3
Cateter ciatico popliteu: uDla aposta segura? Autores: Bruno Silva -Interno do Internato Complementar de Anestesiologia Nadya Pinto - Assistente Hospitalar de Anestesiologia Thomas Ferreira - Assistente Graduado de Anestesiologia RESUMO CENTRO HOSPITALAR LlSBOA OCIDENTAL o bloqueio continuo de nervos perifericos (BCNP), descrito inicialmenteem1946(1),consiste na colocat;:aoe utilizat;:aode urn cateterpercutaneo adjacente a urn ou varios nervos per- ifericos para administrat;:ao de anestesico local. Autilizat;:ao de cateteres perineurais permite prologar a analgesia associa- da a tecnica single shot, que dura, habitualmente, 24 horas. Apesar de bem estudado para analgesia no pos-operatorio, 0 BCNP tern actualmente varias indicat;:6esdescritas como trat- amento desolut;:os(2), de vasospasmo associado a Doent;:ade Raynaud (3), simpaticectomia e vasodilatat;:ao apos cirurgia vascular (4), reimplantat;:aodemembros amputados(5), anal- gesia em trauma(6) e tratamento de dor cronica (7). Apesar de estar provado que no tratamento da dor pos-operatoria 0 uso de cateteres perineurais permite uma analgesia mais efi- caz comparativamente a analgesia com opioides sistemicos (reduzindo assim a incidencia de complicat;:6esassociadas ao uso destes) (8) e que melhora, a curto prazo, outcomes fun- cionais apos cirurgia da extremidade, nao esta evidenciado 0 beneficio desta tecnica regional alongo prazo (9,10,11). Considerando a eficacia da tecnica loco-regional para 0 trat- amento da dor neurop<itica associada a doent;:aarterial per- iferica (12,13) e a segurant;:a associada ao bloqueio de nervo periferico (8,9,10,11), relata-se urn caso de utilizat;:aodesta tecnica num doente para tratamento da agudizat;:ao de dor cronica secundaria a urn agravamento da isquemia do mem- bro inferior.

CAR Club Anest Reg 2013_21.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CAR Club Anest Reg 2013_21.pdf

Cateter ciatico popliteu:uDla aposta segura?

Autores:Bruno Silva -Interno do Internato Complementar de AnestesiologiaNadya Pinto - Assistente Hospitalar de AnestesiologiaThomas Ferreira - Assistente Graduado de Anestesiologia

RESUMO

CENTRO HOSPITALARLlSBOA OCIDENTAL

o bloqueio continuo de nervos perifericos (BCNP), descritoinicialmente em 1946 (1), consiste na colocat;:aoe utilizat;:aodeurn cateter percutaneo adjacente a urn ou varios nervos per-ifericos para administrat;:ao de anestesico local. A utilizat;:aode cateteres perineurais permite prologar a analgesia associa-da a tecnica single shot, que dura, habitualmente, 24 horas.Apesar de bem estudado para analgesia no pos-operatorio, 0BCNP tern actualmente varias indicat;:6esdescritas como trat-amento de solut;:os(2), de vasospasmo associado a Doent;:adeRaynaud (3), simpaticectomia e vasodilatat;:ao apos cirurgiavascular (4), reimplantat;:ao de membros amputados(5), anal-gesia em trauma(6) e tratamento de dor cronica (7). Apesarde estar provado que no tratamento da dor pos-operatoria 0

uso de cateteres perineurais permite uma analgesia mais efi-caz comparativamente a analgesia com opioides sistemicos(reduzindo assim a incidencia de complicat;:6es associadas aouso destes) (8) e que melhora, a curto prazo, outcomes fun-cionais apos cirurgia da extremidade, nao esta evidenciado 0beneficio desta tecnica regional a longo prazo (9,10,11).Considerando a eficacia da tecnica loco-regional para 0 trat-amento da dor neurop<itica associada a doent;:a arterial per-iferica (12,13) e a segurant;:a associada ao bloqueio de nervoperiferico (8,9,10,11), relata-se urn caso de utilizat;:ao destatecnica num doente para tratamento da agudizat;:ao de dorcronica secunda ria a urn agravamento da isquemia do mem-bro inferior.

