Ciclos de Formacao e Reformas Educacionais

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    A PROPOSTA DE CICLO DE FORMAO NO CONTEXTO DAS

    REFORMAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

    Alessandra Mendona Leo1

    Resumo: O presente registro objetivou realizar uma anlise reflexiva, combase em estudo bibliogrfico, acerca do contexto histrico do surgimento daproposta de ciclos de formao humana, no Brasil. O estudo parte de umareflexo referente ao contexto das polticas educacionais brasileiras, subsidiado

    pela anlise do panorama das polticas internacionais delineadas ao longo dosculo XX. Destacam-se as dcadas de 1980 e 1990, perodo de implantao eexpanso da proposta de ciclos, e momento histrico de abertura poltica eeconmica do Brasil, no qual se delineia o avano das polticas neoliberais e acentralidade da educao nos discursos das polticas educacionais tanto nombito nacional quanto internacional. O objetivo principal buscar apreender ocontexto histrico, poltico e econmico e suas relaes com o iderio da noreprovao que se constitui no cenrio educacional do pas neste perodo.

    Palavras-chave: polticas educacionaisciclo de formao - reprovao

    A proposta educacional de ciclos de formao, ou mesmo o iderio da

    no reprovao nela inserido, tem se constitudo nas ltimas dcadas como

    tendncia no s no Brasil, mas tambm na Amrica Latina e em alguns pases

    europeus. Seguindo o panorama das polticas internacionais, o desafio

    essencial da educao nos pases latino-americanos, incluindo o Brasil, ao

    longo de todo sculo XX e incio do sculo XXI, tem sido o de regularizar o

    fluxo de alunos durante o perodo de escolarizao, seja por eliminao ou

    limitao da repetncia.

    Realizando uma retomada do contexto histrico das polticas

    educacionais at ento delineadas, podemos afirmar que a intensificao do

    1Mestre em Educao pela Universidade Federal de Gois. Graduada em Pedagogia pela Universidade

    Federal de Gois. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Catlica de Gois. Professora docurso de Pedagogia da Faculdade Araguaia. Diretora do Centro de Estudos e Pesquisa da Linguagem

    EscritaLERESCREVER.

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    processo de globalizao,2que segundo Ianni (2005) no um fato acabado,

    mas um processo em marcha, e o vertiginoso avano tecnolgico decorrente

    da industrializao do sculo XIX do ao fim do sculo XX e incio do sculo

    XXI o carter de um tempo novoem emergncia.

    Ocorre que o capitalismo tornou-se propriamente global. Areproduo ampliada do capital, em escala global, passou a ser umadeterminao predominante no modo pelo qual se organizam aproduo, distribuio, troca e consumo. O capital, a tecnologia, forade trabalho, a diviso social do trabalho, o mercado, o marketing, olobbing e o planejamento, tanto empresarial como das instituiesmultilaterais, alm do governamental, todas essas foras estoatuando em escala mundial. Juntamente com outras, polticas esocioculturais, so foras decisivas na criao e generalizao derelaes, processos e estruturas que articulam e tensionam o novo

    mapa do mundo. (IANNI, 1999, p.18)

    Neste contexto, os pases da Amrica Latina sofreram grandes

    interferncias polticas e econmicas dos organismos internacionais3 que

    objetivam, conforme estudos realizados por Coraggio (1999), o ajuste e a

    estabilizao econmica, a intensificao do avano tecnolgico, a expanso

    do mercado e a reordenao do desenvolvimento social. Alm disso, buscam a

    sustentabilidade social pela manuteno do equilbrio entre o pleno

    desenvolvimento econmico e a eqidade social4assegurada, principalmente,

    pela adequao das naes s exigncias do mercado. Adequao esta que

    aos olhos desta perspectiva dever ser alcanada por intermdio,

    principalmente da educao e formao do trabalhador.

    Esse novo tempo traz mudanas polticas, econmicas, sociais e

    culturais em ritmo acelerado e nele se consolidam novas formas de produo e

    reproduo do capital.

    2 A globalizao no um fato acabado, mas um processo em marcha. Enfrenta obstculos,sofre interrupes, mas generaliza-se e aprofunda-se como tendncia. Por isso, h naes econtinentes nos quais a globalizao pode alcanar maior desenvolvimento, pois ainda temmais espaos a conquistar. Este o caso da frica e da Amrica Latina (IANNI, 2005).3 Entre esses organismos internacionais, podemos citar: Banco Mundial (BM), BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID) e agncias da ONU (UNESCO, CEPAL e UNICEF,dentre outras).4 A eqidade definida com base em dois princpios bsicos. O primeiro o princpio deoportunidades iguais, ou seja, as conquistas da vida de uma pessoa devem ser determinadasprincipalmente por seus talentos e esforos e no por circunstncias pr-determinadas, como

    etnia, gnero, histria social ou familiar, ou ainda pas de nascimento. O segundo princpio oda preveno de resultados, especialmente em sade, educao e nveis de consumo.(BANCO MUNDIAL, 2006)

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    A nova ordenao mundial caracterizada por outra forma de

    organizao do capital que se configurou no sculo XX, favorecida pelo

    desenvolvimento do transporte e da comunicao, da informtica e da

    eletrnica. Pode-se afirmar que a economia capitalista do final do sculo XX

    ficou caracterizada pelos altos investimentos no avano tecnolgico e pelo

    surgimento de novos setores de servios e de novos mercados. Segundo Ianni

    (1999, p. 19),

    [...] modificam-se bastante e radicalmente as tcnicas produtivas, asformas de organizao dos processos produtivos, as condiestcnicas, jurdico-polticas e sociais de produo e reproduo dasmercadorias, materiais e culturais, reais e imaginrias.

