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Bahia Agríc., v.7, n.3, nov. 2006
*D.Sc. Prof. do CFT/UFP; e-mail: [email protected]**Eng. Agrônomo – PRONERA/INCRA; e-mail: [email protected]
Marcos Barros de Medeiros*Juliano da Silva Lopes**
A s modificações genéticas pelasquais as plantas cultivadas eos animais passaram, permiti-
ram adaptações em diferentes ambien-tes. Embora os avanços científicos e tec-nológicos tenham permitido enormesprogressos, o desenvolvimento da ativi-dade agrícola, pela própria natureza,perturba de alguma forma o meio am-biente em relação à sua situação natu-ral. São exemplos, os problemas gravesde deterioração dos solos, e a grandemultiplicação de “pragas e doenças”agrícolas.
Surgem nos diversos setores sociaisdiscussões em torno da “agricultura sus-tentável”. Nesta, o conceito de sustenta-bilidade não pode ter o aspecto estático,comumente implícito no tempo, pelosquais os sistemas agrícolas são consi-derados sustentáveis quando a produ-ção é pensada como fator isolado. Umconceito dinâmico é mais apropriadoe atende a evolução e ao desenvolvi-mento da sociedade. Muitas práticasagrícolas podem ter sido denominadassustentáveis no passado, ou mesmo nopresente, segundo as condições socioe-conômicas, edafoclimáticas e demaiscaracterísticas locais. Num conceitodinâmico, a sustentabilidade deve levarem conta as mudanças temporais nasnecessidades humanas, especialmenterelacionadas a uma população crescen-te, bem como uma adequada percep-ção da relação ambiental com a agricul-tura, salienta Paterniani (2001).
Surge então a necessidade de pro-mover estilos alternativos de agriculturaou a implementação de técnicas dentro
dos sistemas já existentes, no sentidode garantir a viabilidade agrícola sobseus diversos aspectos. Frente a essaproblemática, apresentam-se nestetrabalho, algumas considerações sobreo uso de biofertilizantes líquidos na agri-cultura, que vem mostrando bons resul-tados em algumas formulações já testa-das e que podem ser aplicadas de formaalternativa na proteção de plantas. Essaestratégia é indicada principalmentepara as pequenas propriedades, ondeos recursos financeiros e tecnológicossão escassos, aproveitando-se subpro-dutos da agropecuária que muitas vezessão descartados.
O que sãobiofertilizanteslíquidos
Os biofertilizantes possuem com-postos bioativos, resultantes da biodi-gestão de compostos orgânicos de ori-gem animal e vegetal. Em seu conteúdosão encontradas células vivas ou laten-tes de microrganismos de metabolismoaeróbico, anaeróbico e fermentação(bactérias, leveduras, algas e fungos fila-mentosos) e também metabólitos e que-latos organominerais em solutos aquo-so. Segundo Santos e Akiba (1996), osmetabólitos são compostos de proteí-nas, enzimas, antibióticos, vitaminas,toxinas, fenóis, ésteres e ácidos, in-clusive de ação fito-hormonal produ-zidos e liberados pelos microrganismos.
Biofertilizanteslíquidos e
sustentabilidadeagrícola
Resultadoscom uso debiofertilizantes
Os efeitos do biofertilizante nocontrole de pragas e doenças deplantas têm sido bem evidenciados.Efeitos fungistático, bacteriostático erepelente sobre insetos já foramconstatados. Santos e Sampaio (1993)verificaram uma propriedade coloidaldo biofertilizante que provoca a ade-rência do inseto sobre a superfície dotecido vegetal. Os autores destaca-ram também o efeito repelente e de-terrente de alimentação contra pul-gões e mosca-das-frutas. Medeiros etal. (2000b) verificaram que o bio-fertilizante a base de conteúdo derúmen bovino e composto orgânicoMicrogeo reduziram a fecundidade,período de oviposição e longevidadede fêmeas do ácaro-da-leprose doscitros, Brevipalpus phoenicis, quandopulverizado em diferentes concen-trações. O estudo comprovou que obiofertilizante agiu por contato diretoe residual e também funcionou deforma sistêmica na planta. Esses mes-mos autores comprovaram que estebiofertilizante agiu sinergicamentecom Bacillus thuringiensis e o fungoB. bassiana, reduzindo a viabilidadedos ovos e sobrevivência de larvas dobicho-furão-dos-citros (Ecdytolophaaurantiana).
