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6ª edição - Mar/2011 Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo A ESQUIZOFRENIA no cinema Top 10: personagens ENLOUQUECIDOS LOUCOS da telona aos palcos

Cinéfilos - 6ª edição

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Revista de cinema da Jornalismo Júnior, empresa júnior de jornalismo da ECA-USP.

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6ª edição - Mar/2011Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior

Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo

A ESQUIZOFRENIA no cinemaTop 10: personagens ENLOUQUECIDOS

LOUCOS da telona aos palcos

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O Cinéfilos já existe há mais de um ano. E depois de er-ros e acertos, avaliamos

nosso trabalho e decidimos mu-dar. Lançamos um desafio a nós mesmos. O de mergulhar mais a fundo no jornalismo cultural, le-var a revista a um nível acima.

As seções são as mesmas, po-rém foram atualizadas. Incluímos matérias, conversamos com pes-soas de fora sobre produções ci-nematográficas, exploramos mais as temáticas.

Para combinar com tudo isso, a parte gráfica também está dife-rente. A arte da revista continua-rá como um elemento diferencia-do da publicação, mas, agora, as edições terão mais uniformidade.

Mais de um ano de idade. Já estava na hora de uma mudança. No entanto, não vamos parar por aqui. A intenção é sempre ir além, com a criatividade que já é ineren-te ao projeto Cinéfilos como um todo, e com a vontade de sempre fazer mais que é essencial a uma empresa júnior.

Confira ao longo das próximas páginas o novo conteúdo e a nova cara da Cinéfilos. Mas não se pre-ocupe: quem gostava da revista antes, vai gostar ainda mais.

Patrícia Chemin

De cara nova

Cinéfilos Revista Digital

6ª EdiçãoMarço/2011

Equipe Editora:Patrícia CheminRepórteres:Beatriz Montesanti, Carolina Vellei, Jéssica Stuque, Juliana Santos e Paulo Fávari

Diagramação e edição de arte:Ana Marques, Anna Carolina Papp, Jéssica Stuque, Lucas Rodrigues, Meire Kusumoto e equipe do Cinéfilos

O Cinéfilos é um projeto daJornalismo Júnior | EmpresaJúnior de Jornalismo ECA/USPPresidente:Yasmin AbdallaVice-presidente:Rafael Ciscati

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Índice

Atenção: Artigos com essa marca têm spoilers!

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Com um passado e um pre-sente de intervenções mi-litares, os Estados Unidos

protagonizaram diversos conflitos mundiais, rendendo muitos temas polêmicos para a sétima arte. A Guerra do Vietnã, uma das mais abordadas, tem no filme “Apo-calypse Now” (1979) uma de suas maiores críticas, principal-mente por expor a “Síndrome do Vietnã”, mal que abalou a socie-dade dos EUA após o retorno dos veteranos.

O longa foi rodado no sudeste asiático, e demorou quase dois

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anos para ser concluído. O diretor, Francis Ford Coppola, construiu uma história que relata a grande tortura mental que foi a guerra para os soldados norte-ameri-canos. Expostos a uma condição climática extrema, sem nenhum treinamento ou organização, es-ses jovens passaram a desenvol-ver o chamado Transtorno de Es-tresse Pós-Traumático (TEPT).

No filme, o capitão Willard (Mar-tin Sheen), do exército america-no, é designado por seus chefes para matar um alto comandante (Marlon Brando). Esse oficial aca-

Carolina Vellei

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Em guerra com a propria mente´

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bou trazendo problemas aos EUA depois de adquirir um comporta-mento extremamente violento e sanguinário. Ao conversar com Willard, seu superior general re-sume alguns pontos importantes da condição psicológica a que es-tavam submetidos. “Nesta guerra as coisas se confundem: poder, ideias, a velha moralidade e a ne-cessidade militar prática. Todos os homens têm um ponto fraco. Walt Kurtz alcançou o dele e, ob-viamente, enlouqueceu”, diz. No meio da viagem, o capitão se de-para com os dramas da guerra do Vietnã enquanto segue rumo ao seu objetivo.

O TEPT se desenvolve quando uma pessoa é exposta a situações difíceis, fazendo com que ela re-viva tais momentos mesmo após terem terminado, levando o or-ganismo a um grande desgaste físico. A psicóloga Carine Teixei-ra Eleutério, que desenvolve sua pesquisa de mestrado na Unifesp sobre o tema, mostra que esse transtorno pode ter como sinto-mas suor, taquicardia, irritação e comportamentos típicos de ansie-dade. Também cita a possibilidade do surgimento de novas manias, como ela própria reconhece no fil-me. “Observei nos soldados mui-tos destes sintomas, como a in-sistência em cuidar de um filhote de cachorro na guerra, ou brinca-deiras impensadas e irracionais, como soltar sinalizador roxo no barco facilitando o ataque do ini-migo e propiciando a morte de um soldado”, conta.

Coppola mostra ainda em seu filme outro componente típico da “Síndrome do Vietnã”. Em mui-tas cenas, os soldados fazem uso de drogas alucinógenas, além do constante abuso de álcool. Carine conta que essa é uma tentativa de fuga da realidade da guerra. Para

ela, o uso de substâncias quími-cas também estaria relacionado à sensação imediata de prazer que elas produzem. “Há o dese-jo de que a droga possa resolver problemas ou aliviar as dores, as tensões e a solidão”, revela. Esse comportamento acompanha os veteranos mesmo após a guerra. A psicóloga ainda enumera outros sintomas da síndrome: “Os sol-dados americanos que voltaram apresentaram abuso e dependên-cia de álcool, depressão e trans-torno da personalidade antisso-cial”.

