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Uma leitura da “Circularidade” entre culturas em Carlo Ginzburg Adilson da Silva Mello Otávio Candido da Silva Junior

Circularidade Cultura Queijo e Vermes- Moderna II

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Artigo sobre o livro queijos e vermes

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  • Uma leitura da Circularidadeentre culturas em Carlo Ginzburg

    Adilson da Silva MelloOtvio Candido da Silva Junior

  • 141janus, lorena, ano 3, n 4, 2 semestre de 2006

    Este artigo pretende refletir sobre um conceito importante utilizado por muitos pesquisadores quan-do refletem sobre as diferenas culturais e a tramitao de vrios elementos culturais comuns em diferentes classes sociais que convivem, de uma forma ou de outra, em realidades histricas similares. Levantamos a idia de que a utilizao deste conceito rompe com a velha e superada dicotomia existente entre cultura elitista e cultura popular.

    cultura, sociedade, relaes culturais, histria, antropologia.

    Palavras-Chave

    resumo

    A questo da circularidade cultural sempre chamou ateno desde o primeiro contato com a obra de Carlo Ginsburg. Em um primeiro momento fechamos a anlise da questo no prprio autor, posteriormente amplia-mos o leque de leituras de algumas obras do autor no lidas anteriormente, bem como de alguns trabalhos sobre o autor de O Queijo e os Vermes: O cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela Inquisio e outros autores que fizeram uma abordagem da cultura muito prxima sua.

    Cabe ressaltar que esta obra (O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela Inquisio) ser a referncia principal do trabalho, embora no sendo a nica, uma vez que nela que o autor trabalhar mais diretamente com o [...] termo circularidade: entre a cul-tura das classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pr-industrial, um relacionamento circular feito de influncias recprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo [...] (GINZBURG, 1987, p. 13), que o resumo do que foi proposto por Mikhail Bakhtin. A circularidade, ou seja, o [...] influxo recproco entre cultura subalterna e cultura hegemnica, particularmente intenso na primeira metade do sculo XVI (GINZBURG, 1987, p. 13), ser captada atravs da anlise da figura de um campons, o moleiro friulano Menocchio, como um leitor muito peculiar de obras da cultura hegemnica com que manteve algum tipo de contato.

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    Ainda que possa dar margem a interpretaes simplificadoras, essa abordagem de um grau elevado de complexidade pois em Menocchio encontra-se

    [...] obscuros elementos populares [...] enxertados num conjunto de idias muito claras e consequentes, que vo do radicalismo religioso ao naturalismo tendencialmente cientfico, s aspiraes utpicas de renovao social. A impressionante convergncia entre as posies de um des-conhecido moleiro friulano e as de grupos intelectuais dos mais refinados e conhecedores de seu tempo reprope com toda fora o problema da circularidade da cultura formulado por Bakhtin (GINZBURG, 1987, p. 25-26).

    Concretamente podemos perceber a circularidade nas posies de Menocchio que

    [...] Por um lado, elas reentram numa tradio oral antiq-ssima; por outro, evocam uma srie de motivos elaborados por grupos herticos de formao humanista: tolerncia, tendncia em reduzir a religio moralidade etc. Trata-se de [...] uma cultura unitria em que no possvel estabelecer recortes claros. [...] suas afirmaes [...] apresentam um tom original e no parecem resultado de influncias externas passivamente recebidas. [...] (GINZBURG, 1987, p. 30).

    interessante explicitar, ainda que esteja implcito, que Ginzburg ao admitir a circularidade entre culturas faz um opo por [...] Uma anlise de classes [...](GINZBURG, 1987, p. 32) em detrimento de uma anlise interclassita to comum histria das mentalidades, citando espefica-mente Lucien Febvre.

    Com isto no se est de maneira alguma afirmando a existncia de uma cultura homognea, comum tanto aos camponeses quanto aos artesos da cidade [...] Apenas se est querendo delimitar um mbito de pesquisa no interior do qual preciso conduzir anlises particularizadas (GINZ-BURG, 1987, p. 32-33).

