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AUTOANTROPOLOGIA DA IMAGEM COM POVOS INDÍGENAS DO UAÇÁ1
Ana Manoela Primo dos Santos Soares Karipuna2 (UFPA / Brasil)
Os Karipuna do Amapá, povo indígena do qual a autora desta pesquisa é membro, habita
nas Terras Indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, no município de Oiapoque, estado do Amapá,
região de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. É sobre este povo que o presente
trabalho se debruça, considerando imagens feitas pela autora entre os anos de 2016 e
2018, com a finalidade serem utilizadas em pesquisas de autoantropologia. O objetivo
principal deste estudo é tecer uma análise sobre o viés da antropologia da imagem,
analisando o modo como a cultura do povo Karipuna é retratada em fotos sobre o olhar
de uma antropóloga indígena Karipuna. Os objetivos específicos apontam a descrever e
interpretar o que é retratado, as escolha sobre a composição da foto, a relação entre quem
fotografa e é fotografado, as demandas que a imagem proporciona e, de maneira
secundária, a relação que a autora mantém com imagens fotográficas sobre os Palikur e
Galibi-Marworno (povos indígenas do Oiapoque que mantém relações de interação
intensa com os Karipuna) que lhes foram destinadas com fins antropológicos a partir de
uma intermediação familiar. A metodologia está centrada na análise de textos sobre
antropologia da imagem, autoantropologia e sobre os povos indígenas em questão, sobre
a análise de imagens em formato de fotos e sobre as vivências que a autora possuí
enquanto indígena Karipuna do Amapá.
Palavras-chaves: Karipuna do Amapá, Antropologia da Imagem, Autoantropologia,
Palikur, Galibi-Marworno.
1Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21
de setembro de 2018, Belém/PA. 2 Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro do grupo de pesquisa
“Dinâmicas socioculturais na Amazônia: identidades, territorialidades e relações interétnicas” do Museu Paraense
Emílio Goeldi (MPEG). E-mail: [email protected]
2
AUTOANTROPOLOGIA DA IMAGEM COM POVOS INDÍGENAS DO UAÇÁ
INTRODUÇÃO:
POVOS INDÍGENAS DE OIAPOQUE: KARIPUNA, PALIKUR E GALIBI-
MARWORNO
A presente pesquisa tem por questão tecer uma análise sobre o viés da
antropologia da imagem do modo como a cultura do povo Karipuna do Amapá é retratada
em fotos sobre o olhar de uma antropóloga indígena Karipuna. Tendo-se como outras
pretensões as descrições e interpretações a respeito do que é retratado, as escolhas sobre
o que compõe a foto, a relação entre quem fotografa e é fotografado, as demandas que a
imagem proporciona e, de maneira secundária a relação que eu enquanto autora indígena
mantenho com imagens fotográficas sobre os Palikur e Galibi-Marworno que foram
destinadas a mim com fins antropológicos a partir de uma intermediação familiar. Porém,
antes de adentrar nas questões mais específicas que este trabalho aborda, é necessário que
se compreenda quem são os povos em questão.
Os Karipuna do Amapá (povo do qual sou proveniente), juntamente com os
Palikur e os Galibi-Marworno são os chamados povos indígenas de Oiapoque3. Nós, os
Karipuna, vivemos em vinte e uma aldeias localizadas nas Terras Indígenas Uaçá, Galibi
e Juminã. Nossa população está em torno dos 2900 membros4. E somos um povo falante
do português e do patois ou patoá ou créole ou kheuol5, nossa língua indígena, que se
encontra vinculada a família linguística creoulo. Os Palikur, povo vizinho a nós, é um
povo que possui sua população habitando parte na T.I. Uaçá e parte em bairros indígenas
3 Os povos indígenas do Oiapoque compreendem quatro grupos, os Karipuna do Amapá, os Palikur, os Galibi-
Marworno e os Galibi Kalinã, este último também conhecido como Galibi do Oiapoque. Entretanto, não me utilizo dos
Galibi Kalinã em tal pesquisa, por não dispor de imagens e por ainda não ter tido oportunidade de realizar pesquisas de
antropologia com eles. 4 Segundo dados presentes no site do Instituto Sócio Ambiental (ISA), que foram colhidos em 2014 pela Secretaria
Especial de Saúde Indígena (Sesai). Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karipuna_do_Amap%C3%A1.
Acesso em: 26 de jul. de 2018. Ressaltando-se que todos os dados concernentes a quantidade de membros indígenas
com relação aos seus respectivos povos, presentes neste artigo, são provenientes de dados da Sesai do ano de 2014. 5 Seguindo a grafia para línguas indígenas no Brasil, para sua utilização nas escolas indígenas, passou a ser grafada
como kheuol (TASSINARI, 2015). Enquanto Machado (2017) diz que o “kheuol falado pelos Galibi-Marworno e o
patois ou patoá falado pelos Karipuna são a mesma língua, com pequenas diferenças fonéticas entre si, e são variações
do crioulo “negro” falado na Guiana Francesa”. O kheuol ou patois no catálogo da Europalia Índios no Brasil
(KARIPUNA, 2011/2012) é definido por Suzana Primo dos Santos Karipuna, como “un mélange de français et de
dialecte des familles indigènnes”, em português uma mistura de francês e dialetos das famílias indígenas da região de
Oiapoque.