Para quem pensa que o TEPT se desenvolve nos veteranos apenas quando eles retornam ao territó-rio americano, é preciso lembrar de que o conflito (na fase de in-tervenção direta dos EUA) durou mais de 10 anos. Esse extenso período de tempo provocou nos soldados problemas psicológicos ainda em território vietnamita. No filme, o capitão Willard demons-tra claramente já sofrer desse transtorno. Servindo muitos anos na guerra e morando em Saigon, ele chega a cometer autoflagela-ção antes de ser convocado nova-mente. “Essa violência pode estar relacionada a um sentimento de culpa, assim como seu afasta-mento das pessoas, com a guerra acontecendo onde ele está”, co-menta a especialista.

Para saber mais sobre esse e outros tipos de estresse: http://tinyurl.com/4b7y867

Há o desejo de que a droga possa resolver problemas ou aliviar as dores, as tensões e a solidão”

Carine Teixeira Eleutério, psicóloga

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´Em guerra com a propria mente

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Comparar um filme a um li-vro é algo um tanto com-plicado. No livro há uma

riqueza de detalhes relativos aos personagens, suas fisionomias, características e pensamentos. Já o filme não precisa relatar tudo isso, ele simplesmente mostra. O que no livro é “Teddy percebeu que seu parceiro se atrapalhou com a arma” – como se uma pis-ta fosse nos lançada à frente –, no filme é apenas uma expressão no rosto do personagem que dura poucos segundos e é preciso não desgrudar da tela para não per-der esses pequenos detalhes que nos levam à conclusão final. Mas é nesse ponto que reside toda a

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beleza do cinema. O filme não poderá mostrar em apenas duas horas o que se passa em 300 pá-ginas de um livro, por isso aque-le detalhe do estofado, a cor de cabelo ou aquele personagem que aparece só para dizer que o seu sapato está desamarrado podem ficar de lado. O que importa é que a essência seja mantida, que as personalidades não se alterem e que a mensagem passada seja equivalente à do livro.

Com “Ilha do Medo” (Shutter Island, 2010) não poderia ser di-ferente. Escrito por Dennis Leha-ne, um americano que gosta de escrever romances policiais, o li-vro (“Paciente 67”) conta a his-

Jéssica Stuque

realidade de uma menteinsana

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tória do xerife Teddy Daniels. O personagem é chamado para in-vestigar um caso de desapareci-mento de uma das pacientes de Ashecliffe, um hospital psiquiá-trico para criminosos, localizado numa ilha. Junto à parceria do charmoso Chuck Aule, ele tenta resolver esse caso que se torna mais desconexo a cada investi-gação. Cada vez mais intrigado com as atividades desempenha-das na Ilha, Teddy suspeita que o Hospital faz práticas ilegais com seus pacientes e tenta achar pro-vas que comprovem isso a todo momento. Mas, ao mesmo tempo em que a trama fica ainda mais envolvente com essa procura, descobre-se que o próprio Teddy não estava lá apenas para resol-ver o caso de desaparecimento de Rachel Solando, mas sim para um acerto de contas com Andrew Laeddis, o homem que havia ma-tado sua mulher, Dolores, em um incêndio.

Quando o caso de Rachel é en-cerrado com a simples e repenti-na aparição da personagem, toda a preocupação se volta aos crimes cometidos pelos doutores e a An-drew. Cheio de códigos, pistas e loucos, o livro consegue prender a atenção do leitor e o deixa com cada vez mais perguntas e ne-nhuma resposta.

A loucura em tudo isso não está apenas nos pacientes insa-nos e nos doutores desumanos, mas principalmente em Teddy, que inventa uma nova realidade para si mesmo para escapar de toda amargura que é sua verda-deira vida. Eis a grande surpresa do autor. O filme não deixa de ser tão intrigante quanto o livro. Mar-tin Scorsese, o diretor, explora a confusão e o suspense e realça ainda mais as partes agressivas. O que foi escrito de uma manei-

ra mais leve e sutil por Lehane, foi adaptado para uma intensida-de forte e violenta por Scorsese. Em geral, o filme é muito pareci-do com o livro, tendo até os mes-mos diálogos. Entretanto, é válido ressaltar que algumas das adap-tações comprometem a trama, como ocorre com o personagem Chuck Aule. No livro ele é ilustra-do como uma pessoa autêntica, engraçada, comunicativa e com um grande jeito com as mulheres, ou seja, aquele cara de que todo mundo gosta. Ainda desempenha um papel mais presente e logo no início já recebe a confiança de Te-ddy. Porém, no filme, todo o seu charme se perde e ele é tratado como um personagem sem muita importância. A impressão é que toda personalidade de Chuck é passada a Teddy, o que compro-mete o próprio protagonista, que não passa a imagem séria e mais introspectiva relatada no livro.

