Capítulo Xi-Introdução Ao Estudo Do Habitat Pavillonnaire

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XI- INTRODUO AO ESTUDO DO HABITAT PAVILLONNAIRE[footnoteRef:1] [1: O Habitat pavillionnaire por Nicole Haumont, M.-G. Raymond, Henri Raymond, edies do C.R.U., Pars, 1967.]

H dcadas que o pensamento analtico e tcnico tem sido aplicado a questes ditas de urbanismo. Metodicamente, definiu-se uma funo e um objetivo do ser humano em sua vida social: morar; ter certo espao para organizar sua vida privada, individual e familiar. Criou-se um neologismo para designar este conjunto de fatos: o habitat.De numerosos textos, dos quais os mais conhecidos so os de Le Corbusier e de sua escola, pode-se dizer, hoje em dia, sem receio de seenganar, que so precisos, que tendem para um positivismo sociolgico e que eles levantam mais problemas do que osresolvem. O esprito que os anima, rejeita o que, em nossa cultura ocidental, se nomeava e se nomeia, ainda, profundidade, no estudo do homem, da cidade e da sociedade em geral. Esta tendncia no uma particularidade dos socilogos edos especialistas de arquitetura e de urbanismo. Ela se constata em muitos outros campos,comono das cincias sociais e da literatura. A recusa da especulao filosfica tradicional, sem tirar partido para alcanar por caminhos novos as mltiplas dimenses do fenmeno humano, conduz a uma superficialidade aceita, desejada, proclamada como tal, identificada com a predominncia dos problemas tcnicos e cientficos.A sociologia que se diz empirista e positivista entra, rapidamente, em uma roda-viva ou, em outros termos, cai em um crculo vicioso. De um lado defende, com fortes argumentos, que antes de alojar as pessoas necessrio conhecer suas necessidades e que, para tanto, preciso estud-las, assim como seus grupos, que, aos poucos, levam a instncias cada vez mais amplas, como sociedade e sua cultura. Por outro lado, chega-se a isolar, no seio dessa globalidade, certo nmero de funes, de formas ou sistemas parciais, dentre os quais o habitat, ou a moradia, o primeiro da lista.Dando voltas nesse crculo, uma certa sociologia que se diz muito cientfica, formula com complacncia trivialidades sobre as necessidades, sobre a vida familiar no alojamento, sobre a vida de bairro, etc. por acaso que durante este mesmo perodo os historiadores debruaram-se sobre as formas desaparecidas da cidade (antiga) para nela recuperar os elementos esquecidos? Se os filsofos, os mais profundos, tentaram alcanar o habitar? Ns devemos a G. Bachelard na sua potica do espao algumas pginas inesquecveis sobre a casa. Quanto a Martin Heidegger, o habitar desempenha um papel essencial na sua doutrina. A terra o habitar do homem - deste ser excepcional dentre os seres (os seres vivos) - como sua linguagem a Morada do Ser. O filsofo que se recusa enquanto metafsico e que contesta a etiqueta existencialista que os leitores pouco avisados aceitam de pronto, tem feito uma interrogao radical: O que o habitar? H, segundo ele, uma ligao entre o construir, o habitar, o pensar (e o falar). O habitar, na sua essncia, potico. um trao fundamental da condio humana, e no uma forma acidental ou uma funo determinada. Comentando o admirvel poema de Hlderlin, Poeticamente habita o homem, Heidegger declara que a palavra do Poeta no se refere em nada s condies atuais da habitao. Ela no afirma que habitar queira dizer alojar-se. Ns nos encontramos, diz Heidegger, diante de uma dupla exigncia e de um duplo movimento: pensar a existncia profunda do ser humano partindo do habitar e da habitao - pensar o ser da Poesia como um edificar, como um fazer habitar, por excelncia. O Poeta construiu a morada do ser humano, quer dizer, do Ser no homem. Se procuramos nessa direo, o ser da Poesia, chegaremos ao ser da habitao[footnoteRef:2]. Poderia ser, diz Heidegger, que nossas habitaes sem poesia, que nossa impotncia para captar a medida do homem e de seu corao, provenha de um estranho excesso: de um exagero de medida e de clculo. [2: Ensaios e Conferncias, p. 170 e sq. Edificar, habitar, pensar, p. 224 e sq. O homem habita em poesia.]

A casa estranha, onrica, nica, que nos apresenta G. Bachelar - esta casa que reuni em sua unidade de sonho, as disperses do EU - uma casa tradicional, um morada patriarcal, carregada de smbolos, rica de cantos misteriosos, de stos. Sobre estaCasa o filsofo pode escrever: uma das maiores foras de integrao para o pensamento, as lembranas, os sonhos do homem... Mantm o homem durante as tempestades do cu e da terra... Ela corpo e alma. Esta casa desaparece. No se sabe mais, no se consegue mais constru-la. muito fcil constatar esse desaparecimento e o positivismo o toma para si sem muito esforo. Quanto a Heidegger, ele nos mostra o mundo devastado pela tcnica que conduz, atravs de suas destruies,a um outro sonho, um outro mundo ainda no percebido. Ele nos adverte: um alojamento construdo segundo prescries econmicas ou tecnolgicas se distancia do habitar, tanto como a linguagem das mquinas da poesia. Ele no nos diz como construir, hic et nunc, imveis e cidades.Nossa situao no dramtica, tanto na prxis quanto no pensamento terico? De um lado trivialidade, descrio do que o olhar constata e que confirma o que foi constatado e que aprisiona o pensamento na constatao denominada cincia; esta cincia trata do fato finalizado e no traz mais que um conhecimento e uma crtica deliberadamente superficiais. Esta atitude que junta e acumula fatos, se pretende operacional. Ela o : seus conceitos e modelosse elaboram de forma a permitir a aplicao rpida ao menor custo (de tempo, de espao, de dinheiro e de pensamento). fcil construir imveis ou conjuntos urbanos segundo as prescries deste pensamento operacional. O que no fica claro se os habitantes esto satisfeitos e, menos ainda, se eles levam uma vida digna de ser vivida. No seria pior se eles se satisfizessem com pouco e que se adaptassem? Por outro lado, existe uma profundidade, pressentimento de um ser total do homem. Mas essa profundidade no encontra aplicao, ela no tem nada de operacional. Como sair desse impasse? A contradio to difcil de resolver que no pode se isolar. Ela se vincula a uma problemtica mais geral, por caminhos fceis de serem reconstitudos. Qual a relao entre as novas cincias da sociedade e a antiga tradio filosfica? Quais so as relaes exatas entre os fatos, as concepes, as teorias,nessas cincias? Os trabalhos aqui apresentados pelo Instituto de Sociologia Urbana no tm como certa a pretenso de resolver