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CADERNO DA FORMAÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DE LIDERANÇAS SOCIAIS E COMUNITÁRIAS

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Capítulo 1 - Contagem: Um pouco da história

Capítulo 2 - Apresentando o conceito de território

Capítulo 3 - O que é liderança social?

Capítulo 4 - O que é controle social?

Capítulo 5 - Cidadania conectada: o trabalho em rede

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Sumário

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APRESENTAÇÃO

Este material compõe as produções voltadas ao Programa de Formação Continu-ada do Município de Contagem, coordenado pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Secretria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. O conjunto de textos disponibilizados se vinculam aos cursos e temas voltados para as Lideran-ças Sociais e Conselheiros Municipais, cujo objetivo central é o fortalecimento da cidadania e o aumento da capacidade do cidadão de Contagem para se organizar em seus locais de moradia e controlar as políticas públicas (educação, obras, assistência social, saúde e tantas outras) do município.

Esta publicação específica tem como tema central a formação de lideranças sociais e territoriais de Contagem. O público inicial dos cursos de formação de liderança é constituído por conselheiros de gestão pública e membros de associações de bairro. Mas, evidentemente, a publicação tem vocação para atender e auxiliar a todos ci-dadãos de Contagem. Todos que querem que este município se desenvolva cada vez mais e que cada um se sinta efetivamente dono desta caminhada, que se beneficie deste crescimento e que seus desejos e esperanças sejam ouvidos e contemplados. Ser cidadão não se resume a garantir que os direitos de cada um sejam respeitados. Significa que cada cidadão é ativo, conhece seus direitos e os caminhos para que sua voz seja ouvida. Mais: cidadão ativo é aquele que cria novos direitos.

Então, para ser cidadão ativo é preciso saber como participar. Nossa Constituição Federal, logo no seu primeiro artigo, afirma que o poder do povo brasileiro pode se expressar no voto que elege seus representantes. Mas não só. Ele também é exerci-do diretamente. Hoje, o poder popular se exerce diretamente pelos conselhos, pelo PPA Participativo, pelo orçamento participativo, pelo plebiscito, pela iniciativa popu-lar e pelo referendo. São mecanismos que estão contidos em muitas leis federais.

Mas, não basta. É preciso ter claro o papel das lideranças, como se organiza um território (bairro ou comunidade) para garantir a cidadania ativa, como se controla um território e suas políticas públicas, como se organiza a população em rede e, prin-cipalmente, conhecer bem Contagem. Estes são os temas tratados neste material.

O cidadão não se faz com leituras. Faz-se na prática. Mas, sem l eitura não se conhece a experiência de outros e as várias possibilidades de atuação do cidadão. A experiência humana é transmitida pela linguagem, como todos sabem. Portanto, esta publicação não tem a pretensão de formar um cidadão. Ela se propõe a apro-fundar os conhecimentos e reflexões do cidadão que já existe em Contagem. Aquele que anda pelas ruas, se incomoda com os problemas, se reúne com seus vizinhos e comunidades para fazer valer seus direitos e que está atento a tudo o que se faz com o dinheiro público.

Boa leitura!

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

CAPÍTULO 1

CONTAGEM: UM POUCO DE HISTÓRIA

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Contagem surgiu na instalação de um Registro Fiscal na antiga Região das Abóboras, e fez parte de um conjunto de cidades coloniais de Minas Gerais, que na primeira década do ano 2000 completaram três séculos de existência: Ouro Preto, Sabará, Diamantina, Serro, entre outras.

O início do povoamento da Região de Contagem, ocorreu entre os últimos anos do século XVII e princípios do século XVIII, quando as primeiras bandei-ras paulistas, e principalmente a de Fernão Dias, na busca de ouro e pedras preciosas, penetraram em território ainda desconhecido da colônia portugue-sa, que futuramente viria a se chamar Minas Gerais. Essas bandeiras criaram uma rota, que se tornaria, durante algum tempo, o caminho obrigatório entre a Capitania de São Paulo e a Serra do Espinhaço, local onde em suas margens foram descobertas as principais minas de ouro e onde, consequentemente, nasceriam as primeiras cidades mineiras acima citadas. Pela necessidade de melhorar o abastecimento da região, assim como poder comunicar-se com outras regiões da Colônia, surgiram outras duas rotas, uma que comunicava com o Rio de Janeiro e outra com os sertões da Bahia, as quais viriam a facili-tar a chegada para as Minas, de aventureiros, mercadorias, escravas e gado, etc. Essas três rotas se cruzavam nessa região conhecida como Abóboras, ou Abobras, que tem o mesmo significado no português arcaico. Há documentos no Arquivo Público Mineiro onde se encontram referências à encruzilhada das Abóboras já no ano de 1710.

Dita região fez parte do grande Município de Sabará, Comarca do Rio das Velhas, e teve desde o início da descoberta do ouro, no final do século XVII, importância considerável na ocupação das Minas Gerais. Sua localização foi essencial para o início da construção do que seria um dos Estados mais prom-issores do Brasil e no qual, com grande vitalidade criadora, surgiria uma plêia-de de grandes valores culturais que enriqueceriam a nação brasileira.

Desconhece-se a origem ou a causa do nome Abóboras. Surgiu logo da che-gada dos primeiros bandeirantes. Inúmeros relatos, documentos e mapas da época comprovam e descrevem a existência das Abóboras, não como um local urbano e sim, como uma extensa área onde se cruzavam as três rotas, ponto de comercialização e distribuição de mercadorias, alimentos e bens destina-dos à zona mineradora.

São infundados e não devem merecer crédito as versões sobre uma suposta família Abóboras que aqui se tivesse instalado. Há de se retirar, também, a infinidade de pretensos fundadores de Contagem. Ela não teve fundador; é oriunda do pequeno povoamento esparso surgido nos contornos da encru-zilhada dos novos caminhos, de lento crescimento e composto de pequenos ranchos e simples moradias de tropeiros, de pequenos comerciantes, de fais-

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cadores que sem condições de explorar a extração de ouro nas zonas mais ricas se aventuraram a encontrá-lo nos pequenos córregos da região, assim como também de gente pobre que oferecia sua mão de obra a troco de poder sobreviver.

ECONOMIA MERCANTIL

A atividade econômica da região contagense se assentou no comércio desti-nado ao abastecimento das zonas mineradoras. Na encruzilhada das Abóboras chegavam constantemente tropas de carga com todo tipo de mercadoria”de secos e molhados vindos de todos os cantos do Brasil e até do exterior, assim como de vendedores de escravos e de gado. Compradores, prepostos e nego-ciantes de outras bandas, tropeiros que levariam cargas para serem vendidas em outros lugares, carregadores e pessoas interessadas, aguardavam a che-gada dos viajantes e tropeiros com ansiedade. As mercadorias, os escravos e o gado seriam entregues sob encomenda ou vendidos em Sabará, Curral Dei Rey, Congonhas do Sabará e outras localidades dedicadas à extração do ouro.

A região das Abóboras e as atividades comerciais cresceram. Viajantes e tro-peiros levantaram uma capela dedicada a São Gonçalo, padroeiro de todos aqueles que iam e vinham pelos caminhos tortuosos e perigosos. Foi forman-do-se o núcleo urbano para o atendimento geral.

As autoridades da Colônia cientes da movimentação instalaram um regis-tro fiscal com a finalidade de cobrar impostos das mercadorias. Seu funciona-mento iniciou no ano de 1716. Gado, escravos, mercadorias em geral, tudo era contado e taxado, e a partir desse momento o local passou a se chamar, ofi-cialmente, registro das Abóboras. Mas, como tudo era contado, os usuários, tropeiros e viajantes passaram a dar-lhe o nome de “lugar da contagem”. Esse nome se popularizou e a região tomou o nome de Contagem das Abóboras. Já, a partir da metade do século XIX simplificou-se para Contagem.

Outra função importante do Registro era a troca de ouro em pó por ouro já quintado. O proprietário do ouro em pó o entregava aos funcionários da Coroa e em troca recebia barras de ouro fundido e timbrado, sendo-lhe, no ato, descontada a quinta parte, considerada de propriedade do rei de Portu-gal. Era rigorosamente proibido transitar com o ouro em pó fora do local da extração ou do caminho da fundição ou do lugar de troca, sob pena de sofrer duras punições como prisão ou deportação para colônias portuguesas na Ásia.

Por volta do ano de 1759, o posto fiscal do Registro das Abóboras ou de Contagem das Abóboras foi desativado. O surgimento de novas rotas entre

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

os centros mineradores e os locais de fornecimento de tudo àquilo que era necessário, motivou a instalação de outros registros. Isto reduziu o fluxo de pessoas e mercadorias em Contagem e consequentemente a queda dos rendi-mentos e da importância de sua função arrecadadora. Contagem entrou em decadência e muita gente a abandonou. Embora sentindo o reflexo da de-sativação, o arraial seguiu sua trajetória entorno da Capela de São Gonçalo procurando nas atividades agropastoris sua sobrevivência.

ECONOMIA AGRÍCOLA E PASTORIL

Antes de fazer referência à nova situação é conveniente apresentar breve quadro sobre Contagem. Sem estrutura adequada para agricultura, com a saída de muitos habitantes e suas famílias para outras regiões mais promis-soras e sem lideranças que orientassem os poucos que ficaram, a região em-pobreceu. A lavoura seria a solução, já que a pecuária e a economia extrativa, vegetal ou mineral, não eram os elementos mais apreciáveis, pois não havia condições financeiras para tanto. Havia terras, não havia braços, não havia dinheiro. A solução, lutar pela sobrevivência e esperar.

Porém, entorno do ano de 1780, um novo fato viria a modificar a estrutura social, econômica e política da Província de Minas Gerais. O ouro de aluvião, aquele que estava depositado na flor da terra e nas águas dos córregos e riachos acabou. O ouro e as pedras preciosas foram o cuidado da metrópole, mas enquanto fora causa da riqueza que advinha ao tesouro português, pela cobrança dos impostos devidos.

Essa crise fez que os concessionários de datas (lotes que se adquiriam em leilões, feitos pelas autoridades, nos quais se permitia a exploração e extração do ouro) procurassem outras formas e outras atividades econômicas, tanto como uma opção circunstancial quanto para dar ocupação à mão-de-obra es-crava: A solução mais lógica foi a da atividade agropastoril. Com a decadência, impunham-se novos misteres. Lavoura e pecuária adquiriram relevo.

Contagem, junto com outras cidades vizinhas, foi um dos lugares mais pro-curados por aqueles que estavam em busca de um novo modo de vida. Ter-ra não era o problema, havia muita, baratas umas, abandonadas outras, di-visões de antigas sesmarias, que nunca produziram nada, estavam a mercê de quem quisesse, e sua localização era espetacular, perto daqueles núcleos que cresceram com a mineração.

Neste momento e devido às circunstâncias, chegaram à Contagem membros das principais famílias tradicionais: Diniz, Macedo, Gonçalves Lima, Silva, Cos-

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ta, Rocha e outras, que adquiriram ou se apossaram de terras. Tempo depois chegaram, também os Camargos e os Mattos. Pouco tempo depois afloraram os nomes das fazendas iniciantes: Madeira, Morro Redondo, Serra Negra, Abóboras, Riacho das Pedras, Pintados, Vista Alegre, Confisco, etc.

No ano de 1834, uma empresa inglesa adquire a Mina do Morro Velho, Nova Lima, fato que afetaria a economia de Contagem, pois essa companhia passa a alugar escravos para trabalhar em suas minas. Contagem forneceu grande número deles. Ao todo, não há informações de quantos foram, mas há refer-ências de que haveria cerca de 2 mil escravos alugados trabalhando nelas. Era para os fazendeiros mas interessante alugá-Ios, pois toda a responsabilidade de alimentá-los e tratá-los era da empresa e, se morria algum, recebiam in-denização. Os pobres escravos trabalhavam 12 horas por dia em condições de-ploráveis e a alimentação era deficiente, motivos principais que os induziram a fugir na primeira oportunidade. Ao mesmo tempo, a Companhia comprava madeira em grande quantidade. O desmatamento em Contagem foi enorme e nunca se conseguiu recuperar.

Com a assinatura da Lei Áurea, muitos escravos resolveram permanecer em seus lugares pela incerteza do seu futuro. Futuro que viria com a construção da nova capital de Minas, no vizinho Distrito Curral Deu Rey, já com o nome de Belo Horizonte. Ali se assentaram grande número de escravos vindos das cidades vizinhas, porém, sem condições adequadas de trabalho e moradia, a solução foi criar favelas. Continuaram os sofrimentos, mas a liberdade era esperança de um futuro melhor. Após a proclamação da República, em 1888, uma mudança política se espalhou pelo Brasil e conseqüentemente por Minas Gerais e suas cidades. A reestruturação territorial de Minas era importante porque grandes municípios seriam divididos. Do grande município de Sabará a luta dos distritos para conseguir sua emancipação foi ferrenha. Os novos políticos mineiros procuravam apadrinhar os prováveis núcleos de sua futura influência. Contagem estava politicamente órfã nos primeiros momentos. Fa-mosa por sua histórica posição monarquista e conservadora estava sendo ol-hada com desconfiança pelas lideranças republicanas.