Page 2: CAR Club Anest Reg 2013_21.pdf

CASO CLINICOTrata-se de urn doente do sexo masculino, 80 anos de idade, 83kg, internado por isquemia arterial critica da extremidade dis-tal do membro inferior direito, com necrose dos dedos do pe ecalcaneo associada a dor de tipo neuropatica de dificil controlo.Tinha como patologia associada insuficiencia renal cronica em he-modialise, com cerca de 17 anos de evolw;:ao,neuropatia periferi-ca grave, insuficiencia cardiaca, cardiopatia isquemica, fibrilhayaoauricular, patologia pulmonar intersticial, anemia e dor do mem-bro fantasma na perna contralateral pos-amputayao.Ao fim de 5 dias de internamento e, apos tentativa de controlo dador com aumento progressivo da dose de opioides, decidiu-se pelacolocayao de urn cateter ciatico popliteu para analgesia. Em ambi-ente de enfermaria e com tecnica de assepsia, foi usado urn cateterepidural, B-Braun (Perifix, ref. 4510097), com uma agulha de Tu-ohy 18G, que se colocou ecograficamente (ecografo GE Venue 40,sonda linear 12L-SC) junto do nervo ciatico popliteu, utilizandouma abordagem lateral, apos anestesia da pele e trajecto com lido-caina a 2%. A confirmayao da localizayao foi possivel apos visual-izayao de bolus de anestesico local perineural e 0 cateter foi fixadoit pele com adesivos esterilizados. Foi administrado urn bolus de20 ml de ropivacaina a 0,5%, com alivio imediato da dor, tendo-sedepois iniciado a perfusao continua de ropivacaina a 0,2% atravesde elastomero (Leventon Dosi-Fuser, ref.25915-100Dl), com urndebito fixo de 4,1 cc/h.Ao terceiro dia pos-colocayao do cateter periferico, registavam-seainda periodos de dor disruptiva, pelo que se administrou urnbolus de 10 cc de lidocaina a 2% e aumentou-se a concentrayao deropivacaina perfundida para 0,375%, com subsequente controloda dor descrita, mas com 0 desenvolvimento de parestesias tolera-das pelo doente.Durante 0 internamento 0 doente manteve-se sempre hemodi-namicamente estavel, sem evidencia de sinais de inflamayao ou in-fecyao no local do cateter periferico. 0 controlo do penso e do lo-cal de punyao era assegurado frequentemente por urn anestesista.Ao 240 dia apos colocayao do cateter periferico, a equipa cirurgicadecidiu pela limpeza cirurgica dos locais de necrose. Foi admin-istrado urn bolus de 30 cc de ropivacaina a 0,75%, que permitiua anestesia do pe ao fim de 20 minutos e, consequentemente, arealizayao do procedimento cirurgico sem intercorrencias.Ao 310 dia de intern amen to, 0 doente removeu 0 cateter e teve alta apedido. Na altura, verificava-se uma evoluyao favoravel do quadroclinico, com reduyao das areas de necrose e da dor associada. Doismeses depois do internamento e, apos avaliayao pelo medico assis-tente, foi possivel constatar a manutenyao da evoluyao verificadait alta, sendo referida melhoria significativa na temperatura e nossinais inflamatorios da extremidade afectada.

DIScussAoCom este caso clinico pretende-se demonstrar 0 potencial da uti-lizayao do bloqueio continuo de nervos perifericos no controloalgico de doentes com doenya arterial periferica e, possivelmente,na melhoria da perfusao dos territorios isquemicos. Esta patologiae multifactorial, culminando habitualmente em perda de funyao,dor isquemica e gangrena nos locais mal perfundidos. Frequente-mente, a dor e do tipo queimadura e em facada - tipicamente neu-ropatica, que nos estadios mais avanyados da doenya persiste emrepouso, com graves implicay6es na qualidade de vida dos doentes(14). Apesar de serem poucos os estudos a avaliar 0 potencial daanestesia I analgesia loco-regional no tratamento da dor associa-da a doenya arterial periferica, demonstrou-se uma superioridadecomparativamente it terapeutica com opoides endovenosos e peros (8,13).o bloqueio simpatico associado it tecnica permite uma vasodi-latayao, que possivelmente, leva ao aumento da perfusao e, con-sequentemente, a uma diminuiyao da isquemia, remoyao aumen-tada de metabolitos nociceptivos e aumento da cicatrizayao deferidas existentes, permitindo uma limitayao na lesao nervosa euma reduyao da dor associada (12,14) que neste doente se tradu-ziu por urn aumento da temperatura do membro afectado apos 0internamento.A decisao de colocar 0 cateter recorrendo apenas ao controlo

ecografico prendeu-se com 0 facto deste se associar a urn menordesconforto relacionado com a tecnica de neuroestimulayao. Con-tudo, nao esta ainda comprovada uma superioridade de urn meto-do comparativamente ao outro (9,10).A perfusao inicial de ropivacaina a 0,2% revelou-se insuficientepossivelmente pela baixa dose de farmaco administrado ao lon-go do tempo, tendo em conta 0 fluxo permitido pelo elastomero(os unicos existentes no hospital). 0 incremento na concentrayaode ropivacaina infundida (0,375%) ultrapassou este problema,sem no entanto causar bloqueio motor. 0 volume infundido erabastante reduzido comparativamente it literatura internacional(15,16). Esta questao poderia ter sido facilmente manejada comuma seringa perfusora ou PCRA, mas para permitir uma maiorautonomia optou-se pelo elastomero.A susceptibilidade acrescida dos doentes insuficientes renais it tox-icidade dos anestesicos locais, por alterayao da sua farmacocineti-ca, nao esta descrita com a ropivacaina (17), pelo que se optou poreste anestesico local.A utilizayao de cateteres de nervo periferico durante longos perio-dos de tempo esta pouco estudada, contudo os artigos existentesdemonstram urn perfil de seguranya elevado, com uma baixa taxade complicay6es, nomeadamente de infecyao. De facto, apesar dastaxas de inflamayaQ (3 - 4%) e colonizayao do cateter perineural(6 - 57%) serem elevadas, a incidencia de infecyao clinicamentesignificativa e baixa: 0 a 3.2%, mesmo quando 0 cateter e usadodurante mais de 30 dias (10,11,12,18). Neste caso clinico, 0 con-trolo diario do cateter e do local de punyao com assepsia adequadarealizado por urn anestesista experiente e a administrayao de an-tibioticos foram pontos fundamentais para evitar a existencia deinfecyao clinicamente detectavel. A remoyao controlada do catetere a sua analise microbiologica poderiam ter revelado a existenciaou nao de colonizayao por microrganismos, 0 que se teria reveladointeressante no ponto de vista academico.