esses problemas. Eles tm, contudo, uma ambio. Seus procedimentos partem de uma conscincia dos problemas e de seus termos contraditrios, no de uma opo deliberada por um desses termos. Buscam, portanto, um caminho no qual a soluo seria construda, desde o incio de seu percurso.O que permitiria aproximar a pesquisa e a descoberta, muito freqentemente divergentes, a pesquisa aventureira em caminhos sem sada e a descoberta se distanciando cada vez mais ou se verificando de forma arbitrria.Primeiro ponto (ou se quiser: primeiro passo, primeira afirmao, primeira hiptese). O habitar um fato antropolgico. A habitao, a morada, o fato de se fixar ao solo (ou de se desprender), o fato de se enraizar (ou de se desenraizar), o fato de viver aqui ou l (e por conseqncia, de sair, de partir), estes fatos e este conjunto de fatos so inerentes ao ser humano. Eles constituem um conjunto coerente e pleno de contradies, de conflitos virtuais ou atuais. O homo (o homem enquanto espcie) pode dizer-sefaber, sapiens, loquens, ludens, ridens, etc. Determina-se por um certo nmero de atributos, do qual as denotaes e conotaes (quer dizer, as significaes e as ressonncias) so bastante amplas para cobrir as manifestaes mltiplas da qualidade considerada. A lista destes atributos do homem enquanto espcie no pode ser esgotada. O habitar faz parte destes atributos, ou se deseja falar assim, destas dimenses. Essa frmula logodemanda correes. Se ns consideramos o habitar como um trao antropolgico, isto no quer dizer que o habitar dependaexclusivamente de uma cincia particular, a antropologia, que estudaria a constncia e as invarincias como atributos da espcie humana (do homem enquanto ser humano). Essa concepo, ainda hoje, bastante disseminada,no pode ser aceita. Desde que eles existem socialmente, quer dizer, enquanto espcie, com seus traos especficos, os seres humanos tm uma habitao. As modalidades tm modificado profundamente: existe uma histria do habitar e da habitao. Uma certa analogia entre a cabana e o pavillon no deve continuar at que se desfaam as suas diferenas. A habitao tem mudado com a sociedade, com o modo de produo, mesmo se certos traos (o fechamento de um espao, por exemplo) conservam uma constncia relativa. O habitar tem mudado em funo dessas totalidades que constituem a cultura, a civilizao, a sociedade em escala global: as relaes e modos de produo, as estruturas e as superestruturas. As transformaes so tais que, atualmente, se pode imaginar ou experimentar o estilo de vida de um ser humano, ou melhor, sobre-humano. Este no seria mais que um errante, peregrino mundial e supra terrestre, voluntariamente desenraizadoaps cada fixao. Ou melhor, que s encontraria sua morada na poesia. Se considerarmos essas premissas continuaremos a excluir tanto o sociologismo quanto a ontologia, que profere verdades eternas sobre as razes e o enraizamento. Se declararmos, liminarmente, que o habitar uma dimenso do homem (enquanto ser humano) no para privilegi-la.Toda tentativa de definir o ser humano por uma de suas dimenses ou por um de seus atributos, sucumbe sobre os golpes do pensamento crtico. O mesmo ocorre com toda reduo das dinmicas que fazem a histria com as combinaes estticas. Portanto, que ningum se avoreo direito de definir o destino da sociedade impondo a seus membros normas da habitao e das modalidades do habitar. A inveno e a descoberta devem permanecer possveis. A morada um lugar aberto. Em um habitar, prefervel aos outros, o ser humano deve preferir se afirmar e de dizer, todo tempo:faber, sapiens, ludens, ridens, amans, creator, etc.Se existem traos em todos os seres humanos que vm das peculiaridades da sua espcie e da sua condio (por exemplo, o fato de nascer fraco e nu, de passar o crescimento e a aprendizagem, de amadurecer, de envelhecer, de morrer) o lugar e a importncia desses traos no habitar, sua hierarquia, tm mudado com as sociedades, assim como suas aes recprocas. Dito de outro modo, o fato de haver uma idade e um sexo faz parte das caractersticas gerais dos indivduos constituindo o gnero humano. Mas, as relaes entre idade e sexo tm mudado nas sociedades, do mesmo modo que a inscrio desses fatos no habitar. Com as mudanas se transformam as relaes tais como as de proximidade e distncia (sociais, no seio dos grupos), intimidade e distanciamento, vizinhana e separao, relaes que fazem parte da prtica social, quer dizer, no habitar e que so indicadas ou significadas pelos objetos de uso.Antes de mais nada o habitar constitudo pelos objetos, pelos produtos da atividade prtica: bens mveis ou imveis. Eles formam um conjunto caracterstico, ou conjuntos, no seio das sociedades. Existem objetivamente ou objetalmente antes de significar; mas no existem sem significar. A palavra antes indica um tipo de prioridade lgica, mais que uma anterioridade no tempo. Devemos tomar o habitar como uma funo inerente a toda sociedade, a todo organismo social; mas a esta funo prtica agrega-se rapidamente uma funo significante. Os bens mveis e imveis constituindo o habitar envolvem e significam relaes sociais.Segundo ponto: a forma de habitar, o modo ou as modalidades do habitar se exprimem na linguagem.Esta proposio um trusmo. De que falaramos, que exprimiria a linguagem, se no fosse a forma de viver nela compreendendo o habitar numa determinada sociedade? H, primeiramente, uma funo pratica, digamos assim. E, alm disso, o acrscimo de significaes e de sentidos. A anlise distingue o que se apresenta como inseparvel; e mesmo na prtica as significaes e os sentidos aparecem quase sempre nos objetos de uso corrente antes de suas funes praticas. Quando o uso dos objetos captado no h mais necessidade de pensar nele, e a conscincia se liga as suas significaes, que traduzem um status social, condies e relaes de grupos e das individualidades nos grupos[footnoteRef:3]. [3: Cf. Sobre o campo semntico, Henri Lefebvre, Introduo psico- sociologia da vida cotidiana em Enciclopdia de psicologia Ed. Nathan, p. 102 e sq; tambm Critique de la vie quotidienne I, PP.278-325; Editora lArche.Cf. igualmente os textos de Roland Barthes, principalmente Essais critiques, p. 155 e sq. ]