Essa posição contagense deveu-se a grande influência e força política que teve em quase todo o século XIX, o Comendador Manoel Alves de Macedo Brochado. Juiz de Paz, escolhido em eleições constantes, por quase 50 anos, Delegado, Juiz Almotacé, vereador representando Contagem na Câmara Mu-nicipal de Sabará e agraciado pelo Imperador com a Comenda da Rosa. Suas tendências políticas influenciavam os contagenses. Convocou e armou gente para defender os legalistas na Revolução de 1842 nos combates em Santa Lu-zia contra os liberais de Teófilo Otoni. A nova elite, ainda que grande parte já

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

comungava as ideias republicanas, não tivera tempo de apagar o conceito que pairava sobre Contagem. Concluída a nova divisão política em 1901, Contagem foi designada distrito pertencente ao recém criado Município de Esmeraldas (antiga cidade de Santa Quitéria, reduto liberal e republicano).

Nessa situação, os contagenses não estavam conformados. Houve uma con-scientização de que a luta pela emancipação teria que continuar. Novas lider-anças surgiram. Nomes como Augusto Teixeira Camargos, Antônio Benjamim Camargos, Francisco Firmo de Mattos, Manoel de Mattos Pinho, Dr. Cassiano Nunes Moreira, lideraram a população nessa campanha na qual o principal anseio e objetivo era a emancipação de Contagem. As dificuldades eram imen-sas, os adversários, na Capital, eram poderosos. A perseverança e a paciência eram armas poderosas que os contagenses usavam. Conquistaram-se aliados. A vitória chegou. Pela Lei nº 556 de 30 de agosto de 1911, assinada pelo Presi-dente de Minas Gerais, Dr. Júlio Bueno Brandão, foi criado o Município de Con-tagem, composto pelos distritos da Sede, Campanha, Vera Cruz e Vargem de Pantana. Alegria em todo o município: festas e comemorações nos lugarejos e vilas. Felizes e orgulhosos de sua terra, os contagenses não aceitaram mudar o nome de sua cidade. O governo republicano criou uma campanha na qual qualquer cidade do País poderia dar outro nome ao seu município ou cidade. As cidades vizinhas a Contagem usaram o direito de trocar. Santa Quitéria para Esmeraldas, Capela Nova para Betim, Congonhas do Sabará para Nova Lima, Curral Dei Rey já havia mudado para Belo Horizonte.

Porém, essa alegria não durou muito. As dificuldades para a instalação do novo governo municipal foram enormes. Contagem que se havia empobre-cido muito e teria que construir os edifícios necessários para a administração: Prefeitura, Câmara Municipal, Delegacia e Cadeia e a reforma da Escola e dos Correios.

Com muito custo conseguiu cumprir com as obrigações e o Município foi instalado oficialmente no dia 10 de junho de 1912. As atribulações dos conta-genses não tiveram fim. Não havia boa vontade por parte de alguns setores administrativos estaduais em colaborar com a cidade que ainda tinha muitos inimigos infiltrados em órgãos públicos. As antigas tendências monarquistas de Contagem começaram a aparecer. Comenta-se que ano de 1938, chegaram ao ouvido do então governador do Estado, Dr Benedito Valadares determina-das informações a respeito de Contagem, desconfiado por natureza, e con-hecedor das tendências oposicionistas contra a república e acreditando que o povo contagense não apoiava o governo nem a política do Estado Novo im-posta por Getúlio Vargas, esperava uma oportunidade para desfazer-se dessa preocupação. Não via, também, com bons olhos que parte da população de

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Contagem, principalmente gente jovem, se transferisse para a capital com in-tuito de estudar ou encontrar trabalho, pois suspeitava que envenenassem o povo de Belo Horizonte com idéias oposicionistas ao novo regime. Assim, aproveitando de uma viagem feita pela Rede Mineira de Viação, para visitar várias localidades da periferia da Capital, ao parar na Estação de Bernardo Monteiro, em Contagem, ficou frustrado de não haver ninguém aguardando sua chegada. O trem partiu para Betim, a estações repletas de gentes, adul-tos e crianças homenageando o ilustre visitante, banda de música, discursos, pedidos e principalmente um abaixo assinado pelo povo betinense desejando que sua cidade, naquele então distrito de Esmeraldas, fosse transferido para Contagem.

O Governador nada disse no momento. No dia seguinte foi criado o Municí-pio de Betim, tendo Contagem como seu distrito. Nesse mesmo ano Conta-gem perdeu sua autonomia. Voltou a tristeza. O desenvolvimento da história de Contagem divide-se em três etapas, nas quais, em cada uma delas, houve marcante predomínio de um sistema econômico específico.

Economia Industrial

No ano de 1941, através do Decreto-Lei N° 770 de 20 de março de 1941, o gov-erno mineiro declarava de utilidade pública, para fins de desapropriação, área de 270 hectares na localidade de Ferrugem, a 9 km do centro de Belo Horizon-te, com a finalidade de construir a Cidade Industrial, que era o cerne do pro-jeto de recuperação econômica de Minas Gerais. Como a planta da Capital não comportava o uso de um espaço no qual se podia destinar o parque industrial nas dimensões cogitadas, a solução estava fora do município de Belo Hori-zonte, o que obedecia a outra razão, o fornecimento de energia elétrica teria que ser abastecida pela recém criada Cemig, já que a concessionária, Light, não estava preparada para atender a demanda necessária. Outra decisão foi a de voltar a emancipação de Contagem, nessa ocasião ainda distrito de Betim, pois a maior parte da área delimitada se localizava em território contagense. Em 1948, Contagem recuperou sua autonomia e foi criada a Cidade Industrial. Uma nova esperança surgia às vistas de sua população. Entre 1941 e 1949, já funcionavam onze empresas, empregando cinco mil operários. Até 1960 se verificou um grande salto, passando a existir quarenta e uma empresas com mais de treze mil e trezentos funcionários.

Esse processo de industrialização seria responsável por uma situação nada esperada: a explosão demográfica. Milhares de pessoas acudiram de todas as partes do Estado e do País em busca de trabalho e melhores condições de

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

vida. O Município não possuía as condições básicas necessárias para atender essa nova população. As condições urbanas eram críticas, não havia moradias, sistemas de transportes, e eram grandes as deficiências de atendimento à ed-ucação e à saúde. Mas, a cidade enfrentou esses primeiros desafios. A cidade cresceu e evoluiu. Tornou-se o segundo município de Minas Gerais.

Nos anos de 1960 foi criado o Cinco (Centro Industrial de Contagem). Empre-sas se instalaram em vários pontos do município. Novos centros foram cria-dos, o Cinco e o Cincão, assim como a transformação de Contagem em centro das atividades de serviço, como transportes, comércio atacadista, shoppings, etc.

Importante, também, foi a implantação do Centro de Abastecimento (Cea-sa) que atende a Região Metropolitana de Belo Horizonte. É clara a percep-ção de que a Cidade, atualmente, se encontra num período de transição que pode transformar-se num momento importante de sua história; o momento de afirmação como núcleo exemplar de uma profunda integração com seus habitantes. Os caminhos a serem percorridos são muitos, o desenvolvimento econômico, as mudanças sociais e, principalmente, a priorização da Educação, o mais importante componente não-material para a realização dos desejos de atingir altos níveis de higiene e melhores padrões sociais. Outro fator im-portante é a preservação e valorização da memória e da cultura. A natureza humana se democratiza pela cultura. É a isso que chamamos de civilização. Caminhos infindáveis, mas que precisam ser percorridos para a consolidação de uma cidade como um espaço de convivência ideal, mas real.

ASPECTOS POLITICO-ADMINISTRATIVOS

A emancipação

Durante duzentos anos, de 1701 a 1901, Contagem esteve ligada a Sabará. Em 1901, por questões políticas, foi vinculada a Santa Quitéria, atual Esmeraldas. Tal ato se deu pelo fato de Contagem ter se recusado a apoiar a República, numa atitude de rebeldia. Os antigos líderes mantiveram acirrada insubmis-são ao Legislativo quiteriense, ação que nos remete à greve de 1968, quando os trabalhadores de Contagem enfrentaram os desmandos ditatoriais. A Lei n. 556, de 30 de agosto de 1911, criou vários municípios, entre eles Contagem. As eleições municipais foram marcadas para 31 de março de 1912. Em 10 de junho de 1912, o município foi instalado, dando continuidade aos mandos dos coronéis, oligarquia presente até 1938, quando Contagem perde sua condição de município, passando a pertencer ao município de Betim.

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O primeiro presidente do município foi o coronel Augusto Teixeira Camargos (1912-1924).

Seguiram-se os indicados para presidência: coronel Francisco Firmo de Mat-tos (1924-1929) e coronel Antônio Benjamim Camargos (1929-1932). Em 1930, assumiu como prefeito nomeado Manoel de Mattos Pinho, que governou de janeiro a fevereiro de 1933. José da Rocha Cunha (1933-1938) foi o último pre-feito nomeado.

O processo de fragmentação da Contagem agropastoril começa a se realizar em 1938, com os primeiros estudos elaborados pelas classes produtoras para o movimento de industrializar Minas Gerais, cuja economia mantinha-se em bancarrota, resultado da crise de 1929. A cidade escolhida foi Contagem, por se localizar numa região próxima das linhas férreas, das rodovias e das fontes produtoras de matéria-prima. Além do mais, a escolha de Contagem não afe-taria Belo Horizonte, considerada a “Cidade jardim”, própria para a recuper-ação da saúde dos que apresentavam casos de doença.

Em 1938, Contagem perde sua autonomia político-administrativa. Duas ex-plicações baseadas na tradição oral justificam este ato político, segundo voz-es da população. A primeira diz o seguinte: Benedito Valladares, presidente de Minas, a caminho de Betim, passa por Contagem, e nenhuma autoridade es-teve na Estação Ferroviária para recebê-los. Como punição, Contagem perde sua condição de município e passa a ser distrito de Betim. Outra explicação é que com a escolha da região para a instalação da Cidade Industrial a perda da autonomia políticoadministrativa de Contagem faria com que as terras a serem desapropriadas perdessem o valor real, beneficiando as finanças do Estado.

Durante dez anos, Contagem foi mais um distrito de Betim, entrando em decadência política e econômica. A vida do município transformou-se num marasmo, apesar da manutenção do comércio agropastoril com Belo Horizon-te, sendo a produção escoada pelo trem de ferro.

A nova luta pela emancipação política

Cumprindo disposição do artigo 170 da Constituição Estadual, o governador Milton Campos expediu, a 21 de janeiro de 1948, ato nomeando os membros da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de lei que fixaria a nova divisão administrativa e judiciária do Estado de Minas Gerais, avigorar a partir de 10 de janeiro de 1949.

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A comissão, que passou a ser conhecida como CEDAJ (Comissão Estadual de Divisão Administrativa e Judiciária), determinou como requisitos básicos exigidos para pleitear a criação de município: ter o território 200 casas no mín-imo, renda municipal mínima de 100.000 cruzeiros/ano e 10.000 habitantes no mínimo. Em sua petição, Contagem apontou 305 moradores.

As greves operárias de 1968

Com a chegada das indústrias na década de 40 por meio do Decreto nº 770 de 20 de Março de 1941, Contagem entra no período industrial de sua história, com isso, também, chega no município o movimento operário que luta contra a política econômica da ditadura militar brasileira. O movimento operário de Contagem organizou um grande movimento grevista em 16 de Abril de 1968, onde 1 mil e duzentos operários da Companhia Belgo Mineira entraram em greve forçando a vinda do ministro do trabalho Sr. Jarbas Passarinho em Mi-nas Gerais para negociar com os grevistas. O sindicato aceita a proposta feita pelo governo de 10% de aumento salarial, mas os operários em greve recusam em assembleia a proposta do governo e contrariam a decisão da diretoria do sindicato e decidem manter a greve. O movimento grevista continua e ganha a adesão de mais operários de 10 outras empresas chegando a quase 20 mil trabalhadores paralisados.

A polícia militar ocupou as ruas para impedir as realizações das assembleias e os patrões por sua vez, convocaram os trabalhadores sob ameaça de justa causa para voltarem ao trabalho, o então general presidente Costa e Silva de-cide dar o aumento de 10 % para todos os trabalhadores brasileiros acabando com a greve. Desta vez os operários ocupam a fábrica da Mannesman em Ou-tubro de 1968 deflagrando a segunda greve em Contagem. Os ânimos foram acirrados, a polícia militar usou de violência contra os grevistas e o sindicato dos metalúrgicos sofreu intervenção do Ministério do Trabalho. Foi desta for-ma que a segunda grande greve de Contagem acabou.

AS 8 REGIONAIS ADMINISTRATIVA DE CONTAGEM

Área I - Regional Industrial

O planejamento da Cidade Industrial ficou a cargo de órgãos estaduais. O traçado hexagonal, segundo a tradição oral, associa-se à cidade de Camberra,

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capital da Austrália. No relato de Lucas Lopes, secretário de Agricultura do Estado de Minas Gerais entre 1943 e 1945, sobre o projeto hexagonal do então secretário de Agricultura Israel Pinheiro da Silva.