Entre erros e acertos, pode--se dizer em termos gerais que a adaptação de Scorsese resulta em um bom produto final. Um filme que prende os olhos do especta-dor na tela, que vai do gótico ao terror e que nos dá uma boa visão do que a loucura pode fazer com uma pessoa.

realidade de uma mente

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“Eu sou egocêntrico, eu sou egoísta, eu sou humil-de. Eu sou pobre, eu sou

ladrão, eu sou mau caráter. Caim matou Abel, ‘Eclesiatis’ 3, é tempo pra todas as coisas, Jeremias 47 versículo 6, maldito um não confia no outro (...) Eu quero ir pro Big Brother 9 porque eu ‘tô’ estudando esse Big Brother tem 8 anos, eu ti-rei 4 anos de penitenciária, eu sou engenheiro civil (...) Eu sei proces-samento de dados, Windows, word, excel, internet, multimídia, power point, eu sou ginecologista do Se-nai, com sífilis, herpes, HIV...” (de-poimento de paciente em A Casa dos Mortos).

Pudera o homem ficar louco. Pudera o homem ser louco. E de loucura em loucura, que loucura é uma coisa relativa, uns foram inter-nados, outros viraram poetas.

Outros foram os dois. Como Bubu, ao recitar a angústia de doze internações em manicômios judi-

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ciários, amarrando o enredo de A Casa dos Mortos (2009), curta do-cumental de Debora Diniz que re-trata a rotina em uma instituição psiquiátrica na Bahia.

As sensíveis imagens reais do trabalho de Debora estão ligadas às perturbadoras imagens realistas produzidas por Laís Bodanzki em “Bicho de Sete Cabeças” (2001). O filme levou às telas a história de Austregésilo Carrano Bueno, rela-tada na obra autobiográfica “Canto dos Malditos”.

O longa sofreu a princípio o pre-conceito da temática controver-sa. O livro de Austregésilo, após ganhar destaque, perdeu para a censura de um sistema judiciário comprometido. A primeira censura desde a ditadura.

Foi na ditadura que o menino de 17 anos, “por fumar um baseado”, teve a juventude roubada para a “casa dos mortos”. Um sistema re-trógrado e sucateado de tratamen-

A poesia do cárcere´´

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to médico, que sobrevive graças ao corrupto quadro da saúde pública no país. É a indústria da internação.

O filme foi arte e ferramenta. Austregésilo tornou-se militante do Movimento da Luta Antimanico-mial, engrenagem essencial para a Reforma Psiquiátrica no país. Sur-giu no final da década de 1980 e é formado por psicólogos, psiquia-tras, portadores de doenças men-tais e seus familiares. As mudanças partem da própria disseminação do termo “problemas mentais” sobre o estigmatizado louco. Pequena al-teração terminológica, grande al-teração discursiva, como explica a professora Maria Stella Goulart, da UFSJ, no artigo “A Construção da Mudança nas Instituições Sociais: A Reforma Psiquiátrica”.

Para além da palavra, comba-tem-se as internações arbitrárias, os encarceramentos eternos, her-méticos esquecimentos nas de-primentes instituições, isoladas, esquecidas, cruéis. As “casas de horror em que você tem que fingir que é louco para não enlouquecer”, como disseram em depoimento re-colhido por Bodanzki.

Avanços já aconteceram para o fim das práticas de exclusão e dis-criminação. De acordo com o traba-lho de Goulart, desde a instituição do Dia Nacional da Luta Antimani-comial (18 de maio) à fiscalização de clínicas e hospitais psiquiátricos e a redução do parque manicomial no país. Mas ainda há muito a ser feito.

Carrano, poeta, louco, ativista, faleceu em 2008, aos 51 anos, de-vido a um câncer de fígado. Dez

anos após ter iniciado a primeira ação indenizatória por erro psiqui-átrico no Brasil. Dez anos também se passaram desde que o filme de Bodanzki chegou às salas de ci-nema. Hoje, milhares de pessoas ainda vagam pelos chiqueiros psi-quiátricos, palavras de Austregési-lo. Pelos quais passaram Carrano, Bubu e outros poetas.

“Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição. Aspi-rada a respiração não é... é intro-chada. Os nervos já não tremem... dão solavancos. A espera está aca-bando. Ouço barulho de rodinhas. A todo custo, quero entrar na pa-rede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na aber-tura da porta, rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acu-ado, tento fuga alucinante. Agarra-do, imobilizado... escuto parte de meu gemido. Quem disse que só se morre uma vez?” (trecho de “Po-ema das Quatro Horas de Espera para Ser Eletrocutado – Aplicação da Eletroconvulsoterapia”, Austre-gésilo Carrano Bueno).

Referências:A Casa dos Mortos, Débora Dinizhttp://tinyurl.com/yev8jnh A Construção da Mudança nas Instituições Sociais, Maria Estela Goularthttp://tinyurl.com/4ctcwpq

Beatriz Montesanti Pudera o homem ficar louco. Pudera o homem ser louco. E de loucura em loucura (...) uns foram internados, outros viraram poetas”

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O que pode ser mais louco que um psiquiatra com neuroses? Quem sabe um

homem com amnésia que se pas-sa por um psiquiatra. “Quando Fala o Coração” (Spellbound, 1945) contém uma receita clás-sica, muito usada por Alfred Hitchcock, o mestre do suspense: uma pitada de perturbação men-tal - excelente pedida para quem gosta de cinema.

Para quem já viu Psicose, a mais conhecida obra do diretor, e quer conhecer outros clássi-cos dele, vale a pena experimen-tar essa história. Quando Fala o Coração, apesar do título, não tem só romance em sua trama. Em seu elenco estão duas das principais estrelas de Hollywood. Ingrid Bergman, famosa por sua atuação no clássico Casablanca, faz nesse filme o papel da forte Dr. Constance Peterson, psiqui-atra da clínica Green Manors. O galã Gregory Peck é o misterio-so Dr. Edwards. Mas com poucos minutos de filme o mistério toma proporções maiores ao descobri-rem que ele, na verdade, é sus-

Carolina Vellei

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peito de assassinar o verdadeiro Dr. Edwards.