    Com relao problemtica mentalidade (interclassista) versus cultura (classista) bom chamar a crtica de Raminelli a Ginzburg, ainda que eu discorde da mesma, entendo que ela possa lanar alguma luz sobre esta

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    questo. Diz Raminelli (1993, p. 85):

    Nesta caracterizao o estudioso demonstra o quanto sua concepo de mentalidade obtusa. [...] pois a existncia de um substrato cultural comum a todos os segmentos sociais no invalida, a priori, as diferenas classistas. A partir desse prisma, existiria um pool informativo comum (mentalidade = estrutura), como a lngua por exemplo, convivendo com nveis culturais e sociais profundamente diversos e, s vezes, antagnicos. Vale dizer que uma pesquisa que no leve em conta ambas as perspectivas tende a simplificar a trama social e perder a idia de totalidade.

    Por outro lado, o termo cultura, empregado unicamente a partir do enfoque classista, inviabiliza a circularidade, pois, se no houvesse um substrato informativo comum entre os eruditos e os populares, como seria possvel a comunicao entre os dois nveis? Em suma, a nfase no carter classista e o desdm pelo estudo das mentalidades invalidam a circula-ridade cultural, ou melhor, as pesquisas deste historiador. Deste modo, entendo que as crticas a Lucien Febvre e histria das mentalidades no passam de mera retrica (RAMINELLI, 1993, p. 85).

    Ginzburg retoma, com toda sua fora de argumentao, a questo da circularidade quando est discutindo como se deu o processo de leitura de Menocchio.

    [...] parece-nos importante a chave de sua leitura, a rede que Menocchio de maneira inconsciente interpunha entre ele e a pgina impressa - um filtro que fazia enfatizar certas passagens enquanto ocultava outras, que exagerava o sig-nificado de uma palavra, isolando-a do contexto, que agia sobre a memria de Menocchio deformando sua leitura. [...] remete continuamente a uma cultura diversa da registrada na pgina impressa: uma cultura oral.

    [...] pelo menos um livro o inquietara profundamente, levan-do-o, com suas afirmaes inesperadas, a ter pensamentos novos. Foi o choque entre a pgina impressa e a cultura oral, da qual era depositrio, que induziu Menocchio a formular - para si mesmo em primeiro lugar, depois aos seus conci-dados e, por fim, aos juzes - as opinies [...] [que] saram da sua prpria cabea (GINZBURG, 1987, p. 89).

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    Mais adiante quando Ginzburg est analisando a tendncia, na Itlia do sculo XVI, em reduzir a religio em a uma realidade puramente mun-dana novamente a questo da circularidade entre culturas volta a baila, dizendo que [...] talvez seja possvel perceber uma convergncia parcial entre os crculos mais avanados da alta cultura e os grupos populares de tendncia radical (GINZBURG, 1987, p. 100).

    Ginzburg vai encontrar nos processos contra Menocchio um momento precioso para o fortalecimento de sua tese da circularidade entre culturas, quando o moleiro friulano inverte os papis no interrogatrio pedindo para que o juiz o oua, tentando convenc-lo de suas idias. Neste ponto Ginzburg se pergunta

    [...] Quem representa o papel da cultura dominante? E quem representa a cultura popular? No fcil responder. [...]

    [...] Cada vez com mais nitidez, vemos como ali se en-contram, de modos e formas a serem ainda precisados, correntes cultas e correntes populares. [...] (GINZBURG, 1987, p. 114).

    Avanando um pouco mais, Ginzburg tenta demonstrar como Menocchio cruza com as correntes cultas, examinando um termo culto (caos primordial) que aparece na descrio de sua cosmogonia. [...] provvel que Menocchio tenha tomado conhecimento desse termo erudito num livro ao qual se referiu incidentalmente durante o segundo processo (mas em 1584, como se ver, j o sabia): o Supplementum supplementi delle croniche, do ermito Jacopo Filippo Foresti. [...] (GINZBURG, 1987, p. 118).

    A inveno da imprensa foi a grande responsvel pela circularidade de cultura na medida em que permite uma real socializao da palavra, rompendo com o monoplio entre cultura escrita e poderosos, pelo menos essa a minha leitura de Ginzburg.

    [...] A inveno do alfabeto - que cerca de quinze sculos antes de Cristo quebrou pela primeira vez esse monoplio - no foi suficiente, contudo, para pr a palavra disposio de todos. Somente a imprensa tornou mais concreta essa possibilidade. [...] A idia de cultura como privilgio fora gravemente ferida (com certeza no eliminada) pela inven-o da imprensa (GINZBURG, 1987, p. 128-129).

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    No obstante, devemos levar em conta as consideraes de Davis (1990), ainda que em um contexto diferenado do qual trabalha Ginzburg, no caso a Frana do mesmo perodo histrico - sculo XVI -,que se por um lado confirma tal tese, por um outro lado a critica.

