiu no Recurso Extraordinário n. 228.955-9 que o legislador ordinário
não positivou a autorização constante do art. 109, § 3º, da Constituição
Federal, qual seja, a de que “sempre que a comarca não seja sede de
vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir
que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça
estadual”, sendo o recurso cabível sempre destinado ao Tribunal
Regional Federal respectivo (§ 4º).
Dessa forma, consta no bojo do acórdão que “a permissão
constitucional não foi utilizada pelo legislador, que se limitou, no art. 2º
da Lei 7.347/85, a estabelecer que as ações nele estabelecidas ‘serão
propostas no foro do local do onde ocorrer o dano, cujo juízo terá
competência funcional para processar e julgar a causa”. Em razão dessa
decisão proferida em sede de recurso extraordinário, o SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA houve por bem cancelar a referida Súmula,
assim o fazendo no julgamento de Embargos Declaratórios no Conflito de
Competência n. 27.676.
Parcela da doutrina, aqui representada por ELTON VENTURI,37
inclina-se favoravelmente ao cancelamento do entendimento sumulado,
entendendo que sendo caso de competência funcional e, portanto,
absoluta, não há como excluir a causa da apreciação do juiz federal da
circunscrição em que está inserido o local do dano ou de sua possível
37 Processo Civil Coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos. São
Paulo : Malheiros, 2007, p. 266-272.
35
ocorrência, uma vez que possui também competência territorial para
tanto. Assenta, ainda, que a interpretação do art. 2º da Lei n. 7.347/85
(Lei da Ação Civil Pública) não pode ser realizada eficientemente sem a
prévia consideração do art. 109, inc. I, da Constituição Federal, e,
sobretudo, da previsão instituída pelo art. 93 da Lei n. 8.078/90 (Código
de Defesa do Consumidor), quanto aos danos locais, regionais e
nacionais.
Mesmo diante de todos esses argumentos e ainda depois do
cancelamento sumular referido, alguns doutrinadores defendem que o
juiz estadual tem “competência funcional federal” para o processo e
julgamento em razão do art. 2º nas hipóteses do art. 109, I, da
Constituição Federal, quando se tratar da situação do art. 109, § 3º,
cabendo o recurso a um dos Tribunais Regionais Federais, a exemplo do
que defende MARCELO ABELHA RODRIGUES.38
Outros, na mesma direção, porém, partindo de premissa
distinta, entendem que o mero interesse ou a simples presença da União
nas causas não fixa ou desloca a competência para a Justiça Federal,
havendo a necessidade de se aferir no caso concreto a qualidade desse
interesse, o que deve ser julgado pelo juízo federal competente, pois
somente a ele cabe julgar esse aspecto da demanda. Importante questão
que permeia essas discussões é, também, a questão da dominialidade
do bem, especialmente nas questões ambientais, quando se tem bem
difuso e não um bem público ou de propriedade de quaisquer das
pessoas jurídicas de direito público, conforme posições colecionadas por
RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO.39
Por fim, os autores acima citados unanimemente ressaltam a
precisão e a oportuna redação do art. 209 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da
38 Ações Constitucionais, p. 310-311. 39 Ação Civil Pública, p. 70-72.
36
Criança e do Adolescente) que reza que “as ações previstas neste
Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorrer ou deva ocorrer a
ação ou a omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar
a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência
originária dos Tribunais Superiores”. Todos os encômios são dirigidos
para a expressão “cujo juízo terá competência absoluta”, o que espanca
qualquer dúvida acerca da competência de juízo, cabendo à ressalva
resolver a questão da jurisdição competente, se federal ou estadual.
Quanto ao parágrafo único do art. 2º, que diz que “a
propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o
mesmo pedido”, é importante salientar que o regramento se dá conforme
o Código de Processo Civil, notadamente o art. 106, sem prejuízo da
regra do art. 219.
Não se pode olvidar, ainda, que a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação
Civil Pública), por seu art. 21, e a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), por seu art. 90, promoveram uma auto-integração
recíproca, resultando no microssistema de tutela coletiva processual, o
que impende reconhecer também que o art. 83 do estatuto consumerista
admite “todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada
e efetiva tutela”.
Diante disso tudo, não há como deixar de concluir que a
competência para as ações civis públicas e ações coletivas (art. 21 da
LACP e arts. 83 e 90 do CDC), é funcional, informada também pelo
critério territorial, sendo que dessa conjugação reforçadamente se expõe
o caráter absoluto (art. 2º da LACP e art. 93 do CDC). Reconhece-se,
assim, que à Justiça Federal se reserva a jurisdição nos limites previstos
pela Constituição Federal (art. 109, I, da CF), o que deve ser aferido
conforme o caso concreto, não se podendo afastar a competência
37
funcional dos juízes federais sob o mero fundamento de que no local do
dano ou da ameaça não é sede de vara federal quando, em verdade, não
há sequer uma nesga de território brasileiro que esteja imune à
jurisdição, federal ou estadual etc.
5.2. A regra do art. 93 do CDC
Superado o enfrentamento para se definir como absoluta a
competência nas ações civis públicas ou nas ações coletivas, impõe-se
analisar se há diferenciação quanto ao critério da competência quando o
objeto da demanda for difuso ou coletivo stricto sensu (transindividual) ou
individual homogêneo (individual tratado coletivamente), consoante as
definições do art. 81 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor).
Os mesmos fundamentos que sustentam a competência
absoluta extraída do art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública),
em razão da prevalência do critério funcional, aplicam-se na defesa em
juízo dos interesses transindividuais, aqui entendidos aqueles definidos
como difusos e coletivos stricto sensu pelos incs. I e II do art. 81 da Lei n.
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Quanto aos individuais
homogêneos, a doutrina entende ser relativa, especialmente quando se
tratar de direito do consumidor, o que se verá em seguida.
Sem prejuízo disso, a questão de competência ser absoluta ou
relativa nas ações civis públicas também pode ser resolvida com a
consideração do que prescreve o art. 93, incs. I e II, da Lei n. 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor), uma vez que o microssistema de
processo civil coletivo comentado exige que se adotem reciprocamente
as regras, objetivando uma mais abrangente, célere e eficaz tutela
jurisdicional.