O filme teve seis indicações ao Oscar de 1946, mas ganhou ap-enas a estatueta de Melhor Trilha Sonora de Comédia ou Drama. As músicas, compostas por Miklos Rozsa – compositor húngaro dono de 3 Oscars – são praticamente outra personagem em cena, de tão marcantes.

Hitchcock teve nesse filme uma colaboração muito especial. O gênio do Surrealismo, Salvador Dali, foi chamado para montar a cena onírica, que misturou obje-tos diferentes com cenários per-turbantes. Para quem gosta de cenas inusitadas com a câmera, saiba que essa é uma das cara-cterísticas exploradas pelo dire-tor nesse longa. Como foi rodado em preto e branco, o jogo de luz e sombra sobre os personagens proporciona às cenas uma expec-tativa muito maior, fazendo do suspense um jogo de mistério. Vale a pena conhecer a história e, como de costume nos filmes de Hitchcock, brincar de encontrá-lo em uma das cenas.

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Juliana Santos

No cinema existem muitas obras que retratam a loucura, de alguma forma. Às vezes cômica, às vezes trágica. Ela pode estar ligada a even-tos sobrenaturais, pode ser uma obsessão da personagem ou pode nem parecer que existe – até que o filme chega ao final. Mas dentro de um termo genérico como “loucura”, estão também aqueles filmes que se baseiam em distúrbios psiquiátricos reais – sendo a esquizofrenia um deles, cercada por mitos e às vezes até mesmo ideias preconceituosas. Especialistas explicam até que ponto o que nós vemos no cinema condiz com a realidade dos consultórios e a partir de onde a imaginação é que toma conta.

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Mestre do suspense

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Dentre os filmes que mos-tram a doença, as dife-renças são imensas. Em

“Uma Mente Brilhante” (A Be-autiful Mind, 2001), vencedor de quatro Oscars, inclusive Melhor Filme, John Nash é de fato diag-nosticado como esquizofrênico, o que faz com que haja uma breve explicação sobre a doença e o tra-tamento. Em “Shine - Brilhante” (Shine, 1996) e “O Solista” (The Soloist, 2009), o foco principal é a degeneração enfrentada pelo indivíduo acometido pela doen-ça. Já em “Janela Secreta” (Se-cret Window, 2004) e “Clube da Luta” (Fight Club, 1999), o dis-túrbio dos protagonistas é o fator surpresa do filme, criando um fi-nal surpreendente, sem levar em conta considerações psiquiátricas.

Uma recuperação brilhante1947. Universidade de Princeton. Em plena Guerra Fria, estudan-tes de Matemática são recebidos em seu primeiro dia de aula com a sentença: “O futuro da Améri-ca está em suas mãos”. A pres-

são por descobertas era intensa e a relação entre os alunos, ex-tremamente competitiva. É nes-se contexto que John Nash inicia seus estudos acadêmicos. O filme Uma Mente Brilhante, estrelado por Russel Crowe, é baseado na história real deste matemático.

Uma das cenas mais marcan-tes do filme é o momento em que Nash recebe o choque insu-línico e debate-se, amarrado à cama. Ela traz à tona a questão do tratamento da esquizofrenia, cuja noção que as pessoas têm é frequentemente mitificada. “Hoje em dia, 95% dos casos de es-quizofrenia são tratados apenas com medicamentos”, afirma Helio

Elkis, professor associado do Departamento de Psi-quiatria da Faculdade de Medicina da USP. “O trata-mento por meio de eletro-choques é seguro e ainda utilizado, mas somente em casos muito resistentes. Já o tratamento mostrado no filme, a insulinoterapia (convulsões provocadas pela injeção de insulina no paciente) já foi abandona-do”, completa ele.

Quando o tratamento de choque chega ao fim e Nash volta para casa, ele deve continuar tomando remédios, para evitar re-caídas. Ele, no entanto, decide interromper o tra-

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tamento e lutar sozinho contra a doença. Já no fim da obra, men-ciona-se que ele havia começado a tomar uma medicação nova, que trazia menos efeitos colaterais. Na vida real, John Nash, que hoje tem 82 anos, já confessou em en-trevistas que este foi um artifício utilizado no filme para que as pes-soas não achassem que deveriam parar de tomar remédios para es-quizofrenia. Ele mesmo, entretan-to, jamais voltou a tomá-los.

Nash é intelectualmente ativo até hoje, mas sua mais significa-tiva produção acadêmica é ante-rior à eclosão da doença. “Eu ouvi o John Nash recentemente, numa conferência da Associação Psiqui-átrica Americana. Ele falou pra uma multidão de cinco mil pesso-as. Infelizmente, o discurso dele me pareceu meio desorganizado. Esse é outro aspecto da esquizo-frenia”, lamenta Elkis.

Mas a característica de Uma Mente Brilhante que mais mere-ce ressalvas e mais se diferencia do que é visto nos consultórios psiquiátricos, são as alucinações visuais. No filme, Nash descobre que várias pessoas com quem ele conviveu durante anos, inclusive seu colega de quarto, eram aluci-nações suas.

