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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO | ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES | PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS || (CAP 5400) COR E CIDADE | PROF. MARCO G. GIANOTTI | 2015/01 Colagem e montagem cinematográfica Raquel Magalhães Colagem e montagem: fragmento e sentido A colagem é uma técnica que se desenvolve no período do modernismo, oficialmente, tem início por volta de 1912 com os papier-colle de Braque e Picasso. A colagem não se limita estritamente ao procedimento de colar papeis ou materiais sobre uma superfície. Ela na verdade engloba uma série de questões que se tornam definitivas para toda arte moderna e o que surge depois dela. Proporciona um rompimento do espaço perspectivado na pintura, e com isso, todo caráter mimético e ilusionista. A pintura passa não mais a ser um espelho do mundo, mas sim uma realidade em si. No momento em que salienta sua própria

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO | ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES | PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES VISUAIS || (CAP 5400) COR E CIDADE | PROF. MARCO G. GIANOTTI | 2015/01

    Colagem e montagem cinematogrfica Raquel Magalhes

    Colagem e montagem:

    fragmento e sentido

    A colagem uma tcnica que se desenvolve no perodo do modernismo,

    oficialmente, tem incio por volta de 1912 com os papier-colle de Braque e

    Picasso. A colagem no se limita estritamente ao procedimento de colar papeis ou

    materiais sobre uma superfcie. Ela na verdade engloba uma srie de questes

    que se tornam definitivas para toda arte moderna e o que surge depois dela.

    Proporciona um rompimento do espao perspectivado na pintura, e com isso, todo

    carter mimtico e ilusionista. A pintura passa no mais a ser um espelho do

    mundo, mas sim uma realidade em si. No momento em que salienta sua prpria

  • materialidade, seus meios construtivos, a pintura se torna um campo onde ao

    invs de copiar a realidade, a colagem permite a incorporao de pedaos do

    mundo na prpria obra (GIANNOTTI, 2009).

    De maneira semelhante, o prprio cinema, que surge por volta da ultima

    dcada de 1800, inaugura no s uma nova maneira de apresentar imagens, mas

    tambm de operar com elas. De maneira semelhante a uma colagem, a aparncia

    final do filme compreende a manipulao e combinao de inmeros fragmentos

    j existentes, previamente filmados, a fim de serem reorganizados de forma a

    constiturem uma narrativa, um sentido que estranho quelas imagens quando

    sozinhas, que s existe e se faz nesse encontro.

    O conceito de montagem no cinema compreende o ordenamento de

    fragmentos de cenas colocados em sentido narrativo. (AUMONT;

    MARIE,1993:195,196)

    O sentido narrativo depreendido da, no entanto, no se apresenta to bvia

    e instintivamente como poderamos imaginar. O cinema durante boa parte de sua

    histria, foi feito de tentativas de organizar o espao visual projetado de uma

    maneira convincente o suficiente.

    PORTER, Edwin S. Life of an American fireman. Estados Unidos: Edison Manufacturing Co., 1903, 63min.

    O que caracterizava o primeiro cinema era o fato de tudo ser colocado de

    forma simultnea dentro do quadro (MACHADO, 2011:95). Nos primeiros filmes

    em preto e branco, comum ver pedaos de cenas que correspondem a aes

  • em diferentes espaos e tempos, juntas na mesma tela, por exemplo, em A Vida

    do Bombeiro Americano (Edwin S. Porter, Estados Unidos: Edison Manufacturing Co.1903, 63min.)1.

    O uso da tela partida, ou montagem paralela era comum, ento, para mostrar

    diferentes cenas que ocorriam ao mesmo tempo. medida que as histrias

    filmadas foram se tornando mais complexas, foram existindo cada vez mais

    problemas a serem resolvidos para que a narrativa continuasse a parecer

    coerente para os espectadores. Isso envolveu um esforo diretamente

    relacionado ao tipo de edio utilizada. O cinema americano especialmente, com

    David Griffith (LaGrange, 1875 Hollywood, 1948), se encaminhou para umamaneira de montar o filme onde a sucesso das imagens se desse de maneira

    quase invisvel, resultando na construo de narrativas lineares.