    Observava-se acentuado avano e maior centralidade da proposta

    neoliberal de desregulamentao das relaes de trabalho, chamada

    flexibilizao das relaes de trabalho, tida como estratgia para ampliao

    das oportunidades de emprego. Entretanto, o quadro que se observa no

    mercado econmico inclui: alta rotatividade, baixos salrios, minimizao ou

    inexistncia de garantias aos trabalhadores e precarizao das formas de

    emprego (NETO; BRZ, 2006). Barreto e Leher (2003, p. 39) ressaltam o fato

    de que [...] uma leitura mais atenta permite evidenciar uma conexo direta

    entre flexibilidade, competitividade e mercado.

    De acordo com estudo de Oliveira (2000a), esse quadro de mudanas

    caracterizado, sobretudo, pelo deslocamento das empresas de seu pas de

    origem e a conseqente instalao em outros pases onde as condies so

    mais promissoras. E esta mobilizao do capital leva em conta, como contexto

    mais favorvel, a fragilidade ou inexistncia da fora sindical, as condies de

    qualificao dos trabalhadores, as isenes fiscais e a flexibilizao dos

    direitos trabalhistas, entre outros aspectos.

    Sob a premissa do amplo desenvolvimento mundial, o capital avana

    fronteiras na busca por essas condies mais favorveis, denunciadas por

    Mszaros (2002):

    No entanto, com essa globalizao em andamento, que se apresentacomo muito benfica, nada se oferece aos pases subdesenvolvidosalm da perpetuao da taxa diferenciada de explorao. Isto ser

    muito bem ilustrado pelos nmeros reconhecidos at mesmo pelarevista The Economist de Londres, segundo a qual, nas fbricasnorte-americanas recentemente estabelecidas na regio da fronteira

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    norte do Mxico, os trabalhadores no ganham mais do que 7 porcento do que recebe a fora de trabalho norte-americana para fazer omesmo trabalho na Califrnia. (MSZAROS, 2002, p. 64)

    Ainda segundo afirmaes de Oliveira (2000a), flexibilizar direitos

    trabalhistas resulta em diminuio de custos para os empregadores e, ao

    mesmo tempo, em reduo das garantias e benefcios sociais dos empregados

    e em expanso do processo de precarizao do emprego.

    So processos que estimulam a criao de subempregos, desubcontratao, de terceirizao de servios essenciais, de trabalhosmal pagos, sem regulamentao, sem garantias e estabilidade,realizadas nas piores condies materiais. (OLIVEIRA, 2000a, p. 66)

    No entanto, o que est registrado nos documentos do Banco Mundial que suas aes tm como foco central minimizar as disparidades de

    oportunidades entre nacionalidades, etnias, gneros e grupos sociais, o que se

    efetivar com a garantia de maior eqidade.5

    Legitimou-se, no sculo XX, o entendimento de que vivemos em um

    mundo novo, o do avano tecnolgico e industrial, do progresso e do comrcio,

    da internet e da robtica, da globalizao e do consumo. Contraditoriamente,

    ao mesmo tempo esto presentes no mundo: misria avassaladora, altosndices de desemprego e subemprego; avano da urbanizao, da destruio

    ambiental, da competitividade no mercado, das altas taxas de lucro e das

    crises financeiras. Neste contexto, desencadeiam-se, efetivamente, as polticas

    neoliberais de implantao de reformas, cujos objetivos so o ajuste e o

    equilbrio econmico para a garantia da acumulao do capital. Ganha

    destaque, ento, o aferimento da eqidade, acima citada, que, segundo o

    documento do Banco Mundial, fundamental para reduzir a pobreza e

    possibilitar a prosperidade. Est em curso o processo de globalizao,

    ordenado pelas relaes econmicas e viabilizado pelo avano dos meios de

    comunicao e informatizao.

    5 Ressalta-se novamente o conceito de equidade nos documentos do Banco Mundial,

    observando-se o imperativo da viabilizao de oportunidades: Por eqidade entendemos queas pessoas devem ter oportunidades iguais de buscar a vida que desejam e serem poupadasde extrema privao de resultados. A mensagem principal que a eqidade complementar,em alguns aspectos fundamentais, busca de prosperidade de longo prazo. Instituies epolticas que promovam um campo de atuao equilibrado onde todos os membros da

    sociedade tenham as mesmas oportunidades de se tornarem socialmente ativos, politicamenteinfluentes e economicamente produtivos contribuem para o crescimento sustentado e odesenvolvimento.(BANCO MUNDIAL, 2006, p.2)

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    Forma-se toda uma cadeia mundial de cidades globais, que passam aexercer papis cruciais na generalizao das foras produtivas erelaes de produo em moldes capitalistas, bem como napolarizao de estruturas globais de poder. Simultaneamente, ocorrea reestruturao de empresas, grandes, mdias e pequenas, em

    conformidade com as exigncias da produtividade, agilidade ecapacidade de inovao abertas pela ampliao dos mercados, emmbito nacional, regional e mundial. O fordismo, como padro deorganizao do trabalho e da produo, passa a combinar-se com ouser substitudo pela flexibilizao dos processos de trabalho eproduo, um padro mais sensvel s novas exigncias do mercadomundial, combinando produtividade, capacidade de inovao ecompetitividade. (IANNI,1999, p.13)

    Para tanto, [...] tornou-se lugar comum, na ltima dcada, referir-se

    centralidade da Educao Bsica como condio necessria para o ingresso

    das populaes no terceiro milnio, a partir do domnio dos cdigos damodernidade (OLIVEIRA, 2000a, p.104). Essa viso tem sido influenciada,

    fundamentalmente, por agncias internacionais, programas governamentais,

    propostas de empresas e de entidades representativas dos trabalhadores. Fica,

    assim, estabelecida a necessidade de se reformar a educao bsica e

    assegurar, por meio dela, maior flexibilidade nos processos educacionais e,

    com isso, possibilitar maior insero dos indivduos no mercado de trabalho.