Por azar, as formas de viver que se expressam na linguagem falada no deixam traos. Os testemunhos escritos so, portanto, incompletos, expurgados de uma parte do que nos interessa. A linguagem no dirigida a expresso do habitar. Ela contempla, tambm, alimentao, vestimenta, jogos, assim como lembranas deacontecimentos e indicaes advindas das mltiplas atividades econmicas e polticas. A linguagem compreende, portanto, sistemas que se mesclam, que no podem se fechar neles prprios. A vida cotidiana exige uma traduo permanente em linguagem corrente destes sistemas de signos que so os objetos que servem ao habitar, s vestimentas, e alimentao. Aquele que no sabe traduzir um ignorante ou um insensato, ou um estrangeiro. Por outro lado, no poderamos deixar de concordar com Mxime Rodinson, quando ele escreve, ao final de um instigante estudo, verdadeiramente sociolgico de uma sociedade to vasta e importante como a nossa e, no entanto, diferente: No h coexistncia entre um homem-se-alimentando, um homem-se-vestindo, de um homem-produzindo, de um homem-pensando. Trata-se, evidentemente, do mesmo homem do qual as atividades repercutem umas nas outras[footnoteRef:4].Se verdade que as noes de globalidade e de totalidade do homem total e da interao nesta totalidade no deixam deter problemas, no razo suficiente para abandon-las. Os sistemas parciais dos objetos, dos atos, dos signos (coisas e palavras) so obras do homem social. So os indivduos membro de uma sociedade, inseridos em sua prxis, presos em uma globalidade, que comem, bebem, jogam, habitam. Os indivduos e os grupos constituem uma ligao ativa e incessante entre o conjunto social por um lado e, por outro lado, os sistemas parciais, o idioma lhes servindo ao mesmo tempo de meio, de intermedirio, de ambiente. [4: Cf. Islam et capitalisme, p.202.]

A linguagem? O idioma? Podem ser considerados como sistemas de sistemas, mas nenhum dos sistemas parciais podem se fechar em si prprios. necessrio, portanto, os extrair da linguagem (do idioma) por uma sequencia de operaes difceis, que no podem se conduzir sem um mtodo. Este mtodo leva uma abstrao cientfica, concreta a sua maneira: o cdigo relativo a tal mensagem sensvel ou verbal, aquele que tem por referncia o jogo, o habitar, o vestir, o amar, de uma determinada sociedade.A dificuldade vem de que a operao no seria precisa a no ser que o conjunto parcial considerado formasse um sistema fechado (corpus). Ora, nenhum sistema parcial, digamos, pode se fechar, nem o seu conjunto, ou seja, a linguagem. Alm do mais, as relaes de produo, a diviso (tcnica e social) do trabalho, dominam de longe o idioma sem passar inteiramente pelas palavras. Somente alguns resultados dessas relaes passam pelo vocabulrio ou pela morfologia. O biolgico, por exemplo, circula/elucida melhor no vocabulrio que o social propriamente dito, por mais paradoxal que possa parecer. Na linguagem, fato social por excelncia que reflete a vida social, as relaes sociais essenciais continuam inconscientes ou supraconscientes, assim como a totalidade da sociedade, da cultura e da civilizao. Elas alcanam o conhecimento, que pode sozinho as formular, elaborando conceitos. Enfim, se o homem ou o homem total constitui um problema, pode ser porque ele faz sentido (ou diversos sentidos).As grandes lutas sociais, ideolgicas, polticas, com suas estratgias, no se desenvolvem ao nvel dos sistemas parciais admitidos na pratica cotidiana, passando pela linguagem. Mais ainda que o lingista, o socilogo deve examinar a importncia dos sistemas parciais, suas hierarquias permutveis.Terceiro ponto (ou terceiro procedimento). O habitar se exprime objetivamente em um conjunto de obras, de produtos, de coisas que constituem um sistema parcial: a casa, a cidade ou aglomerao. Cada objeto faz parte de um conjunto e dele carrega sua marca; ele testemunha estilo (ou falta de estilo) do seu conjunto. Ele tem significado e sentido no conjunto sensvel que nos oferece um texto social. Ao mesmo tempo o habitar se exprime em um conjunto de palavras, de locues. Para o habitar como para o vestir ou o se alimentar ou o jogar h um duplo sistema: sensvel e verbal, objetal e semntico. Qual a relao entre os dois sistemas? Em princpio eles devem se corresponder. De fato, difcil que a correspondncia seja exata, unvoca, termo a termo. Tanto na escala de um sistema parcial quanto na escala da sociedade como um todo, a lngua, a linguagem no um saco de palavras ou um saco de coisas. Entre os dois sistemas, h sempre lacunas, desnveis, hiatos que impedem de consider-los como dois aspectos de um sistema nico. Eles no evoluem segundo a mesma lei, nem segundo uma lei interna a cada um deles. Os acontecimentos que modificam ou transformam a sociedade agem diferentemente sobre os objetos e sobre a lingua, sobre os diversos sistemas parciais. Algumas causas materiais, certas razes formais (ideolgicas) podem mudar tal sistema parcial, tal grupo de objetos ou de palavras, mais ou menos rpido, agindo mais sobre os objetos ou sobre as palavras. Seria muito fcil atingir o sistema semntico do habitar (as palavras e as ligaes entre palavras) falando do sistema semiolgico (os objetos relativos ao habitar e suas significaes). Nenhuma dessas mensagens traz, automaticamente, um cdigo que permita decifrar a outra. No existem entre elas relaes recprocas de cdigo mensagem, ou de linguagem metalinguagem. So dois textos sociais distintos, necessrios de serem estudados como tais atravs de uma anlise sem, no entanto, serem separados, utilizando as conexes j identificveis e identificadas. Outra complexidade: o habitar no pode ser considerado globalmente, mesmo que seja necessrio estud-lo como um todo (como um sistema parcial). Ele compreende nveis como a linguagem. Estudando essas sociedades to vastas como a nossa e ao mesmo tempo suficientemente diferentes para elucidar a nossa, que so ligadas sob o vocbulo Isl, Jacques Berque mostrou na cidade mulumana um urbanismo de signos. As funes da cidade segundo a tica islmica, como a troca e o testemunho, se realizam num conjunto arquitetural de significaes ao mesmo tempo que nas funes econmicas e polticas, e, em uma hierarquia de vizinhanas em torno de monumentos dos quais o principal a mesquita[footnoteRef:5]. Num tal conjunto objetal e subjetivo a sua maneira, o habitar individual e familiar no mais que um elemento: a casa. Ela se insere e se articula com nveis mais amplos. essencial e, contudo, subordinada. Para compreende-la necessrio, ainda, extrair e abstrair um sistema parcial, elemento e nvel de sistemas mais vastos, estes tambm parciais, abertos, jamais concludos, jamais fechados.Isso quer dizer o quanto necessrio de refinar as noes de sistema, de significaes, de conjunto, de totalidade... [5: La Ville, Colquio sobre as sociedades mulumanas, publicao E.P.H.E., p.58 e sq.]