No ano de 1941, pelo Decreto Lei n. 770, de 20 de março, o governo mineiro declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, a área de aproximad-amente 270 hectares na localidade distante 9 km da capital. A área abrangida pela Cidade Industrial seria aforada aos industriais por CR$6.000 o m2. O gov-erno, fugindo do monopólio imposto pela concessionária americana de ener-gia elétrica Bond andShare, comprometeu-se a construir a Usina Hidrelétrica de Gafanhoto, no rio Pará, para abastecer as novas instalações industriais. Os bairros que fazem parte da Região da Cidade Industrial são os seguintes ; Cidade Industrial, Jardim Industrial, Floricultura Lempp, Antônio Cambraia, Industrial Santa Rita, Jardim Emaús, Líder, Presidente Vargas, Vitória, Amazo-nas, Industrial Itaú, Bandeirantes, Santa Maria.

Área III - Regional Ressaca

O Bairro Cidade Jardim Eldorado teve uma planta aprovada com 4.000 lotes, em 20 dejunho de 1954. O plano previa cinemas, teatro, zonas comerciais em cada bairro da região, abastecimento de água, região de brinquedos para as crianças, influenciado pelos projetos de cidades jardins implementados na Capital paulista, na mesma época. O objetivo era urbanizar uma grande área e construir conjuntos habitacionais para resolver o problema de moradia de parte dos moradores que vieram trabalhar nas indústrias de Contagem. O primeiro conjunto habitacional construído foi o conjunto JK, após a con-strução da Avenida João César de Oliveira. No início dos anos 1970, é implan-tado na Região do Eldorado o “CINCO” - Centro Industrial de Contagem - para a instalação de 100 indústrias que resolvessem o problema da saturação da Cidade Industrial “Juventino Dias”, e a opção era pela implantação de indús-trias não poluentes nessa área.

Atualmente, o Bairro Eldorado tem um perfil diversificado, com atividades educacionais, comerciais e residenciais. Aos sábados e domingos, na Avenida Portugal, funciona a Feira de Artesanato de Contagem, onde se comercializam peças de artesãos locais. Além dessa feira, há também a Feira do Paraguai, que ocorre no mesmo período da semana, comercializando produtos diversos importados. Bairros que pertencem a esta região são os seguintes bairros: Água Branca, Cidade Jardim Eldorado, Glória, Oliveiras, JK, Novo Eldorado, Parque Industrial, Santa Cruz Industrial, São Pedro, Eldoradinho, Jardim das Oliveiras, Jardim Bandeirantes, Galoca, Vale das Perobas, Jardim Marrocos, Maria da Conceição, Parque São João, Santa Edwiges e CINCO.

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Área III - Regional Ressaca

A evolução urbana da região do Bairro Ressaca tem sua origem nas divisões repetidas da fazenda do Confisco, que começou a ser loteada nos anos 1950. Ao longo de quarenta anos surgiram novos bairros e vilas, originando a ocu-pação majoritariamente residencial que encontramos atualmente.

Após a construção das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CEASA), na confluência da Avenida Sarandi e da Rodovia Br-040, Contagem passou a abrigar o segundo maior entreposto deste gênero no País. Um conjunto de bairros formados sob a influência do crescimento acelerado de Belo Hori-zonte, segundo duas frentes principais: expansão do eixo Pedro 11 Padre Eu-stáquio, na direção da estrada de acesso ao antigo núcleo da Ressaca (Bairro Colorado, Jardim Laguna e Ressaca) e expansão originária a partir da Pam-pulha e que se integra às demais frentes (Bairro Nacional).

Bairros a região denominada Ressaca hoje é composta pelos seguintes bair-ros: Ressaca, Cândida Ferreira, Campina Verde, Feijão Miúdo, Boa Vista, Novo Boa Vista, Presidente Kennedy, São Sebastião, Jardim do Lago, Morada Nova, Oitis, Colorado, Milanês, Dos Coqueiros, Arvoredo, Fazenda Confisco, Morro do Confisco, Arpoador, Jardim Laguna, Laguna, Parque Ayrton Senna, Parque Novo Progresso, Progresso Industrial, Balneário da Ressaca, Guanabara, Jar-dim Balneário, Parque dos Turistas, Santa Luzia, São Gotardo, São Joaquim, Tapera e União da Ressaca.

Área IV - Regional Nacional

A região do Nacional foi fortemente atingida na década de 1950 pelo proces-so de parcelamento desencadeado a partir da Pampulha. Permaneceu desocu-pada por muito tempo, com a ocorrência de loteamentos destinados apenas a sítios de recreio. Esse loteamento foi para a criação do bairro Nacional, a partir de divisões sequenciais da Fazenda da Gangorra, pertencente a Joaquim Diniz Silveira e sua mulher, Francisca Dias da Silva. Os bairros que fazem parte dessa regional administrativa são os seguintes: Nacional, Jardim Alvorada, Caia pós, Carajás, Rua Nova da Pampulha, Da Tijuca, Recanto da Pampulha, Bom Jesus, Santa na, Parque Xangri-Iá, Pedra Azul, Santa Maria, Rose Marie, Senhora da Conceição, Sítio Boa Esperança, São Mateus, Vale das Amendoeiras, Estrela D’Alva e Francisco Mariano.

Área V - Regional Sede

Documentos atestam a criação do Registro das “Abóboras” a partir de 1716, segundo o Dicionário da Terra e da Gente de Minas, de Waldemar de Almeida Barbosa, começando a funcionar em 9 de agosto de 1716. O arraial iniciado

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

com a implantação do registro não se expandiu como núcleo urbano. Teria se atrofiado imediatamente após o fechamento do registro ou, mesmo, antes desse ato oficial. Paralela e simultaneamente, existiu a povoação de “Sam Gonçalo da Contagem das Abóboras”, surgida em torno da capela, erigida em 1725, com invocação desse santo. Sendo assim, o Arraial de “São Gonçalo da Contagem das Abóboras” se constituiu enquanto núcleo original da ocupação da sede municipal. A Sede, na atualidade abriga os seguintes bairros: Sede, Bela Vista Bernardo Monteiro, Fonte Grande, Santa Terezinha, Alvorada, Arcá-dia, Vila Belém, Betânia, Camilo Alves, Central Parque, Colonial, Coração de Jesus, Praia, Estância do Hibisco, Canadá, São Bernardo, Funcionários, Jardim Vera Cruz, Linda Vista, Los Angeles, Lúcio de Abreu, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora do Carmo, Olinda, Panamá, Parque Maracanã, Quintas Coloni-ais, Santa Helena. Santa Luzia, São Gonçalo, Três Barras, Universitário, Santo Antônio e Granjas Vista Alegre.

Área VI - Regional Petrolândia

Petrolândia tem sua origem vinculada à implantação da Refinaria Gabriel Passos(REGAP), no final da década de 1960, em Betim. A proximidade em relação à Refinaria de Petróleo explica a configuração das ruas do bairro, que receberam nomes como: Petróleo, Gasolina, Oleoduto, Querosene e Refinaria Cubatão. A praça principal da região foi batizada com o nome da Petrobras. A região ocupa a parte da Bacia do Embiruçu e parte da bacia de Vargem das Flores, sendo que o Bairro Tropical, pertencente a essa última bacia, apre-senta graves problemas ambientais, decorrentes do parcelamento predatório do terreno.

O bairro foi resultado de um conjunto de três fazendas compradas pela Companhia Imobiliária e Construtora de Belo Horizonte, a CICOBE, em 1959. A fazenda “Olhos d’Água” e a “Gafurinha”, ambas de propriedade de José Diniz da Costa Belém, e a fazenda “Pau Grande”, de Oldemar Rocha. O Bair-ro Petrolândia foi o primeiro a ser implantado na região, sem dispor de nen-huma infraestrutura, exceto o arruamento. Além disso, como o loteamento tinha sido realizado por uma empresa privada, a Prefeitura só veio a aprovar o bairro oficialmente em 1977, dificultando ainda mais o acesso dos moradores a infraestrutura. A região administrativa do Petrolândia abriga os seguintes bairros: Petrolândia, Sapucaias I e lI, Tropical, Campo Alto, Beija-flor, Indus-trial São Luiz, Universal e São Caetano.

Área VII - Regional Vargem das Flores

A implantação de um reservatório para captação de água, em convênio com o município de Betim, em Vargem das Flores, em 1972, com capacidade três

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

vezes maior que a Lagoa da Pampulha, apresenta uma estratégia que extrap-ola o município de Contagem. Além da função primordial de abastecimento de água, tem papel importante como elemento controlador de enchentes. Além de outros, mais um fator de extrema importância é a utilização da bar-ragem de Vargem das Flores como lugar de lazer: lanchas sofisticadas para os mais ricos e pescaria de vara e natação para os mais pobres. Segundo os moradores da região, uma das agressões sofridas pela barragem Vargem das Flores é a existência de barracas que vendem de tudo; localizadas em sua margem, que contribuem para a poluição do lago.

Contagem experimentou todas as consequências dos fatores de industriali-zação emetropolização, com graves efeitos sobre o meio ambiente. Além dis-so, há de se considerar o fato de que a legislação ambiental no Brasil começa a vigorar só a partir dos anos 1980. Já existiam o Código Florestal e o Código das Águas, mas nem sempre traziam em seu âmbito a filosofia preservacioni-sta. Fazem parte da regional Nova Contagem os

bairros Ipê Amarelo, Retiro, Darcy Ribeiro, Icaivera, Quintas da Jacuba e Tupã. Ainda na região, se encontram dois bairros com características total-mente diferentes. O Bairro Retiro, um dos mais antigos de Contagem, tem uma forte ligação com a Sede por tradição histórica, religiosa e social. Na Rua Retiro das Freiras, 25, localiza-se a Capela de São Domingos de Gusmão com a imagem de São Domingos, tombados pelo Decreto n. 11.323, de 14 de julho de 2004. O Bairro Nova Contagem foi construído para acomodar a população expulsa das regiões periféricas da Cidade Industrial e abrigar a Penitenciária de Segurança Máxima “Nelson Hungria”.

Área VIII - Regional Riacho

A origem da Fazenda Riacho das Pedras consta no primeiro registro de ter-ras realizado entre 1854 e 1855 pelo vigário Antônio de Souza Camargos. Con-stavam como proprietários, com 120 alqueires de cultura em suas terras, o capitão José Maria de Jesus e Rita Joaquina. Os bairros que compõem a Re-gional Riacho são provenientes da divisão de parte da Fazenda do Riacho, pertencente aos herdeiros de Francisco Firma de Mattos.

Em meados do século XX, a região crescia com o surgimento de novos bair-ros. A ausênciade um zoneamento residencial na região da Cidade Industrial favoreceu a ocupação do Riacho e de outros bairros vizinhos pelo proletari-ado que trabalhava nas indústrias. No Bairro Riacho das Pedras, foram con-struídas 205 casas, junto à Cidade Industrial e em frente à Sociedade Hípica de Belo Horizonte. As casas foram vendidas pelo sistema de hipotecas do BNH, e o bairro foi completamente urbanizado, com água, luz, asfalto e arborização.

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Os bairros que fazem parte da Região do Riacho: Granja Lempe, Inconfidentes, Vera Cruz, Flamengo, Jardim Riacho, Parque Durval de Barros, Riacho das pe-dras, Riacho III, Parque Riacho das Pedras, Monte Castelo, Jardim Califórnia e as vilas Rica e Marimbondo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATLAS ESCOLAS, Histórico, Geográfico e Cultural- Contagem. MG. Revista de Educação Patrimonial “POR DENTRO DA HISTÓRIA”

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CAPÍTULO 2

APRESENTANDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

As várias Correntes Teóricas

Autores, cujas inspirações teóricas são muito distintas, sugerem que, nos anos 1990, estariam sendo forjadas redes sociogovernamentais, que democ-ratizariam a esfera pública, redefinindo as relações entre o privado, o estatal e o público, tanto em campanhas emergenciais (como a Campanha contra a Fome, a Miséria e pela Vida), canais institucionais (como os conselhos setori-ais), fóruns e ações sociais voluntárias.

Muitas dessas experiências mostram a clara intencionalidade de conformar-em redes quesuperem a base territorial original. Articulam-se a partir de uma região de referência, justamente porque se constituem no momento de afas-tamento das ações estatais, ou do ator estatal, na busca de reconstrução de uma trama de sociabilidade que reconstrua, em novas bases, a institucionali-dade pública.

Robert Castel é um dos autores que destaca a fluidez do conceito. Sugere que a territorialização pode gerar nova fragmentação política. Para o autor,

Este movimento vai muito além da descentralização, visto que se delega poder às instâncias locais para priorizarem os objetivos, definirem projetos e negociarem sua realização com os parceiros concernidos. Em último caso, o local torna-se também global. [...] Sem a mediação de direitos coletivos, a individualização das ajudas e o poder de decisão fundado sobre interconhecimentos, tendo em vista as instâncias locais, correm sempre o risco de encontrar a velha lógica da filantropia: jure fidelidade e será socorrido (CASTELL, 1998, p. 606).

Fischer e Carvalho (1993) analisam as redes de organismos sociais que par-tem do local, como espaço territorial delimitado e de formação de identidades específicas, formando duas modalidades: as redes submersas – que se constit-uem a partir de uma base social informal -, e as redes associativas – conjunto de relações que geram o chamado tecido social local, associativo.