CONCLUSAOA utilizayao de bloqueios perifericos continuos no controlo dador associada a doenya arterial periferica por longos periodos detempo e bastante promissora, possibilitando uma analgesia eficaze, eventualmente, uma melhoria da perfusao do territorio afectado,com urn perfil de seguranya elevado.

Conflitos de interessesSem conflito de interesses.

REFERENCIAS1) F. Ansbro. A method of continuous brachial plexus block.American Journal Surgery 1946; 71:716-222) S. Sarnoff, 1. Sarnoff; Prolonged peripheral nerve block bymeans of indwelling plastic catheter: treatment of hiccup; An-esthesiology 1951; 12:270-53) R. Greengrass, N. Feinglass, P.Murray, S. Trigg. Continuousregional anesthesia before surgical peripheral sympathectomyin a patient with severe digital necrosis associated with Ray-naud's phenomenon and sclerodermaI. Reg Anesth Pain Med2003; 28:354-84) R. Manriquez, V. Pallares. Continuous brachial plexus blockfor prolonged sympathectomy and control of pain. Anesth An-alg 1978; 57:128-305) V. Loland, B. Ilfeld, R. Abrams, E. Mariano. Ultrasound-guided perineural catheter and local anesthetic infusion in theperioperative management of pediatric limb salvage: a case re-port. Paediatr Anaesth 2009; 19:905-7 .6) C. Buckenmaier, C. Rupprecht, G. McKnight, B. McMillan,R. White, R. Gallagher, R. Polomano. Pain following battlefieldinjury and evacuation: a survey of 110 casualties from the warsin Iraq and Afghanistan. Pain Med 2009; 10:1487-967) H. Fischer, T. Peters, I. Fleming, T. Else. Peripheral nervecatheterization in the management of terminal cancer pain.Reg Anesth 1996; 21:482-58) J. Richman, S. Uu, G. Courpas, et al. Does continuous pe-ripheral nerve block provide superior pain control to opioids?A meta-analysis. Anesth Analg 2006; 102:248-57

Page 3: CAR Club Anest Reg 2013_21.pdf

9) B. Ilfeld. Continuous peripheral nerve blocks. EuropeanJournal of Pain Supplements 2011; 5:465-47010) B. Ilfeld. Continuous Peripheral Nerve Blocks: A Review ofthe Published Evidence. Anesthesia Analgesia 2011; 113:904-2511) J. Aguirre, A. Moral, 1. Cobo, A. Borgeat, S. Blumenthal.The Role of Continuous Peripheral Nerve Blocks. Anesthesiol-ogy Research and Practice 2012; Article ID 56087912) B. Borghi, M. D'Addabbo, et al. The Use of Prolonged Pe-ripheral Neural Blockade After Lower Extremity Amputation:The Effect on Symptoms Associated with Phantom Limb Syn-drome. Anesthesia Analgesia 2010; 111:1308-1513) B. Dekel, R. Melotti, M. Gargiulo, A. Freyrie, A. Stella, G.Ninoa. Pain Management in Peripheral Arterial ObstructiveDisease: Oral Slow-Release Oxycodone Versus Epidural L-Bu-pivacaine. European Journal Vascular Endovascular Surgery2010;39:774-77814) 1. Ruger, D. Irnicha, T. Abahji, A. Crispinc, U. Hoffmannb,

P. Langa. Characteristics of chronic ischemic pain in patientswith peripheral arterial disease. Pain 2008; 139: 201-20815) B. Ilfeld, 1. Thannikary, T. Morey, R. Vander Griend, F. En-neking. Popliteal sciatic perineural local anesthetic infusion: acomparison of three dosing regimens for postoperative analge-sia. Anesthesiology 2004; 101:970-716) M. Taboada, J. Rodriguez, M. Bermudez, et al. Comparisonof continuous infusion versus automated bolus for postoper-ative patient-controlled analgesia with popliteal sciatic nervecatheters. Anesthesiology 2009; 110: 150-417) P. Pere, A. Ekstrand, M. Salonen, E. Honkanen, J. Sjovall, J.Henriksson, P. Rosenberg. Pharmacokinetics of ropivacaine inpatients with chronic renal failure. British Journal Anaesthesia2011; 106(4): 512-52118) C. Dadure, F. Motais, C. Ricard, O. Raux, R. Troncin, X.Capdevila. Continuous Peripheral Nerve Blocks at Home forTreatment of Recurrent Complex Regional Pain Syndrome I inChildren. Anesthesiology 2005; 102:387-91