A tcnica mais disseminada entre os socilogos, o questionrio, no conveniente para tal pesquisa. Certamente, ela se acerca de precaues e visa uma preciso cientifica. A gente sabe que, o que mais acontece, que as questes aplicadas so fechadas e o entrevistado s responde sim ou no. O questionrio testado a partir de uma amostragem pr-determinada segundo regras restritas. A tabulao, aps decodificao, se faz de modo operatrio. Obtm-se nmeros: porcentagens, correlaes. O que dele se apreendeu? As questes aplicadas no seriam formuladas no interior de um sistema de significaes (aquele do socilogo ou aquele de outro personagem invisvel) de forma que o entrevistado se conforma em responder restringindo-se somente ao solicitado? A tcnica de questionrios precisa, mas limitada e, alm disso, d margem a desconfianas. Ela permite de considerar como cincia uma interpretao e, no melhor das hipteses, uma conceituao parcial. Chega a acontecer que so autorizados questionrios e tabulaes rigorosos, na aparncia, para agregar pseudo- conceitos a pseudo- fatos. Dos procedimentos anteriormente lembrados resulta uma conseqncia: somente a entrevista aberta pode alcanar o habitar. necessrio dar a palavra aos interessados, orientando a entrevista sobre a atividade especifica do estudo em questo (neste caso o habitar), mas deixando livre a expresso do entrevistado. Mesmos assim restam alguns constrangimentos: o entrevistador, presena-ausncia, e o gravador, outra presena-ausncia.Uma grande dificuldade metodolgica surge aqui. Os questionrios, precisos, no vo muito longe. As entrevistas abertas penetram mais profundamente nos seres humanos. Quem no estar de acordo? No entanto, mais de um socilogo contestar a possibilidade de captar conhecimento de entrevistas abertas. O profundo inacessvel; a conduta metodolgica da reflexo exige, portanto, que o descartemos. Como sair deste impasse que representa sobre o plano metodolgico a dificuldade terica geral, aquela da passagem entre a metafsica e a trivialidade positivista?Aqui proporemos uma orientao. A entrevista, necessria, no suficiente. No se saberia preenche-la somente por fixas, mesmo que detalhadas, separando em categorias o meio social do entrevistado. A descrio minuciosa importante: a da casa, dos bens mveis e imveis, das vestimentas, das fisionomias, e dos comportamentos. Por um lado, somente o confronto entre os dados sensveis - tais como os percebe o socilogo e tais como ele busca os apreender enquanto conjunto - e, por outro lado, as ligaes, os tempos, e as coisas - percebidas pelos interessados, permite maior conhecimento por parte do entrevistador. Sobre este ponto pode-se ainda destacar que os objetos ligados ao habitar (como ao vestir ou ao se alimentar) no constituem uma lngua, mas um subconjunto coerente, um grupo: um sistema (parcial, semiolgico). As palavras ligadas ao habitar constituem um grupo semntico. H uma dupla mensagem, a das palavras e a dos objetos. O confronto (que no supem a decifrao espontnea ou automtica de um texto por outro) que se fundamenta na experincia cientfica, mas no sobre a subjetividade do cientista, permite sair de uma entrevista verbal a compreendendo objetivamente. A pesquisa no permanece fechada na entrevista e no tambm dela no se desprende em nome de uma hermenutica (interpretao) que no chegaria a se constituir em saber e prolongaria a filosofia. Paradoxo metodolgico: o recurso ao duplo sistema, dupla determinao da atividade especifica estudada, neste caso o habitar, permite romper o circulo. A dualidade palavras-coisas s confunde os procedimentos a partir de um pensamento unilateral. O sistema dos objetos permite discernir e analisar o sistema das significaes verbais e vice-versa.Cada uma das pginas de determinado estudo deveria ser abundantemente ilustrada. O discurso cientfico do socilogo remeteria a esses dois textos que reuniu em uma reflexo coerente: as entrevistas e sua contextualizao - dados sensveis (disposio de ligaes, cantos privilegiados, lugares destinados ao privado e ao social, fotos de muros e de fachadas etc.). Esta ilustrao seria indispensvel como os dados reproduzidos foram indispensveis sagacidade das declaraes dos interessados. No entanto, tal contrapartida objetal dos enunciados verbais deixariam, ainda, escapar os tempos, as duraes, os ritmos de vida, dos quais a diviso dos espaos a expresso sensvel. Atualmente, no temos nenhum meio de ilustrar e tornar sensvel, palpvel, os tempos abstratos recortados pela anlise.

