Por uma nova Educao de Jovens e Adultos

Carlos Roberto Jamil Cury Conselho Nacional de Educao/ Professor da PUC-MG.

O texto que escrevi, eu o escrevi tendo em vista um dilogo com um aluno ou aluna que (re)comea sua formao escolar. Mas o interlocutor oculto sou eu mesmo e voc tambm! O que dizer para um jovem ou uma senhora que, aps muitos anos, retorna escola ? Caros colegas de trabalho, prezadas professoras, alunos e alunas da Educao de Jovens e de Adultos (EJA)!

Como relator das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao de Jovens e Adultos, preferi tentar uma via indireta: dizer o seu contedo formal de um modo simples, coloquial e direto. Quase uma carta. Por isso gostaria muito que vocs lessem esta (quase) carta aos seus alunos e alunas.Ao ler as diretrizes, vocs vero que tentei sintetiz-las de modo a estimul-los a, mais tarde, ler o conjunto das Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA (Parecer CNE/CEB n. 11/2000) e da respectiva resoluo do Conselho Nacional de Educao (Res. CNE/CEB n. 1/2000).

Voc, minha prezada jovem, meu caro jovem, voc, meu senhor, sejam bem-vindos Educao de Jovens e Adultos (EJA). Provavelmente vocs foram, um dia, escola. A esperana de concluir um curso os animava. Contudo, fatores adversos fizeram com que vocs no pudessem terminar a sua escolarizao. Para uns, foi a necessidade do trabalho precoce, para outros foi a falta de condies materiais e para muitos a prpria escola no foi capaz de ret-los estudando.

Voc, meu prezado jovem, voc minha querida senhora, talvez no tenham ingressado na escola na idade apropriada de sua infncia e adolescncia. Certamente isto representa para vocs uma grande lacuna. Para vocs, agora h a alternativa da Educao de Jovens e Adultos como um recomeo deste importante instrumento de cidadania: a educao escolar. Vocs esto sendo convocados a completar seus estudos um dia interrompidos.

A Educao de Jovens e Adultos no um presente que um padrinho lhes d e nem um favor que um amigo lhes faz. Ela um direito de vocs. A Educao de Jovens e Adultos ser para vocs um novo comeo quando vocs mesmos j viveram muitas e muitas experincias. Vocs esto sendo convidados a reparar este vazio que lhes preocupa.

A segunda a tbua da maior lei brasileira: a Constituio Federal. E l est dito e escrito que o Ensino Fundamental obrigatrio e gratuito seu direito e dever do Estado, porque ele vale tambm para os que no tiveram acesso a ele na idade prpria. Trata-se do art. 208 da Constituio Federal. Este direito est inscrito em duas tbuas: a primeira a necessidade que vocs sentiram em reparar ou completar esta lacuna. a tbua da vivncia de vocs que sentem a falta deste direito, que muitas vezes vem nos outros.

Por isso, aproveite este tempo de novo comeo para fazer seus estudos e conclu-los com sucesso. Mas o Ensino Mdio tambm gratuito nas escolas do governo e se voc o exigir, voc deve ser atendido, porque esta etapa do ensino a coroao da educao que todo o brasileiro deve ter.

Tem a ver com um pas bastante injusto que no consegue distribuir suas riquezas de modo que todos possam ter acesso aos bens sociais e necessrios a uma participao poltica consciente. Tem a ver tambm com um determinado tipo de escola que nem sempre conseguiu entender os diferentes perfis de alunos. Talvez vocs queiram saber porque a escola no chegou a todos os brasileiros. Isto tem uma longa histria e que comea com o desapreo que nossos colonizadores tinham para com a leitura e a escrita a ser dada aos habitantes deste pas.

Por isso mesmo, houve leis que proibiram o acesso de negros e ndios escola, que s incentivavam escolas da cidade (deixando de lado as escolas da roa) e no se pode deixar de dizer que houve muito preconceito com relao s mulheres, achando que elas deveriam ficar em casa e que por isso no necessitavam de leitura e de escrita. Somos todos iguais e diferentes ao mesmo tempo. s vezes a escola confundiu igualdade com uniformidade e diferena com inferioridade para muitos e superioridade para poucos.