Já na vida real, Nash nun-ca teve alucinações visuais, mas apenas auditivas. “Tipicamente, pessoas com esquizofrenia não vêem nada. Mas um filme é um

meio visual, então as alucinações são vistas pelo personagem. A pessoa não necessariamente vê nada, ela pode ouvir vozes. Quan-do você pensa nisso, é difícil fazer isso em um filme”, contou Nash ao site americano schizophrenia.com.

Tal fato vai ao encontro do que afirmam os especialistas na doen-ça. “De fato, alucinações de toda espécie são possíveis na esqui-zofrenia, mas estatisticamente, a mais freqüente é a auditiva”, alerta Carlos Hübner, psiquiatra e professor do curso de Medicina da PUC-SP.

Retrato (quase) fielAlém de serem ambos baseados em histórias reais, os filmes O So-lista e Shine – Brilhante têm ainda em comum o fato de seus perso-nagens principais serem músicos.

O primeiro conta a história de Nathaniel Anthony Ayers Jr., leva-da a público pelo jornalista Steve Lopez. O caso ocorreu em 2005, quando Lopez descobriu que Na-

Um filme é um meio visual, então as alucinações são vistas pelo personagem. Mas a pessoa não necessariamente vê nada, ela pode ouvir vozes.”

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l thaniel, que era morador de rua naquela época, já havia sido alu-no da prestigiada escola de arte Julliard, mas fora expulso no 3º ano, quando sofreu um colapso mental.

Diagnosticado com esquizo-frenia, Nathaniel (Jamie Foxx), entretanto, não tem alucinações visuais. “Neste ponto, O Solista é muito mais próximo da realida-de do que Uma Mente Brilhante”, ressalta Elkis. Nathaniel começou a ouvir vozes quando estava na escola de música. De acordo com o professor Hübner, este sintoma é recorrente em pacientes com esquizofrenia, e a abordagem do filme está correta: “As vozes que o esquizofrênico ouve geralmente vêm em tom de crítica, fazendo comentários maldosos continua-mente, o que prejudica sua capa-cidade de manter o foco em suas atividades”. Além disso, Nathaniel apresenta uma grande dificuldade de interagir com as pessoas e um modo de falar caracteristicamente desconexo.

O Solista retrata momentos de um Nathaniel mais agressivo – fe-lizmente, sem exageros –, mas isso não quer dizer que seja um comportamento comum do esqui-

zofrênico. “Associam a esquizofre-nia à violência e coisas perigosas, mas as estatísticas de violência em esquizofrênicos são iguais às das outras pessoas. A violência depende do temperamento da pessoa e não da doença”, explica Carlos Hübner.

Outro filme que tem um mú-sico como protagonista é Shine – Brilhante, baseado na história do pianista David Helfgott (es-trelado por Geoffrey Rush), que também apresenta seu primeiro surto quando está em uma esco-la de música. David, entretanto, não apresenta alucinações visuais ou auditivas. “Os únicos sintomas mostrados estão em seu manei-rismo, na maneira de falar, de interagir com as pessoas”, conta Hübner.

Apesar do consenso de que a representação do doente é bas-tante fiel, o professor Helio Elkis alerta para o que ele considera o ponto fraco de Shine – Brilhante: “O filme também é bom, mas ele tenta colocar a culpa pela doença no pai de David, e nós sabemos que a culpa não é dos pais. O problema da esquizofrenia é uma alteração na evolução do cére-bro já desde a formação do feto.

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Traumas são fatores menores”.

Antes só que mal acompanhadoNem só de “baseado em fatos reais” vive o cinema. Janela Se-creta, protagonizado por Johnny Depp, e Clube da Luta, com Edward Norton e Brad Pitt, são filmes que a princípio nada têm em comum. A única ligação entre eles, entretanto, é revelada somente no final: os protagonis-tas de ambos assu-miam uma segunda personalidade, sem que tivessem cons-ciência disso – eles pensavam que estavam de fato tendo contato com outra pessoa.

Apesar de o nome “esquizofre-nia” não aparecer de fato nessas obras, a menção a casos de du-pla personalidade faz com que os personagens sejam automatica-mente “diagnosticados” desta for-ma pela crítica e pelo público.

Mas desmitificar é preciso e, para os especialistas, tais pelícu-las devem ser avaliadas de um ponto de vista diferente. “Janela Secreta, por exemplo, foi baseado em um conto do Stephen King. É a leitura do artista sobre a doen-ça”, diz o professor Hübner. Helio Elkis é categórico: “isso não tem nada a ver com esquizofrenia”.

O maior “problema técnico” desses filmes em relação ao que realmente é a esquizofrenia é o conceito de dupla personalidade. A origem do termo “esquizofre-nia” é sim ligada à cisão, mas esta cisão é entre a fala da pessoa e as suas demonstrações afetivas. c

O professor Elkis exemplifica essa cisão: “O indivíduo vira pra você e fala ‘eu sinto que marcianos então controlando o meu pensamento’,

mas a repercussão afetiva quando você conversa com a pessoa é pe-quena. Eles têm uma expressão embotada, apática. Você pensa ‘poxa, mas ele está pensando que está sendo controlado por mar-cianos e não faz nada? Eu esta-ria gritando, estaria morrendo de medo e ele não está’”. O profes-sor Carlos Hübner faz coro a esta afirmação: “Não existe uma cisão entre o que a pessoa faz e sua consciência. Um esquizofrênico não faz nada que ele mesmo não sabe que fez. Dupla personalida-de só existe em Hollywood”.

Não existe uma cisão entre o que a pessoa faz e sua consciên-cia. Um esquizofrênico não faz nada que ele mesmo não sabe que fez. Dupla personalidade só existe em Hollywood.”