    Esse distanciamento progressivo do cinema, iniciado com Griffith, em direo

    a uma linguagem mais prxima da vida real, no entanto, fez com que

    perdssemos muitas descobertas tcnicas e solues visuais que eram ento

    empregadas. Essas solues eram visualmente muito prximas da tcnica da

    colagem que tambm na mesma poca, teve seu incio.

    interessante notar algumas caractersticas comuns que encontramos em

    paralelo nestes dois meios, como: o abarrotamento do espao visual sem

    hierarquia, plano e sem profundidade; a criao de verdadeiras aberraes,

    cabeas gigantes, o uso de diferentes escalas em um mesmo corpo ou partes

    de corpos e/ou objetos unidos de maneira impossvel; e por fim, de diferentes

    formas, uma representao vertiginosa do espao. A presena desses elementos

    tanto no cinema quanto na colagem, evidenciam a superfcie e o material que

    criam a iluso. Essa nfase da materialidade do suporte, e de demonstrao da

    imagem como criao e inveno, prpria do momento histrico/cultural do

    comeo do sculo XX, onde estes dois meios se desenvolveram: o Modernismo.

    1 Interessante notar aqui, que esse filme, o primeiro de Edwin S. Porter, composto por vdeospertencentes ao arquivo de Edison, o que hoje chamamos de stock-footage. Mais tarde, veremos omesmo recurso gerando os estudos de Kuleshov sobre a montagem no cinema, quando ele partetambm de arquivos encontrados e apropriados para criar seus primeiros filmes.

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    marcogiannottiSticky Noteencaminhou-se... veja a regncia verbal

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  • MELIES, George. Le voyage dans la lune. Frana: Star Film Co., 1902, 16min. HAUSMANN, Raoul. Tatlin at home, 1920 colagem papel e guache.

    MELIES, George. Un homme de ttes. Frana: Star Film Co., 1898, 1min. HCH, Hannah. Untitled, 1929, fotomontagem.

    VERTOV, Dziga. Cheloveks kinoapparatom. Russia: VUFKU, 1929, 68min. HCH, Hannah. New York, c.1922, fotomontagem, 29,5x18,5cm.

  • Colagem, Cinema e a Cidade: oinicio do sculo XX

    No inicio do sc. XX, existiu uma profuso de novidades e invenes que

    modificaram drasticamente a vida urbana, especialmente nos grandes centros do

    mundo. No era apenas uma mudana que se sentia, mas uma experincia vivida

    diariamente por aqueles que andavam nas ruas, liam os jornais, viam os panfletos

    ou olhavam as vitrines.

    Houve nesse momento o surgimento de novas tecnologias que tornaram

    possveis no apenas a fabricao de imagens fotografadas e filmadas, mas

    tambm sua larga reproduo, assim como sua utilizao na propaganda, no

    entretenimento e em mensagens politicas. As ruas e vitrines comeam a se

    encher de cartazes, psteres, propagandas. Mais e mais esses sinais da vida

    moderna tomam forma e invadem cada espao da cidade, acumulam-se,

    sobrepem-se uns aos outros e ao espao urbano. Houve uma mudana no

    apenas na cidade, na visualidade da mesma, mas na forma com que as pessoas

    passaram a se relacionar com este espao novo.

    No toa que a colagem, como a conhecemos, sob a forma dos papier-

    colle tenha surgido exatamente neste perodo em um dos maiores centros

    urbanos da poca, Paris.

    De maneira anloga, podemos compreender como ocorreu o surgimento da

    montagem no cinema russo em meados de 1920. Se as grandes transformaes

    urbanas que tomaram conta das grandes cidades na Europa ocorreram na

    primeira dcada do sculo XX, na Unio Sovitica, elas viriam somente aps o

    trmino da Revoluo Russa, em 1917. Nesse perodo, a URSS passou de uma

    espcie de sociedade feudal diretamente para um regime comunista.

    Esse novo governo Bolshevik faz largos investimentos na difuso de seus

    ideais comunistas atravs, principalmente, de uma educao pelas imagens.

    Essas imagens da propaganda, acabaram gerando uma visualidade prpria bem

    como um vocabulrio de imagens e formas, que podemos perceber, remetem e

    tomam de emprstimo muitas das caractersticas da colagem juno de material

    heterogneo, ocupao da superfcie, relaes espaciais entre os elementos,

  • relaes entre forma, cor, figura e palavra.