38
Diz o art. 93 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor) que: “ressalvada a competência da Justiça Federal, é
competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu
ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital
do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou
regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos
de competência concorrente”.
Da redação e do sentido desse dispositivo podemos abstrair as
seguintes expressões que merecem um olhar mais detido, sem prejuízo
da análise do alcance dessa regras de competência: “ressalvada a
competência da Justiça Federal”, com relação à “competência de
jurisdição”, e “no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano”, que
diz respeito à abrangência do dano.
5.2.1. A posição de ADA PELLEGRINI GRINOVER
A doutrina vem afirmando posição unânime, a exemplo do que
replica essa autora, que “o art. 93 do CDC rege todo e qualquer processo
coletivo, estendendo-se às ações em defesa de interesses difusos e
coletivos”, não havendo qualquer impedimento por estar esse
regramento no capítulo reservado às ações coletivas para a defesa dos
interesses individuais homogêneos”,40 uma vez que se deve utilizar aqui
“o método integrativo, destinado ao preenchimento de lacuna da lei, tanto
pela interpretação extensiva (extensiva do significado da norma) como
pela analogia (extensiva da intenção do legislador)”.
Em seguida a essas considerações a autora trata de
reconhecer como absoluta a competência, uma vez que “a competência
territorial dos incs. I e II do art. 93 não se sujeita às regras do Código de
40 Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de
Janeiro : Forense Universitária. 2005, p. 874.
39
Processo Civil, como aconteceria se se tratasse de competência relativa.
É que, como visto (supra, nº 2), o art. 2º, LACP, aplicável ao CDC por
força do art. 90 deste, em seu segundo sentido, confere à competência
territorial natureza absoluta, ao disciplinar o gênero da competência
funcional (uma das modalidades da competência absoluta)”, prestigiando
a celeridade e a eficácia da tutela jurisdicional.41
Quanto à reserva da “competência da Justiça Federal” inserida
no caput do art. 93, a autora entende, com fundamento na interpretação
do art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), de que se trata
de competência territorial absoluta, que, muito embora haja ressalva
expressa à competência constitucional da Justiça Federal (art. 109, I, da
CF, competência objetiva ou de jurisdição), no local do dano onde não
houver vara federal a competência será do juiz estadual (art. 109, § 3º,
da CF) e o recurso ao Tribunal Regional Federal respectivo (§ 4º), o que
situa a doutrinadora contra o cancelamento da Súmula n. 183 do STJ.42
No que tange à expressão “no foro do lugar onde ocorreu ou
deva ocorrer o dano”, a doutrinadora entende que houve determinação
de competência regida pelo critério territorial, o que promove superação
das dúvidas interpretativas provocadas pela regra do art. 100, inc. V, do
Código de Processo Civil, que fixou a competência do local do ato ou fato
para as ações de responsabilidade civil (fórum delicti commissi). Afirma,
ainda, que a regra do art. 93, inc. I, que privilegiou o “local do resultado,
que vai coincidir, em muitos casos, com o do domicílio das vítimas e da
sede dos entes e pessoas legitimadas, facilitando o acesso à justiça e a
produção de prova. Em mais esse ponto, o Código acompanhou o
disposto na Lei nº 7.347/85, cujo art. 2º também opta pelo critério do local
do dano”.
41 Ob. cit., p. 879. 42 Ob. cit., 875-877.
40
Já para os casos em que o dano é de âmbito regional ou de
âmbito nacional, conforme as hipóteses do art. 93, inc. II, da Lei n.
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), o entendimento da autora é
de que o dano nacional terá “sempre” como competente o foto do Distrito
Federal, uma vez que não se pode impor ao demandado que se defenda
em qualquer uma das Capitais de Estados, posto que isso vulneraria a
plenitude da defesa e o devido processo legal. Reconhece que esta não
é a posição da jurisprudência, porém, argumenta que adotando seu
posicionamento haveria redução nos casos de competência concorrente,
que quando ocorrentes seriam resolvidos pela prevenção (arts. 105 e
106 do CPC). Por fim, anota que foi justamente a competência
concorrente entre as Capitais dos Estados e o Distrito Federal para as
situações de dano nacional que provocou a malsucedida redação do art.
16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), promovida pela Medida
Provisória n. 1.570/97, que buscou restringir a abrangência nacional das
decisões.43
Ao tratar dos casos em que os danos não atingem
propriamente todo o território nacional ou de um Estado, a exemplo da
afetação de dois ou três Estados, bem como de duas ou três comarcas
de uma mesma unidade federativa, a autora sustenta que haverá,
conforme prefere denominar, danos não propriamente nacionais ou não
propriamente regionais.
Para os casos de danos não propriamente nacionais, seriam
competentes, concorrentemente, quaisquer dos juízos de uma das
Capitais dos Estados atingidos. Já no caso de danos não propriamente
regionais, a competência concorrente abrangeria os juízos das comarcas
afetadas. Sendo concorrente a competência, incidem as regras da
prevenção previstas nos arts. 105 e 106 do Código de Processo Civil.
43 Ob. cit., p. 879.
41
5.2.2. A posição de RIZZATTO NUNES
Para esse autor, a regra do art. 93 da Lei n. 8.078/90 (Código
de Defesa do Consumidor) veio para a proteção do consumidor, contudo,
em razão do microssistema de tutela processual coletiva, não se pode
conceber que estariam regradas somente aquelas ações que
defendessem direitos individuais homogêneos, posto que situada no
Capítulo II do Título III do Código, “e nem poderia ser de outro modo,
posto que não teria sentido proteger um menor grupo de consumidores –
os que sofreram danos por acidente de consumo – e não proteger um
eventual maior grupo atingido difusamente ou mesmo coletivamente”.44
Com relação à ressalva de competência da Justiça Federal,
inscrita no caput do art. 93 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), entende o doutrinador acertada a posição do Código, uma
vez que respeita e se conforma com aquelas hipóteses previstas
constitucionalmente no art. 109, I, e os §§ 1º ao 4º, da Constituição
Federal, posicionando-o favoravelmente ao cancelamento da Súmula n.
183 do STJ.45
A competência disciplinada no inc. I do art. 93 da Lei n.