Para uns, a empresa que est exigindo. Para outros, trata-se de um sentimento: se no completarem os estudos estaro com o emprego em perigo. E em todos existe a conscincia de que ter acesso aos conhecimentos da escola uma chave importante para se ler o mundo e a sociedade em que vivemos. Durante longos anos, quem no sabia escrever seu prprio nome, no podia votar. Hoje, todos ns sabemos da importncia da escola.

votar com conscincia, assinar o nome em registros, ler um manual de instrues e, se voc for um poeta ou um msico, escrever e ler seus prprios versos e notas. Assim voc estar participando tambm do mundo da cultura escrita. Por isso a Educao de Jovens e Adultos um direito to importante. to valiosa que ela uma condio prvia a muitas outras coisas de nossa sociedade: ler livros, entender cartazes, escrever cartas, sentar-se ao computador,

Assim, voc conhecer contedos importantes de Matemtica, pois s saber contar pouco. Voc saber mais sobre a Geografia e a Histria do Brasil e do mundo. E poder se expressar em sua lngua materna com preciso tambm na escrita. Ao entrar em um curso de Educao de Jovens e Adultos, voc no estar apenas sendo alfabetizado. Isto muito pouco para o contedo do direito educao. Alm da alfabetizao, voc ter, ao longo de certo tempo, o acesso a vrios conhecimentos que sero importantes para voc conhecer o mundo em que vive e para poder agir sobre ele com conscincia.

se aproximar de outros povos e de outras culturas. No futebol, quem chuta com os dois ps pode fazer mais e melhores jogadas e, em casa, quem bate bolo com as mos no se aperta quando a iluminao eltrica apaga a batedeira. E ter conhecimentos importantes prprios das Cincias que explicam as coisas materiais, as doenas, a frmula de um remdio, a composio de uma bebida e o som de uma corda de viola. Por outro lado, ser cidado do Brasil e do mundo poder

Assim tambm com quem conhece outros hbitos e costumes da cultura de outros pases. Porque isto to importante que a Constituio Brasileira e, depois, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional reconheceram que vocs so titulares, titulares deste direito e no podem abrir mo dele.

A EJA... exige que seus professores, alm de serem competentes como quaisquer outros profissionais do ensino, devem saber que vocs no so crianas nem adolescentes. Devem aprender com vocs, pois muitos deles so mais jovens que vocs e nem tm tanta experincia quanto a que vocs possuem em determinadas reas.

Eles sabem que vocs esto comeando ou recomeando a vida escolar como jovens e adultos, freqentando uma escola num horrio em que poderiam estar em casa. Eles sabem que este um direito srio e sagrado. Eles tanto sabero ensinar a vocs como escut-los. por esta razo que o curso que vocs fazem no exatamente igual ao que podem estar fazendo seus filhos ou irmos menores.

Ele deve ser apropriado a vocs, com um jeito de trabalhar as aulas que seja adequado s necessidades sentidas por vocs e ao cumprimento das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Ensino Mdio.

Se vocs forem pais/mes ou irmos/irms mais velhos no querero que seus filhos ou irmos menores fiquem fora da escola na idade em que eles no devem trabalhar.

Vocs querero que o trabalho deles seja a presena na escola e que eles sejam bem sucedidos. E no convm que adolescentes e adultos convivam nas mesmas salas. por isso que menino ou menina de menos de 14 anos completos no podem freqentar a Educao de Jovens e Adultos na etapa do Ensino Fundamental e tambm por isso que nenhum jovem com menos de 17 anos completos pode estudar em salas de Educao de Jovens e Adultos na etapa do Ensino Mdio.

Quando vocs obtiverem estes certificados de concluso, no deixem de comemor-los coletivamente com uma bela formatura. Estes certificados so apenas uma expresso oficial de que vocs estoconseguindo fazer do direito de vocs um exerccio de cidadania que deve continuar a vigorar na famlia, no trabalho, na poltica e no lazer.

E eles devem significar, para vocs e para todos ns, que a Educao de Jovens e Adultos, respaldada em um bom curso, no pra. Ela poder continuar a ser praticada em bibliotecas, em filmes, em novas leituras, em acesso rede mundial de computadores (Internet) epor que no ? - em novos cursos...

Este desafio de uma reentrada na vida escolar que vocs enfrentam o reconhecimento de um direito que vocs possuem desde sempre e que agora passaro a querer exerc-lo em vista de um cidado mais ativo e em vista de uma sociedade brasileira que venha a ser mais igual e mais justa. Meu caro professor, minha prezada professora!

Entrar em uma sala de EJA supe competncia e compromisso. Por isso mesmo, ao desejar-lhes boa sorte e boa coragem neste caminho profissional, quero dizer-lhes da necessidade da empatia. A empatia a capacidade que temos de tomar sempre, como ponto de partida de um dilogo, o ponto de vista do outro, o modo de ser do outro. Neste sentido, conhecer reconhecer porque sente o outro.

E isto o ponto de partida de um projeto pedaggico coletivo que une os professores em um planejamento e que os rene em um ambiente escolar quecontempla tanto as regras da vida em comum como a transmisso de saberes indispensveis vida coletiva.

(...) melhor comear 50% como educadores e 50% como educandos, para no processo morrer como educadores exclusivos e renascer novamente como educadores-educandos, e convidar os educandos a tambm morrer como educandos exclusivos para renascer como educandos-educadores. (FREIRE apud TORRES, 1987)