3
na Guiana Francesa. Os Palikur de acordo com dados da Sesai de 2014, possuem uma
população de cerca de 1700 membros6. Sendo um povo falante do parikwaki. Mas que se
utiliza também de maneira secundária do francês e do português (MACHADO, 2017). Os
Galibi-Marworno são um povo indígena que conta com cerca de 2500 membros7, habitam
as T.I. Uaçá e Juminã e são falantes da língua kheuol (o mesmo patois), porém utilizando-
se também do português.
O UAÇÁ E OS KARIPUNA DO AMAPÁ SOBRE O OLHAR DE UMA
ANTROPÓLOGA INDÍGENA KARIPUNA
Utilizo-me dos termos autoantropologia e autoetnográfia, ao invés de
antropologia e etnográfia, pelo fato de a autoantropologia e/ou autoetnográfia ser aquilo
que ocorre quando o antropólogo volta o foco das suas pesquisas para a sua cultura de
origem (STRATHERN, 2015), sendo este o caso em questão. E no que diz respeito ao
fazer antropológico ou autoantropológico é relevante esclarecer que passei a me interessar
pela antropologia no ano de 2014 (mesmo ano em que ingressei no Curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Pará) estabelecendo-me de maneira mais intensa pela
mesma, especialmente na área da etnologia indígena, em 2016, quando através de duas
bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) em antropologia passei a realizar pesquisas
com meu povo de origem intermediadas pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).
Durante o tempo em que fui bolsista no MPEG, meus trabalhos foram todos voltados para
o que concerne aos estudos de gênero na etnologia indígena, e desenvolvi sínteses
autoetnográficas sobre o modo de vida e a cosmologia das mulheres Karipuna do Amapá.
Portanto, as imagens que realizei entre os anos de 2016 e 2018 possuíam sobretudo como
finalidade demonstrar quem somos nós, as mulheres Karipuna (fam Karipuna), no
cotidiano das aldeias. E minha intenção para com as imagens não foram a de que as
mesmas servissem como meras ilustrações de textos acadêmicos, mas sim que elas
narrassem por si mesmas quem nós somos e que principalmente servissem como forma
de perpetuação de nossa história, de nossas vivências materiais e imateriais.
6 Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) correspondente ao ano de 2014. Fonte:
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Palikur Acesso em: 18 de ago. de 2018. 7 Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) correspondente ao ano de 2014. Fonte:
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Galibi_Marworno Acesso em: 18 de ago. de 2018.
4
As fotografias que realizei (2016 – 2018) demonstram as mulheres de meu povo
em momentos de sua infância, vida adulta e velhice. Nelas podemos observar as tx ifam
(meninas) Karipuna em momentos de lazer ou em atividades como a fabricação da farinha
de mandioca e o trato com o pescado (visto que a farinha e o peixe são a base da dieta
alimentar dos povos indígenas de Oiapoque). Observamos as mulheres solteiras (jonfi ou
johmun8), as mulheres casadas (fam9) e as mulheres idosas (vie ou ãji10) em momentos do
cotidiano, assim como há outras fotografias de ilustrações realizadas por mim e outras
indígenas. Todavia, estas imagens para mim, também são como representações de uma
vida que não tive a possibilidade de viver (Castorino e Seluchinesk (2014) concebem a
fotografia como uma possibilidade de se vivenciar a percepção). Pois, apesar de ser
indígena Karipuna do Amapá, e de estar vinculada a aldeia de Santa Isabel por uma
questão de descendência matrilinear11, assim como também pelo fato de esta mesma
aldeia ter sido fundada por meu avô, o cacique Manoel Primo dos Santos Karipuna ou
cacique Côco como era mais conhecido, e por sua primeira esposa, a indígena Delfina
Batista, eu não nasci nem fui criada na aldeia, mas sim na cidade de Belém, no estado do
Pará, e isto ocorreu pelo fato de minha mãe ter decidido residir fixamente em Belém em
decorrência de uma graduação que realizou em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Pará (UFPA) e de ofertas de trabalho como funcionária pública na Funai
(Fundação Nacional do índio) e posteriormente no Museu Goeldi, assim como pelo fato
de meu pai não ser indígena e desejar viver na cidade ao invés da aldeia. Contudo, apesar
de estar na cidade, ainda sou considerada como Karipuna por inúmeros fatores que em
síntese se debruçam sobre questões de parentesco e de manifestação e perpetuação da
cultura de meu povo. Logo, as imagens que realizei possuem uma relação extremamente
próxima com quem sou, a uma forte relação de sensibilidade entre mim e elas. E mais do
que imagens sobre os Karipuna do Amapá, elas são imagens do cotidiano de uma imensa
família, da qual faço parte. O que converge para aspectos teóricos de Joanne Rappaport
(2007), que enfatiza a importância da presença do próprio indígena na antropologia no
que diz respeito a tratar dos aspetos de suas próprias vivências, de sua própria cultura. E
8 Jonfi é uma palavra em patois / kheuol que significa moça, enquanto johmun é uma palavra que significa jovem e que
não faz distinção de gênero. 9 A palavra fam em patois / kheuol serve tanto para designar mulher em seu sentido mais abrangente que remete ao
sexo e ao gênero, quanto a categoria mais restrita de mulher casada, de esposa. 10 Vie e ãji são palavras em patois / kheuol que significam idosa ou idoso, e que não fazem distinção de sexo e gênero. 11 Nós, os Karipuna do Amapá, obedecemos tanto a descendência matrilinear quanto a patrilinear, e isto se aplica a
múltiplos casos. Em síntese, quando se nasce basta que a pessoa possua a mãe ou o pai Karipuna para que também seja
considerado como tal, o que converge para a nossa auto identificação como um povo misturado. No entanto, para que
a identidade se firme ao longo da vida é necessário que se observem outras questões.