    Desse modo, podem ser criadas condies de maior empregabilidade6

    para ostrabalhadores e maior competitividade entre as naes.

    Um admirvel mundo novo emerge com a globalizao e com arevoluo tecnolgica que o impulsionam rumo ao futuro virtuoso.Essa crena est presente nos documentos do Banco Mundial e doMinistrio da Educao do Brasil (MEC) e de grande parte daAmrica Latina, ocupando o lugar de pedra-fundamental de todaconstruo argumentativa da poltica educacional das duas ltimasdcadas. A partir dessa premissa, organismos internacionais egovernos fazem ecoar uma mesma proposio: preciso reformar dealto abaixo a educao, tornando-a mais flexvel e capaz de aumentar

    a competitividade entre as naes, nico meio de obter o passaportepara o seleto grupo de pases capazes de uma integrao competitivano mundo globalizado. (BARRETO; LEHER, 2003, p. 39)

    Na premissa neoliberal, empregabilidade seria a possibilidade de o

    trabalhador adaptar-se s inconstncias e incertezas do mercado de trabalho,

    6Oliveira define o conceito de empregabilidade com base no estudo de Leite, afirmando que orecente conceito de empregabilidade foi criado para encobrir a realidade do trabalho no mundoglobalizado. Assim sendo, empregabilidade [...] refere-se capacidade dos trabalhadores de

    se manterem empregados ou de encontrar novos empregos, quando demitidos, a partir desuas possibilidades de respostas s exigncias de maiores requisitos de qualificaodemandados pelas exigncias tecnolgicas do processo produtivo (OLIVEIRA, 2001, p. 76).

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    de forma criativa e flexvel, o que ser viabilizado por suas caractersticas

    pessoais e individuais e, principalmente, por sua formao profissional. De uma

    perspectiva crtica, o termo empregabilidadesignifica responsabilizar o prprio

    trabalhador por sua condio de empregado ou desempregado. Essa viso se

    traduz, efetivamente, em um discurso que estabelece a interdependncia entre

    formao e emprego, vinculando educao e mercado de trabalho, que se

    tornou determinante nas definies das polticas educacionais brasileiras,

    sobretudo a partir da dcada de 1990.

    A responsabilizao dos trabalhadores pela sua insero no processoprodutivo constitui-se caracterstica notvel do atual debate sobreeducao e empregabilidade. Constatar que isso no novidade

    somente confirma uma regra bsica do capitalismo que deixar acargo dos prprios trabalhadores a luta pela reproduo da fora detrabalho e, neste sentido, a educao condio indispensvel.(OLIVEIRA, 2001, p. 70)

    Os estudos de Oliveira (2000a)7 chamam a ateno para o quanto as

    reformas educacionais no Brasil so fortemente influenciadas pelas orientaes

    das agncias internacionais (UNESCO, UNICEF, PNUD e BM), determinadas

    em conferncias e declaraes mundiais, dentre elas a Conferncia Mundial

    sobre Educao para Todos, realizada em Jomtien em 1990, e a Declaraode Nova Delhi, de 1993. Entretanto, segundo a prpria autora, importante

    reconhecer que a influncia desses organismos sobre os projetos educacionais

    apoiados ou financiados no significa negar um leque mais amplo de

    interferncias que extrapolam suas recomendaes e podem ser identificadas

    nas propostas de gesto da educao pblica no Brasil.

    Diante deste contexto, o presente estudo se detm, especificamente,

    nas polticas de expanso da educao bsica, no Brasil, delineadas a partir dasegunda metade do sculo XX e traduzidas nas reformas educacionais que se

    encontram em curso.

    7A Conferncia Mundial sobre Educao para Todos pode ser considerada o grande marco naformulao de polticas governamentais para educao da ltima dcada do sculo XX.Realizada em Jomtien, na Tailndia, entre os dias 5 e 9 de maro de 1990, foi convocada pelosseguintes organismos: UNESCO, UNICEF, PNUD e BM. Da conferncia resultaram posies

    consensuais que deveriam construir as bases dos planos decenais de educao,especialmente dos pases mais populosos do mundo signatrios da Declarao Mundial paraTodos. (OLIVEIRA, 2000a)

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    Partindo de uma retomada histrica, podemos afirmar que, no Brasil, a

    dcada de 1950 ficou caracterizada como um perodo de ampla modernizao

    da economia e de investimentos na industrializao do pas. Em razo das

    mudanas que se consolidavam no mercado produtivo, a educao tambm

    passou a ser, paulatinamente, foco de ateno como possibilidade de garantia

    da formao do trabalhador para o mercado econmico emergente. Mais que

    isso, configurava-se politicamente como necessria para o desenvolvimento

    econmico do pas e como possibilidade de ascenso social e garantia futura

    de melhores condies de trabalho.

    As dcadas de 40 e 50 foram marcadas pela grande euforia da

    ideologia do desenvolvimentismo. Neste contexto, osubdesenvolvimento era identificado como pobreza e odesenvolvimento como prosperidade.