    RODCHENKO, Alexander. Lengiz livros sobre totdos assuntos .Photomontage, 1925

    Da mesma forma que com os cartazes e mdia impressa, existiu um incentivo

    do governo para a criao de uma indstria cinematogrfica nacional que pudesse

    propagandear o partido assim que plenamente estabelecida.

    Trem de propaganda Bolshevik, carro de cinema V.I Lenin N1, 1918

    No comeo, no entanto, os jovens cineastas russos no partiram

    imediatamente para a criao de filmes prprios, eles comeam reutilizando

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  • antigos rolos de filme que encontravam nos arquivos pblicos. a partir da

    fragmentao desses rolos antigos que surge o interesse em compreender como

    essas imagens, depois de recortadas, poderiam ser recombinadas para criar

    novos significados. Tem incio, assim, uma verdadeira escola de cineastas russos

    interessados na questo da montagem flmica.

    Cinema Russo: Kuleshov, Einseinstein e Vertov

    Entre 1924 e 1930, diversos filmes soviticos apresentaram um estiloradicalmente original, geralmente reconhecido como estilo montagem. Amontagem era utilizada para construir uma narrativa (formulando umtempo e espao artificiais ou guiando a ateno do espectador de umponto da narrativa para outro); para controlar o ritmo, para criarmetforas, e ressaltar pontos retricos.2 (BORDWELL, 1972:9)

    Atravs de um experimento simples de montagem, Lev Kuleshov (Tambov,1899 - Moscou, 1970), em meados de 1920, buscou elucidar e salientar a

    importncia da montagem como sendo determinante para a narrativa flmica. A

    experincia consistia na utilizao de um mesmo take de um homem com uma

    expresso neutra no rosto, combinado e justaposto a trs outros takes diferentes:

    um prato de comida, uma criana morta e uma mulher sedutora. Atravs da

    projeo do filme para um pblico que desconhecia o propsito do experimento,

    foi possvel concluir que frente aos espectadores, a expresso facial do homem

    assumia diferentes humores, denotava diferentes carateres, em decorrncia da

    imagem qual se associava.

    KULESHOV, Lev. Efeito Kuleshov, c. 1920, 46s.

    21Between 1924 and 1930, several soviet films exhibited a radically original film style, generallyknown as the montage style. Montage was used to build a narrative (by formulating an artificial timeand space or guiding the viewers attention from one narrative point to another). To control rhythm, tocreate metaphors, and to make rhetorical points. Em BORDWELL, David. The idea of montage onsoviet art and film. Cinema Journal, vol.11, n2. Texas: University of Texas Press, 1972, p.9-17.

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  • Kuleshov demonstra, assim, de maneira objetiva o que ocorre neste encontro

    entre as imagens, onde elas se contaminam e adquirem um novo significado.

    Eiseinstein, Podovkin, Vertov e outros cineastas russos contemporneos

    Kuleshov teorizaram e praticaram em seus filmes a montagem a partir deste

    mesmo ponto em comum.

    Por sua vez, Sergei Eiseinstein (Riga, 1898 Moscou, 1948), talvez o maisfamoso cineasta russo desse incio de sculo, foi tambm o que teorizou mais a

    fundo a questo da montagem e da linguagem no cinema. Para Eiseinstein a

    montagem no deveria ser uma relao entre imagens por likage (ligao) como

    era para Kuleshov, mas por coliso, conflito. Sua viso sobre a constituio da

    montagem uma pela qual, da coliso de dois fatores determinados, nasce um

    conceito3.

    EISEINSTEIN, Sergei. Strike. Russia: Goskino, 1925, 82min.

    Dizga Vertov (Belostok, 1895 - Moscou, 1954) no entanto, era o mais radical detodos esses grandes nomes. Vertov no acreditava em um cinema com atores,

    enredo ou cenrios. Pretendia mostrar a vida real, e no entanto essa vida real

    mostrada no cinema como uma intrincada construo, uma colagem vertiginosa.