5
de Claudia López Garcés e Suzana Karipuna que inspiradas em ideias de Orlando Fals
Borda (FALS BORDA, apud LÓPEZ GARCÉS, KARIPUNA, 2017) tomam os
pensamentos e os sentimentos como campos indissociáveis12. E sentimentos e
pensamentos se unem de modo bastante singular no caso do autoantrópologo. E de acordo
com Castorino e Seluchinesk (2014) a fotografia possui um entendimento pessoal e
emotivo a partir de quem a produz e também de quem a observa.
Tocantins (2016) ao tratar da representação da imagem do indígena realizada
pelos próprios indígenas (autorrepresentação de acordo com Carvalho (2016)) diz que
estes tratam do modo como esta imagem se constrói a partir dos enunciados imagéticos
de uma nova memória para suas identidades. Pois, os indígenas consideram esta
linguagem (a imagem em si) também como portadora de discursos, e este trabalha esta
ideia a partir do conceito de intericonidade de Jean Jacques Courtine (COURTINE, apud
TOCATINS, 2016). Complementando que:
A intericonicidade supõe, portanto, dar um tratamento discursivo às imagens,
supõe considerar as relações entre imagens que produzem os sentidos...
(TOCANTINS, 2018).
Contudo, Tocantins (2016) está principalmente a tratar de questões díspares das
que objetivo para a presente discussão, a intericonidade em seu discurso está a recair
sobre a representação do corpo indígena na arte (especificamente a pintura e a gravura) e
como esta mesma arte, que é de matriz europeia e do período colonial, deturpa a
verdadeira identidade e imagem do indígena. Todavia, suas reflexões muito contribuem
para a questão que é abordada, pois, elas endossam o caráter da imagem como um meio
portador de fala, assim, como o fato de que a imagem realizada pelo indígena é a
representação mais fiel de sua identidade enquanto tal, e que ela é a perpetuação desta
identidade, mas também é a deslegitimação de uma imagem colonialista construída pelos
não indígenas e que ainda resiste através de mecanismos sustentados pela “colonialidade
do poder”13 (QUIJANO, 2005). Quando o indígena trata do próprio indígena, sobre um
viés imagético, ele está a tratar do “índio real”. E a imagem do “índio real” é evidenciada
12 De acordo com López Garcés e Karipuna (FALS BORDA, apud LÓPEZ GARCÉS, KARIPUNA, 2017) a junção
dos pensamentos e dos sentimentos é o que Fals Borda (2009) conceitua de “sentipensamentos”. 13 A colonialidade do poder é a forma de padrão global dominante, que classifica o que é advindo de matriz europeia
(eurocentrismo) como mais ou unicamente relevante perante os saberes de outras culturas e locais (QUIJANO, 2015).
Estando Cheik Anta Diop (DIOP, apud GUERREIRO RAMOS, 1996) a criticar o eurocentrismo, chamando-o de
“falsificação da história”, enquanto Aimé Césaire o chama de “hipocrisia da civilização ocidental” (CÉSAIRE, apud
GUERREIRO RAMOS, 1996).
6
por Alcida Rita Ramos (1988) em contraposição a imagens ilusórias do “índio-martir”,
do “índio-modelo” ou do “índio genérico” de Darcy Ribeiro (RIBEIRO, apud RAMOS,
1988), imagens estás que convergem para a imagem de um “índio hiper-real” que nada
mais do que um aglomerado de estereótipos que se criam a partir das concepções dos não
indígenas para com relação aos indígenas. E em suas palavras Ramos (1988) diz que o
“índio hiper-real” não é nada mais que um simulacro do indígena concreto, que é o “índio
real”:
A formação que recebemos da antropologia inclui em sua bagagem um
princípio básico que pode ser o antídoto do vírus do simulacro: é o princípio
da suspeita, da desconfiança em relação a verdades fixas. O questionamento
que fazemos como rotina de trabalho nos vacina, ao menos em parte, contra
esse vírus. Por outro lado, nossa profissão – refiro-me aqui especificamente
aos etnólogos – nos leva constantemente ao convívio com o “índio real”, o
índio concreto, com suas grandezas e misérias, complexidades e ambiguidades,
mas nunca vazio, nunca modelo de nada, ectoplasma de nossa imaginação...
