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Aula 02: Igreja, Feudalismo, Carpeaux, Gombricht e Pero Gomes Barroso 1) “O primeiro fato histórico da chamada Idade Média é a fundação da Europa moderna: a delimitação das fronteiras que a definem, a definição das nações que a habitam, a proclamação da unidade que, apesar de tudo, a caracteriza”. (CAPEAUX, 2012, p. 20 1 ). 2) 732: Batalha de Poitiers, salvou-se o norte da França, mas não a Provença: os árabes, que já tinham conquistado a Espanha e a Sicília, chegaram a Avignon, ocasionando o fechamento do Mediterrâneo. “A civilização antiga baseava-se no livre comércio entre os países mediterrâneos, eram os caminhos marítimos de importância vital. A separação do império em duas partes, o império ocidental de Roma e o oriental de Bizâncio, não prejudicou o comércio marítimo entre eles, nem o prejudicou a invasão dos bárbaros, que era uma invasão pelos caminhos terrestres. Nem a própria queda do império ocidental teve, por isso, consequências definitivas. Só a ocupação de quase todas as costas do Mediterrâneo ocidental pelos árabes acabou com o comércio marítimo. (...) O fechamento do Mediterrâneo interrompeu o comércio marítimo, e o comércio nos caminhos terrestres tornou-se mais precário do que nunca. A troca de produtos manufaturados cessou, e as aglomerações humanas viram-se obrigadas a produzir, em autarquia perfeita, aquilo de que precisavam. O Ocidente regularizou-se. Os latifúndios aristocráticos ficaram como únicos centros de atividade econômica. A sociedade hierarquizou-se em aristocratas e servos. A organização política correspondente a essa organização hierárquica da sociedade é o feudalismo.” (CAPEAUX, 2012, p. 22-3). 3) “O capital, excluído dos negócios de competição livre, imobilizou- se nas mãos da aristocracia rural e da Igreja, que também se 1 CARPEAUX, Otto Maria. A Idade Média por Carpeaux. São Paulo: LeYa, 2012. (Hist. da Lit. Ocidental, v. 2). 1

Aula 02 - Igreja, Feudalismo, Carpeaux, Gombricht e Pero Gomes Barroso

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Resumo, com citações, para uma aula sobre Idade Média, sob o viés da Literatura Comparada.

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Aula 02: Igreja, Feudalismo, Carpeaux, Gombricht e Pero Gomes Barroso

1) O primeiro fato histrico da chamada Idade Mdia a fundao da Europa moderna: a delimitao das fronteiras que a definem, a definio das naes que a habitam, a proclamao da unidade que, apesar de tudo, a caracteriza. (CAPEAUX, 2012, p. 20[footnoteRef:1]). [1: CARPEAUX, Otto Maria. A Idade Mdia por Carpeaux. So Paulo: LeYa, 2012. (Hist. da Lit. Ocidental, v. 2).]

2) 732: Batalha de Poitiers, salvou-se o norte da Frana, mas no a Provena: os rabes, que j tinham conquistado a Espanha e a Siclia, chegaram a Avignon, ocasionando o fechamento do Mediterrneo. A civilizao antiga baseava-se no livre comrcio entre os pases mediterrneos, eram os caminhos martimos de importncia vital. A separao do imprio em duas partes, o imprio ocidental de Roma e o oriental de Bizncio, no prejudicou o comrcio martimo entre eles, nem o prejudicou a invaso dos brbaros, que era uma invaso pelos caminhos terrestres. Nem a prpria queda do imprio ocidental teve, por isso, consequncias definitivas. S a ocupao de quase todas as costas do Mediterrneo ocidental pelos rabes acabou com o comrcio martimo. (...) O fechamento do Mediterrneo interrompeu o comrcio martimo, e o comrcio nos caminhos terrestres tornou-se mais precrio do que nunca. A troca de produtos manufaturados cessou, e as aglomeraes humanas viram-se obrigadas a produzir, em autarquia perfeita, aquilo de que precisavam. O Ocidente regularizou-se. Os latifndios aristocrticos ficaram como nicos centros de atividade econmica. A sociedade hierarquizou-se em aristocratas e servos. A organizao poltica correspondente a essa organizao hierrquica da sociedade o feudalismo. (CAPEAUX, 2012, p. 22-3).3) O capital, excludo dos negcios de competio livre, imobilizou-se nas mos da aristocracia rural e da Igreja, que tambm se feudalizou. Os chefes supremos desses dois organismos feudais, o rei dos francos e o papa, fizeram a aliana que substituiu, no Ocidente, o cesaropapismo bizantino. (...) Aristocratas e servos no eram os nicos componentes dessa sociedade. Havia tambm vagabundos sem lar nem categoria social, e entre eles surgiriam os futuros negociantes e capitalistas. (CAPEAUX, 2012, p. 23).4) A devastao moral no parou s portas da Igreja Romana, governada por assassinos e suas concubinas: a famosa pornocracia romana do sculo X. A fome chegou a extremos do canibalismo. (CARPEAUX, 2012, p. 33). 5) O fim imediato da Renascena Carolngia era a conquista e a dominao espiritual dos germanos pela Igreja Romana: o amplo imprio de Carlos Magno, compreendendo a Frana e a Alemanha de hoje e grande parte da Itlia, no tem outra unidade seno aquela romana. (...) A renascena carolngia no sobreviveu ao seu fundador; fora uma tentativa muito intencional, demasiadamente racional. Mas os efeitos no se perderam de todo, porque correspondiam a uma realidade. Essa primeira renascena a superestrutura, algo precria, do imprio feudal, aliado ao papado romano: edifcio poltico-religioso (...). No Ocidente, a latinizao dos brbaros germnicos criou um novo mundo. De uma renascena (...) nasceu a Europa. (CARPEAUX, 2012, p. 26-27).6) A reao veio da Igreja. Em 910, Odo fundou o convento de Cluny. A regularidade da disciplina litrgica suplantou a anarquia espiritual. A ascese venceu a sujeira fsica, a intemperana da mesa, a sexualidade desordenada. (...) o abade Odilo de Cluny ( 1048) institui o dia santo de Finados, a primeira festa da Igreja ocidental, que no se conheceu antes no Oriente grego; a festa da comunho que liga os vivos aos mortos. Nas almas, nutridas de liturgia, constri-se um mundo completo, hierrquico, o mundo dos trs reinos: Inferno, Purgatrio e Paraso. A pobre vida terrestre superada por outra vida, espiritual e mais real. (CARPEAUX, 2012, p. 33-4).7) Sculos VI XI Mas o que para ns mais interessante que todos esses anos no viram o surgimento de qualquer estilo claro e uniforme, e sim o conflito de um grande nmero de estilos diferentes que s comearam a amalgamar-se em fins desse perodo. (...) No foi apenas um perodo tenebroso; foi tambm catico e variegado, com tremendas diversidades entre vrios povos e classes. (GOMBRICHT, 1999, p. 157[footnoteRef:2]). [2: GOMBRICHT, E. H.. A Histria da Arte. 16. Ed. Trad.: lvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999.]