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), segundo esse autor, ao
contrário do que sustenta ADA PELLEGRINI GRINOVER (item 5.2.1,
supra), beneficia única e exclusivamente aqueles prejudicados que
tenham domicílio no local do dano, deixando os demais a descoberto,
salvo quando se interpreta sistematicamente o art. 101, inc. I, do Código
consumerista. Anota, nesse passo, que a “hipótese do capítulo II a
regulação é de ações coletivas e no Capítulo III está ligada a ações
individuais”, sendo que não se podem tratar essas hipóteses como
44 Comentários do Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 765-
766. 45 Ob. cit., p. 766-767.
42
excludentes, mas, sim, como integradoras, uma vez que “pertencem ao
mesmo sistema e ao mesmo título e não se excluem expressamente”.46
Reforça esse entendimento quando aponta que o caput do art.
101 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) reconhece
expressamente a aplicação do Capítulo II, quando diz: “na ação de
responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo
do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as
seguintes normas”, o que resulta no não afastamento entre o art. 101 do
CDC e as normas do Capítulo II. Resumindo: “a regra do art. 101 vale
naquelas do art. 93, I”.
Finalmente, sintetiza o autor que “interpretando-se
sistematicamente o modelo adotado na combinação do art. 93, I, com o
art. 101, I, têm-se que a competência para o ajuizamento de qualquer
ação para apurar a responsabilidade do fornecedor pelos danos
causados na ação coletiva, quando o dano for de âmbito local”,
afirmando implicitamente que nesse caso se trata de competência
relativa, uma vez que o autor poderá escolher entre “o foro do lugar onde
ocorreu ou deva ocorrer o dano” ou “no domicílio do autor”.47
Com relação aos danos de âmbito regional ou nacional,
previstos no art. 93, inc. II, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), entende o doutrinador que a redação imprecisa do
dispositivo rendeu divergência entre diversos autores, sendo que com
relação aos danos de abrangência nacional ora uns entendem que o foro
deve ser “sempre” o do Distrito Federal, a exemplo de ADA PELLEGRINI
GRINOVER (item 5.2.1, supra) ora outros adotam o posicionamento de
que há competência concorrente entre o Distrito Federal e as Capitais
dos Estados, a exemplo de ARRUDA ALVIM e TEREZA ALVIM.
46 Ob. cit., p. 767. 47 Ob. cit., p. 767-768.
43
Para esse autor, os danos também podem ser aqueles não
propriamente regionais e não propriamente de âmbito nacional, ou seja,
afetem uma região brasileira, por exemplo, a região sul e um Estado do
Sudeste. Nesse caso, ainda que prefira a centralização no Distrito
Federal, reconhece que a doutrina tem entendido que será competente o
foro de quaisquer das capitais dos Estados atingidos.48
Analisando as situações defendidas pela doutrina, o autor se
inclina para a adoção de que na hipótese de dano de abrangência
nacional haverá competência concorrente entre as capitais dos Estados
e o Distrito Federal, por ser a “mais consentânea com o espírito de
proteção do consumidor”, concluindo que “fica claro que é indiferente
para a norma o local do ajuizamento da ação coletiva, quando o dano for
de âmbito nacional: pode ser qualquer capital de Estado ou Distrito
Federal, definindo-se a dúvida pelas regras da competência concorrente
estabelecidas no Código de Processo Civil”.49
Quando se tratar de dano de âmbito regional, o autor conclui
que “em se tratando de várias cidades de um mesmo Estado, o foro da
Capital deste será o competente”, sendo que “se envolver cidades de
mais de um Estado, qualquer dos foros das capitais será competente,
concorrentemente”. Contudo, afirma que no caso de, por exemplo, duas
cidades do mesmo Estado, qualquer delas terá foro competente. Por fim,
trata o autor das regiões metropolitanas (art. 25, § 3º, da CF), afirmando
que será competente o foro da capital respectiva.50
5.2.3. A posição de HUGO NIGRO MAZZILLI
48 Ob. cit., p. 769-771. 49 Ob. cit., p. 771. 50 Ob. cit., p. 772-773.
44
A opinião desse autor diverge particularmente dos demais,
notadamente dos citados neste trabalho (itens 5.2.1 e 5.2.2, supra), uma
vez que não considera que a competência para a ação civil pública seja
territorial, além do que não a entende como especificamente funcional,
segundo a redação do art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública). Apenas se limita a reconhecê-la como “absoluta, no foro do
local do dano”, afirmação que não abandona o aspecto territorial,
contudo, assevera que a lei não “instituiu juízos com competência
funcional para a defesa dos interesses difusos ou coletivos”, mas, sim,
que quis se referir à competência absoluta e, portanto, inderrogável e
improrrogável por vontade das partes.51
Para a defesa dos interesses difusos e coletivos, segundo o
doutrinador, trata-se de competência absoluta, sem qualquer exceção ou
mitigação. Com relação aos individuais homogêneos, entretanto, afirma
que o art. 93 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)
instituiu regras próprias, notadamente para danos nacionais ou regionais,
conforme o inc. II.52
Quanto à extensão da regra do art. 93, o autor afirma que
muito embora esteja esse dispositivo situado no Capítulo II do Título III
da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que trata da
defesa dos interesses individuais homogêneos, aplica-se a qualquer
interesse dessa categoria e não exclusivamente àqueles tutelados pelo
Código consumerista. Completa dizendo, ainda, que essas mesmas
regras devem ser aplicadas para a instauração de inquérito civil,
ajuizamento de ações coletivas e da própria ação popular, não
importando a abrangência do dano.53
51 Ob. cit., p. 232-233. 52 Ob. cit., p. 233. 53 Ob. cit., p. 233-234.
45
Reconhecendo a integração entre a Lei n. 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública) e a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor) para a formação do microssistema, esse estudioso
reconhece há de se respeitar a competência da Justiça Federal,
ressalvada expressamente no caput do art. 93 do CDC, aderindo àqueles
que concordam com o cancelamento da Súmula n. 183 do STJ.
