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Universidade de Brasília – UnB Instituto de Ciências Humanas IH Departamento de Serviço Social SER Programa de Pós-Graduação em Política Social Assistência social no contexto do pluralismo de bem-estar prevalência da proteção social plural ou mista, porém não pública Doutoranda: Maria José de Faria Viana Orientadora: Profa. Dra. Potyara A. P. Pereira Brasília, 2007

Assistência social no contexto do pluralismo de bem-estar

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Universidade de Brasiacutelia ndash UnB

Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH

Departamento de Serviccedilo Social ndash SER

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social

Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica

Doutoranda Maria Joseacute de Faria Viana

Orientadora Profa Dra Potyara A P Pereira

Brasiacutelia 2007

i

Universidade de Brasiacutelia ndash UnB

Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH

Departamento de Serviccedilo Social ndash SER

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social

Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica

MARIA JOSEacute DE FARIA VIANA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Poliacutetica Social

Orientadora Profa Dra Potyara A P Pereira

Brasiacutelia 2007

ii

Universidade de Brasiacutelia ndash UnB

Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH

Departamento de Serviccedilo Social ndash SER

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social

TESE DE DOUTORADO

Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica

Doutoranda Maria Joseacute de Faria Viana

Orientadora Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira

Co-Orientador Prof Dr Manuel Gomes Herrera

Banca Examinadora Profa Dra Denise Birche Bomtempo (UnB)

Profa Dra Fernanda A da Fonseca Sobral (UnB)

Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira (UnB)

Profa Dra Rosa Helena Stein (UnB)

Profa Dra Sandra de Faria (UCG)

Suplente Profa Dra Marlene Teixeira (UnB)

Brasiacutelia 2007

iii

iv

A Deus por permitir-me chegar ao final dessa rica experiecircncia mais

enriquecida como pessoa e como profissional

Agrave memoacuteria de meus pais Lydio e Lourdes pela humildade e carinhosa

lembranccedila

Ao Hildo pela presenccedila solidaacuteria e amorosa e pelo estiacutemulo constante no

decorrer dessa caminhada

A Mocircnica e Rogeacuterio Eduardo e Deacutebora Vanessa e Wilson filhos queridos jaacute

adultos que apoacutes dividirem espaccedilo e tempo juntos saiacuteram em busca da construccedilatildeo de sua

proacutepria felicidade confirmando Fernando Pessoa para quem o valor das relaccedilotildees

humanas natildeo estaacute no tempo que elas duram mas na intensidade em que acontecem

Aos queridos Joatildeo Vitor Pedro Luis Eduardo e Maria Fernanda adoraacuteveis

netos e neta (e aos demais netinhos e netinhas que por certo viratildeo) por me permitirem

nesse momento reeditar o que tenho de melhor meus melhores afetos emoccedilotildees e

sentimentos e por me devolverem ao mundo maacutegico da infacircncia com suas fantasias

brincadeiras verdades e pureza de sentimentos Com eles reaprendi a brincar de esperanccedila

de passado de presente e de futuro a falar a mais pura das linguagens a indagaccedilatildeo

constante a busca do novo e sobretudo da Feacute na vida e no ser humano

Aos demais familiares e amigos que se somaram comigo nessa caminhada o

carinho e o muito obrigado pelo respeito que demonstraram ao meu jeito de ser de sonhar

e de realizar meus projetos e escolhas pessoais e profissionais

v

AGRADECIMENTOS

Agrave Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira pela orientaccedilatildeo segura e

competente demonstrando notaacutevel lucidez compromisso eacutetico e respeito humano O olhar

atento a tudo assumindo comigo todos os desafios inerentes agrave produccedilatildeo desta tese ganha

significado nesse momento em especial pela motivaccedilatildeo para que eu realizasse o Estaacutegio de

Complementaccedilatildeo de Estudos (CAPESPDEE) na Espanha

Agraves professoras membros das duas bancas examinadoras (de qualificaccedilatildeo e de

defesa) Doutoras Denise Bomtempo Fernanda Sobral Ivanete Boschetti Maria

Auxiliadora Marlene Teixeira Potyara A P Pereira Rosa H Stein e Sandra de Faria

pelas reflexotildees e sugestotildees feitas a esta tese

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo (Cursos de Doutorado e Mestrado em Poliacutetica

Social) do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia ndash SERUnB por

intermeacutedio de sua Coordenadora Profa Dra Ivanete Boschetti e a todo o corpo docente

em especial aos professores das disciplinas cursadas pelo compromisso demonstrado ao

que fazem

Aos colegas da primeira turma do curso de Doutorado em Poliacutetica Social do

Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia-SERUnB Paulo Quernes e

Raquel Gomes M Pires pela especial convivecircncia e pela descoberta juntos de como eacute

aacuterido (por vezes duro) mas extremamente gratificante o caminho da ciecircncia Aos demais

estudantes dos cursos de graduaccedilatildeo mestrado e doutorado do SERUnB o meu abraccedilo na

pessoa do colega Joselito Pacheco pelas descobertas e fecundos debates na busca de

superaccedilatildeo dos desafios que se interpotildeem aos processos de construccedilatildeo do saber de

amadurecimento intelectual e sobretudo ao exerciacutecio da alteridade como valor maior

Agrave Coordenaccedilatildeo de Programas de Capacitaccedilatildeo de Ensino Superior Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo ndash CAPESMEC na pessoa de sua Coordenadora Geral Profa Dra Maria Luiza

Lombas por seu empenho aos encaminhamentos para realizaccedilatildeo do Estaacutegio de Doutorado

na Espanha pelo Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior ndash PDEE no

periacuteodo de junho de 2006 a outubro de 2006 realizado pela Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica

e Sociologia na cidade de Granada

Ao Professor Doutor Manuel Herrera Goacutemez (co-orientador) professor e

pesquisador na Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia de Granada meus

vi

agradecimentos pela acolhida naquele paiacutes e pela vasta referecircncia bibliograacutefica indicada

para a pesquisa o que muito contribuiu para qualificar a tese em sua fundamentaccedilatildeo

teoacuterico-empiacuterica

Agrave Universidade Catoacutelica de Goiaacutes nas pessoas do magniacutefico Reitor Prof Dr

Wolmir T Amado pelo apoio institucional na concessatildeo e manutenccedilatildeo da Licenccedila de Poacutes-

Graduaccedilatildeo e da Proacute-Reitora de Extensatildeo e Poliacutetica Estudantil Profa Dra Sandra de Faria

pela atitude eacutetica e solidaacuteria e pela clareza de suas observaccedilotildees sobre este trabalho assim

como agraves colegas professoras Eleuza Bilemjian e Walderez L Miguel por se empenharem

na defesa da realizaccedilatildeo do Estaacutegio na Espanha como complementaccedilatildeo dos estudos dessa

tese ressaltando sua importacircncia para a UCG e para o SERNUPESC

Aos professores colegas docentes alunos do curso de graduaccedilacirco e

funcionaacuterios administrativos do Departamento de Serviccedilo Social da UCG representados

nas pessoas das professoras Walderez Miguel Sandra de Faria Regina Sueli Acircngela de

Matos Lacerda Carmem Regina Eleuza Bilemjian Omariacute Ludovico Marilene A Coelho

Darci Terezinha Coelho Maria Aparecida CVaz Maria Conceiccedilatildeo Vera Luacutecia e Leniacute e

dos funcionaacuterios Diana Luiz Carlos Raquel e Eacuterica os meus agradecimentos pela torcida

e pelo apoio recebido

Aos funcionaacuterios da secretaria do SERUnB nas pessoas de Domingas e

Rafael pelo respeito apoio e atenccedilatildeo demonstrados durante o curso de doutorado

Aos beneficiaacuterios da assistecircncia social e dos programas de transferecircncia de

renda no Brasil e de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo na Europa do Sul os quais apesar do

precaacuterio reconhecimento de sua cidadania plena e pela ausecircncia de vocalizaccedilatildeo em face do

silecircncio a que estatildeo submetidos pelas relaccedilotildees de poder e de classe merecem o meu

respeito

Agrave amiga e profissional Luzia por assumir comigo mais esse desafio no

aprendizado da relaccedilatildeo homem-maacutequina com destacada paciecircncia e disponibilidade

Agraves amigas e profissionais Izabel e Dona Maria pelo compromisso que sempre

demonstraram ao que fazem os meus agradecimentos por terem contribuiacutedo com

dedicaccedilatildeo e trabalho durante esses anos para a realizaccedilatildeo de projetos de estudo e de

trabalho como este que nesse momento concluo

Agrave professora Darci Costa pela revisatildeo criteriosa e qualificada

vii

RESUMO

Nesta tese objetiva-se compreender a loacutegica do pensamento liberal em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social no contexto do chamado pluralismo de bem-estar difundido como uma modalidade de proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica em substituiccedilatildeo agraves poliacuteticas do Estado do Bem-estar (Estado Social) Busca-se apreender as tendecircncias em curso da assistecircncia social por entender que a orientaccedilatildeo neoliberal que rege essa poliacutetica mudou substancialmente o seu significado e conteuacutedo destituindo-a de sua dimensatildeo puacuteblica e do seu status de cidadania Apesar disso a assistecircncia social tornou-se uma questatildeo central no debate sobre os sistemas de proteccedilatildeo social contemporacircneos em virtude da grande visibilidade que vem apresentando como resposta agrave inseguranccedila social causada pelo domiacutenio neoliberal a partir dos anos 1970 A revalorizaccedilatildeo do voluntariado e do mercado assim como a criaccedilatildeo de redes de proteccedilatildeo social e de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI na Europa) eou de transferecircncia de renda (Bolsa Famiacutelia no Brasil) surgem como alternativas agrave lideranccedila do Estado no efetivo combate agrave pobreza ampliada presente no mundo em uma perspectiva focalizada e residual Este estudo elegeu como unidade de anaacutelise empiacuterica o Sul da Europa e o Brasil como integrantes de um modelo latino de proteccedilatildeo social cujas peculiaridades favorecem a realizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de feiccedilatildeo neoliberal Entende-se a pobreza e a desigualdade social como fenocircmenos estruturais e de classe que resultam de uma brutal concentraccedilatildeo de renda e de riqueza que natildeo eacute considerada pelo neoliberalismo Nesse sentido esta tese trata dos complexos processos de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas sociais e de seus efeitos no contexto de expansatildeo da ofensiva neoliberal a saber desmonte dos direitos de cidadania social desestatizaccedilatildeo desregulaccedilatildeo econocircmica e social mercantilizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho privatizaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico e de bens e serviccedilos sociais Depreende-se que tais processos tecircm produzido uma grande fratura social fragilizando ainda mais nos contextos estudados (Europa do Sul e Brasil) a democracia e a cidadania Tecircm provocado ainda disparidades sociais em benefiacutecio do crescimento econocircmico e do fortalecimento do grande capital Por fim tendo como horizonte os direitos sociais e a concepccedilatildeo de que a principal funccedilatildeo das poliacuteticas sociais eacute a de concretizar esses direitos compreende-se que a assistecircncia social vem sendo usada de forma deturpada porque essa modalidade de poliacutetica social possui conotaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica que contra-indica o seu uso como mera reparaccedilatildeo dos danos sociais criados pelo regime neoliberal pois ela incorpora o conceito de democracia igualitaacuteria e se fundamenta em princiacutepios universais e redistributivos

viii

ABSTRACT

In this thesis we aim to understand the logic of the liberal thinking in relation with the social assistance in the context called welfare pluralism disseminated as a way of plural or mixed but not public social protection in the place of policies of Welfare State (Social State) There is a big worry in this social protection with the current tendencies of social assistance to understand that the neoliberal orientation that rules this policy changes substantially its modern meanings and contents being out of its public dimension and status of citizenship In spite of this the social assistance became a central point in the debate about the contemporary Systems of Social Protection because of the great visibility that has been shown as a response to the social insecurity caused by the liberal dominance since the 1970acutes The re-evaluation of the volunteers and the market as well as the creation of the Nets of Social Protection and the Programs of Minimum Income for Insertion (MIIEurope) and or the Income Transference (Bolsa FamiacuteliaBrazil) come out as alternatives to the State leadership on the effective combat to the worldwide amplified poverty in a focused and residual perspective This study elected as empirical analysis unit Brazil and the south of Europe as components of a Latin Model of social protection whose peculiarities favor the presence of pluralism in well-being of neoliberal characteristic and it understands poverty and social inequality as strutuctural and class phenomena that result from a enormous income and wealth concentration that is not taken into account by the neoliberalism In this sense this thesis deals with the complex processes of reestructuration of the social policies and their effects in the context of expansion of the neoliberal offensive as follows the dismantling of the rights of citizenship desestatization economical and social deregulation mercantilization of social policies flexibilization of work relations privatization of public patrimony of goods and of social services We understand that such processes have been producing a big social break weakening even more in the studied contexts (Brazil and south of Europe) the democracy and citizenship Such processes have also been causing social disparities in the alleged reason for economical growth and strengthening of the big capital Finally considering the social rights and the conception that the main function of the social policies is to characterize these rights for this thesis the social assistance has been used in a mistaken way This misconception happens because this modality of social policy has an ethical and civical meaning that counter-indicates its usage as a mere repair of social damages created by the neoliberal regime because it in bodies the concept of egalitarian democracy and is founded in universal and distributive principles

ix

REacuteSUMEacute

Le but de la preacutesente thegravese est de comprendre la logique de la penseacutee libeacuterale em ce qui concerne lrsquoassistance sociale dans le contexte de ce qursquoon appelle le pluralisme de bien-ecirctre diffuseacute comme une modaliteacute de protection sociale plurielle ou mixte mais non publique em remplacement des politiques de lrsquoEacutetat du bien-ecirctre (Eacutetat social) Elle cherche agrave appreacutehender les tendances actuelles de lrsquoassistance sociale pour comprendre que lrsquoorientation neacuteo-libeacuterale qui reacutegit cette politique a changeacute substantiellement de sens et de contenu lui enlevant sa dimension publique et son statut de citoyenneteacute Malgreacute cela lrsquoassistance sociale est devenue une question centrale dans le deacutebat sur les systegravemes contemporains de protection sociale en vertu de la grande visibiliteacute qursquoelle preacutesente comme reacuteponse agrave lrsquoinseacutecuriteacute sociale provoqueacutee par la domination neacuteo-libeacuterale agrave partir des anneacutees 1970 La revalorisation du beacuteneacutevolat et du marcheacute tout comme la creacuteation de reacuteseaux de protection sociale et de programmes de revenu minimum drsquoinsertion (RMI em Europe) etou de transfert de revenu (Bourse Famille au Breacutesil) apparaissent comme des alternatives agrave la position dominante de lrsquoEacutetat dans le combat effectif contre la pauvreteacute eacutelargie preacutesente dans le monde dans une perspective focaliseacutee et reacutesiduelle La preacutesente eacutetude a choisi comme uniteacute drsquoanalyse empirique lrsquoEurope meacuteridionale et le Breacutesil en tant que faisant partie drsquoun modegravele latin de protection sociale dont les particulariteacutes favorisent la reacutealisation du pluralisme de bien-ecirctre de type neacuteo-libeacuteral La pauvreteacute et lrsquoineacutegaliteacute sociale sont consideacutereacutees comme des pheacutenomegravenes structuraux et de classe qui reacutesultent drsquoune concentration brutale de revenus et de richesse qui nrsquoest pas consideacutereacutee par le neacuteolibeacuteralisme Dans ce sens la preacutesente thegravese aborde les processus complexes de restructuration des politiques sociales et leurs effets dans le contexte de lrsquoexpansion de lrsquooffensive neacuteo-libeacuterale crsquoest-agrave-dire le deacutemantegravelement des droits de citoyenneteacute sociale la deacuteseacutetatisation la deacutereacutegulation eacuteconomique et sociale la commercialisation des politiques sociales la flexibilisation des relations de travail la privatisation du patrimoine public et des biens et services sociaux La conclusion est que de pareils processus ont produit une grande fracture sociale fragilisant encore davantage dans les contextes eacutetudieacutes (Europe meacuteridionale et Breacutesil) la deacutemocratie et la citoyenneteacute Ils ont aussi provoqueacute des dispariteacutes sociales au beacuteneacutefice de la croissance eacuteconomique et du renforcement du grand capital Enfin sur la toile de fond des droits sociaux et de la conception suivant laquelle la principale fonction des politiques sociales est de concreacutetiser ces droits on comprend que lrsquoassistance sociale est utiliseacutee drsquoune maniegravere pervertie Cette modaliteacute de politique sociale possegravede une connotation eacutethique et civique incompatible avec son utilisation comme simple reacuteparation des dommages sociaux creacuteeacutes par le reacutegime neacuteo-libeacuteral vu qursquoelle incorpore le concept de deacutemocratie eacutegalitaire et se fonde sur des principes universels et de redistribution

x

SUMAacuteRIO

Resumo vi

Abstract vii

Reacutesumeacute viii

Lista de Quadros xiii

Lista de Tabelas xv

Lista de Figuras xvii

Lista de Siglas xviii

INTRODUCcedilAtildeO 21

Metodologia meacutetodo e procedimentos 33

PRIMEIRA PARTE

CAPIacuteTULO I

REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO DAS CATEGORIAS DE

ANAacuteLISE 39

11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho 39

12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria

recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade 44

13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias 50

14 Sobre a cidadania a democracia ampliada e a liberdade positiva 55

15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democracia ampliada 57

16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo

de direitos 59

17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social 61

18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal 64

19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos)

defendidos pelos neoliberais 65

xi

CAPIacuteTULO II

O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR 70

21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo

apoacutes a Segunda Guerra Mundial 70

22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social

fundamentos da seguridade social apoacutes a Segunda Guerra Mundial 81

23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social 89

24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do

modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita 91

CAPIacuteTULO III

PLURALISMO DE BEM-ESTAR ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E

TENDEcircNCIAS 94

31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal 94

32 Neoliberalismo pluralismo de bem-estar e emergecircncia da chamada

sociedade de bem-estar 102

33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves eferecircncias

aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social 108

CAPIacuteTULO IV

CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA

PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS 113

41Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os setores

natildeo-oficiais informal voluntaacuterio comercial ou mercantil 113

411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar 113

42 Setores natildeo-oficiais 117

421 Setor informal 117

422 Setor voluntaacuterio 118

423 Setor mercantil ou comercial 124

43 Nexo assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um

retorno ao conservadorismo 128

xii

44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de

praacuteticas tuteladoras e assistencialistas 129

45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da

provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria 131

SEGUNDA PARTE

CAPIacuteTULO V

MODELO LATINO 138

51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino 138

52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e

no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos 160

521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo 161

522 O papel da famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro 179

53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas 183

CAPIacuteTULO VI

A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL OS

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA MIacuteNIMA

EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI) 192

61 A emergecircncia do debate 192

CAPIacuteTULO VII

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE RENDA

MIacuteNIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA ESTRATEacuteGIA

ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL 219

71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais 219

72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e

primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997)

Itaacutelia (1998) e Greacutecia 112

73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional 115

xiii

74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial

latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (Estado e Comunidades Autocircnomas

ndash CCAA) informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil 219

75 A experiecircncia da Itaacutelia 242

76 A experiecircncia de Portugal 245

77 A experiecircncia da Greacutecia 248

78 Siacutentese das principais caracteriacutesticas das poliacuteticas de provisatildeo social miacutenima

nos paiacuteses do Sul da Europa em uma perspectiva comparada 250

79 A experiecircncia do Brasil com programas de transferecircncia direta de renda miacutenima 253

710 Configuraccedilatildeo do principal programa de transferecircncia de renda no Brasil

ndash Bolsa Famiacutelia 258

711 Programa Bolsa Famiacutelia estrateacutegias gasto socialfinanciamento perspectivas e

tendecircncias 262

CAPIacuteTULO VIII

ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA AMEacuteRICA LATINA E NO BRASIL PROMESSA

DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS 269

81 Implicaccedilotildees natildeo-redistributivas do pluralismo de bem-estar 269

82 Brasil uma realidade latina peculiar 274

83 Brasil a experiecircncia das poliacuteticas sociais brasileiras em dois periacuteodos

histoacutericos 1930-1988 e 1989-2001 282

831 Caracteriacutesticas particularidades e paracircmetros organizadores 282

84 A adesatildeo dos governos agraves orientaccedilotildees neoliberais tidas como plurais 283

85 As poliacuteticas sociais apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal brasileira

avanccedilos e retrocessos 295

86 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil paradoxos e particularidades 299

87 Tendecircncias em curso proposta de um novo formato de poliacutetica social brasileira

sob o influxo do pluralismo de bem-estar 305

88 Balanccedilo do padratildeo de bem-estar na Europa do SulEspanha e no Brasil 311

CONCLUSAtildeO 323

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 333

xiv

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no

periacuteodo 1883-1915 71

Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no

periacuteodo 1883-1915 72

Quadro 3 Principias leis sobre seguros sociais aprovadas desde 1941 ateacute

princiacutepios de 1970 em onze paiacuteses europeus 74

Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus 84

Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva

pluralista de Evers y Olk (1996) 106

Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados 135

Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar 144

Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus 146

Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares) 148

Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi Y G

Esping-Andersen (1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas 151

Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase no emprego e na redistribuiccedilatildeo

social 156

Quadro 12 Caracteriacutesticas dos estados de bem-estar em relaccedilacirco ao papel da

famiacutelia do mercado e do Estado 163

Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares 170

Quadro 14 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo subsidiariedade

complementariedade e incompatibilidades 194

Quadro 15 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de

inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas 196

Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais 205

Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender 207

Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza 207

Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e

famiacutelia) 229

xv

Quadro 20 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo requisitos mais comuns exigidos

aos beneficiaacuterios 232

Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha 237

Quadro 22 Alguns dos principais iacutendices de preccedilos e de custo de vida 254

Quadro 23 Criteacuterios de elegibilidade e valores de benefiacutecios para famiacutelias

integrantes do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) 255

Quadro 24 Programa de transferecircncia de renda - Fome Zero - relaccedilatildeo de criteacuterio de

acesso condicionalidade e valor dos benefiacutecios 259

xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de

15-64 anos na Uniatildeo Europeacuteia-UE -1960-1995 133

Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em )

ndash Espanha 1970 1981 e 1991 172

Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares 173

Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos ndash 2000 180

Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragon -

Espanha - 2004 185

Tabela 6 Chamadas ao telefone 24 horas do Instituto Aragonecircs da Mulher 188

Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul 192

Tabela 8 Europa do Sul programas de rendas miacutenimas (2000) 193

Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002) 194

Tabela 10 Europa do Sul rendas ndash metas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com

assistecircncia social 1992 197

Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992 197

Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX 204

Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha () 225

Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 anos

(valores absolutos e relativos) 230

Tabela 15 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005

ndashsupressatildeo do gasto da aacuterea 1- prestaccedilotildees econocircmicas 233

Tabela 16 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social ndash supressatildeo do

creacutedito de pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo 234

Tabela 17 Espanha pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado

do sistema siacutenteses por entidades 235

Tabela 18 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(1) 236

Tabela 19 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(2) 236

Tabela 20 Recurso aragonecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash renda

miacutenima 240

Tabela 21 Investimentos MDS ndash consolidado geral ndash resumo do paiacutes 263

xvii

Tabela 22 Relatoacuterio comparativo de poliacuteticas sociais ndash 2002 a 2005 (principais

programas e accedilotildees) 264

Tabela 23 Percentuais de crianccedilas fora da escola de acordo com a classificaccedilatildeo dos

municiacutepios ndash 2000 298

Tabela 24 Populaccedilatildeo estrangeira na Comunidade Autocircnoma ndash CCAA de Aragoacuten

(CCAA) e Espanha 314

Tabela 25 Recursos para estrangeiros ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten 314

xviii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo de bem-estar 1 98

Figura 2 Triacircngulo de bem-estar 2 99

Figura 3 Triacircngulo de bem-estar 3 99

Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares 164

Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares 170

Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma

incapacidade por grupos de idade 175

Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia

pessoal e horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador 176

Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de

longa duraccedilatildeo 178

Figura 9 Proporccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino 179

Figura 10 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do

gasto da aacuterea 1 prestaccedilotildees econocircmicas 233

Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do

gasto de pensotildees 234

Figura 12 BPC_ Pessoas beneficiadas 266

Figura 13 BPC_ Investimento anual 266

Figura 14 Piracircmide de populaccedilatildeo estrangeira revisatildeo do padratildeo municipal em 1ordm

de janeiro de 2003 315

xix

LISTA DE SIGLAS

ADH Atlas de Desenvolvimento Humano

BIRD Banco Internacional para Reconstruccedilatildeo e Desenvolvimento (Banco Mundial)

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BPC Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (LOAS)

CREA Centro de Referecircncia da Assistecircncia Social

CadUacutenico Cadastro Uacutenico dos Programas Sociais do Governo Federal

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

CCAA Comunidades Autocircnomas (Espanha)

CEPAL Comissatildeo Econocircmica para Ameacuterica Latina e Caribe

CLT Consolidaccedilatildeo das Leis de Trabalho

CNSS Conselho Nacional de Serviccedilo Social

CNAS Conselho Nacional de Assistecircncia Social

CGPBF Conselho Gestor do Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)

CSIC Conselho Superior de Investigaccedilatildeo Cientiacutefica (Espanha)

CE Comissacirco Europeacuteia

CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

DRU Desvinculaccedilatildeo da Receita da Uniatildeo

DIEESE Departamento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Soacutecio-econocircmicos

EU Uniatildeo Europeacuteia

FIPE Fundaccedilatildeo Nacional de Pesquisas Econocircmicas

FINSOCIAL Fundo Social de Investimento

FMI Fundo Monetaacuterio Internacional

IESAM Instituto de Estudos Sociais Avanccedilados de Madri

IASS Instituto Aragonecircs de Serviccedilos Sociais (Governo de AragoacutenEspanha)

IEIE Instituto de Estudos da Integraccedilacirco Europeacuteia

INPC Iacutendice Nacional de Preccedilos ao Consumidor

IPH Iacutendice de Pobreza Humana (PNUD)

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

INPS Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INAMPS Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica e Previdecircncia Social

IAPAS Instituto de Aposentadoria e Pensocirces da Assistecircncia Social

xx

ICV Iacutendice de Custo de Vida

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

LOAS Lei Orgacircnica da Assistecircncia Social

LDO Lei Diretrizes Orccedilamentaacuterias

LOPS Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (1960)

MDS Ministeacuterio de Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MEC Ministeacuterio de Educaccedilatildeo e Cultura

MTSS Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) (Espanha)

MTAS Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (Espanha)

MPAS Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Brasil)

MPs Medidas Provisoacuterias

NOB Norma Operacional Baacutesica

NIS Nuacutemero de Identificaccedilatildeo Social

OCDE Organizaccedilatildeo Para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas

OSFL Organizaccedilotildees Sem Fins Lucrativos

OIT Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho

PED Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

PDEE Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior (CAPES)

PNUD Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PBF Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)

PETI Programa de Erradicaccedilatildeo do Trabalho Infantil (MDS)

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelio

PISPASEP Programas de Integraccedilatildeo Social

RMG Rendimento Miacutenimo Garantido (Europa do Sul)

RMI Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Europa do Sul) Revenue Minimum dacuteInsertion (RMI na Franccedila) Renta Miacutenima de Insercioacuten (RMI na Espanha) Reddito Miacutenimo di Inserimento(RMI na Itaacutelia) e Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo(RMI em Portugal) Renda Miacutenima (RM no Brasil_ Programas deTransferecircncia de Renda)

RB Renda Baacutesica

PIB Produto Interno Bruto

SAS Secretaria Nacional de Assistecircncia Social (MTAS)

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUAS Sistema Uacutenico de Assistecircncia Social

xxi

SINE Sistema Nacional de Emprego

SFH Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo

UPC Unidade de Poliacuteticas Comparadas (Espanha)

INTRODUCcedilAtildeO

Analisa-se nesta tese uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada

pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) 1 surgida na Europa

no final dos anos 1970 como alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano

fordistabeveridgiano que vigorou entre 1945 e 1975 nas sociedades capitalistas

industrializadas do Ocidente Nesta anaacutelise privilegiam-se as implicaccedilotildees do pluralismo de

bem-estar para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos no mundo

capitalista incluindo o Brasil Tendo em vista esse privilegiamento parte-se da recente

discussatildeo sobre a crise do Estado Social2 de estilo keynesianofordistabeveridigano a partir

do final dos anos 1970 por entender que a identificaccedilatildeo dos fatores que desencadearam a

alegada crise bem como das estrateacutegias utilizadas para o seu enfrentamento ultrapassou os

paiacuteses capitalistas centrais repercutindo no Brasil

Entende-se que o debate sobre a expansatildeo do pluralismo de bem-estar em escala

mundial ganha relevacircncia por reeditar-se com ele praacuteticas assistenciais liberais e

conservadoras que afrontam os direitos sociais dos cidadatildeos conquistados no seacuteculo XX

Nesse debate faz-se necessaacuterio identificar com antecedecircncia a relaccedilatildeo entre Estado

sociedade (incluindo o mercado) e poliacuteticas de assistecircncia social no acircmbito de duas

experiecircncias divergentes de proteccedilatildeo social quais sejam a do Estado Social jaacute mencionadoe

a do pluralismo de bem-estar de estilo poacutes-keynesianobeveredigianofordista contrapondo

criticamente suas respectivas caracteriacutesticas puacuteblica de um lado e plural ou mista de outro

lado A suposiccedilatildeo impliacutecita nessa confrontaccedilatildeo eacute a de que por se tratar de um fenocircmeno

1 Em tese o pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto consiste em uma accedilatildeo compartilhada entre as trecircs esferas da sociedade moderna ndash Estado mercado e instituiccedilotildees natildeo-governamentais e natildeo-mercantis da sociedade No pluralismo neoliberal satildeo estabelecidas uma divisatildeo de responsabilidades nas esferas do bem-estar e uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre essas trecircs esferas com ecircnfase ao papel da sociedade civil jaacute que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e o Estado eacute destituiacutedo de seu papel de provedor e de regulador das relaccedilotildees sociais 2 O termo Estado social utilizado neste estudo constitui sinocircnimo do Estado de Bem-estar estabelecido apoacutes a Segunda Guerra Mundial que na liacutengua inglesa eacute denominado Welfare State Dentre as diferentes denominaccedilotildees do Estado de Bem-estar destacam-se trecircs Welfare State (na lingua inglesa) Estado de Providecircncia (na liacutengua francesa e no portuguecircs de Portugal) e Estado Social (na liacutengua alematilde) Nesta tese para evitar repeticcedilotildees semacircnticas ora eacute usado o termo Estado Social ora Estado de Bem-estar

23

mundial antigo e ubiacutequo a assistecircncia social de natureza puacuteblica associada ao Estado

Social agora subestimado requer tematizaccedilotildees cientiacuteficas

O recorte temporal dessa confrontaccedilatildeo privilegia dois periacuteodos histoacutericos o

primeiro situa-se dos anos 1940 aos 1970 quando o Estado Social se consolidou na

Inglaterra com o nome de Welfare State e como a primeira experiecircncia de seguridade

social desatrelada em parte do mercado O outro refere-se ao periacuteodo entre os anos 1970

ateacute os dias atuais quando esse modelo de Estado foi perdendo a sua natureza puacuteblica e sua

relativa autonomia da loacutegica mercantil

Entende-se tambeacutem como relevante nesta anaacutelise a explicitaccedilatildeo de categorias-

chave que demandam aprofundamento teoacuterico por estarem presentes no debate

contemporacircneo da assistecircncia social como relaccedilatildeo entre Estado e sociedade poliacutetica

social no contexto da poliacutetica puacuteblica (abarcando a questatildeo da pobreza e da

desigualdade) e direitos sociais associados agrave categoria trabalho Vale ainda destacar o

tratamento dessas categorias em paiacuteses3 com particularidades latinas no contexto europeu

ndash que com o Brasil constituiacuteram unidades de anaacutelise desta tese ndash os quais parafraseando

Abrahamson (1992) pautam-se por um modelo latino de fraca institucionalidade no

campo do bem-estar social

A anaacutelise do modelo latino que se efetuou para detectar a influecircncia do

pluralismo de bem-estar em um ambiente europeu que lhe eacute culturalmente favoraacutevel

tornou defensaacutevel a inclusatildeo do Brasil pelas afinidades que esse paiacutes da Ameacuterica Latina

manteacutem com o modelo a comeccedilar pela referecircncia latina que o classifica De fato vale

enfatizar tanto o Brasil como os paiacuteses que compotildeem o modelo latino dentre os quais

para efeitos deste estudo particulariza-se a Espanha desenvolvem um sistema de bem-

estar desfalcado de uma efetiva presenccedila do Estado destacando o protagonismo das

famiacutelias e de setores natildeo-oficiais da sociedade como espaccedilos privados primaacuterios de

provisatildeo social Haacute tambeacutem nessa provisatildeo a participaccedilatildeo influente da religiatildeo com seus

valores e adoccedilatildeo de soluccedilotildees conservadoras e tradicionais em combinaccedilatildeo com medidas

residuais de proteccedilatildeo social estatal

Como pano de fundo da anaacutelise do padratildeo latino de assistecircncia social adotado

no Sul da Europa e no Brasil figuram as dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como termos

3 Os paiacuteses do Sul da Europa (tambeacutem denominada Europa Mediterracircnea eou Meridional) satildeo Franccedila (em parte) Portugal Itaacutelia (em parte) Greacutecia e Espanha e esta uacuteltima constituiu unidade de anaacutelise privilegiada deste estudo Essa comparaccedilatildeo eacute possiacutevel pelas similaridades latinas do regime de bem-estar adotado por esses paiacuteses e pelo Brasil o qual eacute protagonizado por segmentos informais e voluntaacuterios da sociedade civil (igreja famiacutelia e organizaccedilotildees voluntaacuterias) e natildeo pelo Estado

24

opostos da avaliaccedilatildeo da tendecircncia de fortalecimento da dimensatildeo plural em relaccedilatildeo agrave

puacuteblica no pluralismo de bem-estar Esta constataccedilatildeo revelou o caraacuteter histoacuterico da poliacutetica

de assistecircncia social e como tal a sua existecircncia como fenocircmeno complexo que conteacutem

particularidades e caracteriacutesticas proacuteprias em sua relaccedilatildeo com o regime de proteccedilatildeo social

adotado nos paiacuteses em que se realiza bem como com as demais poliacuteticas soacutecio-

econocircmicas mesmo que tratada por um veio particular como se faz neste trabalho

Para fins de esclarecimento eacute vaacutelido ressaltar que o pluralismo de bem-estar

sempre foi endoacutegeno ao capitalismo pois o Estado Social nunca abdicou da sua relaccedilatildeo

com o mercado e com os setores voluntaacuterios da sociedade Na atualidade essa

caracteriacutestica confere ao pluralismo de bem-estar caraacuteter inovador pois assim como os

demais processos soacutecio-econocircmicos ele foi absorvido pelo neoliberalismo Com isso o

antigo protagonismo do Estado Social em suas tradicionais relaccedilotildees com o mercado e com

os setores natildeo-mercantis da sociedade foi sendo esvaziado em nome de uma paridade

entre essas trecircs instacircncias4 e essa paridade natildeo aconteceu porque o referido protagonismo

foi transferido para o mercado

Diante dessa reorientaccedilatildeo entende-se como relevante o estudo aprofundado

dos processos complexos que vatildeo se configurando como mudanccedila radical no padratildeo

puacuteblico de assistecircncia social conquistado pela classe trabalhadora desde finais do seacuteculo

XIX para um padratildeo plural que em verdade escamoteia um crescente processo de

privatizaccedilatildeo da provisatildeo social A anaacutelise do discurso e da praacutetica dos defensores do

pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal bem como das novas orientaccedilotildees

(privatistas e voluntaristas) da assistecircncia social potildeem em evidecircncia a centralidade e

atualidade deste estudo

Busca-se de fato reiterar que o conceito de bem-estar plural ou de pluralismo

de bem-estar com o objetivo de agregar muacuteltiplos setores e atores de forma paritaacuteria natildeo eacute

novo e nem surgiu ao acaso Sua feiccedilatildeo atual tem raiacutezes histoacutericas e eacute fruto de demandas

decorrentes das dificuldades enfrentadas pelo Estado Social nos fins dos anos 1970 de

cumprir seu papel provedor em um contexto de perda de centralidade da doutrina

econocircmica keynesiana-fordista e do modelo beveridgiano de seguridade social que lhe

servia de suporte doutrinaacuterio e poliacutetico O novo aparece efetivamente natildeo no conceito de

4 Modelo triangular tripartite apresentado por Peter Abrahanson (1995 ab) com a triacuteade Estado (dotado de poder) mercado (dotado de dinheiro) e sociedade (dotada de solidariedade) Em tese essas dimensotildees constituem o espaccedilo puacuteblico e o espaccedilo privado e devem relacionar-se por meio de trocas e de complementaridade de seus recursos especiacuteficos Daiacute a necessidade de distingui-las em relaccedilatildeo agrave sua concepccedilatildeo constituiccedilatildeo e funccedilatildeo conforme o autor

25

pluralismo de bem-estar mas no uso que dele se faz para justificar a desregulamentaccedilatildeo da

proteccedilatildeo social e a desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia como poliacutetica puacuteblica para a

instituiccedilatildeo de uma assistecircncia social informal voluntarista ancorada na comunidade local

e na famiacutelia e especialmente na mulher como cuidadora social por excelecircncia

Esse enfoque justifica-se pela necessidade de destacar e combater a ecircnfase

dada pelos defensores do pluralismo de bem-estar a uma assistecircncia social como antiacutetese

da cidadania social Em decorrecircncia torna-se importante submeter agrave criacutetica sistemaacutetica os

conceitos e os argumentos neoliberais utilizados para justificar essa inversatildeo histoacuterica em

razatildeo do visiacutevel aumento da pobreza e da desigualdade social sob a ingerecircncia do

pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal e agrave incapacidade do mercado de promover

inclusatildeo social

Assim a proposta neoliberal de pluralismo de bem-estar tal qual se apresenta

na atualidade eacute problematizada por privilegiar a atuaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais informal

voluntaacuterio e mercantil ou comercial (Johnson 1990) em detrimento do papel do Estado na

proteccedilatildeo social puacuteblica

Ademais este estudo identificou mediante revisatildeo bibliograacutefica uma baixa

produccedilatildeo cientiacutefica sobre o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar como uma proposta

poliacutetica particular Por isso entende-se que o trato desse tema mesmo sem a pretensatildeo de

esgotaacute-lo poderaacute fornecer elementos de compreensatildeo do atual fenocircmeno de desvinculaccedilatildeo

da assistecircncia social dos direitos de cidadania Ademais o debate sobre o processo de

apropriaccedilatildeo neoliberal da noccedilatildeo de pluralismo de bem-estar certamente poderaacute qualificar e

aprofundar o exame contemporacircneo da assistecircncia social

No entanto a recusa ao pluralismo de bem-estar de corte neoliberal natildeo

significa a defesa do estatismo mas sim resgatar a centralidade do Estado como instatildencia

puacuteblica insubstituiacutevel como garantidora dos direitos sociais Portanto na perspectiva deste

estudo o pluralismo de bem-estar tal como se apresenta precisa ser repensado por duas

principais razotildees a primeira por natildeo ter uma dimensatildeo puacuteblica universalizadora e de

inclusatildeo social e a segunda por expressar o retorno de praacuteticas arcaicas e conservadoras

que por si soacute natildeo tecircm poder para concretizar direitos de cidadania

O debate sobre a perda da funccedilatildeo do Estado eacute revelador das contradiccedilotildees

inerentes ao sistema capitalista que perpassam a proacutepria histoacuteria do capitalismo avanccedilado

ganhando dimensotildees diferenciadas tanto na fase de consolidaccedilatildeo do Estado Social quanto

no de sua propalada crise Ganha entatildeo realce a concepccedilatildeo puacuteblica e universal dos direitos

26

sociais cuja garantia se fundamenta em princiacutepios de cidadania ampliada justiccedila

redistributiva e equidade social A cidadania ampliada constitui-se dos direitos individuais

(civis e poliacuteticos) mas natildeo se limita a eles pois incorpora tambeacutem os direitos sociais

O conceito de liberdade positiva com igualdade5 que embasa os direitos

sociais estaacute em contraposiccedilatildeo com a concepccedilatildeo neoliberal de liberdade negativa e de

cidadania restrita fundamentada tatildeo somente na garantia de direitos individuais (civis e

poliacuteticos) Dessa contraposiccedilatildeo surgem significativas diferenciaccedilotildees dentre as quais duas

se destacam Uma refere-se agrave ecircnfase dada agrave dimensatildeo plural ou mista em detrimento da

dimensatildeo puacuteblica assegurada pelo Estado pelo estabelecimento dos direitos sociais e de sua

materializaccedilatildeo pelas poliacuteticas sociais puacuteblicas A outra diz respeito agrave concepccedilatildeo de

miacutenimos sociais em detrimento da concepccedilatildeo de satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas

e de sua necessaacuteria vinculaccedilatildeo com a cidadania ampliada

O debate sobre a necessaacuteria adequaccedilatildeo entre poliacuteticas sociais (incluindo a

assistecircncia) e necessidades baacutesicas encontra em Doyal e Gough (apud PEREIRA

2000) uma profiacutecua reflexatildeo Referenciada em tais autores Pereira (2000) rejeita a

noccedilatildeo de miacutenimos (difundida pelos neoliberais) como criteacuterio de definiccedilatildeo de

poliacuteticas de satisfaccedilatildeo de necessidades baacutesicas e opta pela noccedilatildeo de baacutesicos por

entender que esse conceito ldquopermite a inferecircncia de que niacuteveis superiores e

concertados de satisfaccedilatildeo de necessidades devem ser perseguidosrdquo (PEREIRA 2000

p 181) Recusa portanto a equiparaccedilatildeo do baacutesico com a visatildeo restrita de pobreza

vinculada agrave sobrevivecircncia bioloacutegica ao tempo em que postula a formulaccedilatildeo de um

ldquoconceito objetivo e universal de necessidades humanas baacutesicasrdquo (2000 p 181) que

leve em conta simultaneamente a dimensatildeo natural (bioloacutegica) e a social dos seres

humanos Resulta entatildeo uma compreensatildeo antiliberal das necessidades baacutesicas por

vinculaacute-las agrave cidadania e por requerer a ldquotransformaccedilatildeo das necessidades humanas em

questotildees de direitordquo (p 181)

5 Define-se como liberdade positiva a possibilidade de os direitos de cidadania serem assegurados pelo Estado e afianccedilados constitucionalmente A discussatildeo sobre democracia e cidadania ampliada remete agrave defesa da legalidade positiva do Estado tanto por seu grau de universalidade como pela articulaccedilatildeo de tais conceitos entre si Trata-se do reconhecimento do Estado como garantia de cidadania das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais O conceito de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica quando vinculado ao conceito de liberdade positiva para todos porque os direitos sociais diferentemente dos direitos individuais (civis e poliacuteticos) constituem um terceiro e decisivo niacutevel de cidadania e tecircm como perspectiva a igualdade e a justiccedila redistributiva Por isso exigem atitudes positivas e ativas do Estado no atendimento de necessidades sociais O conceito de liberdade negativa postulado pelos neoliberais contrapotildee-se ao de liberdade positiva Rechaccedila o princiacutepio da igualdade de condiccedilotildees de acesso e a capacidade interventiva e de regulaccedilatildeo do Estado no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais Natildeo reconhece a positividade dos direitos sociais nem o Estado como garantia de cidadania

27

Esse requerimento estava impliacutecito na discussatildeo iniciada na Europa apoacutes a

Segunda Guerra Mundial sob influecircncia do pensamento social-democrata em um contexto

de crise do sistema capitalista liberal a partir da grande depressatildeo econocircmica de 1929

Alargou-se dessa forma o domiacutenio das poliacuteticas econocircmicas ateacute entatildeo baseadas na oferta

na acumulaccedilatildeo e na reproduccedilatildeo ampliada do capital para dar espaccedilo agraves poliacuteticas soacutecio-

econocircmicas provedoras de bens e serviccedilos como direitos sociais Tal alargamento fez que a

legislaccedilatildeo social se tornasse pela primeira vez na histoacuteria um paradigma de seguridade

com uma perspectiva puacuteblica e universalizadora A nova concepccedilatildeo de seguridade

vinculada agrave ideacuteia de seguranccedila social tornou-se um requisito central da dinacircmica e da

forma pela qual se constituiacuteram as chamadas instituiccedilotildees de bem-estar Um outro aspecto

nesse contexto de mudanccedilas diz respeito agraves modificaccedilocirces e reestruturaccedilatildeo das relaccedilotildees

sociais tornando-se mais complexas e democraacuteticas agrave medida que passaram a privilegiar a

relaccedilatildeo entre Estado economia e sociedade um pressuposto essencial agrave construccedilatildeo de

esferas puacuteblicas

Com a crise desse padratildeo de intervenccedilatildeo social puacuteblico nos anos 1970 uma

das consequumlecircncias mais notaacuteveis e presentes nos discursos neoliberais em ascensatildeo

traduziu-se na substituiccedilatildeo do termo puacuteblico pelo vago plural ou misto (VIANA 2003)

Em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social nunca se falou tanto como atualmente em assistecircncia aos

pobres poliacuteticas de bem-estar provisatildeo social de bens e serviccedilos participaccedilatildeo e

descentralizaccedilatildeo accedilotildees sociais voluntaacuterias informais e solidaacuterias e outras expressotildees

correlatas Diante do exposto cabem as seguintes indagaccedilotildees trata-se esse resgate da

assistecircncia do retorno dos pilares econocircmicos e da base conceitual do Estado de Bem-estar

Social (padratildeo beveridgiano e keynesiano-fordista) sob um novo enfoque Ou se trata do

retorno das velhas foacutermulas de prestaccedilatildeo de benefiacutecios sociais como compensaccedilatildeo agraves

mazelas sociais causadas pelo predomiacutenio da loacutegica mercantil

Seja qual for a resposta agraves duas indagaccedilotildees o que estaacute em pauta natildeo eacute uma

ideologia irracional Ao contraacuterio trata-se de uma ideologia eivada de racionalidade

instrumental (weberiana) e de clara intencionalidade Para Pereira (2004) o retorno da

assistecircncia social muito mais como resposta agrave segunda questatildeo revela ldquoum paradoxo

tiacutepico da atualidade que eacute quanto mais insustentaacutevel essa poliacutetica parece ser mais ela eacute

demandadardquo (p 142)

Associada a essa constataccedilatildeo uma questatildeo de partida eacute natildeo seria esse debate

revelador da ausecircncia de alternativas concretas e de propostas de poliacuteticas puacuteblicas

28

concretizadoras de direitos sociais universais no atendimento das necessidades baacutesicas dos

cidadatildeos Se assim o for natildeo deve causar espanto o crescimento da pobreza e da

desigualdade social visto que a privatizaccedilatildeo e o esvaziamento das esferas puacuteblicas

impostos pela ofensiva neoliberal natildeo conduzem ao equacionamento desse dilema

Com base na problemaacutetica contida na pergunta de partida constitui objetivo

geral desta tese analisar no contexto da realidade da proteccedilatildeo social contemporacircneandash

destacando a brasileira e a sul europeacuteia que compotildeem o modelo latino ndash como a proposta

original de pluralismo de bem-estar iniciada na Europa a partir do final dos anos 1970 foi

apreendida e utilizada por uma nova direita em sua versatildeo neoliberal

Os objetivos especiacuteficos satildeo os que se seguem

a) analisar em que medida o modelo latino adotado pelos paiacuteses do sul da Europa e pelo

Brasil facilitou a penetraccedilatildeo e aclimataccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de corte

neoliberal nesses paiacuteses

b) verificar no caso brasileiro como estatildeo sendo articuladas (se eacute que o estatildeo) as

discussotildees sobre os efeitos da tendecircncia pluralista atual no campo da poliacutetica de

assistecircncia social

c) fazer um balanccedilo do perfil atual da poliacutetica de assistecircncia social sul europeacuteia e

brasileira em virtude das constantes investidas neoliberais de desmonte dos direitos

sociais previstos nas legislaccedilotildees e planos de accedilatildeo social desses contextos

Para efeitos analiacuteticos a presente tese estaacute organizada de modo a contemplar

dois grandes eixos interligados em si um teoacuterico e outro metodoloacutegico O primeiro

identifica-se com a dimensatildeo substantiva da anaacutelise e como tal baseia-se nas

determinaccedilotildees estruturais e histoacutericas do objeto de estudo Nessa dimensatildeo satildeo

explicitados os pressupostos baacutesicos que fundamentam as divergentes perspectivas

neoliberal e social-democrata bem como as categorias analiacuteticas (principais e secundaacuterias)

que lhes satildeo particulares Entende-se que tal explicitaccedilatildeo deve resultar do enfrentamento

da razatildeo criacutetica com o real em uma perspectiva de classe social para captar o objeto na

histoacuteria problematizaacute-lo e trazecirc-lo para o plano teoacuterico como realidade concreta pensada

(MARX apud KOSIK 1976)

No segundo eixo adota-se o meacutetodo histoacuterico-estrutural que ao buscar

dialeticamente a compreensatildeo do fenocircmeno estudado considera tanto os fatores

29

estruturais que o determinam quanto a sua histoacuteria construiacuteda pelos sujeitos Trata-se de

um desafio que esta investigaccedilatildeo enfrentou sem prescindir da natureza racional do meacutetodo

que a informa Ainda neste eixo satildeo contemplados aspectos operacionais da pesquisa

identificados com procedimentos metodoloacutegicos necessaacuterios agrave aplicaccedilatildeo adequada do

meacutetodo assim como satildeo utilizados instrumentos e teacutecnicas de coleta de dados e

informaccedilotildees particularmente em fontes indiretas

Com base nesses eixos procurou-se compreender as principais relaccedilotildees

constantes do objeto de interesse da pesquisa quais sejam

a) a relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica em um contexto capitalista neoliberal com base

na atuaccedilatildeo de trecircs atores ndash Estado mercado e setores natildeo- mercantis da sociedade ndash

no campo da poliacutetica de assistecircncia social e do modelo de bem-estar latino

b) a histoacuterica relaccedilatildeo entre direitos sociais e poliacutetica social puacuteblica nas sociedades

capitalistas

c) a relaccedilatildeo entre a concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico assegurada pelo Estado e a de bem-

estar plural ou misto desenvolvida pela sociedade (muacuteltiplos setores e atores) por

meio de um conjunto de accedilotildees assistenciais informais e voluntaacuterias

d) a relaccedilatildeo entre padratildeo de bem-estar puacuteblico princiacutepios de cidadania ampliada

democracia igualitaacuteria e justiccedila redistributiva vis-agrave-vis o pluralismo de bem-estar de

corte neoliberal residual e focalizado na pobreza absoluta

Desse conjunto de relaccedilotildees configura-se o objeto de interesse analiacutetico deste

estudo _ uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada pluralismo de bem-estar ou

bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) surgida no final dos anos 1970 como

alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano fordista beveridgiano que vigorou entre

1945 e 1975 nas sociedades capitalistas industrializadas do Ocidente e suas implicaccedilotildees

para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos em paiacuteses que

adotaram o modelo latino incluindo o Brasil

Em outros termos interessa particularmente a esta tese o estudo do regime de

bem-estar denominado latino que caracteriza a proteccedilatildeo social dos paiacuteses europeus da

Regiatildeo Sul ou da Europa Mediterracircnea (Espanha Franccedila Portugal Itaacutelia e Greacutecia)

centrado na famiacutelia e nas pequenas comunidades a partir dos anos 1980 e pelo Brasil

durante os governos apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 (Joseacute

30

Sarney Fernando Collor Fernando Henrique Cardoso e Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva) bem

como a sua relaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar neoliberal Entretanto como a unidade

de anaacutelise privilegiada da pesquisa natildeo satildeo propriamente os paiacuteses do Sul da Europa mas o

modelo latino que adotam ndash que se assemelha ao sistema de proteccedilatildeo social brasileiro ndash

elegeu-se no interior desse modelo a assistecircncia social para conhecer a sua abrangecircncia

tanto no Brasil como nos paiacuteses latinos

Dessa forma foi possiacutevel chegar agrave seguinte suposiccedilatildeo ou hipoacutetese haacute indiacutecios

de que tal pluralismo pretende de fato criar aleacutem da retraccedilatildeo do papel do Estado

garantidor de direitos um novo campo de sociabilidade Nesse modelo haacute a primazia do

mercado como forccedila central simboacutelica em um agregado de atores e setores de bem-estar

sem identidade de classe e status e amalgamados em uma rede aparentemente indistinta de

proteccedilatildeo plural por oposiccedilatildeo agrave proteccedilatildeo puacuteblica

O desdobramento dessa suposiccedilatildeo sugere que a proposta pluralista de bem-

estar de vieacutes neoliberal ao preconizar a substituiccedilatildeo da dimensatildeo puacuteblica da poliacutetica

social pela dimensatildeo plural ou mista expressa mais do que a privatizaccedilatildeo dessa poliacutetica

Expressa sobretudo um duro golpe no princiacutepio da redistributividade (como criteacuterio de

justiccedila e equumlidade social) assim como na democracia igualitaacuteria por restringir o campo

dos direitos de cidadania

Agregaccedilatildeo de setores e atores sociais no sistema pluralista de bem-estar

neoliberal natildeo garante a qualidade da provisatildeo social De fato estaacute por traacutes da aparente

distribuiccedilatildeo do poder do Estado na provisatildeo de bens e serviccedilos sociais para o mercado e

setores natildeo-mercantis da sociedade o fortalecimento da divisatildeo entre economia e poliacutetica e

sobretudo a indeterminaccedilatildeo de responsabilidades puacuteblicas perante demandas e

necessidades sociais Com essa indeterminaccedilatildeo em consequumlecircncia ocorre o aumento das

desigualdades sociais e da expansatildeo do conflito de classes aleacutem do crescimento assustador

dos iacutendices de pobreza (absoluta e relativa) em escala mundial

Supotildee-se assim que vaacuterias ideacuteias e estrateacutegias ocultam as razotildees pluralistas

neoliberais em suas tendecircncias e manifestaccedilotildees contemporacircneas No entanto o pouco que se

percebe eacute suficiente para supor que elas colocam em cheque perspectivas futuras de cidadania

ampliada e de democracia igualitaacuteria para a humanidade aleacutem de criar um sentimento de

frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves promessas feitas pela ordem capitalista agrave modernidade

Com base nessa suposiccedilatildeo e seu desdobramento pretende-se mais

especificamente identificar

31

a) as tendecircncias mais recorrentes da poliacutetica de assistecircncia social materializada em

programas de transferecircncia de renda (Brasil) eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo

(Europa do SulEspanha) tidos como a principal novidade de atendimento agraves

necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo

b) o caraacuteter plural ou misto do comprometimento do Estado com a distribuiccedilatildeo de

benefiacutecios residuais ao passo que um amplo leque de provisatildeo assistencial fica agrave

mercecirc de iniciativas privadas envolvendo ateacute mesmo o setor empresarial

c) a efetividade do pluralismo de bem-estar em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo dos iacutendices de pobreza

e de desigualdade social nos dois contextos territoriais estudados

d) a dinacircmica de reproduccedilatildeo desse padratildeo de bem-estar as justificativas para a manutenccedilatildeo

desse padratildeo bem como as formas de apoio recebido dos poderes puacuteblicos

Em sua estruturaccedilatildeo a presente tese estaacute dividida em duas partes A primeira trata

da configuraccedilatildeo histoacuterica do Estado de Bem-estar da sua propalada crise e da emergecircncia do

pluralismo de bem-estar e da assistecircncia social plural ou mista Compotildee-se de quatro capiacutetulos

O primeiro conteacutem a base teoacuterica que referencia a tese e nele estatildeo explicitadas categorias

analiacuteticas-chave para a fundamentaccedilatildeo dos argumentos e reflexotildees desenvolvidos

O segundo capiacutetulo trata do Estado de Bem-estar e de suas principais

caracteriacutesticas no contexto europeu de 1945-1975 bem como da emergecircncia de uma

suposta crise desse modelo de Estado justificado por um discurso que utiliza a ideologia

pluralista de bem-estar

O terceiro analisa a origem concepccedilatildeo significado estrateacutegias e terminologia

relativas ao fenocircmeno do pluralismo de bem-estar dando realce aos seus antecedentes

histoacutericos e ao pioneirismo de sua primeira proposta imediatamente apoacutes o teacutermino da

Segunda Guerra Mundial Trata tambeacutem da concepccedilatildeo neoliberal de pluralismo de bem-

estar desde a sua divulgaccedilatildeo pela nova direita europeacuteia no final dos anos 1970 como

alternativa agrave chamada crise do Estado de Bem-estar O periacuteodo de crise eacute marcado pelo

debate sobre pobreza desigualdade e exclusatildeo social na Uniatildeo Europeacuteia e pela reproduccedilatildeo

de uma ideologia antiestatal com clara inversatildeo de protagonismos no processo de provisatildeo

social Dentre os vaacuterios aspectos analisados destacam-se o esvaziamento da esfera

puacuteblica a perda de conquistas histoacutericas no campo da democracia e dos direitos de

cidadania e a defesa de mecanismos natildeo convencionais de bem-estar como as chamadas

redes de proteccedilatildeo social como estrateacutegia de enfrentamento da pobreza

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Nessa abordagem satildeo realccedilados os efeitos que o pluralismo de bem-estar vem

silenciosamente promovendo em escala mundial A absorccedilacirco pelo neoliberalismo em

virtude da coincidecircncia de seus objetivos de quebra da centralidade do Estado na provisatildeo

social justifica o seu estudo articulado Sabe-se que os adjetivos plural ou misto natildeo

expressam a noccedilatildeo de puacuteblico e puacuteblico natildeo significa necessariamente estatal Com o uso

do termo pluralismo difunde-se uma ideologia centrada em uma subjetividade abstrata

cuja particularidade natildeo remete agrave universalidade e agrave autonomia dos sujeitos Ao contraacuterio

a perspectiva colocada eacute de heteronomia com sujeitos despolitizados e por isso passivos e

fragilizados em seu poder de decisatildeo Em vista disso o uso das categorias plural e mista

(poreacutem natildeo puacuteblica) termina por impor novos padrotildees de controle social No limite

assiste-se agrave privatizaccedilatildeo do puacuteblico com clara tentativa de pluralizar o privado Tal arranjo

perpassa todas as esferas da vida social ndash econocircmicas poliacuteticas culturais ndash alterando

significativamente o cotidiano das pessoas

Diante do exposto o quarto capiacutetulo analisa a trajetoacuteria da assistecircncia social no

contexto do pluralismo de bem-estar problematizando a dimensatildeo plural ou mista em

detrimento da dimensatildeo puacuteblica A proposta plural ou mista eacute analisada em seu significado

neoliberal adepto do incremento do protagonismo dos setores natildeo oficiais ndash informal

voluntaacuterio e comercialmercantil ndash em substituiccedilatildeo agrave lideranccedila do Estado e como processo

de desinstitucionalizaccedilatildeo da poliacutetica de assistecircncia social Nessa problematizaccedilatildeo destaca-

se o discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar entendido como uma

reediccedilatildeo de praacuteticas conservadoras e assistencialistas bem como a participaccedilatildeo da famiacutelia

contemporacircnea (e nela da mulher) na provisatildeo social Na afirmaccedilatildeo de Rose (apud

MISHRA 1994) de que nas sociedades mistas as famiacutelias tecircm una multiplicidade de

meios para manter seu bem-estar percebe-se a ecircnfase dada pelos neoliberais agrave

transferecircncia de responsabilidades do Estado para a famiacutelia e em especial para a mulher

A segunda parte compotildee-se de trecircs capiacutetulos ndash cinco seis e sete O capiacutetulo

cinco tem como foco o modelo latino sua contextualizaccedilatildeo em diferentes tipologias de

Estados e regimes de bem-estar o seu perfil assim como as caracteriacutesticas e as tendecircncias

da assistecircncia social na Europa do Sul com destaque agrave Espanha6 e ao Brasil no bojo desse

6 Neste estudo optou-se por dar ecircnfase agrave Espanha com maior nuacutemero de dados empiacutericos bem como maior detalhamento do sistema de proteccedilatildeo social desse paiacutes em que pese a obtenccedilatildeo de dados da realidade social dos demais paiacuteses da Europa do Sul Essa opccedilatildeo deve a quatro razotildees a primeira pela grande convergecircncia valorativa e pelo histoacuterico intercacircmbio eacutetnico e cultural (pelo processo de imigraccedilatildeo) entre espanhoacuteis e brasileiros a segunda por exigecircncia metodoloacutegica de estabelecer um recorte no universo da pesquisa em virtude da exiguumlidade de tempo para conclusacirco deste estudo a terceira por uma motivaccedilatildeo pessoal em

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modelo Satildeo tambeacutem enfatizadas praacuteticas terminologias e significados bem como

contrastes e particularidades regionais latinas (econocircmicas histoacutericas e culturais) na

configuraccedilatildeo geral dos programas de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo nesses dois contextos

O sexto capiacutetulo ressalta a dimensatildeo plural ou mista das poliacuteticas de bem-estar

implementadas nas duas regiotildees contraposta agrave dimensatildeo puacuteblica Trata-se aleacutem disso da

ausecircncia de redistribuiccedilatildeo de renda nos dois contextos estudados e do fenocircmeno da

apartaccedilatildeo social no Brasil

As experiecircncias da Espanha e do Brasil com programas de transferecircncia de renda

eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) de que trata o capiacutetulo seis ressaltam o padratildeo de

renda miacutenima em curso bem como a concepccedilatildeo a configuraccedilatildeo e a reestruturaccedilatildeo de tais

programas sob influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal Esta parte do estudo

identifica os traccedilos caracteriacutesticas e a tendecircncia contemporacircnea da assistecircncia social na Europa

do Sul e no Brasil a partir dos anos 1980 especificamente no periacuteodo apoacutes o

estabelecimentodo do padratildeo de bem-estar beveridgiano keynesiano-fordista mediante a

demarcaccedilatildeo de diferenccedilas contrastes e semelhanccedilas existentes No caso especiacutefico do Brasil eacute

analisado o fato paradoxal de a seguridade social (conforme consta na Constituiccedilatildeo Federal de

1988) pautar-se tanto pelo padratildeo de proteccedilatildeo social beveridgiano (modelo de bem-estar inglecircs

adotado apoacutes a Segunda Guerra Mundial) como pelo padratildeo profissional bismarckiano

(modelo alematildeo de 1883-1889) Outro fato curioso eacute que o Brasil parece conviver

harmonicamente com accedilotildees pluralistas (informais desinstitucionalizadas e voluntaacuterias) com

clara orientaccedilatildeo neoliberal e com propostas social-democraacuteticas previstas na Lei Maior

(assistecircncia social institucionalizada) O estudo constata que com tais estrateacutegias o receituaacuterio

neoliberal de inspiraccedilatildeo plural reeditou antigos procedimentos de auto-ajuda e de ajuda

muacutetua ao propor o trabalho voluntaacuterio com base na solidariedade Como jaacute salientado

surgiram alternativas de accedilotildees assistenciais agrave sociedade em substituiccedilatildeo agraves funccedilotildees de

provisatildeo e regulaccedilatildeo do Estado Percebe-se entretanto que a ecircnfase dada agrave sociedade como

principal agente de bem-estar com a conotaccedilatildeo positiva de participaccedilatildeo efetiva constitui uma

estrateacutegia de reduccedilatildeo da accedilatildeo estatal na aacuterea de bem-estar e portanto da reduccedilatildeo dos gastos

puacuteblicos em nome de uma suposta descentralizaccedilatildeo do poder

aperfeiccediloar o idioma espanhol (castelhano) e pela curiosidade cientiacutefica de conhecer in loco (Programa de Estaacutegio no ExteriorCAPESPDEE) o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar na Espanha especialmente dos chamados programas de renda miacutenima e inserccedilatildeo com ecircnfase agrave descentralizaccedilatildeo das accedilotildees (com autonomia das Comunidades Autocircnomas_CCAA) no campo da assistecircncia social E por uacuteltimo a quarta razatildeo deve-se agraves semelhanccedilas percebidas entre os modelos de proteccedilatildeo social espanhol e o brasileiro no que se refere agrave forte presenccedila dos setores privados na provisatildeo social tendo como destaque a famiacutelia e nela a mulher como cuidadora social

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No caso brasileiro os fatos revelam que sob a eacutegide do pluralismo de bem-

estar ocorreu a subordinaccedilatildeo dos criteacuterios de justiccedila social e do exerciacutecio da democracia e

da cidadania aos princiacutepios da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do mercado econocircmico e da

retraccedilatildeo do papel do Estado como garante de direitos Fez-se aiacute um breve retrospecto do

perfil histoacuterico da proteccedilatildeo social nos periacuteodos anterior e posterior agrave promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 (1930 a 1988 e 1989 a 2006) e do caraacuteter

conservador desse padratildeo de bem-estar em suas caracteriacutesticas particularidades e

paracircmetros organizadores

No seacutetimo e uacuteltimo capiacutetulo satildeo analisadas as principais semelhanccedilas e

diferenccedilas encontradas na implementaccedilatildeo da assistecircncia socialprogramas de renda miacutenima

de inserccedilatildeo (Europa do Sul) eou de transferecircncia de renda (Brasil) bem como o padratildeo de

assistecircncia social desenvolvido nessas duas regiotildees ndash Europa do Sul e Brasil Nesse

capiacutetulo a ecircnfase maior eacute dada agraves tendecircncias mais gerais que caracterizam e informam

essas duas realidades na contemporaneidade

O conjunto dessas consideraccedilotildees remete ao cerne da problemaacutetica investigada

por esta tese a saber a dimensatildeo da influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho

neoliberal sobre a relaccedilatildeo entre Estado sociedade e poliacutetica social e em particular sobre a

efetividade de um sistema de proteccedilatildeo social subsidiado por uma poliacutetica de assistecircncia

social esvaziada de seu conteuacutedo puacuteblico

Metodologia meacutetodo e procedimentos

Nesta tese parte-se da premissa de que um processo investigativo natildeo se

reduz a um conjunto de teacutecnicas e instrumentos e nem se define por ele mas pelo

meacutetodo que o orienta o qual por sua vez se referencia em pressupostos ou estatutos

epistemoloacutegicos determinados Como jaacute indicado o meacutetodo adotado eacute o relacional

dialeacutetico articulador das dimensotildees histoacuterico-estruturais referenciado na loacutegica

igualmente dialeacutetica embora tenha como criteacuterio de verdade a realidade que deve ser

decifrada e interpretada porque a premissa desta tese eacute a de que a realidade social natildeo

se reduz ao campo da empiria (empirismo positivista) e nem eacute de fato o que aparenta

ser Dessa afirmaccedilatildeo decorre que o ato de pesquisar carece de meacutetodo que ultrapasse o

uso de teacutecnicas e procedimentos tanto para imprimir marcas de racionalidade e

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ordenaccedilatildeo nos argumentos quanto para garantir o espiacuterito criacutetico contra generalizaccedilotildees

apressadas e credulidades ideoloacutegicas dogmaacuteticas

Como uma linha auxiliar de anaacutelise no acircmbito do meacutetodo histoacuterico-estrutural

fez-se uso da comparaccedilatildeo da praacutetica da assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul

(particularmente na Espanha) tendo como denominador comum o modelo latino de

proteccedilatildeo social Contudo natildeo se quer dizer que se estaacute utilizando o meacutetodo comparado em

suas postulaccedilotildees claacutessicas e em suas prescriccedilotildees normativas que estabelecem como

paracircmetros da anaacutelise da poliacutetica social as seguintes variaacuteveis indagativas por que ocorreu

tal poliacutetica Por quem foi implementada A favor de quem Com que meios A

comparaccedilatildeo realizada visou simplesmente cotejar os aspectos convergentes e divergentes

entre os paiacuteses da Europa do Sul e o Brasil em relaccedilatildeo ao modelo latino adsorvido pelo

pluralismo de bem-estar

Os aspectos convergentes satildeo os que se seguem

a) adoccedilatildeo de um modelo latino com ecircnfase ao papel da igreja da famiacutelia e da

comunidade inclusive de vizinhanccedila

b) implementaccedilatildeo de programas com caracteriacutesticas de geraccedilatildeo eou transferecircncia de

renda de inserccedilatildeo mediante a implementaccedilatildeo de estrateacutegias pluralistas que

reponsabilizam o Estado quase tatildeo somente no tocante ao repasse de recursos

financeiros diretamente aos pobres

c) criaccedilatildeo de redes assistenciais em que os setores voluntaacuterio e informal de proteccedilatildeo

social ganham relevacircncia como os principais provedores ou cuidadores

As divergecircncias referem-se aos seguintes aspectos

a) proximidade dos paiacuteses do Sul da Europa com realidades nacionais europeacuteias

distintas das vivenciadas por esses paiacuteses e pelo Brasil

b) implementaccedilatildeo por esses paiacuteses de poliacuteticas sociais com caracteriacutesticas que se

constituem em princiacutepios diretrizes e objetivos ainda a serem alcanccedilados pelo

Brasil como por exemplo participaccedilatildeo social mais direta nos niacuteveis de governo

regional e local em particular nessa perspectiva ressalta-se a experiecircncia da

Espanha com as Comunidades Autocircnomas (CCAA) que se traduz em empenho

institucional pela descentralizaccedilatildeo no estabelecimento de sistemas regionais e

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locais de serviccedilos sociais e de assistecircncia social na implantaccedilatildeo de programas de

renda miacutenima de inserccedilatildeo (com protagonismo das comunidades)

desenvolvimento da chamada rede de proteccedilatildeo social e de serviccedilos sociais de

base e sua vinculaccedilatildeo com os programas de renda miacutenima como resposta

estrateacutegica agrave proposta do pluralismo de bem-estar neoliberal e finalmente

combinaccedilatildeo dos princiacutepios de seletividade e universalismo dentre outros

Como recorte eou delimitaccedilatildeo da pesquisa natildeo se pretendeu analisar a

realidade territorial desses paiacuteses europeus mas estabelecer os traccedilos e tendecircncias

atuais dos modelos pluralistas de bem-estar adotados por entender que eles tecircm uma

tradiccedilatildeo cultural mais latina com significativa presenccedila e participaccedilatildeo da famiacutelia e de

comunidades na provisatildeo social privada e na descentralizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Quanto agraves provaacuteveis caracteriacutesticas e semelhanccedilas destacam-se os programas de

transferecircncia de renda eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo vinculados agrave proposta de

redes de proteccedilatildeo social bem como as accedilotildees de bem-estar que se configuram como

um aporte assistencial agraves comunidades

Investigaram-se portanto por meio da perspectiva comparada as

tendecircncias pluralistas contemporacircneas na poliacutetica de assistecircncia social mediante

aproximaccedilotildees sucessivas agrave realidade dos paiacuteses do Sul da Europa e do Brasil tal qual

ela se apresenta atualmente considerando as particularidades regionais Nessa

comparaccedilatildeo natildeo se pretendeu analisar programas especiacuteficos mas sobretudo

identificar elementosvariaacuteveis (dados empiacutericos) que informam as tendecircncias

convergentes das duas realidades mediadas pelo modelo latino Satildeo essas tendecircncias

que valem a pena serem realccediladas pois as divergentes apesar de sua inegaacutevel

importacircncia para a comparaccedilatildeo jaacute satildeo por demais conhecidas

Em relaccedilatildeo ao Brasil o recorte temporal deu-se em dois periacuteodos o

primeiro de caraacuteter remissivo dos anos 1930 (no governo de Getuacutelio Vargas) ateacute os

anos 1980 O segundo privilegiou os marcos da Constituiccedilatildeo Federal brasileira de

1988 e em particular as gestotildees dos governos posteriores por ser esse momento

histoacuterico coincidente com o iniacutecio da investida neoliberal no Brasil e

paradoxalmente com a elevaccedilatildeo da assistecircncia social como direito social nos marcos

da referida Carta Magna

37

Portanto em siacutentese o estudo comparado7 teve como grande divisor de

aacuteguas de um lado as poliacuteticas de proteccedilatildeo social implementadas e fundamentadas na

concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico e de uma assistecircncia social institucionalizada

preconizada pelo Estado de Bem-estar keynesiano de 1945 ateacute meados dos anos 1970

e de outro as poliacuteticas sociais fundamentadas na concepccedilatildeo de bem-estar misto ou

plural de corte neoliberal defendida pelos pluralistas de bem-estar que postulam uma

assistecircncia social desinstitucionalizada voluntaacuteria e solidaacuteria e portanto sem a tutela

do Estado a partir dos anos 1970

A decisatildeo metodoloacutegica instrumental desta tese requereu a utilizaccedilatildeo de

categorias-meio relacionadas entre si e consideradas centrais agrave explicitaccedilatildeo das categorias

substantivas (teoacutericas) Dentre essas categorias-meio destacam-se duas contradiccedilatildeo e leis

do movimento histoacuterico

Utilizou-se a categoria contradiccedilatildeo por conter o princiacutepio explicativo das

relaccedilotildees dialeacuteticas que se pretende analisar jaacute que implica movimento histoacuterico e se

constitui como essecircncia mesma das coisas isto eacute a contradiccedilatildeo estaacute inscrita nos conflitos

de interesses de classes determinados pela relaccedilatildeo antagocircnica entre capital e trabalho

Assim a anaacutelise da poliacutetica social no capitalismo coloca o pesquisador diante de um

aspecto inerente agrave sua essecircncia e formaccedilatildeo qual seja ser um fenocircmeno resultante da

relaccedilatildeo contraditoacuteria entre capital e trabalho A poliacutetica social e no caso especiacutefico deste

estudo a assistecircncia social sacirco por natureza contraditoacuterias pois podem ao mesmo tempo

serem positivas e negativas em relaccedilatildeo ao trabalho e ao capital dependendo da correlaccedilatildeo

de forccedilas em presenccedila

7 Para maior aprofundamento sobre o meacutetodo comparativo (sua formalizaccedilatildeo e novas orientaccedilotildees em razatildeo da crise do meacutetodo claacutessico bem como sua relaccedilatildeo com a histoacuteria e a cultura recurso de anaacutelise estrateacutegico e outros) foram consultados BADIE Bertrand y HERMET Guy (1990) Meacutexico Sobre poliacutetica social comparada (seu sentido niacuteveis de comparaccedilatildeo perspectivas comparativas e as diversas dimensotildees da comparaccedilatildeo) foram pesquisados BRACHO Carmen FERRER Jorge Garcecircs (coord) Madrid 1998 e Landwerlin (1998) Para Landwerlin (1998) uma das linhas mais promissoras e qualificadas de comparaccedilatildeo tem sido o estudo dos fatores determinantes do crescimento do gasto social em relaccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) nacional A seu ver a anaacutelise comparada dos efeitos ou do impacto das poliacuteticas sociais concretas deve realizar-se com base na modificaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais reais de vida e de trabalho de seus beneficiaacuterios levando em conta todas as caracteriacutesticas locais e regionais que contribuem para a definiccedilatildeo de tais condiccedilotildees Para tanto Landwerlin (1998) destaca a importacircncia de esclarecer a natureza e as condiccedilotildees que determinam a poliacutetica que se pretende avaliar Neste caso pode-se analisar o impacto em termos do valor relativo em relaccedilatildeo ao PIB ou agrave renda per capita disponiacutevel e em relaccedilatildeo ao umbral de pobreza Trata-se de uma perspectiva analiacutetica que se interessa mais pelo papel desempenhado pelos atores poliacuteticos eou pelas estruturas poliacuteticas envolvidas no processo de regulaccedilatildeo e provisatildeo social e natildeo tanto pelo conteuacutedo concreto das poliacuteticas sociais Eacute o que os anglo-saxocircnicos denominam de policy content analysis Desse ponto de vista Landwerlin (1998) reafirma que ldquoo que se tem que analisar natildeo eacute tanto o que o Estado faz ou gasta senatildeo o que consegue fazer com o que tem ou gastardquo (p 141)

38

As leis (econocircmicas e poliacuteticas) do movimento histoacuterico compreendem a loacutegica

que governa a sociedade capitalista cujos acontecimentos sociais tecircm vinculaccedilatildeo estreita

com as condiccedilotildees concretas e mutaacuteveis de desenvolvimento dessa sociedade Nessas leis

natildeo haacute sobreposiccedilatildeo e independecircncia das condiccedilotildees estruturais em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees

poliacuteticas ou vice-versa mas a articulaccedilatildeo de ambas em uma unidade de contraacuterios

Portanto a escolha do meacutetodo histoacuterico-estrutural justifica-se pela noccedilatildeo de totalidade

dinacircmica e relacional que ele evoca e pelas possibilidades reais e concretas que oferece

para a apreensatildeo do objeto no seu movimento e contradiccedilotildees

Para a anaacutelise fez-se uso de dados obtidos em planos projetos relatoacuterios (de

execuccedilatildeo e de avaliaccedilatildeo) de fundaccedilotildees institutos eou organizaccedilotildees governamentais e natildeo-

governamentais (ONGs) responsaacuteveis por sua formulaccedilatildeo e tambeacutem de informaccedilotildees

prestadas por representantes dessas agecircncias em acircmbito nacional e internacional Como

procedimentos do estudo comparado investigaram-se aspectos e indicadores soacutecio-

econocircmicos disponiacuteveis sobre a assistecircncia social relativos ao seu processo de formaccedilatildeo e

de desenvolvimento no acircmbito do pluralismo de bem-estar tendo como paracircmetro o

modelo latino Foram colhidos dados oficiais nas home pages dos paiacuteses selecionados

incluindo o Brasil e em documentos oficiais legislaccedilotildees relatoacuterios censos materiais de

divulgaccedilatildeo institucional na imprensa na literatura especializada bem como relatoacuterios e

documentos de diversos organismos multilaterais (Banco Mundial BID e outros) e de

outros oacutergatildeos internacionais (Comissatildeo Especial para Pesquisa na Ameacuterica Latina_

(Cepal) Instituto de Pesquisa Aplicada_ (IPEA) Programa das Naccedilotildees Unidas para o

Desenvolvimento_ (PNUD) Fez-se uso tambeacutem de dados contidos em relatoacuterios de

conferecircncias atas de reuniotildees anais de congressos seminaacuterios eou encontros (nacionais e

interenacionais) referentes agrave poliacutetica de assistecircncia social Foram realizados ainda

contatos e intercacircmbios com pesquisadoresinvestigadores sociais cuja aacuterea de interesse eacute o

pluralismo de bem-estar eou a poliacutetica de assistecircncia social

Por fim apoacutes a qualificaccedilatildeo do projeto de tese fez-se pesquisa tambeacutem na