Outros estudos apontam a formação de uma nova esfera pública local, como as experiências de fóruns, orçamento participativo, cujos interesses são dis-putados e projetos estratégicos são formulados. Costa, em ensaio sobre a con-strução dessa novidade institucional destaca, citando Avritzer, a importância das análises sobre o hiato entre a existência formal de instituições e a incorpo-ração da democracia às práticas cotidianas dos agentes políticos. Sugere que o clamor para maior empenho institucional dos movimentos sociais desfoca a contribuição pré-política que lhes seria peculiar - analisa o processo gradativo

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TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO

de envolvimento de associações civis nas esferas formais de gestão local, mui-tas vezes substituindo a representação formal, como no caso dos vereadores. Cita, ainda, os conselhos comunitários como instâncias de discussões e até deliberação sobre assuntos administrativos mais gerais.

Por seu turno, Abramovay sugere que a territorialização fundaria uma nova cultura cívica.

Apoiado nos estudos de Robert Putnam o autor propõe:

(...) esta proximidade supõe relações sociais diretas entre os atores. É neste sentido que, em torno do desenvolvimento rural, convergem duas correntes contemporâneas de pensamento: por um lado a que vem enfatizando a dimensão territorial do desenvolvimento. Não se trata de apontar vantagens ou obstáculos geográficos de localização e sim de estudar a montagem das “redes”, das “convenções”, em suma, das instituições que permitem ações cooperativas – que incluem, evidentemente, a conquista de bens públicos como educação, saúde, informação - capazes de enriquecer o tecido social de uma certa localidade. A este processo de enriquecimento, uma outra vertente do pensamento social contemporâneo – muito influente nas organizações internacionais de desenvolvimento – vem chamando, com base nos trabalhos de James Coleman (1990) e, Robert Putnam (1993/1996: 177), de capital social, que diz respeito à “... características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”.

Bandeira, recentemente, procurou sistematizar as teorias e experiências de construção de novos mecanismos de regulação do desenvolvimento territo-rial. Em seu ensaio, sugere que a abertura comercial e aumento de competi-tividade econômica colocam em xeque políticas que no passado foram utiliza-das largamente como indutoras de desenvolvimento, tais como a proteção à paradigma no planejamento de ações públicas, substituindo a referência em grandes regiões por sub-regiões ou delimitação local, com base em diagnósti-cos mais precisos da situação. Sua proposição apoia-se em cinco teses adota-das pelas agências internacionais de fomento ao desenvolvimento:

1. Participação na Gestão Pública Territorial como Busca de Eficiência

Esta tese, defendida pelo Banco Mundial e destacada pelo Grupo dos Sete,

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

no encontro realizado em Lyon, em 1996, sustenta que a ausência de partici-pação gera ações efêmeras e substituíveis por outros governos. Segundo o Banco Mundial, a ascensão da sociedade civil modifica os programas de as-sistência ao desenvolvimento;

2. Participação na Gestão Pública Territorial como Base de Governância

Também destacada pelo Banco Mundial, a good governance amplia o esco-po da gestão territorial para os processos em que atores articulam interesses e exercitam direitos. O encontro do Grupo dos Sete, ocorrido em 1995, em Halifax (Canadá), vinculou a governância aos modelos de desenvolvimento participativo. A transparência administrativa e construção de consenso e pre-visibilidade nos programas de gestão conferem estabilidade nos processos de desenvolvimento;

3. Participação na Gestão Pública Territorial como Acumulação de Capi-tal Social

O objetivo, no caso, é a construção de redes de colaboração para construção de soluções coletivas, apoiadas em relações interpessoais e sentimento de confiança mútua. Apoiados nos estudos de James Coleman e Robert Putnam, documentos elaborados pela OECD destacam a cooperação para o desenvolvi-mento, pressupõem a melhoria da capacidade de administração de políticas econômicas e sociais e a responsabilidade perante o público, o respeito aos direitos humanos e a sustentabilidade, componentes considerados básicos da cooperação internacional. Para tanto, sugerem a interação permanente de diferentes segmentos da sociedade civil e entre eles e as várias instâncias da administração pública, facilitando os processos de capacitação e de aprendi-zado coletivo, forjando consensos. Citam, como exemplo desse arranjo institu-cional os conselhos econômicos e sociais regionais existentes na Espanha e os modelos de administração regional da França e Chile1 (MANSBRIDGE, 1995).

4. Participação na Gestão Pública Territorial e Competitividade Sistêmi-ca

O conceito de competitividade sistêmica refere-se ao padrão em que o Esta-do e sociedade criam condições para o desenvolvimento (ALTENBERG, HILE-BRAND e MEYER-STAMMER, 1997). Altenberg (1997), o autor citado como referência na formulação deste conceito, sugere quatro níveis de competi-

1 MANSBRIDGE, Jane. “Does Participation Make Better Citizens?, Disponível em <http://www.cpn.org/cpn/sections/new_citizenship/theory/mansbridge1.html>. Acesso em: 22 nov. 1998.

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

tividade sistêmica: micro, englobando empresas e redes de empresas; meso, envolvendo instituições e instâncias políticas; macro, afetando as condições econômicas; e meta, envolvendo estruturas socioculturais e orientação econômica. O autor aponta, ainda, seis elementos de emergência de atores coletivos, capazes de dirimir conflitos regionais: 1. confiança; 2. orientação para resultados (busca de consenso); 3. tomada de decisão conjunta; 4. reci-procidade, ou consentimento de distribuição justa de custos; 5. aceitação dos direitos legítimos dos vários atores.

5. Participação na Gestão Pública Territorial na Formação de Identi-dades Regionais

A identidade regional, nesta concepção, forja-se a partir do sentimento compartilhado de pertinência a uma comunidade territorialmente localizada. Segundo Sergio Boisier, a planificação do desenvolvimento regional é ativi-dade eminentemente societária, cuja responsabilidade articula Estado e co-munidade regional polifacética (BOSIER, 1995). Tal identidade é construída historicamente, resultante de experiências políticas, sociais e culturais co-muns, possibilitando a percepção de interesses coletivos. A consolidação des-sa percepção, por sua vez, é fomentada pela prática contínua de discussão, formulação, implementação de ações e fiscalização de programas regionais. A identidade regional, ao contrário de formular normas particularistas, formata consensos básicos entre atores sociais na busca de um modelo de desenvolvi-mento.

O conceito de território, como se percebe, ganha contornos teóricos nas formulações recentes das agências internacionais de fomento ao desenvolvi-mento e envolve muitas correntesda ciência política.

Haesbaert (1997) considera ao menos três vertentes básicas:

1. A jurídico-política, cujo território é concebido como espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente de caráter estatal;

2. A cultural, que destaca a dimensão simbólica, cujo território se constrói a partir da identidade social sobre o espaço;

3. A econômica, que destaca a territorialização como produto espacial do embate entre interesses de classes sociais.

MAS, O QUE É TERRITÓRIO?

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

A primeira abordagem, de vinculação da noção de território ao domínio es-tatal, teria sido, segundo o autor, uma teoria formulada originalmente por Ratzel, para quem, sem o território, é impossível compreender a solidez do Estado. A decadência de um povo estaria, assim, diretamente vinculada à per-da de um território. “Um povo decai quando sofre perdas territoriais.

Ele pode decrescer em número mais ainda assim manter o território no qual se concentram seus recursos; mas se começa a perder uma parte do território, esse é sem dúvida o princípio da sua decadência futura” (RATZEL, 1990, p. 74).

A segunda abordagem é a de Guatarri e Tuan. Para o geógrafo Tuan, a chave da compreensão sobre a territorialidade humana é o pensamento simbólico. O elo efetivo entre o ser humano e o ambiente físico seria a construção imag-inária de espaços de posse, espaços proibidos e espaços amados (topofilia). Para Guatarri, o território teria um sentido mais afetivo, enquanto território liso seria aquele ligado às relações funcionais da espécie.

As duas correntes acima são majoritárias na definição contemporânea de território. Pautam-se pela compreensão do grau de autonomia de um agrupa-mento social frente ao território ou sua dependência face ao poder central. O conceito de território diferencia-se, assim, entre aqueles que o concebem como forjado por identidades culturais ou como campo de forças políticas.

O conceito ganhou novo viço nos últimos anos por aflorar como um cam-po de resistência política. Milton Santos como uma revanche à globalização econômica, vinculada à noção pósmoderna de transnacionalização do terri-tório. Para o autor, a revanche ocorreria pela revalorização do que denomina “território banal”, construção teórica originalmente elaborada por François Perroux que significaria o domínio da contiguidade territorial. Haveria, ain-da, o espaço em rede, não contíguo, mas o espaço banal seria considerado o “espaço de todos”, traduzindo-se como espaço público por excelência, um espaço forjado na história da ação humana, visível e compreendido cultural-mente. Segundo Santos:

Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os objetos e as normas estabelecidas para servi-lo. Daí o interesse de retomar a noção de espaço banal, isto é, o território de todos, frequentemente contido nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes, isto é, o território daquelas formas e normas ao serviço de alguns (SANTOS, 1994, p. 18).

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

Temos, a partir desta formulação, uma possível politização da noção de ter-ritório enquanto resistência a um mundo desfigurado para as populações at-ingidas pela desconstrução econômica e espacial provocada pela redefinição das relações comerciais e políticas da globalização econômica.

Alguns autores sugerem que a noção circular de tempo, típica das socie-dades tradicionais, acaba gerando uma espécie de resistência das populações locais que se encastelam em seus territórios de origem. Cada espaço atual é o recobrimento dos espaços anteriores, como se fosse um álbum de fotos da sua família, em sequência cronológica. Se o espaço correspondente à vida moderna, urbana e globalizada seria definido pela noção de progresso, que procura suprimir a identidade toponímica, recriando a virgindade do espaço, o espaço do tempo circular possuem natureza comunitária, afetiva e demar-cado por experiências comuns.

A ruptura da vida comunitária nos tempos atuais seria múltipla, já que popu-lações e comunidades estariam experimentando conflitos gerados por identi-dades espaciais muitodiferenciadas daquela que constitui sua identidade so-cial.

Em outras palavras, a reconstrução da noção de território como campo de resistência estaria, do ponto de vista de novos movimentos e mobilizações sociais, mais articulada à identidade cultural que à luta pela sua manutenção no mercado. O território apresentar-se-ia como elemento visível e marcado historicamente pela ação das comunidades. São comunidades “desfiliadas so-cialmente” que resistem para sua identidade social continue vívida, sugerindo a reconstrução dos aparatos institucionais que regulem as relações sociais daquele território específico, que garanta sua sobrevivência e fomente o de-senvolvimento das regiões em que estão inseridas.

ABRAMOVAY, Ricardo (org.). Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.

____________. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Co-municação apresentada no IV ECONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLÍTI-CA; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Porto Alegre – 1° a 4 de junho de 1999.

BANDEIRA, Pedro. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional. Brasília: IPEA, 1999 (Texto para discussão n. 630).

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998.

BIBLIOGRAFIA

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

COSTA, Sergio. Movimentos sociais, democratização e a construção de esferas públicas locais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12. n. 35, out. 1997.

FISCHER, Tânia e CARVALHO. Poder Local, rede sociais e gestão pública em Salvador, In: Poder local, governo e cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 1993.

GUATARRI, F. Espaço e poder: a criação de territórios na cidade. Espaço e Debates, São Paulo, v.5, n.16, 1985.

HAESBAERT, Rogério. Desterritorialização e identidade: a rede gaúcha do nordeste. Nit-erói: Editora da UFF, 1997.

RATZEL, F. Geografia do Homem. In: MORAES, A. C. (org). Ratzel. São Paulo: Atica, 1990.

SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia e SIL-VEIRA,

Maria Laura. Território: Globalização e Fragmentação. São Paulo: UITECH/ANPUR, 1994.

TUAN, Y. Geografia humorística. In: CHRISTOFOLETTI, A. (org.). Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1982.

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

CAPÍTULO 3

O QUE É LIDERANÇA SOCIAL?

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

CONCEITO: O QUE É UMA LIDERANÇA SOCIAL?

Para melhor entendermos o papel da liderança social primeiro vamos ten-tar defini-la. A maioria dos líderes sociais quando questionados como se con-stituíram como lideranças narram que foi um processo iniciado por demandas de seu meio a família, sua rua, escola, bairro, empresa, cargo público, militân-cia político partidária etc., se constituíram na experiência, na participação, não necessariamente tendo passado por uma formação para lideres sociais. Acreditamos que é justamente o conjunto de aptidões, qualidades, necessi-dades e motivações, que iniciam o processo que leva um indivíduo dentre outros a se expor a liderança de um grupo, porém a qualidade do exercício de uma liderança depende diretamente de uma série de outros atributos e ferramentas que podem e devem ser aprendidos e utilizados de forma gerar eficiência e resultados práticos e transformação social. Desejamos que este seja o objetivo dos aqui inscritos neste curso.