Assim, defende que as ações coletivas para a defesa de
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos devem ser
propostas no foro do local do dano, quando a ofensa for local, e, sendo
de âmbito regional ou nacional, poderão ser propostas igualmente no
foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, aplicando-se as regras
dos arts. 105 e 106 do Código de Processo Civil para a competência
concorrente.
Ao final, ombreia-se com ADA PELLEGRINI GRINOVER na
fixação de foro competente quando se tratar de danos não propriamente
regionais ou nacionais, onde a competência será, respectivamente, do
foro de uma das comarcas afetadas ou de uma das Capitais dos Estados
ou do Distrito Federal (item 5.2.1, supra).54
Nos casos de dano regional ou nacional, bem como naqueles
em que a extensão da ameaça ou do dano não seja propriamente
regional ou nacional, haverá competência concorrente entre os foros das
comarcas atingidas ou das Capitais dos Estados e o Distrito Federal, a
depender do caso concreto. De qualquer forma, como sugere o autor, a
prevenção é que determinará a competência, conforme o que rezam os
arts. 105 e 106 do Código de Processo Civil.
Além dessa disposição, há aquela do parágrafo único do art. 2º
da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que diz: “a propositura da 54 Ob. cit., p. 238-239.
46
ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente
intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido”.
Essa mesma regra está prevista no § 5º do art. 17 da Lei n. 8.429/92 (Lei
de Improbidade Administrativa). Ambas as redações foram determinadas
pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001.55
Para a defesa dos interesses individuais homogêneos o autor
entende que se trata de competência territorial ou relativa, uma vez que o
art. 93 não referiu à natureza funcional ou absoluta, a exemplo do que
vem expressamente gravado no art. 209 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).
Afirma, ainda, que o art. 101 da Lei n. 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor) estipula que a ação de responsabilidade civil do
fornecedor de produtos e serviços poderá ser proposta no domicílio do
autor, além de poder ser intentada no local do dano, o que resulta na
instituição de uma opção para o autor, o que não se conforma com as
regras da competência absoluta. Ainda que entenda categoricamente
dessa forma, reconhece que há peculiaridades nessa competência
relativa, a exemplo da impossibilidade de eleição ou prorrogação de foro
por iniciativa dos legitimados às ações coletivas.
5.3. O art. 16 da LACP e o art. 93 do CDC: um caso concreto e sua
crítica
5.3.1. A filosofia da jurisdição coletiva
Não se pode olvidar que o fenômeno advindo dos conflitos na
sociedade de massa não pode ser enfrentado com idênticos
instrumentos processuais ou com a utilização ordinária de um
ferramental criado e desenvolvido para a solução de conflitos atomizados 55 Ob. cit., p. 244.
47
(indivíduo versus indivíduo). Arrisco a dizer que nem mesmo para os
embates individuais o Código de Processo Civil tem servido a contento, o
que vem justificando inúmeras e seguidas alterações legais.
Ignorar que o utilizador do direito processual civil brasileiro é
fruto de uma formação exclusivamente voltada para pacificação de
conflitos individuais, sem prejuízo do litisconsórcio, é prestar um
desserviço ao progresso do pensamento jurídico pátrio, posto que todos
se encontram prostrados ante a inércia pejorativa do Poder Judiciário em
atender às provocações do autor ou isentar o réu da inquinação.
O produto dessa ortodoxia processual, preterindo-se o
resultado em favor do formalismo exagerado ou desproporcional, em
verdadeira autofagia, precisa ser evitado a qualquer custo, sem que seja
necessário destruir ou ignorar todos os avanços que a Ciência
processual conquistou para resolver os conflitos individuais.
Há necessidade, sim, que se tenha coragem intelectual para
reinventar o processo, pondo o que se tem hoje positivado efetiva e
concretamente a serviço da universalidade de cidadãos, especialmente
para que aqueles interesses de natureza indivisível possam ser gozados
pelos respectivos titulares.
Deve-se sempre recordar que nos conflitos intersubjetivos o
bem jurídico é reclamado por uma das partes em detrimento da outra,
possibilitando-se que a fração reivindicada seja medida, separada e
apropriada individualmente pelo vencedor no embate entre pretensão e
resistência. Aqui, há consciência e voluntariedade expressas no ato do
interessado em provocar individualmente a jurisdição (arts. 3º e 6º do
CPC).
48
Nos conflitos transindividuais, por seu turno, os titulares
indeterminados ou indetermináveis serão beneficiados pela apropriação
simultânea da integralidade do objeto da pretensão, em razão de sua
indivisibilidade, padecendo aos agraciados a possibilidade de fracionar o
bem jurídico difuso ou coletivo conquistado, salvo quando se tratar de
direitos individuais homogêneos. Nesses casos, nem sempre os
favorecidos têm conhecimento ou tiveram a iniciativa para a ação
aforada, mas, inconsciente e involuntariamente, acabam experimentando
o gozo da conquista (arts. 81 e 90 do CDC e art. 21 da LACP).
Em ambos os casos, um aspecto permanece inalterado para os
indivíduos e para a transindividualidade: os limites subjetivos da coisa
julgada, ou seja, o espectro lançado sobre aqueles que são atingidos
pela qualidade da imutabilidade da declaração de mérito, atinge os
titulares da pretensão onde quer que se encontrem, tanto para reclamar
o direito (consumidor) quanto para cumprir a obrigação (fornecedor).
Exemplificando: a sentença de mérito que veda a fabricação, a
distribuição e a comercialização de determinado produto nocivo à saúde
do consumidor, proferida pelo juízo de Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, tem incidência em todo o território nacional, sob pena de se ofender
o princípio da isonomia, uma vez que permitirá que o indigitado bem
possa continuar a agravar a sadia qualidade de vida dos consumidores
do restante do País.
Reconhecendo aquelas discrepâncias e essa identidade,
RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO afirma que existem “pontos de
estrangulamento” na jurisdição coletiva, sendo um deles a questão dos
limites subjetivos da coisa julgada. A jurisprudência tem se esquecido
que a “jurisdição é de âmbito nacional”, tanto a singular quanto a coletiva,
bem como que “nossa Justiça é unitária”, não se podendo confundir a
competência, que é apenas “critério de repartição do trabalho judiciário”,
49
com aquela qualidade que se agrega à sentença de mérito, promovendo
a coisa julgada material: a imutabilidade da declaração dispositiva.56
5.3.2 Coisa julgada e os interesses transindividuais
Trata-se, enfim, de tornar eficazmente imutável, de forma
absoluta, a solução dada àquele embate, garantindo efetividade à
atividade jurisdicional por meio da autoridade da coisa julgada, nos
termos do § 3º do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, verbis:
“chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não
caiba recurso”.