    A educao, nesse cenrio, compreendida como instrumento parapromover o crescimento e reduzir a pobreza. Era necessrio, para seatingir o desenvolvimento pleno, que os pases subdesenvolvidostomassem atitudes severas em relao misria, entendida comoameaa constante democracia. A educao assim concebidacomo instrumento econmico indispensvel ao desenvolvimento, aoprogresso. (OLIVEIRA, 2000a, p.197)

    No Brasil, so marcas do incio da dcada de 1950: a ampliao doprocesso de industrializao, a proeminncia do nacional-desenvolvimentismo,

    alm das influncias de aes internacionais para a incorporao dos pases

    mais pobres e atrasados ao mercado mundial. Nesse perodo, foi criada

    (fevereiro de 1948) a Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    (CEPAL),8 que iria delinear orientaes polticas para a Amrica Latina. No

    entanto, nos anos 60 se intensificou uma crise econmica nos pases latino-

    americanos, incluindo o Brasil, motivada pela inexistncia de condiesindispensveis plena industrializao, o que, de acordo com Oliveira (2000a),

    pode ter freado o progresso tcnico esperado.

    A crise econmica que, no comeo da dcada de 60, golpeou amaioria dos pases latino-americanos foi uma crise de acumulao erealizao da produo, manifestada, por um lado, na incapacidadepara importar os elementos materiais necessrios aodesenvolvimento do processo de produo e, por outro lado, nasrestries encontradas para realizar esta produo. As dificuldadesque se apresentavam eram produtos do processo de industrializao

    8Para maior aprofundamento da relao da CEPAL com a educao brasileira, ver o estudo deOliveira (1997), apresentado no XXI Congresso da ALAS.

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    em marcha na Amrica Latina desde a dcada anterior, sem que seprocedesse s reformas estruturais indispensveis criao de umespao econmico adequado ao crescimento industrial. (OLIVEIRA,2000a, p. 202)

    Conseqentemente, a estrutura fundiria passou a conviver com a

    industrializao, gerando graves entraves econmicos, dentre eles a formao

    e qualificao da mo-de-obra para a indstria. O fim da dcada de 1960 foi

    marcado por regimes autoritrios e centralizadores, como os regimes militares

    na Amrica Latina.

    Estreitou-se cada vez mais a relao entre educao e trabalho, entre

    educao e desenvolvimento econmico, principalmente a partir de 1970,

    embora de uma perspectiva diferenciada do perodo do nacional-desenvolvimentismo. Segundo Oliveira (2001), o fim dos anos 70 e o incio dos

    anos 80 foram caracterizados pela ampliao do direito educao, expresso

    na Lei n 5.692/71, e pelo redimensionamento de toda a rede fsica do ensino

    pblico brasileiro. Nessa poca, teve incio tambm o processo de ampliao

    do acesso escola pblica no Brasil, embora de maneira [...] desordenada,

    pouco planejada e com todos os atropelos caractersticos das contradies do

    prprio regime autoritrio [...](OLIVEIRA, 2001, p. 72).

    A dcada seguinte1980constituiu um momento de abertura poltica

    no Brasil. No contexto da educao, foram marcantes a defesa do acesso

    escola pblica e da conseqente permanncia nela e as denncias do carter

    excludente e seletivo da instituio escolar evidenciado pelos altos ndices de

    evaso e repetncia. Nesse perodo, no campo educacional, foram tambm

    levantados questionamentos acerca das formas autoritrias de ensino e dos

    mtodos utilizados para avaliao, denunciados como arbitrrios, autoritrios e

    seletivos. Intensificaram-se a luta pela escola pblica e gratuita e a defesa

    popular do acesso e permanncia na escola como direito.

    No final da dcada de 70, com as manifestaes polticas que deramorigem ao processo de abertura no pas e ao surgimento do novosindicalismo, toma expresso o movimento em defesa da escolapblica e gratuita. Tal movimento vai se contrapor dissociaoexistente entre planejamento econmico e social. Os segmentossociais organizados em defesa da escola pblica e gratuita, extensivaa todos, vo denunciar o carter centralizador dos planejamentos

    globais que refletem o padro autoritrio de poltica estatal.Reivindicando a ampliao do direito educao, ainda limitado a

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    oito anos de escolaridade pblica e gratuita aos indivduos entre 7 e14 anos, tais segmentos proporo a extenso para o conjunto dapopulao. (OLIVEIRA, 2001, p. 72)

    Fomentadas tambm pelas reivindicaes sociais, as polticas

    educacionais delineadas no perodo (1980-1990) se distinguiram no s pela

    centralidade dada educao bsica, mas tambm por alteraes na gesto

    escolar, dentre elas a eleio para diretores das escolas. Alm disso, houve um

    redimensionamento das concepes de educao, educador e educando, que

    se converteu em novas propostas educacionais em alguns estados: ampliao

    do nmero de vagas, progresso automtica, bloco nico de alfabetizao,

    ciclos, entre outras referendadas legalmente pela Constituio Federal de

    1988. necessrio ressaltar que essas propostas apresentam diferentes

    formas de organizao e de concepo de educao e que a abertura

    expressa na LDB tem permitido a configurao de diversas formas de

    organizao escolar no pas.

    Deve-se ressaltar ainda que as propostas denominadas de ciclo bsico

    de alfabetizao e de progresso automtica consistem, basicamente, no fim

    da reprovao e no agrupamento das sries iniciais. Com isso, elas objetivam a

    correo de fluxo, na medida em que a aprovao e a progresso continuada

    do aluno, subsidiadas por medidas de apoio, recuperao ou reforo, ocorrem

    sem maiores alteraes, seja na concepo de educao ou estrutura, na

    organizao, no currculo ou na proposta pedaggica, viabilizando o fluxo

    escolar.9Sobre esse tema, reflete Freitas:

    possvel que a nfase no ajuste do fluxo (Programas de Correode Fluxo, Ciclos de Progresso Continuada, Recuperao de Ciclos,entre outras medidas em voga) vise a fazer uma ampla faxina do

    sistema de ensino de forma a corrigir seus custos econmicos epreparar processos de privatizao por intermdio de terceirizao,permitindo, por um lado, a internalizao da excluso de forma maisdissimulada quanto aos custos polticos e sociais e, por outro, aexternalizao dos custos econmicos, com aumento do controlesobre o processo educativo. (2002b, p. 307)

    As propostas de ciclos de formao tm como base a reordenao dos

    tempos e espaos escolares e como eixo norteador a formao humana e

    fundamentam-se na centralidade no educando no decorrer do processo

    9Para maior aprofundamento acerca das propostas de progresso automtica e ciclo bsico dealfabetizao, consultar Andrade (1992), Ambrosetti (1989) e Freitas (2002a, 2002b).