Veja abaixo a comparação das duas palavras líder e liderança:

líder (inglês leader)

1. Pessoa que exerce influência sobre o comportamento, pen-samento ou opinião dos outros.

2. Pessoa ou entidade que lidera ou dirige.

3. Chefe de um partido ou movi-mento político.

4. Que ou o que lidera determi-nado setor de ativid ade ou uma competição.

“lider”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 - 2013, http://www.priberam.pt/dlpo/lider [consulta do em 16 -08-2014].

liderança

Comando, .direção, hegemonia.

“liderança”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 - 2013, http://www.priberam.pt/dlpo/lideran%C3%A7a [consultado em 16-08-2014].

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

Liderança e suas características

Atributos de uma liderança social

Podemos perceber claramente que o termo líder concentra no indivíduo o poder da decisão, já o termo liderança traz a referência de caminho, direção e ato coletivo. Por tratarmos aqui de transformações sociais e acreditarmos que elas serão mais duradoras quanto mais coletivas e democráticas forem. É por isso que escolhemos o termo

“Uma liderança é alguém que conquistou respeito, atenção e carinho de outros em sua comunidade”. Devido a essas conquistas, as lideranças são capazes de in-fluenciar ações, atos e/ou decisões de outros em prol do bem comum.” (Miriam Brandão)

“Um líder tem o papel de inspirar, encorajar e motivar as pessoas, estimulan-do-as e apoiando-as a descobrir e a desenvolver seus potenciais. Para isso, o líder precisa ter muitas características, entre elas: humildade, paciência, abertura, compromisso, saber escutar e observar atentamente e, principalmente, precisa acreditar no potencial de seus liderados e estar presente.” (Andreia Saul)

“As lideranças somente se legitimam quando são exercidas” (Comandante Rolim) “Liderança é a capacidade de persuadir ou dirigir os homens, resultado de qualidades pessoais, independentemente da função exercida” (Robert Mor-rison Maclver e C.H.,1937)

A liderança popularmente é entendida como um “dom”, parece que o indi-víduo nasceu para liderar, existem sim características pessoais que são apren-didas quase de forma natural para algumas pessoas, tais como: capacidade de comunicação, organização, carisma dentre outras que predispõem um in-divíduo a liderança, mas como bem sabemos o homem transforma o mundo e se transforma na ação de seu trabalho e é com essa crença que afirmamos: A liderança social pode e deve ser estimulada, desenvolvida, aprimorada por meio de processos de ensino e aprendizagem como este nosso curso.

A capacidade de comunicação é como uma ferramenta chave para a lider-ança e comunicar não é somente se expressar com clareza, mas para uma liderança social é principalmente saber ouvir, identificar as demandas e possi-bilidades apontadas pelos diversos interlocutores com os quais ela se relacio-na. Para que a comunicação seja consistente é necessário ter-se um objetivo pautado, ou seja:

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Ter um ideal, um propósito, ser determinado, contribuir para a elaboração de objetivos práticos e de execução compartilhada, onde cada um saiba a sua capacidade e possibilidade de contribuir para a transformação da realidade ao seu redor e da capacidade de utilizar dos recursos disponíveis para alcançá-lo. Ao identificar demandas estabelecer um propósito e socializá-lo com aos demais instantaneamente surge a necessidade de:

Estabelecer estratégia, visão do todo, um planejamento, a capacidade de planejar, delegar funções a todos participantes, reconhecer as capacidades e limitações de cada indivíduo e do coletivo, acompanhar as etapas do plane-jamento e redefini-las sempre que necessário. Para se atingir um propósito é necessário ter continuamente pessoas motivadas, dispostas e de preferência disponíveis para cada passo dos trabalhos a serem feitos, isso exige:

A capacidade de motivação do grupo, a melhor forma de motivação é o ex-emplo a dedicação, identificar novas pessoas para apoiar, compor ou mesmo substituírem as que por algum motivo se desligarem, reconhecer e valorizar os avanços alcançados.

Outro grande desafio para liderança social é a formação de novos líderes, uma vez que a sucessão é algo natural e até desejável devemos ter a atenção de identificar aqueles que se despontam para esta entrega pessoal e ter o cuidado de possibilitar e acompanhar sua formação de modo que a coletivi-dade não perca a força ou ritmo pela saída de uma pessoa de sua equipe de liderança.

Existem vários estilos de liderança. Dos estudos sobre a teoria dos estilos de liderança, refere-se a três estilos. São eles: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTI-CA e LIBERAL. Vejamos algumas características e particularidades deles: AU-TOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA e LIBERAL.

Liderança Autorática

Apenas o líder fixa as diretrizes, sem qualquer participação do grupo;

O líder determina as providências e as técnicas para a execução das tarefas, cada uma pôr vez, na medida em que se tornam necessárias e de modo impre-visível para o grupo;

ESTILOS DE LIDERANÇA: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA E LIBERAL

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O líder determina qual a tarefa que cada um deve executar e qual o seu com-panheiro de trabalho;

O líder é Dominador e é “pessoal” nos elogios e nas críticas ao trabalho de cada membro, etc.

Liderança Democrática

As diretrizes são debatidas pelo grupo, estimulado e assistido pelo líder;

O próprio grupo esboça as providências e as técnicas para atingir o alvo so-licitando aconselhamento técnico ao líder quando necessário, passando este a sugerir duas ou mais alternativas para o grupo escolher. As tarefas ganham nova perspectivas com os debates;

A divisão das tarefas fica a critério do próprio grupo e cada membro tem liberdade de escolher seus companheiros de trabalho;

O líder procura ser um membro normal do grupo, em espírito, sem encarre-gar-se muito de tarefas.

O líder é “objetivo” e limita-se aos “fatos” em suas críticas e elogios.

Liderança Liberal

Há liberdade completa para as decisões grupais ou individuais, com partici-pação mínima do líder;

Tanto a divisão das tarefas, como a escolha dos companheiros, fica total-mente a cargo do grupo.

Absoluta falta de participação do líder;

O líder não faz nenhuma tentativa de avaliar ou de regular o curso dos acon-tecimentos;

O líder somente faz comentários irregulares sobre as atividades dos mem-bros quando perguntado.

Segundo POSSI (2006, p.4-5), White e Lippitt que fizeram um estudo em 1939 para verificar o impacto causado por esses três diferentes estilos de liderança em meninos de dez anos, orientados para a execução de tarefas. Os meninos foram divididos em quatro grupos e, de seis semanas, a direção de cada grupo era desenvolvida pôr líderes que utilizavam três estilos diferentes: a liderança autocrática, a liderança liberal (laissez-faire) e a liderança democrática.

As conclusões da pesquisa foram espantosas, pois os meninos se comporta-ram conforme as “exigências” de cada grupo. Em suma os resultados foram

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os seguintes. As crianças expostas ao LÍDER AUTOCRÁTICO demonstraram forte tensão e frustração. Além disso, a agressividade do grupo foi aumenta-da assustadoramente. As crianças do grupo não formaram grupos de amizade e nem tinham iniciativa para nada. Na execução das tarefas, não demonstram satisfação e o trabalho só era exercido se o líder estivesse presente junto ao grupo, quando o mesmo se ausentava as atividades cessavam e as crianças do grupo expandiam seus sentimentos reprimidos, tendo explosões de indisci-plina e de agressividade.

Com as crianças do grupo de LIDERANÇA DEMOCRÁTICA, a experiência já foi bem melhor. Houve um bom relacionamento entre as crianças e o líder, além da formação de grupos de amizade e relacionamentos. As crianças se mostraram mais responsáveis, exercendo suas atividades mesmo na ausência de seu líder. O trabalho teve um ritmo mais suave e seguro.

Muito diferente do grupo anterior, as crianças que estavam na presença de um LÍDER LIBERAL, o grupo teve uma atividade intensa, porém sua produção foi baixíssima. Houve muita perda de tempo e discussões, e a maioria voltada para motivos pessoas, ou seja, nada relacionado ao trabalho em si. Por esse motivo as poucas tarefas desenvolvidas eram feitas ao acaso. Pode-se notar no grupo um agressivo individualismo e pouquíssimo respeito em relação ao líder.

Com essas conclusões, pode-se observar que a liderança é uma influência interpessoal. Nesse caso, a influência nada mais é que a força psicológica que uma pessoa exerce sobre outra. Isso faz com que o indivíduo (liderado) modi-fique seu comportamento seguindo orientações e exigências de seu líder.

Geralmente os líderes utilizam de poder, influência e autoridade para con-seguirem persuadir pessoas ou até mesmo grupos a realizar as atividades con-forme seu desejo ou necessidade. Desta forma uma liderança social é aquele que influencia o outro, individuo ou coletivo para ação em prol destes.

Em muitos casos de estudos a respeito de liderança no âmbito organiza-cional, a abordagem psicológica para a compreensão desse conceito é a mais utilizada sendo que a mesma contribui para a definição de perfis, intenções e percepções. Por outro lado, emerge as contribuições do campo da sociologia, a qual procura focalizar o estudo das relações sociais como referência para a

ESTILOS DE LIDERANÇA: AUTOCRÁTICA, DEMOCRÁTICA E LIBERAL

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explicação desse fenômeno. Na abordagem sociológica importa considerar as ações dos atores envolvidos, buscando-se compreender os valores, sentidos e finalidades que motivam a ação. Essa análise está vinculada à perspectiva da tradição weberiana, inscrita na sociologia compreensiva, sendo que a mesma procura mapear as relações entre causas e efeitos contidos nas ações perpet-radas por seus atores e os fatores condicionantes de determinada ação social.

Sob essa perspectiva, portanto, o termo liderança é compreendido como um fenômeno que pode ser delimitado conceitualmente, determinando-se que ti-pos de relações sociais podem ser considerados como expressão de liderança.

É preciso, no entanto, fazer uma diferenciação quanto ao conceito de domi-nação, que muitas vezes é confundido com o de liderança, em atos, por ex-emplo, de obediência irrestrita de um ator em relação ao outro. Nos princí-pios propostos por Weber, a dominação como expressão do fenômeno de liderança determina que o ator objeto da ação social deve legitimar o ato de obediência. Desse modo, entende-se que, por vezes, atos considerados como expressão de liderança, na verdade concretizam ações pelo uso da força (co-erção) e da aplicação de regulamentos para imposição da vontade de um ator sobre o outro (comando).

Como vimos no tópico anterior, o centro da discussão sobre liderança es-tava direcionado basicamente para o entendimento da figura do líder, que é o cerne das teorias organizacionais clássicas. Portanto nesse tópico, a partir da perspectiva teórico-metodológica do sociólogo Max Weber, a discussão sobre o tema liderança se construirá no plano dos fenômenos culturais, envolvendo organizações e sociedade, além de se considerar os fatores que condicionam a ação individual.

Em suas pesquisas sobre dominação, Weber procurou diferenciar a autori-dade formal da liderança, podendo as características que distinguem esses dois conceitos serem resumidas no seguinte quadro:

Autoridade Formal

Baseia-se em normas

Pertence ao cargo e não ao indivíduo

É permanente, enquanto o cargo existir

Liderança

Baseia-se na aceitação pelos outros

Limitada ao grupo social dentro do qual o líder exerce influência

É efêmera, enquanto persistir a sinto-nia entre líder e seguidores

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Tipos de autoridades na perspectiva weberiana

Por José Henrique de Faria e Francis Kanashiro Meneghetti

a. A autoridade tradicional é quando uma pessoa ou grupo social obe-dece a um outro porque tal obediência é proveniente do hábito herdado das gerações anteriores.

A tradição é extrínseca ao líder. A autoridade tradicional não anula a pre-sença de outras, tais como as habilidades pessoais;

b. A autoridade carismática é proveniente das características pessoais dos indivíduos.Sua base de legitimação é a devoção dos seguidores à ima-gem dos grandes líderes religiosos, sociais ou políticos. Portanto, a idéia de carisma está associada às qualidades pessoais e à posição organiza-cional ou às tradições. O carisma é, em muitos casos, a base explicativa de autoridades informais nas organizações;

c. A autoridade racional-legal ou burocrática é a principal base da au-toridade no mundo contemporâneo. Apesar das modernas organizações

Entende-se, que a autoridade formal é inerente ao cargo, ou seja, sua config-uração se dá em virtude da posição ocupada, como, por exemplo, um diretor de escola, um secretário de governo. A liderança, por sua vez, emerge como expressão de habilidades, interesses e comportamentos que são exercidos pelo líder e aceitos e reconhecidos pelos liderados. Logo, o que determina a origem da autoridade formal é o cargo ocupado, enquanto a fonte que origina a liderança nasce da aceitação de uma pessoa como líder por parte de seus se-guidores.

Desse modo, é possível estabelecer que o exercício da autoridade formal esteja restrito às funções e responsabilidades do cargo, que são fixadas por normas or-ganizacionais. O exercício da liderança, por sua vez, é amplo, ainda que restrito ao grupo social em que a liderança é exercida, e esse exercício compreende as relações entre o líder e seus seguidores.