    [...] o paradoxo central do impacto da palavra impressa sobre o povo. Por um lado, ela podia destruir monoplios tradicionais de conhecimento e autoria, vendendo e disse-minando amplamente tanto informao quanto trabalhos de criao. Ela pde, tambm, criar uma nova relao entre o autor e a audincia annima. Mas a palavra impressa tambm tornou possvel o estabelecimento de novas for-mas de controle sobre o pensamento popular. [...] (DAVIS, 1990, p. 184).

    Precisando um pouco mais a cultura hegemnica de que Menocchio era herdeiro, conclui Ginzburg (1987, p. 132): [...] Empregando uma ter-minologia embebida de cristianismo, neoplatonismo e filosofia escolstica, Menocchio procurava exprimir o materialismo elementar, instintivo, de geraes e geraes de camponeses.

    Ginzburg vai buscar nas razes da cultura grega elementos que re-forem esse entrecruzamento de culturas: Assim, Menocchio, em sua trabalhosa viagem de volta no tempo, reencontrava sem saber, alm da imagem crist do cosmo, a dos antigos filsofos gregos. Este Herclito campons descobrira no fogo, extremamente mvel e indestrutvel, o elemento primordial. [...] (GINZBURG, 1987, p. 199).

    O historiador italiano procura identificar como Menocchio estabeleceu contato com a cultura hegemnica, quando comea a comparar Menoc-chio com um desconhecido campons de Lucca, Scolio, que sofrera um processo cerca de vinte anos antes do moleiro friulano.

    As semelhanas entre as profecias de Scolio e os discursos de Menocchio so evidentes. No se explicam bvio, pela presena de fontes comuns - a Divina Comdia, o Alcoro -, conhecidas decerto por Scolio e provavelmente tambm por Menocchio. O elemento decisivo um estrato comum de tradies, mitos, aspiraes, transmitidos oralmente atravs das geraes. Em ambos os casos, fora o contato com a escrita na escola que fizera esse estrato profundo de cultura oral aflorar. Menocchio deve ter freqentado uma escola de baco; [...] (GINZBURG, 1987, p. 216).

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    Ginzburg chega a descrever o modo como Menocchio trava contato com os materiais que lhe forneceu a oportunidade do acesso cultura hegemnica.

    Menocchio comprara o Fioretto della Bibbia, mas tam-bm pedira emprestado o Decameron e as Viagens de Mandeville; afirmara que a Escritura poderia ser resumida em quatro palavras, todavia sentira a necessidade de se apropriar ainda do patrimnio de conhecimentos de seus adversrios, os inquisidores. Percebe-se, portanto, no caso de Menocchio, um esprito livre e agressivo, decidido a acertar contas com a cultura das classes dominantes; [...](GINZBURG, 1987, p. 217).

    Na concluso desta obra analisada at o presente momento, Ginzburg (1987, p. 229) vai dizer que Muitas vezes vimos aflorar, atravs das pro-fundssimas diferenas de linguagem, analogias surpreendentes entre as tendncias que norteiam a cultura camponesa que tentamos reconstruir e as de setores mais avanados da cultura quinhentista. [...] Isto segundo ele leva a [...] uma hiptese muito mais complexa sobre as relaes que permeavam, nesse perodo, as duas culturas: as das classes dominantes e a das classes subalternas.

    Vai um pouco mais alm ao afirmar que alm de complexa [...] im-possvel de demonstrar. O estado da documentao reflete, bvio, o estado das relaes de fora entre as classes. Uma cultura quase exclusivamente oral como a das classes subalternas da Europa pr-industrial tende a no deixar pistas, ou ento deixar pistas distorcidas. Por isso vai dizer que o caso Menocchio importante, pois escancara [...] as razes populares de grande parte da alta cultura europia, medieval e ps-medieval. [...] Todavia, fecharam uma poca caracterizada pela presena de fecundas trocas subterrneas, em ambas direes, entre a alta cultura e a cultura popular. [...] (GINZBURG, 1987, p. 230)

    Seguindo as pegadas de Raminelli (1993, p. 85) ao afirmar que,

    Em Ticiano, Ovdio e os cdigos da figurao ertica do sculo XVI, o mesmo historiador introduz uma outra concepo de circularidade, desta vez menos esquemtica. [...] Ginzburg demonstra o quanto a troca de nveis culturais complexa, afastando-se um pouco da verso de Bakhtin. [...] fui buscar neste captulo da obra Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e histria, a

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    originalidade no trato da circularidade dentro de toda obra ginzburgueriana.