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Bahia Agríc., v.7, n.3, nov. 2006
Processosenvolvidos naprodução debiofertilizantes
Não existe uma fórmula padrãopara a produção de biofertilizantes. Re-ceitas variadas vêm sendo testadas, uti-lizando-se componentes minerais parao enriquecimento do meio de cultivo.
O processo de fermentação é com-plexo e os microrganismos existentespassam quatro fases distintas de cresci-mento celular: latência, crescimentoexponencial, fase estacionária e mortecelular. Cada microrganismo partici-pante degrada alimento para outro, numarelação de interdependência mútua eharmônica e, assim, o processo de fer-mentação acaba sendo contínuo, desdeque seja alimentado com meio nutriti-vo, o que fundamentou o processo decompostagem líquida descrito abaixopor D´Andréa e Medeiros (2002).
Compostagemlíquida contínua(CLC)
Dimensionamento da produção:tanques podem ser utilizados paravolumes de até 1.000 l, caixas de fibro-cimento ou plásticas. Para volumesmaiores constrói-se diretamente nosolo, “piscinas” com as dimensões dovolume pretendido, e com a profun-didade máxima de 1 m, as quais sãorevestidas com lona plástica. A loca-lização do tanque deve ser em área en-
solarada, mantendo-o descoberto. Parao dimensionamento do volume dotanque, deverá ser considerado umconsumo diário máximo de 10% debiofertilizante, da sua capacidade.
CLC com usos de esterco e com-posto orgânico enriquecido: adiciona-seno tanque o esterco fresco de gado(inoculante), um composto orgânicoenriquecido com minerais (Ex.: Microgeo)e água (não clorada). No caso doMicrogeo, o preparo é feito nas seguintesproporções: 1,0 kg do composto/4,0 l deesterco/20,0 l de água (completando ovolume). Agitar duas vezes ao diamanualmente com um “rodo”, quetambém permitirá determinar a espes-sura da camada orgânica (biomassa)depositada no fundo do tanque, com oobjetivo de quantificar a reposição doesterco de gado no processo CLC.Iniciar o uso do biofertilizante comaproximadamente 15 dias após amistura inicial dos insumos.
Na manutenção da CLC, devem-secontabilizar diariamente os volumesde biofertilizante consumidos, repondoos insumos no tanque nas seguintesproporções:
a) reposição do composto orgâ-nico - para cada 30,0 a 40,0 l debiofertilizante usado, repor 1,0 kg docomposto/inoculante. O intervalo dereposição poderá ser semanal atémensal.
b) reposição do esterco de gado -adicionar um volume de esterco de ga-do (fresco) suficiente para manter amesma proporção biomassa/água doinício do processo, sempre quando severificar com ajuda do “rodo” a dimi-nuição da camada orgânica no fundodo tanque.
c) reposição da água - em funçãodo volume de biofertilizante consu-mido, da evaporação e das chuvas. Ovolume de água adicionado deverá sero suficiente para a manutenção do níveldo tanque. Manter descobertos ostanques maiores de 1.000 l, retirandopara uso posterior o volume do biofer-tilizante que eventualmente poderátransbordar, armazenando-o emtambores (MICROBIOL, 2001).
Recomendaçõesde uso
Segundo Pinheiro e Barreto (1996),devido aos elevados efeitos hormonais
e altos teores das substâncias sinteti-zadas, o uso de biofertilizantes em pul-verizações foliares normalmente sãofeitos com diluições em água entre 0,1e 5%. Concentrações maiores, entre 20e 50%, foram utilizadas por Santos eAkiba (1996), com o biofertilizante“Vairo”. Porém, em concentraçõesmuito elevadas, o biofertilizante podecausar estresse fisiológico na plantaretardando seu crescimento, floraçãoou frutificação. Isso se deve provavel-mente ao desvio metabólico paraprodução de substâncias de defesa.Para hortaliças, recomendam-se pul-verizações semanais, utilizando entre0,1 e 3% de concentração do biofer-tilizante. Em fruteiras, pulverizaçõesentre 1 e 5% do biofertilizante comMicrogeo produziram resultadossignificativos na sanidade da cultura.Este biofertilizante também vem sendoempregado sobre o solo em concen-trações de até 20%. Este, quandoaplicado sobre o mato roçado, como“input” microbiano é capaz deaumentar a compostagem laminar(D´ANDRÉA; MEDEIROS, 2002).