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Provavelmente você já deve ter lido em algum lugar esta famosa anedota: uma em

cada quatro pessoas no mundo possui algum tipo de deficiência mental; observe três de seus ami-gos e, se eles parecem normais, o retardado é você. No filme espa-nhol “Crime Ferpeito” (Crimen Ferpecto, 2004), essa teoria, de-finitivamente, não se aplica.

Em um único andar de uma mega loja temos a reunião de três doidinhos de pedra. De um lado, na seção de roupas masculinas, está Don Antonio Fráguas. Num primeiro momento, um arrogante homem de idade e dono de uma peruca horrível. Depois, passa a ser o fantasma conselheiro de Ra-fael.

No outro lado do andar, na se-ção de roupas femininas, ele: Rafael González. Com seu ar de boa pinta e sua lábia irresistível, o muchacho é o macho alfa do lugar; consegue atrair todas as mulheres que quer. Além disso, é obcecado por perfeição.

Atrás de Rafael, obcecada por ele e cúmplice de seu crime (o as-sassinato de Don Antonio), está Lourdes, a mulher mais feia do andar que só tem beldades. Sua família é composta de uma mãe neurótica, um pai narcoléptico co-

lecionador de miniaturas e uma irmã precoce de nove anos que jura ter sido estuprada pelo pro-fessor de Física, estar grávida de três meses e ter AIDS. Família simples, comunzinha da silva.

Aproveitando que é a única que sabe do crime, Lourdes passará o filme todo chantageando e arras-tando Rafael para o casamento, que ela busca tão desesperada-mente. Rafael, por sua vez, fica-rá esse tempo todo arquitetando junto com o já falecido Don An-tonio um plano para se livrar de Lourdes.

Crime Ferpeito, como usual-mente ocorre em filmes latinos, se apóia no exagero e no nonsen-se para arrancar risadas do pú-blico. Isto acaba levando a uma séria constatação: esta comédia é extremamente desaconselhável àquele crícas que vive encontran-do erros em filmes, séries e afins. Coerência passa longe dessa pe-lícula – e é até bom que seja as-sim, caso contrário o filme seria muito chato.

Mas a despeito de toda a aura e estética trash, Crime Ferpeito arrebatou seis indicações ao prê-mio Goya, o maior da Espanha. É trash? Sim, mas com glamour. Melhor do que muito filme que passa na Sessão da Tarde.

Paulo Fávari

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10 maneiras de

ENLOUQUECER

Loucos por causa do trabalho, esquizofrênicos, vi-ciados, obsessivos, compulsivos, psicóticos... Tem louco pra tudo neste mundo. Neste e no do cinema.

Eles são tantos que tivemos de selecionar dez dos melhores filmes que tratam do assunto. Cuidado, as próximas páginas estão repletas das mais insa-nas personagens que as telonas já produziram.

Paulo Fávari

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Quem disse que Jim Carey só serve para fazer caras e bocas em algum filme enlatado? Pois neste suspen-se ele se dá muito bem.Tudo começa quando Walter Sparrow ganha um livro chamado O Número 23 de sua esposa. É o relato de um homem que vê 23 em tudo, do ângulo de incli-nação da Terra a números de camisas de jogadores. À medida em que a leitura avança, Walter vai adqui-rindo a paranoia até que descobre algo estarrecedor.

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Quem nunca ouviu falar deste clássico do cinema? E quem não sabe quem foi Charles Chaplin?Este filme é uma crítica à sociedade industrial. Esta-mos no início do século XX; a máquina nunca para e ela não está nem aí para o homem. Por causa do tra-balho repetitivo da linha de montagem, um operário acaba ficando louco. Tudo vira um possível parafuso a ser apertado.

Que Batman, que nada! Este é o fatídico filme do Co-ringa. Ou mais conhecido como o melhor e último grande trabalho do ator Heath Ledger.Na história, o Coringa surge como novo vilão para tentar destruir o Batman; mas não é só mais um vilão. A versão de Ledger impressiona pelo grau de insani-dade que ele dá à personagem. Se houvesse um sa-natório para vilões, certamente este Coringa estaria na solitária.

NUMERO 23 - 2007

TEMPOS MODERNOS - 1936

BATMAN O CAVALEIRO DAS TREVAs - 2008

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Há um ilustre ator neste filme. Trata-se do diretor Steven Spielberg, que fez uma ponta na cena do ani-versário de Aames, no começo do filme.David Aames tem sua vida mudada drasticamente após sua amante jogar o carro, na qual ela e ele esta-vam, de cima de um viaduto. O rosto de Aames fica todo desfigurado e sua vida, completamente pertur-bada. Realidade e fantasia já não podem mais ser fa-cilmente distinguíveis.

Em filmes comuns são feitos de 600 a 700 cortes. Para dar ênfase às reações que as drogas causam e mostrar ações simultâneas, Aronofsky fez mais de dois mil.Sara Goldfarb tem um sonho: participar de um pro-grama de TV. Para ficar bonita e caber em seu vestido vermelho, começa a tomar afetaminas e sedativos. Harry Goldfarb, seu filho, é viciado em heroína e se envolve com o tráfico. Cada um a seu modo acabará num turbilhão de insanidade.