O art. 467 do Código de Processo Civil, por sua vez, reza que
“denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário”, devendo ser entendida como uma qualidade que torna
imutável o efeito declaratório da sentença.
Essa imutabilidade, como “qualidade do efeito declaratório da
sentença”, vincula as partes (e sucessores) do respectivo processo,
impedindo a rediscussão entre elas, sob pena de se configurar a
litispendência, na definição do § 2º do art. 301 do Código de Processo
Civil: “uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a
mesma causa de pedir e o mesmo pedido”.
Examinemos, brevemente, os efeitos da coisa julgada, tanto
com relação às partes (autor e réu), que define os limites subjetivos,
quanto com relação à matéria atingida pela declaração de mérito contida
no dispositivo da sentença, que respeita aos limites objetivos. Tais
aspectos não podem ser ignorados para a análise do acórdão que se põe
56 Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada: teoria geral das ações coletivas. São Paulo : Revista
dos Tribunais, 2006, p. 325.
50
sob análise e crítica, por se tratar de questão vital para a tutela de
direitos coletivos ou para a tutela coletiva de direitos, como assenta
TEORI ALBINO ZAVASCKI.57
Por limites subjetivos da coisa julgada pode-se entender, com
LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART,58 como
sendo “em princípio, portanto, tomando a regra geral, tem-se que
somente as partes (e seus sucessores, por inferência lógica) ficam
acobertadas pela coisa julgada. Autor e réu da ação ficam vinculados à
decisão judicial, já que foram sujeitos do contraditório que resultou na
edição da solução judicial”.
ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,59 depois de
considerarem que a coisa julgada material deve ser entendida como “a
imutabilidade da sentença, no mesmo processo ou em qualquer outro,
entre as mesmas partes”, o que impede o juiz de voltar a julgar, as partes
a renovar a discussão ou o legislador em regular diversamente a relação
jurídica acobertada, afirmam que “a eficácia natural da sentença vale
erga omnes, enquanto autoridade da coisa julgada somente existe entre
as partes”.
Portanto, os limites subjetivos da coisa julgada (material)
devem ser encontrados na definição precisa de quem será atingido por
sua autoridade, o que atende a uma necessidade política: quem não
participou do contraditório não pode ser prejudicado. O art. 472 do
Código de Processo Civil afirma que “a sentença faz coisa julgada às
57 Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo :
Revista dos Tribunais, 2006, p. 39. 58 Manual do Processo de Conhecimento. 5 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p.
638. 59 Ob. cit., p. 327.
51
partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando
terceiros”.
Já se sabe que a jurisdição é uma das funções do poder estatal
que, a exemplo deste, é essencialmente unitária, homogênea, indivisível,
indelegável, não comportando divisões, ressalvada a simples utilidade
didática, estendendo-se por todo o território nacional. Uma sentença de
mérito proferida em São Paulo-SP conserva, até sua rescisão, a
qualidade da imutabilidade da coisa julgada em todo o território nacional
entre as partes.
Não se pode deixar de creditar ao legislador o impulso para
que a jurisprudência se incline a limitar a extensão dos efeitos subjetivos
da coisa julgada, ao tempo em que editou a Medida Provisória n. 1.570-
5, convertida na Lei n. 9.404/97, que alterou a redação do art. 16 da Lei
n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), dizendo: “a sentença civil fará
coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão
prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Para TEORI ALBINO ZAVASCKI, a coisa julgada material, nos
termos do art. 467 do Código de Processo Civil, deve ser entendida
como “um fenômeno que se passa exclusivamente no plano do direito. É
uma qualidade da sentença: a sua imutabilidade”, o que se aplica
“também às sentenças proferidas nas ações civis públicas, a coisa
julgada é a eficácia que as torna imutáveis e indiscutíveis”, salvo quando
houver improcedência ante a falta de provas. Por sua vez, os limites
subjetivos da coisa julgada não podem ser fracionados ou cindidos, pois
“a extensão subjetiva universal (erga omnes) é conseqüência natural da
transindividualidade e da indivisibilidade do direito tutelado na demanda”,
uma vez que “são direitos indivisíveis pertencentes a toda a coletividade,
52
a sujeitos indeterminados” e, por isso, “não há como estabelecer limites
subjetivos à imutabilidade da sentença. Ou ela é imutável, e, portanto, o
será para todos, ou ela não é imutável, e, portanto, não faz coisa
julgada”.60
A respeito do atual texto do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública), RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO afirma que
“não há como negar que é aberrante da lógica e do sistema a inserção
que a Lei 9.494/97 (antes Medida Provisória), fez no art. 16 da Lei
7.347/85, com a cláusula que condicionou a coisa julgada na ação civil
pública aos “limites da competência territorial do órgão prolator”, porque
aquele dispositivo trata de limites subjetivos da coisa julgada, ao passo
que o elemento território diz com outro registro processual, a saber o da
competência, resolvido no art. 2º da Lei 7.347/85, c/c art. 93 da Lei
8.078/90, resultando na trifurcação do foro em razão direta de ser o dano
local, regional ou nacional”.61
Para SÉRGIO SHIMURA, na análise do art. 16 da Lei n.
7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), “confunde-se competência de juízo
com os limites da coisa julgada e com a eficácia da sentença”, não se
podendo aceitar “a fragmentação da eficácia da sentença” que “é
incompatível com a indivisibilidade do objeto”, uma vez que a sentença
de mérito que julgar procedente o pedido terá “eficácia erga omnes”, sob
pena de se contrariar o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal
(ubiqüidade da jurisdição) por imposição ilegítima de limites subjetivos à
coisa julgada.62
Assim, tem-se que não será a regra de competência suficiente
para fracionar o direito transindividual (difuso e coletivo), que tem
60 Ob. cit., p. 78. 61 Ob. cit., p. 329. 62 Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo : Método, 2006, p. 97-100.