Nossa lealdade, em última instância, é com os próprios índios, os índios do dia
a dia, das virtudes e dos vícios, e também com os princípios da antropologia,
em particular, com o respeito à alteridade concreta (RAMOS, 1988).
O etnólogo indígena muito contribui para a legitimação da real imagem dos povos
indígenas, e sua importância para com relação a isto é incontestável, entretanto, ele é
apenas um interlocutor das identidades que as reais imagens expressam. E ninguém está
em melhor posição, do que o próprio indígena, para realizar e exprimir o mais profundo
sentido de tais questões de identidade e imagem. E de acordo com depoimento de Sandro
Bororo e Ivanete Apiaká em artigo de Castorino e Seluchinesk sobre os usos da imagem
em atividades do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Estadual
do Mato Grosso – UNEMAT (CASTORINO, SELUCHINESK, 2014): Os processos não
precisam ser individuais, nem com tempo cronometrado... a imagem demanda pensar e
questionar para além dela mesma, com o objetivo de se buscar seus sentidos e
significados.
7
Figura 1: Tx ifam Karipuna do Amapá. Meninas Karipuna do Amapá na aldeia Espírito Santo. Foto: Ana Manoela dos
Santos Karipuna. Janeiro de 2017.
Figura 2: Tx ifam Karipuna do Amapá descamando peixe na aldeia Karipuna de Santa Isabel. Foto: Ana Manoela dos
Santos Karipuna. Janeiro de 2017.
Figura 3: Tx ifam Karipuna do Amapá auxiliando a família no preparo da farinha de mandioca, aldeia Karipuna de
Santa Isabel. Foto: Ana Manoela dos Santos Karipuna. Janeiro de 2017.
8
Figura 4: Jonfi Karipuna do Amapá tomndo banho em campo alagado pelo Rio Curipi na aldeia de Santa Isabel. Foto:
Ana Manoela dos Santos Karipuna. Janeiro de 2017.
Figura 5: Fam dando de comer as crianças (tx imun) na aldeia de Santa Isabel. Foto: Ana Manoela dos Santos Karipuna.
Abril de 2018.
9
Figura 6: Dona Xandoca Karipuna, aldeia de Santa Isabel. Foto: Ana Manoela dos Santos Karipuna. Janeiro de 2017.
Figura 8: Antigo traje de verés14 que era utilizado por volta das
décadas de 1950 e 1960, desenhado por Suzana dos Santos
Karipuna (minha mãe). Foto: Ana Manoela Karipuna.
Dezembro de 2016.
14 Antigamente era de costume que as mulheres Karipuna vestissem um conjunto de saia e blusa chamado conjunto de
“verés”, em que a blusa era chamada “verés” e a saia era chamada “sayá”. Em minhas pesquisas conosco (Karipuna do
Amapá) não obtive a informação de em que período tais vestimentas começaram a ser utilizadas, no entanto, sabe-se
que foram usadas pelas últimas vezes entre as décadas de 1950 e 1960, sendo este um traje típico das mulheres indígenas
de Oiapoque, portanto, era usado por nós Karipuna do Amapá, pelas Palikur e pelas Galibi-Marworno. Compunham
este conjunto uma blusa muito larga, de manga comprida, cheia de pregas, que era usada com uma saia igualmente
larga. O tecido utilizado para a confecção deste traje era chita estampada. Ela era usada somente em momentos de festa
ou em outros de grande relevância e era comum, após o festejo, as mulheres usarem apenas as saias com a parte do
corpo da cintura para cima desnuda. Não se usava qualquer colar com este traje, os colares deviam ser vermelhos, azuis
marinhos ou brancos, eram colares compridos de miçanga e que enchiam o pescoço. Segundo Suzana Karipuna há uma
destas saias (sayá) oriundas dos Galibi-Marworno na Reserva Técnica Coleção Etnográfica Curt Nimuendajú no
campus de pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi , local onde trabalha desde 1987. Havendo outros trajes tipicos
dos Galibi-Marworno e Galibi Kalinã em tal acervo.Ressaltando-se que não há um consenso sobre como se escreve a
palavras “verés”, portanto, a escrevo tal como a ouço.
Figura 7: Antigo traje de verés que era utilizada por
volta das décadas de 1950 e 1960, desenhado por
Estela dos Santos Karipuna (minha tia). Foto: Ana
Manoela Karipuna. Dezembro de 2016.