De acordo com as proposições de Max Weber, a ação social que se estabelece entre os indivíduos em relação à ordem e o comando (autoridade) pode ser mo-tivada pela tradição, pelo carisma e pela burocracia. Vejamos abaixo como cada tipo de autoridade pode ser expressa:

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No campo dos estudos organizacionais, podem ser identificadas, ainda, a autoridade estabelecida pelas relações pessoais e a autoridade estabelecida pela competência técnica. No primeiro caso, a autoridade pela relação pes-soal é considerada aquela na qual as relações estabelecidas entre os indivídu-os se dão por intermédio dos vínculos sociais – amizade, relacionamento com pessoas importantes, etc. No segundo tipo, o que delineia a autoridade por competência técnica é a influência no comportamento alheio por conta da superioridade do líder no plano do conhecimento. Ou seja, o reconhecimento dos líderes por seus seguidores está pautado no domínio de competências e conhecimentos considerados superiores. Essas duas formas citadas não são excludentes, sendo por vezes complementares uma a outra.

Em corporações, empresas, e diversas instâncias sociais, o cumprimento de objetivos pode ser impulsionado pela aliança entre a atuação da liderança e da autoridade geral. Porém, é preciso ter cuidado com o processo de racion-alização que ocorre nas organizações, que podem desvirtuar essas atuações e gerar o uso inadequado ou excessivas de autoridade. O domínio da burocracia e do uso da ténica nas estruturas organizacionais contribuem para que nem sempre a constituição da autoridade seja reconhecida por parte daqueles que recebem o novo líder. Portanto, segunto a concepção de Weber, o exercício da liderança é equivalente ao exercício da autoridade, o que em termos gerais poderia ser descrito como a arte de “influenciar positivamente as pessoas”, ou seja, fazer com que suas ideias sejam aceitas e reconhecidas de boa von-tade. Nessa dinâmica, o reconhecimento das ideias do líder se dá porque tais ideias são consideradas boas, e, consequentemente, canais para a promoção melhores do próprio crescimento e desenvolvimento profissional.

formais (Estado, organizações públicas e privadas, etc.) procurarem tratar a liderança como um atributo de cargos específicos, que deve ser legitima-mente aceita pelos indivíduos, a hierarquia em uma organização tem como um dos objetivos emprestar aos ocupantes dos cargos o direito de tomar decisões e de se fazer obedecido, dentro de uma divisão pré-estabelecida e aceita de antemão. A autoridade burocrática, desta forma, é extrínseca à figura do líder. Ela é de caráter temporário e pertence ao cargo da pessoa que ocupa. A autoridade formal legitima o uso da “força”. A necessidade de manter a ordem e estabilidade depende da delegação da autoridade burocrática.

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A liderança, portanto, é um atributo não apenas individual, mas substancial-mente coletivo também. Nesse entendimento, é preciso considerar que as mudanças internas e externas tem caráter histórico e dialético, o que motiva a das mudanças internas e externas o que motiva a positiva ou negativamente a aceitação e legitimidade da figura do líder, representado por uma pessoa, um grupo ou uma organização. Assim, o fenômeno de liderança pode se mani-festar através da delegação de autoridade ou se constituir por intermédio de atributos reais ou simbólicos, os quais tem como foco atingir objetivos tanto individuais quanto coletivos que podem ser imaginários e/ou concretos (de natureza econômica, jurídica, política, ideológica e social).

Em essência, o que diferencia a liderança de uma simples autoridade ou de uma ação carismática é uma práticas balizadas em princípios democráticos, emancipatórios e esclarecedores. Tal prática deve ser dirigida sempre a inter-esses de uma ética da e pela coletividade. Portanto, a prática e construção da liderança não deve perder do horizonte que as capacidades próprias precisam estar alinhadas com as capacidades coletivas. O papel de liderança não é um atributo fixo. Por isso, o líder precisa promover um contínuo trabalho de ma-nutenção de legitimação perante os integrantes que compõem a coletividade que o reconhece.

• “No interior de uma classe social (numa fração ou segmento), categoria social ou grupos formais ou informais (social e politicamente organiza-dos)”

• “Entre classes (frações ou segmentos) categorias ou grupos sociais”

• “No interior de organizações e entre organizações.”

Em resumo, é possível entender o conceito de liderança como uma manifes-tação que tem caráter psicológico, social e político. Essa manifestação pode ser identificada nos seguintes âmbitos, conforme descrito no quadro abaixo por José Henrique de Faria e Francis Kanashiro Meneghetti (2011):

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

FARIA, José Henrique de. & MENEGHETT, Francis Kanashiro. Liderançae Organizações. Revista de Psicologia. ISSN 2179-1740. vol. II. n. 2. jul-dez 2011. Disponível em: http://www.re-vistapsicologia.ufc.br/index.php?option=com_content&id=93%3Alideranca-eorganizacoes& Itemid=54&lang=pt

POSSI, Marcus. Gerenciamentoprojetos guia do profissional: aspectos humanos e interpes-soais. Volume 2. Rio de Janeiro: Brasport, 2006.

Site Instituto IDIS – Instituto para do Desenvolvimento Social http://www.priberam.pt/dlpo/lider

Bibliografia

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CAPÍTULO 4

O QUE É CONTROLE SOCIAL?

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O Controle Social é uma forma de compartilhar o poder de decisão do Esta-do com a sociedade civil (aquela formada pelo conjunto dos cidadãos) sobre as políticas públicas. Essa intervenção ocorre quando a sociedade interage com o Estado na definição de prioridades e na elaboração de planos de ação nos três níveis de esfera governamental (Município, Estado e União).

Desde os anos 1970 os movimentos sociais brasileiros atuam como mecan-ismos de controle social, pois surgiram como meio de rompimento ao autori-tarismo, forma de governo altamente centralizada e hierárquica imposta pelo regime militar. Portanto, o tema do controle social foi ganhando cada vez mais importância e abrangência em nosso país a partir dos anos 1980. A noção está presente em vários artigos da Constituição Federal (artigos 1, 14, 204, entre outros), está expresso em leis federais como a Lei Orgânica da Saúde, a Lei Orgânica da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Cidade, para citar alguns. O Controle Social pode ser realizado enquanto caráter fiscalizador, acompanhando e avaliando as condições de gestão e execução das ações e aplicação dos recursos financeiros destinados a implementação de políticas públicas destinadas a melhorar as condições de vida da população, mas também como formulador de políticas.

Geralmente o exercício do Controle Social acontece em espaços de diálogo e deliberação entre representantes do governo e sociedade civil, como por exemplo: Conferências, Conselhos de Políticas Públicas e nos Orçamentos Participativos. Existem, ainda, espaços autônomos onde as propostas a serem apresentadas ao governo são discutidas, podemos citar as associações, movi-mentos, fóruns, ONGs. Muitas vezes, espaços de participação dos cidadãos para exercitar o controle social (ou da sociedade) sobre políticas públicas (de governo e/ou de Estado) são híbridos, quer dizer, não são só de governo, nem são só da sociedade. É o caso dos conselhos, como o Conselho de Desenvolvi-mento Econômico e Social (CDES) instalado pelo governo federal ou os 30 mil conselhos de gestão pública (saúde, educação, assistência social, direitos da mulher, LGBT, juventude, criança e adolescente e outros) que existem no Brasil.

Neste cenário o(a) cidadão(ã) pode tornar-se ativo e propositivo numa relação direta entre cidadão e Estado, que deve incluir desde a troca de infor-mações, debates, deliberações e/ou intervenções sobre as ações de governo. Não significa defender apenas interesses corporativos de um grupo especí-fico, mas avançar para um projeto que busque a garantia de direitos e a equi-dade para todos. Neste sentido, o grande desafio é vencer a exclusão e as desigualdades.

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No Brasil, a maioria dos mecanismos de participação (alguns, de controle social, mas não a maioria) está instalada no Poder Executivo. Uns poucos se encontram no Poder Legislativo, como as comissões de legislatura participa-tiva que acolhe propostas da sociedade civil para criação de leis. Mas nenhum conselho criado no âmbito do Executivo (como os conselhos de saúde, para citar um deles) interfere no poder do Legislativo. Isto significa que o Poder Legislativo (as Câmara Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional) continua com suas prerrogativas de sempre. Um exemplo concreto é o orçamento participativo (OP). A população define as obras e serviços a serem inscritos no orçamento do próximo ano. As plenárias do OP decidem e o Executivo as encampa na proposta que envia para o Legislativo. Não basta, portanto, as plenárias do OP decidirem e o Executivo encampá-las e enviá-las para o Legislativo. O poder de votar e decidir se as propostas serão efetiva-mente incorporadas no orçamento do ano seguinte continua nas mãos dos vereadores, dos deputados e senadores.

O efetivo exercício do Controle Social depende da capacidade dos movimen-tos, organizações (associações de bairro, ongs e outras), fóruns, grupos e out-ros atores sociais em debater as políticas públicas, transformando a realidade, buscando a garantia de direitos. Os cidadãos, para exercer o controle social, possuem ainda instâncias que estão à disposição para fazer valer os direitos como é o caso do Ministério Público que possui um amplo poder fiscalizador das ações do poder público.

Para que o Controle Social seja exercido com qualidade, é necessário que os representantes da sociedade civil tenham entendimento sobre as políticas públicas a serem discutidas e das prioridades da comunidade para exercer seu caráter prepositivo.

Em nossa legislação, além das leis já indicadas aqui, temos uma série de gar-antias e instrumentos de Controle Social como o acesso às informações (com linguagem clara e de fácil interpretação) necessárias para efetivar suas ações e, em alguns municípios, temos um arcabouço legal específico, como leis de responsabilidade social.

CONTROLE SOCIAL COMO EMPODERAMENTO SOCIALO conceito de controle social, como se percebe, sugere a ampliação do

poder do cidadão. Alguns autores denominam este aumento de poder de em-poderamento social. Na Agenda 21 do Brasil, proposta de desenvolvimento sustentável que foi elaborada por diversos países a partir do encontro da ONU realizado no Rio de Janeiro conhecido como ECO-92, encontra-se este princí-

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pio como um dos que norteiam políticas de sustentabilidade. São cinco princí-pios que estão inscritos neste pacto pelo desenvolvimento:

• Promoção do empoderamento social

• Desenvolvimento sustentável

• Combate às desigualdades sociais e regionais

• Participação e controle social

• Transparência e clareza nas informações

Um dos autores mais citados na vinculação do conceito de Controle Social ao de empoderamento social é Sherry Arnstein. Arnstein foi diretora de estu-dos sobre desenvolvimento comunitário do instituto de pesquisa The Com-mons (Washington, EUA) e atuou como consultora do Comitê Presidencial em Delinquência Juvenil, além de editora da revista Current Magazine.

Em julho de 1969, Arnstein publicou um importante ensaio no AIP Journal cujo títul era “A Ladder of Citizen Participation”2 que, numa tradução livre, seria “a escala da participação cidadã”.

A escala que a autora apresenta pode ser visualizada a seguir:

28%D

PoderCidadão

controle

delegação

parceria

formalismo

apaziguar

consulta

informação

nãoparticipação

terapia

manipulação

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Sinteticamente, o que Arnstein sugere é que o controle social não se con-funde com reuniões ou eventos que objetivam divulgar ou prestar contas so-bre ações de um órgão ou governo.

Tampouco se confundem com ações de consulta à uma determinada popu-lação.

A participação cidadã ocorre, segundo a autora, quando as conclusões de uma reunião entre quem tem poder e os cidadãos são controladas e decididas pelos cidadãos. Toda vez que a decisão final fica nas mãos de quem convidou os cidadãos para um evento, o que estará ocorrendo é consulta, não partici-pação.

Assim, participação cidadã ocorre quando a decisão é compartilhada (gov-erno e cidadãos). Mas no topo da escala de Arnstein aparece o conceito de controle social. Ao explicitar o que seria este conceito, a autora sugere:

Embora ninguém num país tenha o controle absoluto, é muito importante que a retórica não seja confundido com a intenção. O cidadãos simplesmente exigem um grau de poder (ou controle) que garanta que os participantes ou residentes numa localidade governem um programa em toda sua extensão, incluindo aspectos gerenciais, e ter a capacidade de negociar as condições para alterá-la. Uma organização de bairro sem intermediários entre ela e a fonte de recursos é o modelo mais defendido3.

Há inúmeras experiências no Brasil que caminharam nesta direção. Como ilustração, destacamos o processo de negociação entre a Eletrosul (concessionária de energia elétrica da região sul do país) com o CRAB (Comissão Regional de Atingidos por Bar-ragens), quando do reassentamento de famílias rurais em função da construção de uma hidrelétrica no Paraná (entre 1987 e 1991). Abaixo, reproduzimos passagem de uma das atas de acordo firmado entre as partes:

3 ARNSTEIN, Sherry. A Ladder of Citizen Participation, op. cit, p. 223.

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A passagem revela parte de um instigante processo de construção do con-trole social das populações rurais atingidas pela construção de uma hidrelétri-ca sobre a política governamental de seu reassentamento. A organização que representou e negociou o que daria lugar a um processo de cogestão (e até autogestão) da política de reassentamento foi o CRAB. Esta era a sigla original do que hoje se denomina MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) uma das mais poderosas organizações do meio rural brasileiro.