    Para Vertov, como afirma Jacques Aumont,

    entre mostrar e montar, no surpreendente que a montagem seja

    definida por Vertov como uma organizao do mundo visvel,

    diretamente. O cineasta organiza o visvel: por a torna-o realmente

    visvel. (AUMONT, 2012:114)

    Vertov seguia esquemas rigorosos de sua prpria feitura sobre o ritmo do

    filme, o tamanho (durao) de cada take em diferentes posies do rolo, onde

    inserir repeties de imagens, a velocidade das cenas aumentando ou diminuindo

    3 Em: EISEINSTEIN, Sergei. A forma do filme, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.3

    marcogiannottiLine

  • de acordo com o andamento do filme. E mesmo apesar de toda sua rigidez

    tcnica, ele nos apresenta um dos maiores feitos cinematogrficos at hoje:

    Homem com uma Cmera (Cheloveks kinoapparatom. Russia: VUFKU, 1929, 68min). Nele,

    especialmente, Vertov trabalha a montagem a partir de seu conceito de intervalo:

    Em musicologia, um intervalo a distncia entre duas notas, mensurvel

    pela relao de suas frequncias; o ouvido um pouco treinado consegue

    facilmente reconhecer e apreciar essas distncias, e a msica funciona

    assim, concreta e positivamente, com base no que em si apenas uma

    relao abstrata. Foi esta ltima observao que permitiu a utilizao

    matafrica, pelo cineasta russo Dziga Vertov, do termo intervalo para

    designar a distncia entre duas imagens de filme. (AUMONT, 1993:248)

    O intervalo para Vertov, portanto, existe na diferena entre dois planos

    sequenciais. O intervalo um salto de tempo e de diferena que modifica ao

    mesmo tempo em que liga um plano a outro. A narrativa em Vertov, portanto, no

    explcita, ela se faz na medida em que nosso olhar percorre essa distncia entre

    as cenas, e vai juntando as imagens umas s outras, fabulando uma ligao

    coerente.

    VERTOV, Dziga. Homem com uma cmera, Russia: VUFKU, 1929, 68min.

    Vestgios:Tuymans, Tillmans e Fischl, breves comentrios

  • Justapondo essa imagem [Dusk, leo sobre tela, 166x260cm, 2004] comaquela de The Worshipper [leo sobre tela, 194x148cm, 2004] umafigura enigmtica que fotografei com uma cmera Polaroid no MuseInternational du Carnaval et du Masque - fui capaz de criar umasensao de desconforto, como se algo fosse acontecer. Juntas, essasimagens combinam noes de religio, folclore e fundamentalismo.(TUYMANS, Luc. 2010:17)4

    Luc Tuymans (Morstel,1958) um artista que sempre foi muito influenciadopelo cinema e pela linguagem cinematogrfica. Em uma entrevista ele diz que o

    cinema fundamentou uma nova maneira de ver. A montagem, o movimento da

    imagem, o close-up eles todos tm sido muito importantes para o meu trabalho5.

    Tuymans trabalha a partir de uma variedade de referncias: captura de filmes,

    fotografias que ele mesmo tirou, pequenos vdeos que ele filma, ou imagens

    encontradas em revistas, jornais e internet. Imagens que ele utiliza de uma

    maneira cinematogrfica. seja atravs da justaposio, atravs da nfase de

    caractersticas dessas imagens fotogrficas e flmicas - como rudos, falta de

    definio e luz estourada -, ou pelo procedimento de enquadramento que ele

    utiliza, recortando as pinturas no momento em que estica suas telas no chassis.6

    TUYMANS, Luc. The Spill, leo sobre tela, instalao na Wako Works of Art, Japo 2010.

    41 By juxtaposing this image with that of The Worshipper an enigmatic figure that I photographedwith a Polaroid camera at the Muse International du Carnaval et du Masque I was able to create asense of unease, as if waiting for something to happen. Together, these images combine notions ofreligion, folklore and fundamentalism. Em TUYMANS, Luc. Les Cinq Anneaux. In: TUYMANS, Luc;SIGG, Pablo; VERMEIREN, Gerrit et al. Is it Safe? Nova York: Phaidon. 2010, p.175 It laid the basis for a different way of looking. Montage, the movement of image, the close-up they have all been very important for my work. Em TUYMANS, Luc. Entrevista para exposio Eyes Without a Face: Films curated by Luc Tuymans. Chicago: Museum of Contemporary Art of Chicago, 2010. Disponvel em: < http://www.mcachicago.org/programs/now/all/2015/e510>. 6 LOOK, Ulrich (org.) et al. Luc Tuymans. Nova York: Phaidon, 2005.5

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  • Wolfgang Tillmans (Remscheid, 1968) o artista mais jovem dentre os trs queseleciono, e tambm o nico que no pintor no sentido mais estreito do termo.