    Ginzburg (1989, p. 121) afirma que era atravs das imagens que se travava a relao circular entre culturas diferenadas. [...] Acima de tudo havia a conscincia, cada vez mais ntida, da funo decisa das imagens, idiotarum libri (livro dos ignorantes), numa propaganda voltada as massas compostas predominantemente de iletrados. [...].

    Ginzburg (1989, p. 122) vai alm ao afirmar, apoiado num telogo sem preconceitos de nome Politi que [...] o denominador comum entre as imagens erticas e imagens sacras era a eficcia. Umas estimulavam o apetite sexual, outras a piedade religiosa. [...]. A respeito disso veja o que nos fala Davis (1990, p. 182): [...] Os jesutas contuaram o trabalho ao fixar o sentido de um texto devocional, acompanhando-o de uma figura ou emblema religioso uniforme. [...].

    Em busca da fonte inspiradora de Ticiano, Ginzburg (1989, p. 127) coloca em xeque a teoria de Panofsky, segundo a qual Ovdio seria o grande inspirador da obra de Ticiano. [...] Mas essa tese interpretativa, amplamente ilustrada por Panofsky, na realidade insustentvel. Pode-se demonstrar, pelo contrrio: 1) que Ticiano no sabia latim; 2) que ele leu as Metamorfoses exclusivamente nas vulgarizaes; 3) que suas inovaes em relao tradio iconogrfica se remetem s vulgarizaes e no ao texto ovidiano.

    Depois de um longo percurso, analisando minuciosamente estas vulgarizaes, Ginzburg (1989, p. 137) chega a seguinte concluso: [...] Isso significa que a vulgarizao das Metamorfoses lida por Ticiano passara atravs de uma dupla, talvez tripla, mediao (Giovanni del Virgilio - Gio-vanni Bonsignori - Nicol degli Agostini?) [...] A demonstrao precedente sobre a relao exclusiva de Ticiano com textos vulgarizados d-nos porm uma imagem da sua cultura muito diferente da geralmente aceita.

    Isto posto, podemos concluir com Raminelli (1993, p. 86), [...] a originalidade atribuda a Ticiano por Panofsky tornou-se um indcio da cir-cularidade e, logo, da interpretao vulgarizada de uma obra erudita.

    Ginzburg (1989, p. 138) v na imagem um elemento que colaborar ainda mais com a palavra impressa para o intercmbio entre culturas. Identifica no sculo XVI

    [...] dois circuitos icnicos, o pblico e o privado: amplo e socialmente indiferenciado o primeiro, circunscrito e socialmente elevado o segundo. [...] trata-se de uma con-

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    traposio sumria sumria: subvert-la, adviera a difuso da imprensa. Graas a ela, um pblico de contornos para ns ainda indefinidos, mas de qualquer maneira compree-endendo classes sociais subalternas (artesos e at campo-neses), entrou em contato no s com a pgina impressa mas tambm com as imagens que muitas vezes a acompa-nhavam. A existncia de livros a preo relativamente baixo, normalmente ilustrados, aumentou imediatamente, em sentido tanto quantitativo como qualitativo, o patrimnio de palavras e imagens dessas classes sociais.[...]

    Neste ensaio o autor conclui a questo da circularidade na icono-grafia ertica do sculo, explicitando de maneira prtica como se dava o processo.

    [...] No entanto, o mundo refinado e complexo das divinda-des pags recriadas pelos humanistas era traduzido pelos ilustradores dos livros impressos sob formas freqentemente humildes e rudimentares - a no ser que realizassem depois um percurso inverso, como no caso de Andrmeda de Ti-ciano. Mas a circularidade das imagens erticas no sculo XVI deve ainda ser explorada. Certamente, no s Filipe II na sua sala de banhos privada, mas muitos leitores annimos das Metamorfoses vulgarizadas haviam projetado, como o personagem de Terncio, as suas fantasias mais secretas nos gestos amorosos dos deuse antigos. (GINSBURG, 1989, p. 140)

    Segundo Raminelli (1993, p. 84), Ginzburg em sua obra Os Andarilhos do Bem: feitiarias e cultos agrrios nos sculos XVI e XVII (...) consultou vrios processos envolvendo os benandanti e descobriu que, ao longo dos anos o Santo Ofcio e seu aparato repressor induziram a transformao das crenas prprias do grupo. Oque era exgeno demonologia, tornou-se parte dela. Nas palavras do prprio Ginzburg (1988, p. 8)