Este é um daqueles filmes que todo cinéfilo jura ter visto mas que para muitos não sai da eterna lista de filmes a serem vistos. O filme conta o conturbado relacionamento de um fracassado roteirista com uma ex-estrela de filmes mudos, Norma Desmond. Ela vive encastelada em sua mansão à eterna espera do próximo filme que fará. Com o passar do tempo, a realidade fabricada da man-são faz com que Norma perca completamente o juízo.

VANILLA SKY - 2001

REQUIEM PARA UM SONHO - 2000

CREPUSCULO DOS DEUSES - 1950

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Badalado pela grandiosa atuação de Natalie Portman e pelos prêmios conquistados, o filme movimentou grande parte da crítica e do público desde sua estreia nos cinemas.Nina, uma bailarina profissional, tem a chance de assumir os papéis principais de O Lago dos Cisnes. No entanto, esse papel duplo (Cisne Branco e Cisne Negro) e sua obessão pelo posto (ameaçado por Lilly) levará Nina à com-pleta loucura. O que é real? O que é criação da mente de Nina? As respostas não são tão simples.

Uma boa adaptação de romance para as te-lonas feita por ninguém menos que Stanley Kubrick. Em sua cena mais icônica, vê-se um Jack Nicholson insano arrebentando uma porta com um machado.Jack Torrance é um escritor em crise que leva sua família a um retiro num hotel isolado, du-rante o inverno. Lá ele começa a escrever seu livro. O inverno vai passando e o hotel, aos poucos, revela seus mistérios e perigos. Mui-to siso e pouco riso farão de Jack um infeliz.

CISNE NEGRO- 2010

O ILUMINADO- 1980

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Qualquer pessoa que assistiu a esse filme sabe perfeitamente qual é a primeira re-gra. Depois de Clube da Luta, a imagem de Edward Norton foi para sempre ligada à de seu personagem sem nome e pertur-bado.Ele tem um emprego monótono, que de-testa, em uma companhia de automóveis. Por sofrer de insônia, fica viciado em par-ticipar de grupos de apoio, o que o alivia à noite. Em um vôo de viagem, conhece Ty-ler Durden, um vendedor de sabão que o ensina outra forma de conseguir dormir: o clube da luta.

Este é o famoso “filme da cena da faca”, que se tornou a mais emblemática mas não é a melhor do filme. De qualquer modo, é um clássico de Hicthcock, diretor conhecido por tratar da loucura na grande maioria de suas obras.Após roubar a imobiliária onde trabalhava, Marion Crane foge. Sam Loomis (seu namo-rado) e o detetive Milton Arbogast saem em sua busca. As pistas levam a um motel de beira de estrada que guarda muitos misté-rios e um final surpreendente.

CLUBE DA LUTA - 1999

PSICOSE - 1960

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Nós assistimos a grandes fil-mes e vemos personagens que entram para a história

do cinema, mas raramente para-mos para pensar no grande esfor-ço que foi para cada ator interpre-tá-los. Imaginem, então, como é encenar o papel de um louco. No teatro, isso parece ficar um pou-quinho mais evidente para nós, pois estamos frente a frente com o personagem.

Pedro Oliveira, estudante de Artês Cênicas, já interpretou mui-tos personagens, mas indentificou três que considerava loucos. O primeiro foi uma mulher que en-contra com ela mesmo no futuro e enlouquece, na peça “Ânsia”, de gênero contemporâneo, o qual procura fugir dos padrões perfor-mativos. “Eu tive que pensar em mim como mulher e em mim como uma mulher frustrada que se en-contra com ela mesma no futuro”. Pedro teve que gritar, mostrar o choque, ser amordaçado em pleno palco, e isso tudo sem seguir um roteiro específico. Ele era guiado por um roteiro de ações, ou seja, precisava fazer uma série de ações que eram essenciais à peça, mas o resto era improviso e havia muita

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interação com o público. “Tive que roubar a roupa de uma menina [da plateia]”, conta.

Pedro também atuou na peça adaptada “A Casa de Bernarda Alba”, interpretando a empregada da casa. A peça conta a história de uma mãe que é, praticamente, um general e de suas filhas, sendo que uma delas tenta fugir e, como não pode, ela se mata. Diante de toda essa situação, em um belo dia, a empregada tem um surto e come-ça a falar milhões de coisas que estavam engasgadas de uma ma-neira agressiva a cada um, como “Há de comer a minha merda”. A peça também tende ao teatro con-temporâneo pós-dramático, ou seja, há pouco contato em si entre os próprios atores, mas a empre-gada vem quebrar isso, tornando a peça mais realista e encarando as pessoas com os olhos. Toda a peça em si era sufocante, devido à mãe durona, e a personagem da empregada serve como uma linha de escape.

Por fim, na peça “Ubu Rei”, Pe-dro interpreta um marechal da Po-lônia, no século XIX, que, conta-minado pelos argumentos de sua mulher, resolve matar o rei e dar

Jéssica Stuque

Os desafios da

interpretação

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um golpe de Estado. Mas, além de se tornar um déspota, ele enlou-quece e começa a decaptar todo mundo.

O trabalho de interpretar um louco diante das câmeras também é muito difícil. Quase sempre, es-ses personagens únicos deman-dam ensaio constante e exigem muito tempo e disposição. Foi o caso de Débora Grings, atriz que interpretou uma esquizofrêni-ca no curta metragem “Só pelos Teus Olhos”, produzido por alu-nos da Faculdade Cásper Líbero. A personagem, que não possuía nome mesmo sendo a protagonis-ta, é uma pessoa extremamente tímida e que não possui amigos. Apesar de não parecer algo mui-to complicado, Débora conta que isso tudo dependeu de muita pre-paração. Primeiro, ela pesquisou sobre a esquizofrenia e, depois, realizou um estudo de volume de voz (como a personagem era ex-tremamente tímida, era preciso alcançar um tom de voz diferen-te). Além disso, estudou o com-portamento e os sentimentos da personagem em relação ao trans-torno.