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A equipe do Instituto de Sociologia Urbana tem, portanto, a ambio de contribuir um pouco com a epistemologia. No que concerne aos conceitos tericos, ela busca igualmente situar a convergncia de pesquisas, at o momento, distanciadas: a lingstica (com a semntica e a semiologia) e as anlises inspiradas pelo marxismo (critica da alienao, crtica das ideologias, critica da vida cotidiana). Segundo o procedimento que ns acabamos de resumir, o estudo do habitar pavillonnaire deu lugar a trezentas entrevistas abertas de tamanho e interesse bem diferentes. Os entrevistadores deviam acompanhar suas entrevistas com anotaes constituindo um protocolo minucioso do encontro: descries e, se possvel, fotos. Uma enorme quantidade de informaes sobre o Pavillon foi, assim, reunida sob a direo de Nicole Haumont. Em seguida, Henri Raymond dirigiu a tabulao deste material (infelizmente suas funes atuais secretrio cientfico do Centro europeu de pesquisas sociais, fundado em Viena pela Unesco o impediram de redigir, completamente, a parte metodolgica que devia acompanhar os trabalhos metodolgicos de Nicole Haumont e de Marie-Genevive Raymond. S uma parte foi entregue. A metodologia completa aparecer posteriormente. Contentemo-nos, no momento, em informar que os lingistas participaram desta elaborao. A equipe fichou as entrevistas considerando, principalmente, as oposies pertinentes que apareceram no discurso pavillonnaire, sem omitir as expresses afetivas ou simblicas. Ao contrrio, as oposies semnticas, por tanto intelectualizadas, foram vinculadas aos smbolos. Assim, a oposio natureza-sociedade ligada neste estudo s oposies campo-cidade, sade-doena, liberdade-servido, no tem sido dissociada dos smbolos que a veiculam: o lugar das plantas, o canto ensolarado, a grama, a rvore etc....Essas consideraes metodolgicas, bastante abreviadas, interromperam o encadeamento lgico do nosso propsito. Apresentamos, de forma abreviada, o campo de estudo sobre o Pavillon.Decididamente, acidade tem se expandido. Suas formas clssicas (a cidade antiga ou medieval) se distanciam no tempo. Isso no quer dizer que a aglomerao urbana com suas formas, funes, estruturas antigas ou novas, tenha desaparecido. O tecido urbano (formulao um pouco vaga, mas conveniente) tomou novas formas, assume novas funes e adquirenovas estruturas. Entre as formas que tomam as excrescncias perifricas que se agregam aos centros das cidades - enquanto esses centros no desapareceram ou no se deterioraram demais todos percebem os setores residenciais, os bairros pavillonnaire, os conjuntos e cidades recentes. H poucos contrastes to surpreendentes quanto este, to facilmente observvel, entre pavillon e novos conjuntos urbanos. Os literatos e os socilogos se debruaram sobre os Conjuntos habitacionais, que deles fizeram e continuam fazendo ainda, objeto de mltiplos trabalhos. Constatemos o quo pouco o Pavillon foi estudado. Geralmente, estes estudos tm se contentado, segundo normas estticas ou ticas, em anotar ohorror e a desordem dos subrbiospavillonnaire, de ridicularizar o modo pequeno-burgueses de seus habitantes, de sublinhar as iluses, um pouco, ridculas que dissimulam to mal o cenrio. O habitar pavillonnaire parecia indigno de uma anlise cientifica. As concluses da pesquisa de Guy Palmade sobre as atitudes dos franceses em matria de moradia [footnoteRef:6] pareciam to definitivas quanto severas. O pavillon indica um individualismo essencial. Seus habitantes querem, antes de tudo, preservar o eu, a personalidade privada. A oposio entre o mundo exterior e o mundo interior d sentido a moradia. A imagem do pavillon corresponde a um ideal que comporta um desejo de proteo e isolamento, uma necessidade de identificao e de afirmao de si, uma necessidade de contato com a natureza, enfim, uma exigncia de isolamento. Um tipo de atitude mgica valoriza e idealiza o pavillon; a resistncia mudana e o triunfo do isolamento individualista nele toma a amplitude de um mito, portanto, de condenao. No entanto, as enquetes sociolgicas mostravam que a maioria dos franceses de todas as idades, condies, categorias scio-profissionais e salrios aspiravam viver em pavillon (80%). Esta maioria mais expressiva entre os operrios, nas categorias de salrios relativamente baixos, do que entre executivos e categorias de salrios mais elevados. [6: Nota do autor: 1961, 90 pginas mimeo. Cf.pp.71-72;Cf. igualmente: Logemente et vie familiale, Centre dtude des groupes sociaux, 1966, anexo bibliogrfico, pp.105-107.]

Como explicar esse fenmeno? Trata-se verdadeiramente e unicamente de um mito, de uma ideologia, de uma recrudescncia de individualismo, de uma nostalgia do mito? Se o mito existe trata-se de uma antiga realidade tornada mtica, como a casa patriarcal e, sobretudo, rural evocada por Gaston Bachelar? Se existe uma ideologia, como e porque ela se expandiu a este ponto? De onde ela vem?Os socilogos no se perguntavam sobre isso. Eles explicavam, em geral, a atrao pelo pavillon, somente pelos inconvenientes, reais ou fictcios dos conjuntos habitacionais e moradias coletivos na cidade moderna transbordada pela chegada massiva de novas populaes, espalhadas em subrbios e periferias.O primeiro mrito da equipe I.S.U. (e particularmente de Henri Raymond) foi de no se deixar levar pelo desprezo aos pavillonnaire, de considerar seu habitar como digno de um estudo sociolgico exigindo um refinamento de mtodos e tcnicas de aproximao. O que parecia insignificanteou irrisrio revelou um sentido. No seria um caminho de pesquisa, de descobertas?O contraste, digamos assim, entre o habitat pavillonnaire e os grandes conjuntos habitacionais surpreendente. Precisemos alguns aspectos deste confronto. No pavillon de uma forma, sem dvida mesquinha, o homem moderno habita enquanto poeta. Compreendemos por isto que seu habitar um pouco sua obra. O espao do qual ele dispe para organizar, segundo suas escolhas e seus ritmos, guarda certa plasticidade. Ele se permite novos arranjos. No o caso do espao oferecido aos locatrios ou aos co-proprietrios em um conjunto habitacional[footnoteRef:7]. Este espao rgido e desprovido de flexibilidade. Nele os arranjos e modificaes so difceis, frequentemente impossveis, quase sempre proibidos. O espao pavillonnaire permite certa apropriao pelo grupo familiar e pelas demais pessoas de seu meio social. Os moradores podem, assim, modificar, juntar ou repartir, superpor ao que lhes fornecido o que vem deles prprios: smbolos, organizao. Seu ambiente adquire, assim, sentido para eles. H um sistema de significao e mesmo um duplo sistema: semntico e semiolgico, nos nomes e nos objetos. [7: Os Habitats de Loyer Modrs-HLM da Frana so conhecidos, no Brasil, como habitaes de aluguel social (nota das tradutoras).]