8) Quando o artista medieval desse perodo no tinha modelo para copiar, desenhava um pouco como uma criana. fcil sorrir dele, mas no to fcil fazer o que ele fez. Conta-nos a epopeia com tanta economia de meios, e tamanha concentrao no que lhe parecia importante, que o resultado final permanece mais memorvel do que as imagens realistas dos nossos jornais e da televiso. (GOMBRICHT, 1999, p. 169).9) (...) s agora a Igreja capaz de vencer os restos do paganismo germnico e penetrar at os modos da vida profana. As catedrais levantam-se nas grandplaces das cidades. Em todo castelo h uma capela particular. (...) A cabea dessa gente est cheia de lendas fantsticas, tradies pags, lembranas blicas. Acontece, porm, que a elaborao literria desse mundo ideal feita, principalmente, por clrigos. As origens da epopeia medieval ligam-se cristianizao definitiva do Ocidente. (CARPEAUX, 2012, p. 40).Pero Gomes Barroso Sei eu um ric'home, se Deus mi perdom,richome: um rico homem; nobreque traj'alfrez e trage pendom; e com tod'est', assi mi venha bem,todest: tudo isso nom pod'el-rei saber, per nulha rem,per nulha rem:por nada5 quando se vai, nem sabe quando vem. E trage tenda e trage manjare sa cozinha, u faz seu jantar;u: onde e com tod'est', assi mi venha bem, nom pod'el-rei saber, per nulha rem,10 quando se vai, nem sabe quando vem. Trage repost'e trag'escanamreposte: seco de roupas e baixela de casa nobree traz saquiteiro, que lhi d pam;saquiteiro: encarregado do po e com tod'est', assi mi venha bem, nom pod'el-rei saber, per nulha rem,15 quando se vai, nem sabe quando vem. Trage seu leito e seu cobertore jograrete, de que h sabor;jograrete: pequeno jogral / sabor: gosto e com tod'est', assi mi venha bem, nom pod'el-rei saber, per nulha rem,20 quando se vai, nem sabe quando vem.

1 Chegou aqui Dom Foam e veo mui bem guisado;Dom Foam: Dom Fulano / guisado:preparadopero nom veo ao maio, por nom chegar endoado,pero: embora / endoado: em vo demos-lhi ns a maia, das que fezemos no maio. 5Per boa f, bem guisado chegou aqui Dom Foam;pero nom veo no maio, mais, por nom chegar em vo, demos-lhi ns a maia,ramos de oferta nas festas de Maio das que fezemos no maio. Porque veo bem guisado, com tenda e com reposte,reposte: seco de roupas10pero nom veo en'o maio, nem veo a Pintecoste, demos-lhi ns a maia das que fezemos no maio. Pois trage reposte e tenda, em que se tenha vioso,vioso: contente, satisfeitopero nom veo no maio, por nom ficar perdidoso,perdidoso: prejudicado15 demos-lhi ns a maia, das que fezemos no maio.

Estas cantigas fazem parte do conjunto de composies que tanto Afonso X como vrios dos trovadores do seu crculo dirigiram contra o comportamento, considerado dbio e cobarde, de muitos infanes e ricos-homens nas guerras da reconquista e defesa da Andaluzia. Neste caso, e mais concretamente, o que o trovador critica o aparato e a ostentao com que um deles se apresentava em campanha, e que no teria correspondncia com o efetivo cumprimento das suas obrigaes militares (como fica explcito no refro).Como uma boa parte das cantigas deste ciclo, a composio dever situar-se no contexto de um dos conflitos marcantes do reinado de Afonso X, a rebelio dos seus principais ricos-homens, ocorrida entre os anos 1272 e 1274. Entrando em rutura com o monarca, a quem acusavam, entre muitas outras coisas, de falta de cumprimento nos pagamentos que lhes eram devidos, os nobres rebeldes no s ficaram surdos ao chamamento para se juntarem hoste real, como acabaram por estabelecer vrias alianas contra ele, nomeadamente com o rei de Granada, reino onde, por algum tempo, se expatriaram. Ridicularizando, pois, a falsa ostentao de um deles, Pero Gomes Barroso defende fielmente a posio do rei Sbio neste conflito. .1