10
RELAÇÕES COM AS IMAGENS
As pesquisas que realizei na posição de autoantropóloga se concentraram em
grande parte em momentos vividos nas aldeias Karipuna Santa Isabel e Espírito Santo,
que se localizam na T.I. Uaçá. Entretanto, apesar de ser Karipuna, mas devido ao fato de
ter crescido distante das aldeias de meu povo por motivos já expostos, eu ainda não
conhecia muitos dos outros membros Karipuna do Amapá. E até então (com a idade de
vinte e um anos) minhas relações (devido a distância) eram mantidas sobretudo com
alguns parentes mais próximos, tais como com algumas irmãs e irmãos de minha mãe,
assim como com alguns de seus filhos e filhas e alguns de seus netos, porém, não se
estendendo a outras pessoas do grupo Karipuna. Sendo importante assinalar que
anteriormente ao ano de 2017, eu só havia estado em uma aldeia de meu povo aos cinco
anos de idade:
Aos cinco anos eu estive durante um mês na cidade de Oiapoque com minha
família, município onde se localiza a Terra Indígena Uaçá, e lembro de um dia
termos ido à aldeia Manga, mas também lembro de tudo ter acontecido muito
rápido, ficamos cerca de uma hora lá, pois já estava prestes à anoitecer e
tínhamos ido apenas porque alguém de minha família iria dormir lá. E a única
coisa que consigo lembrar além do fato de termos ficado pouco tempo, foi a
imagem de um imenso rio ao pôr do sol, onde flutuava uma canoa com dois
meninos. Após isto só retornei à aldeia dezessete anos depois (Manuscrito.
Acervo pessoal, agosto de 2017).
Retornando as mesmas apenas em janeiro de 2017 com a idade de vinte e dois anos e
posteriormente com a idade de vinte e três durante os meses de março e abril de 2018.
Portanto, articular contato com outras pessoas Karipuna, depois de tanto tempo, assim
como realizar fotografias com as mesmas era algo que me deixava e que ainda me deixa
extremamente tímida. Porém, a não realização de imagens não é uma opção viável nos
atuais tempos para com a antropologia, sobretudo em uma época em que realizar uma
fotografia assim como difundi-la é algo concernente a realização de atos simples e
extremamente rápidos. Portanto, muitas das pessoas que aparecem nas fotografias feitas
por mim, não são pessoas com quem mantenho um grau de proximidade, elas já me viram
e eu já as vi nas aldeias. Mas a distância entre as aldeias e o local onde atualmente resido
(Belém – PA) se tornar um problema para mim, principalmente no que concerne a uma
comunicação mais assídua com outros membros Karipuna do Amapá.
11
Porém, apesar de as imagens em um primeiro momento terem sido realizadas
com um fim antropológico, ou melhor autoantropológico, e como já mencionado ser
intrínseco a elas o fato de que as mesmas carregam um considerável teor de carga
emocional, não posso ignorar o fato de que essa carga emocional não é uma exclusividade
minha, pois, se para mim elas são em parte a representação do que não vivi, mas que ainda
assim compõem minha identidade enquanto Karipuna, para as pessoas que estão nas
fotografias estas são a representam concreta de momentos vividos, momentos felizes e de
dor, (visto que a última vez em que estive em Santa Isabel para realizar pesquisas para
minha última bolsa de Iniciação Científica coincidiu com o período de falecimento da
senhora Karipuna, Alexandrina dos Santos, a Dona Xandoca, matriarca da aldeia Santa
Isabel, importante liderança Karipuna e viúva de meu avô (o cacique Côco), e este foi um
momento doloroso para todos os povos indígenas de Oiapoque).
Figura 9: Cortejo fúnebre no velório de Dona Xandoca, aldeia de Isabel. Foto: Ana Manoela Karipuna. Março de 2018.
Partindo-se, portando, para o aspecto da devolução das imagens. Como uma
forma de trazer algum retorno material das pesquisas que venho desenvolvendo com meu
povo de origem, trouxe na viagem que realizei entre março e abril de 2018 algumas
fotografias reveladas que havia realizado em meu primeiro PIBIC (2016-2017). A ideia
de devolver as fotografias reveladas as pessoas que estavam nas mesmas foi algo que me
surgiu as vésperas de viajar para o Amapá, e foi uma sugestão dada por uma professora,
12
a todos os antropólogos e estudantes de antropologia presentes em uma palestra sobre
antropologia visual que assisti nas dependências do Museu Paraense Emílio Goeldi. A
professora explicava o quanto uma fotografia física pode ser algo significativo para quem
a recebe, mesmo que estejamos vivendo em tempos em que as fotos são sobretudo
colocadas em acervos digitais. Eu sabia que deveria devolver as fotografias, que deveria
envia-las para meus parentes Karipuna, e que fazer isto por aplicativos tais como
Whatsapp e Messenger seria algo mais fácil, cômodo e sem custos de ordem financeira.