    [...] modelando as confisses dos acusados graas aos dois instrumentos [...] a tortura e os interrogatrios sugestivos [...] mostrando como um culto de caractersticas nitidamente populares, como o que tinha o seu centro nos benandanti, foi pouco a pouco se modificando sob a presso dos inqui-sidores, para finalmente assumir os lineamentos da feitiaria tradicional. [...] um estrato de crenas genuinamente po-

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    pulares, depois deformado, anulado pela superposio do esquema culto. [...] (GINSBURG, 1988:08)

    Raminelli diz que justamente a partir desta obra, bem como desta problemtica acima citada que Ginzburg iniciou o estudo sobre a circula-ridade cultural. (RAMINELLI, 1993:91)

    Em um outro ensaio, Ginzburg volta a retratar o entrecruzamento de culturas nos interrogatrios dos inquisidores especificando um pouco mais como se dava este processo.

    [...] H, nas perguntas dos juzes, aluses mais que evidentes ao sabat das bruxas - que era, segundo os demonologistas, o verdadeiro cerne da feitiaria: quando assim acontecia, os rus repetiam mais ou menos espontaneamente os esteritipos inquisitoriais ento divulgados na Europa pela boca de pregadores, telogos, juristas, etc. (GINSBURG, 1991, p. 206).

    Em uma outra obra, Histria Noturna: decifrando o Sab, Ginzburg (1991, p. 22) tambm discute a questo da circularidade entre culturas ao dizer que [...] No esteritipo do sab, considerei ser possvel reconhecer uma formao cultural de compromisso: resultado hbrido de um conflito entre cultura folclrica e cultura erudita.

    Raminelli (1993, p. 87), ao analisar esta obra diz que Ginzburg [...] entende o complexo do sab como sntese erudita realizada a partir da observao e perseguio da cultura popular.

    Concluindo este amplo quadro reflexivo em torno da circularidade entre cultura, nada mais coerente faz-lo com as palavras deste historiador italiano, uma vez que delas me servi durante todo este artigo e, nem teria como ser diferente pois, segundo Ginsburg, mediante a introjeo (parcial ou total, lenta ou imediata, violenta ou aparentemente espontnea) do esteretipo hostil proposto pelos perseguidores, as vtimas acabavam per-dendo a prpria identidade cultural. Deve - se atribuir maior importncia aos raros casos em que a documentao tem carter dialgico isto , que sejam identificveis fragmentos (relativamente imunes a deformaes) da cultura que a perseguio se propunha cancelar (GINSBURG, 1991, p. 24)

    Cabe, ainda, ressaltar a busca de perspectivas que tragam ao olhar historiogrfico uma capacidade maior de complexificar o objeto e retir-lo do lugar comum das leituras simplificadoras da realidade.

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    ABSTRACT

    This article aims to reflect on an important concept used by many researchers when they reflect on cultural differences and handling of several common cultural elements in different social classes who live in one way or another, in similar historical realities. The use of this concept breaks with the old and overcome dichotomy between elitist culture and popular culture.

    REFERNCIAS

    DAVIS, Natalie Zemon. O povo e a palavra impressa. In: ______. Cul-turas do povo: sociedade e cultura no incio da Frana Moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

    GINZBURG, Carlo. Introduo. In: ______. histria noturna: decifran-do o sab. So Paulo: Cia. das Letras, 1991.

    ______. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela Inquisio. So Paulo: Cia. das Letras, 1987.

    ______. Prefcio e Ps-escrito de 1972. In: ______. Os andarilhos do bem: feitiaria e cultos agrrios nos sculos XVI e XVII. So Paulo: Cia das Letras, 1988.

    ______. Prefcio/Sinais: razes de um paradigma indicirio/ Ticiano, Ovdio e os cdigos da figurao ertica no sculo XVI. In: ______. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e histria. So Paulo: Cia. das Letras, 1989.

    RAMINELLI, Ronald. Compor e decompor: ensaio sobre a histria em Ginzburg. Revista Brasileira de histria, So Paulo, n. 13, p. 25-26, set./ago. 1993.

    Adilson da Silva Mello

    Doutor em Cincias Sociais - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Mestre em Cincias da Religio - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Professor das Faculdades Integradas Teresa Dvila.