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    educativo. Apresentam, segundo alguns autores, mudanas significativas nas

    concepes de educao, educando e educador, alm da flexibilizao

    curricular e da eliminao da reprovao, constituindo-se em uma nova

    proposta educacional.

    Os ciclos devem ser mecanismos de resistncia lgica seriada. Masdevem ser vistos como oportunidade para se elevar aconscientizao e a atuao dos professores, alunos e pais,retirando-os do senso comum e revelando as reais travas para odesenvolvimento da escola e da sociedade e no apenas seremvistos como uma soluo tcnico-pedaggica para a repetncia.(FREITAS, 2002b, p. 319)

    As reivindicaes e lutas pela garantia do direito educao bsica

    pblica e gratuita no pas, paralelamente s orientaes internacionais que sedelineavam, no perodo de 1980 a 1990, representavam foras polticas que

    iriam traar, nos pases da Amrica Latina, incluindo o Brasil, polticas de

    reformas educacionais com novas orientaes fundamentadas, sobretudo, no

    Art. 3 da Conferncia Mundial Sobre Educao para Todos, de Jomtien.

    UNIVERZALIZAR O ACESSO EDUCAO E PROMOVERA EQIDADE

    1. A educao bsica deve ser proporcionada a todas as

    crianas, jovens e adultos. Para tanto, necessriouniversaliz-la e melhorar sua qualidade, bem como tomarmedidas efetivas para reduzir as desigualdades.

    2. Para que a educao bsica se torne eqitativa, misteroferecer a todas as crianas, jovens e adultos, a oportunidadede alcanar e manter um padro mnimo de qualidade daaprendizagem.

    3. A prioridade mais urgente melhorar a qualidade e garantiro acesso educao para meninas e mulheres, e superartodos os obstculos que impedem sua participao ativa noprocesso educativo. Os preconceitos e esteretipos dequalquer natureza devem ser eliminados da educao.

    4. Um compromisso efetivo para superar as disparidadeseducacionais deve ser assumido. Os grupos excludos - ospobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; aspopulaes das periferias urbanas e zonas rurais; osnmades e os trabalhadores migrantes; os povos indgenas;as minorias tnicas, raciais e lingsticas; os refugiados; osdeslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regimede ocupao - no devem sofrer qualquer tipo dediscriminao no acessos oportunidades educacionais.

    5. As necessidades bsicas de aprendizagem das pessoasportadoras de deficincias requerem ateno especial. preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso

    educao aos portadores de todo e qualquer tipo dedeficincia, como parte integrante do sistema educativo.

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    disposio em ampliar demais os gastos pblicos com educao noera grande. A mxima adotada era a de que recursos no faltavam; aquesto era reduzir os desperdcios. Dentro desta perspectiva, osaltos ndices de evaso e repetncia conhecidos como fracasso

    escolar sero atacados. A reduo da distoro entre a idade regulardo aluno e a srie passa a ser o desafio a enfrentar. (OLIVEIRA,2001, p. 83)

    inegvel que os grandes problemas enfrentados no contexto histrico

    da educao brasileira, nesse perodo, foram as altas taxas de evaso e

    repetncia. O iderio de uma educao para todos constituiu o grande desafio

    desse perodo de mudanas. A reivindicao social de uma escola pblica e

    gratuita e a luta pelo fim de uma educao escolar seletiva e excludente,

    segundo estudos de Oliveira (2001), obtiveram respostas na Constituio de

    1988, que reconheceu a necessidade de ampliao da educao bsica e o

    direito gesto democrtica. Nesse momento, o Brasil vivenciava um contexto

    social, poltico e econmico configurado pela insero do pas na lgica

    neoliberal, na qual a educao tida como imprescindvel para o

    desenvolvimento do pas.

    Se a educao do ponto de vista econmico era imprescindvel para

    o desenvolvimento do pas, do ponto de vista social era reclamadacomo a possibilidade de acesso das classes populares melhorescondies de vida e trabalho. Essa dupla abordagem talvez tenhaforjado a construo de uma nova orientao para a reformaeducativa dos anos noventa. (OLIVEIRA, 2001, p. 73)

    Essa nova orientao para as reformas educativas tinha como subsdio

    conceitos como eqidade, empregabilidade e flexibilidade, sustentada

    principalmente por uma poltica de garantia do acesso e permanncia na

    escola. Constatam-se, portanto, mudanas significativas no contexto poltico

    brasileiro, marcado por reformas do Estado e da educao, que ressaltavam a

    minimizao da atuao do Estado e a defesa de sua modernizao. Nesse

    mesmo perodo, ocorria a implantao do sistema de ciclos no pas.

    importante ressaltar que, ao mesmo tempo, deflagra-se tambm

    [...] a luta pelo reconhecimento dos profissionais da educao comotrabalhadores, portanto, portadores de direitos, inclusive sindicais,marcar profundamente o momento, contribuindo para o acmulo deconquistas no tocante educao das classes trabalhadoras.(OLIVEIRA, 2001, p. 73)