Porém nas aldeias Karipuna não há acesso à internet (excetuando-se a aldeia Manga), e
eu concordei com a posição da palestrante de que as fotos físicas seriam algo mais
significativo. E no final eu mesma fiquei imensamente feliz com o processo que foi tira-
las e depois vê-las impressas em papel fotográfico e não apenas através de um mecanismo
digital. Mas, infelizmente devido ao fato de eu apenas ter tido a sugestão de fazer isto as
vésperas da viagem, não pude revelar muitas fotografias. E no total foram vinte fotos
reveladas de uma média de quase quinhentas tiradas em janeiro de 2017, e dei preferência
a fotos com pessoas ao invés de fotos de paisagem, que também foram muitas. Entreguei
as fotos a senhora Glória Karipuna, que é minha tia (filha de Dona Xandoca e meu avô
Côco), ela as mostrou a algumas pessoas e se responsabilizou pela entrega das mesmas,
visto que não pude entrega-las pessoalmente, pois, como já referenciado esta viagem
terminou por coincidir com o falecimento de Dona Xandoca Karipuna, e neste período os
rituais funerários tomaram conta da aldeia (Santa Isabel). Todavia, pude atestar através
do que vivenciei lá a partir desta entrega à Glória, o quanto esta metodologia de retorno
é algo agradável, visto que ela mostrava emocionada as fotos para algumas pessoas que
estavam em sua casa no momento em que eu as entreguei, e percebia que estas pessoas
também pareciam gostar das fotografias. E alguns meses mais tarde, em agosto de 2018,
tive notícias por meio de um grupo da aldeia Santa Isabel em um aplicativo de mensagens
de que as fotos que havia tirado de Dona Xandoca em janeiro de 2017 tinham sido muito
apreciadas por todos. Presentear com fotos, sem dúvida é uma maneira feliz de estabelecer
relações e trocar ideias (SOARES KARIPUNA, LÓPEZ GARCÉS, KARIPUNA, 2018).
Contudo, o caso é que o antropólogo, e mesmo o autoantropológo, não pode reter
as imagens somente para si. Elas são em parte suas, por eles as ter realizado, mas são
igualmente ou o são ainda mais e em alguns casos são integralmente de quem elas
retratam, por conta disto a importância da devolução das imagens. E o motivo pelo qual
elas devem ser devolvidas varia de acordo com o contexto em que são realizadas. Por
13
exemplo, para os Mebêngôkre-Kayapó a fotografia não captura sua imagem corporal, mas
a imagem da sua alma, enquanto para nós Karipuna elas capturam o nosso corpo e
imortalizam nossas vivências, portanto, para nós a devolução corresponde a uma questão
ética e de respeito, visto que a última vez que estive no Uaçá, pude presenciar o momento
em que uma indígena Karipuna lamentou o fato de outro indígena de um outro povo de
Oiapoque ter etnografado uma festa e não ter devolvido as imagens. Ressaltando-se a
necessidade que há de guardar para si as imagens de seus rituais, de suas festas e do
cotidiano (CABRAL, 2016).
IMAGENS PALIKUR E GALIBI-MARWORNO
Como indígena e autoantropóloga, as imagens de minha autoria são somente
sobre nós, (Karipuna do Amapá), e sobre paisagens do Uaçá e desenhos Karipuna.
Entretanto, meu pai, o senhor Francisco Xavier Soares, que não é indígena, realizou
viagens ao Oiapoque – AP e a Guiana Francesa na década de 1990, e em 1992 realizou
imagens com os Palikur (do Brasil e do Departamento Ultramarino15) e com os Galibi-
Marworno. Estas imagens ficaram por anos guardadas em um álbum que não se costuma
folhear, e elas foram realizadas por uma questão turística, de se guardar recordações de
momentos de uma viagem. Entretanto, quando as mesmas foram cedidas a mim, elas
tomaram uma nova finalidade, uma finalidade antropológica16, o que demonstra, portanto,
que imagens sofrem ressignificações a partir do contexto no qual se inserem, o que pode
se relacionar ao que Guerreiro Ramos (1996) diz sobre a perspectiva na redução
sociológica e ao que Simmel (2006) diz sobre a distância e a imagem:
A perspectiva em que estão os objetos em parte os constitui. Portanto, se
transferidos para outra perspectiva, deixam de ser exatamente o que eram... O
sentido de um objeto jamais se dá desligado de um contexto determinado
(GUERREIRO RAMOS, 1996).
Quando vemos um objeto tridimensional que esteja a dois, cinco, dez metros
distante, temos uma imagem diferente a cada vez, e, a cada vez, uma imagem
que estará “correta” a seu modo e somente nesse modo... (SIMMEL, 2006).
15 Guiana Francesa. 16 As imagens sobre os Palikur e os Galibi-Marworno são de contexto antropológico ao invés de autoantropológico
pelo fato de não ser membro de tais povos.
14
Ou seja, perspectivas e distâncias configuram diferenças situacionais, diversificam os
contextos. E cada contexto a partir do qual a imagem se inseri possui as suas
características e as suas subjetivas que são inerentes a quem as realizou e a quem e ao que
elas retratam, portanto, as imagens e seus contextos carregam significado e história.
Figura 10: Pastor Palikur Paulo Orlando e pastor Raimundo Damasceno em frente à igreja Assembleia de Deus no dia
de sua reinauguração, aldeia Kumenê. Terra Indígena Uaçá. Foto: Francisco Xavier Soares. Acervo pessoal. 1992.