O conceito de apropriao um dos mais importantes que tem nos legado sculos de reflexo filosfica. A ao dos grupos humanos sobre o ambiente material e natural tem duas modalidades, dois atributos: a dominao e a apropriao. Eles deveriam seguir juntos, mas frequentemente se separam. A dominao sobre a natureza material, resultante de operaes tcnicas, devasta esta natureza permitindo as sociedades de lhe substituir seus produtos. A apropriao no devasta, mas transforma a natureza o corpo e a vida biolgicos, o tempo e o espao dados em bens humanos. A apropriao o objetivo, o sentido, a finalidade da vida social. Sem a apropriao, a dominao tcnica sobre a natureza tende em direo ao irracional, ao crescimento sem limites. Sem apropriao, pode haver crescimento econmico e tcnico, mas o desenvolvimento social, propriamente dito, permanece nulo.Ora, a cidade de antigamente (antiga ou medieval) trouxe uma apropriao espontnea, limitada, mas concreta, do espao e do tempo. escala humana, como repetidamente se diz, o espao e o tempo tornam-se obras comparveis s da arte. Assim que as cidades cresceram, ultrapassando sua escala inicial, essa apropriao espontnea desapareceu. Tentou-se substitu-la em diferentes pocas, pela racionalidade reflexiva. No incrvel que desde a antiguidade helnica, o urbanismo racional tenha acompanhado, ao mesmo tempo, o crescimento da cidade e o declnio de uma civilizao urbana espontnea? Jamais o urbanismo reflexivo (racional ou, mais ainda, racionalizado) pode desvendar o segredo da apropriao qualitativa do tempo-espao e a reproduzir segundo as exigncias quantitativas de um crescimento urbano dito desmesurado. H mais de dois mil anos que o urbanismo, dito racional, procede por caminhos brutais, linhas retas ou quadriculadas, geometrizao, combinao de elementos homogneos, quantificao abstrata. Para verificar esta afirmao, no necessrio olhar muito para os novos conjuntos habitacionais e seus elementos. A apropriao desaparece ao mesmo tempo em que o poder da tcnica cresce desmesuradamente, chegando a ter um poder arrasador. Bem mais: o conceito de apropriao se esfumaa e se degrada. Quem o compreende? Com este nome compreende-se trivialidades. Como se um espao vazio qualquer correspondesse ao gora, ao frum, ao local do mercado, praa ldica.Ora, o pavillon nos oferece irrisoriamente, mas pouco importa um exemplo daquela potica do espao e do tempo, que se alia prtica social ou dela se separa segundo as pocas, as sociedades e os grupos sociais. A apropriao da realidade sensvel, em outros termos, sempre um fato social, mas no se confunde com as formas, as funes, as estruturas da sociedade. um aspecto da prtica social (prxis), mas um aspecto secundrio e superior que se traduz na linguagem pelos sentidos. As modalidades da apropriao, suas relaes com o conjunto social e os grupos sociais que o constituem so altamente dialticas, quer dizer, conflituais, complexas, mutantes. Um outro exemplo: a rua. Quem no reconhece o poder de atrao de uma rua freqentada, seu interesse pelo olhar, pela sensibilidade e o pensamento? No , contudo, fcil analisar esta atrao. A rua um espao apropriado, portanto, socializado, no caso de uma cidade, em benefcio de grupos mltiplos e abertos sem exclusividade nem exigncia de pertencimento. Portanto, no seria suficiente sublinhar a plasticidade relativa do espao pavillonnaire (interior do pavillon), de anotar seus arranjos. O estudo dever se acentuar sobre a apropriao, a descrever, mostrar suas motivaes, discernir os aspectos complementares e o sentido. O que no pode se fazer sem as tcnicas e mtodos mencionados anteriormente: entrevistas, dupla abordagem, confrontao do semiolgico (objetos sensveis) e do semntico (verbal).A importncia dada pelas cincias ao conceito de nvel no precisa mais ser demonstrada. Contudo, no acontece que o termo tem sido empregado de forma vaga, quer dizer falsamente precisa? Para dizer a verdade, ele empregado a torto e a direita. O mesmo acontece com os termos estrutura, funo, forma. No entanto, a lingstica e as disciplinas conexas, semntica e semiologia, empregam estes termos, e notadamente o de nvel, com incontestvel rigor.O texto de Nicole Haumont articula os nveis de forma clara e distinta: ao interior de cada nvel, nveis secundrios tambm articulados aparecem. O conjunto constitui uma trama. Mais tarde, a teoria e a epistemologia viro a aprofundar esses conceitos e mostraro suas conexes.Ns podemos distinguir:- A apropriao do espao no pavillon[footnoteRef:8], quer dizer, a socializao do espao individual e, simultaneamente, a individualizao do espao social. Esta atividade especfica se realiza de modo notvel: afetiva, simblica. Idades e sexos separam do espao disponvel a parte que lhes pertence. Este exerce atrao sobre uns e repulso sobre outros. Este espao, assim como cada qual, desempenha seu prprio papel. A anlise deste nvel se divide em trs: marcao, fechamento e arranjo espacial, a conceber de forma dinmica com os deslocamentos, os espaos de reserva e os de re-locao. Dito de outra forma: os smbolos, as oposies, a ordem. Neste nvel intervm tendncias, pulses elementares quase biolgicas, submetidas a um sistema cultural. Elas se ligam a estas quase-constantes, modificadas pela sociedade, a cultura e a civilizao, que advm da antropologia social: a juventude e a velhice, o elemento masculino e o elemento feminino dos grupos e da vida. O lado mais individualizado e o mais singular da existncia pavillonnaire se vincula aos nveis mais vastos e gerais. assim que a arquitetura e o urbanismo tem que aprender com o estudo dos pavillons. A questo: O que o habitar? continua aberta. [8: Idem.]