Espanha por meio de um estaacutegio de doutoramento no exterior e deu-se iniacutecio agrave elaboraccedilatildeo

da tese Os dados foram analisados em suas formas quantitativa e qualitativa procurando

identificar as atuais tendecircncias tensotildees antagonismos eou reciprocidades entre as

dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como elementos constitutivos e constituintes da

concepccedilatildeo e desenvolvimento da poliacutetica de assistecircncia social nos dois territoacuterios

estudados e que estatildeo sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar

PRIMEIRA PARTE

CAPIacuteTULO I

REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO

DAS CATEGORIAS DE ANAacuteLISE

11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho

Na busca de maior aprofundamento das complexas relaccedilotildees entre Estado e

sociedade que engendram as poliacuteticas sociais e consequumlentemente a poliacutetica de

assistecircncia social capitalista contemporacircnea adotou-se nesta tese como referecircncia teoacuterico-

analiacutetica a concepccedilatildeo de Estado ampliado de Gramsci (1991) do qual o Estado de Bem-

estar natildeo deixa de ser um traccedilo significativo Essa escolha ocorre e se justifica por duas

razotildees a primeira porque o sistema conceitual gramsciano prima pela originalidade

complexidade e por um grau de universalidade que interessa a este estudo a segunda por

considerar que a concepccedilatildeo de Estado de Gramsci aleacutem de sua indiscutiacutevel atualidade

apresenta novos elementos para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade

fornecendo aportes instigantes para a teoria poliacutetica moderna Sabe-se que Gramsci (1991)

atribui consideraacutevel importacircncia ao conceito de sociedade civil interpretando-o como um

complexo das superestruturas ideoloacutegicas que se estende por toda a vida social e que

compocirce o acircmbito do Estado ampliando-o Na perspectiva dialeacutetico-gramisciana o Estado

torna-se uma siacutentese contraditoacuteria e dinacircmica entre sociedade poliacutetica e sociedade civil

Trata-se da concepccedilatildeo de Estado e de sociedade com a qual esta tese se identifica embora

se saiba que Estado e sociedade civil tecircm conteuacutedos proacuteprios

Para Gramsci (1991) a sociedade civil eacute o lugar e o momento de vinculaccedilatildeo entre

determinadas condiccedilotildees objetivas configurando-se como uma totalidade histoacuterica o que lhe

confere forccedila organizativa e possibilidades concretas de dar direccedilatildeo poliacutetica eacutetica moral

cultural e intelectual aos processos sociais e histoacutericos A teoria gramsciana torna-se

revolucionaacuteria ao afirmar que o poder estatal contemporacircneo natildeo se esgota nos aparelhos

coercitivos e repressivos do Estado mas define-se pelo conjunto da sociedade civil Assim a

estrutura (base econocircmica da produccedilatildeo das relaccedilotildees sociais) e a superestrutura (reflexo do

conjunto das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo nos campos juriacutedico poliacutetico e ideoloacutegico) formam

41

o que denomina de bloco histoacuterico A superestrutura constitui-se de duas esferas essenciais a

sociedade poliacutetica (relativa ao Estado) e a sociedade civil (considerada a maior esfera puacuteblica

da superestrutura) Portanto o Estado na concepccedilatildeo de Gramsci (1991) apesar de sua

centralidade natildeo tem uma medida em si mesmo Como criaccedilatildeo da sociedade eacute essa esfera que

lhe daacute a medida e a profundidade de seus limites (OLIVEIRA 1995)8

A distinccedilatildeo gramsciana entre sociedade poliacutetica (Estado) e sociedade civil eacute o

lugar teoacuterico em que se evidencia uma nova concepccedilatildeo de Estado que inclui a sociedade

civil Ressalta-se como contraponto criacutetico agrave concepccedilatildeo de Estado neoliberal

fundamentado no liberalismo claacutessico que a ampliaccedilatildeo das funccedilotildees do Estado combatida

por essa ideologia eacute percebida como um exagero de intervenccedilatildeo social e econocircmica9 A

expectativa que os neoliberais tecircm da sociedade tambeacutem natildeo eacute a de uma esfera autocircnoma e

atuante como forccedila organizada capaz de apresentar demandas sociais ao nuacutecleo do poder

estatal e de exercer o controle democraacutetico sobre suas accedilotildees Os neoliberais como

legiacutetimos representantes da nova direita (fusatildeo de neoliberais e neoconservadores)

esperam dessa instacircncia a sua subordinaccedilatildeo aos interesses do capital e um retorno ao

conservadorismo mediante praacuteticas sociais assistencialistas voluntaacuterias de auto-ajuda e de

ajuda muacutetua em substituiccedilatildeo ao papel dos governos Portanto ao tomar o estatuto teoacuterico-

analiacutetico gramsciano como referecircncia esta tese destaca tambeacutem a centralidade e a

vinculaccedilatildeo existente entre os demais conceitos que fundamentam esse pensamento tais

como hegemonia (elaboraccedilatildeo de um sistema de recursos ideoloacutegicos e poliacuteticos que se

constroacutei se conquista e se traduz em capacidade de direccedilatildeo de uma determinada classe)

cultura (que extrapola a simples aquisiccedilatildeo de conhecimento como possibilidade de

conquista de uma consciecircncia social e poliacutetica superior de uma nova posiccedilatildeo na histoacuteria

na perspectiva de classe social) e o de catarse (como momento eacutetico-poliacutetico e de praacutexis

social) Esses conceitos constituem-se na siacutentese de um projeto de sociedade e em

elementos essenciais na construccedilatildeo de um novo bloco histoacuterico

Para Gramsci (1991) eacute por meio do momento cataacutertico que o homem (ser

social) afirma sua liberdade em face das estruturas econocircmico-sociais injustas revelando

que embora condicionado por essas estruturas eacute capaz de novas iniciativas mudando o

curso da histoacuteria Nesse sentido a vida social e material eacute considerada produto da accedilatildeo dos

8 Transcriccedilotildees de aulas proferidas do Dr Prof Francisco de Oliveira em cursos da poacutes-graduaccedilatildeo (Mestrado e Doutorado) em Serviccedilo Social da Pontifiacutecia Universidade de Satildeo Paulo (PUC-SP) em 1995 9 Segundo Oliveira (1995) intervenccedilatildeo eacute um termo neoliberal que pressupotildee uma relaccedilatildeo de exterioridade entre Estado e economia A proposta de recuo do Estado para a condiccedilatildeo de Estado miacutenimo restrito busca nacirco prejudicar os interesses dos grupos dominantes

42

homens na busca de transformaccedilatildeo do real sem contudo deixar de levar em conta as

condiccedilotildees histoacutericas objetivas determinadas e contraditoacuterias que expressam o que Marx

(1983) chama de unidade de contraacuterios Este estudo entende a relaccedilatildeo entre Estado e

sociedade na perspectiva criacutetica e de totalidade constituiacuteda de muacuteltiplas determinaccedilotildees ou

seja uma relaccedilatildeo de contraacuterios (e natildeo como opostos no sentido de ruptura) que se opotildeem

dialeticamente mas mantecircm estreita interdependecircncia e relaccedilatildeo de reciprocidade

materializada no campo das relaccedilotildees sociais (IANNI 1986) Eacute o que Marx (1983)

denomina de unidade na diversidade Portanto eacute importante perceber que o poder do

Estado natildeo se esgota em sua representaccedilatildeo poliacutetica nem mesmo na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees

que o compotildeem muito embora o poder poliacutetico seja condiccedilatildeo de existecircncia do Estado

Ocorre um grande equiacutevoco conceitual histoacuterico e poliacutetico que se tornou

recorrente no discurso neoliberal a exemplo da posiccedilatildeo assumida pelos defensores da

proposta de bem-estar plural ou mista que propotildeem a autonomizaccedilatildeo e segmentaccedilatildeo dos

chamados setores natildeo-oficiais que compotildeem a sociedade civil desvinculando-os do

Estado Pela oacutetica dialeacutetica na perspectiva gramsciana tais setores deveriam ser vistos

em sua constituiccedilatildeo como instacircncias que atuam e se realizam em totalidades abertas e

necessaacuterias ainda que diferenciadas e contraditoacuterias ampliando a accedilatildeo do Estado Haacute

necessidade portanto de recusar todo mecanismo estrateacutegico e ateacute mesmo teorizaccedilotildees

que tendam a negar as possibilidades reais de emancipaccedilatildeo poliacutetica da sociedade do jugo

do capital a exemplo da justificativa neoliberal que com o argumento de assegurar

autonomia a um agregado de bem-estar propotildee a transferecircncia da provisatildeo social de

responsabilidade governamental para tais setores Assim aleacutem de sobrecarregar parcelas

sociedade com atribuiccedilotildees e responsabilidades que natildeo lhes dizem respeito tais

propostas limitam o campo da esfera puacuteblica e da construccedilatildeo de uma sociabilidade

ampliada por meio de uma provisatildeo social plural poreacutem natildeo puacuteblica e portanto

informal e desinstitucionalizada restrita a microesferas de relaccedilotildees espontacircneas

(familiares grupais eou individuais)

Uma outra categoria substantiva agrave problematizaccedilatildeo do objeto deste estudo eacute a

categoria trabalho fundamentada em Marx (1983) Ao trataacute-la haacute que indagar o que eacute

mais importante a produccedilatildeo material que expressa a materialidade do trabalho ou a

reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo A ideacuteia de trabalho neste estudo eacute uma

categoria fundante do ser social que cria e recria profundas mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais e

de produccedilatildeo Para Marx (1983) o trabalho natildeo se limita agrave sua finalidade imediata de

43

produccedilatildeo de bens materiais mas estaacute no campo da sociabilidade humana e por isso eacute

determinado pelas relaccedilotildees sociais possibilitando sobretudo o desenvolvimento das

capacidades humanas das forccedilas produtivas e das relaccedilotildees sociais Trabalho para Marx

(1983) eacute tanto o processo como o produto do trabalho produtivo

As forccedilas sociais no capitalismo buscam dominar e transformar o significado

das coisas e dos processos materiais mistificando-as ou coisificando-as bem como

restringindo a ideacuteia de trabalho agrave produccedilatildeo de bens e serviccedilos necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo

material da existecircncia As reflexotildees de Antunes (2000) sobre a categoria trabalho e as

determinaccedilotildees histoacutericas do modo de produccedilatildeo capitalista tambeacutem baseadas em Marx

(1983) remetem agrave necessidade de que seja reelaborada essa categoria inserindo-a no

contexto dos processos contraditoacuterios das poliacuteticas sociais e em particular da assistecircncia

como fenocircmeno mundial objeto de medidas neoliberais e de mudanccedilas econocircmicas

sociais e poliacuteticas em curso na sociedade contemporacircnea

Ao discorrer sobre o processo de fetichizaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre mercadoria e

trabalho e ao referir-se agrave problemaacutetica do trabalho nos dias atuais Antunes (1995) afirma

que a vontade do trabalhador se encontra subordinada agrave necessidade do trabalho e de seu

produto que natildeo lhe pertencendo torna-se estranho a ele A seu ver na ordem burguesa

a relaccedilatildeo capital e trabalho passa a ser fetichizada pelo capital para conferir-lhe

continuidade e certo grau de normalidade O autor entende que tais reflexotildees em um

sistema capitalista de produccedilatildeo confirmam a vinculaccedilatildeo dos novos processos de trabalho

agrave loacutegica imposta pelo capital ao trabalho Com essa perspectiva um aspecto relevante eacute a

identificaccedilatildeo da vinculaccedilatildeo dos processos de trabalho agraves funccedilotildees e agraves novas

configuraccedilotildees do Estado contemporacircneo em sua relaccedilatildeo com a sociedade uma vez que

tais processos se situam no contexto da acumulaccedilatildeo capitalista A categoria trabalho deve

ser apreendida como constituinte e constitutiva das relaccedilotildees sociais e de produccedilatildeo e

como elemento indissociaacutevel da relaccedilatildeo Estado e sociedade que engendra poliacuteticas

inclusive a social Em decorrecircncia haacute que analisar a categoria trabalho em sua condiccedilatildeo

material mas tambeacutem em sua forma social uma vez que no capitalismo os processos de

mistificaccedilatildeo fetichizaccedilatildeo e reificaccedilatildeo do trabalho acabam sobrepondo-se agrave otimizaccedilatildeo

da satisfaccedilatildeo das necessidades sociais baacutesicas e se subordinando aos criteacuterios de gestatildeo

econocircmica estrateacutegica e gerencial Nesses processos natildeo se percebe o trabalho como

possibilidade de emancipaccedilatildeo de sujeitos livres eou como componente da construccedilatildeo de

sua identidade nem como uma categoria que envolva processos de sua objetivaccedilatildeo

44

entendida como forma materializada de uma determinada ideologia e de subjetivaccedilatildeo da

realidade Enfim natildeo se percebe o trabalho com status de via de acesso a condiccedilotildees de

uma vida diacutegna e humanizada e que supera os limites de acesso a oportunidades

oferecidas pelo mercado

Na perspectiva neoliberal a vinculaccedilatildeo do trabalho com as poliacuteticas sociais

expressa-se de diversas maneiras por intervenccedilotildees privatistas nas esferas puacuteblicas por

medidas restritivas de direitos sociais (previdenciaacuterios educacionais de sauacutede de

assistecircncia baacutesica dentre outros) por reduccedilatildeo de jornadas e postos de trabalho

incrementando programas de transferecircncia de renda como uacutenica alternativa ao

enfrentamento da pobreza absoluta e promovendo reformas sociais e trabalhistas para

atender ao princiacutepio da flexibilizaccedilatildeo do mercado para citar algumas vias

No contexto da relaccedilatildeo Estado e sociedade a proposta pluralista de bem-estar

neoliberal estaacute vinculada a uma economia capitalista cuja loacutegica privilegia o atendimento

das demandas do capital em detrimento da satisfaccedilatildeo de necessidades sociais Com essa

compreensatildeo entende-se a justificativa dada agrave centralidade do trabalho pelo Estado de

Bem-estar apoacutes o teacutermino da Segunda Guerra Mundial como valor essencial do sistema e

coacutedigo de sociabilidade visto que o Estado de Bem-estar (ou Social) embora

comprometido com a cidadania tambeacutem era parte integral do sistema capitalista

Com o Estado keynesiano-fordista o trabalho ganhou centralidade ao

estruturar as poliacuteticas sociais e econocircmicas assim como as estrateacutegias de pleno emprego

Tornou-se aleacutem disso um campo simboacutelico passando a nomear natildeo soacute o trabalho mas

tambeacutem o lugar do natildeo-trabalho No campo da sociabilidade a centralidade do trabalho

deu sentido agrave convivecircncia e passou a justificar a ampliaccedilatildeo da cidadania da participaccedilatildeo

social da inclusatildeo social No campo da cidadania social universalizou os direitos sociais e

estruturou a relaccedilatildeo entre poliacutetica social e trabalho em outras bases isto eacute como instacircncias

distintas mas natildeo excludentes situadas no campo do conflito social entre classes

A respeito da relaccedilatildeo entre Estado Social e trabalho Oliveira (1995) apresenta

uma reflexatildeo profiacutecua Ele argumenta que inegavelmente um dos grandes trunfos do

Estado de Bem-estar foi a legitimaccedilatildeo da centralidade do trabalho Contudo o maior fator

de ecircxito desse resgate do trabalho foi a abrangecircncia e a universalizaccedilatildeo alcanccedilados pelas

poliacuteticas de bem-estar keynesianas que por estarem fortemente reguladas e

regulamentadas pelo Estado tornaram-se universais agrave medida que se irradiaram para outros

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setores da vida social extrapolando ateacute mesmo as relaccedilotildees de trabalho10 Com a expansatildeo e

o grau de universalidade as poliacuteticas sociais alcanccedilaram a perspectiva puacuteblica e a

cidadania social Por conseguinte natildeo foi por acaso que os representantes da nova direita

(neoliberais e neoconservadores)11 criticaram de forma contundente os processos de

universalizaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo do Estado Social pois as poliacuteticas de pleno emprego e de

seguridade social ao assumirem caraacuteter de poliacuteticas demandadas pela cidadania social

transformaram-se em direitos e ultrapassaram as funccedilotildees do Estado capitalista Para

Oliveira (1995) esse foi o diferencial que imprimiu ecircxito agraves poliacuteticas de bem-estar apoacutes o

teacutermino da Segunda Guerra Mundial

Em siacutentese este estudo entende como maior ecircxito do Estado Social a criaccedilatildeo

de possibilidades reais e concretas de otimizar a satisfaccedilatildeo de necessidades sociais na

forma de acesso a bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos Vale destacar ainda

que as noccedilotildees de participaccedilatildeo de descentralizaccedilatildeo e de pactos plurais ou mistos (a famosa

economia mista apoacutes 1945) jaacute estavam presentes na concepccedilatildeo e na praacutetica do Estado

Social Portanto ao contraacuterio do que se pensa nem a ideacuteia de pluralismo nem as diretrizes

de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo satildeo criaccedilotildees exclusivas e muito menos prerrogativa

dos neoliberais O novo repita-se eacute o desmonte dos direitos de cidadania social que

constituiacuteam a base ampliada para as crescentes funccedilotildees do Estado tambeacutem ampliado o

qual sob o atual domiacutenio do mercado novamente procura tornar-se restrito

12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria

recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade

Para entendimento das leis de movimento com base nas formulaccedilotildees de Marx

(1983) torna-se mister retomar o nuacutecleo da teoria poliacutetica marxiana isto eacute o caraacuteter

contraditoacuterio do Estado capitalista em sua dinacircmica proacutepria No entanto esse mesmo tipo

de Estado absorve pressotildees e demandas por poliacuteticas sociais demandadas por classes

10 Em relaccedilatildeo agrave categoria trabalho associada agrave poliacutetica haacute que ressaltar que na Europa Ocidental diferentemente do Brasil o trabalho sempre teve uma grande centralidade na estruturaccedilatildeo da sociedade como elemento estruturante de sua formaccedilatildeo social e poliacutetica 11 Os direitistas franceses usaram como exemplo para fundamentar sua criacutetica ao Estado de Bem-estar a questatildeo da migraccedilatildeo nos paiacuteses europeus Argumentavam sobre o ocircnus que recaiacutea sobre o Estado de Bem-estar o fato de os imigrantes ingressarem na Franccedila assim como em outros paiacuteses para exercerem um trabalho e serem beneficiados pelas mesmas medidas de seguridade social de caraacuteter universal usufruiacutedos pelos habitantes nacionais

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antagocircnicas movidas por interesses diferenciados e que expressam nessa relaccedilatildeo a

tensatildeo histoacuterica entre capital e trabalho Nessa perspectiva a poliacutetica social reflete um

conjunto de relaccedilotildees que expressam tanto as lutas de classes que demandam ao Estado

alteraccedilotildees nas condiccedilotildees materiais de produccedilatildeo quanto de grupos que o pressionam para

obtenccedilatildeo de vantagens na acumulaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da riqueza produzida (produto social)

Vecirc-se que em seu antagonismo e em sua dualidade a poliacutetica social estaacute a serviccedilo do

trabalho mas tambeacutem do capital Portanto por estar inserida em uma estrutura de relaccedilotildees

contraditoacuterias a anaacutelise das leis de movimento no campo das poliacuteticas sociais exige a

superaccedilatildeo de um quadro teoacuterico e metodoloacutegico simplista eou linear destituiacutedo de uma

anaacutelise criacutetica que toma suas consequumlecircncias como causas ou que concebe o Estado a

serviccedilo de uma uacutenica classe (burguesia) ou ainda que incorra no equiacutevoco teoacuterico de

confundir o seu processo de formaccedilatildeo com os seus efeitos Dada a complexidade dessa

questatildeo de acordo com a mesma linha teoacuterica encontra-se uma pluralidade de enfoques

com diferentes abordagens Torna-se mister diferenciaacute-las ainda que natildeo se tenha a

pretensatildeo de fazecirc-lo de forma exaustiva

Sabe-se que a criacutetica marxista ao Estado Social natildeo eacute uniacutevoca O Estado Social

foi objeto de severas criacuteticas e de opiniotildees divergentes de marxistas e liberais como a que

ocorreu nos anos 1970 Em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do Estado haacute vaacuterias teorias de orientaccedilatildeo

marxista Marx (1983) criticou as tendecircncias reformistas de sua eacutepoca o que serviu de

marco conceitual para alguns teoacutericos que no seacuteculo XX tambeacutem criticaram o conceito de

Estado Social As criacuteticas formuladas nos anos 1960 pelos marxistas Miliband (1980)

Agnoli (1971) Baran e Sweezy (1973) guiaram-se pela claacutessica tese marxista que

considerou o Estado como um mero instrumento da classe dominante Nos anos 1970

OrsquoConnor (1981) centrou suas criacuteticas nas tendecircncias contraditoacuterias do Estado Social

diferenciando-se dos primeiros por manter o debate sobre as funccedilotildees e a natureza do

Estado capitalista O estudo de Lara (1991) sobre a formaccedilatildeo do Estado Social distingue e

classifica essas duas abordagens a primeira eacute a criacutetica marxista tradicional (anos 1960) e

a segunda a criacutetica marxista moderna (anos 1970) embora argumente que toda a intenccedilatildeo

de classificar algo possui um valor meramente didaacutetico e orientador

Os teoacutericos marxistas que mais se ocupam recentemente da anaacutelise do Estado

distinguem duas categorias baacutesicas a) teorias que privilegiam a causalidade econocircmica de

intervenccedilatildeo estatal como exigecircncia do processo de acumulaccedilatildeo capitalista e b) teorias que

interrelacionam as causas econocircmicas com as de caraacuteter social e poliacutetico Miliband (1980)

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um representante da interpretaccedilatildeo marxista tradicional afirma que as poliacuteticas de reformas

natildeo supotildeem modificaccedilatildeo nas estruturas do Estado capitalista pelo fato de esse Estado ter

perpetuado seu caraacuteter classista A criacutetica de Miliband (1980) ao Estado Social tem origem

em uma concepccedilatildeo economicista das classes sociais em que o Estado na sociedade

capitalista ao fazer parte da classe econocircmica dominante atua tambeacutem no plano poliacutetico

Nessa perspectiva as funccedilotildees do Estado estatildeo sempre determinadas pelas estruturas de

classe natildeo havendo portanto nenhuma possibilidade de um compromisso firmado entre

capital e trabalho

No entanto em que pesem as poliacuteticas reformistas possuiacuterem grandes

limitaccedilotildees natildeo se pode desconsiderar eou relativizar as transformaccedilotildees sociais ocorridas

no Estado contemporacircneo e seus efeitos e consequumlecircncias A tese de Miliband (1980) foi

objeto de uma intensa polecircmica com Poulantzas (1980) para quem as relaccedilotildees de classe

natildeo satildeo necessariamente a base das relaccedilotildees de poder assim como as relaccedilotildees de poder

natildeo satildeo a base das relaccedilotildees de classe Miliband (1980) sustenta que existem casos em que

uma classe social pode ser econocircmicamente dominante sem que a seu ver o seja no plano

poliacutetico Para a corrente marxista tradicional o Estado de Bem-estar foi uma estrateacutegia

utizada pelo capitalismo para amortecer os antagonismos de classe criados pela expansatildeo

do capital Para Agnoli (1971) as poliacuteticas sociais natildeo supotildeem uma renovaccedilatildeo ou reforma

das estruturas capitalistas Marcuse (1985) na busca de um novo sujeito revolucionaacuterio

observou que o crescimento econocircmico e o progresso tecnoloacutegico haviam transformado a

luta de classes e as possibilidades de mudanccedila social Essas posiccedilotildees que natildeo constituem

objeto de anaacutelise desta tese comprovam que o debate sobre economia capitalista e sua

relaccedilatildeo com o Estado distanciou-se das relaccedilotildees existentes na eacutepoca de Marx bem como

existe parcialidade no enfoque tradicional e instrumentalista de Miliband (1980) em sua

anaacutelise sobre o papel do Estado

Baran e Sweezy (1973) com um enfoque mais econocircmico que o de Miliband e

fazendo eco agraves poliacuteticas keynesianas explicam o intervencionismo estatal como uma

consequumlecircncia do problema da geraccedilatildeo e absorccedilatildeo do excedente Nesse caso o capitalismo

monopolista caracteriza-se por uma tendecircncia de incrementar o excedente sem gerar

mecanismos de absorccedilatildeo da demanda Os autores entendem por conseguinte o sistema

econocircmico capitalista como contraditoacuterio pois produz mais do que permite sua

capacidade embora seja deficitaacuterio para criar a suficiente demanda que permita a total

utilizaccedilatildeo de sua capacidade produtiva Inspirando-se no enfoque keynesiano Baran e

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Sweezy (1973) explicam a intervenccedilatildeo estatal no capitalismo monopolista como

mecanismo gerador da demanda efetiva ou seja o Estado converte-se em criador da

demanda transferindo o poder de compra ou comprando diretamente bens e serviccedilos

sociais Nessa perspectiva o grande inimigo do sistema capitalista eacute a depressatildeo

econocircmica (crise relacionada com a quebra do riacutetmo de crescimento) e natildeo os gastos

sociais estatais uma vez que a viabilidade do sistema econocircmico depende desse uacuteltimo

Em siacutentese a intervenccedilatildeo do Estado na economia eacute uma necessidade imposta pelo sistema

capitalista e os gastos estatais satildeo funcionais ao sistema como meio de gerar demanda

agregada com a ressalva de que em nenhum caso essa demanda pode ter um objetivo

social por natildeo poder enfrentar os interesses privados Assim os autores negam todo o

caraacuteter social do Estado no capitalismo avanccedilado ou melhor reconhecem que ele exerce

certas funccedilotildees sociais ainda que natildeo as considerem relevantes Nessa perspectiva o

Estado limita-se a servir aos interesses do capital natildeo se constituindo em uma instacircncia de

mediaccedilatildeo entre interesses de classes sociais distintas A proacutepria realidade soacutecio-econocircmica

e poliacutetica tem colocado em evidecircncia a fragilidade e as limitaccedilotildees das teorias de Baran e

Sweezy (1973) Do ponto de vista da histoacuteria ao contraacuterio do que previram a crise dos

anos 1970 ocorreu natildeo pelo problema de absorccedilatildeo do excedente mas pela sua geraccedilatildeo

demandando ateacute mesmo a necessidade de reduccedilatildeo de gastos sociais

As teorias elaboradas nos anos 1970 na perspectiva marxista oferecem novas

formulaccedilotildees sobre as funccedilotildees e a natureza do Estado Social na sociedade contemporacircnea e

reconhecem em uacuteltima instacircncia que ele possui uma dimensatildeo social (e natildeo soacute

econocircmica) e tratam de explicar o motivo desse fenocircmeno As aportaccedilotildees de Miliband

(1980) e as de Baran e Sweezy (1973) foram elaboradas em um contexto de crescimento

econocircmico e as teorias que se fundamentam nas contradiccedilotildees do Estado Social tecircm como

fundo a crise econocircmica que se iniciou nos anos 1970 OrsquoConnor (1981) como

representante da criacutetica marxista tradicional introduziu novos elementos do enfoque

marxista para a explicaccedilatildeo da natureza e funccedilotildees do Estado Atribui ao Estado a funccedilatildeo de

acumulaccedilatildeo para criar condiccedilotildees de rentabilidade privada Distanciando-se de Miliband

(1980) e de Baran e Sweezy (1973) defende a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo poliacutetica do Estado

por meio da busca de conciliaccedilatildeo dos interesses entre capital e trabalho A seu ver a essas

duas funccedilotildees estatais correspondem respectivamente a dois tipos de gastos estatais os de

capital social que podem ser destinados ao consumo social e os gastos sociais Para

OrsquoConnor (1981) o crescimento das atividades do setor estatal eacute causa e efeito da

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expansatildeo do capitalismo monopolista Nesse sentido a socializaccedilatildeo dos custos eacute necessaacuteria

para a acumulaccedilatildeo do capital e a causa principal do crescimento econocircmico eacute a expansatildeo

do setor estatal que coloca agrave disposiccedilatildeo do capital privado os bens e serviccedilos sociais que

satildeo fundamentais ao seu desenvolvimento por meio dos gastos de capital social De

acordo com OrsquoConnor (1981) a capacidade produtiva do capital monopolista tende a

crescer mais raacutepido que a demanda e o consumo Por isso ele afirma que ainda que os

gastos estatais contribuam para harmonizar as relaccedilotildees entre capital e trabalho sua

finalidade eacute a de servir sempre agrave funccedilatildeo de acumulaccedilatildeo Em relaccedilatildeo aos trabalhadores

cria-se a ilusatildeo de seguranccedila econocircmica e o Estado na fase de capital monopolista natildeo soacute

se limita a proteger as condiccedilotildees de acumulaccedilatildeo mas participa tambeacutem da criaccedilatildeo dessas

condiccedilotildees o que afeta a sua natureza estatal Por fim OacuteConnor (1981) diferencia a funccedilatildeo

de acumulaccedilatildeo da funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado funccedilotildees consideradas por ele como

contraditoacuterias A contradiccedilatildeo resulta da socializaccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo e da

apropriaccedilatildeo privada do excedente e o mais importante dela deriva a crise fiscal o que

inviabiliza a seu ver o Estado Social Percebe-se que a criacutetica marxista tem analisado em

profusatildeo (seja na perspectiva mais poliacutetico-ideoloacutegica seja na de cunho mais econocircmico) o

caraacuteter contraditoacuterio das funccedilotildees do Estado capitalista

A anaacutelise das contradiccedilotildees do Estado Social revela que nem toda atividade

estatal eacute funcional ao sistema capitalista Nesse sentido uma formulaccedilatildeo niacutetida eacute a que

realiza Gough (1982) para quem a natureza do Estado Social serve ao mesmo tempo

para a acumulaccedilatildeo do capital e como salaacuterio social Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado

que defende tanto os interesses da classe capitalista como os interesses da classe

trabalhadora Por outro lado a crise de rentabilidade do capital natildeo eacute a uacutenica causa que

explica a origem do Estado Social uma vez que se deve acrescentar o elemento da luta

de classes Nesse contexto Gough (1982) sustenta que a atividade estatal possui limites

estruturais o que natildeo impede que realize certas reformas Para Lara (1991) percebe-se

nessa anaacutelise de Gough tambeacutem um estudioso de inspiraccedilatildeo marxista (a seu ver mais

proacuteximo das ideacuteias criacuteticas do marxismo moderno) natildeo apenas o reconhecimento de que

o Estado Social eacute uma forma de compromisso que satisfaz interesses heterogecircneos Em

siacutentese para Gough (1982) o Estado Social eacute um elemento eficaz e imprescindiacutevel para

reduzir o conflito entre capital e trabalho Segundo Lara (1991) essas ideacuteias longe de

encerrar esse debate indicam uma aproximaccedilatildeo com as teses dos apologistas do Estado

Social apoacutes 1945

50

Como sustenta OrsquoConnor (1982) a diferenccedila entre diferentes enfoques eacute que

alguns negam que o Estado das sociedades avanccediladas realize funccedilotildees de legitimaccedilatildeo

poliacutetica e outros a exemplo de uma parte consideraacutevel dos estudos elaborados a partir dos

anos 1970 reconhecem que o Estado Social se impotildee pelas necessidades derivadas da

evoluccedilatildeo do capitalismo e tambeacutem pela necessidade de satisfazer uma seacuterie de demandas

sociais Em resumo o Estado Social obedece tanto a causas econocircmicas como sociais e

poliacuteticas Portanto a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado natildeo eacute em essecircncia disfuncional ao

sistema econocircmico ou seja a disfuncionalidade dos gastos de legitimaccedilatildeo manifesta-se

quando natildeo haacute crescimento econocircmico

Contudo de um lado a chamada criacutetica marxista moderna sobre as

contradiccedilotildees do capitalismo natildeo encontrou respaldo na eacutepoca da consolidaccedilatildeo do

Estado Social e de outro a situaccedilatildeo mudou muito diante da crise econocircmica que se

desencadeou a partir de 1973 No entanto a criacutetica marxista apesar do esforccedilo

realizado para destacar as contradiccedilotildees do Estado Social natildeo conseguiu desenvolver

eou apresentar uma nova soluccedilatildeo A tese ou intento eurocomunista (como terceira via)

entre o modelo do socialismo real e a social democracia natildeo avanccedilou poliacuteticamente

como se esperava Como assinala Perry Anderson (1995) ao estudar a evoluccedilatildeo do

marxismo ocidental nas deacutecadas de 19701980 falta uma estrateacutegia que permita superar

a ordem capitalista

Diante de tantas polecircmicas natildeo se trata de aderir ao movimento pendular das

chamadas ciecircncias poacutes-modernas que ganharam espaccedilo nos meios intelectuais a partir dos

anos 1990 ainda como vestiacutegio da marcante influecircncia do estruturalismo de Althusser dos

anos 1960 e 197012 Assistiu-se nesse periacuteodo agrave trajetoacuteria das referidas ciecircncias

ancoradas no estruturalismo e sua posterior migraccedilatildeo para o irracionalismo poacutes-moderno

que se apresentou como alternativa agrave superaccedilatildeo do natildeo-reconhecimento pelo

estruturalismo do indiviacuteduo como sujeito da histoacuteria Portanto com o estruturalismo

houve a dissoluccedilatildeo do singular na totalidade das estruturas como propocircs Levy Strauss

Com o poacutes-modernismo haacute a fragmentaccedilatildeo da totalidade no singular Postula-se o natildeo-

debate o natildeo-confronto de ideacuteias e se propotildeem concessotildees e concordacircncias de forma

benevolente com a ausecircncia de indagaccedilotildees teoacutericas e epistemoloacutegicas Nesse sentido o

12 As concepccedilotildees estruturalistas de Althusser (ausecircncia do sujeito) e de Passeron e Bourdieu perderam o poder de forccedila intelectual e ideoloacutegica por natildeo conseguirem ldquoexplicar a relaccedilatildeo ativa dos homens com sua proacutepria histoacuterica e por natildeo poderem reconhecer nos homens os demiurgos de sua proacutepria existecircnciardquo A visatildeo de histoacuteria para esses autores ficou restrita a uma histoacuteria de estruturas conduzindo agrave ldquomorte do sujeitordquo (LESSA 1999 p 171)

51

singular eacute fetichizado e reificado e as categorias universais passam a ser percebidas como

meros produtos da abstraccedilatildeo da subjetividade

Em contraposiccedilatildeo eacute exatamente a problematizaccedilatildeo do caraacuteter ambiacuteguo e

contraditoacuterio do Estado capitalista que interessa a este estudo Assim entende-se que a

compreensatildeo das tendecircncias objetivas que caracterizaram as poliacuteticas macroeconocircmicas

implantadas na Europa do Sul e no Brasil a partir dos anos 1970 de caraacuteter concentrador e

excludente eacute fundamental para entender a loacutegica privatista que passou a orientar os sistemas

de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social das poliacuteticas sociais (europeacuteias e brasileiras) nesse

contexto A identificaccedilatildeo dessas tendecircncias eacute imprescindiacutevel para avaliar a importacircncia da

dimensatildeo poliacutetica na formaccedilatildeo e gestatildeo das poliacuteticas sociais puacuteblicas contemporacircneas

articulada agrave dimensatildeo econocircmica especialmente no caso das poliacuteticas sociais desenvolvidas

na Europa do Sul e no Brasil marcadamente residuais e destituiacutedas do enfoque

redistributivista

13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias

A temaacutetica de poliacutetica social tem encontrado resistecircncias intelectuais ao

seu aprofundamento analiacutetico Ateacute mesmo o Estado Social apesar de seu papel

decisivo na organizaccedilatildeo da sociedade industrial recebeu um tratamento teoacuterico pouco

consistente tanto pelos liberais que negavam ou subestimavam sua capacidade de

persistecircncia histoacuterica como pelos marxistas que acreditavam na tese da

transitoriedade do Estado Ao lado dessas restriccedilotildees de ordem teoacuterica somavam-se

outras de conteuacutedo poliacutetico e ideoloacutegico a dos liberais por defenderem como soluccedilatildeo

aos problemas sociais o laissez-faire e a liberdade do mercado e por fazerem

oposiccedilatildeo ideoloacutegica agrave regulaccedilatildeo econocircmica e social do Estado e a dos marxistas por

verem no Estado Social um fator de desmobilizaccedilatildeo da classe trabalhadora e

portanto do arrefecimento da luta de classes Entretanto foram as proacuteprias

transformaccedilotildees decorrentes da revoluccedilatildeo industrial do avanccedilo tecnoloacutegico e do

aumento da populaccedilatildeo que criaram as condiccedilotildees estruturais para o desenvolvimento

do Estado Social a partir do final do seacuteculo XIX

Todavia nesta tese resgata-se e atualiza-se a discussatildeo centrada na distinccedilatildeo

claacutessica de enfoques entre liberais e marxistas acerca das poliacuteticas sociais contemporacircneas

52

dentre as quais a assistecircncia social Para tanto destacam-se duas perspectivas analiacuteticas

renovadas uma neoliberal protagonizada por uma nova direita constituiacuteda da fusatildeo dos

neoliberais com os neoconservadores outra neomarxista cuja principal posiccedilatildeo eacute a de natildeo

mais considerar a poliacutetica social como uma arma capitalista contra o socialismo mas como

um fenocircmeno contraditoacuterio que tanto pode estar a serviccedilo do capital como do trabalho e

por isso pode constituir uma mediaccedilatildeo estrateacutegica favoraacutevel agraves conquistas sociais das

classes subalternas

Com base nessa perspectiva neomarxista destacam-se os estudos de Pereira (1996

1998 2000 a 2003) os quais revelam grande preocupaccedilatildeo em construir um referencial criacutetico e

analiacutetico que qualifique e explicite o status teoacuterico da poliacutetica social no campo das Ciecircncias

Sociais Vale mencionar sua reflexatildeo (2000) sobre necessidades humanas13 em que busca

contrapor essa categoria agraves demandas e exigecircncias do capital baseada na teoria das

necessidades humanas de Doyal e Gough (1994) autores contemporatildeneos (filoacutesofo e

economista inglecircs respectivamente) que sustentam ser possiacutevel elaborar uma teoria coerente e

rigorosa sobre as necessidades humanas de forma a apontar para alternativas concretas ao

neoliberalismo e ao conservadorismo poliacutetico fenocircmenos histoacutericos reeditados pelas

sociedades capitalistas Argumentam que natildeo obstante a existecircncia de tais fenocircmenos foi-se

gerando nas sociedades contemporacircneas um concenso moral sobre certas necessidades baacutesicas

indispensaacuteveis ao desenvolvimento de uma existecircncia humana digna por eles definidas como

sendo a sauacutede fiacutesica e a autonomia mental

Pereira constroacutei ainda argumentos acerca da relaccedilatildeo contraditoacuteria entre

Estado e sociedade economia e poliacutetica igualdade e liberdade capitalismo e bem-estar

social para nessa realidade complexa contextualizar a poliacutetica social A tensatildeo

permanente entre capital e trabalho constitui o conflito maior nas sociedades capitalistas

Dessa tensatildeo resulta em uacuteltima instacircncia a poliacutetica social mediada por tensotildees entre

classes sociais na defesa de seus interesses particulares de suas ideologias e de seus

projetos societaacuterios Eacute por isso que o campo da poliacutetica social eacute considerado por Pereira

(2000) uma arena de conflitos em que se confrontam concepccedilotildees e teorias competitivas

sobre direitos (individuais versus sociais) liberdade (negativa versus positiva) igualdade

(substantiva versus formal) ou seja um amplo leque de confrontaccedilotildees que fazem parte da

essecircncia contraditoacuteria do Estado da sociedade e das poliacuteticas em suas diferentes

13 Ver em obra de Pereira (2000) maior qualificaccedilatildeo e aprofundamento dessa categoria histoacuterico-analiacutetica fundamentada na teoria das necessidades humanas de Gough e Doyal (1994)

53

configuraccedilotildees Conclui a autora que satildeo as tensotildees contraditoacuterias que funcionam como

motor das mudanccedilas incluindo as que perseguem a perspectiva progressista com a qual

este estudo se identifica

A concepccedilatildeo segundo a qual a poliacutetica social eacute personificada na poliacutetica de

assistecircncia social eacute tratada neste estudo No entanto para esse tratamento acercar-se

melhor da complexidade dessa poliacutetica conveacutem estar ciente de seu conteuacutedo polecircmico isto

eacute estar aberto agraves indagaccedilotildees a respeito de sua natureza e da sua existecircncia ontoloacutegica

Com efeito satildeo vaacuterias as perguntas a respeito do que eacute a poliacutetica social eacute uma

disciplina um campo de accedilatildeo um meacutetodo uma estrateacutegia poliacutetica Qual o seu objeto Para

Alcock (1992) um profiacutecuo estudioso da poliacutetica social ela eacute tudo isso Eacute uma disciplina das

Ciecircncias Sociais embora seja bastante diferente das demais que compotildeem esse ramo do

conhecimento em virtude de sua iacutendole interdisciplinar que a faz permeaacutevel a todas as

especializaccedilotildees Ela tambeacutem eacute um caminho metoacutedico mediante o qual se obteacutem conhecimento

e se praticam accedilotildees Aleacutem disso eacute um campo para o qual confluem disciplinas conexas e se

imbricam conhecimento e accedilotildees de procedecircncias variadas Por fim eacute uma estateacutegia de accedilatildeo

coletiva que visa concretizar direitos sociais Por isso o seu objeto diz Alcock (1992) eacute ela

mesma pois como disciplina os seus estudos voltam-se para o conhecimento de si mesma de

suas accedilotildees e de suas diferentes configuraccedilotildees sem falar da forte conotaccedilatildeo poliacutetica de que

tanto o seu estudo quanto a sua accedilatildeo se revestem O certo eacute que se trata de uma temaacutetica que

envolve questotildees do acircmbito do Direito da Sociologia da Ciecircncia Poliacutetica da Administraccedilatildeo

do Serviccedilo Social da Economia e de outros ramos do conhecimento Permeia a aacuterea da sauacutede

da assistecircncia social da educaccedilatildeo da previdecircncia da habitaccedilatildeo do emprego e renda e se

envolve com demandas e necessidades de grupos sociais particulares como idosos crianccedilas e

adolescentes mulheres famiacutelia pessoas com deficiecircncia etc Portanto natildeo se trata a poliacutetica

social de um campo teoacuterico monoliacutetico exclusivo de uma uacutenica aacuterea de conhecimento e muito

menos de um fenocircmeno recente e localizado Sua longevidade e seu caraacuteter ubiacutequo atestam a

dificuldade de suprimi-la ao tempo em que explicam as manipulaccedilotildees a que se vecirc sujeita

No contexto da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade capitalista a poliacutetica social

expressa-se como um conjunto de accedilotildees e de estrateacutegias para atender a demandas variadas que

podem romper o cerco das desigualdades sociais e da naturalizaccedilatildeo das necessidades humanas

mas que tambeacutem podem perpetuaacute-las Essa eacute a razatildeo da importacircncia do sentido poliacutetico da

poliacutetica social expresso no seu comprometimento com o interesse puacuteblico O campo da

poliacutetica social envolve ainda aspectos eacuteticos e ciacutevicos em um contexto de relaccedilotildees de poder

54

Eacute importante que se diga que as funccedilotildees dessas duas esferas ndash Estado e sociedade ndash na

produccedilatildeo das poliacuteticas sociais satildeo distintas embora complementares ateacute porque a sociedade

tambeacutem provecirc recursos e oferece serviccedilos sociais (provisatildeo social privada plural ou mista)

Contudo a poliacutetica social natildeo tem poder para concretizar direitos sociais Para tanto o Estado

recebe da sociedade uma delegaccedilatildeo para regulaacute-la e concretizar esses direitos fazendo uso de

suas prerrogativas como portador de poder coercitivo com competecircncia juriacutedico-formal para

fazer cumprir a lei Somente com esse reconhecimento e essa accedilatildeo regulatoacuteria e juriacutedico-

formal a poliacutetica social adquire o status de poliacutetica puacuteblica

A expressatildeo poliacutetica puacuteblica da qual a poliacutetica social eacute uma espeacutecie eacute um

termo recente na literatura das Ciecircncias Sociais Sua emergecircncia deu-se no final dos anos

1970 e diz respeito ao Estado em accedilatildeo (MENY TOENIG 1992) mediante uma posiccedilatildeo

ativa e positiva em relaccedilatildeo agraves demandas e necessidades sociais com as quais se defronta A

accedilatildeo poliacutetica do Estado eacute concretizadora de direitos sociais e reguladora das relaccedilotildees

sociais Trata-se de uma accedilatildeo que por ser puacuteblica (voltada para todos e comprometendo

todos) e natildeo meramente estatal (o nuacutecleo duro do poder estatal ou o bloco no poder) tem

como principal missatildeo zelar pelo interesse puacuteblico e prover a sociedade de bens puacuteblicos

como direitos devidos (PEREIRA 2000) Um bem puacuteblico para merecer esta qualificaccedilatildeo

e ser regulado por uma poliacutetica deve antes de tudo ser assumido por uma autoridade

puacuteblica Aleacutem disso deve possuir as seguintes caracteriacutesticas

a) ser indivisiacutevel isto eacute deve ser consumido por inteiro por todos os membros de uma comunidade Eacute o que se chama de consumo natildeo rival porque todos devem acessaacute-lo de forma gratuita uma vez que ele eacute pago pelo cidadatildeo-contribuinte b) natildeo pode ser oferecido com base na loacutegica do mercado c) deve estar disponiacutevel jaacute que cada consumidor potencial tem direito a ele E estaacute presente nessas caracteriacutesticas o caraacuteter universal do conceito de puacuteblico (PEREIRA 2006)

A poliacutetica puacuteblica de assistecircncia social eacute uma das mais adequadas ao perfil de

bem puacuteblico jaacute que de regra ela se guia pelo princiacutepio da gratuidade e embora possa ser

exercida por instituiccedilotildees privadas elas devem ser reguladas pela autoridade puacuteblica

responsaacutevel pela poliacutetica e pela garantia do direito a ela correspondente

Portanto ao tratar com poliacutetica puacuteblica haacute que se atentar para as diferenccedilas entre

o que eacute puacuteblico o que eacute coletivo e o que eacute plural ou misto (a exemplo da proposta pluralista

de bem-estar neoliberal) Ser puacuteblico como jaacute visto natildeo significa ser governamental e nem

implica necessariamente ser coletivo plural ou misto e a reciacuteproca eacute verdadeira A condiccedilatildeo

para uma accedilatildeo ser puacuteblica eacute ser universal tanto na sua oferta quanto no seu usufruto Nessa

55

perspectiva o seu caraacuteter puacuteblico natildeo eacute dado pelo tamanho do agregado ou do coletivo que

lhe demanda atenccedilatildeo e nem pela pluralidade de atores mas porque aleacutem de ter caraacuteter

imperativo isto eacute de ser amparada legalmente (ter na sua retaguarda legislaccedilotildees incluindo

constituiccedilotildees federais) ela se guia pelos princiacutepios da soberania popular do bem-comum

tendo no seu horizonte a justiccedila social (PEREIRA 2001)

Portanto quando qualificada como intervenccedilatildeo de caraacuteter puacuteblico a poliacutetica

social visa a superaccedilatildeo das necessidades baacutesicas e vitais dos cidadatildeos e por isso afeta

diretamente sua qualidade de vida e seu bem-estar pois se baseia nos princiacutepios da inclusatildeo

social da igualdade de direitos e da universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais O

campo de tais poliacuteticas comporta oferta e usufruto de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos

entendidos como direitos bem como transferecirccia de renda eou de recursos financeiros

Quando assumem caraacuteter meramente distributivo (poliacuteticas contributivas) afetam

diretamente o indiviacuteduo trabalhador que encontra-se no mercado de trabalho formal

(mediante contrato social) Quando assumem caraacuteter redistributivo atingem seu grau maior

de universalizaccedilatildeo como um bem de interesse puacuteblico no sentido de se destinarem a todos

(trabalhadores no mercado formal cidadatildeos aptos ao trabalho mas desempregados e

cidadatildeos natildeo aptos ao trabalho) Por isso as poliacuteticas puacuteblicas atingem a totalidade dos

cidadatildeos conferindo-lhes tambeacutem poder de vocalizaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo poliacutetica

Sabe-se que a lei por si soacute natildeo tem condiccedilotildees operacionais para materializar

direitos nela previstos sobretudo no tocante aos direitos sociais Tal materializaccedilatildeo daacute-se por

intermeacutedio das diferentes poliacuteticas puacuteblicas que decorrem da relaccedilatildeo de antagonismo e

reciprocidade ao mesmo tempo entre Estado e sociedade Nessa relaccedilatildeo um dos grandes

papeacuteis da sociedade consiste em exercer o controle democraacutetico sobre os atos e decisotildees

governamentais Essa eacute a verdadeira tarefa ciacutevica da sociedade no campo dos direitos de

cidadania social

Diante do exposto vecirc-se que o escopo da poliacutetica social eacute amplo e complexo

Extrapola os limites de uma disciplina (Sociologia Ciecircncia Poliacutetica Economia Serviccedilo

Social e outras) embora tambeacutem o seja Eacute tambeacutem um campo de atuaccedilatildeo e intervenccedilatildeo

interdisciplinar (apesar de natildeo ser uma profissatildeo) que congrega e se impotildee a todas as

disciplinas que tenham como objetivo a atenccedilatildeo a legiacutetimas demandas e necessidades

sociais Apesar de seu traccedilo interventivo e de seu conteuacutedo multidisciplinar pretende ser

saber cientiacutefico particular uma vez que sua accedilatildeo requer pesquisas e referecircncias teoacuterico-

conceituais bem definidos assim como indicadores sociais e econocircmicos de qualidade

56

Aleacutem disso ela possui uma dimensatildeo eacutetica que pelo menos em tese a obriga a

comprometer-se com o combate agraves iniquumlidades sociais Eacute por essa noccedilatildeo de poliacutetica social

e consequumlentemente de poliacutetica de assistecircncia social que este estudo se guia

14 Sobre a cidadaniademocracia ampliadas e liberdade positiva

Ao aprofundar os conceitos de cidadania e de democracia associados ao

conceito de liberdade positiva optou-se por adotar como referecircncia as perspectivas

ampliadas desses conceitos muitas das quais estatildeo previstas na Constituiccedilatildeo Federal

brasileira de 1988 (BRASIL 1988) Trata-se sem duacutevida de uma perspectiva otimista

mas natildeo isenta de posiccedilatildeo criacutetica e compromissada com os desafios contemporacircneos

Tal perspectiva exige a construccedilatildeo de uma linguagem social e poliacutetica que estabelece

horizontes possiacuteveis a complexas e inconclusas questotildees atuais Entende-se que a

histoacuteria pode ser reescrita mesmo que para isso se tenha que romper com poderes e

legados arcaicos revisitando a cultura as tradiccedilotildees e a literatura produzidas no proacuteprio

sistema capitalista em busca da conformaccedilatildeo de um Estado e de uma sociedade civil

que sejam capazes de organizar esses conceitos em outras bases de respeito agrave

dignidade e agrave humanidade dos cidadatildeos Uma boa estrateacutegia consiste em repensar as

condiccedilotildees de alteraccedilatildeo do lugar da pobreza e da desigualdade e suas implicaccedilotildees natildeo

mais como um efeito natural do atraso cultural eou da condiccedilatildeo de

subdesenvolvimento dos que as padecem A associaccedilatildeo da pobreza e da desigualdade

ao atraso soacutecio-econocircmico e cultural conduziu a cidadania ateacute mesmo no Brasil para o

campo de uma representaccedilatildeo simboacutelica que se impregnou no imaginaacuterio coletivo como

uma condiccedilatildeo inferior e subalterna (YAZBEK 1996)

As consequumlecircncias dessa representaccedilatildeo simboacutelica eacute bem retratada por Telles

(2001 p 9)

tenta-se aiacute desenhar os contornos de um horizonte simboacutelico que projeta a pobreza em uma espeacutecie de paisagem que incomoda a todos mas que tal como a natureza se estrutura fora e por fora da trama das relaccedilotildees sociais ndash um mundo sem autores e sem responsabilidades que parece transcorrer ao largo de um espaccedilo propriamente poliacutetico no qual os dramas da existecircncia satildeo ou podem ser figurados como questotildees que exigem o julgamento eacutetico a deliberaccedilatildeo poliacutetica e a accedilatildeo responsaacutevel

57

Sem duacutevida argumenta Telles (2001) ao referir-se ao Brasil haacute muito para

se fazer em relaccedilatildeo agrave ldquosempre adiada superaccedilatildeo das vaacuterias incompletudes de sua histoacuteriardquo

(p 9) Sabe-se que para o mercado globalizado a pobreza entendida como a mais

perversa dessas incompletudes eacute vista como consequumlecircncia natural da modernidade No

entanto eacute preciso indagar a quem interessa essa modernidade que promove a

desconstruccedilatildeo dos direitos e das conquistas sociais deteriora as condiccedilotildees de vida e

trabalho de milhotildees de brasileiros e ainda tenta arrancar da histoacuteria qualquer

possibilidade de sua reformulaccedilatildeo Haacute que se concordar com Telles (2001) que reflete

sobre as questotildees apresentadas na conjugaccedilatildeo entre os legados da histoacuteria e os processos

em curso e que remetem a complexas relaccedilotildees entre o mundo social e o universo puacuteblico

dos direitos

E se essa questatildeo importa eacute porque eacute nesse lapso entre o mundo social e o universo puacuteblicondashproblema das mediaccedilotildees reais e simboacutelicasndashque se inscrevem os dilemas de uma cidadania ainda a ser conquistada e reinventada nos termos que o mundo contemporacircneo estaacute a exigirrdquo (TELLES 2001 p 11)

Segundo Paoli (apud YAZBEK 2001 p 133) ldquoa loacutegica contemporacircnea de

reproduccedilatildeo do capital subordinada a um mercado sem limites e sem fronteiras sociais

vem produzindo o caminho da irresponsabilidade globalrdquo construindo uma trama social

contiacutenua na qual ldquorompe-se com as regulaccedilotildees que bem ou mal ordenavam a

desigualdade constitutiva do capitalismordquo

Com estas digressotildees o que se quer realccedilar nesta tese eacute a ideacuteia de democracia e

cidadania ampliadas vinculada agrave concepccedilatildeo de homem como ser social e poliacutetico que deve

ser dotado de autonomia de poder de liberdade e de capacidade para tomar decisatildeo e fazer

escolhas Esta percepccedilatildeo remete aos conceitos de liberdade com igualdade e de justiccedila

redistributiva tanto por seu grau de universalidade como pela relaccedilatildeo de muacutetua

alimentaccedilatildeo de tais conceitos Na busca de superaccedilatildeo dos desafios agrave efetivaccedilatildeo da

cidadania e da democracia com justiccedila e equumlidade haacute que se levar em conta o caraacuteter

abrangente e transformador dessas categorias

A ideacuteia defendida neste trabalho eacute a de que categorias como justiccedila liberdade e

igualdade se associam a conquistas histoacutericas e a processos de construccedilatildeo permanente da

democracia e da cidadania Por isso demandam protagonismo dos cidadatildeos envolvidos na

consolidaccedilatildeo dos princiacutepios igualitaacuterios e democraacuteticos de largo espectro incluindo a vida

econocircmica e social

58

Essa reflexatildeo parte do pressuposto de que a cidadania e a democracia natildeo se

sustentam em sociedades marcadas pela injusticcedila pobreza e desigualdade social o que

estaacute de acordo com o pensamento de Boroacuten (1999) para quem a democracia como

forma de organizaccedilatildeo do poder social no espaccedilo puacuteblico eacute inseparaacutevel da estrutura

econocircmico-social sobre a qual esse poder repousa Claro que essa perspectiva se choca

com a estrutura antidemocraacutetica da sociedade capitalista que define limites

intransponiacuteveis para a efetivaccedilatildeo da cidadania e da democracia cujo funcionamento se

torna incompatiacutevel com a loacutegica e os princiacutepios que orientam o mercado Nem por isso

deixa de basear-se no princiacutepio de que as pretensotildees de liberdade positiva (natildeo soacute de

escolha mas tambeacutem de accedilatildeo e de criacutetica) como igualdade e justiccedila satildeo inerentes a uma

ordem social e econocircmica democraacutetica e cidadatilde que se quer ver instituiacuteda Trata-se de

uma ordem na qual a democracia e a cidadania ampliadas sejam produto de todo o

desenvolvimento da civilizaccedilatildeo ocidental e na qual igualdade e liberdade ganhem

significado comum constituindo duas faces da mesma moeda Natildeo se trata portanto da

liberdade negativa negadora da participaccedilatildeo ativa do Estado no processo de satisfaccedilatildeo

de necessidades sociais (como entendem e defendem os neoliberais) mas da liberdade

positiva que nos termos de Plant (2002) exige e compromete o Estado nesse tipo de

participaccedilatildeo Em outras palavras trata-se de uma ordem democraacutetica em que o conceito

de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica ao ser vinculado ao conceito de liberdade

positiva para todos

15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democraia ampliada

Uma democracia ampliada e includente pressupotildee natildeo soacute a igualdade de

oportunidades mas tambeacutem de condiccedilotildees mediante a criaccedilatildeo de mecanismos eficazes de

democratizaccedilatildeo do acesso dos cidadatildeos a bens serviccedilos e direitos Somente a participaccedilatildeo

ativa na vida social permite a ampliaccedilatildeo da democracia e a praacutetica da justiccedila redistributiva

pautada na equumlidade (prover com mais a quem mais precisa) Trata-se assim da justiccedila

redistributiva do valor justificador da cidadania e da democracia Em um contexto de

mercado regido pela liberdade negativa tal justiccedila torna-se algo externo e alheio A

liberdade igualitaacuteria que postula direitos sociais universais eacute ao contraacuterio um requisito

essencial agrave instauraccedilatildeo da justiccedila redistributiva ou justiccedila social e ao fortalecimento dos

direitos individuais (civis e poliacuteticos) Eacute fato empiacuterico que o crescente processo de

59

concentraccedilatildeo de renda compromete o funcionamento de regimes democraacuteticos Portanto a

construccedilatildeo de sociedades mais igualitaacuterias eacute providecircncia baacutesica para a instituiccedilatildeo de

relaccedilotildees sociais mais justas o que estaacute longe de ser observado em sociedades capitalistas

especialmente naquelas em que as iniquumlidades sociais prevalecem sobre a eqidade No

entanto mesmo nelas conquistas democraacuteticas satildeo possiacuteveis

Segundo Vieira (2001 p 227) ldquoa histoacuteria brasileira recente registra a

ocorrecircncia de ilhas democraacuteticasrdquo caracterizadas pela conquista e expansatildeo dos direitos de

cidadania com o protagonismo de setores da sociedade civil e de uma concepccedilatildeo de

dimensatildeo puacuteblica que extrapola a estatal Tambeacutem na Europa as mudanccedilas ocorridas na

conjuntura dos anos 1940 produziram aleacutem de uma significativa expansatildeo da cidadania

dos direitos universais e de poliacuteticas de pleno emprego uma democratizaccedilatildeo dos serviccedilos

sociais que influenciaram a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade As expectativas otimistas em

relaccedilatildeo agrave igualdade social pretendida apoacutes a Segunda Guerra Mundial foram motivadas

por crescente intervenccedilatildeo estatal nos mercados e por redefiniccedilotildees da relaccedilatildeo entre Estado e

cidadatildeos que resultaram em um crescente processo de socializaccedilatildeo de demandas

(BOROacuteN 1999) agrave medida que exigecircncias e necessidades sociais baacutesicas antes

consideradas privadas tornaram-se puacuteblicas Nesse contexto o debate sobre a provisatildeo

social estatal levou a uma radical redefiniccedilatildeo do papel dos Estados nacionais como

instacircncias reguladoras da provisatildeo social puacuteblica

No entanto esse processo inscreve-se em uma arena de conflitos As

conquistas histoacutericas no campo da democracia que superam o aspecto juriacutedico-formal satildeo

obras de histoacutericas lutas contra a dominaccedilatildeo do capital sobre o trabalho As contradiccedilotildees e

evidecircncias que o tema da incompatibilidade entre capitalismo cidadania democracia e

justiccedila social apresenta satildeo tatildeo complexas que natildeo comportam qualquer tentativa de

anaacutelise simplificadora Haacute que se analisar os nexos as muacuteltiplas determinaccedilotildees e as

mediaccedilotildees entre essas instacircncias Entende-se que somente por essa perspectiva a questatildeo

da pobreza e da desigualdade social tem possibilidades concretas de serem enfrentadas

Quando essa perspectiva ganhar materialidade histoacuterica certamente a pobreza e a

desigualdade teratildeo como meta possiacutevel a cidadania e a democracia Ainda mais importante

eacute que teraacute sido redefinido o lugar que essa perspectiva deveraacute ocupar no horizonte da

sociedade natildeo mais divorciada do real eou desvinculada da conquista da justiccedila e dos

direitos mas reconstruiacuteda social eacutetica e politicamente Pode-se afirmar que a praacutetica da

cidadania se faz agrave medida que representa as necessidades sociais no centro da dinacircmica

60

poliacutetica moral e eacutetica da sociedade A construccedilatildeo dessa utopia somente seraacute possiacutevel por

meio das accedilotildees de sociedades criacuteticas atuantes e politizadas que tenham clareza de sua

forccedila poliacutetica e de seu papel histoacuterico

O certo eacute que as projeccedilotildees otimistas do liberalismo claacutessico anunciadas pelo

neoliberalismo em relaccedilatildeo ao desaparecimento futuro das desigualdades econocircmicas e

sociais da servidatildeo do trabalho assalariado da ameaccedila da fome e da reduccedilatildeo das distacircncias

entre ricos e pobres que segundo os neoliberais se diluiram com o passar do tempo natildeo se

concretizaram Em decorrecircncia uma indagaccedilatildeo impotildee-se vale a pena sacrificar a

cidadania e a democracia em favor da liberdade individual negativa e em defesa de um

modelo econocircmico que rompe com valores eacuteticos e sacrifica a dignidade humana

16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo

de direitos

Este estudo buscou nos postulados da teoria marxista o suporte teoacuterico

considerado essencial agrave compreensatildeo da real contribuiccedilatildeo da emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana

no marco da universalizaccedilatildeo do princiacutepio de direitos Em A questatildeo judaica Marx (2002)

postula como necessaacuteria a emancipaccedilatildeo do homem aleacutem de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica embora

reconheccedila tambeacutem a sua importacircncia quando buscam identificar quem era o cidadatildeo burguecircs

no contexto alematildeo do seacuteculo XIX Para ele (2002) o homem faz parte do mundo da natureza

mas tambeacutem eacute um ser histoacuterico e social por isso ao nascer ele se torna herdeiro de todo o

patrimocircnio cultural da humanidade Eacute mediante a evoluccedilatildeo consequumlente desse seu pensamento

que Marx afirma na sua obra O capital (1983) que somente o reencontro com sua humanidade

perdida permitiraacute ao homem construir a ponte que o levaraacute do reino da necessidade ao reino da

liberdade (2002)14

Para Marx (2002 p 24-25) a emancipaccedilatildeo poliacutetica representa um grande

progresso e se refere a ela como ldquouma emancipaccedilatildeo real e praacuteticardquo Contudo a seu

14 Ao criticar as teses de Bruno Bauer (teoacutelogo alematildeo) sobre a antiacutetese entre judaiacutesmo e cristianismo em um contexto de debate sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica dos judeus em sua obra A questatildeo judaica Marx (2002) identificou na antiacutetese (ressaltada por Bauer) entre religiatildeo e Estado as contradiccedilotildees e equiacutevocos desse teoacutelogo Sobre o fato de Bauer indagar a que emancipaccedilatildeo os judeus alematildees aspiravam Marx (2002 p 17) argumenta que ldquonatildeo se trata de investigar apenas quem haacute de se emancipar e quem deve ser emancipado A criacutetica tem que indagar aleacutem disso outra coisa de que espeacutecie de emancipaccedilatildeo se trata apenas poliacutetica ou tambeacutem humana e quais as condiccedilotildees impliacutecitas da emancipaccedilatildeo a que se postulardquo

61

ver esse tipo de emancipaccedilatildeo natildeo implica necessariamente emancipaccedilatildeo humana

Esse eacute o seu limite

Na sociedade burguesa liberdade poliacutetica traduz-se no direito que o indiviacuteduo

tem de fazer tudo tendo como limite a formalidade da lei Trata-se de uma liberdade

individual (conteuacutedo dos direitos individuais) que constitui o fundamento da sociedade

burguesa isto eacute o direito de o indiviacuteduo desfrutar e dispor das conquistas individuais como

lhe conveacutem sem atender aos interesses coletivos dos demais homens Eacute o direito

denominado por Marx de interesse pessoal A sociedade burguesa a seu ver ldquofaz que todo

homem encontre noutros homens natildeo a realizaccedilatildeo de sua liberdade mas ao contraacuterio a

limitaccedilatildeo delardquo (Marx 2002 p 36) Na perspectiva da liberdade individual burguesa a

emancipaccedilatildeo poliacutetica torna-se a expressatildeo tatildeo somente da garantia dos direitos do homem

individual dissociado da vida em comunidade e de qualquer possibilidade de

universalizaccedilatildeo do acesso aos bens serviccedilos e agrave riqueza produzida socialmente Por isso

Marx (2002 p 42) eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquona maioria das vezes a emancipaccedilatildeo

poliacutetica eacute a reduccedilatildeo do mundo humano e das relaccedilotildees ao proacuteprio homem burguecircsrdquo

Adverte ademais que o problema real estaacute na relaccedilatildeo estabelecida entre emancipaccedilatildeo

poliacutetica e emancipaccedilatildeo humana afirmando que ldquoa emancipaccedilatildeo poliacutetica natildeo eacute o modo

radical e isento de contradiccedilotildees da emancipaccedilatildeo humanardquo (2002 p 20) O conteuacutedo da

participaccedilatildeo poliacutetica eacute a participaccedilatildeo do cidadatildeo na comunidade poliacutetica e no Estado uma

vez que a seu ver os direitos humanos tanto se inserem na categoria de liberdade poliacutetica

(dimensatildeo puacuteblica) como na categoria dos direitos civis (dimensatildeo privada) Por isso para

Marx (2002 p 42) ldquona base da emancipaccedilatildeo humana estatildeo as seguintes condiccedilotildees a

primeira quando o homem individual real recuperar em si o cidadatildeo abstrato e se

converter em um ser geneacuterico em seu trabalho individual e em suas relaccedilotildees a segunda

quando o homem tiver reconhecido e organizado suas proacuteprias forccedilas como forccedilas sociais

e a terceira quando o homem jaacute natildeo mais conseguir separar de si a forccedila social sob a

forma de forccedila poliacuteticardquo Diante do exposto torna-se mais compreensiacutevel o alerta que

Marx (2002) faz para que natildeo sejam confundidos meios poliacuteticos de emancipaccedilatildeo com

meios humanos de emancipaccedilatildeo por tratar-se no limite de questotildees pertinentes natildeo

opostas mas fundamentalmente diferentes embora inter-relacionadas

Indiscutivelmente o princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos eacute o que melhor

contempla o conceito marxiano de emancipaccedilatildeo humana que extrapola a emancipaccedilatildeo

poliacutetica do cidadatildeo a qual tem maior afinidade com o conceito de focalizaccedilatildeo neoliberal

62

tratado no proacuteximo item A emancipaccedilatildeo humana refere-se agrave universalizaccedilatildeo de um

princiacutepio com possibilidades concretas de natildeo discriminar estigmatizar e excluir cidadatildeos

pobres e de natildeo estabelecer criteacuterios de menor elegibilidade15 para a sua proteccedilatildeo Pereira

(2003 p 1) argumenta que ldquohaacute uma razatildeo histoacuterica fundamental para a adoccedilatildeo desse

princiacutepio que eacute o objetivo democraacutetico de natildeo discriminar cidadatildeos no seu acesso a bens e

serviccedilos que por serem puacuteblicos satildeo indivisiacuteveis e deveriam estar agrave disposiccedilatildeo de todosrdquo

Nesse sentido a seu ver a seletividade em vez de constituir um mecanismo de reduccedilatildeo de

gastos poderia ser uma medida que implicasse a identificaccedilatildeo de quem mais precisa para

melhor entendecirc-lo isto eacute o que ficou conhecido como discriminaccedilatildeo positiva

17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social

Segundo Pereira (2003 p 1) ldquono centro do debate sobre a poliacutetica social estaacute a

velha questatildeo da antinomia entre os princiacutepios e objetivos universais e seletivosrdquo Do

enfrentamento dessa questatildeo podem resultar tendecircncias agrave universalidade e agrave

progressividade ou agrave seletividade focalizaccedilatildeo e residualidade no atendimento de

necessidades sociais

Contrapondo-se agrave universalizaccedilatildeo da poliacutetica social a focalizaccedilatildeo na pobreza

extrema afirma-se como principal medida neoliberal de racionalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos

e natildeo de atendimento eficiente e eficaz aos necessitados Por buscar atender aos mais

pobres dentre os pobres ou cidadatildeos em situaccedilatildeo de carecircncia extrema tal princiacutepio passa a

ser justificador da minimizaccedilatildeo do papel do Estado e do caraacuteter residual de suas accedilotildees na

aacuterea social ou em outros termos a aplicaccedilatildeo desse princiacutepio obedece mais agrave relaccedilatildeo

custo-benefiacutecio dos programas voltados para a pobreza do que agrave sua efetividade

Conforme Pereira (2003) no bojo desse procedimento retornam viacutecios arcaicos a

exemplo dos testes de meio (means tested) ou comprovaccedilotildees constrangedoras de pobreza da

fraudemania (mania de perceber fraude no trato com os pobres) das contrapartidas imperativas

e dos estigmas criados pelas discriminaccedilotildees negativas Esses procedimentos tecircm o objetivo

claro de excluir e reduzir ao maacuteximo as demandas por assistecircncia social ao focalizarem a

15 Com base em princiacutepio liberal a Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social _LOAS (Lei ndeg 8742 Brasil sancionada em 7 de dezembro de 1993) determina em seu artigo 20 (benefiacutecio de prestaccedilatildeo continuada_ BPC) e artigo 21 (benefiacutecios eventuais) que os beneficios sejam destinados a famiacutelias eou segmentos cuja renda mensal percapita seja inferior a frac14 do salaacuterio miacutenimo ou seja a Lei determina que um benefiacutecio social natildeo pode competir com o pior salaacuterio

63

atenccedilatildeo nos miseraacuteveis o que afronta o princiacutepio da universalidade que defende a extensatildeo da

cidadania Por fim haacute que ressaltar a irracionalidade poliacutetica da focalizaccedilatildeo por fazer

aumentar a pobreza e as desigualdades sociais ao deixar no desamparo setores sociais

vulneraacuteveis que deixaram de ser focalizados

Diante dessas constataccedilotildees vale reconhecer que a questatildeo crucial da pobreza e

da desigualdade remete agrave questatildeo da redistribuiccedilatildeo de renda e de poder poliacutetico No Brasil

mesmo em conjunturas econocircmicas mais favoraacuteveis de acumulaccedilatildeo de riquezas a

distribuiccedilatildeo de renda piorou ou se manteve no mesmo patamar de anos anteriores Esse

dado confirma que o crescimento econocircmico sem justiccedila social e sem redistribuiccedilatildeo de

renda e poder natildeo reduz os iacutendices de pobreza e de desigualdade social ndash princiacutepio que os

neoliberais se recusam a incorporar em suas agendas Percebe-se tambeacutem que o fator

econocircmico embora seja referecircncia necessaacuteria eacute de teor instrumental teacutecnico e autoritaacuterio

porque imposto de cima para baixo Outros fatores ndash histoacutericos poliacuteticos eacuteticos e morais ndash

tecircm que ser levados em conta quando se trata de garantir direitos e qualidade de vida

humanos Por traacutes das medidas tecnicistas e instrumentais e dos esquemas focalistas de

proteccedilatildeo social estaacute a estrateacutegia do natildeo-enfrentamento de problemas estruturais gerados

historicamente pela ausecircncia de criteacuterios redistributivistas de poliacuteticas soacutecio-econocircmicas

Nesse quadro de incongruecircncias neoliberais cabe ressaltar efeitos perversos da

aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo a saber a) baixa efetividade e caraacuteter regressivo

(natildeo progressivo) das poliacuteticas sociais que se expressa na ausecircncia de prioridade poliacutetica e

de propostas inovadoras ndash que requerem poliacuteticas estruturais universalizadoras e

redistributivas ndash e nas justificativas de ausecircncia de recursos financeiros b) o

prevalecimento do pressuposto de que a estabilidade econocircmica eacute preacute-requisito da poliacutetica

social quando se sabe que o combate agrave pobreza e agrave desigualdade social natildeo pode estar

vinculado apenas ao volume agregado de recursos financeiros c) a ausecircncia da concepccedilatildeo

de que deve prevalecer uma cidadania articulada aos conceitos de justiccedila social

redistributiva liberdade positiva e igualdade de oportunidades e de condiccedilotildees Essas

questotildees natildeo podem ser reduzidas unicamente a programas econocircmicos de geraccedilatildeo de

emprego e renda eou a programas de transferecircncia de renda que se fundamentam na ideacuteia

de que cabe agrave economia determinar a cidadania Natildeo eacute possiacutevel equalizar oportunidades e

promover condiccedilotildees igualitaacuterias (falaacutecias do mercado) sem enfrentar a questatildeo da

redistribuiccedilatildeo de renda e de poder que tambeacutem depende do controle democraacutetico da

sociedade sobre atos e accedilotildees dos governos

64

Portanto a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo na poliacutetica social torna-se

problemaacutetica por ater-se agrave funccedilatildeo distributiva dessa poliacutetica vinculada aos resultados de

uma poliacutetica econocircmica geradora de crescimento e por isso poupadora de recursos em

favor dos interesses do mercado Em decorrecircncia a distribuiccedilatildeo atinge apenas as sobras

orccedilamentaacuterias sem levar em conta a cidadania e a possibilidade de os pobres constituiacuterem-

se sujeitos de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana Esta eacute a razatildeo pela qual os neoliberais

natildeo enfrentam os compromissos redistributivos de renda e poder optando por satisfazer

apenas o direito agrave sobrevivecircncia mediante uma cidadania tutelada Assim com a

focalizaccedilatildeo natildeo se produz em condiccedilotildees igualitaacuterias de acesso a bens serviccedilos e direitos o

que conduz a uma realidade definida por Hobsbawm (1994) como barbaacuterie social

Atualmente apesar da defesa da globalizaccedilatildeo de direitos da economia do

desenvolvimento o que mais se globaliza sob a ingerecircncia neoliberal eacute a miseacuteria humana

reforccedilada por uma distribuiccedilatildeo injusta de recursos de condiccedilotildees de acesso e de

oportunidades que aumenta a pobreza e as desigualdades sociais natildeo soacute entre os paiacuteses

mas no interior de cada paiacutes Tanto o chamado localismo globalizado (padronizaccedilatildeo de

haacutebitos e costumes processo de massificaccedilatildeo de consumo) quanto o globalismo localizado

(extrativismo ecoloacutegico sob regulaccedilatildeo do capital internacional por exemplo na Amazocircnia)

satildeo expressotildees das relaccedilotildees de poder impostos pela globalizaccedilatildeo neoliberal hegemocircnica

mediante o chamado colonialismo cultural e epistemoloacutegico Nesse contexto a relaccedilatildeo do

Estado com a sociedade civil tem sido manipulada pelas agecircncias internacionais O atual

discurso valorizado eacute o de cunho econocircmico A fala valorizadora do social como

mediaccedilatildeo do direito quando expressa institucionalmente pelo Estado eacute minimizada

Experiecircncias comunitaacuterias foram institucionalizadas e suas lideranccedilas cooptadas com

salaacuterios altiacutessimos As ONGs de um modo geral assumiram o lugar dos movimentos

sociais16 e atuam livremente sem um efetivo controle democraacutetico da sociedade

Acentuou-se a precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no campo com grande mobilizaccedilatildeo

para as aacutereas urbanas eou para os assentamentos agriacutecolas Os espaccedilos privados foram

invadidos gerando desagregaccedilatildeo familiar aumento do traacutefico e consumo de drogas (liacutecitas

e natildeo-liacutecitas) redefiniccedilatildeo eou desconstruccedilatildeo dos papeacuteis na ordem familiar deteriorizaccedilatildeo

de valores eacuteticos e morais aumento da violecircncia em suas muacuteltiplas expressotildees Uma

opressatildeo generalizada e difusa tornou-se cotidiana com a prevalecircncia de processos de

16 Ver em obra de Montantildeo (2002) anaacutelise criacutetica sobre o papel histoacuterico e a relaccedilatildeo estabelecida entre os movimentos sociais e as ONGs no Brasil a partir dos anos 19701980 em que pese o trabalho seacuterio de muitas ONGs que ainda atuam na perspectiva dos direitos sociais

65

alienaccedilatildeo social e poliacutetica (heteronomia) Todas essas polecircmicas apresentam de forma

impliacutecita ou expliacutecita a ideacuteia de que os princiacutepios focalizadores neoliberais ao se

contraporem aos princiacutepios universalistas colocam como imperativo o enfrentamento do

espectro da concentraccedilatildeo de renda e de poder pela via da justiccedila redistributiva

18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal

Em consonacircncia com o princiacutepio da focalizaccedilatildeo aos neoliberais interessa no

que diz respeito agrave assistecircncia social o exerciacutecio da filantropia do voluntariado e da accedilatildeo

solidaacuteria como um dever moral (eou religioso) e natildeo ciacutevico natildeo como dever do Estado

Interessa-lhes tambeacutem a assistecircncia social informal e voluntaacuteria plural ou mista poreacutem

natildeo puacuteblica17 no trato da pobreza como um contraponto agrave assistecircncia puacuteblica Sua

exigecircncia eacute de que essas accedilotildees sociais natildeo transformem o Estado em refeacutem dos pobres

Nesses termos natildeo haacute lugar para a cidadania ampliada a democracia igualitaacuteria a justiccedila

redistributiva e a dimensatildeo puacuteblica da vida social Ademais como jaacute salientado as

poliacuteticas sociais subordinam-se agraves poliacuteticas econocircmicas O discurso passa a ser de ajustes

estruturais deacuteficit fiscal cortes em investimentos sociais crescimento do superaacutevit

primaacuterio dentre outros No reordenamento do capital internacional que redirecionou a

intervenccedilatildeo do Estado para o acircmbito da produccedilatildeo e do setor privado (perspectiva privatista

e minimalista) e minou as bases dos sistemas de proteccedilatildeo social puacuteblicos as questotildees de

conteuacutedo social foram transformadas em administrativas e passaram a ser tratadas

teacutecnicamente Conforme Telles (1998 p 15) ldquoa pobreza foi deslocada para o lugar da natildeo-

poliacuteticardquo o que significa ser considerada um fenocircmeno fora do mundo puacuteblico dissociado

dos foacuteruns democraacuteticos de representaccedilatildeo de negociaccedilatildeo da sociedade civil e de

mecanismos de controle democraacutetico Sem duacutevida a perspectiva neoliberal da natildeo-

cidadania destituiacuteda de caraacuteter puacuteblico estabelece em outras bases as relaccedilotildees entre