O CRAB desenvolveu, a partir de 1986, uma das experiências mais inovado-ras de gestão de reassentamentos rurais do País, tendo como base um acordo estabelecido com o então Ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves, que possibilitou a administração conjunta entre a organização das populações desapropriadas para construção de hidrelétricas e agências estatais para efe-tivação do reassentamento dessas populações. Nascia uma autonomia de gestão de amplos territórios nunca antes conquistada por movimentos soci-ais brasileiros. O movimento que, em sua origem, tinha como base territorial a região que compreendia as hidrelétricas de Itá e Machadinho (RS), expandiu sua área de influência para o Paraná, a partir da mobilização ao redor do reas-sentamento das populações rurais atingidas pela construção das hidrelétricas de Mangueirinha, Segredo e Salto Caxias. A experiência de Mangueirinha e Salto Caxias – objeto da passagem do acordo reproduzido acima - será o ápice

TEMA: PROJETO DE REASSENTAMENTO DE MARMELEIRO

26/09/88 - Discussão sobre segurança da área. Será mantido o antigo capataz.25/10/88 - Apresentado o projeto de reassentamento.01/12/88 - Discussão sobre benfeitorias e proposta de metragem das habitações. Sem consenso.20/03/89 - Discutidas as vias de acesso e estradas. Discutido os casos de declive que podem prejudicar escoamento da produção agrícola. Começo da análise sobre salão comunitário e campo de bocha, construção de silo e armazém. Definido o projeto da FUNDEPAR para construção da escola. Aprovado o estudo para construção de capela ecumênica.22/03/89 - Definido o início de visitas à nova área. Famílias deverão definir a posição das casas e benfeitorias.07/04/89 - CRAB apresenta projeto de silo, com custos reduzidos, sugerindo as seguintes opções: a) ELETROSUL constrói o silo com secador; b) repassa valores atualizados. Todas as famílias estarão residindo na nova área até 15/09/89. Até o período de mudança, a área deverá garantir: casa, acesso aos lotes, solo preparado para plantio, água, energia elétrica.10/09/89 - CRAB solicita à ELETROSUL o fornecimento de madeira, tinta e ajuda financeira para pagar mão-de-obra na construção das casas.18/09/89 - O tratamento da terra será refeito, bem como os terraços nos lotes alagados. Será necessário uso de herbicida em algumas áreas.

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Dicionário da Gestão Democrática - Conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores participativos, Belo Horizonte/São Paulo: Editora Autêntica/Instituto Cul-tiva/Escola de Governo da USP, 2010

ALBUQUERQUE, Ângela. O papel dos Conselhos na administração pública: democratização da gestão, fiscalização e responsabilidade. Revista eletrônica de gestão, v. 3, 2006. Disponív-el em: <http://www.revistaadm.mcampos.br/EDICOES/artigos/2006volume3/angelalbuquer-quepapeldosconselhosnaadministracao.pdf >. Acesso em: 18 ago. 2014.

REPENTE. Participação Popular na construção do Poder Local. Controle Social das políticas públicas. Polis. Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, n. 29, ago. 2008. Disponível em: <www.polis.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2014.

RICCI, Rudá. Fuga para o Futuro: Novos Movimentos Sociais Rurais e a concepção de Gestão Pública, tese de dourotamento, Unicamp, 2002. Disponível em http://www.bibli-otecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000240620 SERAFIM, Lizandra. Instituto Polis. Controle Social: que caminhos?. Disponível em:<www.polis.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2014.

Bibliografia

da capacidade de autogestão dos territórios de reassentamento, quando o MAB passa a administrar a instalação de galpões, construção de casas e toda infraestrutura do reassentamento.

O conceito de controle social, portanto, não é teórico. Tem raízes nas organ-izações populares brasileiras e fazem parte dos estudos sobre gestão pública desde os anos 1980.

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CAPÍTULO 5

CIDADANIA CONECTADA: O TRABALHO EM REDE

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Rede social não é nenhum fenômeno recente. As interações entre pes-soas, grupos e organizações sociais sempre se organizaram numa espécie de “malha interativa”... numa rede de relações, sentidos, significados, práticas e ações que as interligam e as conectam de variadas formas. Você, certamente, já deve ter vivido uma sensação de “mundo pequeno”. Essa sensação nada mais é do que uma impressão de que estamos sempre nos deparando com pessoas e situações familiares, ainda que vivamos numa grande cidade. Quan-do nos damos conta de que nossos amigos são amigos de outros amigos, te-mos a impressão de estar num mundo menor do que realmente é. Leia o texto do box, a seguir:

SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO Por Alessandro GrecoO fenômeno do mundo pequeno está presente não apenas na rede social humana,

mas também em outras estruturas construídas pelo homem e pela natureza. A ideia de que você está a seis apertos de mão ou menos do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ou de qualquer outra pessoa, ficou famosa na década de 1990 quando o dramaturgo americano John Guare escreveu a peça “Seis Graus de Separação”, que três anos depois se tornaria o filme de mesmo nome com Will Smith e Donald Suther-land.

O conceito, no entanto, é bem anterior à década de 1990. Tem quase meio século. Foi desenvolvido pelo psicólogo social americano Stanley Milgram que publicou em 1967 um artigo no qual afirmava que estamos todos a seis ou menos graus de sepa-ração de qualquer pessoa do planeta. Nele, Milgram descrevia um experimento feito por ele mesmo na década de 1960 no qual pediu a voluntários das cidades de Omaha (Nebraska) e Wichita (Kansas) que enviassem uma correspondência para um morador específico de Boston (Massachusetts) – todas cidades nos Estados Unidos. O detalhe é que os voluntários não poderiam enviar diretamente a carta, mas por meio de ami-gos e contatos que pudessem ajudar na entrega da carta ao destinatário final em Bos-ton. Ao final do experimento, Milgram fez o cálculo de quantos intermediários foram necessários em média para que a carta chegasse ao seu destino. A conclusão foi seis.

Apesar de todo o frisson em torno da ideia após o filme, pouca pesquisa foi feita na área até o final da década de 1990 quando Duncan Watts, então na Universidade de Columbia, e Steven Strogatz, da Universidade de Cornell, ambas nos Estados Unidos, mostraram que o fenômeno dos graus de separação, conhecido entre os cientistas como “fenômeno do mundo pequeno”, está presente não apenas na rede de relações humanas analisada por Milgram, mas também em outras redes criadas por humanos (exemplo: rede elétrica) e em redes naturais (a rede de neurônios do C. elegans, um verme muito usado em pesquisa científica). Mais recentemente pesquisadores mos-traram que o Facebook e o Twitter não ficam de fora dessa história. No primeiro, as pessoas estão em média a seis graus uma da outra e no segundo a quatro.

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O efeito “mundo pequeno” é uma das principais evidências da rede so-cial. Ele demonstra, conforme argumenta o sociólogo Norbert Elias (1994), que a interdependência entre indivíduos e grupos caracteriza a natureza das relações sociais e faz com que cada um de nós esteja interconectado com mil-hares de pessoas, grupos e instituições. Assim, ao falarmos de rede, estamos acentuando, mais do que um modelo organizativo, um elemento fundamental das relações humanas.

Observe as imagens a seguir:

A primeira delas representa a Avenida 25 de Março, na capital de São Paulo, maior centro de comércio popular do país. A princípio, tendemos a pensar que a única experiência que as pessoas dessa multidão compartilham é o de-sejo e a necessidade de comprar. Mas elas têm padrões de comportamento e interação. Compartilham sentidos, compreendem significados, e, não raro, encontram aqui e acolá, algum vizinho, alguma amiga, um parente ou colega de trabalho. Apesar de aparentarem ser um amontoado de pessoas, cada uma delas está interligada por canais de comunicação, por linguagens, por insti-tuições comuns, por espaços virtuais e reais compartilhados. Várias dessas pessoas acompanham a mesma emissora de TV. A maioria delas, talvez, seja

Imagem 1 Imagem 2

O fato é: não importa se são três, quatro, cinco ou seis. O mundo é pequeno, muito pequeno.

Disponível em: http://www.bayerjovens.com.br/pt/colunas/coluna/?materia=seis-graus-de-

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membro de alguma rede social virtual. Elas estão imersas e, portanto, conec-tadas, em redes.

Ao observar a segunda imagem, veremos a força e importância que têm as redes emnossas vidas. A imagem é uma fotografia de uma das manifestações políticas de rua que se desenvolveram em junho de 2013 no Brasil. E, apesar da diversidade das bandeiras e protestos dessas manifestações, elas só ac-onteceram pela força que as redes têm de mobilizar e sensibilizar pessoas e grupos. E não estamos falando apenas do Facebook. Essa ferramenta virtual de fomento e mobilização de redes sociais foi de extrema importância para as “Jornadas de Junho”, mas junto delas vislumbramos outras redes sociais que já vêm atuando no cenário político do país, buscando transformá-lo. Agremi-ações estudantis, coletivos que visam democratizar o acesso à cidade, movi-mentos de mulheres, movimentos de luta racial, grupos religiosos, sindicatos, partidos políticos, organizações comunitárias e outros coletivos constituem uma rede social de luta e enfrentamento aos problemas que afligem o país. A atuação e eficácia desses grupos, como no caso das Jornadas de Junho, só podem acontecer porque interagimos entre nós, multiplicamos informações entre os pares, sensibilizamos pessoas próximas, que sensibilizam outras, e outras...

Nós vivemos em rede!!!

AFINAL, O QUE SÃO REDES?A ideia de rede tem sido amplamente utilizada no campo científico e das

políticas sociais para a construção de alternativas de ação e resolução de prob-lemas comuns. Por ter sido absorvido por um campo heterogêneo de saberes, este conceito é utilizado, muitas vezes, de forma genérica, sendo aplicado a realidades distintas. Seu caráter polissêmico exige que nós remontemos e or-ganizemos algumas ideias e apontamentos da literatura para definirmos com clareza o que chamaremos aqui de rede. A seguir, algumas definições de rede disponíveis na literatura sobre o tema:

ALGUMAS DEFINIÇÕES DE REDE

Para Sônia Fleury (2005)

Estruturas policêntricas, envolvendo diferentes atores, organizações ou nódu-los, vinculados entre si a partir do estabelecimento e manutenção de objetivos comuns e de uma dinâmica gerencial compatível e adequada.

Para Regina Maria Marteleto (2001)

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Podemos compreender a rede como uma complexa malha de relações es-tabelecidas. Do ponto de vista morfológico, ou seja, de sua estrutura, a rede possui apenas dois elementos: os nodos e as conexões. Os nodos represen-tam cada um dos integrantes de uma rede, seja uma pessoa, um grupo e/ou organização. No caso de uma rede de associações comunitárias, cada uma dessas associações representa o que chamamos de nodos. Temos redes de escolas, quando os nodos são escolas. Temos redes de pessoas, quando os no-dos são pessoas. Temos redes de empresas, quando os nodos são empresas. (Martinho, 2011). É importante lembrar que existem redes muito complexas, em que os nodos podem ser de natureza e características distintas. Uma rede de proteção social local, por exemplo, reúne “nodos” diversificados como es-colas, grupos culturais, igrejas, centros de saúde, etc. A rede de enfrentamen-to ao racismo reúne pessoas, grupos culturais, instituições públicas, ONGs e outros atores sociais.

Numa representação gráfica, os nodos são representados por pontos, assim como demonstra a figura a seguir:

• Sistema de nodos e elos

• Estrutura sem fronteiras

• Uma comunidade não geográfica

• Um sistema de apoio ou um sistema físico que se pareça com uma árvore ou uma rede.

Para Cássio Martinho (2003)

Sistemas, estruturas ou desenho organizacionais, caracterizados por uma grande quantidade de elementos (pessoas, pontos de venda, entidades, equipamentos) dispersos espacialmente e que mantêm alguma ligação entre si.

Para Ilse Sherer-Warren (2011)

Comunidades de sentido construídas histórica ou voluntariamente em torno de afinidades/identificações ou objetivos comuns relacionados a uma causa, que serão os fios da rede. Por sua vez, esses fios são conectados entre si através dos elos da rede, que são os indivíduos e/ou organizações participantes dessa relação sociocomunitária.

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Já as linhas representadas nos diagramas são conexões. As conexões são um conjunto de relações e interações estabelecidas entre cada um dos no-dos. Numa rede de enfrentamento a violência contra a mulher, por exemplo, poderemos ter conexões entre equipamentos, serviços e grupos societários, de natureza administrativa, política, cultural, jurídica, etc. Os nodos e suas conexões, em movimento, dão vida a uma rede e, no caso de uma rede social, teremos sempre o envolvimento de pessoas concretas, ainda que associadas ou institucionalizadas.

TIPOS DE REDE: REDES SOCIAIS, COLETIVOS EM REDES E REDES DE MOVI-MENTOS SOCIAIS

A sociedade civil articula-se a partir de três tipos principais de redes:

Redes sociais

Em sentido genérico, referem-se a comunidades de sentido construídas históri-ca ou voluntariamente em torno de afinidades/identificações, que serão os fios da rede. Por sua vez, esses fios são conectados entre si através dos elos da rede, que são os indivíduos e/ou organizações participantes dessa relação sociocomu-nitária. Tradicionalmente, temos as redes de parentesco, redes de amizade, redes comunitárias variadas (religiosas, recreativas, associativismo civil, etc.), com elos espacialmente próximos e com maior visibilidade interpessoal e permanência temporal. Na contemporaneidade, tornaram-se populares as redes sociais vir-tuais da internet, encurtando a distância espacial entre os elos, porém tornando-se mais efêmeras.