- O mundo pavillionnaire como utopia. O que esperam dele os que o habitam? Nada menos que a felicidade. Muitos vivem assim, esquecendo seus inconvenientes, e suas limitaes. Esta felicidade, fico e realidade misturadas como gua e vinho num jarro, deve se obter pela natureza, pela vida s e regular, pela normalidade, ligadas ao pavillon nesta utopia.A anlise de Nicole Heumont evita empregar os termos tais como uma atitude mgica. Trata-se de significaes, de conotaes vinculadas uma prxis, a uma existncia social, assim como apropriao afetiva e simblica do espao. assim que no mundo pavillionnaire, mais que em outras experincias, todo objeto elemento de um sistema. O objeto no est somente carregado de smbolos; ele signo. Ele est menos adaptado funcionalmente a um uso que preso em um sistema de signos. Trata-se aqui tanto do cantinho do jardim, do gramado, do jarro de flores, como dos ornamentos da fachada ou dos enfeites e dos mveis.Aqui a anlise se orienta na direo do curioso problema da presena-ausncia que perseguem as pesquisas sobre os sistemas de significaes. Um sistema ou subsistema quer se componha de objetos ou de palavras, auto-suficiente ou no. Quando auto-suficiente um todo. Cada elemento remete a todos os outros. Assim como um ovo pleno por si s. Examinemos mais detalhadamente e um pouco mais de perto: eis que ele se esvazia. As questes postastecnicamente pelos lingistas e tragicamente pelos filsofos surgem: quem? para quem? por qu? como?. O sistema no se basta. Este todo, parcial, continua aberto. Remete a outra coisa: a finalidade por um lado, por outro o sujeito e, alm destes dois termos, a totalidade e o sentido. Cada habitante de um pavillon, cada sujeito (indivduo e famlia) cr encontrar nos objetos um microcosmos deles, bem personalizado e sua prpria felicidade.Ora, esses microcosmos, esses sistemas se assemelham estranhamente. Os mesmos fornecedores vendem estes bens, estes objetos, estes modelos de pavillon no estilo normando, basco ou moderno. Cada sujeito poderia se instalar por ai e nele ficar bem. Nele viveria a mesma felicidade, meio fictcia, meio real. A finalidade a felicidade apresentada da mesma forma em todos os lugares, quer dizer, indicada, significada, mais indicada em sua ausncia: reduzida a sua significao. Aquilo que significado a felicidade, a pessoa iludido ou elidido, e s aparece como natureza ou naturalidade (o jato dgua, as flores, o gramado, o cu e o sol, etc...) [footnoteRef:9]. Assim, tanto o trabalho como a criatividade (a produo material e suas relaes bem como as atividadesque levam a essas obras)so postas em suspense e descartadas. O sentido o absurdo. Na naturalidade se encontram para se restituir singularmente em uma espcie de sonho desperto, a felicidade vivida e a conscincia que a vive, a iluso e o real. Este sonho despertado o discurso do pavillonnaire, seu discurso cotidiano, pobre para os outros, rico para eles. [9: Sobre a presena-ausncia, cf. o livro de Michael Foucault: As palavras e as coisas. Ns nos inspiramos igualmente nos trabalhos de Roland Barthes, Jean Boudrillard e Henri Raymond, etc.]

Microcosmo ilusrio, o tempo nele desaparece, bem como em todo o sistema. Ou melhor ainda, nele se perde seu ponta e sua lmina, sua ameaa. Transforma-se em segurana. No pavillono habitante no se sente envelhecer. O tempo passa com doura, naturalmente. O tempo de cada membro do grupo familiar se identifica com o corpo do pavillon, espaos marcados e designados, uns benficos outros desfavorveis. As relaes entre os membros se modificam em relaes entre objetos e se naturalizam: tal objeto privilegiado (o aparelho de televiso, por exemplo) governa o pequeno mundo dos objetos e das relaes dentro do grupo. No pavillons, mais e melhor que em outros lugares, o habitante se consome de significaes. A sua maneira o mundo pavillonnaire abstrato, se concretiza ao nvel afetivo e simblico. Um pouco antiquado em aparncia, sua maneira muito moderno. No nvel da utopia, o consumidor do pavillonnaire intensamente absorvido no pelas coisas, mas pelos signos. O estudo sociolgico no pode passar sem uma anlise aprofundada deste desconhecimento, verdadeiroretratao de uma realidade, ao mesmo tempo significada e omissa (presente-ausente). Aqui tudo real e tudo utpico, sem diferena acentuada; tudo est prximo e tudo est longnquo; tudo vivido e tudo imaginado (vivido sob o modo da imagem e do signo). Essas tendncias se destacam ainda mais no mundo pavillonnaire, em oposio ao mundo dos novos conjuntos habitacionais onde tudo combinao, srie, organizao e ordenamento, onde a imagem e o imaginrio se separam sob um fundo de rigidez. Esse nvel utpico poderia se dizer mtico visto que ele comporta umaincessante referncia a naturalidade, quer dizer, a um mito da natureza, a uma naturalizao do humano. Como o diz Roland Barthes, naturaliza-se o cultural.O nvel utpico se analisa,portanto, em nveis secundrios. Flechas de direo indicam realidades invisveis, meio reais e meio fictcias: o estatuto da felicidade, a segurana e o enraizamento, a personalidade e a naturalizao. So os contedos latentes no inconsciente ou imaginrio social, do grande sonho das pessoas dos pavillons, sobre os quais testemunham os pesquisadores. Quanto menos este sonho seja interrompido,menos se torna racionalizado(a sua maneira) e suas objees previstas..._ A ideologia. Que haja uma ideologiapavillonnaire, no h a menor dvida. Que ela coincida com os outros nveis, que ela determine o conjunto de existncia no pavillon, que ela suscite o simbolismo e o utopismo, os trabalhos trazidos aqui ao leitor probem deo admitir. A ideologia dos habitantes e pavillons e daqueles que preferem o pavillon aos outros modos de habitar uma ideologia, quer dizer, um conjunto de representaes. Nem mais, nem menos. Um conjunto de representaes justifica, explica, aperfeioa um modo de existncia social. Praticamente ele nem pode o criar e com ele no coincide.A freqncia dessa ideologia, na Frana, expe novos problemas. Na Inglaterra, nos EUA, nos subrbios de pavillons, reina outra ideologia? Trata-se de fenmenos culturais? Refere-se a modelos (padres)? Ou diz respeito a uma personalidade de base de uma sociedade e de um pas onde reina tal modelo - condenvel ou no - tendendo a se fixar e a moldar as pessoas?A ideologia pavillonnaire comporta uma conscincia de