Estado e sociedade e entre as esferas puacuteblica e privada nas quais satildeo desconsideradas a

cidadania e a democracia ampliadas como condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave realizaccedilatildeo da justiccedila

social ou redistributiva

Com efeito no processo de esvaziamento e de privatizaccedilatildeo dos espaccedilos

puacuteblicos a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade retorna aos padrotildees conservadores de

17 Ver Viana (2003) A assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar desinstitucionalizaccedilatildeo e conservadorismo Revista Ser Social Brasiacutelia n 12 p59-86 janeiro a junho de 2003

66

dependecircncia e tutela o que significa romper com a relaccedilatildeo baseada em antagonismos eacute

verdade mas tambeacutem em reciprocidades dada a natureza contraditoacuteria dessa relaccedilatildeo

(IANNI 1986) Natildeo eacute difiacutecil perceber nas propostas regressivas e reducionistas

neoliberais a total indiferenccedila pelas poliacuteticas puacuteblicas concretizadoras de direitos de

cidadania social das quais a assistecircncia faz parte Em compensaccedilatildeo tais poliacuteticas passam a

ser administradas de forma residual e focalizada ou seja como compensaccedilatildeo dos

problemas criados pelo o mercado ou pelas limitaccedilotildees de uma proteccedilatildeo plural ou mista

poreacutem natildeo puacuteblica

19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos) defendidos

pelos neoliberais

Eacute exatamente como contraponto agrave ideacuteia progressista de cidadania ampliada

construiacuteda por cidadatildeos livres e emancipados do ponto de vista poliacutetico e humano que os

neoliberais postulam uma autonomia fundada no princiacutepio de liberdade negativa isto eacute

sem regulaccedilatildeo social 18 Por isso rechaccedilam a intervenccedilatildeo estatal como instacircncia legal e

legiacutetima de garantia de direitos Nesse sentido o conceito de liberdade restringe-se agrave sua

dimensatildeo juriacutedico-formal associada ao impeacuterio da lei ou melhor de acordo com a

perspectiva neoliberal natildeo eacute possiacutevel outra liberdade que natildeo seja a limitada pelas normas

legais que compotildeem o ordenamento juriacutedico de um paiacutes A noccedilatildeo de direito e de lei

portanto baseia-se em um marco normativo e em uma concepccedilatildeo de liberdade que protege

acima de tudo as esferas individuais de interferecircncias puacuteblicas

Sabe-se que Hayek (1990) foi o principal adepto dessa concepccedilatildeo de liberdade e

seus argumentos alicerccedilaram o ideaacuterio neoliberal Para esse autor o cerne do direito e

portanto da liberdade individual eacute o direito agrave propriedade privada e logicamente da liberdade

incondicional do mercado (PISOacuteN 1998) Em sua concepccedilatildeo no contexto do capitalismo os

conceitos de liberdade individual e de propriedade privada mantecircm estreita ligaccedilatildeo e devem ser

entendidos como elementos baacutesicos de uma sociedade de mercado livre Nesse sentido a

18 Nas democracias ocidentais os chamados direitos individuais ndash civis e poliacuteticos ndash satildeo reconhecidos como direitos de liberdade negativa (sob influecircncia de Kant) e como tal dispensam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado na esfera privada Os direitos individuais favorecem a liberdade de mercado e por isso satildeo aceitos pelos neoliberais Em contrapartida os direitos sociais satildeo reconhecidos como direitos de liberdade positiva e como tal reivindicam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado por intermeacutedio das poliacuteticas puacuteblicas Portanto em uma concepccedilatildeo progressista e dialeacutetica haacute uma inter-relaccedilatildeo entre todos os direitos natildeo havendo direitos sociais sem a garantia dos direitos individuais e vice-versa

67

liberdade na perspectiva liberal-burguesa natildeo eacute senatildeo o desfrute sem coaccedilatildeo de bens e

riquezas dos quais o indiviacuteduo eacute proprietaacuterio legal Essas ideacuteias tiveram (e ainda tecircm) notaacutevel

influecircncia sobre a criacutetica dos neoliberais ao Estado Social aos direitos sociais e agraves poliacuteticas

puacuteblicas Para Nozick (apud PISOacuteN 1998) neoliberal influente contemporacircneo de Hayek o

ponto de partida de sua teoria eacute uma vigorosa defesa dos direitos individuais (civis e poliacuteticos)

tidos como de caraacuteter inviolaacutevel e absoluto Em seus argumentos ele insiste no

reconhecimento legal do direito individual baacutesico agrave propriedade e o vincula a uma concepccedilatildeo

de justiccedila cujos princiacutepios devem estar a seu ver relacionados agraves leis e agrave eficaacutecia do mercado

Pisoacuten (1998) ao trazer para o debate a polecircmica posiccedilatildeo desses dois autores neoliberais afirma

tratar-se de uma teoria dos direitos que vincula uma determinada concepccedilatildeo de justiccedila agrave

supremacia do mercado Hayek (1990) e Nozick (apud PISOacuteN 1998) rechaccedilam a vigecircncia dos

direitos sociais por entenderem que eles implicam intromissatildeo intoleraacutevel do Estado na

economia e na liberdade individual elementos que constituem os fundamentos do liberalismo

claacutessico e da democracia de mercado Tambeacutem as poliacuteticas redistributivas satildeo alvo de duras

criacuteticas desses dois teoacutericos pois tais poliacuteticas justificam os direitos sociais e se inspiram em

princiacutepios de liberdade e justiccedila social com igualdade e equidade Para esses autores a poliacutetica

de distribuiccedilatildeo possiacutevel e mais justa a ser feita deve ser determinada pelos criteacuterios privatistas

do mercado e somente essa instacircncia (mercado) tem o mecanismo de distribuiccedilatildeo mais justo e

eficaz e portanto eacute identificado com uma suposta justiccedila individual (natildeo-redistributiva) Na

formulaccedilatildeo desses neoliberais haacute que deixar o mercado atuar livremente sem que o Estado

dite regras agrave economia Como questatildeo de fundo no panorama geral do pensamento neoliberal

os ataques aos direitos sociais e agraves poliacuteticas sociais puacuteblicas natildeo satildeo mais do que um corolaacuterio

de seu rechaccedilo ao Estado Social (PISOacuteN 1998)

Nessa perspectiva os direitos sociais como instrumentos justificadores da

atividade intervencionista do Estado Social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas satildeo

tambeacutem vistos como os impulsionadores das pressotildees que a burocracia estatal exerce

contra os cidadatildeos em suas liberdades individuais Hayek (apud PISOacuteN 1998)

argumenta ainda com expressiva ironia que a justiccedila social invocada para justificar a

atuaccedilatildeo intervencionista e positiva do Estado de Bem-estar natildeo eacute senatildeo uma mera

supersticcedilatildeo pseudo-religiosa constituindo-se em uma ameaccedila aos valores individuais

essenciais a seu ver agrave civilizaccedilatildeo e agrave modernidade Em vista disso afirma

categoricamente que a justiccedila social eacute uma fraude por pretender alterar os desiacutegnios do

que ele denomina de ordem espontacircnea (relaccedilatildeo entre sociedade e mercado) da vida social

68

Para ele essa ordem espontacircnea eacute resultado de um processo evolutivo cujos efeitos (como

a pobreza e a desigualdade social) satildeo uma consequumlecircncia natural do livre jogo das forccedilas

mercantis e portanto inerentes ao dinamismo da vida em sociedade Por conseguinte

argumenta que os direitos sociais satildeo produto de um engano porque a crenccedila na existecircncia

de algo vago que se chama justiccedila social a seu ver constitui uma ameaccedila permanente agrave

liberdade individual Assim tanto Hayek (1990) como Nozick (apud PISOacuteN 1998)

reafirmam seu descompromisso com a democracia e a cidadania ampliadas chegando a

ponto de afirmar ndash em uma clara distorccedilatildeo do conceito de justiccedila social redistributiva ndash

que quando o Estado interveacutem em favor de interesses outros que natildeo os do mercado aiacute

sim eacute que se comete um ato de injusticcedila Ao expor esses argumentos os referidos autores

objetivam chamar a atenccedilatildeo para a centralidade de um debate histoacuterico e contemporacircneo

mas nem sempre expliacutecito que tem como questatildeo central as restriccedilotildees impostas agrave extensatildeo

da democracia e da cidadania social mediante o natildeo-reconhecimento dos direitos sociais

como direitos genuiacutenos Esses argumentos estatildeo fundamentados em outra loacutegica a que vecirc

na intervenccedilatildeo do Estado um caminho para a servidatildeo dos indiviacuteduos e do mercado tendo

em Hayek (1990) o seu mentor e precursor (PISOacuteN 1998)

Outro argumento neoliberal eacute o de que a garantia de bens e serviccedilos sociais

mediante poliacuteticas puacuteblicas afianccediladas pelo Estado impede o crescimento da economia e

por extensatildeo o processo de acumulaccedilatildeo de riqueza eacute tambeacutem defensor da tese naturalista

de que as desigualdades sociais quando natildeo excessivas ou intoleraacuteveis tornam-se uacuteteis ao

crescimento da economia beneficiando a todos (PEREIRA 2001) Ainda segundo Hayek

(1990) as desigualdades sociais permitem de um lado uma taxa de poupanccedila maior pois

satildeo as classes mais abastadas que de fato poupam incentivando assim a expansatildeo dos

investimentos e tornando esse mecanismo de seleccedilatildeo natural gerador de maior crescimento

econocircmico E por outro lado as desigualdades sociais cumprem a seu ver o papel de

estimular os pobres a trabalhar mais e melhor Para os neolberais a loacutegica dos direitos natildeo

se contrapotildee agrave loacutegica do mercado e nem se mostra tatildeo perniciosa por confiscar a riqueza

dos mais afortunados aleacutem de evitar o prolongamento da cultura da dependecircncia dos

pobres agrave proteccedilatildeo social puacuteblica

Em contraposiccedilatildeo a esses argumentos entende-se nesta tese que a relaccedilatildeo

direta dos direitos sociais com a satisfaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas cujo

atendimento remete ao compromisso e agrave responsabilidade do Estado pela implementaccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas deve ser debatida e reconhecida como central e relevante Pereira

69

(2001) ao comentar Pisoacuten (1998) afirma que ao privilegiar os direitos sociais no conjunto

da cidadania e reconhecer as necessidades humanas como ponto de partida e de chegada de

um efetivo comprometimento puacuteblico Pisoacuten (1998) reconhece que os direitos sociais

extrapolam um constructo normativo abstrato (aspecto legal) e rejeita o individualismo

bem como o sentido negativo impliacutecito no conceito neoliberal de liberdade Para Pereira

(2001 p 242-243)

os direitos sociais natildeo devem visar apenas agrave prestaccedilatildeo de benefiacutecios e serviccedilos como dever do Estado e direito de creacutedito do cidadatildeo mas principalmente agrave remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao exerciacutecio concreto da liberdade dotando-se dessa forma a liberdade formal e abstrata (contida nas leis) de sentido material

Com efeito Pisoacuten (1998)19 argumenta que os direitos sociais remetem ao que

ele denomina de liberdade real que se traduz na capacidade de accedilatildeo do Estado Social de

atender agraves necessidades dos cidadatildeos tendo em vista o seu bem-estar Para ele sem a

satisfaccedilatildeo das necessidades reais dos homens natildeo haacute liberdade e nem o exerciacutecio de uma

cidadania social de forma substantiva e ampliada

O certo eacute que a estrateacutegia utilizada pelos neoliberais de criar uma nova

mentalidade cultural e poliacutetica contraacuteria agrave cultura dos direitos deu resultados e ganhou

adesotildees porque penetrou fundo no chatildeo das crenccedilas populares em busca de um consenso

Sem duacutevida com essa estrateacutegia efetivou-se uma combinaccedilatildeo perfeita entre crenccedilas e senso

comum com teorias e ideologias defensoras da eficiecircncia e eficaacutecia dos interesses do capital

Parafraseando Gramsci (apud BOROacuteN 1999 p 11) ldquotais teorias e ideologias adquiriram a

solidez das crenccedilas populares travando com ecircxito uma batalha pela hegemonia no seio da

sociedade civilrdquo Concretizaram-se assim ganhando materialidade histoacuterica o que Gramsci

chamou de ldquoproposiccedilatildeo da filosofia da praacutexis como sendo aquela que sustenta que as crenccedilas

populares tecircm a validade das forccedilas materiaisrdquo (apud BOROacuteN 1999 p 11)

O pensamento criacutetico de Gramsci demonstra atualidade e compromissao com

os desafios da modernidade e ganha maior visibilidade histoacuterica no estaacutegio atual de

desenvolvimento do capitalismo essencialmente marcado por processos de exclusatildeo

social antagonismos de classes e de desigualdades sociais em que se estimula o

19 Pison (1998) apresenta uma argumentaccedilatildeo consistente sobre os direitos sociais e por isso tornou-se objeto de interesse deste estudo natildeo obstante esse autor adotar algumas posiccedilotildees teoacutericas polecircmicas que do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico tendem a uma abordagem funcionalista gerando uma tensatildeo teoacuterica em particular na anaacutelise que faz sobre os fenocircmenos sociais que natildeo satildeo analisados como resultantes das contradiccedilotildees de uma determinada loacutegica (capitalista) e portanto natildeo implicam rupturas radicais

70

dinamismo da economia em detrimento do desenvolvimento social Nesse contexto cria-

se um quadro aparente e ilusoacuterio de ascensatildeo social entre as classes sociais pauperizadas

excluiacutedas dos processos garantidores da cidadania social Sobre o emprego da expressatildeo

catarse (cartasis) e do conceito de filosofia da praacutexis categorias reconhecidas como

siacutentese de seu projeto Gramsci (1995 p 53) argumenta

A estrtuura da forccedila exterior que subjuga o homem assimilando-o e o tornando passivo transforma-se em meio de liberdade em instrumento para criar um nova forma eacutetico-poliacutetica em fonte de novas iniciativas A fixaccedilatildeo do momento cataacutertico torna-se assim toda a filosofia da praacutexis o processo cataacutertico coincide com a cadeia de siacutenteses que resultam do desenvolvimento dialeacutetico

Assim estrategicamente o ideaacuterio neoliberal foi sendo absorvido e

incorporado agraves crenccedilas populares ganhando tambeacutem a adesatildeo de governantes e de

segmentos expressivos da sociedade civil Em consequumlecircncia dessa estrateacutegia de

esvaziamento das esferas puacuteblicas e de destituiccedilatildeo de direitos haacute sociedades cada vez mais

passivas injustas pobres e desiguais

CAPIacuteTULO II

O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR

21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial

Haacute uma variedade de experiecircncias de proteccedilatildeo social e de formas de bem-estar

implementadas nos paiacuteses do Ocidente com padrotildees e alcances diferenciados bem como

explicaccedilotildees soacutecio-econocircmicas e poliacuteticas diversas A ideacuteia de que o Estado de Bem-estar ndash

Welfare State20 ndash eacute um fenocircmeno britacircnico uniacutevoco e exclusivo se mostrou um equiacutevoco

Confirmou-se na histoacuteria que dada a sua gecircnese capitalista e a diversidade poliacutetico-

econocircmica e soacutecio-cultural existente nos diversos paiacuteses haacute diferentes configuraccedilotildees de

Estado de Bem-estar que foram se consolidando com caracteriacutesticas proacuteprias

A primeira experiecircncia de Estado de Bem-estar surgiu na Europa nos fins do

seacuteculo XIX no contexto de afirmaccedilatildeo da sociedade industrial capitalista na Inglaterra e se

consolidou no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra nos anos 1940 O Welfare State portanto natildeo

se constituiu em uma instituiccedilatildeo tipicamente britacircnica embora tenha sido criado naquele paiacutes

em circunstacircncias uacutenicas Sua evoluccedilatildeo deu-se mediante um processo contiacutenuo ganhando

gradativamente a adesatildeo de outros paiacuteses da Europa e posteriormente dos EUA Para

Marshall (apud JOHNSON 1990) o Estado de Bem-estar natildeo chegou de suacutebito Muitos de

seus benefiacutecios e serviccedilos desenvolveram-se ao longo de extensos periacuteodos Suas bases e

princiacutepios foram sendo construiacutedos no decorrer de seis deacutecadas anteriores agrave Segunda Guerra

Mundial Constatou-se que suas causas foram tanto econocircmicas quanto sociais e poliacuteticas

em que pese em sua gecircnese terem prevalecido razotildees de iacutendole poliacutetica (LARA 1991) Na

verdade de 1883 (final do seacuteculo XIX) ateacute 1915 conforme o que aponta a Legislaccedilatildeo social

do periacuteodo o Estado Social natildeo foi mais que um experimento

Egrave interessante constatar que no processo de formaccedilatildeo do Estado Social no

seacuteculo XIX haacute registros informando a existecircncia de reflexotildees teoacutericas a respeito de injusticcedilas

20 Para Marshall (1963 apud Johnson 1990 p 18) o Estado de Bem-Estar britacircnico (Welfare State) foi tambeacutem o produto de uma explosatildeo de forccedilas que fruto da histoacuteria fez surgir a excepcional experiecircncia britacircnica na guerra e na transiccedilatildeo a um estado de paz

72

sociais decorrentes da ordem liberal (liberalismo claacutessico influenciado por Locke) No

periacuteodo denominado de entreguerras (1914-1940) deu-se iniacutecio a algumas tiacutemidas reformas

sociais impulsionadas pelos trabalhadores diretamente ou em colaboraccedilatildeo com outras forccedilas

poliacuteticas emergentes da Revoluccedilatildeo Industrial Isso porque ainda natildeo se havia formado um

suficiente consenso sobre a necessidade de um Estado Social ateacute porque as circunstacircncias

poliacuteticas e econocircmicas ainda natildeo permitiam sua viabilidade Poucos consideravam que a

intervenccedilatildeo estatal fosse economicamente conveniente e viaacutevel

De fato quando se observam os seguros sociais existentes ateacute 1915 em paiacuteses

da Europa dentre os quais alguns da Europa do Sul (Itaacutelia Franccedila) jaacute se percebe uma

flexibilidade na Legislaccedilatildeo que regulava as subvenccedilotildees vinculadas aos seguros de caraacuteter

voluntaacuterio Tambeacutem no campo dos seguros contra acidentes de trabalho jaacute se percebiam

criteacuterios mais flexiacuteveis sobre o envolvimento e a responsabilidade civil das empresas

industriais (Franccedila e Sueacutecia) especialmente em relaccedilatildeo ao trabalhador acidentado com

ampliaccedilatildeo desse seguro trabalhista de caraacuteter obrigatoacuterio para algumas categorias (Reino

Unido) Contudo havia condicionalidades claras sobre o perfil dos trabalhadores que

faziam jus agrave obrigatoriedade do seguro (Alemanha Itaacutelia e Suiacuteccedila) e apenas nestes paiacuteses

esse seguro tinha caraacuteter obrigatoacuterio Jaacute em relaccedilatildeo ao seguro desemprego com exceccedilatildeo do

Reino Unido havia prevalecircncia de uma prestaccedilatildeo ainda natildeo assegurada aos trabalhadores

Ainda no citado periacuteodo (1915) Suiacuteccedila (37) e Reino Unido (363) satildeo paiacuteses que se

destacam em relaccedilatildeo aos iacutendices relativos agrave populaccedilatildeo assegurada como demonstram os

quadros 1 e 2 a seguir

Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no periacuteodo

1883-191521

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

da populaccedilatildeo assegurada

em 1915

Franccedila 1898 reconhecimento da responsabilidade civil

1898 aprovaccedillatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

1895

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio

() 115

Itaacutelia () 1886

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

1898

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio

() 48

Sueacutecia 1901

reconhecimento da responsabilidade civil de

1891

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do

() () 108

21 NR Originalmente os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos de ALBER Dalla Caritaacute allo Stato Sociale e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 apud LARA (1991pp 270-274) Taduccedilatildeo livre da autora desta tese

73

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

da populaccedilatildeo assegurada

em 1915

determinadas empresas industriais

seguro voluntaacuterio

Reino Unido 1897 a

Workmenrsquos

Compensation-Act reconheceu os seguros para determinadas empresas O trabalhador acidentado teria direito ao seguro sem apresentar prova de negligecircncia 1906 a Workmenrsquos Compesation-Act ampliou este seguro a profissocirces ateacute entatildeo excluiacutedas desse benefiacutecio

() () () 363

Suiccedila () 1911

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

() () 370

() Prestaccedilatildeo nacirco assegurada () O seguro contra esta contingecircncia eacute de caraacutecter obrigatoacuterio

Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no periacuteodo

1883-191522

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguro de desemprego

Populaccedilatildeo assegurada em 1915

Alemanha 1884 Implantaccedilatildeo da obrigatoriedade para os trabalhadores e empregados de empresas selecionadas que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

1883

o

seguro cobria trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado nIacutevel de renda 1911extensatildeo do seguro aos trabalhadores agriacutecolas

1889Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

() 428

Itaacutelia 1902

Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para os trabalhadores da induacutestria com limites de renda

1901 O seguro cobria trabalhadores da induacutestria que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

1911 Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

()

Sueacutecia () () 1913 A prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave velhice possuia um caraacuteter assistencial

() 108

Suiccedila 1911

Estabelecimento de obrigatoriedade em determinadas empresas

() () () 370

22 Fonte Os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos por Lara (1991 p 270-274) de ALBER Dalla Caridade do Estado Social e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese

74

Paiacutes Seguros contra

acidentes de trabalho Seguros de

enfermidade Seguros de

velhice Seguro de

desemprego

Populaccedilatildeo assegurada em 1915

industriais

Reino Unido () 1911

O seguro

cobria aos trabalhadores que nacirco superassem um determinado niacutevel de renda

1908

neste ano

aprovou-se a Old Age Pension Act O seguro estava condicionado a um determinado niacutevel de renda e era financiado pelo Estado

1911 criaccedilatildeo do seguro de desemprego para determinadas induacutestrias

360

() Prestaccedilacirco nacirco - assegurada () O seguro contra essa contingecircncia eacute de caraacuteter voluntaacuterio

Ademais a cobertura social estava limitada a alguns segmentos sociais Ateacute

mesmo a incipiente legislaccedilatildeo social alematilde que inaugurou o primeiro sistema de

seguridade social sob o governo de Bismarck em 1883 se deveu mais agrave iniciativa da elite

econocircmica no poder motivada pelo desejo de legitimaccedilatildeo poliacutetica ante a mobilizaccedilatildeo da

classe trabalhadora do que ao propoacutesito de correccedilatildeo das injusticcedilas sociais eou de garantias

de direitos sociais

Naquele contexto as circunstacircncias sociais criadas pelo capitalismo exigiam

medidas de estabilidade poliacutetica tanto que estudos informam que se produziu uma

abundante legislaccedilatildeo trabalhista em todos os paiacuteses da Europa ao final do seacuteculo XIX e

iniacutecio do seacuteculo XX O objetivo de tal legislaccedilatildeo era facilitar a conciliaccedilatildeo dos

conflitos gerados pela relaccedilatildeo capital e trabalho garantindo de um lado a expansatildeo do

capitalismo e de outro a melhoria do status do trabalhador As causas portanto eram

de natureza poliacutetica

A legislaccedilatildeo social existente em grande parte dos paiacuteses europeus a partir dos

anos 1940 ateacute os anos 1970 (LARA 1991) revela preocupaccedilotildees do Estado Social com a

extensatildeo da provisatildeo social na perspectiva de uma seguridade social puacuteblica que requer a

implantaccedilatildeo dos seguros sociais obrigatoacuterios acidentes de trabalho enfermidade velhice

desemprego como demonstra o quadro 3

75

Quadro 3 Principais leis sobre seguros sociais aprovadas desde l941 ateacute princiacutepios de

1970 em onze paiacuteses europeus23

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

Aacuteustria 1952 estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para trabalhadores autocircnomos Ficaram entatildeo cobertos todos os trabalhadores

1941

extensatildeo da

assistecircncia obrigatoacuteria aos familiares dos trabalhadores assegurados 1966 estabelecimento do seguro para trabalhadores autocircnomos da induacutestria

1957

estabelecimento

de seguro para os trabalhadores autocircnomos na induacutestria e comeacutercio 1970 extensatildeo da cobertura do seguro para os agricultores

1949

extensatildeo do

seguro aos agricultores

Dinamarca () 1971

implantaccedilatildeo de um seguro nacional

1956 a

Lei de Seguro Nacional estabeleceu uma pensatildeo universal 1964 introduccedilatildeo de pensotildees complementares em razatildeo do salaacuterio

Franccedila 1946

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores dependentes

1942

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os assalariados sem limite de renda Em 1961 ampliou-se a cobertura desse seguro aos agricultores e em 1966 aos trabalhadores autocircnomos natildeo agriacutecolas

1942

aboliccediloes de limitaccedilocirces de renda 1948 Ampliaccedilatildeo do seguro aos profissionais liberais e a outros trabalhadores autocircnomos 1952 extensatildeo do seguro aos agricultores

Pelo Decreto de 1959 o Estado sancionou o acordo negociado pelos trabalhadores e empresaacuterios sobre o seguro de desemprego A Lei de 1967 reconheceu efeitos legais a esse sistema

Itaacutelia 1956

estabelecimento do seguro para determinadas categorias de trabalhadores autocircnomos

1943

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores e empregados da induacutestria

1954 ampliaccedilatildeo do seguro aos agricultores

1959

supressatildeo de limites de rendas para os trabalhadores e empregados

1949

extensatildeo do seguro aos agricultores

Reino Unido 1946

implantaccedilatildeo da seguridade obrigatoacuteria generalizada

1946

implantaccedilatildeo do seguro nacional

1946 implantaccedilatildeo do seguro nacional 1957 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em proporccedilatildeo agrave renda

1946

implantaccedilatildeo de uma pensatildeo uniforme 1966 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em funccedilatildeo do salaacuterio

Sueacutecia () 1955

introduccedilatildeo do seguro nacional

1946

ntroduccedilatildeo da pensatildeo universal uniforme 1959 introduccedilatildeo de pensocirces suplementares e obrigatoacuterias agrave baacutesica em relaccedilatildeo agrave renda

Fonte LARA 1991 p 270 - 274

Poreacutem foi no periacuteodo apoacutes o final da Segunda Guerra Mundial que o Welfare

State se consolidou com a ampliaccedilatildeo da provisatildeo estatal e extensatildeo dos serviccedilos sociais

Desde entatildeo a ideacuteia de um Estado socialmente intervencionista passou a ganhar adeptos e

adquirir expressatildeo real Ganhou visibilidade a ideacuteia de que os conceitos de liberdade e de

23 Obs Dados originais de ALBER Dalla Careitagrave e de quadros comparativos dos regimes de seguridade social Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) Madri 1982 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese

76

democracia liberal natildeo passavam de uma ficccedilatildeo se natildeo estivessem apoiados no conceito de

igualdade material e natildeo apenas de oportunidade ou perante a lei Tambeacutem foi ganhando

legitimidade a ideacuteia de que as injusticcedilas sociais poderiam ser corrigidas no marco mesmo

do modo de produccedilatildeo capitalista Para tanto tornava-se imprescindiacutevel a intervenccedilatildeo do

Estado na economia

O ecircxito do Estado Social passou a depender do consenso que alcanccedilava

progressivamente Segundo Lara (1991) foi necessaacuterio esperar os anos posteriores a

1940 para que as poliacuteticas sociais superassem a fase experimental e tivessem

resultados mais concretos em conexatildeo com as poliacuteticas econocircmicas (p 439) A

satisfaccedilatildeo das demandas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial deve-se

portanto a uma conjuntura econocircmica especial e particularmente agraves medidas sociais

adotadas para evitar uma crise maior do capitalismo Assim eacute possiacutevel afirmar que as

origens do Estado Social foram sendo determinadas natildeo tanto por circunstacircncias

econocircmicas mas muito mais por exigecircncias poliacuteticas Nesse periacuteodo os seguros sociais

(antes voluntaacuterios) evoluiacuteram tornando-se obrigatoacuterios e estenderam sua cobertura

social na medida que foram suprimidos os limites que condicionavam o acesso a eles

As diretrizes do Informe Beveridge de 194224 ancoradas nas teorias econocircmicas

keynesianas a partir de 1930 tiveram importacircncia essencial como motor das

mudanccedilas assim como o crescimento do poder de pressatildeo poliacutetica e da organizaccedilatildeo da

classe trabalhadora A partir dos anos 1940 o Estado Social adquiriu caraacuteter especiacutefico

e se diferenciou substantivamente do Estado Liberal Indiscutivelmente a teoria

econocircmica de Keynes constituiu elemento essencial para a consolidaccedilatildeo do Estado

Social porquanto justificou e propiciou a ampliaccedilatildeo do seu intervencionismo Baseadas

nas ideacuteias de Keynes e Beveridge as poliacuteticas sociais superaram o lugar secundaacuterio que

ateacute entatildeo se encontravam E para chegar agrave significaccedilatildeo que alcanccedilaram depois da

Segunda Guerra Mundial foi imprescindiacutevel que se alterassem os criteacuterios econocircmicos

e sociais ateacute entatildeo vigentes

24 Beveridge ao elaborar seu plano apresentado ao Parlamento Britacircnico em novembro de 1942 criou um suporte teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do Sistema de Seguridade Social inglecircs Agrave eacutepoca (1941) Beveridge recebeu nomeaccedilatildeo do governo britacircnico para presidir a Comissatildeo Interministerial de Seguro Social e Serviccedilos Afins Realizou um diagnoacutestico da situaccedilatildeo social britacircnica concluindo que a superaccedilatildeo da condiccedilatildeo de miseacuteria e de pobreza passava pela redistribuiccedilatildeo da renda e por uma melhor adequaccedilatildeo desta agraves necessidades das famiacutelias Daiacute que no acircmbito das poliacuteticas de seguro obrigatoacuterio buscou-se ampliar a cobertura de riscos aumentar as taxas de benefiacutecios bem como estender o seu alcance aos segmentos excluiacutedos a partir de transferecircncias redistributivas de rendas pela via fiscal Rompeu-se assim com a versatildeo de seguridade social identificada como padratildeo ocupacional bismarckiano cujo acesso agrave renda estava condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta pelo trabalhador

77

Keynes defendia medidas orientadas agrave redistribuiccedilatildeo dos recursos financeiros

de forma a aumentar a propensatildeo ao consumo que por sua vez iriam favorecer o

crescimento do capital A ideacuteia de que a crise econocircmica poderia superar-se mediante a

reativaccedilatildeo da demanda por consumo permitiu compatibilizar a ideacuteia de bem-estar social

com os princiacutepios da acumulaccedilatildeo capitalista A convicccedilatildeo de Keynes sobre a incapacidade

dos mecanismos auto-reguladores do mercado para resolverem a crise foram as razotildees que

o induziram a formular suas propostas de poliacuteticas macroeconocircmicas inspiradas em

princiacutepios intervencionistas Tais propostas influenciaram o desenvolvimento dos serviccedilos

sociais puacuteblicos favorecendo a capacidade de consumo

Em 1942 o Informe Beveridge apresentou novas teacutecnicas baseadas em sistemas

de seguridade social que implicaram diferenccedilas qualitativas em relaccedilatildeo aos seguros sociais

existentes ateacute entatildeo Beveridge promoveu uma ruptura decisiva com a ideologia liberal

(liberalismo claacutessico) ao responsabilizar diretamente o Estado Social pela seguranccedila e

proteccedilatildeo social dos cidadatildeos baseando-se na solidariedade coletiva de forma que a satisfaccedilatildeo

das necessidades sociais passou a recair sobre toda a parte ativa da populaccedilatildeo ou seja a

coletividade se apresentou como a responsaacutevel pelo bem-estar de todos

A esse respeito tornou-se ceacutelebre a afirmaccedilatildeo de Winston Churchill ao

referir-se ao Informe Beveridge (1942) ldquoun seguro nacional obrigatorio para todas las

clases y para todos los propoacutesitos desde la cuna hasta la sepulturardquo (TIMMINS 2001 p

66) O plano de Beveridge superou o conceito dominante de seguros sociais tanto porque

se tratava de um projeto completo de seguros e benefiacutecios como pela ampliaccedilatildeo da

cobertura social que previu Ele definiu e organizou o seguro social obrigatoacuterio com um

miacutenimo de recursos financeiros que o Estado deveria garantir a todas as pessoas e

propocircs a criaccedilatildeo de mecanismos que tendessem agrave universalidade colocando em praacutetica

direitos contidos nos textos constitucionais A partir de entatildeo a tendecircncia agrave

universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais passou a ser um traccedilo comum de

todos os sistemas de seguridade social europeus ateacute mesmo naqueles paiacuteses que natildeo

implantaram o modelo anglo-saxatildeo

Foram essas as razotildees que passaram a justificar e a marcar o iniacutecio de uma

nova etapa na evoluccedilatildeo do Estado Social Haacute que se destacar ainda como um dos

elementos centrais dessa evoluccedilatildeo a necessidade de coordenaccedilatildeo do crescimento

econocircmico com o desenvolvimento social ndash um difiacutecil desafio que se estende agrave

contemporaneidade Naquela conjuntura chegou-se agrave conclusatildeo de que o crescimento

78

econocircmico era interdependente do desenvolvimento social Um outro traccedilo inovador desse

periacuteodo que deriva da coordenaccedilatildeo do crescimento econocircmico com os objetivos sociais eacute

que as poliacuteticas sociais adquiriram caraacuteter geneacuterico e natildeo setorial como se apresentavam

no periacuteodo em que o Estado Social natildeo passava de um experimento Desde entatildeo passou-

se a determinar a garantia de um miacutenimo de renda como direito e natildeo mais como

benemerecircncia ou caridade puacuteblica ou privada Foi esse marco soacutecio-econocircmico que

propiciou a extensatildeo qualitativa e quantitativa dos gastos sociais Na deacutecada de 1960 o

crescimento econocircmico do capitalismo foi contiacutenuo e salvo escassas exceccedilotildees as taxas

relativas demonstram que os gastos sociais cresceram a um ritmo superior ao do PIB

nacional Daiacute poder-se afirmar que os fundamentos sobre os quais se assenta a extensatildeo

das poliacuteticas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial satildeo tatildeo distintos dos conceitos

de benemerecircncia quanto de poliacuteticas liberais Aleacutem disso as duas grandes guerras

demonstraram que a inseguranccedila econocircmica era um risco coletivo que ameaccedilava a

cidadania social e afetava a todas as classes sociais

Para Lara (1991) o Estado Social apresentou-se como uma via intermediaacuteria entre

o liberalismo econocircmico claacutessico o comunismo e a social democracia As poliacuteticas elaboradas

apoacutes a Segunda Guerra Mundial programaram dentre seus objetivos o crescimento

econocircmico e o bem-estar como meio de obtenccedilatildeo da estabilidade poliacutetica e social

No entanto nos anos de 1970 as poliacuteticas macroeconocircmicas de orientaccedilatildeo

keynesiana comeccedilaram a perder a eficaacutecia e em consequumlecircncia comeccedilou-se a justificar a

necessidade de reprogramaccedilatildeo dos fundamentos econocircmicos sobre os quais estava

assentado o Estado Social No bojo dessa justificaccedilatildeo destacam-se as criacuteticas da nova

direita europeacuteia ao Estado Social Aprofundou-se a anaacutelise do processo de transiccedilatildeo do

Estado de Bem-estar puacuteblico para a concepccedilatildeo de sociedade de bem-estar com destaque

para as perdas de conquistas histoacutericas no campo da democracia e da cidadania e para

mudanccedilas substantivas ocorridas no padratildeo de bem-estar Sem duacutevida a possiacutevel

superaccedilatildeo do Estado Social especialmente em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do compromisso entre

capitalismo e bem-estar social gerou um grande dilema por tratar-se de dois princiacutepios

que tanto histoacuterica como teoricamente se mostraram irreconciliaacuteveis Foi precisamente

nesse aspecto que as teorias neoliberais e as de orientaccedilatildeo marxista centraram duras

criacuteticas ao Estado Social Para os neoliberais a liberdade do mercado eacute incompatiacutevel com a

intervenccedilatildeo econocircmica do Estado Social e para os marxistas o Estado natildeo pode satisfazer

ao mesmo tempo as exigecircncias de acumulaccedilatildeo do capital e as que derivam das funccedilotildees de

79

sua legitimaccedilatildeo poliacutetica ndash produzir bem-estar No entender dos representantes da corrente

marxista da qual OacuteConnor (1981) eacute um expressivo porta-voz as duas funccedilotildees satildeo

incompatiacuteveis e contraditoacuterias uma vez que os gastos estatais tendem a crescer mais

depressa que os meios para financiaacute-los _ o que conduz necessariamente a uma crise fiscal

A tensatildeo existente entre igualdade e liberdade incluiacuteda na relaccedilatildeo entre

capitalismo e bem-estar vincula o Estado Social a conceitos como Estado de Direito e

democracia o que sem duacutevida apreseta algumas dificuldades de ordem teoacuterico-conceitual

porque tais conceitos satildeo distintos e seguem diferentes princiacutepios teoacutericos Era de esperar-

se portanto que como se trata de um produto da sociedade capitalista vivenciado por

economias nacionais em estaacutegios diferenciados haveria desacordo em relaccedilatildeo agraves

estrateacutegias e aos procedimentos teacutecnicos e poliacuteticos mais adequados agrave consolidaccedilatildeo de um

sistema de provisatildeo social puacuteblica de bem-estar voltado para o atendimento das

necessidades sociais baacutesicas Natildeo causa admiraccedilacirco que o Estado de Bem-estar tenha

estabelecido um pacto social entre empresaacuterios e trabalhadores mediado pelo Estado ndash o

chamado grande compromisso corporativo apoacutes a Guerra

Em que pese a complexidade das mediaccedilotildees histoacutericas e das determinaccedilotildees

soacutecio-culturais que cercam essa questatildeo ressalta-se de forma resumida trecircs linhas baacutesicas

que conforme Mishra (1995 se tornaram consensuais e que caracterizaram o Estado de

Bem-estar a primeira refere-se agrave introduccedilatildeo e agrave ampliaccedilatildeo de uma seacuterie de serviccedilos sociais

universais nos quais se incluem a seguridade social e serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo

habitaccedilatildeo emprego e de assistecircncia social voltados para situaccedilotildees de vulnerabilidade

social a segunda diz respeito agrave criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de poliacuteticas de pleno emprego sob a

forma de investimentos puacuteblicos para garantir trabalho intensivo plena ocupaccedilatildeo e

propensatildeo ao consumo como dinamizadores da economia e a terceira tem a ver com a

implementaccedilatildeo de um programa de nacionalizaccedilatildeo que previa a democratizaccedilatildeo das

relaccedilotildees sociais mediante o envolvimento do Estado capitalista nos processos de provisatildeo

social e de regulamentaccedilatildeo por meio de medidas fiscais e de leis trabalhistas As trecircs

linhas mencionadas requeriam governos intervencionistas ou seja a aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da liberdade positiva contraacuterio ao da liberdade negativa professada pelos liberais

As referecircncias teoacutericas e poliacutetico-estrateacutegicas do Welfare State apoacutes a Segunda

Guerra Mundial foram as produccedilotildees intelectuais de John Maynard Keynes William

Beveridge e Thomas Henry Marshall combinadas com princiacutepios do fabianismo25 Do

25 Os fabianos (membros da Fabian Society inglesa) eram social-democratas defensores do Estado de Bem-

80

ponto de vista econocircmico a doutrina keynesiana apresentou um modelo de regulaccedilatildeo

econocircmico-social que encontrou justificativa em uma nova ideacuteia de seguranccedila de

existecircncia A princiacutepio Keynes propunha um niacutevel de atividade econocircmica deliberada

mediante investimentos sociais (governamentais) puacuteblicos ainda que temporaacuterios ateacute o

retorno e fortalecimento da economia do poacutes-guerra Apoiado no keynesianismo criou-se

um Sistema de Seguridade Social como direito do cidadatildeo e dever do Estado inaugurando

uma nova ideacuteia de organizaccedilatildeo de seguridade puacuteblica Na Inglaterra Beveridge ao

elaborar em 1942 o plano que recebeu o seu nome Plano Beveridge criou um suporte

teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do sistema de seguridade social inglecircs26 e

esse sistema mostrou-se capaz de combinar a pressatildeo estrutural por maior acumulaccedilatildeo

capitalista com demandas sociais legiacutetimas que passaram a se configurar como demandas

por bem-estar

No rastro do keynesianismo Thomas Henry Marshall (1965) baseado em

fundamentos socioloacutegicos e juriacutedicos instituiu na Europa na deacutecada de 1940 uma concepccedilatildeo

ampliada e trifacetada de cidadania ao incorporar a esse conceito ateacute entatildeo restrito aos direitos

individuais (civis e poliacuteticos) os direitos sociais a serem concretizados por poliacuteticas sociais

puacuteblicas Essa concepccedilatildeo serviu efetivamente de base conceitual e poliacutetica ao Estado de Bem-

estar ao se contrapocircr ao ideaacuterio conservador defendido pelos defensores do liberalismo claacutessico

Para Moreno (2003 p 2 ) ldquoMarshall observava como crucial para a consolidaccedilatildeo da

cidadania social o desenvolvimento de poliacuteticas sociais puacuteblicas as quais representavam a

manifestaccedilatildeo tangiacutevel da existecircncia de uma comunidade poliacutetica ou de uma repuacuteblica de

cidadatildeos livres e solidaacuterios entre sirdquo Para Marshall (apud Moreno 2003 p 2 ) ldquoos efeitos das

poliacuteticas sociais possibilitariam comunidades mais coesas e um enriquecimenrto da vida

civilizadardquo Na anaacutelise de Moreno (2003 p 7) ldquoas ideacuteias marshallianas tecircm sido uacuteteis agrave tarefa

dos cientistas sociais por conciliar o empiacuterico e o normativordquo

A posiccedilatildeo adotada por esse estudo sobre a tese marshalliana eacute de que apesar da

teoria de Marshall reconhecidamente de corte funcionalista (manutenccedilatildeo do status quo e a

estar e propunham reformas econocircmicas e sociais como condiccedilatildeo para melhoria de vida dos pobres O reformismo fabiano dominou os estudos acadecircmicos e influenciou o desenvolvimento das poliacuteticas sociais reais em vaacuterios paiacuteses europeus de 1945 a 1965 no periacuteodo de 20 anos Para Mishra (1984) faltou ao fabianismo uma teoria articulada (tanto normativa como positiva) do Estado de Bem-estar no contexto do final do crescimento econocircmico e do descreacutedito das teorias de Keynes quando estas entraram em colapso 26 Trata-se da principal iniciativa de instauraccedilatildeo e organizaccedilatildeo de sistemas de proteccedilatildeo social do mundo ocidental moderno ao promover mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo metodoloacutegica e nas praacuteticas de bem-estar social Do ponto de vista de uma proteccedilatildeo social puacuteblica o modelo beveridgiano mostrou-se mais completo em relaccedilatildeo ao modelo alematildeo bismarckiano do seacuteculo XIX na medida em que incluiu na provisatildeo social tambeacutem os que estavam fora do mercado formal de trabalho

81

ecircnfase dada agraves anaacutelises normativas em detrimento de uma visatildeo igualitaacuteria da cidadania social)

limitar-se agrave defesa da ldquoigualdade de oportunidadesrdquo como conquista de todos os cidadatildeos para o

desenvolvimento de suas potencialidades vitais (e natildeo ter incluiacutedo a dimensatildeo ldquoigualdade de

condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos puacuteblicosrdquo) seu estudo identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo dos

direitos sociais ao conceito de cidadania ampliada (com a qual essa tese se identifica) constitui

sua contribuiccedilatildeo mais substantiva do ponto de vista ciacutevico e eacutetico-poliacutetico Indiscutiacutevemente um

suporte legitimador dessa concepccedilatildeo e uma importante ferramenta teoacuterica para a consolidaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial

Com efeito T H Marshall (abreviaccedilatildeo que seraacute utilizada pela presente tese)

entendeu a cidadania como um sistema de direitos civis (surgidos no seacuteculo XVIII) poliacuteticos

(surgidos no seacuteculo XIX) e sociais (surgidos no seacuteculo XX) construiacutedo no decorrer dos

uacuteltimos trecircs seacuteculos Para ele a cidadania traduz-se no exerciacutecio dos direitos e natildeo nos direitos

em si mesmos

Segundo Johnson (1990 p 20-21)

como resposta agrave democracia de massas o Estado de Bem-estar pode ser visto como algo que surge das demandas por maior igualdade e pelo reconhecimento dos direitos sociais aos serviccedilos de bem-estar e agrave seguranccedila econocircmica Como resposta ao desenvolvimento do capitalismo o Estado de Bem-estar pode ser interpretado por marxistas e outros autores como um intento de fazer frente agraves contradiccedilotildees e aos problemas do sistema capitalista contribuindo tanto para a acumulaccedilatildeo do capital como para a sua legitimaccedilatildeo

Assim haacute um denominador comum entre as diferentes expressotildees desse

Estado agrave medida que todos os governos que a ele aderiram buscaram combinar a

provisatildeo puacuteblica estatal e os serviccedilos de financiamento como direito social com uma

economia de mercado

Mas enquanto isso acontecia intelectuais criacuteticos do Estado de Bem-estar e

governos identificados com o retorno dos princiacutepios econocircmicos do liberalismo (em sua

versatildeo mais ortodoxa ndash Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos da

Ameacuterica_EUA) deram iniacutecio a uma ofensiva histoacuterica a essa concepccedilatildeo de bem-estar

Pretendia-se com essa ofensiva promover o desmonte do edifiacutecio de proteccedilatildeo social que

dava sustentaccedilatildeo ao Estado de Bem-estar e aos fundamentos teoacuterico-conceituais do sistema

de seguridade social construiacutedos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Os liberais negavam

sobretudo o reconhecimento e a legitimidade da garantia de bens e serviccedilos sociais

entendidos como direitos sociais pela via da accedilatildeo positiva do Estado mediante poliacuteticas

82

puacuteblicas (para todos) Nesse contexto os trecircs paracircmetros de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica mdash

keynesiano beveridgiano e marshalliano (de T H Marshall) mdash comeccedilaram a sofrer

restriccedilotildees e abalos em seus pilares

Era o iniacutecio da afirmaccedilatildeo de uma nova ideologia fundamentada na loacutegica de

mercado que estrategicamente foi se contrapondo agrave loacutegica dos direitos A partir de entacirco

operaram-se grandes mudanccedilas no padratildeo de respostas agraves necessidades sociais27

particularmente nos paiacuteses perifeacutericos como a perda de direitos de cidadania (bens e

serviccedilos sociais) a precarizaccedilatildeo desses serviccedilos sociais a focalizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais

na pobreza absoluta e segundo Yasbek (1995) a remercantilizaccedilatildeo e refilantropizaccedilatildeo da

questatildeo social

22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social fundamentos

da Seguridade Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial

As profundas transformaccedilotildees societaacuterias revelam-se atualmente de forma

mais acentuada quanto ao padratildeo capitalista de acumulaccedilatildeo aos processos de trabalho e agraves

funccedilotildees poderes e praacuteticas do Estado na sua relaccedilatildeo com a sociedade civil Como jaacute

indicado desde fins dos anos 1970 a economia internacional foi atingida por

desequiliacutebrios macroeconocircmicos financeiros e de produtividade que passaram a

configurar uma crise do capitalismo e natildeo propriamente do Estado de Bem-estar Os

impactos dessa crise ainda satildeo sentidos de forma diferenciada em cada paiacutes conforme

suas particularidades histoacutericas culturais e poliacuteticas Os desafios e riscos sociais ganharam

novas formas histoacutericas em decorrecircncia das mudanccedilas ocorridas na relaccedilatildeo capital e

trabalho nos processos produtivos e na relaccedilatildeo Estado versus sociedademercado e

poliacuteticas sociais que fazendo um retrospecto apresentavam a seguinte configuraccedilatildeo o

sistema de regulaccedilatildeo social capitalista que se consolidou no segundo apoacutes a Segunda

Guerra Mundial e prevaleceu ateacute a deacutecada de 1970 caracterizou-se por um tipo de relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade capital e trabalho ateacute entatildeo inexistente agrave medida que elevou a

proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito de cidadania colocando-a no contexto de seguridade

social de caraacuteter puacuteblico e universal

27 Para maior aprofundamento da relaccedilatildeo entre o chamado trceiro setor e questatildeo social ver obra de Montantildeo (2002)

83

O modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social que de forma pioneira se instalou

nos anos 1940 estava apoiado em quatro aacutereas programaacuteticas seguro social (baseado em

contribuiccedilotildees sociais) benefiacutecios suplementares (natildeo-contributivos) subvenccedilotildees

familiares (natildeo-contributivas) e isenccedilotildees fiscais (destinadas aos grupos de alta renda) O

Estado de Bem-estar passou a realizar accedilotildees e medidas sociais voltadas para o interesse

puacuteblico graccedilas a uma regulaccedilatildeo ampliada e coletivamente consentida De acordo com

Pereira (2000 p 112-113) a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo foi

materializada nas poliacuteticas de manutenccedilatildeo (ou transferecircncia) de renda de proteccedilatildeo ao

trabalho e na garantia ao acesso e usufruto dos bens e serviccedilos sociais universais como

sauacutede e educaccedilatildeo

As quatro aacutereas programaacuteticas do modelo beveridgiano citadas passaram a

incorporar tanto elementos do seguro previstos no modelo bismarckiano quanto de

assistecircncia social ausente no modelo alematildeo o que confirma a complexidade e a

preocupaccedilatildeo jaacute naquele contexto com a complementaridade entre seguro e assistecircncia

conforme Boschetti (2001 p 38) Com base no modelo beveridgiano que tinha como

suporte a poliacutetica econocircmica keynesiana o financiamento das medidas de bem-estar

deveria se dar mediante a contribuiccedilatildeo social por meio de impostos Com o modelo foram

criadas as bases (conceituais e operacionais) da primeira rede universal de proteccedilatildeo e de

seguridade social Beveridge (representante do fabianismo inglecircs) e Keynes (economista

inglecircs) incentivaram e promoveram de forma substantiva a) poliacuteticas de pleno emprego b)

ampliaccedilatildeo do conceito de cidadania (com a inclusatildeo dos direitos sociais) c) criaccedilatildeo e

extensatildeo de uma legislaccedilatildeo social e d) institucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como um

meio de superaccedilatildeo da pobreza absoluta Esse modelo ao adotar o universalismo como

princiacutepio de redistribuiccedilatildeo de bem-estar fez que o setor estatal passasse a financiar as

poliacuteticas de bem-estar mediante poliacuteticas fiscais de arrecadaccedilatildeo de recursos Portanto

aleacutem de promover a extensatildeo e a universalizaccedilatildeo dos direitos de cidadania o setor puacuteblico

passou a financiar a produccedilatildeo real do bem-estar Nesse sentido Beveridge e Keynes deram

ampla justificativa agrave intervenccedilatildeo estatal tanto na esfera econocircmica quanto na social

Defendiam a necessidade de ser assegurada uma ampla cobertura e o mais igualitaacuteria

possiacutevel Daiacute a ecircnfase aos serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos)

Para Abrahamson (1995 p 121) o modelo beveridgiano e keynesiano que

tambeacutem se associou ao regime de produccedilatildeo fordista e organizaccedilatildeo taylorista28 recebeu

28 Nos anos 1920 apoacutes a Primeira Grande Guerra implantou-se nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) e

84

influecircncias do projeto social democrata de Estado de Bem-estar europeu que adotou como

pressuposto a ideacuteia de uma sociedade estatizada e altamente organizada (contraacuteria

portanto agrave ideacuteia neoliberal de uma sociedade plural e desestatizada) Para este autor tanto

Beveridge como Keynes cuja influecircncia nos anos 1950 estendeu-se aleacutem da Gratilde-

Bretanha estavam convencidos de que o Estado de Bem-estar natildeo constituiacutea nenhuma

ameaccedila ao capitalismo Entretanto contraditoriamente a histoacuteria registra que essa

intervenccedilatildeo estatal acabou se tornando de um lado contraacuteria e ameaccediladora aos princiacutepios

capitalistas de economia de mercado e de outro lado necessaacuteria e desejaacutevel para assegurar

a realizaccedilatildeo dos propoacutesitos puacuteblicos do Estado Em outras palavras tornou-se necessaacuteria

para garantir aos trabalhadores bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos o que

resultou no crescimento do prestiacutegio dos governos no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra

Mundial ateacute o final dos anos 1970

apoacutes em escala mundial um modelo revolucionaacuterio de organizaccedilatildeo cientiacutefica do trabalho denominado taylorismo Com o avanccedilo da industrializaccedilatildeo e com a crise de superproduccedilatildeo em 1929 este modelo passou a ser incorporado ao sistema das maacutequinas de produccedilatildeo industrial gerando um novo modelo operacional denominado Fordismo que impocircs um processo acelerado de produtividade no trabalho adaptando-o continuamente ao consumo de massas Esta foi a saiacuteda encontrada pelo capital para superaccedilatildeo da primeira grande recessatildeo crise econocircmica que se prolongou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX Na chamada era taylorista-fordista (de grandes corporaccedilotildees internacionais como a GM Ford Shell IBM e outras) buscou-se combinar a produccedilatildeo em seacuterie com o crescimento econocircmico pela via do processo crescente de industrializaccedilatildeo que assumiu um papel determinante em que a proacutepria produccedilatildeo puxava o crescimento econocircmico consumando assim a comercializaccedilatildeo competitiva Ao teacutermino da deacutecada de 1960 e iniacutecio da 1970 (contexto de crises petroliacuteferas de 1973 e 1979) ocorreu uma nova crise do capital seguida de uma desaceleraccedilatildeo geral da acumulaccedilatildeo com queda real nos ganhos de produtividade Surgiu o fenocircmeno do chamado desemprego estrutural que dentre outros fatores expressa o decliacutenio do modelo taylorista-fordista que se caracterizou como um processo produtivo de regulaccedilatildeo entre capital (sistema produtivo) e processos de trabalho (Antunes 2000) Esse modelo que predominou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX privilegiou o desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegicoinformacional Nesse periacuteodo as conquistas teacutecnico-cientiacuteficas reduziram o tempo e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das mercadorias Seguiu-se ao decliacutenio do modelo taylorista-fordista o paradiacutegma econocircmico capitalista da acumulaccedilatildeo flexiacutevel Surgiu o fenocircmeno de produccedilatildeo baseada na expansatildeo comercial mundializada assentada em fluxos financeiros internacionais Estavam dadas as condiccedilotildees reais e objetivas para a implantaccedilatildeo da proposta econotildemica neoliberalNos anos 1970 entrou em crise o sistema fordista-keynesiano que deu sustentaccedilatildeo econocircmica ao Estado de Bem-estar social apoacutes a Segunda Guerra Mundialndash 1945 a 1975 e se consolidou como paradiacutegma do desenvolvimento capitalista e de poliacuteticas universais de pleno emprego Como decorrecircncia assiste-se atualmente a uma gradativa flexibilizaccedilatildeo no campo dos direitos do trabalho com imposiccedilatildeo de padrotildees internacionais de conduta poliacutetica e econocircmico-financeira tendo em vista a globalizaccedilatildeo e a mundializaccedilatildeo da economia Instala-se a arena (globalizada) do livre comeacutercio fragilizando ainda mais os Estados-Naccedilatildeo Cresceu a liberaccedilatildeo econocircmica com investimentos de capitais produtivos (privados e estatais) e de capital especulativo volaacutetil (dinheiro) que passou a girar no mundo dos mercados financeiros (juros cacircmbios bolsas de valores) Assiste-se a processos de perda de direitos de cidadania e de transferecircncia de responsabilidades e de recursos para o setor privado (terceirizaccedilatildeo) como tambeacutem a passagem de um sistema regulatoacuterio puacuteblico para um sistema desregulamentado de natureza privada

Enfatiza-se o conceito de terrritorialidade em que os marcos regulatoacuterios dos Estados-Naccedilatildeo satildeo substituiacutedos por novas articulaccedilotildees (tres esferas de governo) a exemplo da retomada das redes de proteccedilatildeo socialprogramas de renda miacutenima de perfil local eou global com novas estrateacutegias e condicionalidades entre o regime de proteccedilatildeo social e a inserccedilatildeo dos beneficiaacuterios desses programas no mundo do trabalho (workfare ndash poliacuteticas ativas como expressatildeo de novas formas de emprego)

85

Foi assim que o Estado de Bem-estar visto como uma forma particular de

regulaccedilatildeo social29 difundiu princiacutepios econocircmicos e sociais que passaram a orientar vaacuterias

iniciativas de intervenccedilatildeo puacuteblica no capitalismo

Sua organizaccedilatildeo poliacutetica portanto eacute resultante de vaacuterios fatores e ideologias

com variaccedilotildees de paiacutes para paiacutes a exemplo do que demonstra quadro 4 isto eacute

caracteriacutesticas bastante distintas entre os regimes de bem-estar europeus em relaccedilatildeo aos

objetivos natureza dos serviccedilos fontes de financiamento dentre outras rubricas

Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus

Modelos

Caracteriacutesticas Anglo-Saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo

Ideologia Cidadania Corporativismo Igualitarismo Autonomia vital

Objetivos Capacitaccedilatildeo individual

Manutenccedilatildeo de renda Rede de serviccedilos sociais

Combinaccedilatildeo de recursos

Financiamento

Impostos

Cotizaccedilotildees laborais

Impostos

Misto

Subsiacutedios Tanto alzado (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Tanto alzado (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar

Provisatildeo Mistoquase mercados

MistoONGs Puacuteblico Mistodescentralizado

Mercado de trabalho Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal

Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho parcial

Feminizaccedilatildeo Trabalho puacuteblico

Familismo ambivalente

Pobreza Cultura dependecircncia Cultura integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial

Fonte Moreno (2001 p 28)

Contudo muitas vezes esse caraacuteter multifuncional torna tais regimes instacircncias

contraditoacuterias com capacidades particulares de responder simultaneamente agraves tensotildees que

permeiam o variado campo das poliacuteticas sociais Eacute por isso que se diz que natildeo haacute um

modelo uniacutevoco de Estado de Bem-estar

Todavia em que pese a diversidade das formas nacionais de posicionamento

diante de demandas e necessidades sociais eacute indiscutiacutevel a influecircncia em todas elas da

poliacutetica econocircmica keynesiana e do Plano Beveridge A contribuiccedilatildeo de Keynes deu-se em

dois niacuteveis social e poliacutetico de um lado e econocircmico de outro A discussatildeo iniciada no

final dos anos 1930 sobre os rumos da economia e dos problemas criados pela

incapacidade da doutrina liberal de equacionaacute-los criou a base teoacuterico-conceitual do

Estado de Bem-estar Instituiu-se naquela conjuntura uma nova forma de regulaccedilatildeo soacutecio-

29 Diversas classificaccedilotildees (tipologias) do Estado de Bem-estar podem ser encontradas em diferentes autores como Titmus (1974) e Esping-Andersen (1991) Therborn (1989) Draibe (1990) Fleury (1994) Pereira (1994 2000) dentre outros

86

poliacutetica e econocircmica do sistema capitalista que vigorou do iniacutecio dos anos 1940 ateacute o final

dos anos 1970 periacuteodo denominado pela literatura especiacutefica de os trinta anos gloriosos

O auge de seu ecircxito ocorreu nos anos 1950 e 1960 A regulaccedilatildeo keynesiana objetivou

atenuar as incertezas do capitalismo criando as condiccedilotildees para aumentar sua

previsibilidade vista como criteacuterio essencial agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Para Oliveira (1998) natildeo era preocupaccedilatildeo de Keynes a erradicaccedilatildeo da

estrutura social e econocircmica capitalista Ele estava empenhado em construir um padratildeo de

bem-estar com previsibilidade tal que pudesse controlar as formas do conflito social

engendrado pelo proacuteprio sistema e agia assim por saber que o capital natildeo tinha por

princiacutepio a praacutetica de arriscar-se no mercado com recursos proacuteprios Daiacute sua preocupaccedilatildeo

em reduzir ao miacutenimo os niacuteveis de incerteza do mercado definindo continuamente

estrateacutegias para a obtenccedilatildeo de um razoaacutevel niacutevel de previsibilidade

Nesse sentido o Estado de Bem-estar constituiu-se de um lado em uma

forma de regulaccedilatildeo sociopoliacutetica da ordem capitalista fundamentada no paradigma da

seguridade social e de outro passou a regular os proacuteprios mecanismos do sistema ao

colocar limites agrave sua expansatildeo Em siacutentese eacute possiacutevel afirmar que o Estado de Bem-estar

estruturou uma arena de conflitos como afirmado anteriormente pautada em um

conjunto de regras que conferiu agrave poliacutetica econocircmica keynesiana do periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial a capacidade de tornar-se previsiacutevel Nessa perspectiva sem

deixar de ser um Estado capitalista o Estado de Bem-estar ganhou legitimidade e

autonomia para instituir e aplicar poliacuteticas sociais puacuteblicas e universais aleacutem de

construir pactos entre sindicatos empresaacuterios e partidos Assim por esses meios

instituiacuteram-se as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre diferentes sujeitos sociais mas sem que o

Estado perdesse o seu protagonismo no processo de regulaccedilatildeo social

A ideacuteia de cooperaccedilatildeo entre Estado mercado e setores natildeo-mercantis da

sociedade (que posteriormente se constituiu na gecircnese da ideacuteia original da proposta de

pluralismo de bem-estar) preconizada pelo pacto keynesiano se deu portanto como

resultado de uma articulaccedilatildeo poliacutetica e estrateacutegica e de uma redefiniccedilatildeo do lugar do Estado

mdash agora altamente intervencionista mdash na economia o que constituiu mudanccedila substancial

no campo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas Dito em outros termos ao mesmo tempo em

que o Estado de Bem-estar criava mecanismos de garantia de poliacuteticas de pleno emprego e

de um seguro social puacuteblico e universal ele assegurava sua funcionalidade e compromisso

em relaccedilatildeo ao processo de crescimento das economias de mercado pela via da socializaccedilatildeo

87

do consumo tendo em vista uma sociedade mais igualitaacuteria Em consonacircncia com essa

tendecircncia Keynes estimulava a criaccedilatildeo de medidas macroeconocircmicas tais como o

investimento puacuteblico a imposiccedilatildeo de condiccedilotildees contratuais a regulaccedilatildeo do mercado a

redistribuiccedilatildeo de renda o combate agrave pobreza Para Pereira (2001 p 33) a ascensatildeo da

proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito do cidadatildeo e dever do Estado ldquorepresentou

inegavelmente um aperfeiccediloamento poliacutetico-institucional de monta no acircmbito da

regulaccedilatildeo estatalrdquo muito embora ressalta ldquotal ascensatildeo natildeo tenha se dado por cima ou

por fora dos conflitos de classerdquo Paradoxalmente com a institucionalizaccedilatildeo e a

desmercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho efetivada pelo Estado de Bem-estar parte do custo

dessa forccedila de trabalho passou a ser financiada com recursos puacuteblicos (OLIVEIRA 1998)

o que significa dizer que a forccedila de trabalho ao ser desmercadorizada tornou-se um custo

puacuteblico que passou a ser socializado por todos Nesse sentido o recurso puacuteblico passou a

funcionar como redutor das incertezas do mercado_risco que o capital privado natildeo corre

preferindo transferi-lo para o setor puacuteblico Assim para Oliveira (1998) sob a influecircncia

keynesiana o estado de incertezas ganhou previsibilidade mediante macro-regulaccedilotildees que

caracterizaram o chamado pacto macro corporativo o que evidencia a presenccedila da ideacuteia

pioneira de cooperaccedilatildeo entre classes e de pluralidade de atores nas formulaccedilotildees teoacutericas de

Keynes_ ideacuteia que mais tarde foi incorporada pela nova direita para justificar a proposta

de pluralismo de bem-estar sob orientaccedilatildeo neoliberal temaacutetica a ser abordada mais adiante

A proposta inicial de Keynes era de que o Estado deveria intervir na economia

apenas topicamente Visto como um elemento estrutural do sistema o Estado a seu ver

deveria movimentar-se estrategicamente na conjuntura apenas o suficiente para manter a

economia ativada Keynes sempre defendeu o nuacutecleo do investimento como motor da

economia capitalista Para ele a permanente intervenccedilatildeo estatal tornaria o Estado

prisioneiro da racionalidade privada No entanto a histoacuteria registra que a adesatildeo agrave sua

teoria extrapolou a proposta inicial O diferencial de seu pensamento econocircmico

caracterizou-se portanto por deslocar a centralidade da oferta para a demanda (tanto geral

como especiacutefica) ao contraacuterio do que propunham os neoclaacutessicos monetaristas30

Ainda conforme Oliveira (1998) a moeda para Keynes era considerada uma

relaccedilatildeo e natildeo apenas mercadoria Essa concepccedilatildeo de Keynes orientou uma poliacutetica

econocircmica e monetaacuteria considerada ativa que imprimiu centralidade ao papel do Estado e

30 Os monetaristas trabalham com a teoria quantitativa da moeda isto eacute deve existir no mercado uma quantidade de moeda proporcional agrave quantidade de mercadoria que estaacute em circulaccedilatildeo buscando uma correspondecircncia direta entre moeda e mercadoria

88

deu visibilidade agraves poliacuteticas sociais inaugurando uma mudanccedila substancial inovadora e

radical no paradigma liberal capitalista A literatura especializada reconhece que a teoria

keynesiana fez o tracircnsito do contrato mercantil31 que regulava as relaccedilotildees sociais e

econocircmicas para o contrato de seguridade social como direito Considera-se assim que

Keynes promoveu um desbloqueio na concepccedilatildeo monetarista liberal vigente ateacute entatildeo

Com isso construiacuteram-se possibilidades concretas de se efetivar poliacuteticas sociais puacuteblicas

Tais instrumentos eou conjunto de accedilotildees uma vez regulados pelo Estado passaram a ser

justificados como tentativas de adequar demandas sociais agraves necessidades da populaccedilatildeo32

Este eacute sem duacutevida o dado inovador e a maior contribuiccedilatildeo de Keynes como fundamento

econocircmico e social do Estado de Bem- estar

O sistema keynesiano ao transitar estrategicamente da oferta para a demanda

fez que as decisotildees sobre o que fazer com os recursos do orccedilamento nacional deixasse de

ser privadas para se tornarem puacuteblicas o que natildeo significa que todas as demandas sociais

fossem atendidas eou que todas incorporaram a dimensatildeo puacuteblica Naquele contexto a

articulaccedilatildeo entre Estado economia mercadosociedade remete a um outro niacutevel de relaccedilatildeo

entre sindicatos patronato classes sociais e partidos poliacuteticos e essa articulaccedilatildeo reforccedila a

proposiccedilatildeo do modelo de intervenccedilatildeo sociopoliacutetica adotado pelo Estado de Bem-estar no

periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra na Europa Este novo desenho de intervenccedilatildeo estatal

proposto para a provisatildeo de bem-estar tornou-se um fator de mudanccedila como parte

constitutiva tambeacutem da forma como o sistema passou a alimentar a experiecircncia do

chamado pacto keynesiano ou pacto macrocorporativo o que demonstra que ao buscar

reconstruir niacuteveis de previsibilidade do sistema Keynes o fez sob novas bases De acordo

com Oliveira (1998) foi menos de uma questatildeo ideoloacutegica do que de um requerimento de

um lado para sair da crise capitalista de 1930 e de outro para instituir uma nova forma de

regulaccedilatildeo social tendo em vista a retomada do crescimento econocircmico com garantias

sociais Para financiar a retomada do processo de acumulaccedilatildeo mediante subsiacutedios do

Estado e aumento dos investimentos cada capitalista passou a atuar com um ativo maior

isto eacute aleacutem de seu capital proacuteprio contava com recursos advindos dos fundos puacuteblicos

que por sua vez passaram a remunerar seu proacuteprio capital mediante subsiacutedios

governamentais aplicados agraves taxas de juros

31 Desde Napoleatildeo o contrato mercantil era o regulador baacutesico das relaccedilotildees sociais capitalistas Com os coacutedigos napoleocircnicos o contrato mercantil passou a ser o signo e a forma poliacutetica das relaccedilotildees sociais 32 Para um maior aprofundamento deste conceito ver estudo de Pereira (2000) Tomamos como referecircncia o

referido conceito por sua centralidade eacutetico-poliacutetica no trato das questotildees sobre a construccedilatildeo da democracia igualitaacuteria e da cidadania e pelo niacutevel de aprofundamento e rigor teoacuterico-metodoloacutegico utilizado pela autora

89

Naquele contexto as empresas e os sindicatos ao pactuarem em torno das

taxas de lucro e do salaacuterio e da reduccedilatildeo dos niacuteveis de incerteza do mercado passaram a

orientar tambeacutem os processos de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo do sistema Como resultado

os conflitos de classe passaram a ser ordenados por esse pacto O Estado keynesiano tratou

de controlar de um lado os abusos de poder das classes dominantes sobre o uso da forccedila

de trabalho e de outro de regular a pressatildeo social feita pela classe trabalhadora Em

decorrecircncia as medidas de controle do Estado de bem-estar sobre o conflito de classes natildeo

foram uma simples concessatildeo agraves classes que emergiram naquela conjuntura Tais medidas

aleacutem da regulaccedilatildeo foram tomadas sobretudo porque o Estado capitalista para legitimar-

se como instacircncia de poder regulatoacuterio precisava obter o apoio das classes sociais A esse

fenocircmeno daacute-se o nome de regulaccedilatildeo social e econocircmica processo contraditoacuterio que

contempla interesses de todos os atores em presenccedila conferindo credibilidade e

legitimidade ao pacto keynesiano Oliveira (1998) afirma que a literatura sempre ressalta a

seguridade social do Estado de Bem-estar indiscutivelmente sua conquista mais exitosa e

quase natildeo menciona a seguridade do capital Ocorre diz ele que como contrapartida o

Estado de Bem-estar capitalista em nenhum momento deixou de garantir e dar seguranccedila

ao capital mantendo subsiacutedios agraves taxas de juros geradoras de remuneraccedilatildeo do capital e do

lucro como valor dinheiro e como relaccedilatildeo estruturante econocircmica (e natildeo social) tais como

transaccedilotildees comerciais poliacutetica fiscal subsiacutedios estatais agrave reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

Esses mecanismos demonstram a histoacuterica voracidade do capital que de um lado faz

concessotildees ateacute onde o processo natildeo ameace a perspectiva de lucro e de outro continua

criando mecanismos de reposiccedilatildeo do valor agregado a essa mercadoria denominada forccedila

de trabalho tendo em vista a constante extraccedilatildeo da mais valia e a acumulaccedilatildeo do capital

Essa estrateacutegia soacutecio-econocircmica e poliacutetica aplicada pelo capitalismo no contexto de

criaccedilatildeo e expansatildeo do Estado de Bem-estar evidencia sobretudo como o capital ateacute

mesmo em um contexto de crise de formulaccedilatildeo de um novo padratildeo de regulaccedilatildeo social

poliacutetica e econocircmica estabeleceu-se de forma combinada e contraditoacuteria atuando ora na

perspectiva de mercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho ora na perspectiva de

desmercadorizaccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais pela via de poliacuteticas puacuteblicas natildeo-

contributivas

90

23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social

Natildeo obstante a experiencia exitosa do modelo de Seguridade Social bem como

do padratildeo de regulaccedilatildeo social poliacutetica e econocircmica keynesiano-beveridgiano apoacutes a

Segunda Guerra Mundial iniciou-se em meados dos anos 1970 no interior do sistema

capitalista e em escala mundial um movimento de busca e definiccedilatildeo de estrateacutegias

alternativas agrave denominada crise do Estado de Bem-estar Segundo Johnson (1990 p 16)

em sua profiacutecua anaacutelise sobre o Estado de Bem-estar em transiccedilatildeo e na abordagem criacutetica

que faz agrave teoria e agrave praacutetica do pluralismo de bem-estar naquela deacutecada (anos 1970) jaacute se

divulgava a ideacuteia de que os Estados de Bem-estar estavam experimentando problemas de

proporccedilotildees criacuteticas fruto da sobrecarga dos governos e das dificuldades fiscais e

econocircmicas Este passou a ser o argumento mais recorrente contraacuterio ao Estado de Bem-

estar o que significa que nem mesmo o ecircxito do modelo beveridgiano e keynesiano-

fordista e a difusatildeo de um padratildeo de bem-estar universal e de provisatildeo social para todos

foram capazes de impedir o avanccedilo de uma ideologia antiestatal desqualificadora da

dimensatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar que a partir de entatildeo foi se instalando

A ideologia neoliberal apresentou naquela conjuntura uma nova proposta e um

novo desenho institucional de Estado e uma nova configuraccedilatildeo de poliacuteticas sociais agora

defendidas e reafirmadas em seu caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico Para tanto

tornou-se necessaacuterio instituir uma situaccedilatildeo de crise e natildeo de reestruturaccedilatildeo do Estado Social

ou de Bem-estar A oposiccedilatildeo mais contundente procedeu da chamada esquerda libertaacuteria e da

nova direita (neoconservadores e neoliberais) que passaram a difundir a ideacuteia de sobrecarga

burocraacutetica desse modelo de Estado e como consequumlecircncia de suas fracassadas respostas agraves

necessidades sociais da populaccedilatildeo Tambeacutem o prognoacutestico neoliberal sobre o papel do

Estado era bastante negativo alegava-se que agrave medida que os problemas fiscais e

econocircmicos se tornassem mais seacuterios o Estado de Bem-estar certamente perderia o apoio

puacuteblico e se produziria uma crise de legitimaccedilatildeo social e poliacutetica

Em sua anaacutelise Johnson (1990 p 16) reconhece que em face das evidecircncias

histoacutericas ldquoparecia haver terminado o cocircmodo consenso da deacutecada dos anos cinquumlenta e

sessenta na Europa apoacutes a Segunda Guerra Mundialrdquo Contudo entende prematuro falar

em crise no sentido de uma situaccedilatildeo fora de controle em que os problemas ldquonatildeo tecircm mais

soluccedilatildeo eou natildeo satildeo mais possiacuteveis de contenccedilatildeordquo ndash pois a seu ver ldquohaacute evidecircncias de um

apoio puacuteblico forte e continuado aos princiacutepios norteadores do Estado de Bem-estarrdquo (p

91

16) Para o autor portanto natildeo haacute duacutevidas de que a ideacuteia de crise foi promovida pelos

governos neoliberais e conservadores como meio de recriminar o volume de gasto social

puacuteblico do Estado e de rechaccedilar a proposta de pleno emprego e de bem-estar prevalecente

naquela eacutepoca bem como negar o caraacuteter redistributivista das poliacuteticas sociais Por isso

Johnson (1990) recusa a ideacuteia de crise forjada pela nova direita como tambeacutem natildeo aceita

as explicaccedilotildees desta para a referida crise

O certo eacute que a disposiccedilatildeo de discutir a viabilidade do Estado de Bem-estar a

partir dos anos 1970 deu lugar a um vivo debate natildeo sobre as provaacuteveis soluccedilotildees para os

problemas apresentados mas sobre as possiacuteveis direccedilotildees futuras e sobre o papel do Estado

de Bem-estar nas sociedades capitalistas contemporacircneas avanccediladas (JOHNSON 1990)

Desse debate participaram protagonistas destacados Johnson (1990) menciona a

atuaccedilatildeo dos advogados do pluralismo de bem-estar interessados em justificar a crise como

sendo do Estado de Bem-estar e natildeo do capitalismo de estilo keynesiano e em difundir

dentre outras estrateacutegias utilizadas no enfrentamento das situaccedilotildees decorrentes da referida

crise a ideacuteia de uma provisatildeo social de caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo mais puacuteblico

Partindo dessa constataccedilatildeo tornou-se imperioso neste estudo apreender com

base na anaacutelise de Johnson (1990) e de outros estudiosos da relaccedilatildeo entre Estado

sociedade e poliacutetica social como se deu o processo que desencadeou a referida crise e a

transiccedilatildeo do Estado de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra Mundial para a instituiccedilatildeo de um

pluralismo de bem-estar em que o Estado perdia o protagonismo Tornou-se importante

saber o que de novo estava ocorrendo e quais os princiacutepios norteadores desse paradigma

emergente de poliacutetica social Destaca-se a afirmaccedilatildeo de Johnson (1990) de que os Estados

de Bem-estar tecircm sido sempre pluralistas por terem acomodado uma grande variedade de

provedores de bem-estar o Estado as agecircncias voluntaacuterias os mercados privados e as

redes informais Sem duacutevida tal afirmaccedilatildeo reafirmou a complexidade do objeto desta tese

Desde entatildeo passou-se a trilhar um percurso teoacuterico-analiacutetico que trouxe agrave tona conceitos

debates e opiniotildees em sua maioria contraditoacuterios sobre a temaacutetica da assistecircncia social no

contexto do pluralismo de bem-estar Em particular este estudo busca desvendar os nexos

internos as contradiccedilotildees bem como as mediaccedilotildees histoacuterias e as determinaccedilotildees soacutecio-

culturais e ideopoliacuteticas que permeiam esse fenocircmeno contemporacircneo Indiscutivelmente

traa-se de uma proposiccedilatildeo analiacutetico-investigativa aparentemente simples em face da

racionalidade instrumental e teacutecnico-operativa presente nesse paradiacutegma emergente de

poliacutetica social poreacutem complexa e desafiadora quando se analisa a forma como tem sido