53
natureza essencialmente indivisível, uma vez que em razão da eficácia
erga omnes todas as partes interessadas suportarão sua incidência
(secundum eventum litis), não importando onde estejam. Caso contrário
será produzido um ilegítimo e absurdo fato a aviltar a isonomia entre
brasileiros.
Para NELSON NERY JUNIOR, a coisa julgada erga omnes ou
ultra partes (art. 103 do CDC) promove a inserção no seu espectro de
todos aqueles que, direta ou indiretamente, estejam envolvidos na
matéria objeto da ação civil pública, estejam onde estiverem no território
nacional, afirmando que há inconstitucionalidade no art. 16 da Lei n.
7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), em razão do inaceitável
fracionamento dos limites subjetivos da coisa julgada, que foi confundida
com competência. Simplifica, com razão, dizendo que “o que importa é
quem foi atingido pela coisa julgada material”, uma vez que qualquer
decisão do Poder Judiciário “pode ter eficácia para além do seu
território”. Defende este autor, inclusive, que o art. 103 do Código de
Defesa do Consumidor, por haver regrado integralmente a coisa julgada
no processo coletivo, revogou tacitamente o art. 16 referido. Por fim,
exemplifica dizendo que uma pessoa divorciada por sentença proferida
por determinado juízo é e continuará sendo divorciada em qualquer outro
lugar onde se encontre, não podendo ser aceitável que a transposição de
limites de competência territorial possa torná-la casada novamente.63
TEORI ALBINO ZAVASCKI critica a interpretação literal do art.
16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), afirmando que a adoção
essa modalidade induz equivocadamente que a coisa julgada estaria
circunscrita a um determinado espaço físico, o que resulta em
63 Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. São Paulo : Revista dos
Tribunais, 2006, p. 514-515.
54
incompatibilidade com o instituto da coisa julgada, fragmentando a
qualidade da sentença ou a relação jurídica nela certificada.64
Contudo, esse mesmo autor faz uma distinção: o art. 16 da Lei
n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) merece interpretação distinta
dependendo da natureza do direito tutelado, se tipicamente
transindividual ou individual homogêneo. Com fundamento nessa
distinção, afirma que não se pode aplicar a restrição à coisa julgada
quando se tratar de direitos difusos ou coletivos (indivisibilidade e
indeterminação). Já com relação aos direitos individuais homogêneos
(divisibilidade e determinação), entende aplicável a limitação, uma vez
que se reduziria o espectro da sentença e não da coisa julgada, segundo
uma interpretação sistemática e histórica com o art. 2º-A da Lei n.
9.494/97, que diz: “a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo
proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses dos seus
associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da
propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do
órgão prolator”.65
Contudo, a afirmação acima de que o art. 2º-A da Lei n.
9.494/97 deve ser fator de diferenciação não escapa das críticas da
doutrina, pois, segundo HUGO NIGRO MAZZILLI “não podemos dar,
entretanto, interpretação ampliativa às restrições que canhestramente
tentou criar o administrador com mais essa medida provisória”, afirmando
que a adoção desse entendimento impossibilitaria que associações de
caráter nacional ou regional (bancários, servidores públicos etc.)
pudessem defender coletivamente direitos de seus associados. 66
64 Ob. cit. 79. 65 Ob. cit., p. 79-80. 66 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
patrimônio público e outros interesses. 16 ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 258.
55
Em igual sentido NELSON NERY JUNIOR aponta a
impropriedade da restrição do o art. 2º-A da Lei n. 9.494/97, sobretudo
do seu parágrafo único, posto que procura limitar o alcance da coisa
julgada erga omnes ou ultra partes no trato de direitos transindividuais,
concluindo por sua inconstitucionalidade. 67
Por fim, entendem HUGO NIGRO MAZZILLI68 e NELSON
NERY JUNIOR69 que a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas
(sentido amplo) está integralmente disciplinada no art. 103 do Código de
Defesa do Consumidor, sendo que o art. 2º e o art. 2º-A da Lei n.
9.494/97, ao pretenderem modificar o art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública), acabaram por produzir inocuidade, uma vez que este
dispositivo estaria “revogado tacitamente” pelo regramento do Código de
Defesa do Consumidor (art. 21 da LACP e art. 90 do CDC).
Realmente, não se pode adotar a interpretação literal de forma
absoluta, porém, desprezar o exame das palavras e seus significados
compromete com a morte a compreensão do resultado do exercício de
interpretação, que busca nada mais do que a exata conjugação das
significações de cada uma delas.
Assim, ainda que se adote como fundamento para justificar a
limitação da coisa julgada ou da sentença, como queira, o art. 2º-A da Lei
n. 9.494/97 cria restrição que, como se sabe, deve ser interpretada
restritivamente, não se podendo ignorar que o dispositivo diz “em ação
de caráter coletivo, proposta por entidade associativa, na defesa dos
interesses de seus associados”, o que não autoriza aplicar essa restrição
ao Ministério Público, como no caso concreto sob comento, por exemplo.
67 Constituição Federal Comentada e legislação constitucional. São Paulo : Revista dos
Tribunais, 2006, p. 487. 68 Ob. cit., p. 237. 69 Ob. cit., p. 515.
56
Literalidade por literalidade, restrição por restrição, aquela que
restrinja menos deve ser adotada para a tutela de pretensões
transindividuais.
5.3.3. O caso concreto: Recurso Especial n. 838.978
O recurso especial em comento origina-se na ação civil pública
proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais perante o
juízo da 5ª Vara de Fazenda e Registros Públicos de Belo Horizonte,
sendo pretendido que o Estado de Minas Gerais fornecesse uma série de
medicamentos aos pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS em
tratamento no respectivo Estado, desde que fossem portadores da
Doença de Crohn e Retocolite e apresentassem prescrição médica. O
pedido liminar foi deferido, marcando-se o prazo de 30 (trinta) dias para o
cumprimento, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais).
Agravando o Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça mineiro
ratificou a decisão liminar integralmente, bem como rejeitou os embargos
de declaração.