Segundo Débora, “a parte mais difícil foi, sem sombra de dúvi-das, a parte em que ela descobre que é doente, que o seu único

amigo não existe, porque a ideia de isso poder acontecer me é de-vastadora, a ideia de a pessoa que você tanto ama não existir e você perceber que é comple-tamente sozinho”. Débora relata que apesar de tudo, adorou in-terpretar esse papel. “Foi mara-vilhoso! (...) Essa personagem foi diferente em vários aspectos, mas principalmente pelo fato de eu ter um especial carinho pelo drama da personagem. Eu vivi a dor dela, foi realmente forte pra mim e acredito que isso seja vi-sível no filme”.

A loucura é relativa?Quando questionada com relação ao papel de ‘louca’, Débora ficou um pouco incomodada, pois para ela “o assunto ‘loucura’ é muito complexo” e esse foi um dos mo-tivos por ela ter ficado tão ma-ravilhada com o roteiro. “Eu não chamaria a personagem de lou-ca, de forma alguma. Sabe-se lá se pra ela nós é que somos lou-cos! Não chamaria de louca uma pessoa que é feliz por ‘encontrar’ alguém que a complete e faça fe-liz, mesmo que esse alguém não seja real, mesmo que apenas ela o veja, ele é real pra ela, ela vive verdadeiramente cada momento com ele”.

interpretação

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Carolina Vellei

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JOHNNY!

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John Joseph Nicholson, nasci-do em 1937 e mais conhecido como Jack Nicholson, ficou cé-

lebre em Hollywood por interpre-tar papéis nem um pouco conven-cionais. Apesar de ter feito muitos personagens com um parafuso a menos, Jack de maluco não tem nada. Para ter se uma ideia de quão boa é sua saúde mental, no filme “Batman” (1989) ele ape-nas aceitou o papel de Coringa com uma condição: participação nos lucros. O resultado foi que o ator embolsou quase 50 milhões de dólares, muito mais do que o próprio Michael Keaton, que inter-pretou o personagem principal.

Nicholson começou sua carreira na década de 1950. Com o passar do tempo, foi se destacando no ci-nema e ganhando cada vez mais espaço, até chegar ao ponto de ser indicado ao Oscar doze vezes, sen-do o ator do sexo masculino com mais indicações. Ganhou três: dois como Melhor Ator (“Um Estranho no Ninho” e “Melhor É Impossí-vel”) e um como Melhor Ator Co-adjuvante (“Laços de Ternura”).

O talento de Jack permite que ele entregue a seus personagens marcas só suas, como expressões faciais características e seu sarcas-mo. Não à toa, é sempre chama-do para papéis desafiadores, prin-cipalmente quando o assunto é o mundo da psique. Entre eles, des-taque para “Um Estranho no Ninho” (1975), “O Iluminado” (1980) e “Melhor É Impossível” (1997). Ain-da podemos acrescentar os filmes “Batman” (1989), no qual ele re-presentou o já comentado Coringa, o palhaço mais sinistro do cinema, e “Tratamento de Choque” (2003). Neste, apesar de ocupar o lugar do terapeuta, apresenta traços inigua-láveis de criatividade para deixar quem assiste com a sensação de que Jack é louco da história.

Seu primeiro grande papel foi o do excêntrico McMurphy, o infiltra-do na clínica psiquiátrica de “Um Estranho no Ninho”, do diretor Mi-los Forman. No filme, Jack é um preso transferido de uma peniten-ciária rural, na qual suspeitavam de uma possível loucura. Ao chegar na clínica, McMurphy é recepcionado pelos funcionários, que recebem do paciente uma risada forte e sarcás-tica. E ele merece mesmo estar lá? São pacientes ou prisioneiros vo-luntários? Debochado, impulsivo e autêntico, Nicholson teve uma de suas melhores atuações.

No longa “O Iluminado”, de Stan-ley Kubrick, o ator faz o papel do sério pai de família Jack Torrance. Decidido a investir em sua carreira como escritor, Jack aceita um em-prego de zelador de hotel e se muda para o local junto com sua família. Mas seu filho, “o iluminado”, começa a ter visões de um crime do passa-do, além de premonições. Jack aca-ba assumindo uma postura paranoi-ca e passa a ter um comportamento violento. A atuação de Nicholson é marcada principalmente por seus olhares psicóticos e suas feições fa-ciais sinistras. A famosa expressão “Here’s Johnny!” não estava no ro-teiro e foi improvisada por Jack. Ele se inspirou no programa de entre-vistas “Tonight Show”, apresentado por Johnny Carson, que sempre en-trava no estúdio dizendo essa frase.

No filme “Melhor É Impossível”, de James Brooks, Nicholson interpreta um de seus papéis mais carismáti-cos. Apesar de preconceituoso, ran-zinza e irônico, Melvin Udall consegue conquistar o público e arrancar boas risadas. Seu personagem sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo, responsável por manias excêntricas. Jack consegue usar sua sensibilidade e incrível neurose inata, responsável por fazer dele um dos mais célebres intérpretes da loucura no cinema.Carolina Vellei

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