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    Neste processo, vincula-se a necessidade de incorporao das novas

    tecnologias nas instituies educacionais pblicas s novas propostas de

    flexibilizao do ensino, traduzidas em aes de flexibilizao curricular e

    estrutural. Neste sentido, podemos afirmar que o ciclo, como proposta poltico-

    pedaggica que elimina a reprovao, reorganiza os tempos e espaos

    escolares e prope a incluso dos educandos, em alguns aspectos referenda

    as orientaes do Banco Mundial e implica em alteraes significativas no

    trabalho do professor.10

    Os temas educao, formao para o trabalho e desenvolvimento

    econmico das naes envolvem questes complexas e contraditrias. De um

    lado, est a proposio poltica da formao de um indivduo criativo, flexvel,

    autnomo e, de outro, inserido nas propostas de ciclos, tem-se o iderio de

    uma educao para a formao do sujeito social e histrico constitudo nas

    relaes humanas e sociais.

    Na esteira deste contexto histrico, o governo brasileiro, na dcada de

    1990, segundo Oliveira (2000b, p. 95), encontra-se [...] diante de grandes

    presses populares pela democratizao, sobretudo da educao bsica,

    implicando a exigncia de seu acesso, mas tambm na qualidade de seusservios [...]. A educao pblica brasileira vetor de questionamentos e

    crticas devido aos altos ndices de repetncia e evaso escolar. O grande

    problema educacional deste perodo se configura principalmente na defasagem

    idade/srie, perodo em que a evaso passa a ser compreendida como

    resultado de sucessivas repetncias que acabavam por desestimular os alunos

    a prosseguirem sua trajetria escolar. (OLIVEIRA, 2000b, p. 97).

    Ressaltam-se de um lado as orientaes internacionais delineandoinvestimentos em aes polticas que garantam o acesso educao bsica e

    no limiar deste contexto as presses populares no pas por aes polticas de

    democratizao escolar, na luta pela garantia da permanncia dos alunos na

    escola e pela concluso da escolaridade. neste contexto, que os ciclos

    passam a fazer parte do cenrio educacional brasileiro e se interpem como

    uma nova forma de organizao escolar, de reordenao dos tempos e

    10Para maior aprofundamento das questes sobre as mudanas ocorridas no trabalho do professor e na

    concepo de professor, a partir da implantao da proposta de ciclos, ver Leo (2008) .

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    espaos escolares, tendo como cerne o fim da reprovao. Surgindo, neste

    contexto histrico e poltico, como nova proposta educacional e nova

    concepo de educao, a proposta de ciclos se apresenta em defesa da

    educao pblica democrtica, gratuita e de qualidade, posta como direito

    social.

    Dentre as proposta implantadas no pas, na dcada de 90, destacamos

    aqui a proposta de ciclos de Porto Alegre, intitulada Escola Cidad:

    O Projeto Escola Cidad no se pretende original quanto s suasvertentes polticas, sociais e culturais. Ele o produto histrico daconstruo social das lutas pela afirmao democrtica do direito educao pblica de qualidade. Educadores e educandos afirmaramseus princpios, refletiram suas prticas nas academias, nossindicatos e nos diversos movimentos sociais. Foi a articulao dasexperincias democrticas, dos fazeres pedaggicos alternativos quefertilizaram o campo progressista em dcadas de lutas quesemearam e acalentaram o sonho embrionrio de uma educaoemancipadora, associada a um projeto sociocultural voltado formao de sujeitos histricos capazes de, conscientemente,produzir e transformar a sua existncia. (AZEVEDO, 2000, p. 89)

    importante que se tenha clareza acerca do cenrio das polticas

    pblicas para a educao para melhor compreender as contradies presentes

    nas propostas de ciclos, que surgiram no perodo marcado pelas reformas

    educacionais no pas, desenhadas como nova alternativa para o sistema

    educacional. Barreto e Miltrulis (2001), ao elucidar dados de 1954, afirmam que

    os altos ndices de evaso e repetncia constituem prejuzo financeiro para a

    nao e que o sistema educacional paulista teria condies de atender a um

    quantitativo bem maior de alunos, caso adotasse a matrcula por idade

    cronolgica. Ressaltam que, j em 1956, a Conferncia Regional Latino-

    Americana sobre Educao Primria e Obrigatria, promovida pela UNESCO e

    pela Organizao dos Estados Americanos (OEA), em Lima, subsidiava

    discusses e estudos acerca da reprovao na escola primria, por meio dos

    quais divulgavam medidas de deteno da acelerada reprovao, apontando

    para a proposta de promoo automtica.

    Na esteira desse movimento social, as pesquisas em educao

    demonstravam os efeitos negativos da reprovao para o desenvolvimento

    escolar do aluno, desencadeando discusses sobre heterogeneidade,

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    investimento na aprendizagem, valorizao do aluno, novas metodologias de

    ensino, flexibilizao curricular e mudanas na postura do professor.

    A esse respeito, a insero de conceitos como eqidade,

    empregabilidade, desenvolvimento sustentvel, garantia de acesso e de

    possibilidades traduz a aceitao da desigualdade e da contingncia

    necessria ao desemprego. Partindo dessa constatao, necessrio pensar,

    juntamente com Dourado, at que ponto as propostas de ciclos, instauradas na

    dcada de 1980, no seriam coadjuvantes da aceitao da [...] desigualdade

    como norma e o desemprego como contingncia necessria ao

    desenvolvimento do capital(2006, p. 25).

    A concepo de ciclo apresenta a possibilidade de flexibilizao

    curricular e de centralidade do trabalho pedaggico no educando e no mais

    nos conhecimentos e contedos escolares. Prope ainda assegurar as

    diferenas individuais no percurso do processo de aprendizagem, assim como

    as diferenas sociais e econmicas, como afirma Barreto e Miltrulis (2001, p.