Diante disso, o Estado de Minas Gerais aviou recurso especial
que, entre outras, pretendeu restringir os limites subjetivos da coisa
julgada aos limites do órgão prolator, qual seja, a comarca de Belo
Horizonte, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública).
O Ministro Relator, depois de rechaçar os demais fundamentos
do recurso especial, aporta na questão do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei
da Ação Civil Pública) com a seguinte frase: “por fim, quanto aos efeitos
da coisa julgada, verifico que tampouco merece prosperar a irresignação
do recorrente”. Contudo, essa assertiva não é suficiente para se concluir
57
que o acórdão tenha aberto dissidência no entendimento jurisprudencial
daquela Corte.
Mais adiante e no acórdão sob análise, depois de transcrever o
art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e de colecionar os
dois precedentes já referidos, adota o Ministro Relator um entendimento
que merece destaque: “no caso específico dos autos, trata-se de ação
civil pública ajuizada em desfavor do Estado de Minas Gerais,
requerendo o fornecimento de medicamentos a portadores de doenças,
não sendo lógico que se limite tal condenação aos moradores da
Comarca de Belo Horizonte, juízo em que distribuída a ação e proferida a
liminar. O ajuizamento da ação no Juízo de Direito da 5ª Vara da
Fazenda Pública de Belo Horizonte se deu tão-somente porque a sede
do Estado de Minas Gerais se encontra em sua capital, inexistindo um
Juízo comum que tenha abrangência em todo o Estado”.
E prossegue o acórdão, inflando de expectativa o leitor: “a
adstringência dos efeitos da coisa julgada ao Município de Belo
Horizonte violaria o princípio da isonomia, na medida em que beneficiaria
apenas os pacientes da capital, em detrimento dos moradores de todos
os outros municípios do Estado, mesmo porque o Estado de Minas
Gerais figura no pólo passivo da lide”.
Houvesse o acórdão sido encerrado neste ponto, teríamos uma
autêntica e legítima inauguração da tão esperada dissidência quanto ao
entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça ao aplicar o
art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
Contudo, o arremate final semeia a frustração, precisamente
quando justifica no seguinte entendimento o não provimento do recurso
especial: “ademais, a decisão que concedeu a liminar foi confirmada por
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao negar
58
provimento ao agravo de instrumento interposto pelo réu, o qual possui o
efeito de substituir aquele decisum, sendo, portanto, o órgão prolator do
julgado que confirmou o pedido inicial. Sendo assim, os efeitos subjetivos
da coisa julgada devem abranger os portadores de Doença de Crohn e
Retocolite Ulcerativa, pacientes do SUS de todo o Estado de Minas
Gerais”.
Assim, depois de reconhecer que não se podem restringir os
limites subjetivos da coisa julgada, sob pena de ofensa ao princípio da
isonomia, o acórdão invoca o elemento “competência territorial” do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais para, com fincas nisso, garantir a
todos os pacientes o acesso aos remédios, nos termos da inicial e
liminar.
Diante dessa ida e vinda, entre os institutos da coisa julgada e
da competência, bem se faz analisar o raciocínio que conduz o acórdão.
O acórdão, primeiramente, admite que não se possam limitar
os efeitos subjetivos da coisa julgada ao território do órgão prolator, qual
seja, a comarca de Belo Horizonte, sede do Estado, em razão de ser
incompatível com o princípio constitucional da isonomia. Em seguida,
reconhece que sendo o Estado de Minas Gerais o réu na demanda já
seria o suficiente para que a coisa julgada beneficiasse a todos os
portadores daquelas doenças no Estado, desde que pacientes do
Sistema Único de Saúde – SUS e reclamassem os remédios sob
prescrição médica.
Nessa fração do acórdão não se admite a restrição territorial
afeta ao Juiz de primeiro grau sirva de limitação à imutabilidade do
decisum, espalhando a liminar o efeito erga omnes para todo o território
do Estado. Anote-se que para decidir nesse sentido, o acórdão sequer
invoca ou traz à discussão as regras do art. 103 do Código de Defesa do
59
Consumidor que, segundo a doutrina anteriormente colecionada, trata
integralmente da coisa julgada nas ações coletivas (sentido amplo). Esse
silêncio no acórdão autoriza concluir que a restrição do art. 16 da Lei n.
7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) é de todo descabida, tanto jurídica
quanto logicamente, independendo do art. 103 do Código de Defesa do
Consumidor.
Contudo, finaliza o acórdão dizendo, em síntese, o seguinte: já
que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem competência em todo o
respectivo território a questão dos limites subjetivos da coisa julgada
estaria resolvida, uma vez que a decisão do agravo substitui a liminar de
primeiro grau, todos os doentes naquelas condições poderiam receber os
medicamentos, mediante prescrição médica.
E é aqui, neste exato ponto, que o acórdão reproduz retrocesso
no trato das ações coletivas, fundando-se na confusão entre coisa
julgada e competência. Pois, como se sabe, todas as decisões judiciais
de mérito qualificadas pela imutabilidade da coisa julgada, tanto a do Juiz
de primeiro grau quanto à do Superior Tribunal de Justiça, têm validade e
eficácia em todo o território nacional, ainda que a competência territorial
daquele seja mais restrita do que a deste.
Reforçando os argumentos críticos em face do acórdão,
indaga-se: se a decisão em agravo proferida pelo Tribunal de Justiça
mineiro substitui a decisão do Juiz de primeiro grau, e somente por esse
motivo obriga a satisfação da pretensão em todo o Estado de Minas
Gerais, por que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que substitui
as decisões anteriores, não obriga os demais Estados da federação,
individualmente, ou a União na entrega daquela mesma prestação, já
que todo o território nacional está inserido nos limites da sua
competência territorial?
60
A resposta é simples: porque o instituto da coisa julgada,
quando se trata de limites subjetivos, adere a qualidade de imutável às
partes que participaram do devido processo legal e não ao território sob a
competência do órgão prolator da decisão, salvo na hipótese de
improcedência ante a ausência de provas (secundum eventum litis ou in
utilibus).
Por fim, não é a competência territorial do órgão prolator da
decisão que outorga limites subjetivos à coisa julgada, pois, pensando-se
assim, ao mesmo tempo em que se reafirma a adequação jurídica do art.