92

apropriado e influenciado a sociedade atual em sua relaccedilatildeo com o Estado no contexto do

chamado capitalismo avanccedilado Eacute tambeacutem de Johnson (1990 p 16) a afirmaccedilatildeo de que ldquoo

debate pluralista nunca se resolveraacute de modo definitivo nas sociedades capitalistasrdquo uma

vez que a seu ver haveraacute sempre um desacordo sobre a forma de equiliacutebrio mais adequada

entre a provisatildeo estatal (ou oficial) a voluntaacuteria a comercial e a informal aleacutem de que tal

equiliacutebrio muda ao longo do tempo e de paiacutes para paiacutes

Tomando como referecircncia essas afirmaccedilotildees de Johnson (1990) fica claro

que o que estaacute em questatildeo natildeo eacute tanto o papel regulador do Estado que deveraacute seguir

sendo a principal fonte de financiamento ainda que na opiniatildeo dos pluralistas de bem-

estar o predomiacutenio do Estado na provisatildeo de bem-estar natildeo deva existir O que de fato

estaacute em questacirco e os pluralistas defendem e reivindicam eacute a diminuiccedilatildeo de seu papel

como esfera oficial e de forma consideraacutevel na regulaccedilatildeo do mercado e na

concretizaccedilatildeo de direitos sociais

24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do

modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita

No contexto do debate relativo agrave desintegraccedilatildeo do chamado consenso de poacutes-

guerra Peter Abrahamson (1995) questiona se ocorreu a falecircncia do modelo ou uma

reorientaccedilatildeo agrave direita Na sua avaliaccedilatildeo Abrahamson (1995) confirma argumentos de

Johnson (1990) ao afirmar que no iniacutecio dos anos 1970 iniciou-se no interior do sistema

capitalista e em escala mundial um movimento de reorientaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica e natildeo

propriamente de crise do Estado de Bem-estar Tal movimento mostrava-se na verdade

contraacuterio ao modelo universalista de proteccedilatildeo puacuteblica implementado pelo Estado de Bem-

estar keynesiano-fordistabeveridgiano Assumiu posicionamentos e medidas concretas

adotados pelos organismos denominados supranacionais tais como a Organizaccedilatildeo para a

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) e a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas

(ONU) com a justificativa de que era necessaacuterio instituir naquela conjuntura uma nova

forma de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica como reaccedilatildeo agrave suposta crise do Estado de Bem-estar

A proposta substituta da provisatildeo social sob forte influecircncia do ideaacuterio neoliberal

apresentava como eixo central um modelo pluralista de bem-estar a ser concretizado por

uma multiplicidade de setores e atores ndash welfare mix ndash tendo em vista minimizar a

93

intervenccedilatildeo do Estado reservando-lhe apenas a responsabilidade pelo financiamento e por

uma provisatildeo social miacutenima e residual Estava em curso portanto uma forma de regulaccedilatildeo

social baseada em outra loacutegica ndash a de mercado ndash e sob outros princiacutepios distanciados dos

direitos sociais

Os argumentos sobre a suposta crise do Estado de Bem-estar na perspectiva da

criacutetica teoacuterica e ideoloacutegica neoliberal natildeo foram poucos Entende-se que para a

compreenccedilatildeo da dinacircmica que envolve esta alegada crise eacute preciso levar em conta a criacutetica

neoliberal ao Estado de Bem-estar em seus pontos essenciais Tais argumentos estavam

centrados basicamente no desafio de encontrar uma foacutermula para desconstruir a

centralidade do emprego que havia sido colocada como elemento estruturante do Estado

de Bem-estar porque para os neoliberais a universalizaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar

colocou em alta a importacircncia do lucro visto como criteacuterio ordenador do crescimento

econocircmico Seria portanto necessaacuteria uma geraccedilatildeo de lucro cada vez maior para sustentar

a socializaccedilatildeo da riqueza da forma como estava proposta O lucro mediado pelo mercado

deveria ser privilegiado em detrimento da valorizaccedilatildeo do trabalho e do emprego O mesmo

ocorreu com os binocircmios Estado e famiacutelia e mercado e trabalho que passaram a ser vistos

pelos neoliberais como termos opostos Para os neoliberais a ausecircncia de competitividade

no mercado retiraria do indiviacuteduo a autonomia e a liberdade para decidir sobre seu proacuteprio

futuro jaacute que para essa retoacuterica a autonomia proveacutem do mercado como uacutenica instacircncia

realmente democraacutetica

Com a ofensiva neoliberal o que passou a constituir a nova sociabilidade natildeo

era mais a agregaccedilatildeo do tempo de trabalho mas a agregaccedilatildeo da informaccedilatildeo conforme tese

defendida por Habermas (1987) Essa sempre foi e continua sendo a maior criacutetica dos

neoliberais e dos poacutes-modernos agrave centralidade da categoria trabalho e do Estado como

garante de cidadania O mais curioso dessa criacutetica eacute que a sua matriz natildeo eacute de todo

neoliberal Ela pertence tambeacutem agrave chamada esquerda libertaacuteria que parte dos proacuteprios

fundamentos do sistema capitalista tendo como alvo o produtivismo e o industrialismo

Para Habermas (1987) o que se mede na sociedade poacutes-moderna satildeo unidades de

informaccedilatildeo e natildeo mais unidades de forccedila de trabalho como preconizava Marx A

mercadoria forccedila de trabalho passou a natildeo ser mais mensuraacutevel Como defensor e adepto

das teorias poacutes-modernas Habermas (1987) reconhece que o trabalho de fato ganhou

simbolismo e centralidade no contexto do bem-estar mas perdeu sua forccedila simboacutelica nas

sociedades industriais avanccediladas Com base em tais argumentos cumpre indagar a

94

exemplo de Abrahamson (1995) sobre o que de fato ocorreu uma crise do Estado de bem-

estar conforme insistem os neoliberais ou uma falecircncia do modelo keynesiano-fordista

com clara reorientaccedilatildeo agrave direita Torna-se necessaacuterio reafirmar que de acordo com a

proposta deste estudo ocorreu o segundo fato

CAPIacuteTULO III

PLURALISMO DE BEM-ESTAR

ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E TENDEcircNCIAS

31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal

Para Johnson (1990) o termo pluralismo apresenta uma indeterminaccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave centralidade de uma instacircncia provedora de bem-estar como tambeacutem de imprecisatildeo

operacional no que se refere agraves competecircncias dos atores responsaacuteveis por essa provisatildeo

Contudo ressalta que indeterminaccedilatildeo e imprecisatildeo estatildeo longe de significar uma formulaccedilatildeo

neutra ou inocente A seu ver os pluralistas empreenderam de forma deliberada a

desqualificaccedilatildeo do Estado de Bem-estar por meio de duras criacuteticas tanto em relaccedilatildeo agrave

qualidade e alcance dos serviccedilos prestados quanto ao perfil centralizador desse Estado

Registros histoacutericos informam que em 1982 o Centro Europeu para Pesquisa e

Treinamento do Bem-estar Social de Viena realizou um Seminaacuterio Internacional com o

tiacutetulo Volviendo a la Gente (ABRAHAMSON 1995) o qual tratou especificamente das

estrateacutegias de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo como elementos-chaves da proposta

pluralista de bem-estar Tambeacutem foi dada nesse seminaacuterio ecircnfase agrave necessidade de

promoccedilatildeo da reduccedilatildeo de gasto puacuteblico bem como a substituiccedilatildeo radical da atuaccedilatildeo do

Estado como provedor social por uma atuaccedilatildeo plural ou mista a ser assumida por setores

natildeo-oficiais (JOHNSON 1990) Opiniotildees semelhantes foram expostas em outra reuniatildeo

programada tambeacutem pelo Centro Europeu em 1984 cujos informes confirmavam o

crescimento da adesatildeo entre os paiacuteses (havia treze ali representados) agraves iniciativas sociais

plurais voluntaacuterias e informais como forma de oferecer respostas agraves falhas na atuaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar

Em vista disso Johnson (1990) chama a atenccedilatildeo para a necessidade de

questionamento dessa estrateacutegia de esvaziamento progressivo dos espaccedilos puacuteblicos

mediante a institucionalizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar e da desinstitucionalizaccedilatildeo das

poliacuteticas sociais como concretizadoras de direitos identificando as verdadeiras razotildees

desse processo

96

Um aspecto curioso nessa operaccedilatildeo desmonte eacute saber como a discussatildeo sobre o

pluralismo de bem-estar surgiu no marco da defesa dos setores voluntaacuterio informal e

comercial como estrateacutegia poliacutetica que atribui grande centralidade ao papel do mercado Para

Johnson (1990) nessa operaccedilatildeo foram enfatizadas as falhas do Estado de Bem-estar e

ignorados seus ecircxitos Natildeo foram apresentadas provas concretas e nem pesquisas

fundamentadas empiricamente que comprovassem que o Estado de Bem-estar tinha sido um

equiacutevoco eou argumentos convincentes que provassem que a proposta de pluralismo

neoliberal poderia produzir melhores resultados A seu ver era clara a intenccedilatildeo neoliberal de

ruptura com o modelo de bem-estar puacuteblico e universalizador em benefiacutecio de um modelo

plural ou misto de cunho privatista e residual Ademais um outro aspecto a considerar eacute a

ousadia da proposta pluralista de natildeo tentar estabelecer limites ao setor privado (lucrativo e

natildeo-lucrativo) com o argumento de que seria encontrado um equiliacutebrio natural nas relaccedilotildees

entre os mercados sociais e econocircmicos Em outras palavras em uma economia mista de bem-

estar seria o mesmo que buscar encontrar um equiliacutebrio entre ldquoa competitividade do mercado

de empresas privadas e a humanidade do bem-estar socialrdquo (JOHNSON 1990 p 89)

Abrahamson (1995) ao tambeacutem analisar o surgimento do pluralismo de bem-

esta e o momento de sua apropriaccedilatildeo pelos neoliberais antes mesmo das mudanccedilas

ocorridas na Europa do Leste (como a decomposiccedilatildeo da Uniatildeo Sovieacutetica e do estalinismo)

e da construccedilatildeo da chamada integraccedilatildeo econocircmica europeacuteia (atualmente Uniatildeo Europeacuteia)

indica algumas medidas que se configuraram como ingerecircncias das chamadas instituiccedilotildees

poliacuteticas supranacionais (ONU OCDE) sinalizadoras de um novo desafio a adoccedilatildeo de

medidas poliacuteticas e econocircmicas plurais ou mistas relativas ao financiamento agrave regulaccedilatildeo e

agrave realizaccedilatildeo do bem-estar no mundo moderno e em especial na Europa As propostas

segundo ele requisitavam de forma clara uma necessaacuteria revisatildeo do papel do Estado de

Bem-estarem nome da retomada do crescimento econocircmico A seu ver dois fatos

passaram a exigir maior atenccedilatildeo dos analistas O primeiro foi a crise do petroacuteleo em

meados dos anos 1970 que conseguiu interromper a implementaccedilatildeo da primeira fase do

processo de construccedilatildeo e de desenvolvimento do Estado de Bem-estar em alguns paiacuteses da

Europa e o segundo foram as iniciativas e interpretaccedilotildees das instituiccedilotildees supranacionais

(ONU e OCDE e outras) sobre o papel das poliacuteticas sociais a partir dos anos 1970 Ateacute

entatildeo o Estado de Bem-estar era visto como parte integrante do moderno desenvolvimento

capitalista desde a crise de 1930 e natildeo como uma carga econocircmica para o sistema como

passou a ser identificado

97

Baseado em fontes documentais e histoacutericas Abrahamson (1995) afirma que

em 1987 os ministros de assuntos sociais ao serem convocados pela ONU elaboraram

uma agenda com a seguinte denominaccedilatildeo A poliacutetica social em transiccedilatildeo adaptaccedilatildeo agraves

necessidades dos anos 1990 Essa adaptaccedilatildeo como seria previsiacutevel teria caraacuteter plural ou

misto o que destoava da concepccedilatildeo da ONU ateacute entatildeo cujas formulaccedilotildees sobre poliacutetica

social eram bastante geneacutericas No entanto esse procedimento tinha precedentes Em 1981

a OCDE declarou surpreendentemente que o Estado de Bem-estar estava em crise

destacando dois fatores que caracterizavam esse fato O primeiro era uma crise financeira

e o segundo uma crise de legitimidade poliacutetica Esse foi o primeiro argumento neoliberal

utilizado para justificar a jaacute anunciada necessidade de promoccedilatildeo de rdquouma melhor

adequaccedilatildeo na agenda poliacutetica em relaccedilatildeo ao sistema de provisatildeo social na Europa face agraves

necessidades dos anos 1990rdquo (ABRAHANSON 1995 p 115) Em uma segunda reuniatildeo

realizada em Bratislava no veratildeo de 1993 os ministros de assuntos sociais discutiram com

maiores detalhes o desenvolvimento da poliacutetica social33 Segundo Abrahamson (1995 p

114) esta conferecircncia ressaltou a necessidade de obtenccedilatildeo de acordo sobre a aplicaccedilatildeo e a

definiccedilatildeo de alguns padrotildees sociais baacutesicos sem contudo especificar a essecircncia de tais

padrotildees e nem discutir o conteuacutedo do que se resumiu a uma ldquoaplicaccedilatildeo dos princiacutepios-guia

das Naccedilotildees Unidas para o fortalecimento da sociedade civilrdquo

Ainda em 1993 em Copenhague a ONU surpreendeu novamente ao incluir

como ponto de pauta de uma reuniatildeo com representantes mundiais o aprofundamento do

debate sobre o desenvolvimento da poliacutetica social Todas essas estrateacutegias expressam

como faz ver Abrahamson (1995) um duplo sentido de um lado um novo olhar sobre as

poliacuteticas sociais ao atribuir-lhes importante status social e de outro uma clara intenccedilatildeo

desses organismos de romper com as orientaccedilotildees keynesianas e difundir uma nova

orientaccedilatildeo econocircmica o que redundou no monetarismo

Para Abrahamson (1995 p 114) foi no documento da ONU de 199334 que se

empregou o conceito de agregado de bem-estar ou welfare mix para significar ldquoa cooperaccedilatildeo

entre vaacuterios setores sociais na provisatildeo de bem-estar ao cidadatildeo a saber o governo o setor

privado as organizaccedilotildees voluntaacuterias o setor informal a comunidade e a famiacuteliardquo Nesse

documento fica claro um enfoque pluralista diferenciado do anterior (do poacutes-guerra) o qual

sugeria que os governos deveriam sobretudo levar em conta uma correspondecircncia natildeo-

33 Documento da ONU (1993 p 3-4 apud ABRAHANSON 1995) 34 Ver ONU (1993 p 5-6 apud ABRAHANSON 1995 p 114 - 115)

98

convencional entre tais atores sociais como descentralizar a tomada de decisotildees repartindo

responsabilidades intensificar a qualificaccedilatildeo dos envolvidos no trabalho social (tanto

profissional como voluntaacuterio) trabalhar pela flexibilizaccedilatildeo da administraccedilatildeo e da atuaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar (isto eacute restriccedilatildeo aos direitos sociais e afrouxamento dos direitos civis) e

por fim assegurar que os trabalhos voluntaacuterio informal e domeacutestico fossem reconhecidos e

valorizados35 Em vista disso tanto o discurso que vinha sendo formulado jaacute haacute algum tempo

(final dos anos 1970) sobre a importacircncia de obter o consenso necessaacuterio ao desenvolvimento

das poliacuteticas de bem-estar em bases pluralistas se concretizou no dizer de Abrahamson sob a

forma de um agregado de bem-estar ou welfare mix Assim instituiu-se em 1989 a concepccedilatildeo

de pluralismo de bem-estar sob a eacutegide neoliberal (ONU 1989)

Tudo isso confirma que a proposta original de pluralismo de bem-estar natildeo

surgiu do nada e muito menos com a nova direita Ela tem raiacutezes histoacutericas muito embora

natildeo tenha se concretizado historicamente Os autores citados afirmam que os diferentes

Estados de Bem-estar na Europa sempre incorporaram a dimensatildeo plural ndash jaacute que

requeriam vaacuterias fontes provedoras _ mas que no iniacutecio dos anos 1980 tal dimensatildeo foi

apropriada pelos neoliberais que lhe imprimiram sua loacutegica privatista antiestatal e

mercadoloacutegica Natildeo por acaso a discussatildeo sobre pluralismo de bem-estar ganhou destaque

no debate contemporacircneo da poliacutetica social

Ao comparar as diferentes tipologias e ocupar-se sobretudo com o estudo de

modelos de bem-estar no interior da sociedade capitalista especialmente do chamado

modelo latino de proteccedilatildeo social caracteriacutestico da Regiatildeo Sul da Europa denominada

Europa do Sul36 o presente estudo constatou que foi no contexto de mudanccedila dos modelos

de bem-estar capitalistas que a nova direita afirmou a existecircncia de uma crise do Estado

de Bem-estar Foi portanto no interior da sociedade capitalista que emergiu e ganhou

proeminecircncia nos ciacuterculos intelectuais nacionais e internacionais o fenocircmeno do

pluralismo de bem-estar sob influecircncia da concepccedilatildeo neoliberal ndash na verdade como

afirma Pereira (2001 p 36) ldquoum liberalismo econocircmico revisitado e adaptado aos tempos

atuais do capitalismo globalizado e da produccedilatildeo flexiacutevelrdquo

Para melhor visualisar a composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar vale reproduzir

os diagramas construiacutedos por Abrahamson (1995) como representaccedilatildeo de um modelo

35 Abrahamson (1995) discorre sobre o trabalho voluntaacuterio e o domeacutestico segundo a oacutetica dos pluralistas de bem-estar neoliberais 36Esta seraacute a denominaccedilatildeo utilizada nesta tese ou seja Europa do Sul ou Regiatildeo Sul da Europa para distinguir essa regiatildeo de outras denominaccedilotildees tais como Europa Mediterracircnea ou Europa Latina

99

triangular tomado como referecircncia e por analogia Conforme Abrahamson (1995) o modelo

triangular foi desenvolvido na metade dos anos 1980 simultaneamente pelo Departamento de

Sociologia da Universidade de Copenhague e pelo Centro Europeu para Pesquisa e Treinamento

do Bem-estar Social de Viena A demonstraccedilatildeo geograacutefica da configuraccedilatildeo do triacircngulo do

bem-estar tomado como referecircncia por Abrahanson (1995) foi desenvolvida no Seminaacuterio

A posiccedilatildeo e participaccedilatildeo dos clientes a questatildeo chave na poliacutetica social avanccedilada em

Helsinque Finlacircndia e correspnde agraves figuras 1 2 e 3

Nessa demonstraccedilatildeo haacute a prevalecircncia de uma matriz triangular que conteacutem no

seu interior trecircs esferas mercado Estado e setores natildeo-mercantis da sociedade das quais

recursos especiacuteficos podem ser obtidos e canalizados de forma conjugada para a proteccedilatildeo

social dependendo da correlaccedilatildeo de forccedilas estabelecida A proposta apresentada pelos

pluralistas de bem-estar ao justificar a composiccedilatildeo do chamado agregado de bem-estar

(muacuteltiplos atores e setores) para atuaccedilatildeo no campo da proteccedilatildeo social se assemelha a essa

configuraccedilatildeo de Abrahanson (1995) conforme demonstram as figuras 1 2 e 3 a seguir

As figuras 1e 2_Triacircngulo de bem-estar plural 1e 2_ indicam com quais

recursos cada esfera deveraacute atuar no campo da provisatildeo social (o mercado com o dinheiro o

Estado com o poder e os setores informais e natildeo-mercantis com a solidariedade)

Um modelo triangular para provisatildeo plural de bem-estar

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 1 Triacircngulo do bem-estar plural 1

100

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 2 Triacircngulo do bem-estar plural 2

A figura 3 _Triacircngulo de bem-estar plural 3_ a seguir ressalta a articulaccedilatildeo

que deveraacute existir entre as trecircs esferas com destaque para a relaccedilatildeo vertical estabelecida

entre os setores formal e informal puacuteblico e privado com prevalecircncia da loacutegica de

economia de mercado com mediaccedilatildeo das organizaccedilotildees voluntaacuterias dos grupos de auto-

ajuda e das cooperativas e pequenas iniciativas Essa proposta de provisatildeo social de

caraacuteter plural ou misto eacute apresentada como estrateacutegia de substituiccedilatildeo do papel do Estado

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 3 Triacircngulo do bem-estar plural 3

101

Nessa composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar o bem-estar do indiviacuteduo

depende da extensatildeo da relaccedilatildeo que ele manteacutem com as trecircs esferas referidas que por sua

vez operam da seguinte forma o mercado assegura o dinheiro o Estado o poder e a

sociedade e setores sociais natildeo-mercantis a solidariedade A diversidade de meios indica

que diferentes loacutegicas estatildeo em jogo e que os recursos seratildeo canalizados e

disponibilizados dependendo da inter-relaccedilatildeo estabelecida entre as esferas

Habermas (apud ABRAHAMSON 1995) para quem o dinheiro e o poder

pertencem ao chamado mundo do sistema e a solidariedade pertence ao mundo da vida

o mundo do sistema coloniza o mundo da vida impedindo-o agrave sua emancipaccedilatildeo Por

isso para que haja a emancipaccedilatildeo a sociedade precisa ser descolonizada e exercer o

controle sobre o Estado Essa reflexatildeo estaacute relacionada agrave anaacutelise da praacutetica das poliacuteticas

sociais na Europa ao final da Segunda Guerra Mundial apontando uma divisatildeo do bem-

estar em que Estado mercado e setores natildeo-mercantis da sociedade tecircm

responsabilidades equiparadas na provisatildeo de bem-estar o que reforccedila a proposta de

pluralismo de bem-estar que para Abrahamson (1995) ganhou corpo no iniacutecio dos anos

1990 De fato diz ele na Europa dos anos 1990 todas as trecircs esferas (Estado mercado e

setores natildeo-mercantis da sociedade) foram ativas na organizaccedilatildeo do bem-estar variando

os niacuteveis de participaccedilatildeo de uma ou de outra para mais ou para menos conforme a

organizaccedilatildeo social poliacutetica e ideoloacutegica de cada paiacutes A sua preocupaccedilatildeo maior poreacutem

eacute com o futuro da poliacutetica social que a seu ver se mostra incerto apresentando

tendecircncias guiadas ora pelo medo ora pela esperanccedila

Abrahamson (1995) entende que a experiecircncia do pluralismo de bem-estar

natildeo eacute independente e nem estaacute desvinculada do contexto poliacutetico no qual foi formulada

Em sua anaacutelise constata a importacircncia crescente do setor voluntaacuterio o qual eacute

enfatizado por autoridades puacuteblicas que preocupadas com a magnitude das questotildees

que tecircm de enfrentar transferem-lhe parte de suas responsabilidades Esse setor por

seu turno adere a essa demanda puacuteblica definindo suas aacutereas de atuaccedilatildeo e seu niacutevel de

envolvimento no contexto do pluralismo de bem-estar Nesse envolvimento o

anonimato eacute garantido e os clientes satildeo classificados por sua condiccedilatildeo soacutecio-

econocircmica com variaccedilotildees nos niacuteveis e formas de atendimento Esse procedimento

amplia-se agrave medida que autoridades assumem publicamente que sozinhas natildeo tecircm

condiccedilotildees de enfrentar certas necessidades e que elas podem ser atendidas pelo setor

voluntaacuterio Trata-se do que o autor denomina de zona cinzenta que vai se

102

estabelecendo entre a vida civil e o sistema de bem-estar puacuteblico e que contribui para o

aparecimento de uma forte tendecircncia agrave dualizaccedilatildeo isto eacute de um sistema de bem-estar

bifurcado em que o mercado mais generoso cuida dos trabalhadores melhor

posicionados na escala social e o Estado fica com os grupos menos privilegiados

economicamente Esse sistema dual conduz agrave existecircncia simultacircnea de dois tipos de

sistemas de bem-estar um privado regido pelo mercado e outro puacuteblico que atende

precariamente aos marginalizados

Abrahamson (1995) conclui sua anaacutelise expressando certo temor de que o futuro

da poliacutetica social na Europa sustente a tendecircncia jaacute iniciada de favorecer crescente

marginalizaccedilatildeo social com diferenciaccedilotildees segregaccedilotildees e polarizaccedilotildees em vez de combatecirc-las

porque o Mercado Comum Europeu tende a reforccedilar uma situaccedilatildeo de crescente competiccedilatildeo

entre as regiotildees o que aliaacutes eacute o seu propoacutesito Como consequumlecircncia estatildeo sendo previstas

migraccedilotildees internas necessidade de definiccedilatildeo de uma renda miacutenima crises entre capital e

trabalho e provisatildeo social precaacuteria que poderatildeo levar a uma temida desordem social Para ele

a direccedilatildeo que tecircm tomado as discussotildees coordenadas pela Comissatildeo da Comunidade

Europeacuteia indica a prevalecircncia ora da poliacutetica social tradicional ora da poliacutetica social dual Seu

estudo revela ainda um aumento expressivo do fenocircmeno da pobreza na Comunidade

Europeacuteia Como tendecircncia ressalta que estatildeo sendo transferidas gradativamente

responsabilidades sociais puacuteblicas para o setor voluntaacuterio e para iniciativas locais da sociedade

civil baseadas na auto-ajuda Assim os pobres e os grupos de risco tendem a ficar

dependentes de redes de solidariedade da sociedade civil ou de governos locais A

solidariedade continua sendo um princiacutepio central do bem-estar misto poreacutem mais estreita

excluindo segmentos pauperizados para os quais o prognoacutestico natildeo eacute favoraacutevel Haacute receio do

fortalecimento de uma sociedade dual e do aumento da pobreza

Para Abrahamson (1995) a Europa dos anos 2000 o futuro baseado no

pluralismo do bem-estar prenuncia perspectivas preocupantes e sombrias A criaccedilatildeo de

meios de integraccedilatildeo de pessoas marginalizadas na vida social normalizada e no trabalho

eou em estrateacutegias de inclusatildeo vem sendo enfatizada mediante a adoccedilatildeo de poliacuteticas

alternativas de desenvolvimento econocircmico e social integrado enfocando a produccedilatildeo

Diante desse panorama natildeo eacute por acaso que Abrahamson (1995) refira-se agrave

dialeacutetica da esperanccedila e do medo como recurso analiacutetico para encerrar sua reflexatildeo ao

mesmo tempo em que sugere poliacuteticas sociais eficazes que dissipem o medo e tornem a

esperanccedila verdadeira

103

Na mesma linha de anaacutelise de Abrahamson mas demonstrando esperanccedila

Goacutemez Herrera (2001) autor espanhol identificado com as estrateacutegias do welfare mix

apresenta vaacuterias modalidades de regulaccedilatildeo social denominadas por ele de traccedilos de uma

regulaccedilatildeo poliacutetica plural que se contrapotildeem ao modelo keynesiano-

fordistabeveridgiano Sobre tal processo de regulaccedilatildeo Goacutemez Herrera (2001 p 77)

enfatiza que ldquoo fluxo combinatoacuterio e relacional do welfare mix deve presidir esse novo

padratildeo de bem-estar em sua forma mais completa e complexardquo Para tanto Goacutemez

(2001) apresenta um quadro classificatoacuterio sobre os quatro setores que ele denomina de

acircmbitos eou esferas de bem-estar inerentes ao welfare mix e que a seu ver devem

estar em constante relaccedilatildeo Satildeo elas a esfera do mercado (organizaccedilotildees sindicais

empresariais e de categoria) a esfera da poliacutetica (atores que atuam em referecircncia ao

Estado) esfera da economia social ou mercado social (atores que atuam nos chamados

setores privado social ou terceiro setor) e por uacuteltimo a esfera das comunidades

primaacuterias (as famiacutelias e as redes espontacircneas e informais da vida cotidiana) Nesse

quadro Goacutemez (2001) justifica o uso como referecircncia do esquema socioloacutegico

apresentado por T Parsons que foi posteriormente reelaborado por Donati (apud

Goacutemez 2001) A seu ver a importacircncia de tal esquema consiste em corroborar com a

tese pluralista de bem-estar na perspectiva neoliberal

32 Neoliberalismo pluralismo de Bem-estar e emergecircncia da chamada sociedade de

bem-estar

Como se depreende das contribuiccedilotildees de Johnson (1990) associadas agraves de

Abrahamson (1995) o pluralismo de bem-estar natildeo estava identificado de forma direta

com o neoliberalismo Portanto ao contraacuterio do que muitos pensam eles natildeo satildeo

sinocircnimos embora tenham sido identificados posteriormente no apogeu do ideaacuterio

neoliberal Johnson (1990) vai aleacutem desse aspecto em sua anaacutelise sobre os fatores que

desencadearam a suposta crise do Estado de Bem-estar e sua relaccedilatildeo com a emergecircncia da

proposta de pluralismo de bem-estar neoliberal Argumenta que ldquoo Estado de Bem-estar

foi em grande medida viacutetima de seu proacuteprio ecircxitordquo (JOHNSON 1990 p 85-87) Para ele

foi ldquoo ecircxito dos serviccedilos sociais estatais e natildeo o seu fracasso que elevou as expectativas

dos beneficiaacuterios e contribuiu para criar a distacircncia entre oferta e demanda confirmando as

104

previsotildees de Keynesrdquo Outra questatildeo polecircmica e complexa eacute a proposta pluralista de bem-

estar ser apresentada como alternativa plural ou mista a uma concepccedilatildeo de Estado

estruturada em princiacutepios puacuteblicos e universais

Ao buscar qualificar os termos neoliberalismo e pluralismo bem como

identificar a emergecircncia de ambos na histoacuteria do capitalismo algumas distinccedilotildees fazem-se

necessaacuterias Tais termos natildeo satildeo sinocircnimos pois embora o neoliberalismo expresse uma

fase de mudanccedilas estruturais na economia capitalista de retomada de centralidade do

mercado e de expansatildeo sob influecircncia do modelo toyotista37 (voltado para a

comercializaccedilatildeo competitiva entre grandes corporaccedilotildees internacionais) a ideacuteia de bem-

estar pluralista inicialmente questionava o protagonismo do Estado sem esvaziar a sua

importacircncia na provisatildeo social

A vinculaccedilatildeo entre pluralismo de bem-estar e neoliberalismo ocorre quando o

neoliberalismo apropria-se da ideacuteia de um bem-estar misto concebida no contexto do

final da Segunda Guerra Mundial A diferenciaccedilatildeo entre esse momento e o anterior reside

na ideacuteia inicial de pluralidade de bem-estar admitir a importacircncia do Estado na provisatildeo

social puacuteblica ao passo que a concepccedilatildeo de bem-estar neoliberal natildeo soacute rechaccedila a

intervenccedilatildeo estatal como a minimiza O certo eacute que o pensamento neoliberal de uma

provisatildeo social mista concebida como um conjunto de atores e setores responsaacuteveis pelo

bem-estar ganhou notaacutevel expressatildeo internacional a partir dos anos 1980 Desde entatildeo a

concepccedilatildeo de uma provisatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica no campo do

bem-estar (a nosso ver) foi incluiacuteda nos debates sobre Estado de Bem-estar e da poliacutetica

social especialmente no acircmbito da assistecircncia social Passou-se a reivindicar que tal

concepccedilatildeo passasse a ser identificada com uma pluralidade de fontes setores atores e de

modos de provisatildeo social natildeo-oficiais que deveriam substituir a provisatildeo puacuteblica oficial

feita pelo Estado

Segundo Johnson (1990) para os pluralistas o termo pluralismo de bem-estar

tem uma estreita vinculaccedilatildeo com a economia mista de bem-estar No entanto a seu ver em

sua versatildeo neoliberal o termo apresenta um problema de falta de precisatildeo conceitual que

tem gerado equiacutevocos de interpretaccedilatildeo classificaccedilatildeo bem como controveacutersias e

divergecircncias teoacuterico-conceituais

37 Toyotismo ndash modelo econocircmico capitalista que privilegia um acelerado desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegico e informacional multiplicador da produtividade e rotatividade do produtomercadoria Provocou profundas mudanccedilas no mundo do trabalho Nele as conquistas teacutecnicas e cientiacuteficas interligam a ciecircncia agrave produccedilatildeo e ao consumo reduzindo a temporalidade e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de mercadorias

105

Finalmente em relaccedilatildeo agraves controveacutersias e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais que

cercam o termo eacute preciso ressaltar que o pluralismo de bem-estar trabalhado nesta tese

difere do pluralismo tratado na Ciecircncia Poliacutetica embora mantenha afinidades com ele Os

cientistas poliacuteticos formulam seus argumentos pluralistas baseados nas ideacuteias de Dahl

(1970 e 1982) seu principal expoente teoacuterico Dahl (1970) centra sua anaacutelise nos

fundamentos do modelo pluralista denominado por ele de pluralismo poliacutetico Sua visatildeo eacute

antielitista e contestadora da centralidade atribuiacuteda ao Estado como poder central

Diferencialmente trata-se de uma visatildeo pluralista centrada no poder poliacutetico de grupos e

natildeo de classes e portanto de um modelo plural contraacuterio agrave visatildeo pioneira de pluralismo

de bem-estar que preconizava a importacircncia da intervenccedilatildeo estatal Os pluralistas

dahlsianos apontam como fator de impedimento ao estabelecimento de relaccedilatildeo paciacutefica

entre os poderes econocircmico e poliacutetico a intervenccedilatildeo deliberada do Estado na economia e na

vida social Trata-se de um aspecto discordante em relaccedilatildeo ao objeto do presente estudo

natildeo apenas por referir-se agrave relaccedilatildeo plural entre diferentes atores e agrave intervenccedilatildeo do Estado

mas sobretudo pela suposta centralidade dada por esse modelo agrave atuaccedilatildeo e agrave capacidade

de regulaccedilatildeo social desses atores Portanto a atuaccedilatildeo do Estado eacute vista por Dahl (1970) de

forma restrita e inexpressiva o que aproxima mais sua proposta do ponto de vista poliacutetico

e conceitual da concepccedilatildeo de pluralismo de bem-estar neoliberal

Percebe-se assim que o termo plural natildeo eacute inoacutecuo Para Oliveira (1998)

natildeo foi por acaso que a ofensiva neoliberal foi mais agressiva em relaccedilatildeo agrave regulaccedilatildeo

estatal a partir dos anos 1970 A estrateacutegica poliacutetica dos pluralistas neoliberais

consistiu em atingir o produto mais central do Estado de Bem-estar qual seja

promover a desmontagem do sistema de seguridade social que assegurava garantias no

acircmbito do trabalho O grande equiacutevoco da teorizaccedilatildeo do chamado pluralismo de bem-

estar liderada pelos neoliberais foi o de desconsiderar o conflito social existente a

histoacuterica relaccedilatildeo entre Estado economia e poliacutetica social e ainda o de entender o

Estado como instacircncia que deveria atuar fora da economia

Um outro importante argumento a ser considerado na anaacutelise do processo de

transferecircncia de responsabilidades sociais para a chamada sociedade de bem-estar eacute que a

ideacuteia de pluralismo de bem-estar neoliberal apesar de conter a noccedilatildeo de vaacuterios ou

muacuteltiplos agentes atuantes (informais voluntaacuterios e comerciaismercantis) expressa

tambeacutem um bem-estar voltado para o fortalecimento de preferecircncias individuais eou

grupais Ao restringir as accedilotildees da assistecircncia e as focalizar na pobreza extrema e transferi-

106

las para um agregado de bem-estar privilegia-se uma atenccedilatildeo miacutenima residual e restrita a

alguns segmentos Portanto natildeo se trata de uma accedilatildeo puacuteblica para todos A presente

anaacutelise procurou fundamentar-se em teorias que expressam um referencial teoacuterico

norteador de uma compreensatildeo de bem-estar puacuteblico colocado a serviccedilo do interesse

comum e vinculado agrave satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas e natildeo miacutenimas Percebe-

se sobretudo a constataccedilatildeo da prevalecircncia de posiccedilotildees estreitas e unilaterais concordantes

com a estrateacutegia de esvaziamento do poder regulador do Estado mediante o fortalecimento

de uma economia pluralista de bem-estar colocada como alternativa viaacutevel no campo da

provisatildeo social quando se tem claro que o conceito de bem-estar social puacuteblico somente se

efetiva mediante a primazia do Estado na conduccedilatildeo dos processos sociais sob o controle

democraacutetico da sociedade civil

Pereira (2000 p 27) para quem a proteccedilatildeo social natildeo eacute sinocircnimo de tutela

nem de atenccedilatildeo agrave pobreza absoluta enfatiza que a provisatildeo social puacuteblica deve ser

otimizada e vista

como uma poliacutetica em movimento que natildeo se contenta em procurar suprir de forma isolada e estaacutetica nem iacutenfima ou mesmo basicamente privaccedilotildees e carecircncias criacuteticas que por serem ldquomaacuteximasrdquo ou extremas exigem respostas mais complexas e substanciais

Portanto a noccedilatildeo puacuteblica de bem-estar com a qual esta reflexatildeo se

identifica se opotildee a qualquer perspectiva plural ou mista seja familiar eou de

grupos desconectada da dimensatildeo puacuteblica Fora desse entendimento o que se

constata na sociedade contemporacircnea que estaacute em curso uma flagrante despolitizaccedilatildeo

seguida da naturalizaccedilatildeo das necessidades baacutesicas que satildeo relativizadas eou

reduzidas a patamares iacutenfimos de exigecircncias minando as possibilidades de

construccedilatildeo de um novo momento eacutetico-poliacutetico Como estrateacutegia neoliberal de

desmonte das organizaccedilotildees poliacuteticas haacute uma expliacutecita intenccedilatildeo de substituir a

dimensatildeo poliacutetica da vida humana por apelos de auto-ajuda ajuda muacutetua e de

solidariedade esvaziando o pensamento criacutetico sobre as contradiccedilotildees internas desses

processos e restringindo o campo dos direitos A ecircnfase eacute dada aos interesses

corporativos e a uma subjetividade abstrata que aleacutem de ganhar a adesatildeo de sujeitos

despolitizados gera conflitos de identidade ao impor novos padrotildees de estratificaccedilatildeo

social comprometendo a ideacuteia de pertencimento a uma classe social Entende-se que

107

esses sujeitos coletivos ficam fragilizados em sua autonomia entendida como

capacidade de fazer escolhas e de tomar decisotildees poliacuteticas Tudo isso se daacute mediante

uma intencionalidade clara de legitimaccedilatildeo da hegemonia ideoloacutegica do capital

globalizado atravessada pela racionalidade instrumental do mercado

Eacute essa loacutegica que passa a orientar as relaccedilotildees entre Estado sociedade e

mercado como demonstram Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) ao apresentarem

as principais caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista

Para efeito comparativo ao tomar como referecircncia apenas trecircs das instituiccedilotildees

apresentadas por Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) quais sejam Estado

comunidade e sociedade obteacutem-se a configuraccedilatildeo empiacuterica do que foi analisado ateacute o

presente momento ou seja a prevalecircncia da atuaccedilatildeo dos setores natildeo-oficiais da sociedade

civil sobre o setor oficial (Estado) na conduccedilatildeo da provisatildeo social de bens e serviccedilos na

perspectiva pluralista de bem-estar (quadro 5)

Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista de

Evers e Olk (1996)

Instituiccedilatildeo Mercado Estado Comunidade Sociedade civil

Setor produtor de bem-estar

Mercado Setor puacuteblico Setor informal Famiacutelias

Setores natildeo-lucrativos e intermediaacuterios

Princiacutepio de coordenaccedilatildeo da accedilatildeo

Competiccedilatildeo Hierarquia Responsabilidade pessoal

Voluntariado

Ator coletivo central (lado do suprimento)

Companhia Administraccedilatildeo puacuteblica

Famiacutelia (famiacutelias extensas) vizinhos colegas amigos

Associaccedilotildees comunitaacuterias

Papel complementar da demanda

Consumidor cliente Cidadatildeo com direitos sociais

Membro de uma comunidade

Membro de uma associaccedilatildeo

Regra de dmissatildeo Habilidade para pagar Direitos garantidos legalmente

Atribuiccedilatildeo cooptaccedilatildeo Necessidade

Meio de troca Dinheiro Direito Apreciaccedilatildeo respeito Raciociacutenio argumento comunicaccedilatildeo

Norma central de referecircncia

Liberdade de mercado (de escolha e de oportunidade)

Igualdade Reciprocidade altruiacutesmo

Solidariedade

Outros criteacuterios de validade

Bem-estar Seguridade social puacuteblica

Participaccedilatildeo pessoal Poliacuteticas de ativaccedilatildeo social e poliacutetica

Deficiecircncias centrais Desigualdade negligecircncia em relaccedilatildeo a necessidades de consequumlecircncias natildeo-monetaacuterias

Negligecircncia em relaccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas das minorias reduccedilatildeo de liberdade de escolha frustraccedilatildeo dos motivos de auto-ajuda

Reduccedilatildeo da liberdade de escolha por meio da obrigaccedilatildeo moral exclusatildeo dos natildeo-membros

Distribuiccedilatildeo desigual de provisotildees e bens deacuteficit de profissionalizaccedilatildeo eficiecircncia reduzida das estruturas organizacionais e de gerenciamento

Fonte Evers Olk (1996 apud ABRAHANSON 2004)

108

Com base nessa classificaccedilatildeo o Estado apresenta-se como setor produtor de

bem-estar (perspectiva natildeo-liberal e progressista) cujas accedilotildees sociais satildeo

fundamentadas no princiacutepio de coordenaccedilatildeo hieraacuterquica tendo como ator coletivo

central a administraccedilatildeo puacuteblica Nessa perspectiva as situaccedilotildees satildeo problematizadas e

apresentadas na forma de demandas legiacutetimas pelos cidadatildeos cujo acesso (eou regras

de admissatildeo) aos bens e serviccedilos sociais tecircm como suporte direitos garantidos

legalmente A norma central de referecircncia que extrapola a igualdade de oportunidades

eacute sobretudo a igualdade de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos na forma de

direitos sociais O criteacuterio maior de validade no acircmbito do Estado eacute a garantia de uma

seguridade social puacuteblica Por outro lado apresentam-se como setores produtores de

bem-estar aleacutem do mercado o chamado setor informal (famiacutelia vizinhos) o voluntaacuterio

(organizaccedilotildees voluntaacuterias) e como princiacutepio moral baacutesico a responsabilidade

individual (na perspectiva neoliberal) Por fim como norma central para toda a

comunidade destacam-se o altruiacutesmo a reciprocidade e a solidariedade

Todavia Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) chamam atenccedilatildeo para

deficiecircncias desses arranjos espontacircneos de proteccedilatildeo social associados agrave solidariedade

como a prevalecircncia da obrigaccedilatildeo moral ou religiosa sobre os direitos ou deveres ciacutevicos o

risco da exclusatildeo dos natildeo-membros das associaccedilotildees voluntaacuterias o deacuteficit de

profissionalizaccedilatildeo dos provedores espontacircneos a distribuiccedilatildeo desigual na provisatildeo de bens

e serviccedilos e por fim a reduzida eficiecircncia das estruturas organizacionais e de

gerenciamento do voluntariado

No contexto dessa percepccedilatildeo neoliberal de bem-estar criou-se uma aparente

unidade poliacutetico-ideoloacutegica que acabou por reforccedilar uma cultura minimalista e antiestatal

de proteccedilatildeo social Objetivava-se assim construir a hegemonia do poder econocircmico e

poliacutetico com base em uma ideologia individualista Trata-se na verdade de um processo

de privatizaccedilatildeo das esferas puacuteblicas cujos pressupostos se universalizaram e foram

ganhando adesotildees Dessa forma foram criadas condiccedilotildees histoacutericas que passaram a

legitimar um processo de construccedilatildeo de um pensamento anti-puacuteblico que se tornou

dominante e acabou por atingir as poliacuteticas sociais Em outros termos o bloco de poder jaacute

tendo tomado posse do Estado e das demais esferas puacuteblicas passou a controlar tambeacutem a

produccedilatildeo e a distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais deslocando a sua responsabilidade

para o acircmbito privado Nesse processo de reproduccedilatildeo e de busca de legitimidade da

ideologia neoliberal daacute-se a passagem natildeo apenas de uma concepccedilatildeo de bem-estar mas

109

de uma objetividade histoacuterica para uma subjetividade abstrata jaacute referida anteriormente

Trata-se portanto de uma estrateacutegia poliacutetica que tem possibilitado com sucesso a criaccedilatildeo

de condiccedilotildees factuais e simboacutelicas para o avanccedilo da retoacuterica neoliberal como paradigma

poliacutetico e econocircmico no mundo contemporacircneo Essa eacute uma questatildeo de fundo para o

entendimento das mudanccedilas poliacuteticas verificadas na contemporaneidade Estaacute em debate

portanto a difusatildeo de uma cultura antiestatal ou estatal minimalista no bojo da

valorizaccedilatildeo de um discurso da solidariedade do voluntariado e da auto-ajuda como formas

de provisatildeo consideradas mais democraacuteticas por serem plurais ou mistas

Diante dos equiacutevocos e polecircmicas que permeiam esse debate busca-se

demarcar as fronteiras entre puacuteblico e privado este uacuteltimo representado pelas accedilotildees dos

setores voluntaacuterio informal e comercialmercantil sob orientaccedilatildeo neoliberal Entende-se

que tais setores podem ser necessaacuterios mas natildeo suficientes para a soluccedilatildeo das graves

tensotildees sociais no mundo contemporacircneo Essas accedilotildees ainda que imbuiacutedas do melhor

espiacuterito humanitaacuterio natildeo se configuram como poliacuteticas sociais puacuteblicas Os bens e serviccedilos

natildeo sendo assumidos financiados e regulamentados em leis como direitos sociais passam

a natildeo depender das relaccedilotildees estabelecidas entre Estado e sociedade A adesatildeo e a

disposiccedilatildeo de segmentos da sociedade civil em aceitar encargos poliacuteticos e sociais

proacuteprios do Estado acabaram por legitimar a sua retirada deste do processo de proteccedilatildeo

social esvaziando a sua intransferiacutevel funccedilatildeo de garante de direitos

33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves referecircncias

aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social

A partir dos anos 1980 e sob inspiraccedilatildeo neoliberal ganharam expressatildeo os

chamados programas de manutenccedilatildeo de renda no bojo de esquemas de assistecircncia social

considerados de nova geraccedilatildeo por desobrigarem o Estado da provisatildeo direta de serviccedilos

sociais e por subsidiarem accedilotildees sociais plurais desenvolvidas por redes ou malhas de

seguranccedila social em quase todo o mundo A Europa e Brasil natildeo poderiam ficar fora dessa

influecircncia natildeo obstante as diferenccedilas regionais e nacionais desses distintos contextos

A manutenccedilatildeo de renda busca assegurar uma transferecircncia monetaacuteria eou um

rendimento miacutenimo do Estado para cidadatildeos impossibilitados de assegurar sua subsistecircncia

com recursos proacuteprios geralmente de forma compensatoacuteria auxiliar e focalizada na

110

pobreza Os seus meios eou dispositivos mais comuns referem-se na maioria das vezes a

prestaccedilotildees sociais na forma de ajuda monetaacuteria ou auxiacutelio financeiro para que os cidadatildeos

pobres possam adquirir diretamente no mercado bens de primeira necessidade A criaccedilatildeo a

arquitetura institucional e o desempenho das referidas redes complementadas por uma

provisatildeo miacutenima e subsidiaacuteria do Estado constitui objeto de interesse e de discussatildeo do

presente estudo por sua direta vinculaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar

No Brasil os atuais programas de transferecircncia eou de manutenccedilatildeo de renda

constituem novidade posto que natildeo faz parte da cultura poliacutetica nacional transferir de

forma sistemaacutetica e como obrigaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos recursos monetaacuterios aos

beneficiaacuterios das poliacuteticas sociais Entretanto na cultura poliacutetica brasileira persiste o

funcionamento espontacircneo e informal de uma rede de microssolidariedades que vem

sendo explorada e institucionalizada pelo pluralismo de bem-estar com a ingerecircncia de

organismos multilaterais como o Banco Mundial a exemplo da tradiccedilatildeo solidaacuteria

praticada entre agrupamentos proacuteximos no Sul da Europa que assim como o Brasil

partilham do chamado modelo de bem-estar latino a ser especificado no proacuteximo

capiacutetulo Soacute que na Europa mesmo na Regiatildeo Sul esse novo formato de manutenccedilatildeo de

renda se apresenta como uma uacuteltima estrateacutegia de provisatildeo social em que o governo se vecirc

comprometido ao passo que no Brasil acontece o contraacuterio No contexto atual da

proteccedilatildeo social brasileira tal estrateacutegia apresenta-se como uma inovaccedilatildeo tardia se

comparada com a tradiccedilatildeo europeacuteia em mateacuteria de transferecircnia de renda aos segmentos

sociais desmonetarizados Trata-se de uma peculiaridade brasileira que natildeo se pode

perder de vista ou seja no Brasil esse formato de transfrecircncia e manutenccedilatildeo de renda se

apresenta como a uacutenica estrateacutegia de provisatildeo social

A transferecircncia de renda associada agraves redes plurais de proteccedilatildeo social em

contextos diferentes constitui mateacuteria de interesse do presente estudo visto que com eles

pode-se melhor aquilatar a natildeo-lineariedade de praacuteticas assistenciais que perseguem objetivos

comuns e se guiam pelo mesmo ideaacuterio Atualmente na Europa de larga tradiccedilatildeo no campo do

bem-estar social os chamados excluiacutedos satildeo pessoas ou grupos em situaccedilatildeo de pobreza que

nos anos 1940 se encontravam integradas sob a accedilatildeo dos Estados de Bem-estar mas que

atualmente vecircem-se confrontados com situaccedilotildees de vulnerabilidade econocircmica e social ateacute

entatildeo inexistentes Por outro lado na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil um grande

contingente populacional ainda natildeo teve acesso (ou se teve foi precaacuterio e focalizado na

pobreza absoluta) a qualquer tipo de proteccedilatildeo social mediante sistemas nacionais puacuteblicos

111

garantidos pelo Estado Indicadores sociais e econocircmicos de distribuiccedilatildeo de renda revelam o

agravamento da situaccedilatildeo social na Ameacuterica Latina Por fim dada a complexidade da situaccedilatildeo

sob anaacutelise cabe afirmar que os programas de geraccedilatildeo eou de transferecircncia de renda voltados

agrave atenccedilatildeo agrave pobreza em um e noutro contexto por si soacute natildeo tecircm possibilidade de alterar as suas

determinaccedilotildees estruturais

Como contribuiccedilatildeo a essa reflexatildeo este estudo recorreu a anaacutelises de Mishra

(1995) um autor contemporacircneo estudioso do Estado Providecircncia francecircs que construiu dois

modelos de bem-estar aos quais denomina de Estado de Bem-estar Diferenciado ou Estado

Pluralista de Bem-estar e Estado de Bem-estar Integrado ou Estado Corporativo de Bem-estar

Para o autor ambos podem ser interpretados como variantes do modelo institucional (que daacute

ecircnfase ao papel do Estado como agente na provisatildeoregulaccedilatildeo social e na distribuiccedilatildeo de bem-

estar) Contudo Mishra (1995) define o Estado de Bem-estar Diferenciado (ou Pluralista de

Bem-estar) como um modelo em que o setor de bem-estar social eacute visto no geral como

caracteriacutestico mas natildeo relacionado com os setores econocircmico industrial e puacuteblico No Estado

de Bem-estar Integrado o setor de bem-estar eacute entendido como estreitamente relacionado com

os setores econocircmico industrial e puacuteblico Por isso Mishra (1995) apoacuteia e defende o modelo

de Estado de Bem-estar Integrado eou Corporativo por entender que nele as poliacuteticas sociais e

econocircmicas estatildeo inter-relacionadas e surgem da negociaccedilatildeo e do debate entre empregadores

trabalhadores e o Estado

Segundo Mishra (1995) para a escola de pensamento pluralista neoconservador a

ideacuteia de pluralismo assistencial eacute sinocircnimo de economia mista de assistecircncia social O autor

vincula a perspectiva de sociedade-providecircncia agraves anaacutelises dos autores americanos Rein e

Rainwater (1986) e do inglecircs Richard Rose (1986) identificados com o pluralismo de bem-

estar neoliberal Com base nesses estudos realizados em paiacuteses com prevalecircncia de poliacuteticas

neoconservadoras evidencia-se sobretudo uma alteraccedilatildeo da proeminecircncia do Estado no

sistema geral de bem-estar com uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre os vaacuterios fornecedores de

assistecircncia social Para Mishra (1995) percebe-se quase outra versatildeo da tese da

irreversibilidade (ou retraccedilatildeo) dessa vez natildeo do Estado-Providecircncia que eacute visto como algo

reduzido mas da poliacutetica de assistecircncia social propriamente dita Eacute como se em um dado

momento do desenvolvimento da sociedade industrial capitalista os recursos da assistecircncia

social fossem fixos e praticamente se devia dividir a funccedilatildeo assistencial entre os seus vaacuterios

fornecedores Rein e Rainwater (apud MISHRA 1995) designam esse momento como o

desvanecer das fronteiras setoriais entre as esferas puacuteblica e privada da assistecircncia social e

112

propotildeem uma abordagem holiacutestica para o exame de todas as formas de proteccedilatildeo social

independentemente do setor que as administra financia ou controla Para esses autores a

assistecircncia ocupacional privada natildeo leva necessariamente agrave perversatildeo da redistribuiccedilatildeo eou ao

aumento das desigualdades sociais uma vez que depende muito mais da forma e das causas da

introduccedilatildeo da privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais puacuteblicos Para Rose (1986 apud MISHRA

1995) nas sociedades mistas o bem-estar da sociedade eacute capaz de ser maior se existirem

fontes muacuteltiplas de bem-estar em vez de um uacutenico fornecedor monopolista (Estado) Para os

pluralistas assistenciais pois qualquer anaacutelise avaliativa de proteccedilatildeo social em uma sociedade

deve levar em conta formas de provisatildeo assistencial natildeo-estatais

Com base nas avaliaccedilotildees sobre uma mistura providencial preconizada pelos

pluralistas assistenciais em regimes neoliberais e neoconservadores Mishra (1995) afirma que

as diferentes formas de assistecircncia social natildeo podem ser encaradas como equivalentes

funcionais por basearem-se conforme Pereira (2004) em criteacuterios princiacutepios e em acircmbitos de

accedilatildeo diferentes Natildeo se trata assim de uma simples questatildeo de decidir quem poderaacute fazer o

melhor no acircmbito da produccedilatildeo de serviccedilos sociais nem apenas de uma reestruturaccedilatildeo da

divisatildeo desses serviccedilos no campo da assistecircncia social Eacute importante distinguir entre os meios e

os fins dessa poliacutetica social e essa distinccedilatildeo envolve a noccedilatildeo de direito social e de conflitos de

vaacuterias naturezas que natildeo podem ser ignorados Mishra (1995) ressalta a distacircncia normativa

existente entre a anaacutelise pioneira de Titmuss (1963) sobre a divisatildeo social da assistecircncia social

que se referia agrave proteccedilatildeo estatal fiscal e ocupacional assumida haacute mais de trinta anos como

uma criacutetica ao pluralismo e a proposta de um pluralismo assistencial do Estado-Providecircncia

eou de uma economia mista (PEREIRA 2004) Esta proposta privilegia mudanccedilas na forma

pela qual a assistecircncia social deveraacute ser prestada ou seja de natureza mista descentralizada

natildeo-estatal e plural na qual se identifica um deslocamento da poliacutetica social de um ethos

coletivista38 para uma concepccedilatildeo de Estado possibilitador que valoriza mais os serviccedilos de

financiamento planejamento promoccedilatildeo e regulaccedilatildeo do que a sua produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo

Diz Mishra (1995) que essa proposta contrapotildee-se ao princiacutepio da assistecircncia

social como direito social a um rendimento ou niacutevel de serviccedilo adequado que soacute pode ser

garantido pelo Estado como finalidade puacuteblica devendo constituir-se no meio mais eficaz

38 A ideacuteia central eacute que o setor do Estado natildeo eacute apenas um fornecedor de assistecircncia social eacute tambeacutem a legiacutetima agecircncia reguladora dos valores e atividades societaacuterias Seu papel como fornecedor de bem-estar (que deu origem agrave ideacuteia neoliberal de minimizaccedilatildeo do papel do Estado) deve ser distinto de seu papel como regulador da assistecircncia social (que leva agrave retraccedilatildeo agrave omissatildeo do Estado e agrave perda de direitos sociais) Os argumentos pluralistas tendem a defender o duplo papel do Estado como regulador e fornecedor ao mesmo tempo

113

de distribuiccedilatildeo ou prestaccedilatildeo de bem-estar Decorre entacirco a necessidade de distinguir o que

significam a perda do direito a esses serviccedilos e a privatizaccedilatildeo da oferta desses serviccedilos

Essas consideraccedilotildees confirmam a tese com a qual este estudo se identifica a de

que a provisatildeo da assistecircncia social mediante recursos provenientes de fontes privadas

natildeo confere direito social embora haja recursos financeiros para fazecirc-la Essas

ambiguumlidades e contradiccedilotildees fazem que a natureza e o acircmbito da assistecircncia social em

paiacuteses capitalistas continuem a ser incertos e pouco especiacuteficos Nessa perspectiva Mishra

(1995 p 109) afirma ldquoque os paiacuteses de regimes neoconservadores assistiram a um

deslocamento da poliacutetica institucional para uma dimensatildeo residual juntamente com um

abandono do sistema de prestaccedilatildeo de serviccedilos centralizado ou estatal em favor de um

sistema descentralizado e privatizadordquo De fato haacute uma reorientaccedilatildeo da provisatildeo

assistencial para a direita de acordo com princiacutepios liberais e com a loacutegica do mercado

Em relaccedilatildeo a essas mudanccedilas falta agrave sociedade civil a capacidade de assumir um controle

democraacutetico ativo contrapondo-se agrave privatizaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos e agrave retraccedilatildeo seletiva

da poliacutetica de assistecircncia social mediante a defesa de poliacuteticas sociais puacuteblicas

concretizadoras de direitos sociais

CAPIacuteTULO IV

CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA

PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS

41 Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os

setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio comercial ou mercantil

Com base na configuraccedilatildeo da assistecircncia social na perspectiva de um bem-estar

plural ou misto tal qual o seu desenho atual apresenta-se a seguir uma siacutentese das

principais caracteriacutesticas desse modelo de provisatildeo soacutecio-assistencial plural para melhor

aquilatar a sua compatibilidade com o modelo latino

411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar

Haacute uma acentuada valorizaccedilatildeo das estruturas informais e voluntaacuterias da sociedade

como accedilotildees sociais de ajuda muacutetua e de auto-ajuda (entre familiares vizinhos e amigos no campo

da assistecircncia social que devem operar com um baixo grau de regulaccedilatildeo interna e estatal

(JOHNSON 1990) A valorizaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais evidencia uma expliacutecita resistecircncia dos

neoliberais ao poder regulador do Estado bem como o estabelecimento de claras estrateacutegias para

reduzir o papel dessa instacircncia na provisatildeo social

Enfatiza-se o poder local (princiacutepio da autogestatildeo) e os mercados privados

como se tais setores fossem suficientemente capacitados para uma participaccedilatildeo efetiva

como agentes de bem-estar Para tanto adota-se o conceito de participaccedilatildeo (ateacute mesmo no

campo da gestatildeo orccedilamentaacuteria e financeira) e de descentralizaccedilatildeo secundaacuteria (que significa

distribuiccedilatildeo de poder mediante maior relaccedilatildeo do governo com as comunidades localidades

eou pequenas aacutereas ndash path system ndash delegando-as agrave gestatildeo de trabalhadores sociais

voluntaacuterios) A estes setores compete aleacutem do exerciacutecio da participaccedilatildeo e da

descentralizaccedilatildeo secundaacuteria identificar problemas sociais alocar recursos e criar redes de

solidariedade informal fortalecendo-as

115

Ocorre significativa mudanccedila no campo da assistecircncia comunitaacuteria Nesse

campo a assistecircncia comunitaacuteria deve ser para a comunidade e na comunidade e eacute vista

como uma provisatildeo informal e voluntaacuteria de benefiacutecios de serviccedilos de gastos sociais

privados (e natildeo puacuteblicos) e de tomadas de decisatildeo com caraacuteter de ajuda apoio e proteccedilatildeo

aos considerando a retraccedilatildeo e a minimizaccedilatildeo do papel do Estado bem como a destituiccedilatildeo de

qualquer reconhecimento e legitimidade das esferas puacuteblicas nesse processo Contudo ldquoa

despeito dessas mudanccedilas compete ao setor informal o papel de proporcionar maior

assistecircncia familiar comunitaacuteria e informal qual seja pessoal domeacutestica auxiliar e de apoio

socialrdquo (JOHNSON 1990 p 130-131)

O papel do Estado eacute minimizada com a justificativa de que deve ficar restrito agrave

provisatildeo de uma infra-estrutura baacutesica e financeira para viabilizar a manutenccedilatildeo e o

desenvolvimento do pluralismo de bem-estar Essa justificativa apoacuteia-se tambeacutem no

entendimento de que o Estado natildeo eacute o uacutenico ator nem a uacutenica fonte de produccedilatildeo de bem-

estar Por isso recomendam-se a desregulamentaccedilatildeo do mercado e a desinstitucionalizaccedilatildeo

das poliacuteticas sociais especialmente da assistecircncia social

Haacute forte tendecircncia agrave expansatildeo dos mercados privados agraves expensas da provisatildeo social

puacuteblica (JOHNSON 1990) Nessa situaccedilatildeo a demanda social sempre se submete agrave oferta de

bens e serviccedilos privados ou recebe respostas residuais seletivas ou focalizadas na pobreza

extrema Nesse processo a ecircnfase dada ao mecanismo do co-financiamento das poliacuteticas sociais

mediante uma economia mista significa que os proacuteprios beneficiaacuterios dos programas deveratildeo

contribuir financeiramente para a implementaccedilatildeo das accedilotildees sociais porque os neoliberais

seguem o princiacutepio de que o que natildeo pesa no bolso natildeo eacute valorizado por quem o recebe A

atualizaccedilatildeo desses princiacutepios e valores liberais tornou-se decisiva para converter a provisatildeo social

em mercadoria e para tornar a ideologia neoliberal hegemocircnica (JOHNSON 1990)

As poliacuteticas sociais ndash e natildeo soacute da assistecircncia ndash tendem a pautar-se pelos

mesmos criteacuterios regressivos (ausecircncia de financiamento proacuteprio de fontes de recursos

com destinaccedilatildeo especiacutefica e de perspectiva de direitos) e da meritocracia (do meacuterito

pessoal) Para Moreno (2000 p 100) ldquoa solidariedade social reduz-se agrave socializaccedilatildeo

primaacuteria e com essa funccedilatildeo deve ser vista como positiva para incrementar o capital social

das comunidadesrdquo Goacutemez Herrera (2001) um defensor do pluralismo de bem-estar

neoliberal apoacuteia essa ideacuteia pois entende que ldquoas redes informais e familiares redefinem o

bem-estar ao largo das linhas de familiaridade que tecircm seus proacuteprios meios finalidades

regras e valoresrdquo (GOacuteMEZ p 77)

116

Haacute forte acento na famiacutelia como componente central do setor informal e

portanto como a principal educadora e prestadora de atenccedilotildees serviccedilos e poliacuteticas de bem-

estar e um agente social da maior importacircncia para assumir a funccedilatildeo de esfera substituta

do Estado no desenvolvimento de redes de apoio seguranccedila e proteccedilatildeo social Nesse

sentido a famiacutelia eacute vista como o elemento crucial nas mudanccedilas estrateacutegicas e na transiccedilatildeo

de um Estado intervencionista para um Estado minimalista

A ecircnfase dada ao familismo como esfera estrateacutegica do novo padratildeo de bem-

estar eacute justificada tambeacutem pela nova direita porque os princiacutepios de bem-estar e da filosofia

social-democrata levaram agrave decadecircncia moral e religiosa a famiacutelia tradicional Para

Saraceno (1995) essa tendecircncia trata-se de uma refamiliarizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na

atualidade com um indiscutiacutevel retorno a valores e praacuteticas conservadores contraditoacuterios e

inadequados agraves novas formas de organizaccedilatildeo e composiccedilatildeo da famiacutelia contemporacircnea

Assim por parte da assistecircncia familiar espera-se ajuda muacutetua entre os parentes e o papel

fundamental de cuidadora social a ser cumprido pela mulher As famiacutelias tambeacutem poderam

contar com o apoio dos membros das comunidades vicinais e dos amigos proacuteximos

Analisando a importacircncia atribuiacuteda por essa loacutegica privatista agraves poliacuteticas

familiares Peele (apud JOHNSON 1990 p 125) afirma que ldquolos conservadores querian

programas destinados a reforzar las relaciones de la familia tradicional y para fortalecer la

autoridad paternardquo isto eacute do patriarcado Esta eacute a orientaccedilatildeo que retorna pelas matildeos dos

pluralistas de bem-estar de filiaccedilatildeo neoliberal orientaccedilatildeo baseada nos padrotildees do

moralismo britacircnico e norte-americano dos anos 1980 segundo o qual a melhor alternativa

para reforccedilar as poliacuteticas familiares consiste em deixar o governo de fora e permitir que as

famiacutelias tomem suas proacuteprias decisotildees Estabeleceu-se assim conforme Mount (apud

JOHNSON 1990 p 125) uma oposiccedilatildeo entre Estado e famiacutelia que iria proporcionar

(como de fato proporcionou) uma boa quantidade de combustiacutevel para a retoacuterica da nova

direita sobre a importacircncia e centralidade do setor informal na provisatildeo social Portanto

com base no exposto observa-se que a modalidade de assistecircncia familiar e comunitaacuteria

executada pelos setores natildeo-oficiais apresenta-se com traccedilos bastante distintos do padratildeo

de bem-estar beveridgiano e keynesiano-fordista tais como prevalecimento da ideologia

neoliberal conservadora que as orienta e as determina perfil primaacuterio dos atores eou

agentes sociais (pessoas comuns da comunidade familiares amigos e parentes) caraacuteter

plural das accedilotildees (em redes assistenciais privadas de auto ajuda eou de ajuda muacutetua) e

desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social atualmente executada em cenaacuterio aberto e

117

comunitaacuterio diferentemente do padratildeo institucionalizado anterior Dessa forma os

cidadatildeos antes considerados sujeitos de direitos tornam-se ao mesmo tempo ldquoativos

produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos de bem-estar e em geral de

sua proacutepria proteccedilatildeo social como afirma Goacutemez Herrerardquo (2001 p 71)

Com base nessa argumentaccedilatildeo reforccedila-se com Pereira (2004 p 146) o

entendimento jaacute manifestado de que ldquoa concepccedilatildeo de bem-estar dos neoliberais natildeo eacute

neutra e inocenerdquo Ao contraacuterio o que se percebe eacute que tal concepccedilatildeo conteacutem forte

conotaccedilatildeo valorativa ateacute porque analisa Pereira (2004 p 146)

o bem-estar neoliberal estaacute associado ao meacuterito individual (e natildeo aos direitos de cidadania social) agrave produtividade capitalista livre de controles (e natildeo agrave redistribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos coletivos) e agrave igualdade de oportunidades ndash life chances ndash (DAHRENDORF apud ROMERO 1998) e natildeo agrave igualdade de resultados

Pode-se dizer que o pluralismo de bem-estar neoliberal consiste em uma ideologia

difundida pela nova direita que ganhou forccedila poliacutetica como estrateacutegia reformista tornando-se

um paradigma de provisatildeo social dominante na Europa a partir dos anos 1980 no periacuteodo

posterior agrave suposta crise do Estado de Bem-estar Nas deacutecadas posteriores (poacutes-padratildeo

beveridgiano e keynesiano-fordista) ganhou visibilidade poliacutetica e status de modelo

substitutivo do Estado Social no campo da provisatildeo social (poliacuteticas de bem-estar) e passou a

ser referecircncia nas sociedades capitalistas avanccediladas ditas poacutes-industriais Ao final dos anos

1980 obteve adesatildeo dos governos dos paiacuteses da Europa do SulEuropa Mediterracircnea e do

Brasil e foi nesses contextos que o modelo plural foi adotado de forma peculiar

De fato a centralidade da proposta plural ou mista estaacute na ecircnfase dada agrave

competiccedilatildeo privada agrave auto-dependecircncia agrave auto-ajuda agrave ajuda muacutetua e agraves responsabilidades

comunitaacuterias e familiares para justificar a retirada do Estado da provisatildeo social puacuteblica39

Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) reitera-se que no

pluralismo de bem-estar neoliberal advoga-se a transferecircncia de responsabilidades pela

provisatildeo social do setor oficial (Estado) para trecircs setores natildeo-oficiais ndash assim denominados

pelo autor voluntaacuterio (natildeo lucrativo) informal (espontacircneo) e mercantil ou comercial

(lucrativo)40 A identificaccedilatildeo de cada um desses setores com seus respectivo perfis e funccedilotildees

39 Ver estudo criacutetico e propositivo de Norman Johnson (1990) 40 Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) as competecircncias especiacuteficas e a funccedilatildeo social de cada um desses setores continuaraacute sendo objeto de atenccedilatildeo do presente estudo por sua identificaccedilatildeo com o seu objeto de investigaccedilatildeo Este conteuacutedo estaacute referenciado tambeacutem nas anaacutelises de Ian Gough (1979) Mishra (1994) Sarasa (1995 2002) Moreno (2000 2003 e 2004) dentre outros

118

confirma o conteuacutedo da provisatildeo social plural ou mista e a caracteriacutestica baacutesica do

pluralismo de bem-estar jaacute enunciados quais sejam um ideaacuterio que preconiza que a

sociedade e a famiacutelia devem partilhar com o Estado responsabilidades sociais ateacute entatildeo de

natureza puacuteblica em que o Estado era o principal agente regulador das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Daiacute a defesa pelo pluralismo de um agregado de bem-estar constituiacutedo de

instacircncias governamentais e natildeo-governamentais (das mais diversas extraccedilotildees) provedoras e

gestoras de bem-estar com objetivos comuns Neste cenaacuterio de mudanccedilas e de transiccedilatildeo de

padrotildees e paradigmas de proteccedilatildeo social haacute que se atentar para a seguinte advertecircncia de

Mishra (apud PEREIRA 2004) deve-se identificar com os defensores da economia plural

ou mista de bem-estar qual o significado por eles atribuiacutedo aos mecanismos de garantia dos

direitos sociais aos princiacutepios de universalizaccedilatildeo de acesso e de equidade social bem como

agrave distinccedilatildeo feita entre a funccedilatildeo reguladora e subsidiaacuteria do Estado e a funccedilatildeo provedora da

sociedade civil em sua relaccedilatildeo com o Estado porque a seu ver tais distinccedilotildees eou

diferenciaccedilotildees satildeo de caraacuteter substantivo e nunca foram suficientemente explicitadas nos

discursos neoliberais eou sequer constam como conteuacutedo de suas agendas e debates Eacute o que

passaraacute a ser tratado a seguir

42 Setores natildeo-oficiais

421 Setor Informal

Neste setor a assistecircncia caracteriza-se por uma ajuda espontacircnea realizada no

seio da famiacutelia dos grupos de amigos eou de vizinhos Eacute direcionada a pessoas

dependentes que vivem em seus proacuteprios domiciacutelios Trata-se de um apoio primaacuterio

exercido pela via da informalidade No final dos anos 1970 e iniacutecio dos anos 1980

intensificou-se o interesse dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em fortalecer essas redes

assistenciais informais apesar da ausecircncia de estudos e pesquisas avaliativas sobre a

natureza dos contatos estabelecidos entre apoiadores e apoiados sua efetividade e o

desempenho dos atores sociais Tambeacutem natildeo haacute registros sobre a frequumlecircncia e duraccedilatildeo

desses contatos e apoios bem como de sua intensidade e significaccedilatildeo subjetiva mediante

abordagens qualitativa e quantitativa

119

O termo redes de ajuda tem sido utilizado para descrever uma gama de

atividades assistenciais informais e entendida pelos pluralistas como uma via mais

eficiente e vantajosa do que as accedilotildees sociais formais Esse conceito de rede estaacute

relacionado agrave estrutura de relaccedilatildeo entre grupos de atores e intercacircmbios especiacuteficos bem

como aos papeacuteis que esses atores desempenham Assim os pluralistas estimulam as

iniciativas plurais e coletivas pela via informal para que faccedilam frente agrave provisatildeo de bens e

serviccedilos sociais em caraacuteter de substituiccedilatildeo agrave via oficial protagonizada pelo Estado

422 Setor voluntaacuterio

Segundo Johnson (1990) este setor distingue-se do informal por possuir maior

organizaccedilatildeo chegando a contemplar diferentes graus de formalidade De um lado existem

pequenos grupos estruturados formalmente movidos por sentimentos caritativos De outro

haacute grandes fundaccedilotildees eou institutos que atuam com base na noccedilatildeo de responsabilidade

social (filantropia empresarial por exemplo) motivados por interesses econocircmicos ou

poliacuteticos Para o autor diante da heterogeneidade de atores o termo setor voluntaacuterio ainda

mostra-se vago precisando ser melhor explicitado para que esse setor posa assumir um

papel mais preciso no contexto da proposta do pluralismo de bem-estar

A propoacutesito desse setor Johnson (1990) faz uma distinccedilatildeo entre

organizaccedilotildees voluntaacuterias e trabalhadores voluntaacuterios Para ele uma organizaccedilatildeo

voluntaacuteria autodefine-se como uma entidade natildeo-oficial que deve sua existecircncia natildeo a

uma lei parlamentar mas a uma decisatildeo de um grupo de pessoas de reunir-se tendo em

vista efetivar propostas de ajuda-muacutetua eou cooperativas diversas promover e

proteger seus proacuteprios interesses (sindicatos e associaccedilotildees profissionais) promover

causas de interesses comuns e universais (desarmamento nuclear proteccedilatildeo de meio

ambiente) ou administrar serviccedilos sociais destinados a setores particulares da

populaccedilatildeo (idosos portadores de necessidades especiais e outros) Essas organizaccedilotildees

voluntaacuterias satildeo vistas como personalidades juriacutedicas de direito privado Jaacute os

trabalhadores voluntaacuterios satildeo pessoas que em sua maioria natildeo recebem remuneraccedilatildeo

pelo que fazem ainda que possam ser reembolsados pelos gastos particulares que

realizam no exerciacutecio de sua accedilatildeo voluntaacuteria A questatildeo torna-se polecircmica quando se

constata que o termo voluntaacuterio tem sido utilizado tambeacutem para designar os natildeo-

120

profissionais que recebem uma pequena remuneraccedilatildeo por seus serviccedilos ainda que

modesta Estes trabalhadores voluntaacuterios tecircm sido utilizados tanto pelas instituiccedilotildees

oficiais como pelas organizaccedilotildees voluntaacuterias natildeo-oficiais o que caracteriza aleacutem da

desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como poliacutetica puacuteblica a

desprofissionalizaccedilatildeo dessa aacuterea que passa a natildeo mais requerer um conhecimento

cientiacutefico e uma habilitaccedilatildeo especiacutefica com formaccedilatildeo de niacutevel superior

Embora o setor voluntaacuterio seja considerado mais organizado e melhor

estruturado que o setor informal ambos tecircm conforme Johnson (1990) uma caracteriacutestica

em comum que eacute o estabelecimento de relaccedilotildees individuais eou grupais de caraacuteter plural ou

misto e natildeo puacuteblicas entre vaacuterios atores que adotam a via da solidariedade como primeira

estrateacutegia de organizaccedilatildeo social Um outro aspecto a considerar eacute que o voluntariado

pressiona por mudanccedilas nas formas de trabalho criando nova relaccedilatildeo trabalhista entre

organizaccedilotildees voluntaacuterias e assalariados voluntaacuterios eou mal remunerados

Assim muda-se radicalmente a relaccedilatildeo estabelecida entre provedores e

receptores do bem-estar em conformidade com uma poderosa ideologia que fortalece a

criaccedilatildeo de culturas separadas de provisatildeo social E a noccedilatildeo de filantropia organizada

reaparece como contraponto moderno e humanista agrave caridade religiosa

Portanto eacute indiscutiacutevel que na proposta pluralista existem intencionalidades e

limites claros sobre a atuaccedilatildeo dos trecircs setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio e

mercantil A participaccedilatildeo local entre amigos familiares e vizinhos eacute restrita porque natildeo

condiz com o exerciacutecio do poder poliacutetico nos contextos nacional e regional e a

participaccedilatildeo no niacutevel local e informal natildeo assegura distribuiccedilatildeo de renda e de riqueza ou

erradicaccedilatildeo das desigualdades de classe status e poder (1990) que o poder tambeacutem estaacute

presente nas organizaccedilotildees voluntaacuterias e que todo poder tem base classista logo natildeo eacute pela

desburocratizaccedilatildeo que este setor se diferencia do Estado Outro aspecto a destacar eacute que a

participaccedilatildeo dos setores informal voluntaacuterio e mercantil na provisatildeo dos serviccedilos sociais

de forma desarticulada leva agrave dispersatildeo do poder poliacutetico desviando as pessoas da accedilatildeo

social e poliacutetica para um processo de despolitizaccedilatildeo

Assim constata-se a fragilidade e provisoriedade dessas iniciativas voluntaacuterias

resultantes de sua proacutepria contradiccedilatildeo entre o que pretendem ser e o que de fato satildeo uma

organizaccedilatildeo com caracteriacutestica burocraacutetica e nem sempre isenta agrave influecircncia do mercado e

ao controle do Estado Aleacutem disso cabe perguntar quem iraacute garantir os direitos sociais

uma vez que tais direitos comprometem o Estado na realizaccedilatildeo e garantia do bem-estar

121

Nessa discussatildeo vale fazer menccedilatildeo ao chamado terceiro setor o qual se situa na esfera

privada natildeo lucrativa A esta tese interessa desmistificar a centralidade dada a esse setor

como alternativa neoliberal agrave accedilatildeo reguladora e provedora do Estado Segundo Montantildeo

(2002) que faz o descortinamento do que chama de falaacutecias do terceiro setor esse termo

chegou ao Brasil cunhado por intelectuais orgacircnicos neoliberais com forte tendecircncia

regressiva no campo da cidadania Surgiu como um conjunto de ideacuteias e orientaccedilotildees no

contexto do Consenso de Washington (1989)41 para a Ameacuterica LatinaBrasil com ecircnfase ao

princiacutepio da regulaccedilatildeo feita pelo mercado sem a primazia do Estado e nos processos de

flexibilizaccedilatildeo dos mercados (nacionais e internacional) das relaccedilotildees de trabalho (perda de

conquistas trabalhistas) na produccedilatildeo (bens e serviccedilos sociais como mercadorias) e nos

investimentos financeiros (capital especulativo) O termo terceiro setor aparentemente

diferencia-se dos demais setores natildeo-oficiais (JOHNSON 1990 ) por apresentar a

particularidade de ter sido proposto por organismos internacionais (BANCO MUNDIAL

FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) BANCO INTERNACIONAL PARA

RECONSTRUCcedilAtildeO E DESENVOLVIMENTO (BIRD) E BANCO INTERAMERICANO

DE DESENVOLVIMENTO (BID)) e outros Trata-se de uma ideacuteia vinculada agraves dos

ajustes econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal como um instrumento poliacutetico estrateacutegico de

flexibilizaccedilatildeo de criteacuterios puacuteblicos e universais na esfera do Estado e de esvaziamento das