    Trabalha com fotografias que no entanto, estabelecem um forte dilogo com a

    pintura. Tillmans trabalha a noo de montagem das imagens como um problema

    no apenas de contedo, mas de espao. Suas montagens expositivas so mais

    do que uma escolha por temas associados ou relaes entre imagens, mas como

    essas imagens e temas se conjugam em diferentes dimenses das imagens,

    cores e lugar que ocupam no espao arquitetnico. Ocupando no apenas as

    paredes brancas das galerias, mas as portas de sadas de emergncia, paredes

    de escadas, lugares muito altos ou muito baixos e assim por diante, tornando o

    espao expositivo inteiro um grande exerccio de colagem.

    TILLMANS, Wolfgang. Soldiers Installation (Chicago) , Museum of Contemporary Art, Chicago, 2006

    As pinturas de Eric Fischl (Nova York, 1948) compreendem e lidam com a fortepresena de narrativas. Narrativas muitas vezes estranhas, sombrias e que so

    ainda mais tensionadas atravs da maneira de construo da pintura. Como se

    fossem fragmentos de fotografias ou personagens que sairam de uma cartola,

    Fischl monta, corta e cola as cenas. No raramente, de forma bastante literal,

    utilizando ferramentas como o Photoshop para montar suas imagens.

    Por vezes, ainda, trabalha de maneira mais incisiva, como um diretor, guiando

    atores e montando cenrios. Em seu projeto Krefeld, p a r a o Krefelder

    marcogiannottiSticky NotePor que no?

  • Kunstmussen, na Alemanha. Fischl ocupou durante dias a Haus Esters, uma casa

    modernista que faz parte do museu, contratou atores e arranjou mveis e

    decoraes diversas para constituir o cenrio das pinturas. Neste perodo, Fischl

    capturou em torno de duas mil fotografias de cenas domsticas7. Que serviram

    de base para a srie de pinturas que realizou posteriormente, e que no entanto,

    foram mais uma vez manipuladas, quando Fischl no de todo contente, adiciona

    trabalhos de Andy Warhol, Max Beckmann, Gerhard Richter e Bruce Nauman em

    seu cenrio, tornando, como se fosse possvel, a fico ainda mais ficcional. Nas

    palavras de Robert Rosenblum:

    Cada pintura, especialmente as em formato wide-screen, so como uma

    cena [still] de um filme, mas cabe a ns fornecer toda narrativa que falta.

    No existem respostas claras. () As tcnicas narrativas do teatro e do

    cinema esto em seu pleno uso aqui, e no entanto, no existe enredo e

    os personagens so sem nome.8 (ROSENBLUM, 2004:12)

    FISCHL, Eric. Dining Room Scene 2 leo sobre tela, 226,1x315cm, 2003

    7 ROSENBLUM, Robert. Eric Fischl: The Krefeld Project. Bielefeld: Kerber Verlag, 20048 Each painting, especially those in wide-screen format, is like a still from a movie, but it is up to us tosupply all the missing narrative. There are no clear answers. () The narrative skills of the theater and the cinema are in full use here, but there is no plot and the characters have no names. Em ROSENBLUM, Robert. Eric Fischl: The Krefeld Project. Bielfeld: Kerber Verlag, 2004 p.12.

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  • Paralelos:minha produo em pintura

    Percebo em minha produo em pintura, aproximaes com essas questes

    em torno da colagem e montagem que muito brevemente trouxe aqui. Acredito

    existirem paralelos no apenas formais, da aparncia do trabalho que ocorrem em

    vista do uso de imagens retiradas de filmes e vdeos apropriados, como tambm

    (e principalmente), pela maneira de operar com o trabalho. Atravs do uso de

    procedimentos que tambm so parte da construo em colagem e montagem no

    cinema: o corte, o enquadramento, a repetio, a justaposio, e por fim, a

    ressignificao dessas imagens pintadas atravs das relaes entre umas com as

    outras.