    2): A ordenao do tempo escolar se faz em torno de unidades maiores e mais

    flexveis, de forma a favorecer o trabalho com clientelas de diferentes

    procedncias e estilos de aprendizagem [...]. A proposta de ciclos traz no seudiscurso o compromisso poltico com a democratizao do ensino bsico, na

    medida em que prope o rompimento com a cultura da repetncia e com a

    rigidez da seriao. Alm disso, propaga o direito ao acesso e permanncia do

    aluno na escola, respeitado no seu ritmo, uma vez que todos so capazes de

    aprender e tm direito educao.

    Tomando como referncia os estudos de Paro (2001, p.21), temos que

    [...] educao , pois, atualizao histrica de cada indivduo e o educador omediador que serve de guia para esse mundo praticamente infinito da criao

    humana. Apresentar a educao, entendida como apropriao do saber

    historicamente produzido pela humanidade, significa entender que o saber no

    natural e biolgico, mas herana cuja apropriao mediada pela

    educao (PARO, 2001). E, como tal, no pode ser reduzida formao para o

    trabalho ou para atender ao mercado, e muito menos estar segregada a uma

    minoria da populao. De acordo com Paro (2001), a educao um direito de

    todos, direito humanidade e cidadania. Educao, portanto, no pode ser

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    postulada como benefcio, bem de consumo ou como mera possibilidade de

    acesso ao emprego ou melhoria de vida. Deve ser concebida como mediao

    para a formao humana. Ela permite o acmulo de todo o conhecimento

    humano desde os seus primrdios e garante o avano e o desenvolvimento da

    humanidade.

    [...] escola fundamental deve ser reservada a tarefa de contribuir,em sua especificidade, para a atualizao histrico-cultural doscidados. Isso implica uma preparao para o viver bem, para almdo simples viver pelo trabalho e para o trabalho. Parece, portanto,passvel de crtica a centralidade que, pelas mais diferentes razes epor pessoas e instituies dos mais variados matizes polticos, sepretende dar preparao para o trabalho em nossa escola, hoje.(PARO, 2001, p. 22)

    Analisando as propostas de ciclos de formao em curso no pas,

    observamos que escola so delineadas as funes de condutora do processo

    de aprendizagem e de instituio responsvel pela minimizao do fracasso

    escolar. Cabe a ela tambm a busca contnua por alternativas pedaggicas de

    aprendizagem, conduzidas pelo coletivo de professores11 responsveis pela

    aprendizagem de todos no processo, na medida em que podero reorganizar o

    tempo e o espao escolar para atender s necessidades dos alunos, partindo

    da flexibilizao curricular e da eliminao da reprovao. Esta parece ser a

    lgica da proposta de ciclos. As reflexes realizadas nos estudos de Mainardes

    (2008, p.118), sobre os processos de aprendizagem e a relevncia das

    intervenes pedaggicas nas experincias de organizao da escolaridade

    em ciclos, tambm elucidam as afirmaes acima

    [...] Essas reflexes tomam como ponto de partida os seguintespressupostos: a) o papel da escola garantir a apropriao, por todosos alunos, do saber sistematizado da forma mais ampla e exitosa

    possvel; b) a passagem pela escola, assim como o xito ou fracassoacadmico, tm influncia relevante sobre o acesso soportunidades sociais da vida em sociedade (FERREIRA, 2004); c) aqualidade das experincias de aprendizagem um elementofundamental no processo de ensino e aprendizagem e, em umaperspectiva crtica, as concepes afirmativas do ato de ensinar(DUARTE, 1998; 2006) parecem ser mais adequadas para se garantira apropriao do conhecimento pelos alunos; d) a heterogeneidade uma caracterstica de qualquer sala de aula e precisa ser consideradanas relaes de ensino e no processo de avaliao da aprendizagem;

    11Nas propostas de ciclos referidas neste estudo, dentre elas a proposta de Goinia, o coletivo

    de professores corresponde a toda equipe da escola envolvida no processo pedaggico, sejameles professor pedagogo, professor das respectivas reas do conhecimento (Histria,Geografia, Matemtica, etc.), coordenadores e diretores das escolas.

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    e) a implantao de mudanas no sistema de ensino pressupeinvestimentos em infra-estrutura e oferecimento de suporte tanto paraos professores quanto para os alunos. (MAINARDES, 2008, p. 119)

    Entretanto na concepo neoliberal, a educao se instaura comofundamental no processo de constituio da cidadania do indivduo e como

    meio de incluso social, como instrumentalizao social para escapar da

    pobreza e possibilidade efetiva de melhoria da qualidade de vida e de

    desenvolvimento econmico das naes, delineando aproximaes com o

    discurso acima descrito. Como a educao se configura, na perspectiva

    neoliberal, como vetor do progresso de uma nao, ela tem sido definida e

    delineada por polticas nacionais, conforme as orientaes internacionais quevinculam educao e produtividade e referendam a escolarizao da populao

    como meio de garantia de maiores oportunidades aos mais pobres.Assim, a

    [...] educao alada ao status de capital humano(FRIGOTTO, 2003, p.30)

    e, ao estabelecer a relao entre educao e trabalho, os processos

    educativos encontram-se subordinados aos [...] interesses da reproduo das

    relaes sociais capitalistas (FRIGOTTO, 2003, p.30). No entanto,

    necessrio redimensionar o olhar, ampliar a lente e conceber a educao soboutra premissa. Se a linguagem, o conhecimento cientfico, a arte, a cultura e o

    saber so produzidos a partir da interao do homem com a natureza,

    mediados pelas relaes humanas, so produo histrica da humanidade e

    passam a ser legado de todos. Assim a define Frigotto:

    A educao tambm no reduzida a fator, mas concebida comouma prtica social, uma atividade humana e histrica que se defineno conjunto das relaes sociais, no embate dos grupos ou classessociais, sendo ela mesma forma especfica de relao social. O

    sujeito dos processos educativos aqui o homem e suas mltiplas ehistricas necessidades (materiais, biolgicas, psquicas, afetivas,estticas, ldicas). A luta justamente para que a qualificaohumana no seja subordinada s leis do mercado e suaadaptabilidade e funcionabilidade [...]. (2003, p. 31)

    O conhecimento foi, durante certo perodo, centralidade na educao e

    se constituiu como princpio, porm, atualmente, tem perdido espao para o

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    desenvolvimento de competncias e habilidades,12 consolidando o iderio de

    uma educao pragmatista, imediatista, utilitarista e informativa. Cabe,

    portanto, analisar at que ponto a proposta de ciclos, na medida em que

    centraliza suas aes pedaggicas no educando, ou seja, no indivduo e no

    mais nos conhecimentos, no se torna tambm subordinada s leis do

    mercado, pois advoga princpios como flexibilidade, diversidade e eqidade.

    As propostas de mudana, incluindo as reformas do sistema

    educacional, so formas de o sistema capitalista buscar solues para

    problemas como excluso econmica, desigualdade social, diferenas sociais,

    desemprego e violncia, que abalam a estrutura do sistema econmico vigente.

    So formas de reordenamento do capital sem, contudo, questionar o que est

    posto: uma organizao social que se pauta, na sua essncia, pela explorao

    da fora de trabalho humano.

    A idia de que a educao constitui-se em um direito de todos e apossibilidade de uma vida melhor muda o eixo econmico da buscapela escolarizao para um foco mais centrado nas noes desociedade civil, cidadania e participao.

    No incio dos anos 90, uma nova orientao ser cunhada a partir dacombinao das duas referncias anteriores. A preocupao

    econmica estar resguardada pois, oferecer educao bsica spopulaes implica em possibilitar a formao de fora de trabalhoapta para o mercado. A educao bsica reveste-se de carterprofissional nas ltimas dcadas com as mudanas no processoprodutivo tecnolgico. As exigncias de perfil profissional mais flexvele adaptvel recaem sobre uma formao calcada no mais emsaberes especficos, mas em modelos de competncia. (OLIVEIRA,2001, p. 75)

    Assim, a educao passa a ser traduzida como meio de difuso dos

    avanos tecnolgicos e a alta produtividade das naes estar vinculada

    formao tcnica e intelectual do trabalhador. Com base nas afirmaes

    12Para maior aprofundamento sobre competncias e habilidades na educao e na formao

    do professor, ver estudo realizado por Perrenoud (2000) sobre competncias que foramescolhidas e desenvolvidas: 1) organizar e dirigir situaes de aprendizagem; 2) administrar aprogresso das aprendizagens; 3) conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciaoevoluam; 4) envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5) trabalhar emequipe; 6) participar da administrao da escola; 7) informar e envolver os pais; 8) utilizarnovas tecnologias; 9) enfrentar os deveres e os dilemas ticos da profisso; 10) administrar a

    prpria formao contnua.

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    acima, fica claro que os investimentos na qualidade e na expanso do sistema

    educacional so metas polticas de reordenao do sistema econmico

    mundial e condio de sua prpria continuidade, manuteno e possibilidade

    de avano. Referir-se qualidade no campo educacional, neste contexto,

    referir-se s novas tcnicas, novas metodologias e novas estratgias

    educacionais. Isso no significa, necessariamente, uma preocupao em

    garantir, s camadas populares, o acesso ao conhecimento e apropriao

    histrica e cultural dos saberes produzidos pela humanidade. O propsito, na

    verdade, difundir a idia de insero social por meio da escolarizao, do

    esforo e do talento individuais, garantidos pelo trabalho rduo e pela aplicao

    das habilidades individuais. O aumento da oferta e a ampliao do acesso

    educao bsica so postos como garantia de instruo, de civilidade, de

    empregabilidade. Dessa tica, tudo isso leva prosperidade sustentada, ao

    desenvolvimento e formao para adaptabilidade do indivduo sociedade

    capitalista; possibilita a competitividade no mercado e gera a possibilidade de

    maior prosperidade das naes.

    No contexto das reformas, considerar os ciclos como uma poltica

    educacional de incluso e como proposta poltica de democratizao do ensino algo que requer cuidado e estudo. A questo posta analisar se a proposta

    de ciclos estaria, ou no, inserida no contexto de aplicao das polticas

    neoliberais, e esse um tema de difcil anlise. No se pode negar que a

    proposta de ciclos, ao eliminar a reprovao, atende demanda de facilitao

    do acesso e da permanncia do educando na escola e favorece a viabilizao

    do fluxo escolar. Mas tambm inegvel que a flexibilizao dos processos

    avaliativos e com ela a garantia do acesso e da permanncia do aluno naescola so avanos no delineamento do processo de universalizao do ensino

    bsico. No entanto, inconcebvel a manuteno de geraes inteiras no

    espao escolar sem a garantia de que os conhecimentos tenham sido

    amplamente socializados.

    Entendemos que alm do propsito de tentar compreender todo o

    processo poltico de surgimento, implantao e continuidade dos ciclos, e

    analisar a sua forma de organizao e estruturao, faz-se necessrio

    compreender a concepo de educao, educando, educador e sociedade que

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    se engendra nesta proposta. No se trata apenas de defend-la ou recus-la,

    mas de buscar apreend-la na sua essncia para apontar as possibilidades de

    avano, estagnao e retrocesso.

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