41 Trata-se de um conjunto de propostas de reformas econocircmicas e poliacuteticas elaboradas ao final da deacutecada de 1990 para a Ameacuterica Latina (1989) A literatura especiacutefica informa que desde os anos 1970 o FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) vinha aplicando foacutermulas em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina com o propoacutesito de induzi-los a um ajuste estrutural neoliberal tendo em vista a superaccedilatildeo da crise econocircmica desses paiacuteses derivada de seu endividamento externo Tais propostas de ajuste inicialmente apresentadas pelo Banco Mundial e pelo FMI como de caraacuteter transitoacuterio e emergencial passaram agrave noccedilatildeo de ajuste estrutura (no decorrer dos anos 1990) termo entendido como um conjunto de poliacuteticas e de reformas estruturais que visavam criar condiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de outra modalidade de desenvolvimento econocircmico e social neste continente O conjunto dessas medidas de corte neoliberal originou-se do chamado Plano Baker (1985) que sugeria iniciativas padronizadas a serem tomadas pelos paiacuteses centrais com vistas agrave estabilizaccedilatildeo monetaacuteria e agraves reformas estruturais nos paiacuteses perifeacutericos e do Plano Brady (1990) que privilegiou a ampliaccedilatildeo das importaccedilotildees e a privatizaccedilatildeo das empresas estatais (FIORITAVARES apud BOSCHETTI SALVADOR 2002) Para Anderson (1995 p 19) ldquoeste continente foi testemunha da primeira experiecircncia neoliberal sistemaacutetica do mundordquo considerando que ela ocorreu na Ameacuterica Latina quase dez anos antes da adesatildeo de Ronald Reagan (EUA) e de Margareth Thatcher (Inglaterra) ao ideaacuterio neoliberal que culminou com a derrubada dos pilares do Estado Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial A histoacuteria tem registrado os contrastes e os paradoxos existentes entre a ideologizada e mistificadora retoacuterica neoliberal e os resultados concretos da ortodoxia empregada em suas poliacuteticas macro econocircmicas Em consequumlecircncia tais reformas sugeridas para a Ameacuterica Latina com base no Consenso de Washington (1989) caracterizaram-se muito mais como contra-reformas pois foram orientadas para fins de interesse do grande capital internacional gerando como resultado o aumento das desigualdades sociais e econocircmicas no continente e em particular no Brasil um empobrecimento assustador entre os segmentos pauperizados e da classe meacutedia o esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das instituiccedilotildees democraacuteticas (processo de despolitizaccedilatildeo) acentuado processo de desregulaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos fluxos financeiros aleacutem do encolhimento do Estado Social

122

lutas sociais e trabalhistas Montantildeo (2002) entende o terceiro setor como a versatildeo mais

sofisticada do pluralismo de bem-estar e como um fenocircmeno real do capitalismo neoliberal

ao adotar a estrateacutegia substitutiva (e natildeo complementar) do papel social do Estado No

Brasil por exemplo assistiu-se progressivamente a partir dos anos 1990 o crescimento de

organizaccedilotildees entidades e instituiccedilotildees que apesar da imprecisatildeo conceitual do chamado

terceiro setor recebiam essa denominaccedilatildeo Em sua composiccedilatildeo estatildeo de um lado as

chamadas organizaccedilotildees natildeo-governamentais (ONGs) as organizaccedilotildees sem fins lucrativos

(OSFL) as instituiccedilotildees filantroacutepicas (com certificado do Conselho Nacional de Assistecircncia

Social (CNAS) as chamadas empresas cidadatildes e as fundaccedilotildees empresariais (Fundaccedilatildeo

Bradesco Instituto CIA e outras) que fazem filantropia empresarial e ainda sujeitos

individuais voluntaacuterios ou natildeo42 Por outro lado o terceiro setor envolve (ainda que por

vezes de forma natildeo expliacutecita) um ator que vem se destacando em sua divulgaccedilatildeo e

promoccedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo da grande miacutedia Trata-se da institucionalizaccedilatildeo de

um Estado miacutenimo que com as ONGs contribui para o fortalecimento desse setor em dois

planos a) na esfera legal mediante sua regulamentaccedilatildeo legal43 decretos resoluccedilotildees e

Medidas provoisoacuterias (MPs) e b) na esfera financeira pela transferecircncia de recursos (diretos

e indiretos) do setor puacuteblico para a iniciativa privada mediante o que se convencionou

denominar de forma restrita de parceria puacuteblico-privado Nesse processo a intencionalidade

eacute clara o Estado neoliberal promoveu o terceiro setor para justificar a retirada paulatina de

sua responsabilidade no trato de questotildees de cunho social Assim de um lado haacute

instituiccedilotildeesempresasorganizaccedilotildees que assumem a provisatildeo social e de outro o Estado que

financia com recursos puacuteblicos serviccedilos e accedilotildees sociais ainda que destituiacutedos de criteacuterios

puacuteblicos e universais o que obviamente natildeo visa o combate agrave pobreza Para Montantildeo

(2002) trata-se de um grande equiacutevoco pensar que somente a intencionalidade e a

solidariedade de indiviacuteduos e grupos em relaccedilatildeo aos segmentos sociais subalternizados

transformaratildeo uma sociedade desigual A seu ver essa tese ignora que a classe hegemocircnica

tambeacutem estaacute em constante luta criando mecanismos estrateacutegicos e sutis para manipular ou

impedir os processos de transformaccedilatildeo Da mesma forma tambeacutem eacute ingenuidade poliacutetica

pensar que a retirada do Estado do trato de questotildees de caraacuteter social se daacute por ineficiecircncia

42 Leis que regulamentam o terceiro setor a) Lei nordm 9637 de maio de 1998 (BRASIL1998) que qualifica as organizaccedilotildees de direito privado e 2) Lei nordm 9790 de marccedilo de 1999 (BRASIL 1999) que qualifica as pessoas juriacutedicas de direito privado 43 Para melhor compreensatildeo da relaccedilatildeo Estado instituiccedilatildeo poliacutetica social e direito social ver Lei nordm 874293 (LOAS BRASIL 1993) ndash Artigo 3ordm_ ldquoConsideram-se entidades e organizaccedilotildees de Assistecircncia Social aquelas que prestam sem fins lucrativos atendimento e assessoramento aos beneficiaacuterios abrangidos por esta lei bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitosrdquo

123

eou por razotildees financeiras De fato ocorre no campo estrateacutegico do capital uma clara

intencionalidade de promover uma forte ofensiva contra o trabalho pela reestruturaccedilatildeo

produtiva e reforma do Estado em suas dimensotildees fiscal previdenciaacuteria tributaacuteria e poliacutetica

(ANTUNES apud MONTANtildeO 2002) assim como fortalecer a tendecircncia agrave centralizaccedilatildeo do

capital (exploraccedilatildeo capitalista por capitalistas) Diante de flagrante ldquocriserdquo endecircmica do

capital a estrateacutegia consiste em promover a flexibilizaccedilatildeo no mundo do trabalho diminuindo

os custos de produccedilatildeo para acumular mais capital Essa eacute a questatildeo de fundo para os

neoliberais que buscam assim consolidar a privatizaccedilatildeo interna do Estado brasileiro

Identifica-se tambeacutem com Montantildeo (2002) uma problemaacutetica de crise de

identidade em relaccedilatildeo agraves organizaccedilotildees empresas e entidades que compotildeem o terceiro setor

e indaga-se se este setor natildeo seria um construto idealizado que mais confunde do que

esclarece Como estrateacutegia todas essas organizaccedilotildees satildeo artificialmente equalizadas como

tendo origem privada e finalidade puacuteblica natildeo-lucrativa em uma clara tentativa de

homogeneizaccedilatildeo institucional em que se perde a diferenciaccedilatildeo entre elas No entanto haacute

ausecircncia real de consenso sobre a origem composiccedilatildeo e caracteriacutesticas dessas

organizaccedilotildees O certo eacute que com o apoio de Johnson (1990) pode-se inferir que o terceiro

setor mescla vaacuterios sujeitos setores e projetos com atuaccedilotildees e significados sociais

distintos A denominaccedilatildeo de terceiro setor reuacutene no mesmo espaccedilo organizaccedilotildees com

atividades formais eou informais voluntaacuterias eou comerciais e mercantis entidades de

interesses poliacuteticos e econocircmicos variados cidadatildeos comuns poliacuteticas ligadas ao poder

estatal (EstadoONGs) e ainda coletividades da classe trabalhadora capitalista Enfim

uma mescla de atores e setores distintos na sua natureza e finalidade que nem sempre tecircm

como denominador comum o fato de natildeo serem lucrativas

No debate teoacuterico sobre o terceiro setor Montantildeo (2002 p 62) identifica duas

tendecircncias A primeira jaacute referida eacute de natureza liberal conservadora A segunda que ele

denomina de intenccedilatildeo progressista (poacutes-marxista) defende a noccedilatildeo de sociedade civil

como espaccedilo privilegiado de interaccedilatildeo entre indiviacuteduos grupos associaccedilotildees etc Contudo

ambas as tendecircncias estatildeo afinadas com o projeto de desmonte do Estado keynesiano uma

vez que propotildeem a retraccedilatildeo do Estado e defendem a ideacuteia de deixar correr livre o jogo

social poliacutetico e econocircmico assim como deixaacute-lo aberto aos atores sociais (plurais)

Montantildeo (2002 p 87) ressalta ainda a perspectiva de resignaccedilatildeo conservadora dessa

segunda tendecircncia em relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees operadas pelo capital contribuindo

assim para reafirmar e legitimar o aspecto regressivo da contra reforma do Estado e do

124

novo trato das questotildees de cunho social Essa tendecircncia (poacutes-marxista) percebe o Estado

como inimigo da democracia e da liberdade propondo o protagonismo solidaacuterio e

voluntaacuterio44 da sociedade civil em substituiccedilatildeo agraves lutas sociais Dessa forma sob o enfoque

liberal faz-se uma inversatildeo do papel do Estado e tudo que se configura como natildeo-estatal

(mercado e sociedade civil) passa a ser visto de forma autonomizada e como esfera

privada numa evidente segmentaccedilatildeo da realidade social

Na convencional divisatildeo entre Estado mercado e sociedade o terceiro setor

autodefine-se como parte da sociedade e considera-se como puacuteblico poreacutem privado sem

fins lucrativos ou seja um setor alternativo ou uma aacuterea de intersecccedilatildeo entre Estado e

mercado desempenhando funccedilotildees puacuteblicas a partir de espaccedilos privados Com essa

percepccedilatildeo assinala Montantildeo (2002 p 135) o Estado eacute mantido como esfera

exclusivamente puacuteblica o mercado continua sendo visto como esfera exclusivamente

privada e agrave sociedade cabe como uma esfera intermediaacuteria atender solidariamente agraves

demandas e necessidades sociaiso que evidentemente guarda semelhanccedilas com a

composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar O entendimento do terceiro setor poreacutem torna-se

mais complexo quando natildeo se consegue distinguir o caraacuteter puacuteblico ou privado da origem

da atividade desenvolvida e da finalidade das organizaccedilotildees eou entidades

De acordo com Petras (apud MONTANtildeO 2002 p 141) ldquoo terceiro setor

argumenta a favor de um desenvolvimento baseado na comunidade que se daacute por meio da

auto-ajuda da gestatildeo de micro-empresas e da reciprocidade entre pequenos grupos

resgatando uma tendecircncia nitidamente conservadora proacutepria das formas de exploraccedilatildeo de

matildeo-de-obra do seacuteculo XIX que buscavam superar contradiccedilotildees com medidas

integradorasrdquo Nessa perspectiva natildeo se leva em conta que a esfera da sociedade civil eacute

integrante da totalidade social e portanto abarca atividades classistas de lutas poliacutetico-

econocircmicas de interesses de mercado Com base nesses argumentos percebe-se que a

correlaccedilatildeo de forccedilas e de interesses antagocircnicos existentes no campo da poliacutetica social eacute

descartada nas postulaccedilotildees do terceiro setor e todas essas questotildees remetem agrave ideacuteia de uma

total impossibilidade de reconstruccedilatildeo do Estado Social fundamentado em paracircmetros

privatistas

Para Montantildeo (2002) o terceiro setor

44 Os autores dessa tendecircncia referenciam-se em Bobbio (19911992) Habermas (1987) Rosanvallon (1995) e outros

125

natildeo eacute portanto alternativo ao sistema na verdade o terceiro setor coloca-se como diferente do Estado e da empresa privada poreacutem dentro (e sem questionar os fundamentos) do sistema capitalista (p 156)

Em consequumlecircncia diz o mesmo autor

do processo de desarticulaccedilatildeo da responsabilidade social do Estado processam-se certos deslocamentos de lutas sociais para negociaccedilatildeoparceria45 de direitos a serviccedilos sociais para a atividade voluntaacuteriafilantroacutepica da solidariedade socialcompulsoacuteria para a solidariedade voluntaacuteria do acircmbito puacuteblico para o privado da eacutetica para a moral do universalestruturalpermanente para o localfocalizadofortuito (p 200)

423 Setor mercantil ou comercial (lucrativo)

Nesta categoria satildeo normalmente apresentadas trecircs situaccedilotildees possiacuteveis (uma triacuteplice

categorizaccedilatildeo) em relaccedilatildeo agrave provisatildeo de serviccedilos sociais feita pelos mercados privados Na

primeira tais mercados colocam-se no mesmo plano que o sistema puacuteblico que permanece

sendo o provedor principal Na segunda eles satildeo os principais provedores deixando contudo

um importante papel social ao Estado Na terceira os mercados privados satildeo o principal

provedor deixando ao Estado um papel residual Para Johnson (1990) essa classificaccedilatildeo reduz e

simplifica em vaacuterios sentidos o papel do Estado na medida em que trata somente da provisatildeo

social e ignora a importante funccedilatildeo estatal na regulaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e no financiamento e

repasse de subsiacutedios aos demais provedores sociais Um segundo problema dessa triacuteplice

categorizaccedilatildeo conforme Johnson (1990) eacute a dificuldade de explicitar com precisatildeo a exata

linha divisoacuteria entre as atividades puacuteblicas e privadas A partir do momento em que ambas as

instacircncias se encontram inter-relacionadas mediante a incorporaccedilatildeo das praacuteticas do mercado

privado nos serviccedilos do setor puacuteblico essa diferenciaccedilatildeo se torna complexa Aleacutem disso os

mercados privados podem adotar diversas formas de pagamentos A mais comum eacute o pagamento

direto pelos bens e serviccedilos sociais feito pelos consumidores a exemplo da cobertura de sistemas

de seguros privados de sauacutede previdecircncia habitaccedilatildeo Assim na definiccedilatildeo das competecircncias

sociais dos setores puacuteblico e privado existem vaacuterios fatores desde a comparaccedilatildeo dos custos por

45 Para Montantildeo (2002) a parceria colocada nesses termos fica restrita a um processo de transferecircncia da funccedilatildeo social das atividades e recursos puacuteblicos de uma esfera vista como ineficiente burocraacutetica e centralizadora (Estado) para outra supostamente mais eficiente descentralizada democraacutetica e participativa (terceiro setor) Assim a parceria expressa uma forma encoberta de privatizaccedilatildeo promovendo um divoacutercio entre poliacutetica econocircmica e poliacutetica social Portanto a parceria nesses termos natildeo eacute entendida como um exerciacutecio conjunto de controle social democraacutetico sobre as accedilotildees do Estado

126

setor ateacute o niacutevel puramente ideoloacutegico com percepccedilotildees distintas Ateacute mesmo os argumentos

mais pragmaacuteticos e tecnicistas tecircm um elemento ideoloacutegico o que dificulta a identificaccedilatildeo eou

separaccedilatildeo das competecircncias dos distintos setores

Segundo Johnson (1990) a ecircnfase dada aos recursos destinados ao bem-estar

social tem colocado os temas da eficiecircncia e da eficaacutecia proacuteprios da loacutegica mercadoloacutegica

em primeiro plano em detrimento de uma anaacutelise substantiva da qualidade poliacutetica Assim

aqueles que sustentam que a provisatildeo feita por meio do mercado eacute mais eficiente que a

provisatildeo puacuteblica baseiam-se em trecircs aspectos a saber a) comparaccedilatildeo dos custos inter-

setoriais com vantagens para o mercado b) argumentaccedilotildees favoraacuteveis aos benefiacutecios que

resultam da competecircncia do mercado c) afirmaccedilotildees de que a provisatildeo puacuteblica tem

caracteriacutesticas proacuteprias que por si soacute a tornam ineficiente

Em verdade o que se privilegia nessa perspectiva eacute o processo resultante da

participaccedilatildeo de consumidores de serviccedilos no mercado privado Muitos dos que defendem a

provisatildeo dos serviccedilos de bem-estar pela via do mercado estatildeo conscientes de suas

imperfeiccedilotildees mas contra-argumentam que ateacute mesmo os mercados imperfeitos satildeo

superiores agrave provisatildeo puacuteblica O problema dessa concepccedilatildeo eacute que ao aplicar criteacuterios

privatistas de mercado ao sistema de provisatildeo puacuteblica este uacuteltimo resultaraacute deficiente

porque o sistema puacuteblico por sua natureza tem seus proacuteprios criteacuterios como o

compromisso com a justiccedila social e a adesatildeo aos princiacutepios da universalizaccedilatildeo de acesso e

de inclusatildeo social o que natildeo impede evidentemente que se redefinam as prioridades dos

gastos puacuteblicos quando necessaacuterio Na perspectiva democraacutetica a eficiecircncia consiste

exatamente na capacidade de promover a maximizaccedilatildeo dos benefiacutecios e serviccedilos sociais

para o atendimento das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo (e natildeo agraves demandas eou

preferecircncias de mercado) por meio de competente redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos

com equidade e justiccedila social seguindo quando possiacutevel o princiacutepio da minimizaccedilatildeo dos

custos desses serviccedilos

Essa concepccedilatildeo evidentemente choca-se com criteacuterios distributivos do mercado

que responde exclusivamente agraves preferecircncias e desejos individuais e condicionam essa resposta agrave

capacidade daqueles que podem pagar pelos serviccedilos que procuram Para atender a essa vocaccedilatildeo

os defensores do mercado equiparam o conceito de liberdade de mercado ao de liberdade social e

poliacutetica Ocorre que a liberdade social e poliacutetica requer a criaccedilatildeo pelo Estado de condiccedilotildees

baacutesicas para o seu exerciacutecio e natildeo ao mercado como querem neoliberais e conservadores para

quem a liberdade econocircmica eacute um requisito essencial para a liberdade poliacutetica Em vista disso

127

pergunta-se fazendo coro com Johnson (1990) se a liberdade individual do cidadatildeo depende da

sua capacidade de participar no mercado o que ocorreraacute entatildeo com os que estatildeo excluiacutedos desse

mercado por falta de trabalho e de recursos Neste caso a falta de liberdade poliacutetica eacute maior ateacute

que a ausecircncia de intervenccedilatildeo estatal porque significa tambeacutem ausecircncia de serviccedilos e benefiacutecios

essenciais e de atendimento agraves necessidades humanas baacutesicas Este atendimento constitui

princiacutepio redistributivo essencial a ser adotado por poliacuteticas puacuteblicas A redistribuiccedilatildeo de acordo

com as necessidades sociais tem como resultado um maior grau de igualdade social produzindo

certamente maior grau de bemndashestar Em contrapartida um sistema puramente privado de

mercado certamente teraacute como resultado um maior grau de desigualdade social e os pobres satildeo

os maiores perdedores por natildeo terem recursos proacuteprios para autofinanciar sua provisatildeo social

Por essa razacirco os defensores do mercado pregam a substituiccedilatildeo da distribuiccedilatildeo dos serviccedilos em

espeacutecie pela distribuiccedilatildeo de renda a ser aplicada no mercado privado Contudo suas propostas

em relaccedilatildeo agrave redistribuiccedilatildeo de renda como forma mais indicada de prestaccedilatildeo de bem-estar

revelam-se ambivalentes pois o sistema de mercado depende de contribuiccedilotildees desiguais e natildeo

leva em conta as causas dessa desigualdade e os custos sociais que surgem dos intercacircmbios

tecnoloacutegicos industriais e econocircmicos pela via da privatizaccedilatildeo e natildeo eacute tambeacutem levado em

conta como esses custos sociais recaem de forma pesada sobre os pobres e assalariados

Entretanto em que pesem todas essas consideraccedilotildees eacute crescente nos uacuteltimos

anos o papel do setor comercialmercantil com a exigecircncia de o consumidor participar

diretamente dos custos dos serviccedilos sociais pagando uma parcela dos mesmos com

aumentos proporcionais agrave carga tributaacuteria estipulada pelos governos Segundo Johnson

(1990) esses percentuais sobre serviccedilos tecircm vaacuterias funccedilotildees dentre as quais se destacam a

introduccedilatildeo dos princiacutepios do mercado nos serviccedilos puacuteblicos a reduccedilatildeo dos subsiacutedios estatais

e a difusatildeo da ideacuteia de que a provisatildeo privada eacute relativamente mais atrativa Como

consequumlecircncia recentes estudos concluiacuteram que a participaccedilatildeo dos consumidores de serviccedilos

puacuteblicos nos custos sociais reduziu a demanda por esses serviccedilos fazendo que o setor

puacuteblico se transformasse em um setor residual de bem-estar uma vez que o Estado passou a

se ocupar somente das famiacutelias com necessidades especiais eou de programas sociais

focalizados na pobreza absoluta Evidentemente essa estrateacutegia neoliberal reforccedilou a

terceirizaccedilatildeo e a privatizaccedilatildeo desses serviccedilos fundamentados em um contrato social que

exige contrapartida financeira de todos os cidadatildeos incluindo os mais pobres

Ainda com base em Johnson (1990) entende-se que esse tema envolve tambeacutem

uma questatildeo eacutetico-poliacutetica a saber eacute justa utilizaccedilatildeo de fundos puacuteblicos para apoiar

128

empresas privadas comerciais Nesta questatildeo o que estaacute em jogo eacute a redistribuiccedilatildeo dos

recursos puacuteblicos abrangendo desde o contribuinte ateacute os que oferecem benefiacutecios e serviccedilos

sociais e natildeo simplesmente a discussatildeo a respeito de quem deve prover os serviccedilos de bem-

estar Nessa discussatildeo merecem atenccedilatildeo questotildees referentes agrave forma de financiamento de

um serviccedilo ao grau em que o Estado subsidia a provisatildeo ao balanccedilo entre o financiamento

puacuteblico e o privado e ainda agrave regulaccedilatildeo da quantidade qualidade e o preccedilo dos serviccedilos Os

defensores mais ortodoxos do livre mercado apoiam a substituiccedilatildeo da provisatildeo social estatal

pela privada a reduccedilatildeo do financiamento oficial de serviccedilos sociais ao miacutenimo absoluto e ao

desaparecimento de todas as formas de regulaccedilatildeo estatal que natildeo forem iacutenfimas Ocorre

entretanto que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e certamente natildeo faraacute distribuiccedilotildees justas

o que tem induzido os pluralistas de bem-estar que reconhecem no mercado uma fonte

importante de satisfaccedilatildeo de necessidades a reconhecerem suas limitaccedilotildees o seu potencial de

exploraccedilatildeo e por conseguinte a apoiar a ideacuteia de que o Estado deva continuar a ter um

papel regulador por miacutenimo que seja Constata-se nessa posiccedilatildeo estrateacutegica dos pluralistas

uma tentativa de escamotear a tendecircncia de mercantilizaccedilatildeo de tudo o que eacute puacuteblico o que

justifica os cortes nos gastos sociais ajustes fiscais privatizaccedilotildees e outras medidas de

caraacuteter privatista Uma outra questatildeo levantada por Johnson (1990) eacute que para os pluralistas

os mercados privados podem vir a se constituir em ameaccedila para as organizaccedilotildees voluntaacuterias

dada a absorccedilatildeo direta destas organizaccedilotildees voluntaacuterias por esses mercados eou o desvio dos

fundos puacuteblicos para fins estritamente lucrativos contrapondo-se aos valores de altruiacutesmo e

serviccedilo que fundamentam a accedilatildeo caritativa espontacircnea

Por fim ao encerrar a apresentaccedilatildeo dos setores que compotildeem o pluralismo de

bem-estar vale referir que a ousadia do mundo contemporacircneo orientado pelo ideaacuterio

neoliberal torna-se ainda maior quando se percebe que o que estaacute sendo negado eou

ocultado eacute a histoacuteria em sua dimensatildeo totalizadora e como possibilidade concreta de

explicaccedilatildeo da realidade social em seu conjunto Os postulados da poacutes-modernidade que

tambeacutem se expressam na ideacuteia de pluralidade de bem-estar fundamentam-se em um real

multifacetado e mistificado para encobrir e natildeo expressar as contradiccedilotildees e paradoxos

presentes nesses processos O pluralismo de bem-estar apresenta-se assim como uma

categoria esvaziada de significaccedilotildees histoacutericas culturais e poliacuteticas e o desafio maior dos

que natildeo o aceitam onsiste em desmontar e desmistificar o que natildeo eacute explicitado e

combinar modalidades de organizaccedilatildeo e de mediaccedilotildees poliacuteticas capazes de fortalecer a

democracia e a cidadania recuperando a perspectiva de direitos universais

129

43 Assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um retorno

ao conservadorismo

Dada a importacircncia atribuiacuteda agrave famiacutelia e agraves suas relaccedilotildees primaacuterias nos

esquemas de provisatildeo social plural haacute que se dar destaque a essa agecircncia informal de bem-

estar tal como vem fazendo uma ampla literatura internacional Contudo concordando com

Johnson (1990) deve-se reconhecer que haacute atualmente uma grande variedade de famiacutelia

pois estaacute desaparecendo o modelo nuclear como caracteriacutestica baacutesica (adultos casados com

filhos dependentes) Evidecircncias histoacutericas mostram que atualmente a caracteriacutestica

definidora da famiacutelia eacute sua variabilidade

Mesmo assim estudos empiacutericos tecircm revelado o importante papel que vem

sendo atribuiacutedo agrave famiacutelia como fonte de assistecircncia em particular aos anciatildeos enfermos e

portadores de necessidades especiais pois o sistema de apoio muacutetuo eou reciacuteproco no

ambiente familiar ainda eacute bastante significativo Johnson (1990) cita os resultados do

estudo coordenado por Shamas ao afirmar que contrariando os supostos correntes sobre as

mudanccedilas no espaccedilo da famiacutelia e a desintegraccedilatildeo das relaccedilotildees familiares entre as geraccedilotildees

nas sociedades modernas avanccediladas tais mudanccedilas natildeo tecircm sido empiricamente

comprovadas O estudo de Shamas (apud JOHNSON 1990) demonstra que as geraccedilotildees

contemporacircneas mesmo que prefiram viver separadas do nuacutecleo familiar baacutesico ainda

buscam a chamada intimidade a distacircncia mantendo contatos e intercacircmbios constantes

Em decorrecircncia tem havido um interesse crescente na distribuiccedilatildeo de responsabilidade

assistenciais primaacuterias no seio das famiacutelias

Outra conclusatildeo de Shamas (apud JOHNSON 1990) eacute que a assistecircncia

familiar vem sendo preponderantemente ministrada pelas mulheres que passaram a ter uma

dupla atuaccedilatildeo tanto no campo da assistecircncia comunitaacuteria quanto na esfera da assistecircncia

familiar Nesta as esposas cuidam dos seus maridos as matildees de seus filhos e as filhas de

seus pais idosos eou enfermos e de seus irmatildeos incapacitados Eacute crescente tambeacutem a

assistecircncia comunitaacuteria praticada por vizinhas ou voluntaacuterias como atividade informal

Tais investigaccedilotildees demonstram que tem sido mantido o suposto tradicional de que o foco

primaacuterio da atuaccedilatildeo do homem eacute no mercado de trabalho e de atuaccedilatildeo da mulher ainda

que inserida no mercado de trabalho eacute a casa e a famiacutelia

A provisatildeo social familiar eacute colocada em primeiro lugar nos esquemas

informais de solidariedade por apresentar uma base mais forte de vinculaccedilatildeo afetiva Trata-

130

se de assistecircncia de maior confianccedila credibilidade qualidade e que oferece perspectivas

de continuidade Eacute esse conjunto de atividades que tem possibilidade de manter vivo o

setor informal da assistecircncia especialmente quando o Estado natildeo eacute mais o protagonista do

bem-estar A assistecircncia familiar distingue-se em particular por seus agentes sociais que

satildeo pessoas comuns e pelo cenaacuterio aberto e espontacircneo em que eacute produzida

Outra praacutetica dominante observada nos uacuteltimos anos no campo da assistecircncia

social tem sido a reduccedilatildeo do nuacutemero de pessoas residentes em instituiccedilotildees que passam a

serem atendidas no seio de suas famiacutelias ou domiciacutelios Muitos governos aderiram a essa

tendecircncia menos por princiacutepios humanitaacuterios e mais para contribuir com o propoacutesito

dominante de reduccedilatildeo do papel do Estado e de economizar recursos puacuteblicos (Informe da

Comunidade Europeacuteia em 1981 apud JOHNSON 1990) Trata-se neste caso de um

processo denominado de desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social geralmente sob o

argumento de que a institucionalizaccedilatildeo assistencial contrasta com a assistecircncia familiar e

comunitaacuteria em virtude de vaacuterios fatores tais como ruptura com o ambiente familiar e

com as relaccedilotildees interpessoais perda de autonomia de decisatildeo para determinar a proacutepria

rotina rigidez dos regimentos internos humilhaccedilatildeo nos procedimentos de admissatildeo aleacutem

de deterioraccedilatildeo e decadecircncia fiacutesica dos sistemas asilares dentre outros Diante desse

diagnoacutestico Johnson (1990) afirma que governos profissionais acadecircmicos e

administradores passaram a defender a desinstitucionalizaccedilatildeo ainda que a retoacuterica natildeo

tenha sido seguida pela accedilatildeo concreta eou ter sido facilitada pela transferecircncia de recursos

Essa tem sido uma das criacuteticas feitas agrave proposta de transferecircncia de pacientes das

instituiccedilotildees sociais agrave comunidade considerada ainda bastante irregular e insuficiente pois

muitos natildeo tecircm famiacutelia para acolhecirc-los ou se as tecircm os familiares natildeo estatildeo dispostos ou

natildeo sacirco capazes de prestar-lhes a assistecircncia adequada

44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de praacuteticas

tuteladoras e assistencialistas

Como foi informado a assistecircncia voluntaacuteria e a informal tambeacutem tecircm

recebido muita atenccedilatildeo pela corrente do pluralismo de bem-estar mas eacute bom que se diga

que a recente ideacuteia de assistecircncia comunitaacuteria natildeo procedeu do Estado nem tampouco de

setores comerciais ou mercantis Trata-se de uma forma de ajuda cotidiana natildeo-oficial que

131

responde por uma ampla gama de atividades sem fins lucrativos surgida mesmo no seio da

sociedade com o aval do Estado O conceito de rede assistencial na opiniatildeo de Johnson

(1990) tem a ver com a estrutura de relaccedilatildeo estabelecida entre os seus atores com papeacuteis e

intercacircmbios especiacuteficos

No setor informal a ecircnfase eacute dada agrave competecircncia privada sob a responsabilidade

de vaacuterios atores em particular da famiacutelia e dentro desta da mulher Conforme pesquisas

empiacutericas os registros da participaccedilatildeo do setor informal estatildeo mais focalizados nos tipos na

frequumlecircncia e na duraccedilatildeo dos contatos entre os atores sociais O desafio diz Johnson (1990)

consiste em construir uma unidade de medida que leve em conta tambeacutem a intensidade desses

contatos e sua significaccedilatildeo subjetiva via abordagem qualitativa

Com base nessas consideraccedilotildees percebe-se que a assistecircncia comunitaacuteria

conforme a visatildeo plural acaba sendo uma assistecircncia familiar articulada em rede primaacuteria

prestada a idosos crianccedilas e portadores de necessidades especiais (ou portadores de

deficiecircncia mental fiacutesica auditiva eou visual) Para Abrahamson (apud JOHNSON 1990

) poreacutem a espontaneidade que move a accedilatildeo desses atores natildeo eacute suficiente para caracterizar

essa assistecircncia comunitaacuteria pois a seu ver ela natildeo tem conotaccedilatildeo altruiacutesta Pelo

contraacuterio a assistecircncia comunitaacuteria nas sociedades industriais modernas eacute volaacutetil e por

isso pouco confiaacutevel o que leva Abrahamson a usar o termo reciprocidade para definir o

que denomina de assistecircncia pela comunidade e natildeo-comunitaacuteria A assistecircncia pela

comunidade efetiva-se porque invariavelmente estaacute ligada a percepccedilotildees de vantagens

reciacuteprocas a curto ou a longo prazos uns ajudam os outros Walker (apud JOHNSON

1990) adota um conceito menos ceacutetico ainda que limitado Trata-se do que ele denomina

de assistecircncia na comunidade a qual se efetiva quando eacute proporcionada informalmente

pelas redes familiares de vizinhos amigos ou voluntaacuterios ou ainda formalmente pelos

serviccedilos sociais puacuteblicos O campo das definiccedilotildees de assistecircncia comunitaacuteria segundo

Johnson (1990 p 100) tem sido ampliado em decorrecircncia do interesse demonstrado pelas

redes assistenciais de ajuda informal e tambeacutem por um maior reconhecimento e

importacircncia dada agrave assistecircncia voluntaacuteria Estudos acadecircmicos indicam como tendecircncia a

possibilidade de ocorrerem distintas estrateacutegias assistenciais conforme distintos grupos

eacutetnicos ou classes sociais

Johnson (1990 p 103) ressalta ainda que caso se pretenda uma assistecircncia

comunitaacuteria exitosa eacute preciso elaborar um plano cuidadoso pois uma ampla gama de

serviccedilos comunitaacuterios natildeo vai custar certamente menos que a assistecircncia oficial e

132

institucionalizada Por isso argumenta que se assistecircncia comunitaacuteria informal significa

promover uma assistecircncia inadequada transferindo o dever do Estado agraves famiacutelias eou

privatizando as financcedilas entatildeo se trata tatildeo e uacutenicamente de uma atenccedilatildeo aos interesses

econocircmicos Esta modalidade de assistecircncia estaacute baseada quase sempre natildeo na comunidade

no sentido territorial do termo mas na famiacutelia (parental) na raccedila ou na religiatildeo

Portanto tais estudos satildeo reveladores de quanto a visatildeo pluralista de bem-estar

neoliberal se distanciou da ideacuteia original de pluralismo de bem-estar puacuteblico e universal

discutida no campo da poliacutetica de assistecircncia social apoacutes 1945 natildeo tendo qualquer

semelhanccedila eou qualquer significado comum A transferecircncia das accedilotildees assistenciais para

o acircmbito da sociedade nessa perspectiva tem expressado sobretudo a transferecircncia natildeo

soacute do protagonismo do Estado mas sobretudo do compromisso eacutetico e do dever puacuteblico

para o setor privado

45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da

provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria

A divisatildeo de tarefas assistenciais no interior das famiacutelias tem sido apontada

como uma tendecircncia geral dominante como confirma um estudo da Comissatildeo de

Igualdade de Oportunidades realizado em ManchesterGratilde Bretanha em 1982 (apud

JOHNSON 1990 p 106) ldquoa partir do momento em que as atitudes e as praacuteticas dentro da

sociedade continuam colocando sobre as mulheres as responsabilidades primaacuterias para as

funccedilotildees assistenciais a maioria das cuidadoras satildeo mulheresrdquo Este estudo indica ainda

que a maioria das mulheres seratildeo em algum momento de suas vidas cuidadoras em face

das demandas familiares e da tendecircncia de transferecircncia de responsabilidades do Estado

para o setor informal Espera-se que a mulher abandone ou reorganize o tempo de seu

trabalho para cuidar de si mesma eou dos membros da famiacutelia quando eles requerem

atenccedilatildeo especial eou constante Ela ateacute mesmo recebe pressatildeo da sociedade para exercer a

funccedilatildeo de cuidadora assistencial natildeo se esperando que os homens assumam esse papel de

forma reciacuteproca nem para si e muito menos para os familiares

A revisatildeo da literatura especiacutefica realizada por vaacuterios autores46 sobre a

assistecircncia comunitaacuteria informal nas sociedades modernas avanccediladas sustenta que as

46 Ver Parker (1985)Charlesworth (1984) Gilbert (1983) e Thompson (1985) (apud Johnson 1990 p 106-108)

133

mulheres continuam arcando com o ocircnus e a maior parte das responsabilidades

assistenciais com um gasto de tempo diaacuterio nas atividades de provisatildeo bastante

significativo e com os custos dessa assistecircncia Essa tendecircncia que estaacute sendo denominada

de feminizaccedilatildeo da assistecircncia comunitaacuteriafamiliar estaacute presente natildeo soacute nos paiacuteses

avanccedilados da Comunidade Europeacuteia e nos Estados Unidos da Ameacuterica mas jaacute se estendeu

a outras sociedades industrializadas incluindo a Ameacuterica Latina e o Brasil

Gilbert (apud JOHNSON 1990) sustenta que nos EUA em um futuro

previsiacutevel como no passado todas as cargas da assistecircncia familiar estaratildeo nas matildeos das

mulheres Essa tendecircncia confirma-se tambeacutem na Sueacutecia paiacutes em que 80 das mulheres

trabalham fora de casa e existe uma maior igualdade entre os sexos e as mulheres

continuam sendo as fontes principais da assistecircncia familiar e comunitaacuteria Em vista disso

conforme Johnson (1990) eacute difiacutecil prever o impacto causado pela atividade familiar no

acircmbito da sauacutede tanto sobre os que a exercem como sobre quem a recebe A assistecircncia

familiar eacute um trabalho penoso e constante que se daacute durante o dia e tambeacutem agrave noite

especialmente quando voltado para anciotildees e enfermos O esforccedilo fiacutesico contiacutenuo e o sono

interrompido geram desgastes fiacutesicos mentais e emocionais ocasionando na maioria das

vezes problemas seacuterios de sauacutede nas cuidadoras As categorias mais simples desses

problemas e que tecircm maior amplitude entre as mencionadas nos estudos satildeo a depressatildeo e

a ansiedade atribuiacutedas ao estresse contiacutenuo e prolongado Dentre os aspectos negativos

avaliados como responsaacuteveis pelas causas das tensotildees existentes nas famiacutelias que assumem

o ocircnus de algum cuidado especial relativo agrave sauacutede de um de seus membros e que recaem

sobre a mulher destacam-se a) discussotildees intermediadas pela mulher como advogada da

paz b) perda de privacidade de todos os membros da famiacutelia (mulher marido e filhos) c)

deterioraccedilatildeo das relaccedilotildees conjugais (marido e mulher) d) monopoacutelio do parente idoso eou

dos filhos Ainda haacute outras circunstacircncias decorrentes como o aumento de gastos extras o

confinamento em casa que leva ao isolamento social a ausecircncia de alternacircncia entre os

familiares de ajuda agrave mulher e sobretudo o total comprometimento de seu tempo de oacutecio

e lazer Uma outra desvantagem apontada pelas mulheres pesquisadas que se ocupam da

assistecircncia familiar tem sido a dificuldade para encontrar trabalho em tempo integral e ateacute

mesmo parcial e ainda com horaacuterio que seja adequado agrave rotina de quem eacute cuidadora

familiar o que por si soacute coloca a cuidadora em desvantagem em relaccedilatildeo aos colegas de

trabalho e ainda em situaccedilatildeo vulneraacutevel a uma provaacutevel reduccedilatildeo do salaacuterio e de falta de

perspectivas de ascensatildeo funcional De novo as conflituosas demandas da assistecircncia

134

familiar penalizam as mulheres Estudos apontam ademais que muitas acabam

abandonando o trabalho ou optam pelas desvantagens de um tempo parcial diante do

desafio de tentar combinar o trabalho remunerado fora de casa com a assistecircncia familiar

O ciacuterculo vicioso entatildeo se forma ou seja como consequumlecircncia imediata de

qualquer uma das opccedilotildees mencionadas acima ocorre a reduccedilatildeo do orccedilamento familiar o

que vai afetar a todos e reduzir substancialmente a qualidade da assistecircncia prestada pela

impossibilidade de a famiacutelia arcar com os gastos extras necessaacuterios

A seguir a tabela 1 demonstra o percentual de trabalhadoras femininas na faixa

etaacuteria de 15 a 64 anos em toda a Uniatildeo Europeacuteia (UE) no periacuteodo de 1960 a 1995 Os

regimes analisados satildeo anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo (Europa do Sul)

Apesar de os nuacutemeros indicarem um aumento progressivo no periacuteodo analisado a

porcentagem de trabalhadoras da Europa do Sul ainda eacute baixa quando comparada agraves demais

regiotildees mostrando que as mulheres ainda relutam em conciliar as atribuiccedilotildees domeacutesticas

com o trabalho fora de casa A literatura especializada (JOHNSON 1990 ESPING-

ANDERSEN 2004 USSEL 2001) atribui como causa dessa particularidade dos paiacuteses da

Europa do Sul especialmente em relaccedilatildeo agrave Espanha a questatildeo cultural Trata-se de culturas

extremamente conservadoras e arraigadas aos valores tradicionais da famiacutelia e nelas agraves

claras definiccedilotildees em relaccedilatildeo aos distintos papeacuteis do homem e da mulher Em que pesem as

mudanccedilas recentes ocorridas nessas sociedades em relaccedilatildeo ao papel das novas geraccedilotildees

ainda prevalece a ideacuteia de que ao homem compete ser o chefe de famiacutelia e agrave mulher o papel

de dona de casa eou de cuidadora social ateacute mesmo em substituiccedilatildeo ao papel do Estado na

aacuterea de assistecircncia social pela ausecircncia de uma efetiva poliacutetica familiar

Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de 15-64

anos na Uniatildeo Europeacuteia (EU)_ 1960-1995

Regimes 1960 1974 1995 (1960-1995)

Anglo-Saxatildeo

461

543

660

+199

Continental 421 449 592 +171

Noacuterdico

489 609 725 +236

Mediterracircneo 316 376 490 +174

Fonte OECD-(1997 p 41 apud MORENO 2000 quadro 22)

Johnson (1990) afirma que no terreno conflituoso de demandas por assistecircncia

comunitaacuteria familiar os defensores do pluralismo de bem-estar apoiam-se intensamente no

trabalho natildeo-pago das mulheres natildeo apenas na famiacutelia mas tambeacutem no espaccedilo das organizaccedilotildees

135

voluntaacuterias Em vista disso o setor voluntaacuterio tornou-se tambeacutem um amplo campo para a

participaccedilatildeo feminina a exemplo do setor informal Soma-se a essa tendecircncia a natildeo-

profissionalizaccedilatildeo e a despolitizaccedilatildeo de um nuacutemero significativo de mulheres que liberadas pelos

filhos (jaacute adultos) das atribuiccedilotildees maternas e domeacutesticas aderiram ao trabalho voluntaacuterio

dedicando a ele grande parte de seu tempo Contudo Johnson (1990) argumenta que o setor

informal eacute o que proporciona atualmente a maior assistecircncia comunitaacuteria em relaccedilatildeo a todos os

outros setores juntos (serviccedilos puacuteblicos setor comercial ou mercantil voluntaacuterio e outros)

Percebe-se assim que o aprofundamento do debate sobre o impacto e as

tendecircncias em curso no campo da poliacutetica comunitaacuteria familiar no contexto do pluralismo

de bem-estar informal remete e inclui necessariamente aleacutem da questatildeo da ausecircncia de

centralidade do Estado o debate sobre os direitos das mulheres (a creches ao trabalho

remunerado ao lazer etc) Uma outra questatildeo consiste em avaliar e identificar as

diferentes vias de inter-relaccedilatildeo entre a assistecircncia formal e assistecircncia informal em uma

perspectiva de reciprocidade e complementaridade No limite isso equivale articular a

ajuda informal com as prioridades e os recursos (materiais humanos e financeiros) dos

serviccedilos puacuteblicos formais mediante o incremento de poliacuteticas sociais puacuteblicas executadas

pelo Estado e natildeo como um bem social exclusivo e restrito agrave sociedade via assistecircncia

informal comunitaacuteria Essa perspectiva certamente natildeo contempla a dimensatildeo puacuteblica e

universalizadora e sim a informalidade e a feminizaccedilatildeo da provisatildeo social em nome de

uma suposta solidariedade que natildeo produz cidadania social

Os estudos de Anttonen e Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) tratam dos

futuros alternativos ao bem-estar e afirmam que tatildeo importante quanto a igualdade de

oportunidades e de condiccedilotildees eacute a igualdade de gecircnero o que remete agrave questatildeo das diferenccedilas

sexuais entre homens e mulheres Essas autoras preocupam-se em aprofundar teoricamente

essas questotildees para identificar as opccedilotildees que as mulheres tecircm para ficar fora dessas

responsabilidades soacutecio-familiares comparando-as com o quadro atual de provisatildeo social

estatal Em seu estudo sobre o pluralismo de bem-estar e sobre o que denomina de bem-estar

amigavelmente feminino modelo desenvolvido na Sueacutecia elas fazem uma anaacutelise comparada

desses dois modelos de bem-estar com ecircnfase agrave investigaccedilatildeo sobre o poder poliacutetico presente

nessas duas racionalidades Ao privilegiar as relaccedilotildees de gecircnero (1995 p 3) as autoras

analisam o impacto desses aspectos no desenvolvimento do Estado de Bem-estar Em 1991

percebendo a influecircncia do pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal Antonnen y

Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) dirigiram o foco de suas investigaccedilotildees para as

136

diferentes maneiras de produccedilatildeo de cuidados existentes O quadro 6 apresenta uma

heterogecircnea classificaccedilatildeo elaborada por essas autoras que inclui oito formas de produccedilatildeo

de cuidados quais sejam voluntaacuteria comercial mercado cinzento seguro social puacuteblico

marginal puacuteblico universal pagamento pelos cuidados e a familista contrastando-as com

as figuras do financiador final do prestador de cuidados do produtor e da forma de

financiamento

Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados

Formas de produccedilatildeo de cuidado

Financiador final

Forma de financiamento Produtor Prestador

dos cuidados

Voluntaacuteria Filantropos Doaccedilatildeo Organizaccedilatildeo voluntaacuteria

Voluntaacuterio

Comercial Pessoa de classe alta Pagamento integral Empresa Trabalhadores empregados

Mercado cinza Pessoas de classe meacutedia

Dinheiro em espeacutecie Famiacutelia Trabalhadores pagos

Seguro social Segurados Precircmio Organizaccedilatildeo contratada

Trabalhadores empregados

Puacuteblico marginal Pagadores de impostos

Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados

Puacuteblico universal Pagadores de impostos

Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados

Pagamento pelos cuidados

Pagadores de impostos

Imposto Famiacutelia Famiacutelias semipagas

Familista

Famiacutelia

Trabalho

Famiacutelia

Membros natildeo-pagos

Fonte Anttonen Sipilatilde ( apud ABRAHANSON 1995)

Ao selecionarem as oito formas de se produzir cuidados Antonnen e Sipilatilde

(apud ABRAHANSON 1995) resgatam dados interessantes da variedade de situaccedilotildees

remuneradas e natildeo remuneradas existentes no campo dos cuidados assistenciais Em

relaccedilatildeo agrave uacuteltima coluna o estudo das autoras evidencia como o campo de prestaccedilatildeo de

cuidados na perspectiva neoliberal eacute difuso e heterogecircneo (vaacuterios atores e setores) pois

respondem por essa atribuiccedilatildeo tanto os segmentos voluntaacuterios como trabalhadores

empregados trabalhadores pagos famiacutelias semipagas e ainda membros natildeo-pagos o que

dificulta ainda mais a identificaccedilatildeo dessa modalidade de bem-estar bem como o perfil do

prestador de cuidados na perspectiva de gecircnero e dos sujeitos e processos

Diversificadas tambeacutem satildeo as formas de financiamento uma vez que ocorrem

tanto na forma de doaccedilotildees como de pagamento integral dinheiro em espeacutecie imposto e

trabalho podendo ser o produtor de cuidados uma organizaccedilatildeo voluntaacuteria ou uma

empresa a famiacutelia (familismo) a organizaccedilatildeo contratada ou ateacute mesmo a autoridade

137

local Eacute curioso que na forma de produccedilatildeo de cuidados denominada familista em que o

produtor de cuidados eacute a proacutepria famiacutelia a forma de financiamento se daacute mediante o

trabalho nacirco-pago de seus membros e o financiador final eacute tambeacutem a proacutepria famiacutelia que

exime o Estado desse ocircnus

Em siacutentese nessa perspectiva a centralidade da famiacutelia ganha materialidade

pois essa instacircncia cria a forma de financiamento (trabalho) e produz o cuidado ao mesmo

tempo em que o financia

SEGUNDA PARTE

CAPIacuteTULO V

MODELO LATINO

51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino

Para analisar e qualificar o modelo latino desenvolvido pelos paiacuteses do Sul da

Europa eacute preciso antes contextualizaacute-lo no acircmbito da tipologia que o contempla dentre

as vaacuterias existentes Trata-se da classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) que seguindo o

exemplo de vaacuterios estudiosos da poliacutetica social com base nos trabalhos de Wilenski e

Lebraux (1965) Titmuss (1974) Korpi e Esping-Andersen (1984) dentre outros apresenta

particularidades que necessitam ser conhecidas visto que contemplam referecircncias regionais

excluiacutedas nas demais tipologias se bem que ainda restritas aos chamados paiacuteses do

primeiro mundo Aleacutem disso a tipologia de Abrahamson (1995) apresenta aspectos

pertinentes a esta tese ao incluir o Sul da Europa e qualificaacute-lo como modelo latino e ao

tratar da assistecircncia social na perspectiva do pluralismo de bem-estar

A primeira tipologia de Estado de Bem-estar surgiu nos anos 1960 e foi elaborada

por Wilenski e Lebraux em 1965 (apud JOHNSON 1990) Distinguiu-se por fundamentar-se

em duas categorias apenas a residual e a institucional Essa classificaccedilatildeo foi feita na Europa

apoiada em estatiacutesticas referentes aos paiacuteses desenvolvidos elaboradas por organismos

internacionais tais como OCDE OIT UE e ONU Sua base de comparaccedilatildeo reside na relaccedilatildeo

entre o montante do gasto social ou de seu ritmo de empenho e o grau de desenvolvimento

econocircmico dos paiacuteses contemplados e a estrutura etaacuteria de sua populaccedilatildeo A perspectiva analiacutetica

dessa classificaccedilatildeo eacute predominantemente econocircmica e o principal fator explicativo do

desenvolvimento da poliacutetica social eacute a industrializaccedilatildeo tanto que os autores ficaram famosos por

sustentar a ideacuteia haacute muito rejeitada de que o gasto social eacute o principal indicador de poliacuteticas

sociais adiantadas ou atrasadas Aliada a essa ideacuteia a industrializaccedilatildeo passou a ser vista como o

principal fator de desenvolvimento e crescimento econocircmico e de evoluccedilatildeo da poliacutetica social

Vinculou-se entatildeo diretamente o desenvolvimento da poliacutetica social agrave loacutegica da industrializaccedilatildeo

e agraves transformaccedilotildees sociais por esta engendradas isso porque a industrializaccedilatildeo estaacute associada a

um crescente processo de urbanizaccedilatildeo e de destruiccedilatildeo das redes tradicionais de proteccedilatildeo social agrave

medida que o desenvolvimento da economia de mercado passou a predominar A ecircnfase agrave

140

industrializaccedilatildeo como um processo irreversiacutevel o qual mais cedo ou mais tarde todos os paiacuteses

experimentariam constitiu o alicerce da teoria da convergecircncia da qual os autores

compartilhavam Por essa teoria a loacutegica da industrializaccedilatildeo movida por imperativos

tecnoloacutegicos levaria ao estabelecimento de mecanismos de proteccedilatildeo social e de poliacuteticas

educativas crescentemente similares o que conduziu agrave crenccedila prevalecente ateacute os finais dos

anos 1970 no fim das ideologias e da luta de classes bem como da lealdade das massas47 com o

concurso das poliacuteticas sociais

Uma vez questionadas as teses da convergecircncia dos modelos de proteccedilatildeo

social e do fim das ideologias deu-se iniacutecio agrave divulgaccedilatildeo de estudos que tratavam de

identificar o papel da poliacutetica (em seu caraacuteter representativo das estruturas poliacuteticas

sistemas de partidos ideologias partidaacuterias e a proacutepria burocracia puacuteblica) no curso da sua

evoluccedilatildeo Eacute o que Castles (1982 apud JOHNSON 1990) denominou de a batalha dos

paradigmas que ocorreu desde que o papel da poliacutetica social passou a despertar o interesse

de estudiosos e analistas inclusive de esquerda

Na perspectiva apresentada por Wilenski e Lebraux (apud JOHNSON 1990) a

concepccedilatildeo residual de proteccedilatildeo social cabe agrave iniciativa da sociedade civil que se daacute pelo

mercado famiacutelia organizaccedilotildees religiosas das empresas enfim espaccedilos privados capazes

de assegurar os mecanismos de provisatildeo e de financiamento da proteccedilatildeo social As

administraccedilotildees puacuteblicas somente devem prover serviccedilos para aqueles segmentos pobres

que natildeo dispotildeem de acesso a essas instituiccedilotildees sendo portanto de alcance e qualidade

limitados e alguns no niacutevel miacutenimo de subsistecircncia As caracteriacutesticas do modelo

institucional satildeo contraacuterias agraves do modelo residual que natildeo entende os pobres ou

marginalizados como os uacutenicos beneficiaacuterios da poliacutetica social A proteccedilatildeo aos grupos

socialmente vulneraacuteveis estende-se a uma cidadania mais ampla isto eacute a todos os

trabalhadores assalariados ou autocircnomos e agravequeles de quem a famiacutelia depende de seu

salaacuterio para sobreviver Satildeo dadas garantias mediante programas de renda para todos que

natildeo podem mais vender sua forccedila de trabalho no mercado (por enfermidade velhice ou

morte) A provisatildeo de serviccedilos socialmente considerados baacutesicos eacute considerada de

responsabilidade do Estado Nesse caso o desenvolvimento das instituiccedilotildees do Estado de

Bem-estar constitui-se na materializaccedilatildeo dos direitos sociais reconhecidos e afianccedilados

nas constituiccedilotildees e nas leis de cada paiacutes

47 Ver a siacutentese sobre tais argumentos (de uma escola e de outra) na claacutessica obra de Mishra (1977)_ Society and social policy_ e na introduccedilatildeo de Carrero no texto de Gough (1982^_ Economia poliacutetica del Estado del B ienestar

141

No entanto segundo JOHNSON (1990) a tipologia de Wilenski e Lebraux em

1968 que se mostrou aparentemente adequada para um modelo de proteccedilatildeo social aplicado

por alguns paiacuteses durante os anos 1960 revelou-se insuficiente para dar conta da evoluccedilatildeo

posterior desses paiacuteses (Austraacutelia Nova Zelacircndia Canadaacute Estados Unidos da Ameacuterica) e agrave

variedade de poliacuteticas sociais praticadas pelos paiacuteses europeus

Diacutegna de nota eacute a tipologia de Welfare State elaborada por Richard Titmuss (apud

JOHNSON 1990) um destacado fabiano a partir do final dos anos 1960 porque ela

influenciou quase todas as classificaccedilotildees subsequumlentes do gecircnero De acordo com Johnson

(1990) Titmuss concebeu trecircs modelos de Estado de Bem-estar_residual industrial e

institucional redistributivo_pois as tipologias servem para ajudar a ver alguma ordem em toda

a desordem e confusatildeo aparente dos fatos Nesse sentido Titmuss aperfeiccediloou a tipologia de

Wilenski e Lebraux (1965) e introduziu um terceiro modelo intermediaacuterio denominado

industrial (laboral) em que as necessidades sociais satildeo satisfeitas com base no criteacuterio do

meacuterito do trabalhador e conforme sua produtividade modelo chamado de meritocraacutetico Em

siacutentese o modelo residual implica papel miacutenimo do Estado na medida em que enfatiza o papel

do mercado empresas famiacutelia ONGs igrejas etc O industrial vincula e condiciona a

provisatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social e de bem-estar ao trabalho e agrave produtividade

condicionando o atendimento agraves necessidades sociais ao meacuterito do trabalhador O institucional

redistributivo reconhece a importacircncia do papel do Estado de Bem-estar na regulaccedilatildeo e

provisatildeo social assim como na distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais

No seu esforccedilo de compreender os diferentes tipos de poliacutetica social em

circulaccedilatildeo Titmus (apud JOHNSON 1990) compocircs outra tipologia poreacutem natildeo mais

dos Estados de Bem-estar mas do proacuteprio bem-estar ou da poliacutetica social social fiscal

e ocupacional que inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho

Para Titmus (1963) esses trecircs modelos podem ser encontrados simultaneamente em

um mesmo contexto nacional e decorrem de trecircs categorias de bem-estar social que

compreende uma diversidade de serviccedilos sociais fiscal que abrange uma ampla gama

de subsiacutedios e isenccedilotildees de impostos e por uacuteltimo o ocupacional que como jaacute

mencionado inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho

Johnson (1990) referindo-se agrave classificaccedilatildeo de Titmus (1963) argumenta que o modelo

residual foi ganhando adeptos e se tornando hegemocircnico em toda a Europa e

posteriormente nos EUA e que a principal decorrecircncia dessa tendecircncia

particularmente eacute diminuiccedilatildeo de uma densidade superior no processo de sindicalizaccedilatildeo

142

do trabalho levando agrave despolitizaccedilatildeo da poliacutetica social Uma outra razatildeo apresentada

por Johnson (1990) eacute que o modelo industrial (ou comercial) que se tornou

hegemocircnico estava centrado no individualismo e em criteacuterios de merecimento

responsabilizando o indiviacuteduo por eventual fracasso em suas condiccedilotildees de vida Por

fim o modelo institucional distributivo caracterizou-se por colocar o Estado em

oposiccedilatildeo ao mercado

Apesar de seu avanccedilo e inovaccedilatildeo a tipologia de Estados de Bem-estar de Titmus

foi posteriormente considerada restrita e ambiacutegua em certos aspectos especialmente por

centrar-se na praacutetica da poliacutetica em detrimento das ideologias ou regimes poliacuteticos que

condicionam Assim sua tipologia foi mais tarde reeleborada por Korpy e Esping Andersen

em 1984 (apud JOHNSON 1990) autores que apresentaram uma classificaccedilatildeo dos Estados de

Bem-estar e dos modelos de poliacutetica social que do ponto de vista heuriacutestico eacute considerada

mais completa em que pese o pioneirismo de Titmus

Korpy e Esping Andersen (1984) ao tratarem do desenvolvimento do modelo

escandinavo de Estado de Bem-estar distinguem trecircs grandes modelos poliacuteticos o liberal

o conservador corporativista e o social-democraacutetico48

Privilegiam como paracircmetro regimes ou ideologias poliacuteticas predominantes nas

trecircs economias poliacuteticas que expressam as diferentes concepccedilotildees de Estado de Bem-estar (liberal

conservadora e social-democrata) que por sua vez expressam trecircs distintas concepccedilotildees de Estado

de Bem-estar a saber Estados de Bem-estar de regimes liberais (com ecircnfase ao mercado)

Estados de Bem-estar de regimes conservadores (com origem em regimes autoritaacuterios que

buscam preservar a hierarquia social o status quo as diferenccedilas de classe) Estados de Bem-estar

de regimes social-democratas (com ecircnfase ao papel do Estado como principal agente de

proteccedilatildeo social e de garantia de direitos) O modelo social democraacutetico (vigente na Sueacutecia

Noruega Dinamarca e Finlacircndia) caracterizou-se pelo reconhecimento da centralidade do Estado

como principal agente de proteccedilatildeo social Nesse modelo a garantia de acesso aos serviccedilos

sociais puacuteblicos foi considerado universal e extensivo a toda cidadania e o objetivo do pleno

emprego foi mantido A exposiccedilatildeo da tipologia apresentada por Korpy e Esping Andersen

(1984) refere-se agraves condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas prevalentes nas economias capitalistas

avanccediladas nos anos de 1970 e 1980

48 Esping-Andersen apresentou o modelo escandinavo de Bem-estar em suas obras a) As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova Satildeo Paulo n 24 1994 e b) O futuro do Welfare State na nova ordem mundial Lua Nova Satildeo Paulo n 35 1995 (do original The three worlds of welfare capitalism publicado em 1990)

143

No entanto na opiniatildeo de Johnson (1990) para Esping-Andersen os social-

democratas buscavam um Estado de Bem-estar que promovesse uma igualdade nos

segmentos mais elevados e natildeo uma igualdade baseada na satisfaccedilatildeo das necessidades

miacutenimas porque a seu ver o princiacutepio da desigualdade diante do princiacutepio meritocraacutetico

tem um status privilegiado na configuraccedilatildeo das poliacuteticas sociais singulares Assim os

princiacutepios da igualdade e da necessidade deveriam condicionar decisivamente o niacutevel de

prestaccedilotildees a que se tem direito no acircmbito dos serviccedilos sociais O modelo conservador

corporativista (vigente na Europa Continental ndash Alemanha Itaacutelia Franccedila Beacutelgica Holanda

Espanha etc) tambeacutem proporcionou um sistema de proteccedilatildeo social e de bem-estar extensivo

agrave populaccedilatildeo No entanto apesar de produzir um debate influente os princiacutepios que regem

sua arquitetura de proteccedilatildeo social estatildeo estreitamente vinculados agraves condiccedilotildees de trabalho agrave

produtividade e ao princiacutepio distributivo (e natildeo-redistributivo) de ganho pessoal eou

individual A garantia de acesso aos serviccedilos assistenciais e agraves prestaccedilotildees natildeo-contributivas

estaacute sujeita agrave comprovaccedilatildeo de necessidade (means tested) Nesse sentido o princiacutepio da

igualdade ocupa um lugar subordinado no sistema de proteccedilatildeo social e limita seu potencial

redistributivo tatildeo ao gosto dos regimes autoritaacuterios (neoliberais) que influenciaram o

modelo conservador no que se refere agrave manutenccedilatildeo e agrave preservaccedilatildeo da hierarquia social

(status quo) e das diferenccedilas de classe

Na vigecircncia do modelo liberal (Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Austraacutelia

e Nova Zelacircndia) ainda segundo Esping Andersen predominaram aleacutem do esvaziamento

da funccedilatildeo reguladora e provedora do Estado ldquoa ajuda aos que comprovam que natildeo tecircm

meios e as transferecircncias universais de planos modestos de seguros sociaisrdquo (JOHNSON

1990 p 47) Neste modelo satildeo considerados lugares normais para satisfazer demandas e

necessidades sociais o mercado a famiacutelia as empresas e outras instituiccedilotildees da sociedade

civil em substituiccedilatildeo ao Estado Os subsiacutedios do Estado natildeo satildeo distribuiacutedos entre a maior

parte da populaccedilatildeo dependente mas somente entre os segmentos que pertencem aos

estratos sociais mais baixos que por estarem fortemente estigmatizados apresentam-se sob

o signo de carecircncia e de falta de recursos Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado de Bem-

estar baseada no princiacutepio da subsidiaridade49

Segundo Johnson (1990) no iniacutecio dos anos 1980 dentre os autores que

enfatizaram o papel da poliacutetica destacaram-se Castles em 1982 e os autores marxistas

49 Com base no princiacutepio liberal da subsidiaridade a intervenccedilatildeo do Estado mediante subsiacutedios somente se daacute no campo da provisatildeo e da poliacutetica social quando as instituiccedilotildees da sociedade (mercado famiacutelia ONGs) natildeo podem mais garantir a proteccedilatildeo social agraves pessoas ou grupos sociais

144

suecos Korpi e Esping-Andersen em 1984 que ressaltaram sobretudo como fatores

determinantes a partir do periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial a participaccedilatildeo dos

partidos poliacuteticos na ecircnfase dada ao papel da poliacutetica na poliacutetica social e em suas

articulaccedilotildees poliacuteticas Em seus estudos Castles evidencia que naquela conjuntura o

crescimento dos gastos sociais com educaccedilatildeo na Europa estava mais relacionado com os

governos de direita e o crescimento dos serviccedilos sociais e de sauacutede com forte expansatildeo

dos empregos puacuteblicos estava associado aos governos de esquerda ao mesmo tempo em

que a evoluccedilatildeo dos gastos com programas de garantia de renda miacutenima natildeo ficaram

afetados pela composiccedilatildeo dos distintos governos (JOHNSON (1990)

Korpi e Esping Andersen (1984) salientam ainda como fator determinante

a capacidade demonstrada pelo movimento de trabalhadores desses paiacuteses para articular

seus interesses em sindicados fortes com uma representaccedilatildeo partidaacuteria hegemocircnica

conseguindo manter-se no poder por um periacuteodo prolongado graccedilas agrave sua forccedila

poliacutetica Para esses autores naquela conjuntura essa estrateacutegia poliacutetica permitiu ao

Estado capitalista desenvolver mecanismos de redistribuiccedilatildeo de renda de prestaccedilatildeo de

serviccedilos sociais natildeo mercantilizados mediante uma poliacutetica social ativa No entanto

naquela mesma conjuntura apoacutes a Segunda Guerra Mundial essa realidade apresentou-

se bastante diversa em outros paiacuteses (que natildeo os escandinavos) tais como Alemanha

Beacutelgica Franccedila e Itaacutelia nos quais as forccedilas poliacuteticas dominantes e em accedilatildeo eram de

direita (JOHNSON 1990)

Percebe-se que as tipologias elaboradas pelos autores citados tais como

Wilenski e Lebraux Richard Titmus e Korpi e Esping-Andersen buscam apreender a

complexidade da realidade social bem como reduzir a heterogeneidade observada no

momento de proceder agrave comparaccedilatildeo das distintas poliacuteticas sociais nacionais aspectos que

interessam a esta tese que propocirce um estudo sobre a assistecircncia social no contexto do

pluralismo de bem-estar em perspectiva comparada analisando o modelo latino e

identificando as convergecircncias latinas entre a poliacutetica de assistecircncia social praticada no sul

da Europa e no Brasil Indiscutiacutevelmente o ponto de vista a partir do qual tais tipologias

foram elaboradas eacute bastante variaacutevel mas todas se mantiveram em um plano analiacutetico mais

geral o que as torna passiacuteveis de adoccedilatildeo como paracircmetros abstratos se bem que limitados

Eacute importante destacar que embora essas tipologias sejam consideradas

insuficientes vaacuterios autores passaram a reconhecer sua importatildencia ao admitirem ldquoser

necessaacuterio incluir outras variaacuteveis indo aleacutem da comparaccedilatildeo dos niacuteveis de gastos

145

sociaisrdquo (JOHNSON 1990 p 27) porque nas anaacutelises sobre poliacuteticas sociais haacute que se

considerar a complexidade dos princiacutepios que as norteiam50 No entanto apesar dessas

concordacircncias eacute importante que se diga que o uso de tipologias ainda eacute visto com

restriccedilotildees pois conduz o analista a um reducionismo e a uma apressada generalizaccedilatildeo

Contudo na falta de um melhor instrumental as tipologias continuam a ser usadas com o

claro objetivo de reduzir a complexidade da realidade social a exemplo das primeiras

tipologias de Estado de Bem-estar

Para efeitos da discussatildeo desenvolvida neste capiacutetulo e conforme jaacute

assinalado a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) tornou-se pertinente dada a contribuiccedilatildeo

que seu modelo triangular oferece agrave anaacutelise das trecircs esferas que compotildeem o pluralismo de

bem-estar51

Abrahamson (1995) fala de um modelo triangular apresentado por ele na

metade dos anos 1980 que pressupotildee a existecircncia no seu interior de trecircs esferas_ mercado

Estado e setores sociais natildeo-mercantis ndash perante as quais recursos especiacuteficos podem ser

obtidos Aleacutem disso destaca a relaccedilatildeo existente entre os distintos modelos europeus em

relaccedilatildeo agrave ecircnfase institucional ao niacutevel de compensaccedilatildeo do bem-estar agrave fonte de

financiamento e ao papel do voluntariado A unidade central do modelo de bem-estar

mediterracircneo tambeacutem denominado por ele de modelo latino e ou catoacutelico eacute a famiacutelia o

qual apresenta as particularidades tratadas a seguir

O quadro 7 que apresenta a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) revela as

particularidades e os contrastes existentes entre os regimes de bem-estar europeus e em

particular as tendecircncias em curso na Europa do Sul onde predomina o modelo latino ou

catoacutelico Na sua classificaccedilatildeo consta de forma diferenciada um conjunto de regimes de

bem-estar europeus os quais denomina de catoacutelico (Europa do Sul) conservador liberal e

social-democrata e que satildeo dotados das caracteriacutesticas abaixo indicadas

Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar

Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata

Ecircnfase institucional Sociedade Civil Mercado Estado Estado

Unidade central Famiacutelia Mercado de trabalho local Governo central Governo local

Niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar

Baixo Alto Baixo Alto

50 Sobre tais argumentos ver tambeacutem BALDWIN Peter em La poliacutetica de solidariedad social Bases sociales del Estado de Bienestar europeo 1985-1975 Madrid MTSS 1992 51 Ver figuras 1 2 e 3 referentes ao modelo triangular apresentado por Peter Abrahamson (1995) agraves paacuteginas 94 e 95 desta tese

146

Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata

Compromisso com o pleno emprego

Baixo Baixo Baixo Alto

Compromiso como provedor de serviccedilos

ndash ndash + +

Principal fonte de financiamento

Mercado e redes Mercado Estado Estado

Ecircnfase aos seguros de mercado

+ + ndash ndash

Ecircnfase ao voluntariado + + + ndash

Fonte Abrahanson 1995 Europa do Sul

Dentre outros aspectos confirma-se a importacircncia institucional atribuiacuteda pelo

modelo latino ou catoacutelico ao papel da sociedade e nela agrave famiacutelia considerada celula

mater ou seja unidade central da sociedade e referecircncia desse modelo bem como ao papel

do voluntariado agraves novas funccedilotildees do mercado e das redes assistenciais primaacuterias como

principais fontes privadas de provisatildeo social Destacam-se tambeacutem nesse regime o baixo

compromisso do Estado em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de emprego e a ecircnfase atribuiacuteda aos

seguros advindos do mercado (mercadorizaacuteveis) em contraposiccedilatildeo agrave ideacuteia de Estado como

instacircncia regulamentadora das relaccedilotildees sociais e econocircmicas e como esfera provedora de

serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos) Daiacute o baixo niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar

desse regime ressaltado por Abrahamson (1995)

Esses contrastes e disparidades bem como as tendecircncias em curso na Europa

do Sul satildeo percebidos tambeacutem no quadro 8 que apresenta os principais traccedilos e

caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus classificados por Moreno (2000) como

anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo Eacute de Moreno (2000) portanto a

classificaccedilatildeo dos principais traccedilos dos regimes europeus em relaccedilatildeo agrave ideologia aos

subsiacutedios aos serviccedilos ao financiamento agrave questatildeo de gecircnero agrave natureza da provisatildeo

social agrave relaccedilatildeo entre pobreza e trabalho referentes ao modelo da Europa do Sul que ele

chama de mediterracircneo

147

Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus

Anglo-saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo

Ideologia Cidadania Corporatismo Igualitarismo Autonomia vital

Objetivos Capacitaccedilatildeo individual

Manutenccedilatildeo de rendas

Rede de serviccedilos sociais

Combinaccedilatildeo de recursos

Financiamento Impostos Cotizaccedilocirces laborais Impostos Misto

Subsiacutedios Quantia projetada (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis altos)

Quantia projetada (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar

Provisacirco Misto quase mercados

Misto ONGs Puacuteblico Misto descentralizado

Mercado laboral Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal

Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho

parcial Feminizaccedilatildeo trabalho puacuteblico

Familismo ambivalente

Pobreza Cultura da dependecircncia

Cultura de integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial informal e voluntaacuteria

Fonte Moreno 2000 Europa do Sul

A classificaccedilatildeo de Moreno (2000) possibilita aleacutem da grande visibilidade dada

aos aspectos caracteriacutesticos de cada regime uma anaacutelise comparada entre os principais

traccedilos dos regimes europeus apresentados porque o meacutetodo de anaacutelise comparada tambeacutem

permite a experiecircncia de estudos de caso acerca de uma determinada realidade como

tambeacutem de um determinado sistema eou regime poliacutetico adotado por uma regiatildeo como eacute

o caso da Regiatildeo Sul da Europa Na concepccedilatildeo de Moreno (2003) a conformaccedilatildeo de um

regime de bem-estar implica um conjunto de instituiccedilotildees no qual se combinam recursos

legais materiais e organizativos de seus principais produtores de bem-estar quais sejam o

Estado a sociedadefamiacutelia e o mercado O autor defende a ideacuteia de que agrave loacutegica interna

das trecircs categorias mais conhecidas expostas por Esping Andersen em 1990 o anglo-

saxocircnico continental e noacuterdico (que passaram a informar o desenvolvimento futuro dos

regimes de bem-estar) deve-se acrescentar uma quarta categoria ou seja a do regime

mediterracircneo do qual fazem parte os paiacuteses que compotildeem a regiatildeo da Europa do Sul e

que no campo da proteccedilatildeo social implementam o chamado modelo latino Para Moreno

(2001 2002 2003) como tambeacutem para outros estudiosos dessa regiatildeo (SARASA

MORENO 1995 FERRERA 1996) no regime mediterracircneo a atuaccedilatildeo da famiacuteliamulher

e da Igreja constitui um elemento diferenciador e um traccedilo caracteriacutestico do modelo latino

porque as mulheres nessas sociedades tecircm protagonizado uma atuaccedilatildeo de caraacuteter

socialmente estruturante ao desenvolverem no espaccedilo dos hogares atividades essenciais

como trabalhadoras domeacutesticas e como cuidadoras sociais Argumenta o autor ainda que

148

ateacute mesmo as pesquisas que se fundamentam em anaacutelises de natureza estatal ao

enfatizarem a accedilatildeo determinante das instituiccedilotildees estatais centrais como uma grande

variaacutevel independente tecircm atribuiacutedo pouco valor aos resultados produzidos em relaccedilatildeo ao

nexo Estado gecircnerofamiacuteliamulher e trabalho

Com base nessa afirmaccedilatildeo de Moreno (2000) e sem abdicar da ideacuteia central da

presente tese de que compete agraves estruturas estatais o desenvolvimento dos sistemas

nacionais de provisatildeo e de proteccedilatildeo social puacuteblica este estudo considera que incluir em

uma investigaccedilatildeo as relaccedilotildees que determinam o referido nexo significa identificar aleacutem da

relaccedilatildeo entre o incremento do gasto social e a porcentagem do PIB do paiacutes analisado

elementos essenciais que explicitam o papel da sociedade em sua relaccedilatildeo com o Estado a

funccedilatildeo desempenhada pela famiacuteliamulher nos espaccedilos de trabalho e na produccedilatildeo de bem-

estar bem como a forma como se datildeo as transferecircncias de cuidados nos espaccedilos inter e

intrafamiliar A pesquisa desenvolvida por essa tese incorporou elementos produzidos por

esse nexo por entender que tais constataccedilotildees empiacutericas explicitam bastante os efeitos da

atuaccedilatildeo familiar e feminina na produccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar nessas realidades

Na regiatildeo do Sul da Europa em particular na Espanha observa-se como

tendecircncia contemporatildenea algumas mudanccedilas na organizaccedilatildeo da estrutura familiar como

a expansatildeo da adoccedilatildeo e constituiccedilatildeo de um modelo de famiacutelia diferente da tradicional

unidade familiar nuclear52 Na Espanha considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas

ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilatildeo A cohabitaccedilatildeo em

nuacutecleo familiar assemelha-se ao matrimocircnio Denomina-se hogar monoparental ou

nuclear monomparental o ambiente familiar constituiacutedo de pai sozinho ou de matildee

sozinha com filhos solteiros sem outreas pessoas e de ambiente familiar uninuclear ou

nuclear simples formado por casal sem filhos solteiros ou ainda casal com filhos

solteiros sem outras pessoas conforme demonstra o quadro 9

52 Segundo Moreno (2003) na Espanha a unidade familiar que sempre se apresentou em sua constituiccedilatildeo como nuacutecleo mater (famiacutelia nuclear marido mulher e filhos) natildeo tem o mesmo significado que o do conhecido termo espanhol hogar Ressalta que muito embora sejam usados como tal os termos famiacutelia nuclear e hogar natildeo satildeo sinocircnimos A unidade domeacutestica familiar estaacute referida a um conjunto de pessoas que convivem repartindo recursos materiais dentre eles a moradia Os sujeitos dos hogares costumam compor grupos de pessoas que tecircm traccedilos de consanguumlinidade Portanto tradicionalmente consanguumlinidade e parentesco tecircm sido os laccedilos habituais que determinam a constituiccedilatildeo e identificaccedilatildeo dos hogares nesse paiacutes

149

Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares)

Denominaccedilatildeo Composiccedilatildeo do hogar (ambiente familiar) Coacutedigo

Unipessoal ou solitaacuterio

Sem nuacutecleo

Uninuclear ou nuclear simples

Monoparental ou nuclear-monoparental

Extenso ou nuclear extenso

Muacuteltiplo ou plurinuclear

Ambiente no qual vive uma soacute pessoa

Duas ou mais pessoas que natildeo formam um nuacutecleo familiar tenham ou natildeo relaccedilatildeo de parentesco entre elas

Casal sem filhos solteiros sem outras pessoas Casal com filhos solteiros sem outras pessoas

Pai sozinho com filhos solteiros sem outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros sem outras pessoas

Casal sem filhos solteiros com outras pessoas Casal com filhos solteiros com otras pessoas Pai sozinho com filhos solteiros com outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros com outras pessoas

Dois ou mais nuacutecleos familiares que convivem no ambiente (hogar)

S

O

A B

C D

E F G H

M

Considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilacirco Fonte In Manuel Herrera Goacutemez Requena Madriacute 2004