    MAGALHAES, Raquel. In the large dining room em cinco partes, leo sobre tela, 12x9cm 12x9cm 12x22cm 10x15cm 10x15cm, 2013

    MAGALHAES, Raquel. Danubio, leo sobre tela, 10x15cm 10x15cm, 2015

    Acredito que o conceito de montagem, j mencionado anteriormente, seja um

    paralelo interessante com a linguagem cinematogrfica em vista do que esta

    implica: a criao de sentido. Assim como no filme, onde os planos capturados

    quando juntos formam uma narrativa que liga e rene esses fragmentos, em meu

  • trabalho, a montagem do trabalho no espao da parede estabelece novas

    relaes de significado.

    Um significado que no tem mais relao com a imagem fotogrfica que

    origina cada pintura, mas um novo, ficcional, que se cria e s existe deste contato

    entre as telas e da tenso entre as imagens pintadas.

    MAGALHAES, Raquel. Big Bang, leo sobre tela em 48 partes, 2015

    De acordo com John Berger (Hackney, 1926), em todo ato de ver, existe a

    expectativa por um sentido (BERGER, 1928:117). Um sentido, que apesar de

    tudo, no costuma chegar a se fazer claro. Como orculos elas [as aparncias]

    vo alm, insinuam mais do que o discreto fenmeno que apresentam, e ainda

    assim, suas insinuaes so raramente suficientes para constituir uma leitura

    clara e inequvoca. (BERGER, 1928:118)

    Em meu trabalho, as pinturas agregam significado em vista do que se

    encontra em seu entorno. Despertam a busca por estabelecer relaes narrativas

    mesmo que no seja possvel determinar com certeza ao que elas se referem. As

    possibilidades de inferncia quanto ao que est sendo mostrado so muitas, e as

    imagens no contm em si, uma soluo para isso. A narrativa permanece

    sempre incgnita, nebulosa. Me interessa essa incompletude das imagens que

    nunca se resolvem.

    Percebo que existe uma relao estreita entre essa falta de resoluo e a

    forma de operar com o trabalho, de utilizar em grande parte telas pequenas, de

    fragmentar as imagens, bem como de posteriormente constelar as pinturas,

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  • trabalhar com conjuntos delas. Existe para mim a, uma conjugao entre o

    espao interior da pintura e o espao externo dela, que se faz presente no s na

    construo do trabalho, mas tambm na percepo do mesmo.

    MAGALHAES, Raquel. Spare Parts I leo sobre tela em 7 partes, 2014

    marcogiannottiSticky Notesua apreenso

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AUMONT, Jacques. A imagem.Campinas: Papirus, 1993.

    AUMONT, Jacques. O Olho Interminvel: cinema e pintura. So Paulo: Papirus Editora, 2003.

    AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. 3 Edio. Campinas: Papirus, 2012.

    BERGER, John. Appearences.In: BERGER, John. MOHR, Jean. Another way of telling. NovaYork: Pantheon Books: 1982.

    BORDWELL, David. The Idea of Montage in Soviet Art and Film. Cinema Journal, vol.11, n2.Texas: University of Texas Press, 1972, p.9-17.

    EISEINSTEIN, Sergei. A Forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2002.

    FERGUSON, Russel (org). Wolfgang Tillmans. New Haven: Yale University Press, 2007.

    ROSENBLUM, Robert. Eric Fischl: The Krefeld Project. Bielefeld: Kerber Verlag, 2004

    GIANNOTTI, Marco. Colagem e Fragmentao. Disponvel em: , 2009

    HOCKNEY, David. That`s the Way I see it. Londres: Thames & Hudson, 2002.

    LOOCK, Ulrich (org) et al. Luc Tuymans. Nova York: Phaidon, 2003.

    MACHADO, Arlindo. Pr-Cinemas e Ps-Cinemas. Campinas: Papirus, 1997.

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    MANOVICH, Lev. Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2001.

    TUYMANS, Luc; SIGG, Pablo; VERMEIREN, Gerrit et al. Is it Safe? Nova York: Phaidon, 2010

    TUYMANS, Luc. Entrevista para exposio Eyes Without a Face: Films curated by Luc Tuymans. Chicago: Museum of Contemporary Art of Chicago, 2010. Disponvel em: < http://www.mcachicago.org/programs/now/all/2015/e510>.

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    VERTOV, Dziga. Kino-Eye: The writings of Dziga Vertov. Berkeley: University of California Press, 1984