16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), deverá ser considerado
inadequado juridicamente o regramento do art. 103 do Código de Defesa
do Consumidor.
6. Conclusão
A jurisdição nas demandas individuais ou coletivas (sentido
amplo) tem a mesma natureza jurídica, preservando essencialmente
aqueles mesmos atributos que a doutrina refere, dentre eles, o de ser
atividade de caráter substitutivo, de perfil unitário e de ser parcelo do
Poder soberano destinada à pacificação dos conflitos.
O art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) instaura
a competência funcional para as ações civis públicas e, portanto,
absoluta, considerando o aspecto territorial e se aproximando daquela
previsão do art. 100, inc. V, a, do Código de Processo Civil.
O art. 93 do Código de Defesa do Consumidor se aplica às
ações coletivas (sentido amplo) que versem sobre direitos difusos,
coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, muito embora esteja
situado no Capítulo II do Título III do citado Código. Não se pode
entender contrariamente, pois se estará dando maior proteção aos
61
beneficiários dos interesses individuais homogêneos em desprestígio aos
titulares dos difusos e coletivos stricto sensu, conforme definição do art.
81.
O art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e o art.
93 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) devem ser
interpretados em harmonia com o art. 109, inc. I, da Constituição Federal,
preservando-se a competência dos juízes federais nas hipóteses
previstas constitucionalmente.
O cancelamento da Súmula n. 183 do SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA foi oportuno e correto, uma vez que interpretou
inadequadamente o art. 109, § 3º, da Constituição Federal,
restabelecendo o atendimento ao princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII
e LIII, da CF).
A competência é absoluta para as ações coletivas destinadas
aos interesses difusos e coletivos stricto sensu, segundo o art. 2º da Lei
n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e o art. 93 da Lei n. 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor). Para os interesses individuais
homogêneos seria relativa, pois o inc. I do art. 101 do CDC criou
alternativa para a propositura de ação de responsabilidade civil do
fornecedor de produtos e serviços, deixando à escolha do autor a
propositura no local do dano ou no domicílio do autor.
As ações coletivas que versem sobre dano de âmbito regional,
aqui entendido como aqueles que atinjam todo o território de um Estado,
devem ser propostas no foro da capital respectiva, nos termos do art. 93,
inc. II, do CDC.
Já as ações coletivas que tratem de danos de âmbito nacional,
ou seja, que abranjam todo o território nacional, devem ser aforadas em
62
qualquer das Capitais dos Estados ou no Distrito Federal,
concorrentemente. A competência concorrente.
De outra parte, as ações coletivas que tratem de danos que
transcendam uma comarca ou uma seção judiciária, mas, não englobem
todo o território do Estado, denominados não propriamente regionais,
poderão ser ajuizadas em quaisquer dos foros dos locais afetados,
resolvendo-se a competência pelas regras da prevenção.
No caso de ações coletivas que versem sobre os denominados
danos não propriamente nacionais, ou seja, aqueles que transcendem o
território de mais de um Estado, porém, não atinjam todo o território
nacional, serão competentes quaisquer dos foros das Capitais dos
Estados afetados, obedecendo-se as regras da prevenção.
Nas hipóteses de dano de âmbito regional ou de âmbito
nacional, bem como naqueles denominados não propriamente regionais
ou nacionais, a competência será firmada pela prevenção, conforme as
regras dos arts. 105 e 106 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do
parágrafo único do art. 2º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
A coisa julgada, notadamente os limites subjetivos, mereceu do
legislador brasileiro, tanto na Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)
quanto no Código de Defesa do Consumidor (conflitos transindividuais),
tratamento diverso daquele dispensado pelo Código de Processo Civil
(conflitos individuais), obviamente mais favorável em razão dos efeitos
erga omnes ou ultra parte ou quando determina que não haja coisa
julgada se a sentença se inclinar pela improcedência por ausência de
prova.
Não havendo, portanto, qualquer diferença conceitual ou de
princípios entre a jurisdição singular ou a jurisdição coletiva, sendo a
63
coisa julgada nos conflitos transindividuais mais favorável para os
titulares do direito se comparada com os embates individuais. A
competência territorial, que é mero fator de distribuição do serviço
judiciário, não tem potência para, usurpando a qualidade de imutável das
decisões, deturpar os limites subjetivos da coisa julgada.
O art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) não se
conforma adequadamente com a Constituição Federal, desde a sua
origem, uma vez que a Medida Provisória n. 1.570-5, convertida na Lei n.
9.494/97, não obedeceu aos requisitos da urgência e relevância exigidos
constitucionalmente pelo art. 62.
Não há razão para que os direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos mereçam incidência diversa da coisa julgada
material, uma vez que o art. 2ª-A da Lei n. 9.494/97 se apresenta
igualmente em desconformidade com a Constituição Federal, além do
que, ad argumentandum, somente se aplicaria às associações e quando
agissem sob o regime da representação, mas nunca ao Ministério
Público. As normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente.
No caso concreto do Recurso Especial n. 838.978, a decisão
do Juiz de primeiro grau já teria força normativa suficiente, com fincas na
Constituição Federal, para espalhar seus efeitos por todo o território
mineiro pelo simples fato de haver deferido satisfação de pretensão
transindividual em desfavor do Estado de Minas Gerais, sendo
irrelevante a decisão do agravo para os fins da conformação dos limites
subjetivos da coisa julgada.
No acórdão, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a
inadequação do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) na
restrição que impõe aos limites subjetivos da coisa julgada, apontando-o
como ofensor do princípio da isonomia, mas, ao mesmo tempo, invoca o
64
critério da competência territorial do Tribunal de Justiça mineiro para
justificar o efeito erga omnes no território do respectivo Estado,
retrocedendo paradoxalmente.
Assim, todas as vezes que os juízes ou os Tribunais
consagram a interpretação inadequada do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei
da Ação Civil Pública), acabam por produzir um retrocesso àqueles
tempos imemoriais referidos historicamente neste trabalho, pois
pretendem isolar em determinado território a imutabilidade da coisa
julgada, fazendo com que em cada grotão deste País seja necessária
uma decisão diversa acerca da mesma ofensa, como se não vivêssemos
em sociedade.
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