Figura 11: Mulheres Palikur no rio Urukauá, aldeia Kumenê, Terra Indígena Uaçá. Foto: Francisco Xavier Soares.
Acervo pessoal. 1992.
Figura 12: Mulheres Galibi-Marworno, cidade de Oiapoque - AP. Foto: Francisco Xavier Soares. Acervo pessoal.
1992.
15
As imagens com os Palikur e os Galibi-Marworno, demonstradas nesta pesquisa
nunca foram vistas, pelos membros destes povos, uma vez que meu pai não retornou mais
ao Oiapoque e a Guiana Francesa. Todavia, possuo como pretensão restituir de alguma
forma tais imagens a seus povos de origem, o mais breve possível que isto possa ocorrer.
As fotos dos Palikur representam momentos dos mesmos no cotidiano das
aldeias, nelas as crianças estão a brincar; as mulheres estão no rio, estão a cuidar das
crianças e a cozinhar; é possível verificar a confecção da cestaria; famílias são retratas;
assim como é possível observa-los a conversar e em suas interações na igreja, uma vez
que os Palikur do Brasil são pentecostais da Assembleia de Deus. Já as imagens sobre os
Galibi-Marworno são poucas e se concentram somente sobre momentos deles na
residência do dentista Luís Amanajás, que os atendia em Oiapoque17.
Figura 13: Encontro dos Palikur do Brasil com os Palikur da Guiana Francesa. Foto: Francisco Xavier Soares. Acervo
pessoal. 1992.
17 Refiro-me a todas as fotografias realizadas por Francisco no contexto dos povos indígenas de Oiapoque e Guiana
Francesa em 1992, as que estão no então artigo e também as que não puderam estar.
16
Figura 14: Família Palikur em sua residência na Guiana Francesa. Casal Suzana e Felisberto e seus filhos. Foto:
Francisco Xavier Soares. Acervo pessoal. 1992.
Figura 15: Indígenas Galibi-Marworno na casa de Luís Amanajás na cidade de Oiapoque. Foto: Francisco Xavier
Soares. Acervo pessoal. 1992.
Meu pai morou por um ano com o pastor Raimundo Damasceno em Oiapoque,
pastor que atuava entre os Palikur, e logo após se tornou vizinho do mesmo, além de ter
uma grande amizade com o senhor Luís Amanajás. E ao estar em suas residências passou
a interagir com os indígenas de Oiapoque. E a partir de tais interações passou a visitar
algumas aldeias, nunca esteve nos Galibi-Marworno, porém esteve uma vez nos
Karipuna, nos Galibi Kalinã e no Kumenê com os Palikur do Brasil e diversas vezes com
os Palikur da Guiana Francesa. Sendo as relações de meu pai para com os indígenas uma
relação de amizade. E em meio a este contexto as fotografias expostas neste artigo foram
realizadas, assim como tantas outras que não constam aqui também o foram.
As fotos dos Galibi-Marworno demonstram as pessoas deste povo em momentos
de refeição na casa do dentista Luís, e a única foto que não é de um destes momentos de
refeição é a imagem 1518 que demonstra a maneira típica que os povos indígenas de
Oiapoque costumavam sentar, as mulheres sempre muito eretas com as pernas esticadas
18 Ao todo são quatro fotos com os Galibi-Marworno, as outras duas fotografias que não constam no presente artigo
demonstram mulheres e homens Palikur a jantar.
17
e o tecido das saias presos entre as pernas, enquanto os homens sentavam igualmente
eretos, porém de pernas trançadas, e este era um costume da época em que não haviam
móveis tais como cadeiras e sofás nas aldeias, e os indígenas ou tinham de se sentar no
chão ou em esteiras sobre o mesmo, e estas mesmas esteiras também eram utilizadas como
camas.
As imagens sobre os Palikur são mais diversificadas, e a imagem 10 demonstra
o pastor Damasceno com Paulo Orlando (pastor Palikur que por longos viveu na casa de
meus avós maternos e estudou na escola da aldeia Santa Isabel), juntamente com outros
membros do povo. Segundo informações de Francisco, esta fotografia foi realizada no dia
da reinauguração da igreja Assembleia de Deus que a no Kumenê, em tal ocasião houve
uma grande festa e Paulo Orlando chegou mesmo a mandar sacrificar um boi para a
ocasião. Visto que os povos de Oiapoque, quando nas aldeias, geralmente consomem
carne de gado somente em momentos especiais (rituais e outros festejos), se alimentando
mais comumente de peixes, carne de jacaré e quelônios.
Enquanto a imagem 11 mostra as mulheres Palikur em canoas a beira do Urukauá
em suas típicas saias e camisetas de mangas compridas que são utilizadas somente no
Brasil. Visto que de acordo com Machado (2017):
O vestuário feminino na aldeia (Kumenê) segue estritamente os padrões
direcionados pela igreja evangélica, portanto, a parte de baixo é sempre saia
comprida, que se estende abaixo dos joelhos. A blusa, nunca de alcinhas
(MACHADO, 2017).