O exame da evoluccedilatildeo das formas familiares na Espanha nas duas uacuteltimas

deacutecadas leva agrave indagaccedilatildeo se as transformaccedilotildees demograacuteficas tecircm produzido de fato uma

modificaccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia ou se essas natildeo seriam muito mais reflexo

de uma mudanccedila nas relaccedilotildees interpessoais dos membros dos hogares Significa verificar se

as tendecircncias demograacuteficas atuais correm em paralelo agraves novas estrateacutegias de convivecircncia

ao mesmo tempo em que estatildeo sendo produzidas nos tradicionais contextos institucionais O

recente decreacutescimo das taxas de fecundidade e de nupcialidade na Europa do Sul e em

especial na Espanha e na Itaacutelia estaacute sendo considerado o primeiro sintoma visiacutevel da

modificaccedilatildeo nas formas familiares espanholas em relaccedilatildeo aos paiacuteses europeus (HERRERA

REQUENA 2004 p 149) Esse fator demograacutefico acentuou-se de tal forma na deacutecada de

1980 que a Espanha e a Itaacutelia satildeo paiacuteses que apresentam atualmente os niacuteveis de

fecundidade mais baixos do mundo Em contrapartida a Espanha conta com uma das taxas

de esperanccedila de vida (longevidade em torno de 78 anos) mais elevadas do mundo

Estudos revelam que na Espanha durante as duas uacuteltimas deacutecadas o ritmo de

crescimento do volume de hogares foi superior ao da populaccedilatildeo A consequumlecircncia imediata

dessas mudanccedilas foi a reduccedilatildeo do nuacutemero meacutedio de membros por hogar A dimensatildeo dessa

morfologia familiar sintetiza de um lado a existecircncia de determinados padrotildees de

estruturaccedilatildeo familiar que permitiram com maior ou menor facilidade o desmembramento

do hogar familiar de origem e de outro revela a dinacircmica das estruturas demograacuteficas das

populaccedilotildees de referecircncia seja por idade sexo ou estado civil

150

Diante do exposto percebe-se a prevalecircncia na Espanha de um padratildeo

familiar de estrutura complexa (composiccedilatildeo de um hogar com a existecircncia de mais de um

nuacutecleo familiar como a presenccedila de um soacute nuacutecleo familiar com outras pessoas alheias ao

mesmo familiares ou natildeo) Certamente trata-se de um modelo normativo familiar

complexo considerando que nas uacuteltimas deacutecadas aumentou muito o tamanho e o nuacutemero

de membros por hogar em relaccedilatildeo ao modelo familiar mais simples No entanto jaacute se

admite que essa estrutura familiar complexa estaacute em processo de diminuiccedilatildeo em tamanho

dos hogares (de trecircs ou menos pessoas) Essa tendecircncia contemporacircnea pode expressar natildeo

somente uma modificaccedilatildeo das formas familiares eou a existecircncia de preferecircncia de

convivecircncias distintas ao longo do tempo senatildeo tambeacutem que essas preferecircncias natildeo satildeo

mais que manifestaccedilotildees da mesma dinacircmica familiar observadas em diferentes

conjunturas uma vez que a estrutura por idade da populaccedilatildeo de referecircncia natildeo eacute a mesma

Esta ambiguumlidade presente na constituiccedilatildeo dos hogares exige a atitude teoacuterico-

metodoloacutegica de buscar a complementaccedilatildeo de todos esses dados empiacutericos incluindo no

seu conjunto todas as mudanccedilas ocorridas no ciclo familiar

Na Europa do Sul prevalece a visatildeo de que a famiacutelia deve ser valorizada como

suporte essencial agrave satisfaccedilatildeo vital (well-being) do cidadatildeo aleacutem de considerar seus recursos

como complementares aos do Estado e aos da sociedade Entende-se com base nesse fator

cultural a raacutepida adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta pluralista de bem-estar de

enfoque neoliberal Segundo Moreno (2003) nas uacuteltimas deacutecadas essas sociedades tecircm sido

capazes natildeo apenas de cumprir os intentos neoliberais de restriccedilatildeo aos programas de bem-

estar mas tambeacutem de incrementar seu gasto puacuteblico social em proporccedilatildeo maior do que dos

demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia No processo de liberalizaccedilatildeo da economia ao direcionar

as poliacuteticas sociais para os distintos grupos famiacuteliares eou setores que desenvolvem praacuteticas

sociais informais e autocircnomas (agregado de bem-estarndashwellfare mix) pretende de fato

transferir o gasto social puacuteblico-estatal para a intervenccedilatildeo privada de bem-estar Nesse

sentido o trabalho natildeo-remunerado das supermujeres tem contribuiacutedo para uma maior

expansatildeo do gasto social em outras aacutereas muitas vezes ateacute mesmo em substituiccedilatildeo agraves accedilotildees

sociais do Estado atualmente minimizadas

Investigaccedilotildees sociais recentes (CASTLES FERRERA 1996 MORENO 2000

FUNDACIOacuteN ENCUENTRO 2002 SECO GONZAacuteLEZ 2005) informam outra tendecircncia

na Europa do Sul de um lado um visiacutevel aumento de hogares monoparentales de outro uma

significativa reduccedilatildeo do nuacutemero de famiacutelias tradicionais nucleares (pais e filhos)

151

Indiscutiacutevelmente essa tendecircncia evidencia a formaccedilatildeo de uma nova arquitetura na estrutura

familiar nessa regiatildeo apesar de o desenho dos novos modelos familiares mostrar-se incipiente

devendo levar um tempo para ser consolidado tanto como modelo predominante de estrutura

familiar quanto metodoloacutegicamente como modelo analiacutetico Contudo no contexto de

formaccedilatildeo do modelo latino e de desenvolvimento do regime de bem-estar mediterracircneo a

famiacutelia segue sendo considerada para efeitos analiacuteticos uma variaacutevel independente Para

Moreno (2003) muitos estudos natildeo levam suficientemente em conta essa variaacutevel

bagravesicamente por duas razotildees de ordem metodoloacutegica a dificuldade de se obter dados

qualitativos confiaacuteveis e sistemaacuteticos nos espaccedilos familiares e a incapacidade metodoloacutegica de

transformar categorias afetivas em informaccedilatildeo quantitativa para fins estatiacutesticos O autor

destaca ainda outras dificuldades e desafios metodoloacutegicos as histoacutericas praacuteticas de

transferecircncia de recursos intrafamiliares (reparto familiar) a natureza do orccedilamento flexiacutevel

de recursos financeiros e gastos sociais os novos padrotildees de propriedade imobiliaacuteria a

heterogeneidade e a fragmentaccedilatildeo da reproduccedilatildeo social nessa regiatildeo

Contudo haacute que se destacar que as mudanccedilas ocorridas na estrutura familiar e nas

transiccedilotildees culturais e demograacuteficas nas sociedades mediterracircneas ainda natildeo satildeo comparaacuteveis agraves

dos demais regimes de bem-estar europeus que tecircm produzido uma generalizaccedilatildeo de novas

formas familiares justificada como exigecircncia das sociedades industriais mais avanccediladas

Ainda assim eacute possiacutevel afirmar que estaacute em curso nessa regiatildeo um processo de

despatriarcalizaccedilatildeo da vida familiar (MORENO 2003) o que significa a perda gradativa de

autoridade do homem como varatildeo pai de famiacutelia e principal provedor dos meios de sustento

familiar Nas sociedades mediterracircneas apesar de as tradicionais estruturas familiares

continuarem mantendo sua aparecircncia de modelo nuclear as mudanccedilas ocorridas comeccedilam a

evidenciar a inviabilidade da manutenccedilatildeo desse modelo no contexto soacutecio-econocircmico e

cultural contemporacircneo pelo menos como modelo familiar predominante

Em relaccedilatildeo aos princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas dos regimes europeus o mesmo

pode ser dito da tipologia apresentada por W Korpy YG e Esping-Andersen demonstrada no

quadro 10 se bem que nas categorias e nos exemplos utilizados por esses autores natildeo haacute

referecircncia a um modelo latino Em verdade o Sul da Europa soacute recentemente vem sendo

analisado na perspectiva do Welfare State o que comprova a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves

experiecircncias de proteccedilatildeo social desses paiacuteses que mesmo sendo europeus natildeo se encaixavam

nos criteacuterios consagrados de definiccedilatildeo desse Estado Nesse quadro dentre outros aspectos

destacam-se a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves poliacuteticas de pleno emprego a limitada

152

capacidade redistributiva dos gastos sociais e em contrapartida a ecircnfase dada agrave proteccedilatildeo social

de caraacuteter privado nos modelos liberal e conservador

Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi YG Esping-Andersen

(1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas

Liberal Conservador Social-democraacutetico

Niacutevel de proteccedilatildeo frente as incertezas do mercado de trabalho e de falta de recursos

Baixo Meacutedio Alto

Direitos sociais frente a proteccedilatildeo contra a pobreza

Proteccedilatildeo contra a pobreza

Direitos sociais Direitos sociais

Importacircncia da proteccedilatildeo social de caraacutecter privado (terceiro setor e mercado)

Alta Meacutedia Baixa

Grau de financiaccedilatildeo individual da proteccedilatildeo social puacuteblica

Meacutedio Alto Meacutedio

Organizaccedilacirco da seguridade social segundo grupos profissionais

Nacirco Sim Nacirco

Capacidade redistributiva dos gastos sociais Limitada Limitada Alta

Poliacutetica ativa de pleno emprego Nacirco Somente com conjuntura econocircmica favoraacutevel

Em todas as conjunturas econocircmicas

Fonte In Bracho Carmen Ferrer Jorge Garcecircs (coord) 1998 ( apud LANDWERLIN 1998)

Interessa a este estudo com a apresentaccedilatildeo desses quadros chamar atenccedilatildeo

para a visibilidade de aspectos essenciais que se caracterizam natildeo apenas como

contrapontos entre distintos regimes mas sobretudo como tendecircncia contemporacircnea dos

regimes de bem-estar incluindo experiecircncias antes natildeo mencionadas e que

paradoxalmente parecem estar na ordem do dia Eacute flagrante no regime mediterracircneo ou

latinocatoacutelico (Europa do Sul) a influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho

neoliberal ao ganharem visibilidade aspectos substantivos ressaltados tanto por

Abrahamson (1995) como por Moreno (2000) tais como a composiccedilatildeo descentralizada

desse modelo em relaccedilatildeo agrave uma ideologia fundamentada na autonomia da sociedade ante o

Estado a proposta de combinaccedilatildeo de recursos puacuteblicos e privados no campo da provisatildeo

social com prevalecircncia deles um financiamento de caraacuteter misto (recursos provenientes

natildeo soacute de arrecadaccedilatildeo de impostos eou de cotizaccedilotildees trabalhistas mas tambeacutem das famlias

eou das pequenass comunidades) e sobretudo o apoio familiar (fenocircmeno do familismo)

na execuccedilatildeo dos serviccedilos sociais em substituiccedilatildeo ao papel dos agentes sociais (modelo

continental) eou dos serviccedilos sociais puacuteblicos como dever do Estado (regime noacuterdico)

Assim as distintas tipologias de Estado de Bem-estar existentes oferecem

apesar de sua limitaccedilatildeo elementos de conhecimento das fronteiras natildeo tatildeo claras entre

diferentes modalidades de poliacutetica social e particularmente de assistecircncia adotadas em

153

diferentes contextos e culturas Portanto a anaacutelise realizada nesta tese quanto agraves poliacuteticas

assistenciais desenvolvidas pelos paiacuteses que compocircem o modelo latino teve nessas

tipologias apoio analiacutetico reforccedilado pelas contribuiccedilotildees de uma pesquisa realizada por

Gough (1997) sobre a assistecircncia social no Sul europeu

Em sua investigaccedilatildeo Gough (1997) levou em consideraccedilatildeo o fato de esses

serem paiacuteses vinculados agrave Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e o Desenvolvimento

Econocircmico (OCDE) e tambeacutem integrantes da Uniatildeo Europeacuteia (EU) Gough (1997)

chama a atenccedilatildeo para um aumento crescente e significativo do interesse intelectual e

poliacutetico por anaacutelises mais rigorosas sobre a composiccedilatildeo e os traccedilos mais gerais que

caracterizam os paiacuteses que implementam o regime latino de bem-estar no Sul da

Europa 53 A seu ver tais anaacutelises buscam completar estudos descritivos e histoacutericos jaacute

realizados mediante utilizaccedilatildeo mais precisa de categorias e conceitos bem como sobre

modelos particulares de desenvolvimento do bem-estar Cita autores como Leibfried

(1993) para quem os paiacuteses meridionais ou do Sul europeu constituem regimes de

bem-estar bastante distintos dos desenvolvidos pelos demais paiacuteses da Europa

especialmente da Europa do Norte ndash a Escandinaacutevia

Outro autor citado por Gough (1997) tambeacutem estudioso da poliacutetica social

desenvolvida na Europa do Sul eacute Ferrera (1996) que aponta as seguintes caracteriacutesticas

identificadas nessa regiatildeo a) sistema dualista desigual e de manutenccedilatildeo de renda no qual

as prestaccedilotildees mais generosas e elevadas satildeo destinadas aos grupos privilegiados que tecircm

uma forte relaccedilatildeo com o mercado de trabalho formal ao mesmo tempo em que prestaccedilotildees

escassas e mais baixas satildeo destinadas ao restante da populaccedilatildeo b) caraacuteter universal

atribuiacutedo aos sistemas de sauacutede conforme consta no discurso oficial e c) ecircnfase ao papel

da famiacutelia na provisatildeo social

Com efeito e conforme jaacute anunciado os paiacuteses do Sul da Europa apoacuteiam-se

em um modelo no qual a famiacutelia e as redes informais de solidariedade tecircm uma valorizaccedilatildeo

muito alta e uma expressiva participaccedilatildep na provisatildeo social privada Outro forte traccedilo

desse modelo eacute que costuma ser influenciado pela doutrina social catoacutelica (a exemplo dos

regimes catoacutelicos e familiaristas na Itaacutelia e na Espanha) por um modelo de proteccedilatildeo social

residual (interferecircncia puacuteblica estatal restrita agraves situaccedilotildees nas quais fracassam as redes

53 Do grupo de cinco paiacuteses meridionais eou da Europa do Sul ao qual se estaacute referindo fazem parte Espanha Portugal Itaacutelia Franccedila e Greacutecia Alguns autores como Gough (1977) excluem em sua classificaccedilatildeo a Franccedila e incluem a Turquia muito embora reconheccedilam que a maior parte de seu territoacuterio geograacutefico natildeo se encontra na Europa

154

sociais primaacuteriasfamiliares) e pelo princiacutepio da subsidiaridade (a proteccedilatildeo social puacuteblica

tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio)

De fato o familismo ganhou forccedila nessa regiatildeo no vazio deixado pelo baixo

iacutendice de provisatildeo de bem-estar puacuteblico e pela limitaccedilatildeo (ou ineficaacutecia) de programas de

atenccedilatildeo agrave infacircncia eou aos idosos ainda que esses indicadores reflitam uma ambiguidade

de um lado deixa-se de prestar tais serviccedilos puacuteblicos por entender que esta tarefa

assistencial compete agrave igreja e agrave famiacutelia (caso da Itaacutelia e da Espanha) e de outro por

relegar essa terefa ao mercado por influecircncia do pluralismo de bem-estar Em siacutentese no

modelo latino a igreja a famiacutelia e o mercado ocupam o lugar do Estado

No entanto o mercado de serviccedilos prestados agraves famiacutelias natildeo prosperou como

se pensava e por isso segundo Esping Andersen (1984 p 79) os subsiacutedios familiares

resultam tatildeo escassos na catoacutelica Europa Meridional regiatildeo em que a seu ver os

Estados de Bem-estar nunca foram muito generosos nas transferecircncias de renda agraves

famiacutelias Por outro lado na era industrial o mercado de bem-estar familiar segue sendo

bastante flutuante Em uma comparaccedilatildeo mais geral entre os paiacuteses da Europa existe uma

clara correlaccedilatildeo negativa entre as taxas de emprego feminino e as horas de trabalho

domeacutestico natildeo-remuneradas das mulheres que tendem a cumprir longas jornadas em

cerca de 39 (trinta e nove) horas semanais nos Paiacuteses Baixos e de 45 (quarenta e cinco)

na Itaacutelia e na Espanha Uma possiacutevel estrateacutegia familiar utilizada para compensar a

ausecircncia de subsiacutedios estatais aos seus membros apontada como tendecircncia por Esping

Andersen (1984) tem sido a de aumentar a participaccedilatildeo dos

homenscompanheirosmaridos nos afazeres domeacutesticos para compensar a ausecircncia eou

a falta de tempo das mulherescompanheirasesposas

Em relaccedilatildeo ao elevado grau de familismo essa caracteriacutestica constitui traccedilo

comum e peculiar no modelo latino Como eacute oacutebvio ele apresenta uma provisatildeo puacuteblica

extremamente reduzida em que o caraacuteter familiarista de um regime natildeo dever ser

identificado uacutenicamente por indicadores do Estado de Bem-estar No entanto apesar dos

indicadores relativos ao familismo natildeo estarem isentos de ambiguumlidades o familismo (no

que se refere agraves responsabilidades relativas ao cuidado dos parentes na unidade familiar)

aparece de forma mais clara na Europa Meridional uma vez que os regimes de bem-estar

noacuterdicos confirmam o perfil de Estados excepcionalmente desfamiliarizados

Como uma tendecircncia contemporacircnea a unidade familiar vem assumindo um

papel chave pois passou a constituir fonte privada de produccedilatildeo de serviccedilos de bem-

155

estar Um aspecto relevante a destacar eacute que na ausecircncia do protagonismo do Estado

nem o mercado e famiacutelia substituem a cobertura da provisatildeo puacuteblica O grande

paradoxo desse modelo especialmente na atualidade eacute que se de um lado o nuacutecleo

familiar baseado no princiacutepio de subsidiaridade herdado do catolicismo prevalece

(ideal de famiacutelias grandes integradas e estaacuteveis) de outro os dois maiores paiacuteses

europeus catoacutelicos (Itaacutelia e Espanha) ostentam os niacuteveis de fertilidade mais baixos do

mundo e em contrapartida os regimes de Bem-estar escandinavos (altamente

desfamiliarizados) situam-se entre os paiacuteses que apresentam as taxas de fecundidade

mais altas da Europa Nesse sentido surpreende a correlaccedilatildeo existente entre a

fecundidade e o trabalho remunerado das mulheres nesses paiacuteses apresentando-se ao

contraacuterio do que se poderia esperar uma correlaccedilatildeo positiva ou seja quanto mais

elevada eacute a taxa de emprego feminino maior eacute o niacutevel de fecundidade dessas mulheres

Uma questatildeo instigante formulada por Andersen (1984) eacute por que atualmente os niacuteveis

de emprego feminino se relacionam positivamente com a fecundidade Uma resposta

criteriosa a essa questatildeo faz-se necessaacuteria ateacute porque se os Estados de Bem-estar

contemporacircneos continuarem desestimulando a fecundidade seja de maneira direta ou

indireta certamente estaratildeo limitando sua futura viabilidade histoacuterica nacional

Diante do exposto fica claro que eacute sobre a famiacutelia e a mulher que recaem as

maiores expectativas pluralistas de participaccedilatildeo informal tiacutepicas do modelo latino como

fonte provedora privilegiada de bem-estar voluntaacuterio e solidaacuterio para os seus membros

(idosos crianccedilas portadores de deficiecircncia e enfermos) sem considerar as tensotildees e as

contradiccedilotildees que perpassam o campo das relaccedilotildees familiares Na visatildeo dos mentores das

poliacuteticas sociais contemporacircneas na perspectiva plural ou mista compete agrave famiacutelia a

provisatildeo social informal por suas proacuteprias caracteriacutesticas e por sua relevacircncia no campo

da provisatildeo social solidaacuteria

Como fundamentos da proteccedilatildeo social agrave famiacutelia nesse paiacutes destacam-se os

aspectos que se seguem O primeiro eacute o fundamento juriacutedico tal qual se encontra no artigo

39 da Constituiccedilatildeo Espanhola O segundo eacute a relevacircncia social e instrumental atribuiacuteda agrave

famiacutelia como espaccedilo de solidariedade e como prestadora de serviccedilos sociais privados aos

segmentos da assistecircncia (crianccedilas idosos desempregados enfermos crocircnicos drogaditos

e outros) O governo espanhol entende que adotar poliacuteticas de compensaccedilatildeo puacuteblica lhe

permite estabelecer a solidariedade intergeracional no espaccedilo familiar O papel central da

famiacutelia na sociedade espanhola sustenta-se no trabalho natildeo-reconhecido natildeo-remunerado e

156

natildeo retribuiacutedo da mulher como cuidadora social no espaccedilo familiar Na Espanha a praacutetica

do reparto familiar estaacute assentada na ideacuteia de que cada geraccedilatildeo suporta los riegos (riscos

eou traccedilos) das geraccedilotildees passadas e os seus proacuteprios em troca de que posteriormente seus

riegos (traccedilos) sejam suportados por geraccedilotildees futuras O terceiro eacute a importacircncia atribuiacuteda

agrave proteccedilatildeo social familiar para a construccedilatildeo da identidade pessoal de seus membros O

quarto eacute o necessaacuterio reconhecimento social da maternidade como contribuiccedilatildeo essencial

para a coletividade ou seja a maternidade eacute a base da continuidade da sociedade O quinto

e uacuteltimo eacute a necessidade da compensaccedilatildeo puacuteblica mediante serviccedilos sociais pelas

responsabilidades familiares (a produccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais agrave famiacutelia eacute tatildeo

importante quanto sua funccedilatildeo reprodutora)

As decisotildees e a legislaccedilatildeo social baacutesica espanhola relativa agrave poliacutetica familiar

provecircm do poder central das comunidades autocircnomas (CCAAs) e dos municiacutepios e

constitui o nuacutecleo mais decisivo e visiacutevel da chamada poliacutetica familiar espanhola As

CCAAs e os municiacutepios tecircm adquirido crescente protagonismo sobretudo nos aspectos

assistenciais da poliacutetica familiar e em relaccedilatildeo aos programas de ajuda a situaccedilotildees de

marginalizaccedilatildeo familiar A competecircncia no campo da assistecircncia social atribuiacuteda agraves

CCAAs estaacute assegurada no artigo 148120 da Constituiccedilatildeo espanhola Eacute tamanha a

importacircncia da referecircncia agrave famiacutelia nesse paiacutes que se tem chegado a qualificaacute-la como

ldquoagente colaborador do Estado na consolidaccedilatildeo do bem estar socialrdquo (Constituiccedilatildeo

Espanhola p 19) Na Espanha a famiacutelia chega a ser considerada um Ministeacuterio de Estado

como nas palavras de Ussel (1998 p 62) citado por Martinez Martin (2004) ldquola famiacutelia

em Espantildea es el auteacutentico Ministeacuterio de Asuntos Sociales La famiacutelia es la que ocupa de

los hijos del cuidado de los ancianosrdquo

A criaccedilatildeo do chamado ingresso miacutenimo familiar (ingreso miacutenimo familiar

RMI)) nas diversas CCAAs temaacutetica desenvolvida nesta tese como conteuacutedo do

capiacutetulo VII destina-se a compensar as unidades familiares que carecem de meios

econocircmicos suficientes para atender agraves necessidades baacutesicas da vida o que evidencia o

protagonismo que tem desempenhado o que vem sendo denominado de poliacutetica

familiar nas comunidades autocircnomas Jaacute se admite entre estududiosos dessa questatildeo

como Moreno (2000) uma incipiente europeizaccedilacirco da poliacutetica familiar a julgar pela

ecircnfase dada pelas diretrizes europeacuteias e pela coordenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo dos Estados-

membros que exercem pressatildeo para que ocorra uma aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos da

legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo familiar

157

Nessa perspectiva a regiatildeo da Europa do Sul mostrou-se bastante

receptiva agrave proposta pluralista neoliberal ateacute mesmo porque o familismo foi

incorporado como forte componente cultural nessas sociedades A praacutetica do

familismo atende agrave resistecircncia dos neoliberais e neoconservadores ao protagonismo

do Estado na produccedilatildeo do bem-estar puacuteblico Esse argumento eacute sustentado com vista

a orientar o Estado a se ocupar mais diretamente dos interesses econocircmicos do grande

capital transferindo para os organismos multilaterais (Banco Mundial FMI BID) a

coordenaccedilatildeo geral desse processo bem como as orientaccedilotildees a serem seguidas pelos

Estados capitalistas tendo em vista a implementaccedilatildeo das chamadas poliacuteticas

macroeconocircmicas Em substituiccedilatildeo agrave intervenccedilatildeo estatal no campo social deveraacute ser

atribuida maior responsabilidade aos setores natildeo-oficiais voluntaacuterio

informalfamiliar e comercial (JOHNSON 1990) Com base nessas interpretaccedilotildees eacute

possiacutevel reafirmar que o Estado de Bem-estar natildeo entrou em crise mas ocorreu a sua

reestruturaccedilatildeo com forte inclinaccedilatildeo para o conservadorismo pela imposiccedilatildeo do

retorno dos princiacutepios do liberalismo claacutessico agora com nova roupagem ou seja

com o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar neoliberal

Outro estudo realizado por Abrahamson (1996) revela a tendecircncia em curso do

regime de bem-estar latino no que diz respeito agrave ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo

social Como o quadro 11 demonstra no contexto de outros diferentes regimes de bem-

estar o modelo latino apresenta uma performance baixa tanto em relaccedilatildeo a uma como a

outra ecircnfase em especial pela ausecircncia do princiacutepio da redistributividade o que sem

duacutevida contribui para o aumento da pobreza nos lugares onde esse modelo eacute adotado

Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo social

Ecircnfase agrave redistribuiccedilatildeo social

Alto Baixo

Ecircnfase ao emprego Alto Socialista Liberal

Baixo Corporativista Catoacutelico (Latino)

Taxa de pobreza Moderada Alta

Fonte Abrahamson (1996 p 138)

Ademais em relaccedilatildeo agrave ecircnfase dada ao familismo como um traccedilo peculiar do

regime latino eacute forccediloso reconhecer uma grande diferenciaccedilatildeo entre a ambivalecircncia

presente no trato desse familismo de caraacuteter conservador e o trato dispensado agrave

feminizaccedilatildeo como uma questacirco de gecircnero (com destaque para a polarizaccedilatildeo trabalhista no

158

regime anglo-saxatildeo) como uma poliacutetica puacuteblica eou como um trabalho parcial e

complementar ao do Estado a exemplo do regime noacuterdico

Ao apresentar particularidades concretas o modelo mediterracircneo eou latino

natildeo tem seguido o padratildeo baacutesico da pauta familiar europeacuteia diferenciando-se do modelo

familiar adotado na Europa do Norte e Central Ademais a revisatildeo bibliograacutefica

realizada por este estudo revelou que a famiacutelia continua sendo objeto de estudo

privilegiado no campo das Ciecircncias Sociais jaacute que segue sendo interpretada como a

unidade baacutesica de reproduccedilatildeo e de socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos Estudos socioloacutegicos

contemporacircneos privilegiam anaacutelises sobre o significado das relaccedilotildees de parentesco

associadas ao universo simboacutelico e cultural representado pela famiacutelia Na literatura

especializada consultada (Iglesias de Ussel 1995 1998 e 2001 Moreno 2003 MATAS

2005 e outros) este estudo encontrou uma diversidade de concepccedilotildees e uma

multiplicidade de tipologias e de categorias analiacuteticas para referir-se ao conceito de

famiacutelia o que evidencia a impossibilidade de um concenso unitaacuterio sobre o que se entende

por famiacutelia Este estudo registra as recentes observaccedilotildees feitas por Matas (2005)

consideradas pertinentes agrave concepccedilatildeo e morfologia da dinacircmica familiar agrave medida que a

seu ver nas sociedades contemporacircneas as etapas do ciclo da vida (nuacutecleo familiar

tradicional) jaacute natildeo se ajustam de forma exclusiva a um uacutenico modelo familiar Haacute uma

crescente resistecircncia de alguns segmentos sociais a organizar sua existecircncia no marco das

estruturas familiares habituais e dos formatos convencionais Para Matas (2005 p 33)

ldquosatildeo muacuteltiplas as opccedilotildees familiares e natildeo familiares que se apresentam ao indiviacuteduo para

organizar sua vida crescendo entre os jovens a opccedilatildeo por novas pautas de comportamento

familiar a exemplo das chamadas uniotildees concensuais (natildeo formais)rdquo

No acircmbito da sociologia familiar essas descriccedilotildees apontam para um quadro

diversificado de fronteiras difusas que evidenciam grandes mudanccedilas na morfologia da

famiacutelia e uma grande incerteza diante do futuro dessa instituiccedilatildeo Em uma abordagem

mais otimista de superaccedilatildeo das anaacutelises positivistas e funcionalistas (por seu caraacuteter

quantitativo e generalista ao retingir o papel da famiacutelia agrave mantenccedilatildeo da ordem social)

privilegia-se a anaacutelise das tendecircncias da dicotomia entre a concepccedilatildeo e a praacutetica familiar

nos espaccedilos puacuteblico e privado da influecircncia dos fatores externos (poliacuteticos econocircmicos

e culturais) bem como das relaccedilotildees de poder e das questotildees de gecircnero como fatores

determinantes agraves mudanccedilas mais substantivas ocorridas na estrutura social e na

organizaccedilatildeo familiar contemporatildenea

159

Para Matas (2005 p40-41) o chamado modelo famiacuteliar mediterracircneo eou

latino apresenta altas taxas de matrimonialidade e caracteriza-se por um modelo que

recebe grande influecircncia de institruiccedilotildees religiosas em relaccedilatildeo ao controle moral Eacute

constituiacutedo em sua maioria por famiacutelias extensas (formadas por mais de um nuacutecleo

familiar) que seguem um modelo conjugal estaacutevel e cumprem rigorosamente com a

evoluccedilatildeo das etapas do ciclo vital caracteriacutesticas que refletem o peso da tradiccedilatildeo religiosa

e familiar nos paiacuteses da Europa do Sul No caso especiacutefico da Espanha eacute significativo o

peso da tradiccedilatildeo familiar pois o fenocircmeno do declive da fecundidade tem reduzido o

tamanho dos hogares nucleares mas natildeo a coesatildeo familiar Matas (2005 p41) privilegia

em sua anaacutelise a interdependecircncia de vaacuterios fatores tais como o peso da tradiccedilatildeo cultutral

que interfere nas mudanccedilas em curso a inexistecircncia de uma poliacutetica familiar puacuteblica e de

gecircnero implementada no acircmbito do Estado as circunstacircncias soacutecio-econocircnicas e poliacuteticas

o papel e o protagonismo da mulher no mercado de trabalho dentre outras

A exemplo da mesma tendecircncia que se observa no Brasil em relaccedilatildeo agrave

tradiccedilatildeo familiar no caso da Espanha a instituiccedilatildeo familiar continua tendo grande

relevacircncia no imaginaacuterio coletivo dos cidadatildeos e por isso a famiacutelia constitui-se na base

dessa sociedade (ceacutelula mater) ao apresentar um modelo tradicional de organizaccedilatildeo que a

tem transformado em instatildencia privilegiada no organograma institucional da sociedade

espanhola Para Matas (2005 p 47) ldquono marco dessa cultura familiar a relevacircncia

atribuiacuteda agrave famiacutelia eacute tomada como referecircncia central pelos estudiosos da sociologia e da

morfologia familiar em busca da compreensacirco das transformaccedilocirces sociais estruturais

ainda silenciosas pratagonizadas por essa sociedaderdquo As transformaccedilotildees de maior

relevacircncia referem-se agraves mudanccedilas processadas no acircmbito das relaccedilotildees inter e

intrafamiliares dos indicadores demograacuteficos da poliacutetica social das questotildees de gecircnereo

e dos determinantes processos de socializaccedilatildeo em curso naquele paiacutes o que informa uma

nova composiccedilatildeo dos nuacutecleos na estruturaccedilatildeo familiar Assiste-se a uma simplificaccedilatildeo

progressiva das formas de convivecircncia nas unidades familiares (a exemplo dos hogares

unipersonales) com aumento da praacutetica cada vez mais frequumlente de idosos que optam por

morar sozinhos como consequumlecircncia das prestaccedilotildees sociais que recebem do Estado na

forma de pensotildees sociais e do aumento da espectativa de vida desses segmentos Ademais

os Tribunais de Justiccedila concedem em 90 dos casos demandados a guarda e a custoacutedia

dos filhos agraves matildees em detrimento dos pais o que tem aumentado o nuacutemero dos hogares

monoparentais Essas mudanccedilas ocorridas na morfologia da famiacutelia espanhola evidenciam

160

a coexistecircncia de antigas e novas formas de organizaccedilatildeo familiar haja vista o conteuacutedo

atual da legislaccedilatildeo espanhola que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo da coabitaccedilatildeo (eou do

casamento oficial) entre homosexuais o que tem gerado grandes polecircmicas em setores

conservadores dessa sociedade por sua resistecircncia em aceitar formas de organizaccedilatildeo

familiar natildeo tradicionais (EL Paiacutes setembro de 2005)

Em 2000 investigaccedilotildees cientiacuteficas realizadas pelo Grupo de Estudos sobre

Tendecircncias Sociais _ Famiacutelias espanholas no futuro e apresentadas por ocasiatildeo do Quarto

Foacuterum sobre Tendecircncias Sociais indicaram alguns efeitos curiosos identificados como

novas tendecircncias familiares na sociedade espanhola (MATAS p 48-50) tais como

a) aumento das famiacutelias monoparentais encabeccediladas por mulheres (solteiras viuacutevas divorciadas eou separadas) o que aponta para a diminuiccedilatildeo de hogares muacuteltiplos e extensos com famiacutelias nucleares e uma maior matrilinealidade familiar b) crescimento das famiacutelias sem filhos ou com apenas um filho c) aumento da autonomoia individual (processo de individualizaccedilatildeo) em detrimento da dependecircncia afetiva familiar geradora de uma tardia emancipaccedilatildeo familiar dos jovens e em definitivo um menor protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na vida dos indiviacuteduos com perda gradativa da relevacircncia das famiacutelias patriarcais tradicionais d) aumento das famiacutelias reconstituiacutedas como consequumlecircncia de rupturas anteriores e e) aumento do protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na organizaccedilatildeo econocircmica da sociedade com maior mercantilizaccedilacirco dos serviccedilos sociais prestados pelas famiacutelias no que se refere agrave atenccedilatildeo e cuidado dispensado aos membros familiares dependentes

A referida pesquisa sugere uma reavaliaccedilatildeo do modelo familiar e um debate sobre

a funccedilatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar relacionando-a com a poliacutetica social e econocircmica No

entanto natildeo obstante a confirmaccedilatildeo empiacuterica das tendecircncias presentes nessa sociedade

buscadas metodologicamente mediante validez comparativa a referida investigaccedilatildeo reafirma

como tendecircncia contemporatildenea a permanecircncia do matrimocircnio instituiccedilatildeo que seguiraacute sendo

considerada pela sociedade espanhola como o espaccedilo por excelecircncia de garantia da formaccedilatildeo

da identidade de bem-estar e de socializaccedilatildeo dos filhos

Esta tese corrobora a sugestatildeo de debate sobre as funccedilotildees puacuteblicas do Estado

Social propondo que essa discussatildeo ocorra no marco da adesatildeo dessas sociedades agrave

proposta do pluralismo de bem-estar um fenocircmeno contemporacircneo apontado pelos

neoliberais como estrateacutegia alternativa agrave assistecircncia social puacuteblica e institucionalizada

161

52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e

no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos

ldquoA famiacutelia eacute uma instituiccedilatildeo social e o fundamento da sociedade mas eacute tambeacutem

um ator e um lugar de adoccedilatildeo de decisotildees e como instituiccedilatildeo interfere no comportamento e

nas expectativas de um povordquo afirma Esping-Andersen (2000 p 69) Ele argumenta que de

forma paralela ao Estado e ao mercado a famiacutelia faz parte de uma infra-estrutura reguladora

e integrada que define o que eacute racional e desejaacutevel e o que facilita a integraccedilatildeo social

Nessa perspectiva tomando de empreacutestimo a afirmaccedilatildeo de Esping Andersen

(apud JOHNSON 1990) entende-se que a famiacutelia contemporacircnea como instituiccedilatildeo tem

mudado e tem mudado tambeacutem a proacutepria sociedade Com base na teoria da modernizaccedilatildeo

(ecircnfase agraves grandes forccedilas convergentes do industrialismo) ateacute o evento da sociedade

industrial urbana a famiacutelia e a comunidade eram os principais concretizadores de bem-

estar social o que significa dizer que na sociedade contemporacircnea estaacute em curso uma

grande mudanccedila na forma de partilhar os riscos em uma microsolidariedade localista

ldquoDisso resulta evidente o paralelismo presente na transiccedilatildeo da solidariedade mecacircnica a

solidariedade orgacircnica de Durkheimrdquo (ESPING-ANDERSEN 2000 p 70) Nos uacuteltimos

anos a famiacutelia estaacute em evidecircncia e apresenta mudanccedilas internas e externas significativas

No entanto satildeo escassos os estudos empiacutericos voltados especificamente para o papel da

famiacutelia no campo privado da provisatildeo social O modelo parsoniano de famiacutelia nuclear

(PARSONS apud ESPING-ANDERSEN 2000) prevalente no periacuteodo apoacutes a Segunda

Guerra Mundial com predominacircncia da figura paterna como chefe de famiacutelia prestava

escassa atenccedilatildeo empiacuterica a esse fenocircmeno jaacute que parecia estar consolidado e

institucionalizado

Contudo existem abundantes concepccedilotildees que tratam de analisar e ressaltar o

papel dos chefes de famiacutelia no conjunto das medidas de bem-estar dentre elas a que

ressalta o protagonismo da mulher ndash concepccedilatildeo que tem apresentado mudanccedilas na

contemporaneidade em um contexto em que se consolida o acesso da mulher no mercado

de trabalho em busca de sua independecircncia econocircmica

A literatura especializada (WILENSKY apud ESPING-ANDERSEN 2000)

sempre preocupou-se em analisar a influecircncia poliacutetica da religiatildeo (impacto do catolicismo na

poliacutetica social da Europa) e natildeo tanto o papel assistencial prestado pela famiacutelia nos distintos

modelos de Estado de Bem-estar Infere-se dessa constataccedilatildeo empiacuterica a ausecircncia de uma

162

poliacutetica voltada especiacuteficamente agrave famiacutelia apesar da ecircnfase dada aos serviccedilos assistenciais

desenvolvidos no espaccedilo familiar caractetrizando-se como fenocircmenos do familismo e de

desfamiliarizaccedilatildeo como demonstra a discussatildeo no iacutetem seguinte

521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo

Diante desses fatos e constataccedilotildees empiacutericas a questatildeo que se coloca eacute em que

medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da

proteccedilatildeo social puacuteblica Esping Andersen (2000) e Saraceno (1996) preferem falar de graus

de familiarismo ou de desfamiliarizaccedilatildeo apressando-se em afirmar que a

desfamiliarizaccedilatildeo natildeo tem um conteuacutedo antifamiliar Ao contraacuterio refere-se ao grau em

que se encontram as responsabilidades assistenciais relativas ao bem-estar realizadas pela

unidade familiar A seu ver um sistema familista eou familiarista (que tambeacutem natildeo

significa proacute familia) eacute aquele no qual a poliacutetica puacuteblica presupotildee como exigecircncia que as

unidades familiares assumam a responsabilidade principal do bem-estar de seus membros

(ex familismo na Europa do SulEspanha)

Em contraposiccedilatildeo um regime desfamiliarizador para Esping-Andersem

(2000) eacute aquele que trata de desresponsabilizar a famiacutelia da proteccedilatildeo social familiar e de

reduzir a dependecircncia do bem-estar dos indiviacuteduos entre eles pelo grau de parentesco

Nesse sentido o conceito de desfamiliarizaccedilatildeo eacute paralelo ao de desmercantilizaccedilatildeo ou

seja a desfamiliarizaccedilatildeo como condiccedilatildeo preacutevia agrave mercantilizaccedilatildeo indica o grau de

autonomia que a poliacutetica social atribui agrave mulher para se mercantilizar ou para estabelecer

nuacutecleos familiares independentes Historicamente o familiarismo sempre esteve vinculado

a uma poliacutetica familiar (ou agrave ausecircncia dela) extremamente passiva e pouco desenvolvida

Um dado curioso que se apresenta como paradoxal nas sociedades contemporacircneas eacute que

as chamadas poliacuteticas familiares ativas (ou de ativaccedilatildeo) tambeacutem se mostram pouco

desenvolvidas na maioria dos regimes familiaristas

Do ponto de vista metodoloacutegico o desafio maior estaacute em como medir ou

quantificar o grau do familismo e o de desfamiliarizaccedilatildeo Uma anaacutelise na perspectiva

comparada dispotildee-se a aferir o papel dos governos na produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de serviccedilos

de bem estar os resultados dos programas (quem obteve o que) eou os vaacuterios informes

sobre seguros trabalhistas (individuais ou coletivos) a respeito do niacutevel macro

163

Indiscutivelmente eacute mais difiacutecil aferir o que ocorre por traacutes dos muros da famiacutelia ou seja

ao niacutevel micro Ademais os serviccedilos que as famiacutelias prestam a si mesmas que Esping

Andersen (2000) denomina de auto-serviccedilos familiares natildeo estatildeo monetarizados e

portanto natildeo aparecem na maior parte das estatiacutesticas nacionais ou seja tais serviccedilos que

tambeacutem natildeo satildeo remunerados natildeo satildeo contabilizados nem incluiacutedos nos orccedilamentos

puacuteblicos e na renda nacional Alguns autores criacuteticos do Estado Social nos anos 1990

afirmam que os artiacutefices e idealizadores do Estado de Bem-estar do periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial como Beveridge entenderam essa instituiccedilatildeo (Wefare State) em

grande parte como um sistema de transferecircncia de renda que no acircmbito da famiacutelia a

ajudaria a ocupar-se de seus membros Ateacute entatildeo agraves mulheresmatildees competia serem donas

de casa o que significa dizer que os Estados de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra

mundial ao privilegiarem a assistecircncia agrave sauacutede e agrave manutenccedilatildeo dos recursos mediante a

transferecircncia de dinheiro agraves famiacutelias (custos adicionais) natildeo absorveram as

responsabilidades assistenciais decorrentes da participaccedilatildeo familiar Ademais o reduzido

valor dos recursos complementares gastos com transferecircncias de renda natildeo aumentou a

autonomia financeira e a capacidade das famiacutelias para contratar serviccedilos assistenciais no

mercado o que na opiniatildeo de Esping-Andersen (2000) caracterizaria uma

desfamiliarizaccedilatildeo subvencionada por esta instacircncia

No acircmbito dessa discussatildeo Esping-Andersen (2000 p 86) sugere quatro tipos de

indicadores para determinar e aferir a desfamiliarizaccedilacirco do Estado de Bem-estar a)

compromisso global de serviccedilos (gastos em serviccedilos familiares natildeo incluindo os de sauacutede

expressos como porcentagem do Produto Interno Bruto _ PIB nacional) b) compromisso

global de subvenccedilatildeo das famiacutelias com filhos (valor combinado dos subsiacutedios familiares e das

deduccedilotildees de impostos) c) cobertura dos serviccedilos puacuteblicos de atenccedilatildeo agrave infacircncia (berccedilaacuterios e

creches para crianccedilas menores de trecircs anos) d) oferta de assistecircncia aos idosos (porcentagem

de pessoas de mais de 65 anos que passaram a ser objeto de atenccedilatildeo domiciliar) A seu ver em

termos de provisatildeo social puacuteblica pouco se avanccedilou e o modelo assistencial familiar proposto

mostrou-se insuficiente Os modelos europeus em particular os modelos liberal continental e

mediterracircneo diferem uacutenicamente pela maior ou menor ecircnfase dada a tais aspectos

Outro problema apresentado em estudos a partir dos anos 1990 eacute que os

Estados de Bem-estar familistas previram que o sustento econocircmico dos jovens

constituiacutesse obrigaccedilatildeo familiar Atualmente na Europa do Sul os jovens adultos vivem

com seus pais ateacute mais de trinta anos em um flagrante processo de prolongamento de uma

164

adolescecircncia tardia Pesquisas apontam que a proporccedilatildeo de jovens italianos na faixa etaacuteria

de vinte a trinta anos desempregados que vivem com seus pais eacute de 81

A seguir o quadro 12 elaborado por Esping Andersen (2000) revela os

contrastes existentes e as diferentes expectativas que cada regime de bem-estar tem em

especial o mediterracircneo (Europa do Sul) em relaccedilatildeo a trecircs setores papel da famiacutelia do

mercado e do Estado

Quadro 12 Caracteriacutesticas dos Estados de Bem-estar quanto ao papel da famiacutelia do

mercado e do Estado

Regimes de bem-estar

Liberal Social democrata ConservadorMediterracircneo

Papel

da famiacutelia Marginal Marginal Central

do mercado Central Marginal Marginal

do Estado Marginal Central Subsidiaacuterio

Estado de Bem-estar

Modo de solidariedade dominante

Individual Universal Parentesco Corporativo Estatismo

Lugar de solidariedade predominante

Mercado

Estado

Famiacutelia

Grau de desmercantilizaccedilatildeo

Miacutenimo

Maacuteximo

Alto (p o chefe de famiacutelia)

Exemplos Estados Unidos Sueacutecia Espanha Itaacutelia

Fonte Esping Andersen (2000 p 115)

O destaque fica portanto para a centralidade dada pelo regime mediterracircneo

(Europa do Sul) de caraacuteter conservador ao papel da famiacutelia e nela conforme demonstra

o referido quadro a ecircnfase recai na figura masculina como chefe de famiacutelia e na mulher

como cuidadora social Nesse contexto a solidariedade no espaccedilo familiar e comunitaacuterio

aparece como valor maior de referecircncia

Para Alcock (apud PEREIRA 2003 p 13) ocorre essa situaccedilatildeo por ser a

famiacutelia uma instacircncia livre de constrangimentos burocraacuteticos regras e normas de controles

externos Tambeacutem pela preponderacircncia de uma cultura familiar que cultua o desejo

espontacircneo de cuidar e a predisposiccedilatildeo para proteger educar e ateacute para fazer sacrifiacutecios

mediante engajamentos altruiacutestas Sem duacutevida trata-se de um espaccedilo propiacutecio e um perfil

adequado para o esquema de provisatildeo social plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico

conforme modelo pluralista apreendido adotado e proposto pelos neoliberais apoacutes efetuar

165

mudanccedilas em sua organizaccedilatildeo e estrutura na perspectiva da perda de protagonismo e da

desresponsabilizaccedilatildeo do Estado na aacuterea social puacuteblica

Enfatiza-se nesse modelo como expressatildeo da proposta de pluralismo de bem-

estar o papel da famiacutelia do Estado do terceiro setor e do mercado como atores centrais na

produccedilatildeo de bem-estar e na organizaccedilatildeo das associaccedilotildees familiares conforme demonstra a

figura 4 a seguir

Fonte Pedro Castoacuten Boyer Manuel Herrera Goacutemez e Luis Ayuso Sanche In HERRERA REQUENA ( 2004 p 180)

Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares

Como constataccedilatildeo empiacuterica da adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta

pluralista de bem-estar a figura 4 apresenta um esquema teoacuterico (para anaacutelise das

associaccedilotildees familiares) identificado com a proposta neoliberal que evidencia o papel dos

atores que deveratildeo atuar no acircmbito do pluralismo de bem-estar e na constituiccedilatildeo das

166

associaccedilotildees familiares em uma sociedade complexa como a da Espanha A anaacutelise que os

defensores do pluralismo Boyer Goacutemez Herrera e Sanche (2004) fazem sobre as

mudanccedilas e tendecircncias atuais que estatildeo ocorrendo no acircmbito do bem-estar revela o

momento de transiccedilatildeo ou seja da passagem de modelos de Estado de Bem-estar puacuteblico

aos sistemas pluralistas de bem-estar em que a accedilatildeo articulada de vaacuterios atores e setores

tais como Estado mercado terceiro setor e famiacutelia deveraacute garantir e satisfazer as novas

demandas de cidadania Essas demandas satildeo justificadas em razatildeo da complexidade do

processo de formaccedilatildeo das complexas e avanccediladas sociedades capitalistas contemporacircneas

Na afirmaccedilatildeo dos autores citados (2004 p 181) o papel a ser desempenhado por esses

atores em substituiccedilatildeo ao papel do Estado eacute bastante claro

a famiacutelia como portadora de uma eacutetica de ajuda uacutenica baseada nas relaccedilotildees de reciprocidade e por estar mais proacutexima das necessidades pessoais dos cidadatildeos deveria ser o ator de referecircncia nessa articulaccedilatildeo Trata-se de mudanccedilas no papel das organizaccedilotildees sociais civis que passam a desenvolver suas atividades de serviccedilo agrave sociedade fornecendo estrutura formal agrave accedilatildeo das famiacutelias Ainda na opiniatildeo desses autores o Estado deveria proteger legalmente esse desenvolvimento e apoiar a famiacutelia sem chegar a dirigiacute-la e colonizaacute-la pois o mercado deveraacute oferecer os serviccedilos que o resto de atores demandem utilizando a loacutegica da eficiecircncia (2004 p 181)

Com base nessas afirmaccedilotildees infere-se que as famiacutelias com sua suposta

autonomia como sujeitos sociais e como espaccedilos privados de provisatildeo social deveratildeo

associar-se para defender seus proacuteprios direitos e para responder de maneira mais adequada

agraves demandas e necessidades sociais de seus membros Nesse sentido a formaccedilatildeo das

asociaccedilotildees familiares torna-se um fenocircmeno proacuteprio e peculiar das sociedades avanccediladas

com a missatildeo de criar um modelo de bem-estar mais equilibrado Na perspectiva pluralista

de bem-estar os novos problemas sociais natildeo podem ser resolvidos somente por um ator e

de maneira isolada mas necessitma da coordenaccedilatildeo de todos os sujeitos Com base nessa

premissa as associaccedilotildees familiares em geral representam conforme afirma Larantildea (1999

apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004) agecircncias geradoras de sentido nas

sociedades complexas Pode-se afirmar que tais associaccedilotildees desenvolvem uma cultura

proacutepria e criam formas de convivecircncia social configurando-se como autecircnticos

laboratoacuterios de futuros modelos de sociedade de bem-estar Com base nessa proposta as

associaccedilotildees familiares passam a representar formas mais complexas de integraccedilatildeo social

com base intersubjetiva Portanto na visatildeo dos defensores do modelo familista neoliberal

ao mesclar relaccedilotildees primaacuterias (proacuteprias da famiacutelia) procurando responder agraves necessidades

167

de seus membros tais associaccedilotildees expressam tambeacutem uma melhor organizaccedilatildeo das

necessidades familiares e o cumprimento das funccedilotildees privadas da famiacutelia

Nesse contexto de mudanccedilas percebe-se que o papel central que as associaccedilotildees

familiares deveratildeo desempenhar na reestruturaccedilatildeo dos sistemas de bem estar em base

plural ou mista expressa uma tendecircncia que no limite transforma essas associaccedilotildees em

atores principais para assegurar um bem-estar privado e personalizado a toda a sociedade

no campo dos serviccedilos sociais mediante a promoccedilatildeo de uma eacutetica de solidariedade

tambeacutem privada plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica que passa a ser justificada como

necessaacuteria agrave vida social contemporacircnea nas sociedades avanccediladas

Para interpretar essa tendecircncia pluralista e sua interferecircncia na estrutura social

familiar socioacutelogos atuais estudam esses processos sociais diferenciando-os em suas

distintas esferas de accedilatildeo dentre outras Giddens (1995 apud HERRERA REQUENA

2004) utilizando-se de vaacuterias categorias para referir-se aos espaccedilos micro e macro na

reestruturaccedilatildeo da vida familiar cotidiana e Habermans ( apud HERRERA REQUENA

2004) que distingue as duas esferas do mundo da vida isto eacute a vida privada e a opiniatildeo

puacuteblica de dois sub-sistemas_ o econocircmico e o administrativo Goacutemez Herrera (1998

2004) aponta nesses processos trecircs categorias_ continuista seletivo modelo liblab e o

comunitaacuterio apontado por ele como proacuteprio da nova cidadania societaacuteria Tambeacutem nesta

perspectiva pluralista o socioacutelogo italiano Donati (apud HERRERA REQUENA 2004)

baseia-se na teoria parksoniana para interpretar os novos fenocircmenos e os sistemas de bem-

estar e suas poliacuteticas O modelo teoacuterico adotado por Donati estabelece quatro esferas

proacuteprias da modernidade como esferas centrais desse modelo o mercado que eacute regulado

pelos preccedilos e no qual se supotildee que os indiviacuteduos buscam obter o maior benefiacutecio possiacutevel

e o Estado que eacute regulado pela esfera poliacutetica e desenvolve um aparato burocraacutetico onde

se insere o cidadatildeo As outras duas esferas satildeo o terceiro setor constituiacutedo por

organizaccedilotildees autocircnomas sem fins lucrativos e que atuam a partir de objetivos solidaacuterios e

as redes primaacuterias de familiares vizinhos e amigos que cumprem funccedilotildees especiacuteficas

como atores de referecircncia Eacute assim que passam a propor uma pluralizaccedilatildeo do bem-estar

justificando-a em face das novas demandas sociais A ideacuteia eacute desenvolver um movimento

associativo das famiacutelias fomentando um maior protagonismo dos chamados grupos

intermediaacuterios incentivando uma maior coesatildeo e responsabilidade social fazendo que

cidadatildeos participem como sujeitos ativos na prestaccedilatildeo desses serviccedilos sociais e natildeo apenas

como usuaacuterios paciacuteficos Dentre as diferentes estrateacutegias de atuaccedilatildeo da sociedade civil

168

classificadas pelos cientistas sociais uma defende um maior incremento do papel do

Estado na vida social assegurando o universalismo dos serviccedilos e outra faz a defesa de

um papel mais reduzido do Estado e assegura natildeo a proteccedilatildeo apenas de alguns poucos

Destaca-se a corrente que defende um maior papel central do mercado incentivando-o a

desenvolver sua accedilatildeo no campo dos serviccedilos sociais Essa corrente configura-se como a

opccedilatildeo dos neoliberais que tambeacutem estimulam o protagonismo de vaacuterios atores de bem-

estar social tais como terceiro setor associaccedilotildees famiacutelias e redes informais com ecircnfase

no protagonismo da mercado tal como demonstram as figuras 1 e 2 jaacute apresentadas nesta

tese referentes ao esquema teoacuterico triagular do pluralismo de bem-estar

(ABRAHAMSON 1995) Eacute do italiano Donati (1997 apud GOacuteMEZ HERRERA

REQUENA 2004) defensor da proposta pluralista neoliberal a ideacuteia de que tanto no

passado como no presente o quarto setor constituiacutedo por famiacutelias e redes informais

(parentes amigos vizinhos e voluntaacuterios) tem sido progressivamente anulado o que se

deriva da incapacidade de se produzir uma eacutetica de solidariedade capaz de influir nos

processos societaacuterios A seu ver os trecircs setores institucionais caminham segundo sua

proacutepria moral mas natildeo existe um cimento eacutetico comum cimento que deveria ter sua

origem no mundo vital da famiacutelia

Dentre as diversas aportaccedilotildees encontradas sobre propostas de reforma do

sistema de bem-estar (welfare) de orientaccedilatildeo neoliberal este estudo destaca de forma

resumida e sem a pretensatildeo de uma anaacutelise detalhada as aportaccedilotildees de Donati (1996) Paci

(1997 e de Rossi (1997) (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS LUIS 2004 p 93-125)

Esses estudos privilegiam o desenvolvimento do mercado baseado nos princiacutepios da

solidariedade e da coesatildeo social mediante a atuaccedilatildeo dos diversos atores e setores no

campo da proteccedilatildeo social Goacutemez Herrera e Pageacutes (2004) ao analisarem as obras de alguns

autores italianos_ Diez libros para la reforma del welfare (item IV)_ justificam a escolha

desses autores por apresentarem ldquovolumes elaborados de forma rica e criativa no recente

contexto italiano das Ciecircncias Sociais dos anos 1990rdquo (GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS

2004 p 93) Objetiva-se nesta tese ao registrar as aportaccedilotildees desses autores identificados

com a proposta neoliberal de bem-estar destacar a ecircnfase atribuiacuteda por eles agrave tese

minimalista do papel do Estado no campo da provisatildeo social puacuteblica com destaque para os

princiacutepios da subsidiaridade da relacionalidade social do individualismo responsaacutevel

bem como da cultura da dependecircncia como estrateacutegias neoliberais de esvaziamenrto das

esferas puacuteblicas

169

Para Donati e seus colaboradores (1996 apud GOacuteMEZ HERRERA

PAGEacuteS 2004 p 103)

ldquouma das finalidades da transformaccedilatildeo do welfare estaacute em promover a emergecircncia dos sujeitos que formam o terceiro setor entendido como um modo de ser positivo e inovador da sociedade e como uma forma social emergentecuja finalidade pode ser resumida na criaccedilatildeo de novas formas de integraccedilatildeo ou de solidariedade social ainda que sua orientaccedilatildeo peculiar esteja em criar promover e salvaguardar a solidariedade mediante accedilotildees inspiradas nas regras do dom da equumlidade e da reciprocidade O especiacutefico do terceiro setor argumenta Donati (1996) sob influecircncia da teoria habermasiana estaacute na criaccedilatildeo de bens relacionados isto eacute de bens com utilidade social gestionados e produzidos mediante uma especiacutefica atenccedilatildeo agrave relacionalidade social que se estabelece entre os membros mediante a co-participaccedilatildeo mantendo uma dignidade institucional anaacuteloga aos sistemas de Estado e de mercado para que esses membros possam se transformar em um ator institucionalizado capaz de criar bem-estar socialrdquo (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS 2004 p 103)

A formulaccedilatildeo de Donati deixa claro a defesa dos pluralistas ao princiacutepio do

individualismo responsaacutevel mediante o qual segundo Paci (1997) outro autor italiano defensor

da proposta de bem-estar plural (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 97) ldquoo indiviacuteduo deve

poder decidir livremente os instrumentos que tecircm que utilizar e para configurar sua seguridaderdquo

Paci (1998) retoma o discurso antiestatal no campo da cultura e das praacuteticas de serviccedilos sociais

e destaca textualmente como o maior desafio da conjuntura atual

a passagem de um Welfare da assistecircncia (Welfare State) em que o princiacutepio da justiccedila redistributiva estava baseado no conceito de equumlidade social (de igualdade de acesso aos bens e serviccedilos sociais garantidos pelo Estado a todos os cidadatildeos) para o welfare das oportunidades de mercado e das responsalilidades individuais em que os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade passaram a ser os elementos principais da pretendida coesatildeo social

Ao enfatizar a funccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social privado Paci (1998)

reafirma que essa funccedilatildeo corresponde natildeo soacute ao Estado (recurso da redistribuiccedilatildeo)

senatildeo tambeacutem agrave igreja agrave famiacutelia e agraves organizaccedilotildees do terceiro setor (recurso da

solidariedade) e inclusive ao proacuteprio mercado (recurso do intercacircmbio entre dinheiro

e serviccedilos) Em resumo no acircmbito dessa proteccedilatildeo social privada os serviccedilos devem

estruturar-se como empresas sociais termo utilizado por De Leonardis (1998 apud

GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 111) para designar uma forma associativa de privado

social baseada no princiacutepio da autonomia em relaccedilatildeo ou seja o chamado setor privado

social deve produzir os bens relacionais que o caracterizam permitindo sua circulaccedilatildeo e

170

disponibilidade para toda a sociedade Ainda para Paci (apud GOacuteMEZ HERRERA

PAGEacuteS p 109) ldquoo miacutenimo vital deve compreender a concessatildeo eou dotaccedilatildeo

necessaacuteria ao nuacutecleo familiar (aleacutem da pensatildeo social) devendo permanecer abaixo do

valor do salaacuterio miacutenimo (princiacutepio da subsidiaridade) para natildeo incorrer nas armadilhas

da pobreza incentivando a passividade (dependecircncia) de seus destinataacuteriosrdquo Nesse

sentido para Paci (1997) ldquoeacute necessaacuterio conceber o sistema de proteccedilatildeo social (leia-se

plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico) como elemento simboacutelico fundamental do novo

pacto de cidadania universal adaptado agrave sociedade modernardquo (apud GOacuteMEZ

HERRERA PAGEacuteS p 97)

Diante do exposto o princiacutepio baacutesico que fundamenta as relaccedilotildees pluralistas

entre Estado mercado e terceiro setor eacute o princiacutepio de subsidiariedade entendido tanto

em sentido vertical como horizontal pois nessa perspectiva provisatildeo social puacuteblica tem

que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio

A formulaccedilatildeo de Rossi (1997) refere-se agrave terceira aportaccedilatildeo Rossi

posiciona-se sobre os instrumentos operaticionais das poliacuteticas sociais com a defesa de

que ldquoo Estado Social deve reformar-se para estabelecer um conjunto de poliacuteticas que

associem a responsabilidade individual responsaacutevel agrave justiccedila social Para ele o lugar

por excelecircncia do welfare eacute e seguiraacute sendo o mercado de trabalho Ao centrar seu

discurso no tema do trabalho Rossi afirma que o trabalho eacute a base do welfare pois eacute

necessaacuterio e ainda possiacutevel dar responsabilidades laborais especialmente aos jovens

Ainda no acircmbito da reforma do welfare em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede Rossi defende

ldquoa integraccedilatildeo do terceiro setor em um novo quase mercado da sauacutede que deve ser

promovido e regulado poreacutem natildeo gestionado pelo Estadordquo

No contexto desse debate sobre propostas de reforma do welfare natildeo se

privilegia a natureza puacuteblica da proteccedilatildeo social do Estado como garante de cidadania

nem a concreta realizaccedilatildeo e garantia dos direitos sociais como prerrogativa e fator

determinante dessa instacircncia Ao contraacuterio ignora-se esses aspectos e utiliza-se como

estrateacutegia de convencimento o discurso da cultura da dependecircncia (culpalizaccedilatildeo dos

beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga fiscal do Estado) e da superaccedilatildeo

do axioma baseado na premissa de que o que eacute puacuteblico deve ser gestionado e garantido

pelo Estado Um outro aspecto ausente nesse debate levando-se em conta que o

puacuteblico natildeo se restringe ao estatal eacute a discussatildeo sobre em que condiccedilotildees institucionais

deveraacute ocorrer a legitimaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico desses serviccedilos de natureza plural ou

171

mista Em outras palavras natildeo se discute que requisitos satildeo levados em conta na

qualificaccedilatildeo dos serviccedilos sociais para a sustentaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico de seus

processos e produtos Diante dessas aportaccedilotildees constata-se o que estaacute em pauta ou

seja a desregulamentaccedilatildeo a desqualificaccedilatildeo e a reduccedilatildeo sistemaacutetica das funccedilotildees de

intervenccedilatildeo puacuteblica desenvolvidas pelo Estado Social

A figura 5 evidencia de forma clara um crescente aumento das associaccedilocirces

familiares na Espanha a partir do final dos anos 1970 como expressatildeo da nova orientaccedilatildeo

neoliberal com destaque para as deacutecadas de 1980 e 1990 periacuteodo de maior espansatildeo dessa

modalidade de organizaccedilatildeo familiar

Fonte FOESSA (1994) In HERRERA REQUENA 2004 p 201

Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares

O quadro 13 apresenta uma tipologia de associaccedilotildees familiares elaborada por

Rossi Maccarini (1999 p 203) apresentada por Herrera Requena (2004 p 193) com

os objetivos gerais da associaccedilatildeo claramente definidos (de ajuda agraves proacuteprias famiacutelias e de

ajuda agraves famiacutelias especiacuteficas) bem como a especificaccedilatildeo dos membros que deveratildeo

constituir as associaccedilotildees familiares na Espanha

Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares

Membros constituintes Objetivos gerais da

associaccedilatildeo

Ajuda agraves proacuteprias famiacutelias Ajuda a famiacutelias especiacuteficas

e objetivos gerais Objetivos gerais

Somente famiacutelias A B C

Famiacutelias e outros sujeitos D E F

Outros sujeitos G H I

Fonte HERRERA REQUENA 2004 p 193 Quadro elaborado por Rossi Maccarini (1999 p 203)

172

Segundo tais criteacuterios e objetivos utilizados na identificaccedilatildeo dos membros

constituintes e dos diversos tipos de ajuda agraves famiacutelias as associaccedilotildees satildeo interpretados em

sentido geral por Rossi y Maccarini (1999) da seguinte forma

a) tipo A_associaccedilocirces de auto-ajuda e ou ajuda muacutetua compostas por grupos de pais

que organizam serviccedilos como ajudar-se reciacuteprocamente diante de patolologias

(alccoolismo toxicomanias etc) entretenimento e cuidados dispensados agraves crianccedilas

da comunidade local etc

b) tipo B_associaccedilotildees que defendem direitos relacionados aos membros da famiacutelia

(crianccedilas mulheres idosos)

c) tipo C_associaccedilotildees de pais que promovem accedilotildees a respeito de certos valores

familiares na sociedade e outros objetivos (por exemplo movimentos contra a

educaccedilatildeo sexista contra determinados programas de TV) e outros

d) tipo D_associaccedilotildees familiares com assessores eou outras figuras que buscam uma

seacuterie de serviccedilos e benefiacutecios sociais para a comunidade local (cooperativas de pais

por exemplo)

e) tipo E_associaccedilotildees que repassam recursos ou prestam serviccedilos tanto agraves famiacutelias

envolvidas como a outras famiacutelias da comunidade local

f) tipo F_associaccedilotildees de famiacutelias que trabalham com o objetivo de pressionar a opiniatildeo

puacuteblica para conseguir determinados objetivos (por exemplo liberdade de educaccedilatildeo)

g) tipo G_associaccedilotildees que trabalham de forma individual ou com Instituiccedilotildees para ajudar

determinados grupos de famiacutelias (por exemplo famiacutelias pobres do bairro)

h) Tipo H_associaccedilotildees compostas por sujeitos diversos (familiares e natildeo-familiares)

com o objetivo de ajudar um grupo de famiacutelias

i) Tipo I_ associaccedilotildees formadas por sujeitos diversos para conseguir objetivos gerais de

caraacuteter familiar ( associaccedilotildees de preparaccedilatildeo ao parto por exemplo)

A seguir a tabela 2 apresenta a evoluccedilatildeo da tipologia familiar na Espanha no

periacuteodo de 1970 a 1991 Entre 1970 e 1981 destaca-se que a variaccedilatildeo percentual dos

tipos nucleares incluiacutea os modelos monoparentais

173

Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em ) ndash Espanha

1970 1981 e 1991

Tipos de hogar 1970 ndash 1981 1981 ndash 1991 1981 ndash 1991

Solitaacuterios Sem nuacutecleo Monoparentais Nucleares

Extensos Muacuteltiplos

6432 2181

2399 -445 -2991

1781 1415 8225 843

-2810 -1388

4824 924

7301 1639 -3368 -1700

Total 1957 866 1440

Dados da EPA Dados censais Fonte Elaboraccedilatildeo com base no Censo de Populaccedilatildeo de 1970 do Censo de Populaccedilatildeo de 1981e da Pesquisa de Populaccedilatildeo Ativa (segundo trimestre) de 1991 (Dados disponibilizados por T Requena e L Garrido In HERRERA REQUENA 2004 p 155)

As principais diferenccedilas percebidas entre a distribuiccedilatildeo de hogares (ambientes

familiares) por tipos e a distribuiccedilatildeo da populaccedilatildeo segundo o tipo de hogar explica-se pela

diferenccedila de tamanho dos hogares conforme revelam as tabelas 2 e 3 Na Espanha haacute uma

diversidade de tipos e composiccedilatildeo de hogares isto eacute de dois ou mais nuacutecleos (constiuiacutedos

por cinco ou mais pessoas) hogares solitaacuterios sem nuacutecleo monoparentais nucleares

simples ou nucleares extensos e hogares plurinucleares ou muacuteltiplos (formados por cinco

ou mais membros)

Da anaacutelise da tabela 2 depreende-se que ainda que na Espanha durante as duas

uacuteltimas deacutecadas o tipo de hogar mais comum tenha sido o nuclear simples produziu-se

uma simplificaccedilatildeo das formas familiares na Espanha como consequumlecircncia do incremento

dos hogares unipessoais eou natildeo-familiares e do decreacutescimo dos hogares nucleares

extensos e muacuteltiplos Segundo dados da EPA de 34 em 1970 o nuacutemero de hogares

unipessoais aumentou em 45 nos anos 1980 Contudo o exame mais detalhado em

relaccedilatildeo agrave diversidade de formas de hogar na Espanha evidencia que a reduccedilatildeo das

tradicionais formas familiares complexas e extensas de hogares natildeo deve ser vista

simplesmente como um fato loacutegico e natural mas como a capacidade de adaptaccedilatildeo da

famiacutelia contemporacircnea agraves mudanccedilas ocorridas nas realidades sociais estruturais eou

conjunturais pois historicamente a sociedade havia destinado agrave famiacutelia grande parte de

suas funccedilotildees tradicionais

No caso particular das mudanccedilas ocorridas na estrutura da famiacutelia espanhola

ela apresenta particularidades proacuteprias em face do processo de modernizaccedilatildeo familiar

europeu que se apresenta como modelo padratildeo A dimensatildeo territorial das formas

familiares na Espanha bem como o conjunto de tipologias familiares regionais existentes

174

naquele paiacutes revelam uma geografia de estruturas famiacuteliares muito distinta A anaacutelise das

caracteriacutesticas demograacuteficas (sexo idade e estado civil) desses tipos familiares e das

transformaccedilotildees familiares ocorridas nas uacuteltimas deacutecadas exige portanto uma maior

atenccedilatildeo aos tipos de hogares que a literatura especializada qualifica como elementos-chave

das mudanccedilas familiares atuais em face dos inuacutemeros tipos quais sejam hogares

solitaacuterios hogares de uma soacute pessoa hogares sem nuacutecleo hogares monoparentais

hogares extensos e hogares muacuteltiplos ou plurinucleares Essa diversidade de tipo de

hogares leva agrave conclusatildeo de que estaacute em curso um processo de mudanccedilas importantes na

morfologia familiar espanhola em especial em relaccedilatildeo agrave prevalecircncia da figura da mulher

(viuacuteva ou separada) como cabeccedila de famiacutelia e que vive sozinha com seus filhos nos

hogares monoparentais Em contrapartida constata-se que apesar do desaparecimento das

famiacutelias extensas e muacuteltiplas haacute uma tendecircncia de aumento da dependecircncia e de

permanecircncia de jovens solteiros e os casados mais jovens no domiciacutelio dos pais ou sogros

Uma outra tendecircncia contemporatildenea em curso na regiatildeo da Europa do Sul

refere-se agrave dissoluccedilatildeo do modelo patriarcal com ecircnfase agrave constituiccedilatildeo perfil (tipos) e

fortalecimento das associaccedilotildees familiares com outra arquitetura e composiccedilatildeo familiar

como demonstra a tabela 3

Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares

Tipos de associaccedilocirces Nuacutemero

Pais de famiacutelia Proteccedilatildeo e orientaccedilatildeo familiar Outras que afetam a famiacutelia De caraacuteter familiar e social Infantis

828 476 188

1115 464

Fonte FOESSA 1994 (In HERRERA REQUENA 2004 p 201)

Tambeacutem como caracteriacutestica baacutesica dessa nova morfologia familiar ganha

relevacircncia e maior visibilidade social a modalidade de assistecircncia familiar e personalizada

bem como a figura da cuidadora social feminina por grupos de idade

Na Espanha a inclusatildeo ou natildeo de pessoas idosas no sistema social puacuteblico

eacute baixa e depende em grande parte do patrimocircnio familiar que se tenha e da

solidariedade do grupo familiar Essa eacute a razatildeo pela qual a maioria dos cuidados que

recebem os idosos eou os membros portadores de necessidades especiais na Espanha

satildeo do tipo informal eou familiar Segundo pesquisa realizada naquele paiacutes pelo

175

Instituto de Serviccedilos Sociais (INSERSO) em 1995 (Informe INSERSO apud GOacuteMEZ

HERRERA e REQUENA p 288) 63 dos cuidados familiares satildeo prestados pelos

proacuteprios filhos eou irmacircos 27 pelo cocircnjuge (as mulheres mais que os homens as

que dedicam maior tempo a esses cuidados) e 10 por outros familiares como irmatildeos

e sobrinhos Cinco anos apoacutes a divulgaccedilatildeo desse Informe (1995) outra pesquisa

realizada (Informe INSERSO 2000) confirmou as informaccedilotildees estatiacutesticas anteriores

Segundo Goacutemez Herrera e Requena (2004 p 288) estudos posteriores a essa pesquisa

confirmam que os cuidados aos idosos crianccedilas e enfermos na Espanha satildeo realizados

sobretudo por seus familiares Os demais cuidados satildeo administrados por voluntaacuterios

ou por um trabalhador contratado e poucas vezes pelos serviccedilos sociais puacuteblicos (que

natildeo atingem 4 da populaccedilatildeo beneficiaacuteria desses serviccedilos)

A figura 6 confirma a baixa atuaccedilatildeo e a participaccedilatildeo miacutenima dos serviccedilos

soacutecio-assistenciais puacuteblicos para maiores de 65 anos na Espanha natildeo ultrapassando

4 da populaccedilatildeo que demanda tais serviccedilos

176

Fonte INE (2002) (apud BAYER LORENTE GARCIA MORENO 2004 In (GOacuteMEZ HERRERA REQUENA

2004 p 289)

Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma

incapacidade por grupos de idade

A figura 6 demonstra o perfil do principal cuidador de pessoas idosas por

grupos de idades de 65 a 79 anos (com destaque para os cuidados da filha eou do

cocircnjuge) e acima de 80 anos (com destaque para os cuidados da filha) Ainda conforme a

figura 6 agrave medida que a idade se torna avanccedilada os cuidados recaem ainda mais sobre a

filha (394 dos casos) e em segundo lugar sobre a irmatilde eou outros parentes proacuteximos

(185) No Informe Inserso (2002) (apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA) os dados

177

revelam que 83 dos anciatildeos portadores de necessidades (incapacitados) satildeo atendidos

principalmente pelas filhas (mais que pelos filhos)

Esses dados confirmam a prevalecircncia na Espanha de um modelo familiar

patriarcal (o homem como provedor e chefe de famiacutelia) bastante conservador bem como o

papel cuidador das famiacutelias e nessas das mulheres como provedores privados do bem-

estar de seus membros em substituiccedilatildeo ao papel do Estado Social Quando se leva em

conta as horas familiares dedicadas agraves pessoas idosas eou com incapacidade comprova-se

a quantidade de tempo dedicado pelas famiacutelias cuidadoras (mais de 40 horas semanais)

conforme demonstra a figura 7 a seguir Portanto falar de tempo dedicado pela famiacutelia ao

cuidado e atenccedilatildeo aos idosos que apresentam limitaccedilotildees em sua capacidade funcional

significa falar de um dos principais trabalhos da mulher espanhola no hogar ou seja o de

cuidar dos familiares enfermos Segundo Duraacuten (2000 apud GOgraveMEZ HERRERA e

REQUENA 2004 p 290) ldquoa maioria das mulheres espanholas tecircm recebido a

imcumbecircncia socialmente obrigatoacuteria de atender aos demais membros de suas famiacutelias

(homens crianccedilas enfermos e idosos) durante toda sua vida sem que existam redes de

serviccedilos sociais que compartilham de modo significativo essa funccedilatildeordquo

Fonte INE (2002) (In HERRERA REQUENA 2004 p 290)

Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia pessoal e

horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador

178

Esses dados confirmam a desigual distribuiccedilatildeo do tempo social entre homens e

mulheres e a escassez de trabalhos femininos remunerados nesse paiacutes Tendecircncias

contemporacircneas apontam a procura de empregos em tempo parcial pelas mulheres

empanholas para que possam conciliar o trabalho formal com o cuidado informal aos seus

familiares abrindo matildeo de seu tempo dedicado ao lazer Segundo Boyer Lorente e Garcia

Moreno (GOacuteMEZ HERRERA 2004 p 292) na Espanha ldquoos serviccedilos sociais puacuteblicos

cobrem apenas as necessidades de ajuda aos idosos e a famiacutelia substitui o Estado nessas

funccedilotildees isto eacute a ajuda informal da famiacutelia estaacute acima dos serviccedilos institucionalizados das

administraccedilocirces central e autocircnoma (CCAA)rdquo

Sobre essa realidade familiar pesquisas apontam significativas mudanccedilas nas

relaccedilotildees de trabalho e revelam a repercuccedilatildeo direta dessas mudanccedilas na vida e na situaccedilatildeo

laboral da mulher na Espanha (CASADO LOacutePEZ 2001 apud GOacuteMEZ HERRERA e

REQUENA 2004) As novas geraccedilotildees de mulheres (entre 30 e 45 anos) estatildeo alcanccedilando

niacuteveis educativos mais altos tecircm menos filhos e conquistam maior acesso ao mundo do

trabalho Sua trajetoacuteria de educaccedilatildeo e trabalho eacute marcadamente diferente da de suas matildees e

as tendecircncias sugerem sua opccedilatildeo por uma maior permanecircncia no mercado de trabalho Os

jaacute citados estudiosos dessa nova morfologia familiar espanhola como Boyer Lorente e

Garcia Moreno (In GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004 p 292) sinalizam mudanccedilas

futuras importantes em relaccedilatildeo ao ldquoapoio informal dado agraves famiacutelias por seus membros

femininos e apontam como saiacutedasldquoa necessidade de um aumento de serviccedilos puacuteblicos e

privados nesse setorrdquo e em consequumlecircncia ldquoo aumento de oferta de emprego em atividades

remuneradas para tais serviccedilosrdquo

Enfim ressalta-se um outro aspecto a ecircnfase dada pelo regime latino da Europa

do Sul agrave economia informal como alternativa e em substituiccedilatildeo agraves garantias trabalhistas

asseguradas pelo pleno emprego no mercado formal (regime noacuterdico) e a uma provisatildeo social

mista e descentralizada ao contraacuterio da prevalecircncia da provisatildeo social puacuteblica (modelo

Noacuterdico) conforme revela a figura 8 Nesse campo tambeacutem satildeo visiacuteveis as mudanccedilas em

relaccedilatildeo agraves propostas de financiamento misto e de administraccedilatildeo de cuidados de longa duraccedilatildeo

agrave populaccedilatildeo dependente (usuaacuterios de sercviccedilos puacuteblicos ou privados) envolvendo diversos

provedores e financiadores que vatildeo desde os setores privados puacuteblicos ateacute a participaccedilatildeo direta

das famiacutelias As formas de financiamento de participaccedilatildeo e de cuidados variam desde

cuidados formais e informais cotizaccedilotildees impostos transferecircncias de dinheiro em espeacutecie

cobertura universal eou assistencial e outros

179

Fonte In ( HERRERA REQUENA 2004 p 283)

Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de longa

duraccedilatildeo

Outro aspecto refere-se agrave importacircncia atribuiacuteda nesse paiacutes agrave cultura

assistencial de composiccedilatildeo informal voluntaacuteria plural e mista (welfare mix) como

contraponto agrave cultura assistencial institucionalizada e estatalista (regime noacuterdico) como se

abordaraacute mais adiante e de forma mais aprofundada nesta tese

180

522 O papel da Famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro

Uma das questotildees instigantes deste estudo foi a identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo que a

famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social brasileiro Para efeitos comparativos

em relaccedilatildeo ao modelo latino tambeacutem no Brasil haacute que se indagar sempre em que medida

se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da proteccedilatildeo

social puacuteblica Apesar da crescente valorizaccedilatildeo da famiacutelia como objeto de estudos e

pesquisas e das mudanccedilas significativas incorporadas ao novo coacutedigo civil aprovado em

2001 (em vigecircncia a partir de 2002) em que a famiacutelia natildeo constitui mais a instacircncia central

do direito de famiacutelia ocorre um fato curioso ou seja a mulher continua a referecircncia da

famiacutelia Indiscutivelmente a famiacutelia brasileira vem passando por significativas

transformaccedilotildees ao longo do tempo e uma delas refere-se ao novo papel da mulher como

pessoa de referecircncia da famiacutelia Segundo documento (BRASIL MDSSAS-

PNUDNOBSUAS 2004) da deacutecada passada ateacute 2002 houve um crescimento de 30 da

participaccedilatildeo da mulher como pessoa de referecircncia da famiacutelia Em 1992 elas eram

referecircncia para aproximadamente 22 das famiacutelias brasileiras e em 2002 para cerca de

29 das famiacutelias Essa tendecircncia de crescimento ocorreu de forma diferente entre as

regiotildees do paiacutes e foi mais acentuada nas regiotildees metropolitanas conforme demonstra a

figura 9 a seguir

Fonte IBGE ndash PNAD ndash 2002 (apud BRASIL MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Figura 9 Porccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino

181

Tambeacutem o comportamento reprodutivo das mulheres brasileiras vem mudando

nos uacuteltimos anos com aumento da participaccedilatildeo das mulheres mais jovens no padratildeo de

fecundidade do paiacutes Chama a atenccedilatildeo o aumento da proporccedilatildeo de matildees com idade abaixo

de vinte anos que se verifica tanto na faixa de quinze a dezenove anos de idade como na

de dez a quatorze anos de idade da matildee Sabe-se que a gravidez na adolescecircncia eacute

considerada de alto risco com taxas elevadas de mortalidade materna e infantil

Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos_ 2000

Municiacutepios classificados pela populaccedilatildeo

Total de municiacutepios

Mulheres de 15 a 17

anos

Mulheres de 15 a 17 anos com

filhos

Meacutedia de concentraccedilatildeo de

mulheres de 15 a 17 anos com filhos

Percentagem de mulheresde 15 a 17 anos com filhos

Pequenos I (ateacute 20000 hab)

Pequenos II (de 20001 a 50000 hab)

Meacutedios (de 50001 a 100000 hab)

Grandes (de 100001 a 900000 hab)

Metroacutepoles (mais de 900000 hab)

TOTAL

4018

964

301

209

15

5507

1083706

957365

671147

1553736

1057563

5323517

98529

93881

60867

121008

75295

449580

25

97

202

579

5020

82

909

981

907

779

712

845

Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano 2002 (apud MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Esse estudo entende que a anaacutelise do papel da famiacutelia na colaboraccedilatildeo das

poliacuteticas sociais e das complexas relaccedilotildees familiares deve estar conectada agrave anaacutelise das

complexas estruturas soacutecio-econocircmicas mais amplas e das mudanccedilas histoacutericas ocorridas

na sociedade contemporacircnea Historicamente tambeacutem no Brasil como nos paiacuteses que

desenvolvem o modelo latino a famiacutelia sempre foi considerada a ceacutelula mater da

sociedade em suas funccedilotildees ligadas agrave esfera da reproduccedilatildeo humana da sexualidade da

formaccedilatildeo da identidade pessoal e social da criaccedilatildeo dos filhos e como educadora de

cidadatildeos Ao analisar o conjunto de fatores que determinam as dinacircmicas do patriarcado e

da divisatildeo social do trabalho (tema natildeo aprofundado nesta tese por natildeo constituir seu

objeto de anaacutelise) torna-se claro a perpetuaccedilatildeo do poder patriarcal na sociedade brasileira

Estudos recentes tecircm privilegiado a relaccedilatildeo famiacuteliamulherpoliacutetica social e o Estado de

Bem-estar como o de Ceacutezar (2005) que ao analisar o sistema cubano de bem-estar e as

poliacuteticas sociais dirigidas agrave mulher cubana faz um contraponto socialista ao bem-estar

capitalista Dentre os vaacuterios aspectos analisados ressalta que a relaccedilatildeo entre a mulher e o

Estado de Bem-estar tem sido ambiacutegua no Estado capitalista ao considerar a forccedila

ideoloacutegica das esferas da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo de valores e das relaccedilocirces de marcado

182

caraacuteter patriarcal Refere-se sobretudo agraves criacuteticas feitas por vaacuterios estudos agrave formaccedilatildeo das

ideologias e praacuteticas conservadoras das instituiccedilotildees do Estado de Bem-estar o que

contribuiu para a perpetuaccedilatildeo das desigualdades de gecircnero ao reforccedilarem a dependecircncia e

subordinaccedilatildeo da mulher

Do ponto de vista juriacutedico-formal na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal brasileira de

1998 em vigecircncia a famiacutelia ganhou destaque recebendo um tratamento especial no acircmbito

da proteccedilatildeo do Estado em particular no capiacutetulo VIII da Ordem Social e na

regulamentaccedilatildeo da poliacutetica de Assistecircncia SocialLOAS Indiscutivelmente em princiacutepio a

famiacutelia apresenta-se como uma das instituiccedilotildees que melhor oferecem proteccedilatildeo seguranccedila e

as condiccedilotildees necessaacuterias agrave constituiccedilatildeo da identidade de seus membros No entanto apesar

dos avanccedilos juriacutedicos formais a famiacutelia brasileira tem apresentado novas configuraccedilotildees em

seu desenho e na estrutura de sua dinacircmica interna que vatildeo desde mudanccedilas na relaccedilatildeo e

no papel homem mulher no caraacuteter do viacutenculo civil em suas funccedilotildees tradicionais e ateacute no

acircmbito da provisatildeo e da proteccedilatildeo social A realidade soacutecio-econocircmica vivenciada pelo paiacutes

nas uacuteltimas deacutecadas tem interferido na trajetoacuteria da famiacutelia brasileira e em suas funccedilotildees

histoacutericas Dentre os vaacuterios fatores determinantes que tecircm influenciado a famiacutelia estatildeo as

mudanccedilas ocorridas no mundo do trabalho o crescimento da informalidade o aumento da

produccedilatildeo de bens de consumo (consumismo) o baixo niacutevel de escolaridade a

desagregaccedilatildeo familiar por questotildees de deslocamentos e migraccedilotildees em busca de trabalho e

de melhoeres condiccedilotildees de vida Esses fatores tecircm levado a famiacutelia brasileira a redefinir

sua estrutura interna e suas estrateacutegias de sobrevivecircncia

No Brasil no acircmbito da provisatildeo social e das poliacuteticas sociais prevalece a

cultura clientelista e assistencialista com forte componente cultural e ideoloacutegico que trata

o Estado como espaccedilo de favores benesses e instatildencia de quem se espera a garantia de

uma renda miacutenima de sobrevivecircncia A concepccedilatildeo prevalecente de miacutenimo no Brasil natildeo

comporta a dimensatildeo universalizadora necessaacuteria para atender agraves necessidades baacutesicas da

famiacutelia e da populaccedilatildeo em geral por estar vinculada aos princiacutepios de seletividade do

acesso e da meritocracia e natildeo da inclusatildeo social e da universalizaccedilatildeo de acesso Ademais

apesar dos avanccedilos significativos na legislaccedilatildeo social especiacutefica o modelo assistencial

familiar brasileiro tal qual estaacute estruturado mostra-se precaacuterio e insuficiente

Outro aspecto importante a ser ressaltado eacute que no campo das poliacuteticas sociais

persiste a ideacuteia de que independentemente da atuaccedilatildeo do Estado na implementaccedilatildeo de

poliacuteticas puacuteblicas a famiacutelia deve ser capaz de proteger promover o bem-estar de seus

183

membros e deles cuidar Essa ideacuteia ao ser reproduzida pelo senso comum no imaginaacuterio

coletivo da sociedade brasileira passa a ter importantes desdobramentos na concepccedilatildeo de

famiacutelia e na implementaccedilatildeo de uma suposta poliacutetica de assistecircncia familiar No Brasil

percebe-se a ausecircncia de aporte teoacuterico na discussatildeo sobre o papel da famiacutelia na poliacutetica

social brasileira e da relaccedilatildeo Estado e sociedadefamiacutelia na perspectiva do direito o que

por si soacute eacute suficiente para o entendimento da ausecircncia de uma clara poliacutetica familiar

assegurada no acircmbito do Estado Todos esses fatores tendem a manter e reproduzir a

concepccedilatildeo familista e assistencialista da famiacutelia

A partir dos anos 1980 ganhou visibilidade o papel da famiacutelia como

componente do setor informal na perspectiva do pluralismo de bem-estar de orientaccedilatildeo

neoliberal como uma das estrateacutegias de esvaziamento do poder puacuteblico do Estado Com

base nessa proposta plural conforme jaacute demonstrado neste estudo a mulher passou a

desempenhar um papel central como componente ativo do chamado agregado de bem-

estar seja como cuidadora social (idosos crianccedilas enfermos e outros) seja como

voluntaacuteria Essa situaccedilatildeo eacute preocupante quando se sabe que por sua proacutepria natureza plural

ou mista e natildeo puacuteblica o pluralismo de bem-estar ao chamar a mulher para exercer

praacuteticas tradicionais de ajuda e de auto-ajuda reitera seu lugar subalterno na sociedade

aleacutem de desconsiderar suas potencialidades como cidadatilde

Pereira (2003 p 11 e 12) ao discutir a proteccedilatildeo familiar sobre a oacutetica do

pluralismo de bem estar chama atenccedilatildeo para seu caraacuteter contraditoacuterio ressaltando que ldquo o

nuacutecleo familiar natildeo eacute uma ilha de virtudes e de consenso num mar conturbado de permanentes

tensotildees e dissensotildeesrdquo Entende a famiacutelia como uma instituiccedilatildeo social ao mesmo tempo forte e

fraca_ forte por ser um locus privilegiado de solidariedade humana de socializaccedilatildeo e de

transmissatildeo de conhecimento e fraacutegil ldquopor natildeo estar livre de despotismos violecircncia

confinamentos desencontros e rupturasrdquo (Pereira 1995 apud PEREIRA 2003 p 11) No

contexto da proposta pluralista de bem-estar neoliberal as relaccedilotildees familiares tornam-se

restritas agrave esfera privada e informal como se essa instacircncia apesar de estar situada no acircmbito

privado deixasse de ser objeto de atenccedilatildeo e proteccedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo legal pelo Estado

(PEREIRA 2003) Satildeo visiacuteveis portanto as mudanccedilas verificadas na organizaccedilatildeo na

composiccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia brasileira (que apresenta atualmente como na

Espanha vaacuterios tipos de coabitaccedilatildeo) e em suas funccedilotildees

Em uma perspectiva comparativa como ocorre nas sociedades mediterracircneas

tambeacutem no Brasil segundo o Censo 2000 (apud PEREIRA 2000) as mulheres brasileiras

184

vecircm se tornando cada dia mais chefes de famiacutelia A partir da participaccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho as relaccedilotildees familiares foram reestruturadas com redefiniccedilatildeo dos

papeacuteis do homem e da mulher nos espaccedilos domeacutestico e profissional agora natildeo mais de

forma oposta e hieraacuterquica senatildeo complementar Como na famiacutelia espanhola cresce

tambeacutem no Brasil o modelo de famiacutelia monoparental e esse tipo de famiacutelia eacute reconhecido

pelo novo Coacutedigo Civil brasileiro (2002)

Com base na anaacutelise de Anttonen (1991 p 5) ao afirmar que ldquoo pluralismo de

bem-estar natildeo eacute somente um conceito complexo senatildeo tambeacutem instaacutevelrdquo percebe-se que

as accedilotildees e programas pluralistas de bem-estar satildeo direcionados para o setor

privadoinformalfamiliar com o intuito de reformular os serviccedilos sociais e natildeo de criar

programas de seguridade social puacuteblica por isso o setor informal inclui famiacutelias grupos

de auto-ajuda e cooperativas Na opiniatildeo de Anttonen (1991) essas estrateacutegias pluralistas

tecircm um maior impacto nos padrotildees de gecircnero ao promoverem a divisatildeo de trabalho entre

homens e mulheres da mesma forma que entre voluntaacuterios e auxiliares profissionais como

resposta aos problemas fiscais do Estado Social Deseja-se ressaltar com essas breves

consideraccedilotildees sobre o lugar que a famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social

brasileiro indagando em que medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo

privado no conjunto da proteccedilatildeo social puacuteblica Tambeacutem a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais

de bem-estar voltadas para a famiacutelia deveriam ser mais incisivas em seu caraacuteter de poliacuteticas

puacuteblicas para colocar em praacutetica mudanccedilas que promovam o reconhecimento dos direitos

da famiacutelia como esfera privada e como objeto de accedilotildees medidas e intervenccedilotildees diretas do

poder puacuteblico Ademais as mulheres como cidadatildes de direitos tecircm se mostrado capazes de

formular poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave garantia da cidadania ampliada para homens e

mulheres como cidadatildeos

53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas

Para Leibfried (apud GOUGH 1997) o modelo de bem-estar

mediterracircneoEuropa do Sul caracteriza-se por um niacutevel rudimentar de provisatildeo social e

de desenvolvimento institucional embora haja diferenccedilas nacionais Por isso entende

que antes de sistematizar qualquer argumento sobre o regime de bem-estar da Europa do

Sul haacute que se estabelecer comparaccedilotildees Moreno (2000) destaca que os cinco paiacuteses

citados (Espanha Portugal Franccedila Itaacutelia e Greacutecia) compartilharam ideologias durante o

185

seacuteculo XX em relaccedilatildeo agrave cultura agrave histoacuteria aos sistemas de valores e agraves peculiaridades

institucionais ainda que em distintos graus e niacuteveis de ocorrecircncia tais como a)

experiecircncias com ditaduras e governos autoritaacuterios b) atrasos nos processos de

modernizaccedilatildeo (CASTLES apud MORENO 2000) com exceccedilatildeo de algumas regiotildees

mais industrializadas a exemplo da Espanha e da Itaacutelia e c) relevacircncia dos fatores

religioso e familiar com expressiva atuaccedilatildeo da Igreja e da famiacutelia Estas instituiccedilotildees satildeo

reconhecidas como tradicionais provedoras de poliacuteticas de bem-estar em que pese a

diminuiccedilatildeo de sua presenccedila nas uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia de dois acontecimentos

a partir dos anos 1990 a saber os efeitos dos processos de europeizaccedilatildeo e de

globalizaccedilatildeo que tecircm estimulado maior convergecircncia desses paiacuteses com os da Europa

Continental eou Central em particular do ponto de vista econocircmico e monetaacuterio e

maior grau de secularizaccedilatildeo das praacuteticas sociais na Europa do Sul

A prevalecircncia do fator religioso no modelo latino mediterracircneo em virtude de

grande parte dos paiacuteses do sul da Europa terem desenvolvido seus Estados de Bem-estar

com governos democrata-cristatildeos privilegiou a ajuda ao proacuteximo cada vez mais proacuteximo

e natildeo a decisiva intervenccedilatildeo estatal como dever de cidadania Contudo o processo de

europeizaccedilatildeo tem promovido certa convergecircncia nos dados agregados em relaccedilatildeo ao gasto

social como percentagem do PIB nacional Nesse aspecto os paiacuteses latinos destacam-se em

relaccedilatildeo agrave meacutedia do conjunto dos paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) demonstrando que os

paiacuteses da Europa do Sul apresentam o maior incremento em gasto social em termos

percentuais em relaccedilatildeo aos quatro regimes de bem-estar europeus (continental anglo-

saxatildeo meridional e noacuterdico) Moreno (2000) destaca o notaacutevel esforccedilo financeiro dos

governos dos paiacuteses da Europa do Sul nas uacuteltimas deacutecadas para se equipararem do ponto

de vista dos ajustes fiscais e econocircmicos com os demais paiacuteses europeus apesar das

particularidades que distinguem esses paiacuteses

Observam-se algumas tendecircncias bastante similares e comuns a esses paiacuteses e

ao Brasil sejam de caraacuteter demograacutefico sejam no acircmbito das condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas

Assim Moreno (2000 p 95) qualifica a Europa de bem-estar mediterracircneo como uma via

meacutedia ou ldquouma opccedilatildeo intermediaacuteria entre o modelo bismarkiano (de manutenccedilatildeo de

rendas ocupacionais e poliacuteticas baseadas no princiacutepio contributivo e no contrato social) e o

modelo beveridgiano (cobertura universalista de poliacuteticas natildeo-contributivas e de pleno

emprego) o que configura uma Seguridade Social mistardquo e se pode dizer o mesmo em

relaccedilatildeo ao modelo misto do Brasil Na Espanha no acircmbito da assistecircncia social

186

institucionalizada apesar do incentivo agraves atividades informais (plurais ou mistas)

desinstitucionalizadas e agrave microsolidariedade familiar os oacutergatildeos puacuteblicos atuam mediante

a destinaccedilatildeo de recursos serviccedilos sociais eou medidas de acolhimento agrave mulher seja

mediante recursos proacuteprios eou por convecircnios que garantem vagas em casas de acolhida

centros de atenccedilatildeo centros-dia residecircncias para idosas (personas mayores) eou em

centros de informaccedilotildees e serviccedilos a exemplo do que demonstra a tabela 5 sobre os

recursos e serviccedilos oferecidos agraves mulheres pela Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten-Espanha_2004

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Casas de acolhida 1 1 6 8

Vagas em casas de acolhida 15 10 73 98

Vagas em casas de acolhida por 10000 mulheres 14 15 16 16

Centros de Atenccedilatildeo 3 2 5 10

Centros de Dia - 1 1 2

Centros de Informaccedilatildeo e Serviccedilos 9 8 14 31

Residecircncias - - 1 1

Total recursos 13 12 27 52

Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia In Pesquisa Contiacutenua de Pressupostos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004

Em siacutentese como caracteriacutesticas mais gerais do modelo latino Moreno (2000)

destaca ainda alguns traccedilos que considera particulares agrave Europa do Sul em relaccedilatildeo aos

citados regimes de bem-estar europeus Satildeo eles a) auto-percepccedilatildeo das necessidades de

estilos de vida diferentes b) prevalecircncia da cultura da microsolidariedade familiar

entendendo a famiacutelia como um espaccedilo privado de provisatildeo e de proteccedilatildeo social com

ecircnfase agrave figura da mulher como cuidadora social c) propostas de conjunccedilatildeo entre os

princiacutepios da universalidade e da seletividade mediante a combinaccedilatildeo de diferentes

recursos institucionais tanto de caraacuteter privado quanto puacuteblico por intermeacutedio de um

intervencionismo concertado isto eacute baseado em convecircnios firmados entre os setores

puacuteblico e privado d) predominacircncia de uma peculiar dimensatildeo axioloacutegica e cultural do

sistema de bem-estar ao apoiar-se na ideacuteia de bem-estar como elemento facilitador da

autonomia vital das pessoas e) heterogeneidade dos padrotildees de reproduccedilatildeo social o que

contribui para o processo de acumulaccedilatildeo patrimonial pelas seguintes razotildees ecircnfase ao

regime de propriedade de moradias cuja titularidade se concentra nas pessoas mais idosas

da famiacutelia (que incentivam a compra e natildeo o aluguel) prevalecircncia de valores de

187

redistribuiccedilatildeo patrimonial no acircmbito familiar durante todos os ciclos vitais mediante

doaccedilotildees entre os membros da famiacutelia (praacutetica de reparticcedilatildeo intra familiares) proliferaccedilatildeo

de empresas e empregos de acircmbito familiar e processo tardio de emancipaccedilatildeo dos jovens

(uso comum dos recursos familiares disponiacuteveis)

Para Castles eFerrera (apud MORENO 2000 p 98) el hogar (espaccedilo eou

ambiente familiar natildeo necessariamente nuclear) constitui a instituiccedilatildeo central de

referecircncia nessa regiatildeo na busca pelo bem-estar e qualidade de vida para todos os

membros da famiacutelia Decorre entatildeo seu caraacuteter estruturante na conformaccedilatildeo do regime

latino ainda que natildeo se configure como espaccedilo de intervenccedilatildeo direta das poliacuteticas sociais

puacuteblicas de bem-estar Nesse sentido el hogar torna-se uma instituiccedilatildeo de compensaccedilatildeo

entre seus distintos componentes geracionais Segundo Benfield (apud MORENO 2000 p

100) ldquonessas praacuteticas sociais predomina a ausecircncia de outros referenciais eacuteticos aleacutem dos

instituiacutedos pelos espaccedilos familiares convencionaisrdquo

Com base no exposto o fenotildemeno do pluralismo de bem-estar como forte

tendecircncia contemporacircnea encontrou um campo cultural feacutertil na Europa do Sul natildeo soacute para

difundir mas efetivamente para implementar sua proposta tomando como referecircncia

formas peculiares de reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas locais tais como

preferecircncias culturais ecircnfase no princiacutepio da solidariedade utilizaccedilatildeo de arranjos

institucionais mistos predominacircncia de praacuteticas religiosas e culturais adoccedilatildeo de enfoques

particularistas e privatistas na reconstruccedilatildeo do Estado de Bem-estar incorporaccedilatildeo de

provisatildeo social plural ou mista em combinaccedilatildeo com a provisatildeo puacuteblica residual de

serviccedilos sociais enfim formas peculiares de organizaccedilatildeo da sociedade civil marcadamente

conservadoras vinculadas agrave auto ajuda e ajuda muacutetua

A ecircnfase dada agrave divulgaccedilatildeo da cultura da dependecircncia como estrateacutegia

neoliberal de culpalizaccedilatildeo dos beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga

fiscal do Estado tem condicionado a percepccedilatildeo dos cidadatildeos sobre a sua proacutepria condiccedilatildeo de

pobreza A literatura especiacutefica define como principais traccedilos e tendecircncias pluralistas dos

paiacuteses mediterracircneos a) a histoacuterica praacutetica social do agregado de bem-estar centrado no

nexo gecircnerofamiacuteliatrabalhoassistecircncia de natureza complementar buscando a conjunccedilatildeo

dessas duas dimensotildees na perspectiva de satisfaccedilatildeo vital dos cidadatildeos (well being)

(MORENO 2000 p 98) b) as praacuteticas institucionais de natureza particularista e clientelista

e as organizaccedilotildees subsidiadas pelo setor estatal (que constituem um freio agraves reformas mais

gerais ateacute mesmo porque tais processos estatildeo arraigados e condicionados por aspectos

188

culturais) c) a prevalecircncia de um lado de sistemas sociais fragmentados guiados pelos

receituaacuterios corporativistas de esquerda e de outro de subculturas poliacuteticas como praacutetica da

direita (tradicional clientelismo e paternalismo) que contribuem para fortalecer a condiccedilatildeo de

ciudadanos precaacuterios nessa Regiatildeo d) as formas peculiares de reproduccedilatildeo social da

sociedade civil nesses paiacuteses em que se datildeo na forma de redes sociais grupais ou seja os

cidadatildeos filiam-se a grupos eou se inserem em redes de influecircncia que acabam fortalecendo

as praacuteticas clientelistas muito embora tais praacuteticas natildeo sejam exclusivas dos paiacuteses da

Europa do Sul (MORENO 2000)

Percebe-se por conseguinte a influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal

nessa regiatildeo quando se constata que muitas dessas redes sociais eou grupais satildeo

estruturadas informal e espontacircneamente O puacuteblico poreacutem tem pouco conhecimento

dessas praacuteticas e uma ideacuteia estrita de pertencimento a esses grupos em funccedilatildeo de sua

natureza clientelista e da consequumlente reproduccedilatildeo de lealdades feudais a patrotildees e chefes

de filas eou de ordem ateacute mesmo porque tais praacuteticas satildeo reproduzidas de forma discreta

no acircmbito privado Ainda satildeo comuns nessa regiatildeo os casos de concessatildeo de subsiacutedios

com caraacuteter de favores com destacada intermediaccedilatildeo de poliacutetica partidaacuteria em troca de

apoios eleitorais

Ainda segundo Moreno (2000) na Itaacutelia e na Greacutecia tal praacutetica clientelista

institucionalizou-se de forma generalizada O acesso a essas redes informais subsidiadas

pelos poderes puacuteblicos constitui um instrumento importante de apropriaccedilatildeo de recursos

puacuteblicos e de privileacutegios (corrupccedilatildeo)

A existecircncia de tais praacuteticas poliacuteticas a exemplo do Brasil revela a presenccedila

de niacuteveis primaacuterios de socializaccedilatildeo e a reproduccedilatildeo de uma cultura poliacutetica contraacuteria agrave

formaccedilatildeo de sujeitos criacuteticos e conscientes Nesses paiacuteses ainda satildeo muito baixas e

limitadas as referecircncias aos direitos de cidadania social Ademais o predomiacutenio de

interesses particularistas eou grupais provocam nos cidadatildeos uma percepccedilatildeo distorcida

dos princiacutepios da democracia com igualdade positiva da cidadania ampliada e da

solidariedade na perspectiva dos direitos sociais Por apresentarem um caraacuteter micro

(apenas no seio das famiacutelias dos grupos e das redes informais) tais praacuteticas produzem uma

baixa efetividade na provisatildeo social puacuteblica e nos serviccedilos de proteccedilatildeo social requisitos

essenciais para a im plementaccedilatildeo de uma poliacutetica familiar de natureza puacuteblica

Em siacutentese a prevalecircncia de interesses corporativistas nessas sociedades explica

a fragmentaccedilatildeo de seus sistemas de proteccedilatildeo social em detrimento de uma provisatildeo puacuteblica

189

e universal na prestaccedilatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social Observa-se entretanto que a

tendecircncia de enfatizar a famiacutelia e o lar como principal instacircncia produtora e distribuidora de

bem-estar ao cidadatildeo ocorre com maior visibilidade na Espanha

Segundo dados baseados em estudos do Conselho Superior de Investigaccedilatildeo

Cientiacutefica (CSIC) (apud MORENO 2000) 76 dos espanhoacuteis consideram a famiacutelia muito

importante e 23 bastante importante na produccedilatildeo de intercacircmbios eou transferecircncias

interfamiliares que satildeo tanto de natureza material quanto imaterial (niacuteveis afetivos

transmissatildeo de atitudes conhecimento percepccedilotildees e valores de auto-ajuda e ajuda muacutetua)

Esse papel central atribuiacutedo agrave famiacutelia e agrave mulher configura-se como uma visatildeo social e uma

cultura que distingue visiacutevelmente as sociedades mediterracircneas Trata-se de um fator

determinante no conjunto de poliacuteticas de bem-estar e dos regimes da Europa do Sul Apesar

de reconhecer que nem tudo pode ser quantificado Moreno (2000) afirma que a

incorporaccedilatildeo dos cuidados prestados pelas famiacutelias e em particular pelas supermulheres

(supermujer del mediterracircneo) aos filhos pais irmatildeos maridos eou companheiros na

contabilidade nacional pode distorcer os iacutendices e dados contaacutebeis relativos agrave melhoria dos

niacuteveis de produccedilatildeo e de renda dos chamados paiacuteses latinos

De forma contraditoacuteria tal niacutevel de dedicaccedilatildeo e cuidado das mulheres em

relaccedilatildeo aos membros da famiacutelia natildeo tem se traduzido em respeito a elas e reconhecimento

de sua atuaccedilatildeo nem mesmo reduzido ou impedido o avanccedilo da violecircncia domeacutestica que

atinge sobretudo as mulheres Ao contraacuterio conforme demonstra a pesquisa realizada na

Espanha em 2004 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica no periacuteodo entre 1999 e 2003

tendo adotado como paracircmetro o nuacutemero de chamadas telefocircnicas (24 horas) dirigidas ao

Instituto Aragoacutenecircs da MulherComunidade Autocircnoma de Aragoacuten em relaccedilatildeo aos maus

tratos fiacutesicos e psicoloacutegicos agressatildeo sexual e outros constata-se que a violecircncia

domeacutestica em relaccedilatildeo agraves mulheres aumentou como revela a tabela 6

Tabela 6 Chamadas ao telefone ndash 24 horas do Instituto Aragoacutenecircs da Mulher

1999 2000 2001 2002 2003

Maus tratos fiacutesicos 344 408 764 1346 1609

Maus tratos psicoloacutegicos 105 134 225 376 468

Agressatildeo sexual 16 15 24 39 27

Informaccedilatildeo geral 281 410 486 629 1035

Outros 205 233 295 485 395

TOTAL 951 1200 1794 2875 3534

Fonte Pesquisa Continua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004

190

Indiscutiacutevelmente a escalada progressiva de violecircncia domeacutestica em relaccedilatildeo agrave

mulher espanhola revela a prevalecircncia de uma cultura e um perfil de sociedades ainda

conservadoras e machistas nesta regiacirco com clara hierarquia de poder nas relaccedilocirces

familiares cujos valores interesses e condiccedilotildees masculinos se soprepotildeem aos femininos

O papel da supermujer no regime latino da Europa do Sul eacute tatildeo destacado que

estudos realizados nas uacuteltimas deacutecadas (MORENO 2000 p 101) ressaltam o aumento dos

niacuteveis de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina nos cursos de educaccedilatildeo formal e como

consequecircncia maior incorporaccedilatildeo das mulheres ao mercado de trabalho com a reduccedilatildeo do seu

papel de cuidadoras sociais nos espaccedilos failiares (hogares) Percebe-se que a crescente

participaccedilatildeo da mulher no setor produtivo somada aos demais desafios colocados agrave

necessidade de expansatildeo familiar nesses paiacuteses (crescimento demograacutefico negativo na regiatildeo)

coloca como uma grande incoacutegnita o desenvolvimento futuro do modelo de bem-estar

latinomediterracircneo Atualmente as mulheres da Europa do Sul representantes da geraccedilatildeo mais

jovem tecircm destacado como prioridade o alcance de niacuteveis de independecircncia econocircmica por si

mesmas buscando superar sua subordinaccedilatildeo material e financeira aos companheiros

Nesse sentido como tendecircncia e projeccedilatildeo futura a repercussatildeo dessa recente

atitude feminina poderaacute traduzir-se em uma progressiva desinstitucionalizaccedilatildeo da

microsolidariedade familiar e ateacute do proacuteprio casamento formalizado como instituiccedilatildeo

dominante Em que pese ser ainda uma incoacutegnita ateacute porque haacute poucos estudos com

validaccedilatildeo empiacuterica eacute previsiacutevel que tais mudanccedilas de valores e de atitudes produziratildeo

grande impacto no perfil e na estrutura do regime latino de bem-estar da Europa do Sul No

entanto ocorre um fato curioso na regiatildeo De um lado a manifestaccedilatildeo clara das jovens

mulheres mediterracircneas de buscar sua independecircncia financeira e sua incorporaccedilatildeo ao

mercado de trabalho de outro natildeo obstante as dificuldades estruturais para constituir e

criar uma famiacutelia (desemprego alto custo de vida e outros) o desejo da maternidade

contrasta com a ausecircncia de renuacutencia dessas mulheres aos seus anseios maternais

Diante do exposto constata-se que a busca por uma maior europeizaccedilatildeo do

ponto de vista econocircmico na Regiatildeo Sul da Europa natildeo se traduz em maior europeizaccedilatildeo do

ponto de vista social com o objetivo de adotar um marco estatutaacuterio de direitos na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e de um maior grau de convergecircncia das poliacuteticas sociais a

partir dos princiacutepios de cidadania igualitaacuteria e de justiccedila redistributiva Na literatura

especiacutefica no entanto ressalta-se como o faz Moreno (2001 p 112) que em geral ldquoos

europeus possuem valores atitudes de respeito pelos direitos humanos conhecimentos e

191

percepccedilotildees muito voltados para a dimensatildeo social comunitaacuteria compartilhando um alto grau

de apoio e de solidariedade cidadatilde pelo bem-estar social de seus cidadatildeosrdquo

Nesse sentido entende-se o argumento de Moreno (2000) de que natildeo existe

um Estado de Bem-estar europeu mas diversos Estados de Bem-estar o que torna viaacutevel a

comparaccedilatildeo das caracteriacutesticas de um dos modelos existentes (modelo latino) com o

modelo de proteccedilatildeo social desenvolvido no Brasil

CAPIacuteTULO VI

A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL

OS PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA

MIacuteNIMA EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI)

61 A emergecircncia do debate

No contexto de expansatildeo do Estado de Bem-estar europeu importantes

proposiccedilotildees perpassaram o debate sobre os dispositivos eou mecanismos de

transferecircncias de renda que deveriam prevalecer no periacuteodo glorioso apoacutes a Segunda

Guerra Mundial Defendia-se jaacute agravequela eacutepoca a importacircncia de uma renda miacutenima

incondicional apoiada no princiacutepio da gratuidade No acircmbito internacional as

primeiras ideacuteias de uma renda miacutenima vinculada agraves poliacuteticas de bem-estar jaacute estavam

presentes nas reformas sociais posteriores a 1945 e sempre estiveram associadas agraves

ideacuteias de Beveridge de Keynes e ao conceito de cidadania elaborado por TH

Marshall fundamentadas no conceito de igualdade justiccedila social e cidadania ampliada

Para Baldwin (1992 p 21) ldquoainda que se admitisse diferenccedilas de classe e riqueza o

Estado garantia a cada um um certo niacutevel miacutenimo independente do destino da

biologia e da sociedaderdquo

Na Ameacuterica Latina e em especial no Brasil os primeiros debates e as

primeiras experiecircncias de renda miacutenima surgiram em fins dos anos 1980 e iniacutecio dos 1990

no contexto dos programas de ajustes macro-econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal As

propostas de programas denominados transferecircncia de renda eou de renda miacutenima foram

implantados como antiacutedotos aos efeitos do referido ajuste econocircmico No entanto soacute em

meados da deacutecada de 1990 apoacutes a experiecircncia do Meacutexico tais programas ganharam maior

visibilidade e foram tomados como referecircncia pelos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina

incluindo o Brasil

A tabela 7 destaca as caracteriacutesticas principais dos sistemas de renda miacutenima

da Europa do Sul ressaltando os criteacuterios e as condiccedilotildees de acesso aos benefiacutecios

prestaccedilotildees desde a primeira experiecircncia em 1988 (Franccedila) bem como os requisitos e as

193

exigecircncias de condiccedilotildees de acesso Esses sistemas tecircm em comum a exigecircncia de

vinculaccedilatildeo do benefiacuteciaacuterio agrave inserccedilatildeo ao trabalho como condicionalidade

Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul

Ano Espanha

Greacutecia Itaacutelia Portugal

EU-11ii

EU-15

PIB percapita (

em Euros) 2001 162 120 210 119 268 232

Gasto social ( PIB) 1999 200 255 253 29 270 276

Pobreza antes

de transferecircncias sociaisi

1998 25 23 23 27 274 26

Pobreza depois

de transferecircncias sociais 1998 19 22 20 20 138 18

Distribuiccedilatildeo da renda (8020) 1998 68 65 59 72 44 54

Indiviacuteduos em lares de desempregados 2000 51 42 50 12 37 45

Taxa de desemprego geral 2000 141 111 105 41 58 82

Taxa de desemprego juvenil 2000 262 296 308 89 113 162

Taxa de ocupaccedilatildeo feminina 2000 403 412 603 403 603 540

Eficaacutecia do governoIV

2001 157 065 068 091 162 144

Controle da corrupccedilatildeoV

2001 145 073 063 121 169 151

Notas i Excluiacuteda as pensocirces ii Relaccedilatildeo entre os percentuais de renda da quinta parte mais rica e da mais pobre iii Meacutedia dos paiacuteses europeus excluiacutedos Espanha Greacutecia Itaacutelia e Portugal iv Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que combina percepccedilocirces da qualidade da oferta de serviccedilos puacuteblicos de pressocirces poliacuteticas e da credibilidade do empenho do governo em determinadas poliacuteticas puacuteblicas v Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que mede a percepccedilatildeo de abusos cometidos pelos funcionaacuterios puacuteblicos ou poliacuteticos em proveito proacuteprio Fonte Moreno 2002 p 19 Elaboraccedilatildeo de Moreno utilizando dados de CEC (2002) y Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten (2002)

Vale destacar que em relaccedilatildeo aos modelos de renda miacutenima na Europa do Sul

aspectos centrais como a unidade de caacutelculo a procedecircncia dos recursos os criteacuterios

adotados e os meacutetodos utilizados para determinar o valor econocircmico das prestaccedilotildees sociais

variam muito de paiacutes para paiacutes Assim o valor e a atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees sociais

vinculadas agraves rendas miacutenimas nessa regiatildeo quando natildeo se faz por decreto sofrem

variaccedilotildees conforme as caracteriacutesticas da regiatildeo eou com base na evoluccedilatildeo do iacutendice de

preccedilos ao consumidor (IPC) como eacute o caso da Franccedila onde o caacutelculo eacute feito com base na

unidade familiar e satildeo considerados os recursos de toda natureza Em outros paiacuteses a

exemplo da Itaacutelia toma-se a unidade de caacutelculo segundo o valor da pensatildeo miacutenima

baseada no nuacutemero de famiacutelias e de pessoas que vivem sob o mesmo teto Nesse paiacutes satildeo

consideradas para efeito de recursos todas as rendas da famiacutelia com exceccedilacirco da renda

moradia subsiacutedios escolares e renda trabalho

No caso especiacutefico da Espanha o meacutetodo que determina o valor da

prestaccedilatildeo da renda miacutenima varia de acordo com os criteacuterios estabelecidos e a realidade

apresentada pelas comunidades autocircnomas (CCAA) A atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees

194

sociais eacute feita com base em um ajuste anual e segundo a variaccedilatildeo da pensatildeo miacutenima

Na Espanha satildeo considerados os recursos provenientes de todas as rendas da famiacutelia

com exceccedilatildeo do subsiacutedio de moradia

A tabela 8 apresenta a renda minima per capita e o custo do programa (percentual

em relaccedilatildeo ao PIB) Entretanto vale ressaltar que o custo e o acesso aos programas de renda

miacutenima variam conforme o nuacutemero de indiviacuteduos beneficiaacuterios presentes na famiacutelia e na

comunidade como se pode observar nas informaccedilotildees contidas na tabela

Tabela 8 Europa do Sul Programas de Rendas Miacutenimas (2000)

Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal

Renda miacutenima por indiviacuteduo (mensais) 286ordf 148b

268 125

Renda miacutenima por casal e 2 filhos 386ordf 444 660 374

Nuacutemero de beneficiaacuterios (milhares)

202 700 86c

418

Nuacutemero de beneficiaacuterios ( populaccedilatildeo)

05 64 36c

42

Custo do programa (milhotildees anuais) 210 269 110d

284

Custo do programa ( PIB) 023 023 022e

025

Notas a Importacircncia da prestaccedilatildeo em Catalunha As restantes cifras no caso da Espanha referem-se ao conjunto dos programas autocircnomos de rendas miacutenimas b Todas as cifras no caso da Greacutecia onde natildeo existe nenhum programa de renda miacutenima satildeo estimativas resultantes de um exerciacutecio de simulaccedilatildeo efetuado por Matsaganis et al 2001 c Nnuacutemero de beneficiaacuterios (e porcentagem da populaccedilatildeo envolvida) nos 39 municiacutepios que participaram na primeira fase de experimentaccedilatildeo do experimento de reddito miacutenimo drsquoinserimento d Metade do custo do programa nos 39 municiacutepios experimentais durante o periacuteodo de dois anos (1999-2000) e Estimativas realizadas em 2001( PIB) se o programa havia sido generalizado em toda a Itaacutelia Fonte Moreno 2002 p 20 Informe final FIPOSC

Nos itens renda miacutenima por casal seguro desemprego prestaccedilatildeo contributiva e

natildeo-contributiva os dados evidenciam como os benefiacutecios em geral satildeo regulados com

riacutegidos criteacuterios em todos os sistemas da regiatildeo Os niacuteveis variam de acordo com as faixas

de renda e de salaacuterios e prevalece o modelo distributivo (tabela 9)

195

Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002)

Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal

Seguro desemprego (niacutevel miacutenimo) 442ordf 265ordf g

390

Subsiacutedio desemprego (assistencial) 332ordf 150b

nd 312d

Pensacirco miacutenima contributiva (70 anos) 386ordfd

474ac

516h

190

Pensacirco miacutenima natildeo-contributiva (70 anos) 259d

156ad

516h

138

Subsiacutedio familiar (1 filho de 7 anos) 24 nde

nde

26

Subsiacutedio familiar (3 filhos de 10 7 e 4 anos) 73 141f

110i

92

Notas As quantidades sacirco mensais (em euros) As prestaccedilocirces sacirco pagas em doze vezes ao ano a nacirco ser que se indique de outra maneira Em casos especiacuteficos os niacuteveis podem variar para o trabalhador individual ou a famiacutelia de acordo aos niacuteveis de renda ou de salaacuterio a Pago quatorze vezes ao ano b Somente disponiacutevel aos trabalhadores de mais de 45 anos c Incluiacutedo um suplemento de solidaridade para os pensionistas d Niacutevel para os beneficiaacuterios sem familiares dependentes e Natildeo existe um programa geral Haacute subsiacutedios contributivos para as famiacutelias com trabalhadoras dependentes f Sogravemente disponiacutevel para famiacutelias com um terceiro filho menor de 6 anos g O seguro ordinaacuterio de desemprego corresponde a 40 do salaacuterio de referecircncia (sem niacutevel miacutenimo) h Pago em treze vezes ao ano Incluiacuteda sogravemente a prestaccedilatildeo por famiacutelia numerosa Excluiacutedos os subsiacutedios contributivos Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo proacutepria dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)

No conjunto desses dados confirma-se a existecircncia de traccedilos comuns que se

relacionam para a demarcaccedilatildeo de um modelo particular na Europa do Sul Especificando-

se a Espanha percebe-se que nela prevalecem os criteacuterios de complementariedade e de

subsidiariedade presentes nos demais paiacuteses sul-europeus As comunidades deixam claro e

de forma expliacutecita a incompatibilidade do benefiacutecio com qualquer outro seja de que

natureza for conforme demonstra o quadro 14

Quadro 14 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Subsidiariedade complementariedade e

incompatibilidades

Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades

Andaluzia De recursos econocircmicos de unidade familiar

Com qualquer pensatildeo ou prestaccedilatildeo contributiva ou natildeo-contributiva de qualquer dos membros da unidade familiar

Aragoacuten De qualquer outro recurso tipo de recurso ou prestaccedilocirces

De qualquer outro ingresso de recurso ou prestaccedilotildees Das medidas de inserccedilatildeo social Apoio ao desenvolvimento pessoal e social Educacccedilatildeo e formaccedilatildeo Incorporaccedilacirco ao trabalho

Canaacuterias De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com pensocirces puacuteblicas exceto prestaccedilocirces familiares da seguridade social Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios por desemprego Com prestaccedilotildees alimentiacutecias de parentes obrigados

196

Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades

Castilha-La Mancha

De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente

De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente

Com pensotildees contributivas nacirco contributivas ou assistenciais por invalidez ou jubilaccedilatildeo do sistema puacuteblico de pensotildees Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios de desemprego por quantia igual ou superior ao recurso miacutenimo de solidariedade

Cataluntildeha De recursos econocircmicos da unidade

Caracteriacutestica geral Com prestaccedilotildees puacuteblicas superiores agrave renda miacutenima Com inexistecircncia de prestaccedilotildees desemprego por haver causado baixa voluntaacuteria na empresa Com situaccedilocirces transitoacuterias de falta de emprego por demissatildeo regulaccedilatildeo de emprego ou similares se o solicitante estaacute pendente de receber uma indenizaccedilatildeo superior agrave renda miacutenima Com pensotildees alimentiacutecias do cocircnjuge obrigado

Madri De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com o internamento em centros residenciais salvo se a RMI facilita a desistitucionalizaccedilatildeo Com ajudas autocircnomas natildeo perioacutedicas nem permanentes

Pais Basco De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente

De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente

Comunidade Valenciana

De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com qualquier tipo de pensacirco ou ajuda puacuteblica cuja finalidade seja atender as necessidades de subsistecircncia

Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)

Um traccedilo comum e uma forte caracteriacutestica dos regimes de renda miacutenima

regulados pelas comunidades autocircnomas (CCAAs) na Espanha eacute o grau de vinculaccedilatildeo das

medidas e criteacuterios de inserccedilatildeo com as prestaccedilotildees econocircmicas O quadro 15 evidencia

como todas as comunidades utilizam um instrumento juriacutedico proacuteprio como mecanismo de

controle sobre os acordos firmados entre o beneficiaacuterio e os governos regionais

197

Quadro 15 Espanha ndash renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de

inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas

Condiccedilatildeo inicial para a concesatildeo da

RMI

Condiccedilatildeo para a conservaccedilatildeo da

RMI

Obrigaccedilatildeo dos beneficiaacuterios da

RMI Instrumento juriacutedico

Andaluziacutea

Compromisso de inserccedilatildeo

Aragoacuten Acordo de inserccedilatildeo

Canaacuterias

Programa de integraccedilatildeo

Castilha-la mancha Acordo de inserccedilatildeo

Cataluntildeha Convecircnio de inserccedilatildeo

Madri Contrato de integraccedilatildeo

Pais Basco Convecircnio de inserccedilatildeo

C Valenciana Documento de inserccedilatildeo

Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)

O perfil geral dos sistemas de proteccedilatildeo social desenvolvidos no Sul da Europa

e em particular o modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) da Espanha guarda estreita

relaccedilatildeo com o sistema de proteccedilatildeo social brasileiro e revelam contradiccedilotildees e ambiguumlidades

Em vista disso para efeitos deste estudo destacam-se trecircs situaccedilotildees que

evidenciam tendecircncias comuns entre os dois modelos A primeira jaacute citada diz

respeito ao tratamento e agrave grande visibilidade dada nos anos recentes agrave assistecircncia

social natildeo tanto como poliacutetica concretizadora de cidadania mas como estrateacutegia de

consecuccedilatildeo de accedilotildees sociais plurais ou mistas que desobrigam o Estado de seu papel de

garante de direitos A segunda situaccedilatildeo natildeo menos forte decorre da primeira e refere-

se ao pouco conhecimento existente sobre a natureza e o alcance dos objetivos da

assistecircncia social tanto no Brasil quanto na Europa do SulEspanha e ainda de sua

efetividade para reduzir a pobreza e os iacutendices de desigualdade social eou para

alcanccedilar outros fins similares Essa realidade eacute confirmada por Gough (1997) quanto agrave

direccedilatildeo tomada pela assistecircncia social na Europa do Sul em uma pesquisa54

coordenada por ele envolvendo um grupo de cientistas sociais sobre a assistecircncia

realizada em 24 paiacuteses da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Economico (OCDE) nos anos 1990 Os dados baacutesicos e conclusivos desse estudo

foram publicados em livro (1996) e em outro informe cientiacutefico de acircmbito nacional

nos quais satildeo comparadas e contrastadas as peculiaridades da assistecircncia em cada paiacutes

do sul europeu A terceira situaccedilatildeo confirma como uma forte tendecircncia o fato de a

54 Trata-se de um estudo investigativo realizado por Gough (1997) e por pesquisadores da Unidade de Investigaccedilatildeo de Poliacutetica Social da Universidade de York nos anos 1990 que abrange a totalidade dos programas de assistecircncia social desenvolvidos em 24 paiacuteses membros da OCDE

198

assistecircncia social ser assumida cada vez mais pela igreja pela comunidade e pela

famiacutelia (que se apresentam como titulares da provisatildeo social privada) com perda

gradativa do protagonismo do Estado

A tabela 10 elaborada por Ian Gough (1997) evidencia a meacutedia das rendas

mensais disponiacuteveis com assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul com destaque para

os gastos soacutecio-assistenciais efetuados pela Itaacutelia (paiacutes reconhecido pela implementaccedilatildeo de

progranmas de assitecircncia social) em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses mediterracircneos

Tabela 10 Europa do Sul ndash rendas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com assistecircncia social

1992

Paiacutes Idade de solteiro 35

Idade do casal 35

Casal + 1 filho com idade de 7 anos

Solteiro + 1 filho com idade de 7 anos

Idade de solteiro 68

Greacutecia 48 48 52 60 60

Itaacutelia

(388)

(705)

(833)

(666)

388

Portugal 251 251 270 270 124

Espanha 312 358 417 377 208

Media CE 12 368 531 627 524 378 Fonte Ian Gough (1997)

A tabela 11 (Gough 1997 ) demonstra o gasto social total de cada paiacutes europeu (em relaccedilatildeo

ao PIB nacional) com destaque para a Sueacutecia e a Dinamarca paiacuteses que sempre investiram

na funccedilatildeo do Estado como instacircncia organizadora e reguladora de poliacuteticas puacuteblicas de bem-

estar social

Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992

Dinamarca

314

Greacutecia 193

Espanha 225

Franccedila 292

Itaacutelia 256

Portugal 176

Reino Unido 272

UE-12 271

Sueacutecia 376

Suiacuteccedila 181

Notas 1991 1990

Fonte (GOUGH 1997 )

Tudo isso acontece em um contexto em que a nova pobreza cria novos riscos e

inseguranccedilas sociais (ROOM apud GOUGH 1997) Um outro aspecto a destacar jaacute

199

caracterizado como tendecircncia atual eacute que a seguridade puacuteblica estaacute transformndo-se em

seguro privado revelando a ausecircncia de uma cultura de direitos tanto na Europa do Sul

como no Brasil como um traccedilo do avanccedilo da ofensiva neoliberal

Atualmente tanto em acircmbito nacional (Brasil) como internacional (Europa)

assiste-se ao desmoronamento e fragilizaccedilatildeo da cidadania social especialmente onde a

presenccedila do Estado nunca foi decisiva O aspecto mais grave natildeo estaacute na perda de seu

protagonismo mas no desmantelamento de direitos sociais jaacute conquistados e na sua

substituiccedilatildeo pela sociedade sem que ela conte com autonomia eou prerrogativa legal e

legiacutetima para prover como dever de cidadania bens e serviccedilos sociais Ademais o

mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e dada a diversidade de modelos de bem-estar e de

sistemas de provisatildeo social no proacuteprio contexto europeu percebe-se a inexistecircncia de um

marco regulatoacuterio regional eou ateacute mesmo nacional no campo da assistecircncia social em

que pesem os dispositivos legais presentes nas constituiccedilotildees desses paiacuteses

Portanto os paiacuteses da Europa do Sul segundo Gough (1997) natildeo satildeo os uacutenicos

que carecem de um projeto de assistecircncia social integrada de um compromisso social

puacuteblico ou de um sistema de seguridade social extenso mas eacute neles que essa tradicional

tendecircncia se confirma ainda mais Estudos como o de Gough (1997)55 muito contribuem

para o avanccedilo da ideacuteia sobre a necessidade de construccedilatildeo de uma rede de seguridade social

puacuteblica baacutesica no sul europeu e no Brasil que extrapole as intervenccedilotildees locais a exemplo

da experiecircncia e da tradiccedilatildeo dos paiacuteses noacuterdicos (Noruega Finlacircndia Dinamarca Sueacutecia

Islacircndia) em relaccedilatildeo agrave garantia de empregos e de provisatildeo universal de bem-estar O

grande diferencial eacute que nesses paiacuteses constata Gough (1997) existem marcos

regulatoacuterios nacionais Jaacute no Sul da Europa Ferrera (apud GOUGH 1997) identifica

quatro fatores de caraacuteter soacutecio-estrutural somados aos poliacutetico-institucionais que explicam

o atraso da assistecircncia social a saber o niacutevel de desenvolvimento soacutecio-econocircmico as

estruturas do espaccedilo familiar as caracteriacutesticas do mercado de trabalho o fenocircmeno das

migraccedilotildees Tambeacutem as subvenccedilotildees estatais a poliacuteticas assistenciais ainda satildeo muito baixas

nessa regiatildeo56

Em relaccedilatildeo ao fenocircmeno das migraccedilotildees na atualidade o quadro inverteu-se nos

paiacuteses da Europa do Sul que de exportadores passaram agrave condiccedilatildeo de importadores de

55 Gough (1997) analisa um aspecto socialmente relevante da poliacutetica social na Europa do Sul qual seja a provisatildeo de uma rede de seguridade e de renda nacional atraveacutes dos programas de assistecircncia social 56 Para Gough (1997) nos paiacuteses da Europa do Sul em sua grande maioria a porcentagem de gasto social puacuteblico (financiamento) com a assistecircncia social estaacute abaixo da meacutedia do conjunto de paiacuteses membros da Uniatildeo Europeacuteia

200

populaccedilatildeo Os movimentos migratoacuterios tecircm gerado novas demandas (e novos desafios) agraves

agecircncias estatais puacuteblicas eou privadasvoluntaacuterias No entanto argumenta Gough (1997

p 422) a capacidade de articulaccedilatildeo de peticcedilotildees para uma cobertura estatal sistemaacutetica eacute

miacutenima ateacute porque como jaacute salientado nesses paiacuteses o Estado-naccedilatildeo sempre teve papel

miacutenimo e muito restrito Natildeo haacute portanto mobilizaccedilatildeo poliacutetica ampla (de baixo para cima)

desses segmentos capaz de alterar para melhor o grau de proteccedilatildeo social O clientelismo

tornou-se uma via alternativa que redefine e domina o atual sistema e bloqueia as possiacuteveis

reformas aleacutem da inexistecircncia de um marco legal mais geral57 Por outro lado

ldquoidentificam-se algumas pressotildees provenientes da Uniatildeo Europeacuteia em favor de uma

melhora na provisatildeo social que vatildeo se configurando como uma estrateacutegia de combate agrave

exclusatildeo socialrdquo (GOUGH 1997 p 406) Sob a ofensiva neoliberal ateacute mesmo na Europa

do Norte cresce a insatisfaccedilatildeo popular face agrave tendecircncia estatal de reformular a rede oficial

de seguridade social existente agrave medida que os mercados de trabalho se distanciam do

ideal assumido nos programas claacutessicos de seguridade social contributiva e redistributiva

Por fim Gough (1997) identifica trecircs caracteriacutesticas poliacutetico-institucionais

comuns aos paiacuteses da Europa do Sul que a seu ver podem explicar a ausecircncia de uma rede

de seguridade puacuteblica oficial eou de um regime institucionalizado de assistecircncia social

nessa regiatildeo Satildeo elas a) a regiatildeo herdou um regime de bem-estar conservador-

corporativista segundo enfoque de Esping-Andersen (1990) b) os direitos sociais natildeo

estatildeo enraizados numa cultura poliacutetica aberta e universalista mas fechada e particularizada

e ainda muito influenciada pela loacutegica do familismo e das relaccedilotildees patratildeo-cliente como

uma constante histoacuterica e c) a terceira explicaccedilatildeo estaacute centrada nos antecedentes

histoacutericos natildeo-institucionalizados e no desenvolvimento recente dos programas de renda

miacutenima de inserccedilatildeo

Percebe-se com base na peculiaridade da assistecircncia social da Europa do Sul

porque Moreno (2000 p 67) fala das ldquoEuropas de bem-estarrdquo ao analisar ldquoas realidades

culturais institucionais e soacutecio-econocircmicas dos Estados de Bem-estar europeusrdquo e porque

existem vaacuterias tipologias de Estados de Bem-estar elaboradas por Wilenski e Lebraux

(1965)Titmus (1974) e Korpi e Esping-Andersen (1984) visando diferenciar modelos

distintos de poliacutetica social

57 Na Espanha os programas assistenciais diferem muito entre si Ateacute pouco tempo (1960) a ajuda aos pobres era de responsabilidade dos municiacutepios e da Igreja A partir de 1970 deu-se iniacutecio agrave provisatildeo de renda miacutenima Atualmente ainda haacute variaccedilotildees ateacute mesmo em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso aos programas de renda eou de inserccedilatildeo (RMI)_ salaacuterio miacutenimo Em algumas comunidades autocircnomas (CCAA) natildeo se exige o requisito de nacionalidade jaacute que os referidos programas satildeo descentralizados

201

Estudos fundamentados empiricamente (ver quadro 20 elaborado por

MORENO 2002) confirmam a deduccedilatildeo de Gough (1997) a respeito da necessidade de

reformulaccedilatildeo do sistema de seguridade social na Europa do Sul dada a ausecircncia de uma

rede de proteccedilatildeo universal e de um marco regulatoacuterio nacional Como exemplo faz-se

necessaacuterio que o governo central (Estado) intervenha de forma mais direta nas CCAA com

maiores recursos financeiros padronizando miacutenimamente os requisitos exigidos aos

beneficiaacuterios dos programas sociais No periacuteodo de 1998 a 2001 os indicadores sociais da

Espanha referentes agrave renda percapita (16 em 2001) e ao gasto social em relaccedilatildeo ao PIB

(20 em 1999) revelam-se superiores quando comparados aos demais paiacuteses do sul da

Europa Contudo e inferiores em relaccedilatildeo aos indicadores da Uniatildeo Europeacuteia

Diante desse quadro constata-se tambeacutem que na Europa do Sul o maior

desafio colocado no campo da provisatildeo social puacuteblica eacute o de estabelecer oficialmente um

programa de renda miacutenima financiado pelo Estado que esteja fundamentado numa

cidadania social ampliada que possibilite uma renda baacutesica na perspectiva dos direitos

sociais e que consolide um sistema nacional de seguridade social puacuteblico e de provisatildeo

universal de bem-estar Tambeacutem o referido desafio consiste em ampliar e incrementar as

accedilotildees do Estado nas demais poliacuteticas puacuteblicas o que exigiraacute sem duacutevida a criaccedilatildeo de um

marco regulatoacuterio nacional

Essas medidas teratildeo de levar em conta as mudanccedilas recentes sofridas pelos

regimes de bem-estar da Europa em geral tal como procede Moreno (2004)58 na anaacutelise

sobre as caracteriacutesticas e os traccedilos comuns desses regimes de bem-estar europeus Em sua

reflexatildeo Moreno (2004) sinaliza as tentativas neoliberais de reestruturaccedilatildeo desses regimes

pela Uniatildeo Europeacuteia (UE) que em geral satildeo de restriccedilotildees claras agrave cidadania social

Argumenta o autor que as respostas dos paiacuteses europeus agraves propostas de contenccedilatildeo de

gasto social (puacuteblico) eou de modernizaccedilatildeo desses regimes de bem-estar estatildeo

condicionadas pelas caracteriacutesticas proacuteprias de cada paiacutes por diferentes configuraccedilotildees

pelos traccedilos especiacuteficos e pelo niacutevel de adesatildeo de cada um deles agraves orientaccedilotildees neoliberais

Estar-se-ia portanto caminhando em direccedilatildeo agrave latinizaccedilatildeo dos modelos de bem-estar

europeus Decerto que natildeo

Moreno (2004) avalia que as propostas neoliberais constituem uma regressatildeo

das poliacuteticas institucionalizadas tornando-as menos generosas mas culturalmente

58 Conferecircncia de Luis Moreno no II Seminaacuterio Internacional de Poliacutetica Social Brasiacutelia SERUnB em novembro de 2004

202

latinas Identifica como principais fatores de mudanccedilas que alimentam a pressatildeo

neoliberal para restringir o papel do Estado a) as condiccedilotildees soacutecio-demograacuteficas desses

paiacuteses (baixa taxa de natalidade) b) o alto iacutendice de desemprego c) a recusa pela classe

meacutedia do pagamento de impostos altos acompanhada de denuacutencia de ausecircncia de

serviccedilos sociais compatiacuteveis com a carga tributaacuteria cobrada d) as estrateacutegias neoliberais

para expansatildeo de seu ideaacuterio com argumentos sobre a necessaacuteria remercantilizaccedilatildeo e

privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais e sobre os efeitos perversos da cultura da dependecircncia

(ideacuteia que coloca as proacuteprias viacutetimas da pobreza como principais protagonistas de sua

sub-cidadania) e) o novo discurso da direita favoraacutevel ao monetarismo com reduccedilatildeo do

gasto social e dos financiamentos puacuteblicos tendo em vista maior competitividade dos

mercados privados com ataques expliacutecitos ao sistema puacuteblico de pensotildees com indicaccedilatildeo

sobre a necessidade de reformas e modificaccedilatildeo dos pactos de solidariedade estatal f) os

discursos sobre a necessidade de novas lutas da direita europeacuteia promovendo a ruptura

com os pactos de nacionalidade (Estado-Naccedilatildeo) com claras propostas de mudanccedilas de

paradigmas econocircmicos (a exemplo da tese de que a doutrina keynesiana teve dimensatildeo

nacional e por isso natildeo se universalizou)

Ainda sobre as estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas neoliberais que se

configuram como tendecircncias gerais e reforccedilam o caraacuteter natildeo-institucionalizado da

assistecircncia no modelo latino da Europa do sul e do Brasil Moreno (2004) destaca como

questatildeo central e como novos traccedilos aspectos sociais que a seu ver satildeo resultantes de um

processo em curso denominado economia poacutes-industrial que natildeo mais reconhece o

trabalho como campo simboacutelico e como categoria fundante das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Ele se refere a esses aspectos como a) expansatildeo de serviccedilos privados

lucrativos b) incremento do nuacutemero de pessoas dependentes desses serviccedilos (por exemplo

pensionistas) c) mudanccedilas no mercado de trabalho com maior participaccedilatildeo feminina d)

aumento significativo da exclusatildeo social (reduccedilatildeo dos postos de trabalho para

trabalhadores de menor niacutevel de qualificaccedilatildeo profissional e) incremento do termo

flexibilizaccedilatildeo em substituiccedilatildeo ao de seguridade social (seguranccedila e proteccedilatildeo social

puacuteblicas) e f) estiacutemulo e transferecircncia de responsabilidades do Estado pela provisatildeo social

agraves famiacutelias e em particular agraves mulheres como cuidadoras sociais

Diante desse quadro geral de clara regressatildeo das poliacuteticas de bem-estar o

referido autor aponta algumas alternativas possiacuteveis especialmente para os paiacuteses da

Europa do Sul a) estiacutemulo agraves poliacuteticas de igualdade de gecircnero nos mercados de

203

trabalho b) criaccedilatildeo de estrateacutegias com vista a equilibrar o trabalho remunerado no

espaccedilo familiar entre seus membros retirando o foco e a sobrecarga da figura da

supermujer59 c) garantia de cursos de capacitaccedilatildeo e de formaccedilatildeo continuada para

emprego estaacutevel d) fortalecimento das redes (ou malhas) de seguridade social

garantindo cobertura de apoio puacuteblico para situaccedilotildees de vulnerabilidade social

(invalidez doenccedilas aposentadorias incapacidades) Ressalta contudo que os governos

neoliberais europeus natildeo estatildeo dispostos a se sacrificar em favor de um maior

incremento de gasto social puacuteblico em relaccedilatildeo ao PIB nacional muito menos em prol

de uma maior cobertura social com o fortalecimento das redes de seguridade social

Sem duacutevida a identificaccedilatildeo e a relaccedilatildeo que vecircm sendo estabelecida entre

paradigmas de proteccedilatildeo social latino-europeu e brasileiro com os regimes conservadores

ou corporativos europeus revela aspectos que podem ser compartilhados tais como o eixo

poliacutetico que garante hierarquias e status a prevalecircncia da loacutegica trabalhista na qual a

famiacutelia e nela a mulher exerce o papel de provedora de bem-estar social informal e

voluntaacuterio ao passo que os homens mantecircm a funccedilatildeo de provedores mediante emprego no

mercado formal

Entretanto o paradiacutegma de proteccedilatildeo social brasileiro distingue-se do europeu

por seu caraacuteter mais excludente tendo em vista o baixo potencial redistributivo das

poliacuteticas sociais brasileiras especialmente da sauacutede assistecircncia social previdecircncia e

59 Por supermujer Moreno (2003 p 5)) refere-se ldquoa um tipo de mulher mediterracircnea (com idade entre 40 e 59 anos) que tem sido capaz de conciliar seu trabalho natildeo remunerado no lar (hogar) com suas cada vez maiores e mais exigentes atividades profissionais no mercado de trabalho formalrdquo A seu ver estas supermujeres constituem-se no mais eficaz ldquoamortecedor socialrdquo na Europa Meridional (do Sul) contra a ofensiva neoliberal dos anos 1980 e 1990 agrave medida que as atividades extras desenvolvidas por elas tecircm sido cruciais tanto para manter a coesatildeo social das sociedades mediterracircneas como para um maior crescimento econocircmico Como dado ilustrativo Moreno (2003 p 5) informa que no periacuteodo 1975-1995 todos os paiacuteses mediterracircneos dobraram os percentuais do crescimento do gasto puacuteblico em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) alcanccedilando os seguintes pontos percentuais respectivamente Espanha (131) Greacutecia (151) Itaacutelia (113) e Portugal (102) Essas taxas contrastam com a meacutedia de 53 pontos percentuais em toda a EU no mesmo periacuteodo No contexto do recente processo de europeizaccedilatildeo a dupla jornada da supermujer manifesta-se como um orgulho cultural por esses paiacuteses de perfil conservador O papel ambivalente (de contiacutenuas mudanccedilas de jornada de trabalho) da mulher mediterracircnea reflete atitudes de um familismo ambivalente (SARACENO 1995 apud MORENO 2003) Por familismo ambivalente entende-se a difiacutecil conciliaccedilatildeo entre prioridades profissionais e afetivo-familiares (dupla jornada) As duas dimensotildees correspondem a um universo de valores que se apresentam em aparente dicotomia que as supermujeres meridionais tecircm conseguido combinar natildeo sem grande esforccedilo sendo capazes de completar jornadas interminaacuteveis de trabalho durante grande parte de suas vidas A ausecircncia do trabalho domeacutestico compartilhado pelos outros membros da famiacutelia tem implicado em maiores sacrifiacutecios e longas horas de exigente dedicaccedilatildeo da mulher dentro e fora de casa Eacute indiscutiacutevel que dadas as caracteriacutesticas do nexo famiacutelia trabalho e bem-estar a posiccedilatildeo das mulheres nos paiacuteses da Europa do Sul tornou-se mais complexa nas uacuteltimas deacutecadas com o incremento de todo tipo de responsabilidades profissionais e familiares com o agravante de que na estrutura social familiar na Europa do Sul compete agrave mulher cumprir funccedilotildees reprodutivas e as conciliar com o trabalho domeacutestico natildeo-remunerado

204

educaccedilatildeo Esta caracteriacutestica impediu ao longo do tempo a criaccedilatildeo e consequumlentemente a

expansatildeo da cobertura de uma proteccedilatildeo social puacuteblica e de qualidade reforccedilando a

tradicional distribuiccedilatildeo desigual de renda e alto grau de concentraccedilatildeo de renda e de poder

Os altos iacutendices de subemprego o descaso com as accedilotildees de sauacutede preventiva aleacutem do

acentuado grau de mercantilizaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede e de educaccedilatildeo e do caraacuteter

assistencialista e compensatoacuterio da assistecircncia social confirmam essa cultura poliacutetica

brasileira Confirmando as incompletudes histoacutericas e os contrastes sociais a distribuiccedilatildeo

de renda no Brasil nunca se deu em bases igualitaacuterias e redistributivas o que aprofundou o

fosso entre ricos e pobres

No caso especiacutefico dos paiacuteses da Europa do Sul e tomando como referecircncia as

diferentes tipologias de modelos de bem-estar excludente bem como estrateacutegias de

distribuiccedilatildeo de bem-estar nessa regiatildeo a literatura especiacutefica identifica estruturas

diferenciadas tais como puacuteblica familiarinformal privada plural ou mista Como

caracteriacutestica comum em relaccedilatildeo ao perfil familiar e assistencialista da regiatildeo Sul da

Europa indicadores sociais revelam um modelo de proteccedilatildeo social limitado agrave assistecircncia

social informal voluntaacuteria comercial eou mercantil No caso particular da proteccedilatildeo social

no Brasil haacute que se destacar em relaccedilatildeo aos gastos sociais e agrave distribuiccedilatildeo de bem-estar a

identificaccedilatildeo ateacute os anos 1980 de reduzidos niacuteveis de gasto social e uma grande

heterogeneidade eacutetnico-cultural baixa cobertura de seguro social e ainda a prevalecircncia de

um modelo econocircmico agro-exportador e de uma cultura poliacutetica clientelista e fisiologista

e populista Aleacutem disso eacute consensual em diferentes estudos sobre a poliacutetica social

brasileira que ela foi mais efetiva nos periacuteodos de ditadura do que de democracia Como

funcionava como instrumento de legitimaccedilatildeo do regime de exceccedilatildeo cerceador de direitos

individuais (civis e poliacuteticos) ela natildeo fazia parte do estatuto da cidadania

Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento de um sistema de bem-estar

como direito social ainda mais tardio do que na Europa do Sul Como marca do seu caraacuteter

conservador destaca-se ainda a estreita vinculaccedilatildeo da proteccedilatildeo social brasileira ao

mercado formal de trabalho haja vista o modelo corporativo adotado pelo regime

ditatorial particularmente nos anos 1930-1945 durante o governo de Getuacutelio Vargas

muito assemelhado ao modelo contratualisa de seguro social de Otto Von Bismarck

(Alemanha) Ressalta-se tambeacutem no regime brasileiro a acentuada diversidade e

heterogeneidade territorial (local e regional) e de desenvolvimento soacutecio-econocircmico Essa

diversidade somada agrave grande dimensatildeo geograacutefica brasileira contribuiu para a

205

consolidaccedilatildeo de uma cultura poliacutetica que combinou patrimonialismo clientelismo e

corporativismo Essa eacute a razatildeo das primeiras experiecircncias isoladas de proteccedilatildeo social no

Brasil60 pouco se universalizarem em que pesem suas semelhanccedilas com os regimes

conservadores europeus especialmente com os da Europa do Sul

Diferentemente desses paiacuteses o panorama social brasileiro sempre revelou

assustadores iacutendices ultrapassando 30 da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza conforme

demonstra a tabela 11 elaborada por Jannuzzi (2001) sobre indicadores sociais da maior

importacircncia de paiacuteses como Nigeacuteria Meacutexico Sueacutecia EUA quando comparados aos

indicadores do Brasil em pleno seacuteculo XX

Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX

Indicador Social Nigeacuteria Brasil Meacutexico Sueacutecia EUA

Taxa de crescimento demograacutefico (aa) 25 13 16 02 09

Proporccedilatildeo de 65 + anos () 30 49 45 174 125

Taxa de mortalidade infantil (pmil) 112 36 28 4 7

Esperanccedila de vida ao nascer 501 670 723 787 768

Crianccedilas nascidas com deacuteficit de peso () 16 8 7 5 7

Taxa de analfabetismo () 389 155 92 lt 10 lt 10

Taxa de escolarizaccedilatildeo primaacuteria () 930 971 999 999 999

Taxa de escolarizaccedilatildeo secundaacuteria () 295 654 661 999 963

Gasto educaccedilatildeo + sauacutede ( PIB)

09

65

77

155

119

Taxa de participaccedilatildeo masculina ()

862

841

817

714

701

Taxa de participaccedilatildeo feminina ()

480

440

384

629

582

Taxa de desemprego ()

ndash

78

30

82

46

Percentual de pobres (linha Bco Mundial) 702 51 179 ndash ndash

Percentual de pobres (linha oficial) () 430 174 101 46 141

Iacutendice de Gini ndash renda individual 045 059 050 025 040

Apropriaccedilatildeo de renda 20 + pobres () 44 25 36 96 52

IDH (Iacutendice de Desenvolvimento Humano) 0430 0747 0784 0926 0929

PIB per capita (doacutelar PPC) 795 6625 7704 20659 29605

Fonte Januzzi 2001 p 126_ Anuaacuterios e Banco de dados do PNUD UNESCO OIT UNICEF UNFPA e Banco Mundial Nota Segundo o autor os indicadores natildeo satildeo necessariamente comparaacuteveis Obs seleccedilatildeo feita pela proacutepria autora de alguns indicadores sociais relacionados pelo autor

Januzzi (2001) contribui para as anaacutelises sobre as funccedilotildees das poliacuteticas sociais

ao apresentar dados referentes aos estaacutegios de transiccedilatildeo demograacutefica que demandam

poliacuteticas socias eficazes ao explicitar as principais carecircncias e necessidades baacutesicas que

60 No Brasil a primeira lei reguladora das relaccedilotildees sociais vinculada agrave proteccedilatildeo social ocorreu em 1919 ndash Lei de Acidentes de Trabalho ndash e foi restrita a algumas categorias profissionais De conformidade com a Lei Eloy Chaves (1924) foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo inicialmente restritas aos ferroviaacuterios e logo em seguida estendidas a outras categorias (portuaacuterias estivadores etc)

206

deveratildeo ser atendidas por tais poliacuteticas bem como ao distinguir a linha da indigecircncia

(pobreza absoluta) da linha da pobreza (relativa) pois no Brasil a pobreza se caracteriza

por uma condiccedilatildeo humana que impede qualquer possibilidade de autonomia organizaccedilatildeo e

de participaccedilatildeo poliacutetica e social dos setores empobrecidos nas instacircncias decisoacuterias

tornando esses segmentos vulneraacuteveis agrave cooptaccedilatildeo por parte das elites (locais e regionais)

Natildeo se pode esquecer o caraacuteter repressivo e autoritaacuterio dos regimes de exceccedilatildeo que

prevaleceram no Brasil entre os anos 1937-1945 e entre 1964-1985

O quadro 16 sobre os estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica revela a importacircncia

da cobertura das poliacuteticas sociais em todos os ciclos vitais da existecircncia humana

Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais

Estaacutegio Ecircnfase da Poliacutetica Social

Preacute-transicional Altas taxas de natalidade Populaccedilatildeo muito jovem Baixa taxa de urbanizaccedilatildeo

Atendimento materno-infantil Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego

Transiccedilatildeo iniciada Diminuiccedilatildeo das taxas de natalidade Urbanizaccedilatildeo intensa Populaccedilatildeo jovem

Atendimento materno-infantil Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria

Transiccedilatildeo plena Desaceleraccedilatildeo acentuada da taxa de natalidade Aumento da populaccedilatildeo em idade ativa Alta urbanizaccedilatildeo

Emprego Educaccedilatildeo superior e secundaacuteria Sauacutede de adultos e materno-infantil Habitaccedilatildeo

Transiccedilatildeo completa Taxa de natalidade muito baixa Envelhecimento Elevada urbanizaccedilatildeo

Sauacutede de adultos e idosos Previdecircncia social Assistecircncia social Emprego

Fonte Jannuzzi 2001 p 67

Januzzi (2001) faz um estudo interessante sobre as polecircmicas em relaccedilatildeo agrave

definiccedilatildeo dos criteacuterios normativos para definiccedilatildeo dos iacutendices de privaccedilatildeo e dos niacuteveis de

carecircncia Ademais entende a pobreza como um fenocircmeno estrutural de carecircncias muacuteltiplas Para

esta tese interessa sua anaacutelise sobre o indicador da linha de pobreza baseado em princiacutepio natildeo-

monetaacuterio ainda que seja considerado o mais sujeito a variaccedilotildees conjunturais e tambeacutem por ser

um indicador complementar que busca dimensionar o percentual de pessoas e famiacutelias privadas

de renda miacutenima indispensaacutevel agrave exigecircncia de niacuteveis de qualidade de bem-estar como as que

demandam programas de transferecircncia de renda (a exemplo do Programa Bolsa

Famiacutelia_PBF_no Brasil e programas de inserccedilatildeo eou de renda miacutenima de natureza similar na

207

Europa do Sul) que se materializam em poliacuteticas sociais dirigidas a grupos em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade social questatildeo tematizada por esse estudo Trata-se de indicadores baseados no

estado de carecircncias muacuteltiplas ou de necessidades baacutesicas insatisfeitas em diversas dimensotildees

analiacuteticas e que tecircm seu uso vinculado agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas sociais tais como educaccedilatildeo

sauacutede habitaccedilatildeo emprego e outras O uso desses indicadores ao atuar com base em um amplo

campo de informaccedilotildees (Estados municiacutepios etc) permite uma visacirco estrutural da questatildeo aleacutem

de focalizar com precisatildeo os paracircmetros baacutesicos da realidade social e os programas sociais

necessaacuterios redirecionando-os ao puacuteblico-alvo em situaccedilatildeo de carecircncias insatisfeitas eou de

pobreza em seus muacuteltilplos aspectos seja absoluta (estado de privaccedilatildeo mais elevado) ou relativa

(com base na renda pe rcapita em relaccedilatildeo ao PIB nacional)

Nessa perspectiva a proporccedilatildeo de pobres corresponde agrave parcela da populaccedilatildeo

que natildeo dispotildee de produtos rendimentos suficientes e por conseguinte de niacuteveis

adequados de bem-estar por absoluta falta de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos

sociais puacuteblicos necessaacuterios para responder agraves suas carecircncias que se resolveriam com

poliacuteticas sociais puacuteblicas de caraacuteter inclusivo universalizador e redistributivo Esse

conjunto de carecircncias e de necessidades baacutesicas condicionam essas famiacutelias a uma renda

familiar percapita inferior ao custo de uma cesta baacutesica condiccedilatildeo que as coloca na linha

de indigecircncia Esse indicador tem sido muito utilizado por institutos de pesquisa como

pelo Comissatildeo Econocircmica para a Ameacuterica Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo Programa

das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) O PNUD propotildee o iacutendice de

pobreza humana (IPH) para medir o grau de pobreza e de privaccedilatildeo de meios e recursos

baacutesicos de sobrevivecircncia humana e assim dar maior visibilidade agrave questatildeo da pobreza