As aplicações de biofertilizantesdeverão ser realizadas durante as fasesde crescimento e/ou produção, evitan-do-as no florescimento. Deve-se darpreferência pelos dias de chuva ouirrigação e os horários vespertino ounoturno, evitando-se os períodos secose horas mais quentes do dia. Altasconcentrações do biofertilizante po-dem provocar na planta, demanda deágua muito maior para o seu equilíbrio.Mesmo assim, pulverizações com obiofertilizante, na diluição de 1%, nosperíodos secos são possíveis. Apesarde estarem sob os efeitos do estressehídrico, as plantas estarão recebendoenergia entrópica (não utilizável pelosinsetos) e outros fatores de proteção.
As figuras 1,2,3 e 4 ilustram todo oprocesso.
Consideraçõesfinais
Dentro desse contexto, foram co-locadas aqui, questões que envolvemprincipalmente a busca pela auto-suficiência na propriedade, principal-mente nas pequenas, visto que os re-cursos financeiros e a adoção de tecno-logias mais modernas são limitados.Outro aspecto importante, é que a
A ação antibiótica e indução deresistência sistêmica da planta sãoprovavelmente os principais meca-nismos de ação do biofertilizante sobrea praga (D´ANDRÉA; MEDEIROS,2002). Os fenômenos podem estardiretamente associados à complexa epouco conhecida composição químicae biológica dos biofertilizantes. Umcomposto coloidal, de consistênciamucilaginosa (goma) e de composi-ção ainda não conhecida, foi observa-do por Medeiros (2000b), causandoa imobilização e morte do ácaro B.phoenicis sobre a folha devido àobstrução de seu sistema digestivo.
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análise das vantagens e desvantagensnão é feita considerando-se apenasum produto ou atividade isolados,mas sim o sistema como todo. Nesseenfoque, um problema qualquer nãopode ser visto e atacado de formaisolada, e sim, entendido em sua re-lação com as demais condições doagroecossistema.
A preocupação em se gerar alter-nativas ao problema dos rejeitoslíquidos e sólidos na agricultura,transformá-los em insumos de baixocusto e capazes de serem aplicadosna atividade produtiva primária,representa um grande avanço napreservação do meio ambiente.Contudo, serão necessários investi-mentos em pesquisa e desenvol-vimento, para que se produzammetodologias de elevado alcancepara o agricultor, e grandes esforçosno sentido de se consolidar o em-prego desses processos bioquímicoscomo forma de se promover a sus-tentabilidade dos ambientes agrícolas.
REFERÊNCIAS
D´ANDREA, P. A.; MEDEIROS, M. B.Biofertilizantes biodinâmicos na nutriçãoe proteção de hortaliças. In: CONGRES-SO BRASILEIRO DE AGRICULTURA OR-GÂNICA, NATURAL, ECOLÓGICA E BIO-DINÂMICA, 1, 2002, Piracicaba. Anais...Piracicaba: Agroecológica, 2002.
MEDEIROS, M. B. et al. Effect of liquidbiofertilizer on the oviposition of Brevipalpusphoencis. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUMOF UNDERGRADUATE RESEARCH, 9., 2000,São Paulo. Anais... São Paulo. 2000b.
MEDEIROS, M. B.; WANDERLEY, P. A.;WANDERLEY, M. J. A. Biofertilizantes líquidos.Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento, v.31,p.38-44, jul./dez. 2003.
MICROBIOL IND. COM. Biofertilizantemicrogeo: processo cíclico de proteção vegetal.Limeira, 2001. (Folder Informativo).
PATERNIANI, E. Agricultura sustentávelnos trópicos. Seropédica: Embrapa Agrobio-logia, 2001. 21p. (Documentos, 140).
PINHEIRO, S.; BARRETO, S. B. Agriculturasustentável, trofobiose e biofertizantes. PortoAlegre: Junquira Candiru. 1996. 276p. Traduçãode DINCHEV, D. Agroquímica. Ciudade de LaHavana, Cuba: Ed. Revolucionaria, 1996. 295p.
SANTOS, A. C.; AKIBA, F. Biofertilizanteslíquidos: uso correto na agricultura alternativa.Seropédica: Imprensa Universitária/UFRRJ.1996. 35p.
SANTOS, A. C.; SAMPAIO, H. N. Efeito dobiofertilizante líquido obtido da fermentaçãoanaeróbica do esterco bovino, no controle deinsetos prejudiciais à lavoura citros. In:SEMINÁRIO BIENAL DE PESQUISA, 6., 1993,Rio de Janeiro. Resumos. Seropédica: UFRRJ,1993.
Figura 1 - reposição com água nos tanques debiofertilizante
Figura 2 - tanques de biofertilzante/abas-tecimento
Figura 4 - pulverização com biofertilizante
Figura 3 - resultado da aplicação de biofertilizante
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