propriedade e de proprietrio que pode entrar em conflito com outras formas de conscincia (e notadamente com a conscincia de classe no caso muito divulgado onde o proprietrio um proletrio). Geralmente este conflito mantido em estado latente. No entanto, ele existe. A contradio burguesia-proletariado se transforma em oposio ricos-pobres ou pequenos-grandes (proprietrios).A ideologia supe uma confuso, e mesmo uma identificao da conscincia individual e familiar com a propriedade. Ela no existe, portanto, sem uma alienao e, no limite, uma reificao. A alienao e seu caso extremo, a reificaoreferem-se aqui menos s coisas que a uma significao - que recebe da ideologia uma associao, uma sobre determinao como dizem os psicanalistas. A significao includa aqui vem da figura do Proprietrio que remata aquela do consumidor, aquela do sonhadorpavillonnaire. Esta ideologia da propriedade no exclui a apropriao concreta do tempo e do espao ao nvel afetivo e simblico. Ela indica e fixaos marcos, permitindo compreender como os interessados no percebem suas bordas, os limites estreitos de seu horizonte. A fixao dos pavillonnaires no isolamento social no lhes parece desta forma, nem desejada como tal. Antes de tudo,levariaum belo nome: a liberdade tal qual prevista no Cdigo Civil onde ela se identifica quase completamente com a propriedade. possvel que a ideologia tenha precedido outros aspectos e nveis do mundo pavillonnaire. provvel que ela os tenha suscitado sem, no entanto, coincidir com eles. Ela, a ideologia, representa neste microcosmo uma globalidade ou uma totalidade: a sociedade atual. assim que o estudo de NicoleHaumontacaba tratandotambm da histria ideolgica e poltica.A anlise psico-sociolgica e agora sociolgica descobriu o denominador comum dos Pavillonnaires o que os vincula, de fato ou virtualmente. Ela revelou seu microcosmo. Mas, os pavillonnaire no constituem um grupo social, um conjunto homogneo. Tem mais que isso: os setores (ou bairros)pavillonnaires tm uma existncia social diferente segundo as aglomeraes urbanas, segundo sua distncia do centro, seu equipamento, suas funes, quando tem uma outrafuno que noseja a habitao. No podemos estud-los sociologicamente fora da cidade e sem seus problemas. A psico-sociologiaconduz sociologia, sem um corte terico ou metodolgico. Censuraremos a equipe do Institut de SociologieUrbaine I.S.U.[footnoteRef:10] de no ter comeado pela sociologia? Ir do mais homogneo ao menos homogneo, da unidade as diferenas, das diferenas menos marcantes s mais notveis no um procedimento repreensvel epistemologicamente. O essencial comear. [10: Nota das tradutoras: Instituto de Sociologia Urbana.]

As pesquisas de Marie-Genevive Raymond completam parcialmente esta lacuna e ao mesmo tempo vo mais longe que as proposies precedentes no estudo histrico-sociolgico do fenmeno pavillonnaire. A histria do pavillon e de sua ideologia por ela apresentada uma contribuio altamente original para a histria poltica, social, econmica e ideolgica da Frana. Nessas pesquisas ler-se- como o Pavillon, sua imagem e seus valores foram literalmente largados antes que aparecessem os procedimentos de lanamento publicitrio atualmente em vigor. Por razes de polticas de grande repercusso - estaligada a valores ticos - a marca Pavillon foi objeto de um estudo de mercado que no tinha ainda nome e de uma propaganda intensa que deu certo. Uma estratgia poltica produziu uma ideologia que foi mais ou menos assimilada, de acordo com razes e motivaes diferentes, segundo os grupos e as classes. Sua repercusso foi tal que introduziu uma contradio na sociedade francesa: um conflito entre o individual e o social (dito coletivo). Este conflito aparece em outros setores e domnios alm do habitat, s que neste de forma particularmente aguda.Em escala global, a sociedade francesa recebe assim, uma nova luz. A histria poltica e a histria das idias, a psico-sociologia e a sociologia do habitar, convertem na direo da aquisio de conhecimentos novos.Resumindo: esses trabalhos comportam um tipo de reabilitao do habitat pavillonnaire. Essa reabilitao no deixa de lado uma crtica fundamental. O conhecimento assim adquirido, que no se separa de um pensamento crtico, nos guia para outros problemas, nos orienta para proposies prticas.O que desejam os seres humanos, em essncia seres sociais, no habitar? Desejam um espao flexvel, aproprivel, tanto na escala da vida privada quanto naquela da vida pblica, da aglomerao e da paisagem. Tal apropriao necessita partir do conceito de espao social, assim como daquele de tempo social. O espao social no coincide com o espao geomtrico e a qualidade especifica dele vem de uma apropriao. Quando essa apropriao desaparece, o espao social e o espao geomtrico coincidem do mesmo modo que o tempo social e aquele dos relgios.O desejo de apropriao no significa que os seres humanos, indivduos e grupos, aspirem a se abstrair das exigncias da prtica social e a se fixar no isolamento do que lhes prprio. Tal aspirao, assim que aparece, vem de uma ideologia. Na direo de quem, portanto, se orientam os desejos dos interessados? Na direo de uma nova concepo de habitar que responderia as exigncias da tcnica e de vastas aglomeraes modernas sem, no entanto, sacrificar a qualificao, as diferenas e a apropriao espao-temporais. Poderamos formular como segue esta aspirao profunda: O pavillon no conjunto coletivo, o espao apropriado com as vantagens prticas da vida social organizada... Podemos mesmo precisar a partir das entrevistas aplicadas e de suas interpretaes semntica e semiolgica. As pessoas desejam, obscuramente ou claramente, uma concepo do habitar que no atenue as oposies (fora e dentro, intimidade e meio ambiente, etc....) para as resolver nas combinaes de elementos. E, por outro lado, que a restabelea ao reinventar sua dimenso simblica. Em termos de lingstica, o habitar tende a conservar a tripla dimenso: simblica, paradigmtica (oposies), sintagmtica (disposies, combinaes) que revela a anlise da linguagem. O projeto de uma sntese entre o individual e o coletivo j emergia na obra de Le Corbusier. Ele pode receber dos mtodos novos de anlise as indicaes suplementares, mais concretas. Nesse sentido, a pesquisa apenas comea.Nesse sentido que os interessados, os arquitetos e urbanistas, os poderes pblicos tomem a palavra. (1966).