O que demonstra um padrão de vestuário semelhante ao já anteriormente mencionado
conjunto de verés (nota de rodapé 14), porém bastante diferente do modo como as Palikur
da Guiana Francesa, as Karipuna e as Galibi-Marworno atualmente costumam se vestir.
A imagem 13, de acordo com Francisco, representa o encontro dos Palikur do
Brasil com os Palikur da Guiana Francesa, quando os primeiros chegam ao Departamento
Ultramarino. Segundo o autor da imagem, nesta época era costume os Palikur da Guiana
Francesa virem saudar os do Brasil quando os barcos se aproximavam do porto. Todavia,
observo que dos Palikur do território francês apenas crianças aparecem na imagem, o que
me remete as palavras de Carvalho (2014) que diz que a criança indígena é sujeito ativo
na sociedade em que se insere e que elas são sempre as primeiras que recebem os
visitantes nas aldeias. E em contextos como antropóloga, lembro-me de um trabalho de
campo em um acampamento do MST (Movimento dos Sem Terra), em que de maneira
não proposital as crianças foram as primeiras que nos receberam e terminaram se tornando
18
um dos agentes principais da pesquisa, e esta característica da criança é algo muito
ressaltado por Carvalho (2014) em seus estudos com as crianças Kaingang.
Já a imagem 14 representa um casal Palikur da Guiana Francesa com seus filhos
em sua residência, Francisco costumava frequentar sua casa. E na última vez que estive
na aldeia Santa Isabel tive a oportunidade de conhecer a mulher representada na foto,
Dona Suzana, juntamente com um dos meninos da imagem, que hoje já é um homem
adulto, também conheci sua esposa e filha, um bebê que recebeu o mesmo nome da avó
(Suzana). Visto que observo que entre nós, os Karipuna, é um costume se dar o nome de
algum parente já falecido ou idoso ao bebê que nasceu (todavia, isto não é uma regra),
portanto, imagino que algo semelhante também deva ocorrer entre os outros povos
indígenas de Oiapoque e entre os Palikur do lado francês, o que ocasiona a existência de
nomes tradicionais. Porém, retornando-se a questão deste encontro, Suzana, seu filho, sua
nora e sua neta, estavam em Santa Isabel em decorrência dos ritos funerários pela morte
de Dona Xandoca. Eles haviam vindo da Guiana Francesa apenas para isso, e apesar do
momento de dor, foi interessante conhecer as pessoas que eu sempre via nas fotografias
em casa, mas que jamais havia visto pessoalmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não houve neste artigo como descrever toda a riqueza de detalhes presentes nas
imagens demonstradas na pesquisa, muito menos como relatar de maneira mais profunda
as histórias que carregam tais fotos, as histórias que levaram as mesmas a serem realizadas
ou as histórias daqueles, daquelas e daquilo que elas retratam. Todavia, as encaro como
uma etnografia visual sobre os aspectos do modo de viver dos povos indígenas de
Oiapoque. Elas são etnografias de dois períodos distintos19 (1992 e 2016 a 2018),
realizadas em contextos diferentes e sobre o olhar de duas pessoas de origem díspares
(origem indígena e origem não indígena), mas que também são duas pessoas que se
relacionam de modo muito particular (parentesco). E desta forma entre semelhanças e
diferenças todas as imagens se entrelaçaram para um mesmo fim. E como assinala Cabral
(2016) há a presença do tempo na imagem, mas particularmente também ressaltou que há
19 As fotografias realizadas por Francisco, quando dadas a mim passaram a constituir um contexto etnográfico.
19
a presença do imprevisível e nisto mais uma vez retomo a ideia da modificação dos
contextos e das contextualizações, inserindo-se ainda os diferentes olhares fotográficos:
O tempo todo somos observados por diferentes olhares, em diferentes ângulos,
cada olhar que se fecha e abre são como flashes que registram, que eternizam
momentos na memória e ou simplesmente não capturam nada: a questão é que
cada olhar irá para uma direção, a partir dele defendemos teses, chegamos a
conceitos e ou pré-conceitos (CARVALHO, 2014).
A tentativa deste artigo foi o de etnografar (ou ao menos realizar uma síntese
etnográfica) tendo-se como ponto central a imagem fotográfica para com relação as
relações e os pontos de vista que os autores das imagens mantiveram e mantêm para com
os povos indígenas de Oiapoque e alguns de seus aspectos e modos de vida, ressaltando-
se também a identidade dos próprios autores. Todavia, também se compreende que tal
objetivo cabe a mais de um estudo, por ser algo que pode ser ainda mais esmiuçado (visto,
não houve como trabalhar todas as imagens, e muitas ainda permanecem inéditas), assim
como abordado de outras maneiras, sendo esta, portanto, uma síntese auto etnográfica e
etnográfica dos povos em questão. E o indígena, possui o costume, de transmitir aos filhos
e filhas as tradições de sua cultura, e através de conversas com minha mãe, que é
Karipuna, e com meu pai, da época em que ele esteve com os indígenas de Oiapoque, é
que esta pesquisa se construiu, e desta forma a oralidade indígena se materializa em
escrita que também é indígena.
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