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Coletivos em rede

Referem-se a articulações entre organizações empiricamente localizáveis ou referenciadas em torno de metas em comum, que visam difundir informações, buscar apoios solidários ou desenvolver estratégias de ação conjunta (p. ex., ONGs ou associações participantes do Fórum da Criança e Adolescente). Esses coletivos podem transformar-se em segmentos ou subsegmentos de uma rede mais ampla de um movimento social propriamente dito, que, por sua vez, uma rede de redes. Por exemplo, são coletivos em rede os sites online das ONGs antir-racistas, os fóruns presenciais da juventude negra, os grupos de reflexão étnico-racial, as associações civis de negras e negros, etc., os quais conectam militantes negros/as e simpatizantes. Esses coletivos são nodos de uma rede de redes, ou seja, são o que possibilita a formação do movimento negro enquanto movimento social. Entretanto, o movimento social deve ser definido como algo que vai além de uma mera conexão de coletivos, conforme abaixo.

Redes de movimentos sociais

São redes sociais complexas que, transcendendo organizações empiricamente delimitadas, conectam de forma simbólica, solidária e estratégica sujeitos individ-uais e atores coletivos, num processo dialógico que compreende três dimensões:

a) Construção de uma identidade comum (por exemplo, uma identidade negra para o movimento negro)

b) Definição de campos de conflito e mecanismos de discriminação, dominação ou exclusão definindo opositores ou antagonistas – no caso do Movimento Ne-gro, a denúncia do racismo possibilita visibilizar um conflitoe entre grupos sociais e nomear as discriminações e opressões que vivenciam a população negra..

c) Definição de propostas, objetivos ou projetos de enfrentamento, visando transformações sociais ou mudanças sistêmicas – fortalecimento da identidade negra, visibilização do racismo nas mídias, criação e aprovação de leis para inibir discriminações, remontar a memória da história da África etc.

Adaptado do texto de Ilse Scherer-Warren, “Redes da sociedade civil, advocacy e incidências possíveis”, pgs. 65-67.

AS REDES DE POLÍTICAS SOCIAISAs redes às quais uma pessoa se conecta são heterogêneas. Além das re-

des de sociabilidade pessoal que se entrecruzam no cotidiano escolar, temos conexões estabelecidas entre redes sindicais e trabalhistas, redes religiosas, redes políticas, redes culturais, etc. Uma dessas redes, de extrema importân-cia para o ativismo social é a rede de equipamentos e serviços que atuam na execução de políticas públicas e na garantia dos direitos da comunidade local.

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A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8069/1990 – e o Estatuto da Juventude representaram importantes avanços na história da atenção à infância e à juventude. A Constituição carac-terizou-se pela descentralização políticoadministrativa das políticas sociais: a cidadania como direito do cidadão e dever do Estado, financiamento público, controle social e organização de serviços sistemáticos e fundamentados em diagnósticos locais para atendimento às necessidades sociais.

O ECA, por sua vez, refletiu tais diretrizes, instituindo uma doutrina de pro-teção integral à criança e ao adolescente. No artigo 86, o Estatuto preconi-za que “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos estados e dos municípios”. Portanto, há um horizonte de integralidade que deve orientar os serviços e equipamentos de proteção social, os quais devem, portanto, trabalhar continuamente em rede.

A rede de políticas sociais é composta por escolas, por unidades de saúde, Centros de Referência da Assistência Social (CRAS ou Casa da Família), Cen-tros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS), de núcleos de conciliação e mediação de conflitos, equipamentos e equipes da política de segurança pública (as delegacias e as equipes policiais, por exemplo), serviços de média e alta complexidade da política de Assistência Social (serviço de acompanhamento a famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados, abrigos públicos, serviço de acompanhamento de adolescentes em cumpri-mento de medida socioeducativa), serviços de saúde mental substitutivos (Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, CAPS álcool e drogas, CAPS infan-tojuvenil), Conselhos Tutelares, Centros Culturais, Museus, Conselhos Locais (de saúde, de educação, de juventude, da mulher, etc), unidades de ensino infantil, etc.

A dinâmica dessas redes socioassistenciais, que têm sua atividade de “an-imação” na estrutura do Estado, permite que indivíduos, grupos e comuni-dades sejam acompanhados de forma integral. A integralidade, então, só pode ser garantida a partir de ações intersetoriais e transdisiciplinares.

Trabalhar numa perspectiva intersetorial é, mais do que encaminhar e ref-erenciar pessoas e grupos a outros serviços de uma rede, construir parcerias reais e canais de diálogo e comunicação com essa rede. O jovem que passa pelo centro de saúde é o mesmo que frequenta a escola e é o mesmo que pode ser acompanhado pelo CRAS. Estar em rede é ver além das fronteiras institucionais.

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

AS REDES COMUNITÁRIAS EM FOCO: MOBILIZAÇÃO SOCIALTratar de redes sociais no contexto da educação popular traz para o centro

dos debates a dimensão comunitária das experiências de cidadania. As pes-soas e os diversos grupos sociais lidam cotidianamente com questões relacio-nadas à ocupação do espaço público comum, ao associativismo, ao coopera-tivismo, as redes de sociabilidade territoriais, aos dilemas vivenciados pelos grupos familiares, ao enfrentamento de ações criminosas locais, à inserção de jovens em redes locais de proteção social, etc. Essas dinâmicas se desen-volvem no interior de uma malha de conexões que, compartilhando um ter-ritório específico e um modo de sociabilidade, conectam a realidade e os dile-mas individuais e familiares a outras redes relacionais e sociais.

A rede comunitária é o lócus da atuação de lideranças e representantes so-ciais. É dentro dela, e a partir dela, que outras redes sociais se estabelecem e se comunicam. Dentro de uma mesma comunidade, vemos atuando redes de proteção, redes assistenciais, redes de políticas públicas, redes de solidar-iedade religiosa, redes criminosas, redes de trabalho e aquisição de renda, redes comerciais, redes culturais, redes políticas. Todas elas influenciam pro-fundamente a vida cotidiana das pessoas, conectando desafios políticos a problemas sociais, articulando problemas de disciplina a dilemas familiares, costurando potenciais de ação pedagógica à saberes produzidos localmente.

A atuação de uma liderança comunitária e social visa transformar a reali-dade através da valorização do poder popular. Se pauta pelo fortalecimento de redes apoio mútuo, pela valorização do cotidiano de vida comunitário, pelo incentivo à participação social de indivíduos e grupos na resolução dos prob-lemas locais e pelo fomento a autogestão. Uma comunidade que se autoges-tiona tem maior capacidade critica frente aos problemas sociais e políticos vivenciados. Uma escola que participa do fomento a autogestão tem na co-munidade e na rede de proteção local uma parceria constante no trabalho cotidiano (Pereira, 2008).

Uma importante estratégia de intervenção comunitária, que considera a malha de redes que estabelecem em seu interior é a mobilização social. Mo-bilizar é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob um sentido e objetivo compartilhados. Participar ou não de um processo de mobilização social é um ato de escolha. Por isso dizemos “convocar” – a par-ticipação é um ato de liberdade. As pessoas são chamadas, mas participar ou não é uma decisão de cada um. Essa decisão depende essencialmente das

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PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA

pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar e construir mudanças. Convocar vontades significa convocar discursos, de-cisões e ações no sentido de um objetivo comum, para um ato de paixão que contamina todo o cotidiano.

Apresentamos quatro passos fundamentais para um processo de mobili-zação social:

Primeiro passo: a formulação do nosso objetivo comum

Esse é primeiro passo no planejamento de um processo de mobilização so-cial: a construção e explicitação do seu propósito. O propósito de quem mo-biliza deve ser expresso sob a forma de um horizonte atrativo, um imaginário “convocante” que sintetize de uma forma atraente e clara os objetivos que o grupo quer alcançar. Ele deve expressar o sentido e a finalidade da mo-bilização; deve tocar a emoção das pessoas – deve ser racional e capaz de despertar a paixão. Toda mobilização é para alguma coisa, para alcançar um objetivo pré-definido, um propósito comum, por isso é um ato de razão. Pres-supõe uma convicção coletiva de relevância, um sentido de público, daquilo que convém a todos. Para que ela seja útil, deve estar orientada para a con-strução de um projeto de futuro. Se o seu propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um processo de mobilização. A mobi-lização requer uma dedicação contínua e produz resultados cotidianamente.

Segundo passo: quem vamos mobilizar?

Um processo de mobilização social tem início quando uma pessoa, um grupo ou uma instituição decide iniciar um movimento no sentido de compartilhar um imaginário, um objetivo comum e o esforço para alcançá-lo. Assim, o se-gundo passo para as nossas atividades de mobilização é organizar o conheci-mento que a comunidade ou grupo possuem acerca do com quem vão atuar. É muito importante podermos identificar quem são e onde estão as pessoas e grupos que queremos mobilizar. Eles já se organizam? Se encontram ou atuam em alguma atividade ou projeto específico? Quais são esses projetos?

Terceiro passo: qual o nosso campo de atuação?

O terceiro passo para o processo de mobilização para a participação é ter o máximo de informações possíveis acerca do problema social para o qual vão mobilizar. Certamente, muitos líderes sociais já atuam na comunidade ou grupo social há vários anos. Conhecem a diversidade de atividades, atores sociais, redes... Mas é preciso atualizar e sistematizar esses conhecimentos para começarmos as atividades de mobilização. Essas informações ajudarão o grupo a planejar suas atividades. Além disso, possibilitará identificar possíveis parcerias dentro e fora da comunidade para que o trabalho seja potenciali-zado por outras atividades que já são realizadas.

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formação político-pedagógica de lideranças sociais e comunitárias

DINIZ, André, NOGUEIRA, Paulo & SARAIVA, Isabela. (2014). Educação em rede: a escola, as redes de políticas sociais e de enfrentamento ao racismo (Módulo VI). Curso de Atual-ização EJA e Juventude Viva. Belo Horizonte: Observatório da Juventude/UFMG, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/MEC.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Za-har, 1994. 201p

FLEURY, Sônia. Redes de políticas: novos desafios para a gestão pública. Administração em Diálogo, São Paulo, no 7, 2005, pp.77-89.

MARTELETO, Regina Maria. Análise de redes sociais: aplicação nos estudos de transferên-cia da informação. Ci Inf, Brasília, v.30, n.1, p71-81, jan/abr. 2001.

MARTINHO, Cássio. Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-or-ganização. Brasília: WWF, 2003. 91p.

MARTINHO, Cássio & FELIX, Cristiane (Orgs.). Vida em Rede: Conexões, relacionamentos e caminhos para uma nova sociedade. Barueri, SP: Instituto C&A, 2011.

PEREIRA, William César Castilho. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, mé-todo e prática. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Belo Horizonte: PUC Minas, 2008.

SCHEREN-WARREN, Ilse. Redes de sociedade civil: advocacy e incidências possíveis. In MARTINHO, Cássio & FELIX, Cristiane (Orgs.). Vida em Rede: Conexões, relacionamentos e caminhos para uma nova sociedade. Barueri, SP: Instituto C&A, 2011.

Bibliografia

Quarto passo: como vamos mobilizar?

O próximo passo é construir as formas como essa mobilização vai acontecer. Devemos ter em mente que a mobilização é um ato de comunicação... uma co-municação que considere a diversidade e seja estruturada tendo como ponto de partida o perfil da comunidade escolar que foi construído coletivamente no segundo passo da mobilização. A mobilização não se confunde com propa-ganda ou divulgação, mas exige ações de comunicação no seu sentido amplo, enquanto processo de compartilhamento de discursos, visões e informações.

A mobilização social para a participação é uma eficaz estratégia de fomentar e articular redes. Ela potencializa a construção de solidariedades, imaginários comuns e circuitos de apoio mútuo. É importante realizar ações de mobili-zação social no contexto comunitário, considerando as redes societárias e de serviços que dele fazem parte. A pesar de constituírem redes distintas, elas se entrecruzam e produzem conexões importantes no cotidiano das pessoas e de grupos sociais.

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Quem Somos

Instituto Cultiva

O Instituto Cultiva é uma organização não governamental criada em 2012. Seu objetivo é desenvolver programas e ações para formação para a cidada-nia e implantação de instrumentos e metodologias de controle social sobre políticas públicas. Tais objetivos se desmembram em vários programas e ações, tais como:

• Descentralização e reforma administrativa;

• Criação de conselhos de gestão pública e formação de conselheiros;

• Implantação de Escolas da Cidadania;

• Implantação de Orçamento Participativo Criança e Jovem;

• Formação técnica de gestores públicos;

• Reforma curricular e formação de professores;

• Implantação de Gestão em Rede

• Avaliação de condições de trabalho em redes de ensino e outros serviços públicos

• Implantação de sistemas de avaliação da população sobre gestão pública através de censos domiciliares mensais

• Implantação de sistemas de formação técnica à distância

@institutocultiva +55 (31) 9504-6556

Diteror Geral:Rudá RicciSecretária:Juliana Velasco

Revisão técnica e editoraçãoRudá RicciAndré DinizFranciele Alves da SilvaIlustrador:Alisson Bertelli

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