Em paiacuteses considerados em desenvolvimento como o Brasil e que apresentam padrotildees

normativos de privaccedilatildeo menos elevados em relaccedilatildeo aos paiacuteses desenvolvidos o caacutelculo

do IPH eacute feito com base da combinaccedilatildeo entre os seguintes fatores risco de mortalidade

apoacutes os quarenta anos (privaccedilatildeo de longevidade) taxa de analfabetismo e do indicador-

siacutentese de iacutendices de sobrevivecircncia acesso a serviccedilos baacutesicos de sauacutede agrave aacutegua potaacutevel e

niacuteveis de desnutriccedilatildeo Segundo Januzzi (2001 p 125) ldquoa proposiccedilatildeo do IPH representou

um avanccedilo toacuterico-conceitual importante para o PNUD no tratamento da questatildeo do

desenvolvimento socialrdquo

O quadro 17 apresenta necessidades e estado de carecircncias a serem atendidas e

confirma as necessidades baacutesicas defendidas por Gough (2000) tais como sauacutede e

autonomia sem as quais a nenhum ser humano eacute possiacutevel viver com dignidade

208

Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender

Acesso a oportunidades de desenvolvimento educacional Acesso a serviccedilos de sauacutede Acesso a oportunidades de trabalho regular Acesso a rendimentos suficientes Acesso agrave habitaccedilatildeo satisfatoacuteria Acesso a serviccedilos urbanos

Fonte Jannuzzi 2001 p 105

No quadro 18 Jannuzzi (2001 p 103) analisa a linha de indigecircncia e a linha

de pobreza respectivamente em relaccedilatildeo ao custo de uma cesta baacutesica de alimentos e ao

custo de alguns produtos e serviccedilos puacuteblicos considerados essenciais (despesas com

alimentos transporte remeacutedios material escolar vestuaacuterio etc) cuja ausecircncia de consumo

produz efeito direto sobre os niacuteveis de carecircncia dos cidadatildeos No Brasil em geral a cesta

baacutesica de alimentos eacute composta de trinta a cinquumlenta resumidos itens que fazem parte da

dieta habitual da populaccedilatildeo desde que atenda ao valor caloacuterico diaacuterio per capita

estabelecido pelo padratildeo normativo do paiacutes

Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza

Linha de Indigecircncia = custo de uma cesta de alimentos que perfaz os requerimentos de consumo individual ao longo de um mecircs

Linha de Pobreza = custo da cesta de alimentos da linha de indigecircncia + custos de transporte coletivo remeacutedios material escolar aluguel etc

Fonte Jannuzzi 2001 p 103

Esses itens selecionados em variedade e em quantidade de alimentos

tais como cereais leguminosas peixes carnes lactiacutenios e outros indicam de

forma mais visiacutevel o grau de severidade da pobreza eou da linha de indigecircncia isto

eacute ldquoquatildeo pobres satildeo os pobres e qual a distatildencia da renda meacutedia dos mesmos em

relaccedilatildeo agraves linhas normativas estabelecidas no paiacutes (hiato de pobreza)rdquo (JANNUZZI

2001 p 103) No Brasil o padratildeo normativo estabelecido para a alimentaccedilatildeo diaacuteria

dos brasileiros eacute de cerca de 2300 calorias ao dia e o valor atual do salaacuterio miacutenimo

(R$ 38000 em marccedilo de 2007) apresenta um poder de compra equivalente agrave

aquisiccedilatildeo de duas cestas baacutesicas sem contudo atender agraves exigecircncias de parcela

significativa da populaccedilatildeo brasileira na superaccedilatildeo de suas necessidades baacutesicas Os

indicadores sociais do paiacutes confirmam essa linha de pobreza e esse niacutevel de

insuficiecircncia de renda

209

Vale destacar a anaacutelise de Pereira (2000) em que se ressalta o estudo das

Comissotildees de Salaacuterio Miacutenimo instituiacutedas pela Lei nordm 185 de 14 de janeiro de 1936

regulamentada pelo Decreto-Lei nuacutemero 399 de 30 de abril de 1938 para desenvolver

pesquisas sobre as necessidades normais do trabalhador brasileiro Desses estudos

resultou o seguinte conceito de salaacuterio miacutenimo ldquoeacute a remuneraccedilatildeo miacutenima devida a todo

trabalhador adulto sem distinccedilatildeo de sexo por dia normal de serviccedilo e capaz de satisfazer

em determinada eacutepoca na regiatildeo do paiacutes as suas necessidades normais de alimentaccedilatildeo

habitaccedilatildeo vestuaacuterio higiene e transporterdquo (In RETRATO DO BRASIL 1984 apud

PEREIRA 2000 p 131)

Apesar de parecer uma medida avanccedilada tal conceito continha restriccedilotildees agraves

necessidades individuais e sociais do trabalhador como educaccedilatildeo e lazer aleacutem de natildeo

incluir sua famiacutelia Aacute eacutepoca tomou-se como referecircncia para definiccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo

o modus vivendi de segmentos de trabalhadores que apresentavam os niacuteveis salariais mais

baixos do paiacutes Considerando como referecircncia os valores atuais do salaacuterio miacutenimo

brasileiro apoacutes mais de cinco deacutecadas (R$ 38000 em 2007) os mesmos criteacuterios e

paracircmetros utilizados confirmam o baixo padratildeo normativo historicamente estabelecido

pelos gonvernos brasileiros ao definir o valor do salaacuterio miacutenimo nacional Diante de tais

constataccedilotildees fica clara a histoacuterica ausecircncia no Brasil de uma cultura de direitos e a

prevalecircncia na concepccedilatildeo e na accedilatildeo de seus governantes do princiacutepio restririvo e residual

de clara orientaccedilatildeo liberal (liberalismo claacutessico) segundo o qual no campo da proteccedilatildeo

social puacuteblica (quando esta ocorre) a referida proteccedilatildeo tem que ser miacutenima para natildeo

competir com o pior salaacuterio

Observa-se no Brasil a superposiccedilatildeo da economia sobre o social a heranccedila de

uma cultura poliacutetica autoritaacuteria com grande concentraccedilatildeo de poder no governo central

excluindo os trabalhadores das organizaccedilotildees e estruturas de representaccedilatildeo e do controle das

instituiccedilotildees sociais internacionalizando a economia brasileira e liberando a entrada de

capitais e financiamentos internacionais

CAPIacuteTULO VII

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE

RENDA MINIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA

ESTRATEacuteGIA ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL

71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais

O debate sobre a vinculaccedilatildeo dos miacutenimos sociais agrave ideacuteia de cobertura dos

niacuteveis de subsistecircncia tem sua origem no iniacutecio do capitalismo A instituiccedilatildeo de uma

poliacutetica de ingresso de miacutenimos sociais para atender agraves necessidades dos segmentos mais

pobres nas sociedades capitalistas ocidentais natildeo eacute nova O debate contemporacircneo sobre o

tema enfatiza aspectos teoacutericos econocircmicos e poliacuteticos e apresenta uma diversidade de

concepccedilotildees posiccedilotildees poliacutetico-ideoloacutegicas bem como propostas alternativas de inserccedilatildeo

social que estatildeo longe de se caracterizarem como consensuais As experiecircncias de renda

miacutenima sempre se fundamentaram no princiacutepio da subsidiariedade (a proteccedilatildeo social

puacuteblica tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio) e em uma concepccedilatildeo de

pobreza absoluta restrita a uma abordagem de ajuda social de cunho religioso caritativo e

assistencialista (a exemplo das Leis dos Pobres na Inglaterra no seacuteculo XVI) Com o

agravamento e complexidade do quadro social mediante o surgimento de fenocircmenos

excludentes proacuteprios do capitalismo tais como o recrudescimento do desemprego o

aumento da pobreza e do quadro de desigualdades sociais os crescentes contrastes

culturais sociais e econocircmicos as experiecircncias ancoradas na ideacuteia de um aporte miacutenimo

social (sistema de renda miacutenima de subsistecircncia) ganharam destaque e foram sendo

institucionalizadas mediante a concepccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos muito

embora o acesso a esses bens e serviccedilos sempre esteve condicionado agrave ideacuteia de contrato

social eou de inserccedilatildeo ao trabalho Com as mudanccedilas soacutecio-histoacutericas ocorridas no mundo

capitalista contemporatildeneo iniciou-se o debate sobre as diferentes formas de inserccedilacirco social

e ao mundo do trabalho com condicionalidades

No cenaacuterio atual com base nos princiacutepios do ideaacuterio liberal (na atualidade

ideaacuterio neoliberal) a proteccedilatildeo social puacuteblica nos dias atuais tambeacutem tem que ser miacutenima

211

para natildeo competir com o pior salaacuterio Ou seja o princiacutepio da subsidiariedade como

estrateacutegia neoliberal de resticcedilatildeo agrave cidadania social e a um padratildeo digno de vida continua

atualiacutessimo Haacute vaacuterias formas neoliberais de garantir proteccedilatildeo social Entre estas uma que

se tornou generalizada eacute a transferecircncia de renda jaacute abordada no capiacutetulo anterior

Entretanto apesar de sua generalizaccedilatildeo haacute uma variedade de recursos e meios para se

efetivar a provisatildeo dos miacutenimos sociais de inserccedilatildeo aos cidadatildeos que natildeo podem obtecirc-los

por seu proacuteprio esforccedilo Essas formas e meios de povisatildeo variam de paiacutes para paiacutes Quando

referidos a padrotildees baacutesicos de proteccedilatildeo social trata-se de uma forma peculiar de construir

uma rede de proteccedilatildeo social (e natildeo uma seguridade social puacuteblica e universal) oferecendo

um suporte material aos pobres e excluiacutedos (do processo produtivo) para que se sintam

integrantes dos ciacuterculos (ou relaccedilotildees) sociais na vida cotidiana Necessaacuterio se faz portanto

qualificar conceitualmente essas distintas formas de provisatildeo social miacutenima

a) Renda miacutenima garantida (RMG) ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI)

A Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (RMI) ou Renda Miacutenima Garantida (RMG) eacute um

conceito utilizado pelos paiacuteses da Europa do Sul Refere-se a um subsiacutedio ou prestaccedilatildeo

econocircmica com caraacuteter regular sujeito as condicionalidades (cumprimento de certas condiccedilotildees)

Segundo Moreno (2003 p 6) ldquosu cuantia monetaria refleja de una parte el nivel de generosidad

y solidariedad de la ciudadania a fin de combatir situaciones de pobreza y de outra las reales

posibilidades de que el beneficiario pueda superar com holgura su estado de precariedad y

abandonar en su caso su estado de exclusioacutenrdquo Como diferenciaccedilatildeo substantiva renda miacutenima

garantida ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) natildeo tecircm o mesmo significado que a renda baacutesica

(RB) uma vez que guardam distinccedilotildees A renda miacutenima garantida (ou de inserccedilatildeo social ndash RMI)

se traduz na garantia de acesso ao miacutenimo vital (ateacute que o cidadatildeo possa fazecirc-lo sem necessidade

do Estado) Por princiacutepio privilegia a inserccedilatildeo social como mecanismo para combater a exclusatildeo

social As primeiras RMIs foram concebidas como uma poliacutetica de reinserccedilatildeo social e

profissional e medida assistencial ateacute porque mesmo nas sociedades capitalistas a loacutegica de

obtenccedilatildeo de renda sempre esteve vinculada apenas a uma atividade produtiva Daiacute a exigecircncia

nessas sociedades do estabelecimento de condicionalidades ou contrapartidas vinculando

indiretamente essa medida assistencial e esse dispositivo ao trabalho

Contudo sob a ingerecircncia neoliberal a renda miacutenima eacute entendida como uma

ajuda iacutenfima residual e focalizada na pobreza extrema A questatildeo que se coloca a partir

212

dessa constataccedilatildeo eacute se o padratildeo de renda miacutenima (garantida ou de inserccedilatildeo social)

contemporacircneo liberta ou natildeo o pobre da pobreza E mais qual a sua relaccedilatildeo de

correspondecircncia com os direitos sociais assegurados por poliacuteticas puacuteblicas

No periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial atribuiu-se ao termo renda miacutenima

(garantida eou de inserccedilatildeo) a ideacuteia de integraccedilatildeo ao mercado de trabalho (acesso a um trabalho

estaacutevel) dos cidadatildeos excluiacutedos desse mercado aos quais era oferecido um suporte material na

forma de prestaccedilatildeo econocircmica ou seja uma transferecircncia monetaacuteria do Estado para os

indiviacuteduos e famiacutelias objetivando garantir sua subsistecircncia como direito de cidadania social

Nesse sentido as RMIs sempre buscaram combinar alocaccedilatildeo financeira com inserccedilatildeo social e

profissional sem descuidar da autonomia dos usuaacuterios como cidadatildeos

Castel (1989) considerou o dispositivo de renda miacutenima como um esforccedilo do Estado

Social keynesianobeveridgiano de dar respostas agraves novas formas de inseguridade e de

precariedade agraves quais as poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder

Entretanto ao analisar o futuro do sistema de proteccedilatildeo social contemporacircneo afirma que ldquouma

brecha se abriu na intersecccedilatildeo da assistecircncia e dos seguros sociaisrdquo (1989 p 53) prevalecendo

estes uacuteltimos em detrimento da contribuiccedilatildeo para a cidadania da primeira Ainda sobre a anaacutelise

e projeccedilotildees feitas por Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) os programas de renda miacutenima

(RMI) poderiam a seu ver ldquoser a legitimidade da remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo

corresponde necessariamente a um trabalhordquo Com base nessa perspectiva uma outra questatildeo

que se apresenta no debate sobre a RMI eacute ela poderaacute evoluir na direccedilatildeo da dissociaccedilatildeo entre

renda e trabalho afirmando-se como direito sem condiccedilotildees (BOSCHETTI 1997 p 36) Em

outras palavras em tempos de ingerecircncia neoliberal como fica a relaccedilatildeo da assistecircncia social

com a cidadania Em que pesem as contradiccedilotildees que permeiam o debate sobre as RMIs nesta

tese entende-se que em princiacutepio natildeo haacute oposiccedilatildeo entre os binocircmios trabalho e assistecircncia

social o que implica reconhecer o direito a um rendimento miacutenimo condiacutegno O que preocupa eacute

a desvaloizaccedilatildeo atual dos direitos sociais perante os direitos individuais o que configura uma

restriccedilatildeo da cidadania que se pretendia ampliar tambeacutem com a contribuiccedilatildeo da assistecircncia social

com seu reconhecimento como poliacutetica puacuteblica

b) Renda baacutesica (Rb)

Diferindo da renda miacutenima a Renda Baacutesica (RB) eacute entendida como um

rendimento suficiente (capaz de garantir vida diacutegna) incondicional (independente de outras

213

rendas) individual e universal (para todos) proporcionada sem gerar constrangimentos por

estar vinculada agrave liberdade positiva agrave justiccedila social redistributiva e aos direitos de cidadania

Natildeo se trata portanto de um subsiacutedio governamental vinculado a uma atividade laboral

obrigatoacuteria (workfare) Desde os anos 1980 haacute um debate nos paiacuteses industrializados em

defesa da renda baacutesica para todos ateacute mesmo como alternativa aos modelos de proteccedilatildeo social

existentes sendo vinculada ao estatuto da cidadania Trata-se portanto a renda baacutesica de um

mecanismo de redistribuiccedilatildeo regular de recursos financeiros para satisfazer necessidades

sociais baacutesicas sem qualquer exigecircncia de contrapartida portanto como direito

Constitui sem duacutevida uma medida polecircmica que agrupa distintas posiccedilotildees a

favor eou contra Muitos defensores da RB passaram a justificaacute-la e a explicaacute-la como

resultante da perda da centralidade do trabalho assalariado nas sociedades poacutes-industriais

Para Draibe (1993) com o surgimento da proposta de renda baacutesica houve um

deslocamento e uma mudanccedila da concepccedilatildeo de justiccedila social e do ideaacuterio de uma justiccedila

comutativa (a cada um de acordo com sua contribuiccedilatildeo) para a concepccedilatildeo e o ideaacuterio de

uma justiccedila redistributiva (a cada um o direito de participar da riqueza produzida

independente do qual tenha sido a contribuiccedilatildeo) Sobre essa questatildeo Gough (2003) faz um

alerta a los partidarios del ingresso baacutesico no sentido de que natildeo desconsiderem a

existecircncia de alternativas que satildeo fiscais e poliacuteticamente factiacuteveis inclusive agrave luz da

liberdade positiva no trato dessa questatildeo

Por fim os estudiosos e defensores da renda baacutesica propotildeem que esta seja

financiada por via fiscal (impostos) e que natildeo esteja sujeita a outra condiccedilatildeo que a da

cidadania independe de outras possiacuteveis fontes de renda eou de trabalho (VAN PARIJS

apud MORENO 2003) Ainda segundo Moreno (2003 p 6) ldquocon la puesta en vigor de tal

renta se produciria una desmercantilizacioacuten plena ya que la percepcioacuten del subsiacutedio seria

independiente de la actividad laboral remunerada o no remuneradardquo

72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e

primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997

Itaacutelia (1998) e Greacutecia

Ao final dos anos 1990 os programas de renda miacutenima converteram-se nos

paiacuteses europeus e especialmente na regiatildeo da Europa do Sul no emblema das mudanccedilas

214

(policy shift) e da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais A implementaccedilatildeo desses Programas o

perfil da assistecircncia social e as primeiras experiecircncias de provisatildeo miacutenima vivenciadas por

esses paiacuteses caracterizam-se como processos que dentre outros revelam semelhanccedilas e

diferenccedilas em relaccedilatildeo ao desenho das poliacuteticas sociais de combate agrave pobreza aos objetivos

formulados agrave ecircnfase dada agrave famiacutelia (familismo) aos caminhos adotados e agraves configuraccedilotildees

institucionais Trata-se de um perfil de Regime de Bem-estar cujas raiacutezes estiveram

fincadas na ocupaccedilatildeo formal (assalariados) mediante poliacuteticas sociais contributivas no

princiacutepio da seguridade social puacuteblica e universal e no apoio da famiacutelia extensa

As motivaccedilotildees surgiram a partir de mudanccedilas poliacuteticas significativas ocorridas

nos sistemas de proteccedilatildeo social europeus ateacute entatildeo desenvolvidos acrescidas do

surgimento de novas tendecircncias regionais e locais Desapareceram haacutebitos e normas nos

quais se sustentavam a relaccedilatildeo ocupacional dos assalariados e a relaccedilatildeo familiar das

pessoas dependentes (crianccedilas idosos e portadores de necessidades especiais) nos

sistemas tradicionais de proteccedilatildeo social Multiplicaram-se nesses paiacuteses novas carreiras

profissionais e foram introduzidas novas formas de organizaccedilacirco familiar Essas mudanccedilas

transformaram-se em condicionantes para a reavaliaccedilatildeo das redes de proteccedilatildeo social

existentes bem como das poliacuteticas adotadas na perspectiva de criaccedilatildeo de novas accedilotildees

estrateacutegias nessa aacuterea (SARACENO 2003)

As RMIs como estrateacutegia neoliberal de poliacutetica social de combate agrave pobreza e

agrave exclusacirco social natildeo podem ser substituiacutedas pelos serviccedilos eou accedilotildees soacutecio-assistenciais

garantidos por poliacuteticas de caraacuteter universalista fundadas na concepccedilatildeo de direitos sociais

e de assistecircncia social como poliacutetica de seguridade social puacuteblica Conveacutem lembrar que

para os neoliberais eacute o mercado e natildeo o Estado o espaccedilo da racionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo

social e portanto de resoluccedilatildeo dos problemas e das dificuldades econocircmicas e sociais

apresentadas pelos cidadatildeos Nessa perspectiva os serviccedilos sociais deveratildeo seguir a

disciplina do mercado e do jogo da livre concorrecircncia e natildeo criteacuterios puacuteblicos e unversais

Com base na perspectiva monetarista e no princiacutepio da subsidiaridade

(subsiacutedio decrescente) os neoliberais propocircem o imposto de renda negativo eou o imposto

negativo sobre a renda (INR) com o argumento de estimular o indiviacuteduo ao trabalho e de

eliminar a pobreza com pouco custo administrativo e financeirio mediante a substituiccedilatildeo

de todos os programas assistenciais puacuteblicos O INR eacute aplicado mediante uma teacutecnica

fiscal em que se garante recursos miacutenimos de subsistecircncia na forma de subsiacutedios aos

cidadatildeos que natildeo dispotildeem de nenhuma renda Esse imposto (INR) prevecirc o pagamento de

215

um subsiacutedio estatal cujo valor eacute fixado abaixo de um determinado limite de renda miacutenima

previamente declarado Esse subsiacutedio estatal vai decrescendo agrave medida que se elevam as

rendas do indiviacuteduo e vai se invertendo ateacute se converter em pagamento correspondente ao

imposto sobre a renda bruta do cidadatildeo Essa eacute a interpretaccedilatildeo neoliberal de renda miacutenima

que natildeo rompe com a loacutegica e os interesses do mercado Dito em outros termos ao Estado

(neoliberal) compete oferecer ao cidadatildeo pobre (em situaccedilatildeo de pobreza extrema) uma

porcentagem diferenciada entre a renda miacutenima estabelecida e a renda percebida por ele

(subiacutedio) para dispor de um fundo especial para transferecircncia monetaacuteria a todos os

cidadatildeos e assim ampliar sua capacidade de consumo Nessa perspectiva trata-se as

RMI de uma prestaccedilatildeo econocircmico-financeira assistencial de caraacuteter diferencial e

subsidiaacuterio ou seja um subsiacutedio baseado em uma perspectiva compensatoacuteria emergencial

e precaacuteria e em uma modalidade de cobertura social (mediante o repasse de ingressos

miacutenimos) de caraacuteter indenizatoacuterio

No limite as RMI objetivam amenizar as condiccedilotildees de subsistecircncia dos

cidadatildeos no enfrentamento de situaccedilotildees de risco pessoal e social tornando suas vidas

mais suportaacuteveis e menos conflitivas Portanto satildeo accedilotildees poliacuteticamente necessaacuterias mas

insuficientes no trato da questatildeo social Ademais o fato de os programas de renda

miacutenima eou de transferecircncia de renda se configurarem como uma estrateacutegia poliacutetica de

combate agrave pobreza e de estarem vinculados agrave aacuterea da assistecircncia social puacuteblica como uma

accedilatildeo complementar eou suplementar natildeo os legitima como programas autocircnomos e

substitutos das poliacuteticas puacuteblicas nem de serviccedilos assistenciais sob o risco de

reproduzirem a precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida tornando-se armadilhas da pobreza

Falta-lhes a configuraccedilatildeo inclusiva emancipartoacuteria e universalizadora para que de fato

cumpram a funccedilatildeo de promover a efetiva afirmaccedilatildeo e garantia dos padrotildees baacutesicos de

cidadania e assim natildeo se tornem mecanismos reprodutores dos efeitos excludentes de

uma sub-cidadania

As ambiguumlidades e limitaccedilotildees apresentadas por esses programas satildeo

encontradas em seu proacuteprio formato em seus conteuacutedos em suas praacuteticas efetivas e em

especial na ausecircncia de articulaccedilatildeo com poliacuteticas puacuteblicas de caraacuteter universalizador a

exemplo das poliacuteticas puacuteblicas de emprego educaccedilatildeo e sauacutede Ademais dependem da

vontade poliacutetica dos governantes e da benevolecircncia dos oacutergatildeos puacuteblicos agrave medida que satildeo

programas sustentados por instituiccedilotildees vinculadas ao sistema de proteccedilatildeo social puacuteblica

Daiacute seu uso poliacutetico clientelista e personalista

216

A questatildeo central que evidencia sua insuficiecircncia estaacute sobretudo em natildeo se

fazerem acompanhar de uma poliacutetica eficaz de redistribuiccedilatildeo de renda Daiacute a afirmaccedilatildeo de

que as RMIs natildeo conferem status de cidadania social aos seus beneficiaacuterios e nem

garantem padrotildees baacutesicos de cidadania pelo fato de reconhecerem apenas o direito de

inserccedilatildeo social eou ao trabalho a ser estabelecido com base na polecircmica loacutegica da

contrapartida Dito em outros termos o acesso ao benefiacutecio eou ao recebimento da

prestaccedilatildeo econocircmica estaacute sempre condicionado ao requisito da inserccedilatildeo que por sua vez

torna-se um elemento restritivo agrave cidadania desses segmentos

Interesssa agrave presente tese a identificaccedilatildeo das novas tendecircncias das marcas

poliacutetico-institucionais das questotildees pendentes e suas implicaccedilotildees para o futuro das poliacuteticas

sociais especialmente da assitecircncia social sob o impacto e pressotildees do pluralismo de bem-

estar de orientaccedilatildeo neolibertal que preconiza a flexibilizaccedilatildeo dos direitos de cidadania sob

o argumento da eficiecircncia econocircmica Portanto as trajetoacuterias de tais poliacuteticas de renda

miacutenima em suas partcularidades no contexto dos cinco paiacuteses da Europa do Sul constituem

o objeto da anaacutelise que segue

73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional

O ecircxito da Franccedila com a introduccedilatildeo da renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenue

minimum dacuteinsertion (RMI)) em 1988 desencadeou a adoccedilatildeo de programas similares

pelos paiacuteses da Europa do Sul O mesmo ocorreu no Paiacutes Vasco na Espanha em 1988

com a introduccedilatildeo do Plan de Lucha contra a Pobreza o qual serviu de estiacutemulo e referecircncia

para os demais programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo implementados em quase todas as

Comunidades Autocircnomas espanholas (ARRIBA apud MORENO 2000) Em 1996 um

programa piloto foi implementado em Portugal o qual passou a ser efetivado em 1997 A

Itaacutelia implantou um programa experimental em diversoas municiacutepios no periacuteodo de 1998 a

2002 Apenas a Greacutecia continua sendo o uacutenico paiacutes dessa Regiatildeo sem um programa de

renda miacutenima muito embora tenha ganhado relevacircncia neste paiacutes o debate puacuteblico sobre a

necessidade de revisatildeo e do fortalecimento da malha de Seguridade Social

A Franccedila se destacou na Europa do Sul por seu pioneirismo na

implementaccedilatildeo do primeiro Programa de Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Revenue

Minimum dacuteInsertion- RMI) em dezembro de 1988 Desde sua origem o RMI francecircs

217

apresentou uma perspectiva inovadora medinte a garantia de um duplo direito ou

seja o direito a uma renda miacutenima e o direito agrave inserccedilatildeo de seus beneficiaacuterios ao

mundo do trabalho e ao da sociedade A proposta francesa contrapocircs-se agrave ideacuteia

uacutenicamente econocircmica da pobreza reconhecendo-a como um fenocircmeno

multidimencional A assistecircncia social francessa eacute prestada aos segmentos

pauperizados estaacute vinculada agrave ideacuteia de seguro social e eacute entendida como um direito

universal O RMI francecircs garante aos seus beneficiaacuterios o direito a uma renda miacutenima

mensal agrave assistecircncia meacutedica ao auxilio moradia e ao direito a medidas de inserccedilatildeo

social e profissional Tal iniciativa provocou vaacuterios debates sobre o conteuacutedo e o

significado dessa nova modalidade de poliacutetica social de combate agrave pobreza

A caracteriacutestica baacutesica do RMI francecircs eacute privilegiar a inserccedilatildeo social como

dimensatildeo para combater a exclusatildeo social Nesse sentido caracteriza-se como um amplo

programa de renda miacutenima destinado seletivamente agrave populaccedilatildeo considerada pobre

(BOSCHETTI 1997) Foi concebido como uma poliacutetica de (re)inserccedilatildeo social e

profissional aleacutem de uma medida de aliacutevio da pobreza

A relaccedilatildeo entre trabalho assistecircncia e renda miacutenima surge no contexto desse

debate nos anos 1980 como um objeto privilegiado de anaacutelise para se pensar o futuro dos

sistemas de proteccedilatildeo social dos paiacuteses capitalistas desenvolvidos ateacute mesmo porque a base

dos sistemas de preteccedilao social nesses paiacuteses eacute a relaccedilatildeo entre assistecircncia e seguros sociais

- uma ideacuteia (de seguros sociais) que poderaacute romper com a loacutegica da dependecircncia e da

incapacidade como criteacuterios de acesso agrave proteccedilatildeo social

No entanto o sistema de proteccedilatildeo social francecircs entendido como articulaccedilatildeo entre

os binocircmios Estado Providecircncia e seguridade social seguro e assistecircncia social tambeacutem natildeo

forneceu resposta satisfatoacuteria agrave questatildeo da pobreza A ideacuteia de seguros prevaleceu em

contextos em que o desemprego era residual e o salaacuterio estaacutevel A partir dos anos 1980 com o

aumento do desemprego e o crescimento da precariedade das relaccedilotildees de trabalho foram

desvendadas novas expressotildees da pobreza como fenocircmeno estrutural que natildeo eram cobertas

pelo binocircmio assistecircncia e seguros sociais O RMI francecircs caracterizou-se como uma tentativa

de corrigir um desequiliacutebrio produzido pela modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica representado pela

existecircncia de cidadatildeos aptos para o trabalho mas natildeo inseridos no processo produtivo Nesta

perspectiva o RMI significaria uma extensatildeo do direito agrave assistecircncia aos cidadatildeos pobres

aptos para o trabalho mas que estavam excluiacutedos da assistecircncia social e do seguro social pela

condiccedilatildeo de natildeo acesso ao trabalho estaacutevel e formal

218

Em 1989 o governo francecircs criou o dispositivo denominado inserccedilatildeo social e

profissional como contrapartida agrave alocaccedilatildeo financeira e como negaccedilatildeo da ideacuteia de

prestaccedilatildeo de assistecircncia de caraacuteter suplementar ainda que com definiccedilatildeo de normas e

exigecircncias contraditoacuterias com o objetivo de impedir a acomodaccedilatildeo do beneficiaacuterio Havia

uma grande preocupaccedilatildeo dos parlamentares franceses com a concessatildeo de uma renda

miacutenima sem condicionalidades ou contrapartidas Assim a Lei do RMI ao vincular o

acesso ao direito social agrave cidadania salarial introduziu o dever da sociedade de se engajar

na busca de um emprego para os beneficiaacuterios por meio da conhecida poliacutetica de ativaccedilatildeo

voltada para a inserccedilatildeo dos excluiacutedos no mercado de trabalho

Analistas reconhecem as dificuldades em manter um salaacuterio e uma proteccedilatildeo

social vinculados a um salaacuterio estaacutevel A questatildeo central desencadeada pela experiecircncia da

Franccedila centrou-se na possibilidade de o RMI instituir uma nova ordem social baseada na

ruptura entre o econocircmico e o social (BOSCHETTI 1997) Mesmo tratando-se de uma

sociedade que reforccedila a inserccedilacirco profissional como possibilidade de acesso a um trabalho

estaacutevel como o melhor caminho para uma integraccedilatildeo social a questao eacute se na conjuntura

atual ainda eacute possiacutevel pensar em termos de poliacuteticas de pleno emprego e idealizar um

sistema de proteccedilatildeo social nos padrotildees do segundo poacutes-guerra Diante dessa questatildeo a

experiecircncia do RMI francecircs tanto pode significar o estabelecimento de uma nova ordem

social no sentido de transformar o modelo poliacutetico de regulaccedilatildeo social e a loacutegica

precedente de proteccedilatildeo social como se apresentar como indicador de que profundas

mudanccedilas estatildeo ocorrendo na ordem capitalista mundial

Para Milano (1998) e Euzeacuteby (1991) (apud BOSCHETTI 1997) o RMI eacute um

componente evolutivo do sistema de proteccedilatildeo social que se inscreve na continuidade das

poliacuteticas de luta contra a pobreza absoluta e relativa Nesta oacutetica (apud BOSCHETTI

1997) o RMI eacute um programa de renda miacutenima de caraacuteter complementar que tem como

referecircncia baacutesica a solidariedade social o que o caracteriza como uma alocaccedilatildeo

compensatoacuteria generalizada que complementa a renda dos beneficiaacuterios elevando-a a um

patamar miacutenimo Comparativamente o RMI francecircs se distingue dos de outros paiacuteses na

medida em que enquanto para estes paiacuteses os RMI caracterizam-se como uma prestaccedilatildeo de

assistecircncia social destinada agrave subsistecircncia dos indiviacuteduos na Franccedila o programa de renda

miacutenima de inserccedilatildeo se inscreve mais na perspectiva de luta contra a exclusatildeo social

mediante a inserccedilatildeo profissional dos beneficiaacuterios (BOSCHETTI1997) Portanto o que o

distingue dos demais eacute a concepccedilatildeo de inserccedilatildeo que o norteia tendo em vista o alcance de

219

uma autonomia social e profissional que somente se consolidaria com o trabalho A

particularidade dessa proposta reside ainda no fato de possibilitar uma participaccedilatildeo direta

do beneficiaacuterio mediante a assinatura de um termo de contrato ou convecircnio em que este

faz uma declaraccedilatildeo expliacutecita de comprometimento pessoal para com seu proacuteprio processo

de inserccedilatildeo social ou laboral Uma distinccedilatildeo importante do RMI francecircs em relaccedilatildeo ao

espanhol eacute que este estabelece a necessidade de um plano de accedilatildeo personalizado de

inserccedilatildeo social denominado termo de contrato ou convecircnio (anterior ao recebimento da

prestaccedilatildeo) diferentemente da experiecircncia francesa que supotildee um recebimento perioacutedico

apoacutes a busca de medida para inserccedilatildeo (AGUILAR et alii apud STEIN 2005 p 229)

Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 37) para quem o RMI natildeo pode ser

interpretado simplesmente como um novo dispositivo setorial o situa no campo das

transformaccedilotildees da proteccedilatildeo social Considera assim que o RMI francecircs representa um

esforccedilo de resposta agraves novas formas de inseguridade e de precariedade face agraves quais as

poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder Nesse sentido o RMI natildeo eacute

nem uma extensatildeo da assistecircncia nem a instituiccedilatildeo de mais um seguro social Revela

sobretudo que a loacutegica assistecircnciaseguros sociais como base do sistema de proteccedilatildeo

social puacuteblico estaacute sofrendo um profundo processo de transformaccedilatildeo o que pode indicar

uma inversatildeo dessa loacutegica com mudanccedilas significativas nas relaccedilotildees do trabalho

Esta concepccedilatildeo de Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) deixa como reflexatildeo a

possibilidade de os programas de renda miacutenima virem a se constituir numa forma legiacutetima de

remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo corresponde necessariamente a remuneraccedilatildeo do

trabalho No campo dos direitos o RMI francecircs ao romper com o complexo

assistecircnciaseguros sociais e com a loacutegica da relaccedilatildeo entre renda e trabalho e propor uma

inserccedilatildeo social garante o acesso dos beneficiaacuterios aos direitos sociais dos quais estavam

excluiacutedos Indiscutivelmente trata-se de uma proposta inovadora se considerada num contexto

capitalista de esgotamento do paradigma do trabalho no campo das relaccedilotildees sociais e de

ameaccedila de reduccedilatildeo eou extinccedilatildeo dos direitos sociais

Comparativamente e como contraponto ao RMI francecircs a perspectiva

neoliberal (EUA) ao propor um subsiacutedio estatal baseado em um patamar miacutenimo de

subsistecircncia a exemplo do imposto de renda negativo (IRN) que tranfere uma prestaccedilatildeo

econocircmica agrave populaccedilatildeo com base na renda e em possiacuteveis isenccedilotildees fiscais apresenta-se

natildeo apenas como uma alternativa substitutiva dos serviccedilos sociais puacuteblicos baseados no

modelo de regulaccedilatildeo keynesiano mas como um estiacutemulo ao consumo de mercado (por

220

serviccedilos sociais privados) e portanto de desestiacutemulo agrave demanda por bens e serviccedilos

puacuteblicos garantidos no acircmbito do Estado mediante poliacuteticas universais Essa proposta

neoliberal torna ainda mais complexa e incessiacutevel qualquer accedilacirco estrateacutegica voltada para

uma proteccedilatildeo social de caraacuteter progressivo Tambeacutem confirma a premissa com a qual esse

estudo se identifica de que somente um pacto social fundamentado no princiacutepio da

redistributividade ofereceraacute as reais condiccedilotildees para se efetivar uma justa e equacircnime

proteccedilatildeo social puacuteblica

74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial

latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (EstadoComunidades Autocircnomas)

informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil

A trajetoacuteria das poliacuteticas de assistecircncia social e dos programas de renda miacutenima

na Espanha apresenta como jaacute salientado uma peculiaridade Trata-se da experiecircncia

pioneira das Comunidades Autocircnomas com forte influecircncia da Igreja e da famiacutelia no

modelo de provisatildeo social reconhecidos como agentes sociais privados provedores de

bem-estar A literatura especializada informa que durante o franquismo os programas de

assistecircncia social eram muito escassos Com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Democraacutetica

espanhola de 1978 e nova legislaccedilatildeo regulamentaram-se e institucionalizaram-se a

assistecircncia social e os serviccedilos sociais Apoacutes constatarem crescimento acentuado da

pobreza no paiacutes as comunidades autocircnomas passaram a reivindicar a definiccedilatildeo de serviccedilos

da competecircncia do Estado em seus Estatutos de Autonomia Foram definidas de forma

clara com base em determinaccedilotildees constitucionais as competecircncias que deveriam ficar

com o Estado central ou seja a legislaccedilatildeo baacutesica e a seguridade social

Entre os anos de 1982 e 1993 (periacuteodo de 11 anos) e apoacutes a promulgaccedilatildeo das

Leis Autocircnomas (Leyes Autonoacutemicas) foram estabelecidas as primeiras medidas

vinculadas aos sistemas regionais de serviccedilos sociais de acesso universal aos cidadatildeos No

bojo de tais mudanccedilas os programas de assistecircncia social passaram a ser da competecircncia

exclusiva das 17 Comunidades Autocircnomas (CCAA) na Espanha Em 1988

generalizaram-se alguns componentes essenciais da malha de Seguridade Social da

Espanha quais sejam a) pensotildees natildeo contributivas para seguros de aposentadoria e de

invalidez b) prestaccedilotildees por filho sob a responsabilidade (a cargo) das famiacutelias de baixa

221

renda Entretanto o uso geneacuterico do termo renda miacutenima de inserccedilatildeo mascara um

panorama muito desigual no paiacutes com distintas realidades soacutecio-econotildemicas diferentes

desenhos institucionais dos programas de provisatildeo miacutenima em relaccedilatildeo agraves

condicionalidades exigidas em cada CCAA

Segundo Moreno (2003) o Pacto de Toledo firmado em 1995 consolidou-se

como um marco histoacuterico na luta contra a pobreza no Estado espanhol e um grande acordo

social entre partidos e sindicatos Possibilitou o desenvolvimento e a implantaccedilatildeo de

poliacuteticas sociais com acentuado caraacuteter progressista o que produziu amplas repercuccedilocirces

para o sistema de proteccedilatildeo social espanhol na perspectiva redistributiva tais como

propostas de financimento diferenciado das prestaccedilotildees contributivas (a atenccedilatildeo e a garantia

universal agrave sauacutede serviccedilos sociais baacutesicos e as prestaccedilocirces de assistecircncia social ficaram sob

a responsabilidade da fiscalizaccedilatildeo geral do Estado) As prestaccedilotildees natildeo-contributivas

ficariam sob a responsabilidade da seguridade social e se criaria um Fundo de Reserva

financiado com aportaccedilotildees do superaacutevit primaacuterio

Portanto a partir da Nova Constituiccedilatildeo de 1978 do Pacto de Toledo (1995) e

do acordo firmado entre a Administraccedilatildeo Central e as Comunidades Autocircnomas (CCAAs)

iniciado em 1988 (Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas de

Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees) todas as comunidades autocircnomas implementaram

programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) Nesse contexto situa-se a regulaccedilatildeo feita

pelas distintas Comunidades Autocircnomas (CCAA) agrave prestaccedilatildeo de renda miacutenima

considerada por alguns estudiosos um salaacuterio social o que para Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez ( 2000 p 432) tese com a qual esse estudo concorda ldquotrata-se de uma

denominaccedilatildeo improacutepria e polecircmica visto que o termo salaacuterio constitui uma remuneraccedilatildeo

especiacutefica do trabalho e por isso natildeo pode ser em uma prestaccedilatildeo assistencial peculiarrdquo

Afirmam ainda que ldquoo conceito de renda miacutenima natildeo pode estar vinculado agrave ideacuteia de um

recurso substitutivo de um salaacuterio pelo fato de que se trata de uma medida situada fora do

sistema produtivordquo

O modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) adotado na Europa do Sul em

especial pelos governos francecircs italiano portuguecircs e espanhol segue a modalidade de

poliacutetica social denominada de focalizaccedilatildeo eou discriminaccedilatildeo positiva (identificaccedilatildeo de

quem precisa para melhor atendecirc-lo) por assentar-se na ideacuteia de suplementaccedilatildeo de renda

como mecanismo necessaacuterio agrave reduccedilatildeo da condiccedilatildeo de pobreza mediante a

complementaccedilatildeo da renda individual eou familiar sob condicionalidades e criteacuterios de

222

elegibilidade Essa modalidade de renda miacutenima vincula o valor do subsiacutedio econocircmico a

determinadas exigecircncias de praacuteticas de integraccedilatildeo eou de inserccedilatildeo ao mundo do trabalho

Portanto eacute importante destacar que essa proposta natildeo gera o direito de acesso ao benefiacutecio

de forma automaacutetica e gratuita pois exige contrapartidas Todos os subsiacutedios sejam eles

na forma de uma renda substituta de inserccedilatildeo eou de imposto de renda negativo tecircm em

comum a transferecircncia de determinado valor na forma de prestaccedilatildeo econocircmica tendo em

vista possibilitar a cobertura de necessidades individuais eou sociais dos cidadatildeos

mediante condicionalidades

Em 1988 com base em um acordo firmado entre o governo central da

Espanha as comunidades autocircnomas (acircmbito regional) e os governos locais foi

elaborado o jaacute citado Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas

de Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees Locais (Plan concertado para el desarollo de

prestaciones baacutesicas de serviacutecios sociales de las corporaciones locales) Nesse acordo

articulou-se a cooperaccedilatildeo administrativa necessaacuteria entre os trecircs niacuteveis de governo na

provisatildeo da rede de serviccedilos primaacuterios e de assistecircncia social que contemplavam as

seguintes necessidades baacutesicas de acesso aos recursos sociais de convivecircncia pessoal

de integraccedilatildeo social e de solidariedde social (STIEacuteN Y ARRIOLA 1998 p 335) A

Carta Comunitaacuteria dos Direitos Sociais dos Trabalhadores de 1999 (La Carta

Comunitaacuteria de los Derechos Sociales de los Trabajadores de 1999) estabeleceu que

ldquoas pessoas que estatildeo excluiacutedas do mercado de trabalho seja por natildeo terem podido

ascender a ele seja por natildeo terem podido se reinserir no mesmo e que natildeo disponham de

meios de subsistecircncia devem beneficiar-se de prestaccedilotildees e de recursos suficientes

adaptados a sua situaccedilatildeo pessoalrdquo (artigo 10) Em 1989 o programa de renda miacutenima

espanhol inspirou-se nas linhas mestras do RMI francecircs concretizando a primeira

experiecircncia piloto no Paiacutes Vasco seguida posteriormente pela regiatildeo da Catalunha

(Gerona Leacuterida Tarragona e Barcelona) que inovou ao incluir os sindicatos mais

representativos agrave administraccedilatildeo central e agraves entidades sociais que passaram a contribuir

com uma nova configuraccedilatildeo poliacutetica do Programa Interdepartamental de Renda Miacutenima

de Inserccedilatildeo (PIRMI) do governo da Catalunha Em sentido similar a Comissatildeo das

Comunidades Europeacuteias (La Comisioacuten de las Comunidades Europeacuteas) determinou em

1992 aos Estados membros que estabelecessem uma quantia de recursos e prestaccedilotildees

suficientes para se viver conforme padratildeo de dignidade humana especialmente dirigida agraves

pessoas excluiacutedas do mercado de trabalho

223

Portanto a partir dessa data conforme afirmam Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez (2000 p 432 ) estudiosos da assistecircncia social e dos serviccedilos sociais na

Espanha havia chegado o momento de se constituir naquele paiacutesldquouma nova e singular

prestaccedilatildeo social pois ainda que estando fora do sistema de prestaccedilotildees econocircmicas

garantidas regularmente pela seguridade social puacuteblica sua proposta apresentava certas

conotaccedilotildees de direito subjetivo proacuteprias dessas natildeo se constituindo predicado dessa a

tiacutepica discriminaccedilatildeo atribuiacuteda histoacutericamente agrave assitecircncia social fora do Estadordquo

As regulaccedilotildees das comunidades autocircnomas natildeo se datildeo de maneira uniforme

apesar de apresentarem determinadas caracteriacutesticas comuns Ademais nacirco haacute na Espanha

a definiccedilatildeo clara de um modelo uacutenico de financiamento das RMI nem um uacutenico padratildeo

de renda miacutenima adotado como referecircncia nacional muito embora hajam sistemas

juriacutedicos puacuteblicos que regulamentam os serviccedilos sociais e concedem autonomia agraves

comunidades autocircnomas espanholas para legislar planejar e gestionar seus programas de

renda miacutenima e os seviccedilos soacutecio-assistenciais Na Espanha o financiamento dos serviccedilos

sociais se faz de maneira bastante diversificada mas tambeacutem interrelacionada Ao setor

puacuteblico compete a maior parte dos gastos sociais seja mediante a transferecircncia de

prestaccedilotildees econocircmicas diretas eou de serviccedilos ou mediante subvenccedilotildees concedidas ao

setor privado Por prestaccedilotildees sociais econocircmicas a sociedade espanhola entende todas as

transferecircncias em dinheiro ou em espeacutecie outorgadas agraves famiacutelias pelas Administraccedilotildees

puacuteblicas Correspondem ainda agraves ajudas a fundo perdido repassadas pelo setor puacuteblico a

entidades privadas sem fins lucrativos que prestam serviccedilos sociais agrave populaccedilatildeo

Na Espanha o Estado tem sido historicamente a principal fonte de

financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais Para Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez (2000 p 608) ldquoum aspecto a destacar eacute o incremento progressivo que tem

experimentado o financiamento puacuteblico na Espanha nos uacuteltimos anos seja para financiar

serviccedilos puacuteblicos seja para subsidiar as accedilotildees do setor privadordquo

A complexidade que envolve o estudo do padratildeo e das caracteriacutesticas do

financiamento de poliacuteticas sociais exige que se leve em conta trecircs indicadores

considerados essenciais por Fagnani (1998 p123) ao analisar a avaliaccedilatildeo do ponto de

vista do gasto e financiamento das poliacuteticas puacuteblicas brasileiras Satildeo eles a direccedilatildeo do

gasto social (destinaccedilatildeo dos recursos) a magnitude dos gastos e dos recursos financeiros

(compatibilidade entre recursos e carecircncias sociais) e ainda a natureza das fontes de

financiamento (recursos fiscaistaxas e impostos recursos auto-sustentados eou

224

adicionais e contribuiccedilotildees sociais) Quando se trata do alcance do potencial

redistributivo da poliacutetica social e do valor das prestaccedilotildees econocircmicas destinadas ao

financiamento de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo haacute que se acresecentar as

distintas concepccedilotildees de renda miacutenima de inserccedilatildeo e ainda a anaacutelise da articulaccedilatildeo

existente (ou natildeo)entre poliacutetica puacuteblica e setores privados No caso especiacutefico das

Comunidades Autocircnomas da Espanha (CCAAs) acrescenta-se a observatildencia dos

criteacuterios de descentralizaccedilatildeo do caraacuteter e da condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas e

ainda o processo de consolidaccedilatildeo dos orccedilamentos puacuteblicos como eacute o caso das distintas

Administraccedilotildees puacuteblicas ao apresentarem especificidades setoriais

Seco e Gonzaacutelez (2000 p 606) ao analisarem o sistema de financiamento na

Espanha afirmam que ldquobasta uma simples olhada na histoacuteria para comprovar que a

condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas de atenccedilatildeo primaacuteria guarda estreita

correspondecircncia com o caraacuteter privado ou puacuteblico do financiamento dos serviccedilos siociais

que sacirco prestadosrdquo No entanto argumentam que agrave medida que a accedilatildeo social eacute assumida

como obrigaccedilatildeo proacutepria do Estado (ou da proviacutencia da localidademuniciacutepio como no

caso da experiecircncia das comunidades autocircnomas ) haacute que destinar recursos puacuteblicos

pois na opiniatildeo desses autores ldquoeacute impensaacutevel uma obrigaccedilatildeo puacuteblica de serviccedilos sociais

livre de compromissos econocircmicosrdquo (SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 606)

A organizaccedilatildeo dos sistemas econocircmicos de provisatildeo de recursos e de gastos

puacuteblicos na Espanha realiza-se mediante a elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico que

assume um caraacuteter vinculante agraves distintas Administraccedilotildees puacuteblicas agrave medida que eacute

exigido dessas de forma imperativa a elaboraccedilatildeo de seu proacuteprio orccedilamento A

assistecircncia e os serviccedilos sociais satildeo financiados por distintas Administraccedilotildees puacuteblicas

(Uniatildeo Europeacuteia Administraccedilatildeo do Estado das Comunidades Autocircnomas e de

Corporaccedilotildees locais) sem prejuiacutezo da colaboraccedilotildeao da iniciativa privada em situaccedilotildees

relevantes e da participaccedilatildeo dos beneficiaacuterios dos serviccedilos exigida como

condicionalidade ao acesso do benefiacutecio (SECO GONZAacuteLEZ 2000) A exemplo do

Brasil na Espanha haacute uma diversidade de fontes de procedecircncia dos recursos como

taxas e impostos contribuiccedilotildees especiais subvenccedilotildees condicionadas cotizaccedilotildees e

outros Os recursos advindos da Uniatildeo Europeacuteia satildeo obtidos mediante contribuiccedilotildees

diretas dos Estados membros Os do Estado (governo central) mediante cotizaccedilotildees

obrigatoacuterias Ademais as Comunidades Autocircnomas e as Corporaccedilotildees locais tambeacutem tecircm

autoridade constitucional para exigir o pagamento de tributos (Constituiccedilatildeo espanhola

225

art 1332 ) sem prejuizo das participaccedilotildees em tributos do Estado (SECO GONZAacuteLEZ

2000 p 607) No entanto apesar de os programas sociais e dentre eles os de renda

miacutenima de inserccedilatildeo terem uma dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria consignada no Orccedilamento geral do

governo central os recursos disponibilizados natildeo tecircm sido suficientes para atender agraves

reais demandas e necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo Esse fato tem gerado grandes

debates e frequumlentes demandas por mais recursos financeiros apresentadas pelas

comunidades autocircnomas ao governo espanhol As comunidades autocircnomas apesar de

ostentarem o tiacutetulo juriacutedico (Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais) de competecircncia

exclusiva sobre o financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais tecircm argumentado

que o Estado deve colocar agrave sua disposiccedilatildeo os recursos de accedilatildeo social de que dispotildee para

que promovam a gestatildeo direta desses recursos na aacuterea da assistecircncia Com base nos

preceitos e disposiccedilotildees das Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais (a exemplo de Aragoacuten

arts 40 e 44 Paiacutes Vasco arts 28 a 33 Andaluzia arts 27 a 30 e outros) compete agraves

comunidades autocircnomas (e agraves Corporaccedilotildees locais) a obrigaccedilatildeo de consignar anualmente

em seus orccedilamentos as dotaccedilotildees precisas para estabelecer e manter os serviccedilos sociais

que legalmente tecircm atribuiacutedos assim como para fomentar a iniciativa das Corporaccedilotildees

locais pertencentes agrave sua demarcaccedilatildeo territorial

Na opiniatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 616) na Espanha ldquoos serviccedilos

sociais tecircm um peso relativamente inferior em relaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees econocircmicas e dentre

essas agraves pensotildees assistenciaisrdquo A afirmaccedilatildeo desses autores de que ldquoo gasto puacuteblico com

serviccedilos soacutecio-assistenciais tem evoluiacutedo no sentido de intensificar as transferecircncias

correntes desses serviccedilos em espeacutecie em detrimento das tradicionais prestaccedilotildees sociaisrdquo

(SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 616) evidencia o incremento dado pela Administraccedilatildeo

puacuteblica central nas uacuteltimas deacutecadas aos programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo em

atenccedilatildeo agraves orientaccedilotildees neoliberais

Em consequumlecircncia ao condicionar a provisatildeo das prestaccedilotildees econotildemicas aos

processos de inserccedilatildeo social eou no trabalho as iniciativas de renda miacutenima e de

serviccedilos assistenciais tecircm se consolidado como accedilotildees sociais limitadas focalizadoras e

insuficientes no trato agrave pobreza e agrave garantia das necessidades baacutesicas e de bem-estar da

populaccedilatildeo Ademais ateacute duas deacutecadas atraacutes os recursos disponibilizados pelo Estado

Social espanhol estavam limitados agrave seguridade social contributiva Dentre as vaacuterias

razotildees que passaram a justificar na atualidade a necessidade de ampliaccedilatildeo do gasto

puacuteblico com serviccedilos sociais mediante um maior financiamento das medidas soacutecio-

226

assistenciais eacute citado o aumento da pobreza relativa (renda percapita em relaccedilatildeo ao PIB

nacional) Com base na afirmaccedilatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 607) ldquoO aumento da

pobreza relativa eacute um importante fator a ser levado em conta pois os serviccedilos sociais tecircm

por objeto a atenccedilatildeo aos mais desfavorecidos (pobreza absoluta)rdquo Para esse autores os

governos que corresponderam aos exerciacutecios no periacuteodo de 1972 a 1988 foram os que

empreenderam os maiores esforccedilos na aacuterea social com aumento das transferecircncias de

prestaccedilotildees econocircmicas e das dotaccedilotildees orccedilametaacuterias Esse periacuteodo coincide com

mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e no perfil da gestatildeo puacuteblica Outras razotildees apontadas aleacutem

do aumento da pobreza (relativa e absoluta) referem-se agraves mudanccedilas demograacuteficas por

produzirem o envelhecimento da populaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de desemprego ao se firmar

como um fator socioloacutegico estruturante e incompatiacutevel com o bem-estar social e por

uacuteltimo a incidecircncia dos fenocircmenos migratoacuterios em especial o da imigraccedilatildeo um

fenocircmeno de difiacutecil previsatildeo mas com grande repercussatildeo no campo da proteccedilatildeo social

(sauacutede habitaccedilatildeo moradia e serviccedilos sociais)

Mesmo assim o processo de regulaccedilatildeo e administraccedilatildeo econocircmica na Espanha

apresenta caracteriacutesticas singulares principalmente em relaccedilatildeo agrave descentralizaccedilatildeo

territorial do gasto puacuteblico como pode ser visto na tabela 13 abaixo

Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha ()

19811

1984 1987 1990 1992 1997 19992

Central 873 756 726 662 630 595 54

Autocircnomo 30 122 146 205 232 269 33

Local 97 121 128 133 138 136 13

1 Generalizaccedilatildeo do processo autocircnomo 2 Estimaccedilotildees governamentais Fonte Ministeacuterio de Administraccedilotildees Puacuteblicas (MAP 1997) Elaboraccedilatildeo de Moreno (Internet 2001)

No geral as prestaccedilotildees de renda miacutenima tecircm correspondido a diferentes

concepccedilotildees e finalidades nos paiacuteses europeus haja vista a diversidade de denominaccedilotildees

atribuiacutedas a essas prestaccedilotildees pelas CCAAs espanholas para designar uma prestaccedilatildeo de

conteuacutedo baacutesico similar Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 433) ldquoalgumas

CCAAs ressaltam seu caraacuteter miacutenimo tais como Ingresso Miacutenimo de Inserccedilatildeo (Astuacuterias

Cantaacutebria Castilha e Leacuteon Muacutercia Paiacutes Vasco e La Roja) Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo

(Catalunha) Ingresso Miacutenimo de Solidariedade (Andaluzia Castilha La Mancha) Ajuda

Econocircmica Baacutesica (Ilhas Canaacuterias) e Renda Baacutesica (Navarra) Outras adotam

227

denominaccedilotildees que natildeo ressaltam o caraacuteter miacutenimo e sim a ideacuteia de inserccedilatildeo tais como

Ingresso Madrilhenho de Integraccedilatildeo (Madri) Ingresso Aragonecircs de Integraccedilatildeo (Aragoacuten)

Suporte Transitoacuterio Comunitaacuterio (Baleares) Ajuda Ordinaacuteria para a Integraccedilatildeo em

Situaccedilatildeo de Emergecircncuia Social (Estremadura) O nome de Prestaccedilatildeo Econocircmica

Regulada adotado pela Comunidade Autocircnoma Valenciana natildeo se refere nem agrave ideacuteia de

renda miacutenima nem agrave ideacuteia de inserccedilatildeo ldquoEm sua regulaccedilatildeo diferentemente das demais as

prestaccedilotildees satildeo consideradas subvenccedilotildees para pessoas sem meios de subsistecircnciardquo

(ALONSO SECO GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 436) Tais prestaccedilotildees recebem

ainda de alguns autores a denominaccedilatildeo de concessatildeo universal e de outros de renda de

cidadania eou de renda de existecircncia

No entanto para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez ( 2000 p 433) ldquotodas elas

podem englobar-se em dois grandes grupos a) renda miacutenima garantida (RMG)

considerada como renda ou subsiacutedio que permite o acesso a miacutenimos aceitaacuteveis de vida

de caraacuteter generalizado e independente a que todo cidadatildeo tem direito sem condiccedilotildees ou

exigecircncias de contrapartida b) renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) entendida como uma

prestaccedilatildeo econocircmica orientada tambeacutem a satisfazer necessidades humanas essenciais mas

vinculada estritamente agrave integraccedilatildeo no trabalho ou social das pessoas subsidiadas de

maneira que uma vez integrado o cidadatildeo deixa de receber a prestaccedilatildeordquo

A maior parte das naccedilotildees europeacuteias tem optado pelo segundo modelo de renda

miacutenima Dentre elas a Espanha que recebeu o influxo direto da lei francesa de 1998

segundo a qual a renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenu minimum drsquonsertion) ldquoeacute um subsiacutedio

que tem por objetivo cobrir as lacunas de um sistema de proteccedilatildeo social desenvolvido e

diversificado conferindo um novo direito agravequelas pessoas que natildeo o tem estabelecido por

outro sistema de proteccedilatildeo mais vantajoso mas condicionado a assinatura pelo

beneficiaacuterio de um contrato de inserccedilatildeordquo (lei francesa de 1998 p 430-431) Esta inserccedilatildeo

eacute concebida em sentido amplo e inclui tanto medidas de integraccedilatildeo profissional (formaccedilatildeo

profissional emprego eventual emprego protegido) como pessoal e social Essa

regulaccedilatildeo feita por todas as comunidades autocircnomas eacute coincidente ao estabelecer que a

prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ldquotem por finalidade garantir recursos miacutenimos de

subsistecircncia agraves unidades familiaresrdquo (lei de 1998 p 431) mediante situaccedilotildees de

necessidade ou carecircncia de recursos sempre que natildeo podem ser atendidas mediante

prestaccedilotildees de outros sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social dentre os quais as pensotildees da

seguridade social as prestaccedilotildees por desemprego e outros tipos de pensotildees puacuteblicas

228

Uma das caracteriacutesticas baacutesicas da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima

adotada pelos paiacuteses da Europa do sul em especial pela Espanha eacute sua vinculaccedilatildeo com

outras prestaccedilotildees de natureza natildeo econocircmica que tendem aacute inserccedilatildeo pessoal laboral eou

social de seus beneficiaacuterios o que confirma a finalidade transitoacuteria e conjuntural desse

benefiacutecio econocircmico assistencial Essa vinculaccedilatildeo da renda miacutenima agraves medidas de

inserccedilatildeo encontra-se contemplada em todos os ordenamentos autocircnomos da Espanha

Outra criteacuterio comum presente em todas as regulamentaccedilotildees das CCAAs como condiccedilatildeo

para se ter acesso agrave renda miacutenima diz respeito agrave vinculaccedilatildeo indissociaacutevel do conceito de

renda miacutenima agrave concepccedilatildeo de unidade familiar Esse conceito ganha relevacircncia quando se

trata de definir o valor das prestaccedilotildees para satisfazer as necessidades de subsistecircncia dos

membros dessa unidade Como exemplo o ordenamento da Comunidade de Aragoacuten (Lei

11993 de fevereiro artigo 5) tem uma concepccedilatildeo de nuacutecleo baacutesico da unidade familiar

que eacute comum agraves demais CCAAs ainda que o benefiacutecio de prestaccedilatildeo econocircmica de renda

miacutenima receba distintas denominaccedilotildees ldquonuacutecleo de convivecircncia composto por uma soacute

pessoa ou por duas ou mais vinculadas por matrimocircnio ou por outra forma de relaccedilatildeo

estaacutevel anaacuteloga agrave conjugal por adoccedilatildeo acolhimento ou por parentesco de consanguinidade

(ateacute o quarto grau) ou por afinidade (ateacute o segundo grau) conforme demanda e vinculaccedilatildeo

com o solicitanterdquo (ALONSO SECO GONZALO GONZAgraveLEZ 2000 P 450) A regra

geral baacutesica aplicada por todas as CCAAs eacute que os recursos totais da unidade familiar natildeo

devem ultrapassar o valor da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima A caracteriacutestica

essencial da renda miacutenima de inserccedilatildeo eacute a comprovaccedilatildeo mediante a apresentaccedilatildeo de

documentos junto agrave Administraccedilatildeo central que cpmprovem a necessidade de assitecircncia

(ausecircncia ou insuficiecircncia de recursos) dos membros daquela unidade familiar Trata-se

das mesmas normas e comprovaccedilotildees exigidas pelas pensotildees natildeo-contributivas da

seguridade social puacuteblica poreacutem bem mais severas pois diferentemente dessas agrave medida

que a unidade familiar passa a receber recursos superiores ao valor da prestaccedilatildeo o recurso

assistencial eacute extinto imediatamente Nesses termos a perda de qualquer um dos requisitos

exigidos para a concessatildeo da renda eacute motivo de suspensatildeo do benefiacutecio Portanto a

transitoriedade ou temporalidade eacute caracteriacutestica baacutesica dessa prestaccedilatildeo o que a distingue

de outras pensotildees assistenciais vitaliacutecias Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p

452) ldquotodos os Ordenamentos Autocircnomos destacam que ainda que a renda miacutenima de

inserccedilatildeo seja perioacutedica provisoacuteria e de caraacuteter trasitoacuterio sua finalidade natildeo eacute manter a

pessoa em estado de indigecircncia e passividade prolongando com escassos subsiacutedios sua

229

situaccedilatildeo de marginalizaccedilatildeordquo Vecirc-se nessa afirmaccedilatildeo o receio de que se perpetue a cultura

da dependecircncia entre os usuaacuterios tatildeo difundida e defendida pelos neoliberai Como

expressa a Lei de 22 de maio de 1998 do Paiacutes Vasco ldquoa renda miacutenima configura-se como

um direito subsidiaacuterio e complementar de todo tipo de recursos e prestaccedilotildees sociais de

conteuacutedo econocircmico previstos na legislaccedilatildeo vigente () e se define como uma prestaccedilatildeo

perioacutedica de natureza econocircmica dirigida a cobrir as necessidades daquelas pessoas que

carecem de recursos econocircmicos suficientes para fazer frente aos gastos baacutesicos para a

sobrevivecircnciardquo (Lei Paiacutes Vasco de 1998)

Como jaacute afirmado na Espanha ainda prevalece a concepccedilatildeo de prestaccedilatildeo

assistencial de natureza subsidiaacuteria e complementar destinada a minimizar estados

severos de carecircncia e situaccedilotildees graves de necessidade econocircmica apesar de ser tambeacutem

visiacutevel a tendecircncia de adoccedilatildeo do programa de renda miacutenima que ldquotem por objetivo

possibilitar a saiacuteda da situaccedilatildeo de marginalidade em que se encontram seus perceptoresrdquo

(Lei Paiacutes Vasco de 1998) Com base na afirmaccedilatildeo de Clerc (apud ALONSO SECO

GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 433) ldquovivemos em sociedades ricas nas que o trabalho

eacute escasso e portanto resulta necessaacuterio repartir esta riqueza de maneira diferente agrave mera

remuneraccedilatildeo dos fatores de produccedilatildeo jaacute que um nuacutemero crescente de pessoas se acham

excluiacutedas do jogo econocircmico e natildeo recebem rendas procedentes de sua atividaderdquo A

prestaccedilatildeo econotildemica tem um caraacuteter temporal ainda que persista a situaccedilatildeo de

marginalidade e de exclusatildeo social Constituem grupos e segmentos da populaccedilatildeo

atendida por esta prestaccedilatildeo assistencial famiacutelias pobres ou pessoas em situaccedilatildeo de

exclusatildeo social como idosos tendo como termo de comparaccedilatildeo a situaccedilatildeo de inclusatildeo

institucional em que famiacutelia e filhos satildeo pouco requisitados

Dois fatores se destacam como agravantes da exclusatildeo social desses

segmentos o primeiro refere-se agraves quantias escassas que satildeo repassadas aos idosos

pobres como subsiacutedio miacutenimo em atenccedilatildeo agrave sua sobrevivecircncia portanto natildeo suficientes

para atender suas necessidades baacutesicas O segundo fator eacute revelador do papel que se

espera dos filhos e das famiacutelias dos idosos no sentido de prover-lhes atenccedilatildeo e cuidados

necessaacuterios como accedilatildeo complementar de um sistema de provisatildeo social em que

predomina um modelo assistencial de reconhecida natureza familista de caraacuteter

ambivalente Dito em outros termos a loacutegica de provisatildeo social prevalecente na Espanha

centrada nos cuidados familiares contrapotildee-se a um modelo puacuteblico de proteccedilatildeo social

eou de seguridade social puacuteblica efetivada no acircmbito do Estado destinada agrave cobertura

230

dos riscos pessoais e sociais inerentes a situaccedilotildees de vulnerabilidade social a exemplo do

processo de envelhecimento

Como confirmaccedilatildeo dessa realidade social dos idosos na Espanha eacute que o

quadro 19 retrata a inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e sua

relaccedilatildeo com suas famiacutelias) tal qual eacute entendida tomando como referecircncia os sistemas de

cobertura de riscos na velhice com base em situaccedilotildees de renda miacutenima e de pensotildees

(contributivas e natildeo-contributivas) desse segmento

O referido quadro revela de um lado situaccedilotildees de renda de prestaccedilotildees

contributivas e as possibilidades reais de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos

aspectos considerados definidores de inclusatildeo social desse segmentoDe outro revela as

situaccedilotildees de ausecircncia eou de escassez de renda e de prestaccedilotildees natildeo-contributivas bem

como a impossibilidade de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos que de fato

caracterizam as situaccedilotildees de exclusatildeo social em que vivem os idosos nesse paiacutes

Ressalta-se diante do exposto a importacircncia e o peso atribuiacutedo na Espanha agrave

provisatildeo social privada entregue aos cuidados familiares ateacute mesmo quando se trata de

definir os criteacuterios de acesso e o momento da necessaacuteria interversatildeo puacuteblica estatal (ainda

que residual e complementar) pois o Estado interveacutem na aacuterea social de forma residual ou

seja somente apoacutes o natildeo-cumprimento pela famiacutelia de seu papel de cuidadora social e de

promotora do bem-estar de seus membros

Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e famiacutelia)

Inserccedilatildeo Social

Inclusacirco Exclusacirco

Sistemas de cobertura de

riscos na velhice

Rendas familiares de origem ou adquiridas ao longo da vida laboral ou mediante poupanccedila

Pensocirces contributivas garantidas (baseadas no seguro laboral) que proporcionam estabilidade econocircmica e seguranccedila

Famiacutelias dos filhos insuficiente atenccedilatildeo aos pais por falta de meios e condiccedilotildees favoraacuteveis

Escassa renda familiar unida agrave dificuldade de acumular poupanccedila ao longo da vida laboral

Pensotildees natildeo contributivas subsiacutedios miacutenimos inseguranccedila e quantiacutea escassa

Famiacutelias dos filhos provecircem de atenccedilatildeo e cuidados

Coletivo IOEacute y CIMOP (1998 apud Bayer Lorente y Garcia) In Moreno (2004)

Registra-se que haacute casos especiacuteficos que se deve levar em conta de pessoas

idosas e pobres com idade superior a 65 anos que natildeo podem receber a pensatildeo puacuteblica

natildeo contributiva do governo nem tampouco a renda miacutenima de inserccedilatildeo por natildeo

cumprirem a exigecircncia legal de comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia preacutevia no paiacutes

Isso significa dizer que em funccedilatildeo dessas condicionalidades impostas haacute na Espanha um

231

contingente de idosos pobres que natildeo eacute socialmente amparado pelo sistema puacuteblico de

seguridade social pelo fato desses cidadatildeos natildeo figurarem nas estatiacutesticas

governamentais como legiacutetimo grupo beneficiaacuterio dos programas de renda miacutenima

apesar de contraditoacuteriamente pertencerem ao segmento para o qual eacute dirigida a

prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ou seja de pobreza extrema Portanto entende-se

que o requisito legal que tem como exigecircncia a comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia

preacutevia a um segmento que se encontra na condiccedilatildeo de vulnerabilidade social (condiccedilatildeo

de vida que limita seu acesso ao trabalho) aleacutem de fortalecer o perfil focalizador dos

programas de renda miacutenima configura-se como um criteacuterio excludente

A tabela 14 demonstra com base no conjunto da populaccedilatildeo espanhola

calculada em 1999 os nuacutemeros e os percentuais relativos agraves pessoas consideradas

incapacitadas inclusive para o trabalho adotando como criteacuterios a idade e o sexo No total

prevalece nas duas faixas etaacuterias um nuacutemero maior de mulheres consideradas

incapacitadas Tambeacutem e proporcionalmente os percentuais femininos se sobrepotildeem aos

masculinos tanto entre a populaccedilatildeo idosa de 65 a 79 anos quanto na acima de 80 anos o

que evidencia um maior contingente populacional feminino neste paiacutes bem como um

maior grau de longevidade como caracteriacutestica desse grupo social

Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 antildeos (Valores

absolutos e horizontais)

65 a79 anos Mais de 80 anos

Total Incapacitados de

incapacitados por sexo

Total Incapacitados de

Incapacitados por sexo

Homens

2241487

502396

225

468319

231413

49

Mulheres

2812998

818137

29

911720

520706

57

Total 5054485 1320533 26 1380039 752119 54

Fonte Populaccedilatildeo nacional de direito calculada em 15 de maio de 1999 por idade e sexo INE (2002) Elaboraccedilatildeo proacutepia de Bayer Lorente y Garcia Moreno (2004)

Tambeacutem fazem parte do grupo de cidadatildeos considerados incapacitados e que

demandam medidas de inserccedilatildeo social pessoas com enfermidades crocircnicas com

drogodependecircnciaalcoolismo desempregados adultos eou demandantes do primeiro

emprego que tecircm grandes dificuldades de acesso ao trabalho

No geral em seu desenho poliacutetico-institucional os programas autocircnomos de

renda miacutenima de inserccedilatildeo espanhoacuteis apresentam duas situaccedilotildees de ambiguumlidade a) de

232

um lado satildeo inovadores por terem sido desenhados projetados e colocados em praacutetica

pelas proacuteprias Comunidades Autocircnomas tornando-se atuaccedilotildees positivas e b) de outro

carcaterizam-se por serem extremamente seletivos e por vezes excludentes na medida

em que haacute escassez de recursos financeiros puacuteblicos provenientes do governo central e

o fechamento da malha de seguridade ao natildeo possibilitarem o acesso de pessoas natildeo

elegiacuteveis em outros programas sociais (MORENO 2000 p 6-7) Apoacutes revisatildeo

bibligraacutefica feita por esse estudo com base em abundante literatura especializada sobre

renda miacutenima constatou-se que as prestaccedilotildees econocircmicas ainda assumem na Espanha

grande importatildencia no conjunto da accedilatildeo social pois percebe-se como tendecircncia um

esforccedilo em incrementar as prestaccedilotildees monetaacuterias assistenciais nesse paiacutes

Com base em recentes estimativas do Ministeacuterio de Trabajo e Assuntos

Sociales os beneficiaacuterios individuais do RMI superaram os 200000 cidadatildeos previstos

no ano 2000 (ARRIBA MORENO 2002) Isso significa que em 2002 as dezessete

(17) comunidades autocircnomas espanholas dispunham de algum tipo de atuaccedilatildeo em

relaccedilatildeo ao programa de renda miacutenima E isso se deu apesar das contradiccedilotildees presentes

nesse processo e agraves dificuldades poliacuteticas e operacionais influenciadas pelas propostas

recentes de teor neoliberal que tecircm incentivado poliacuteticas de ativaccedilatildeo para inserccedilatildeo dos

beneficiaacuterios no mercado de trabalho e a adoccedilatildeo de criteacuterios mais restritos de acesso

aos subsiacutedios assistenciais bem como o estabelecimento de miacutenimos vitais

(sobrevivecircncia bioloacutegica) e ajudas familiares na forma de isenccedilatildeo fiscal

Em suma constituem principais prestaccedilotildees econocircmicas assistenciais de renda

miacutenima na Espanha a) prestaccedilotildees suplementares da seguridade social (um complemento

dos miacutenimos de pensotildees da seguridade social baseado na elevaccedilatildeo da quantidade a

receber ateacute um miacutenimo legalmente estabelecido alcanccedilando o total de 30 mediante

comprovaccedilatildeo de recursos) b) prestaccedilotildees familiares de seguridade social destinadas agraves

familias necessitadas que tecircm trecircs ou mais filhos sob sua responsabilidade O ajuste dos

subsiacutedios se daacute de acordo com o tamanho dos hogares e se realiza de acordo com escalas

de equivalecircncia c) rendas miacutenimas de inserccedilatildeo como programas natildeo contributivos

sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de recursos e de responsabilidade das Comunidades Autocircnomas

As prestaccedilotildees econocircmicas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) constituem a

uacuteltima instacircncia inovadora e peculiar disponiacutevel introduzida pelos sistemas autocircnomos

espanhoacuteis Conforme demonstrado no quadro 20 os programas de renda miacutenima na

Espanha diferem dentro das proacuteprias comunidades autocircnomas em relaccedilatildeo ao valor da

233

RMI ao seu alcance cobertura social e aos criteacuterios e requisitos de inserccedilatildeo mais comuns

exigidos aos beneficiaacuterios

Quadro 20 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Requisitos mais comuns exigidos aos

beneficiaacuterios

Idade do titular da unidade familiar

Residecircncia preacutevia na CA

Nivel de ingressos

Constituicao de hogar

independente

Sem parentes obrigado a

prestar alimentos

Carecer de emprego

Aragoacuten entre 18e 65 anos menores de idade com menores ou deficiente dependente

1 ano antes Inferiores agrave RMI

Canaacuterias entre 25e 65 antildeos emigrantes canaacuterios retornados maiores de 65 anos menores de 25 com menores ou deficiente dependente

3 anos salvo para emigrantes canaacuterios retornados e refugiados

Inferiores agrave RMI

Sim Inscrito como demandante de empleo salvo estudiantes en centros puacuteblicos

Catalunha entre 25 y 65 antildeos menores de 25 em situaccedilatildeo de desamparo ou com menores ou deficiente dependente

1 ano antes ou 4 anos nos uacuteltimos 5 anos

Inferiores agrave RMI

1 ano antes Sim

Galiacutecia entre 25 e 65 antildeos menores de 25 anos com menores ou deficiente dependente 18 anos com tutelados pela xunta ou oacuterfacircos absolutos

1 ano antes salvo emigrantes galegos retornados e beneficiaacuterios de IMI em outra CAutoacutenoma 5 anos para extrangeiros nacirco europeus

Inferiores agrave RMI

1 ano antes Sim

Madriacute entre 25 e 65 anos maiores de 64 com menores dependentes menores de 25 com menores dependentes

1 ano antes Inferiores agrave RMI

Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)

O gasto social puacuteblico total agregado agraves rendas miacutenimas de inserccedilatildeo nas

comunidades autocircnomas alcanccedilou em 2001 mdash 033 do PIB nacional o que demonstra

que as comunidades regionais espanholas foram capazes ainda que natildeo de forma precaacuteria

e natildeo suficiente de integrar assistecircncia e serviccedilos sociais em uma rede primaacuteria regional e

local considerando que boa parte dos programas sofre com problemas de financiamento

A seguir apresenta-se uma outra sequumlecircncia de tabelas e figuras que demonstram o

fluxo de gastos relativos ao orccedilamento total bem como a distribuiccedilatildeo do percentual de gastos

234

com a seguridade social para o Ano 2005 na Espanha em relaccedilatildeo agraves prestaccedilocirces econocircmicas

com as devidas supressotildees por classes e modalidades de pensatildeo

Tabela 15 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005 ndash

Supressatildeo do gasto da aacuterea 1 - Prestaccedilotildees econocircmicas

Rrubricas Milhotildees de euros de participaccedilatildeo

Pensotildees 70768 879

- Contributivas 68905 856

- Nacirco contributivas1

1863 23

Incapacidade temporal 5925 74

Maternidade e risco durante a gravidez 1235 15

Prestaccedilocirces familiares 932 12

Outras prestaccedilocirces econocircmicas 476 06

Total prestaccedilotildees econocircmicas 79336 986

Outras transferecircncias correntes 448 05

Gastos de gestatildeo de prestaccedilotildees econocircmicas

647

08

57 01

Total de gastos da aacuterea de prestaccedilotildees econocircmicas 80488 1000

Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudos

Fonte Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (2005)

Figura 10 Espanha ndash Sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do

gasto da aacuterea 1 Prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas

Nas figuras 10 e 11 eacute flagrante o volume de recursos finaceiros destinados agraves

pensotildees no que se refere agraves prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas (37

do gasto social geral com a seguridade social) na Espanha em 2005

235

Tabela 16 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social ndash Supressatildeo do creacutedito de

pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo

RUBRICAS Milhotildees de euros de partic

Invalidez 9223 130 - Contributivas 8363 118

- Nacirco contributivas 860 12

Jubilaccedilacirco 46365 655 - Contributivas 45361 641

- Nacirco contributivas 1004 14

Viuvez 13979 198

Orfandade 997 14

Em favor de pensotildees para o ano 2005 204 03

Total de creacutedito de pensotildees para o ano 2005 70768 1000

A importacircncia total das pensocirces nacirco contributivas nacirco inclui os 133 milhocirces de euros correspondentes ao Paiacutes Vasco (105 milhocirces) e Navarra (28 milhocirces) que figuram como transferecircncias ao Estado dentro da Aacuterea de Prestaccedilocirces Econocircmicas Considerando a citada importacircncia e o montante total de latildes PNCs a quantia eleva a 1996 milhocirces de euros Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudios

Fonte Madrid Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais-MTAS (2005)

Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do gasto

de pensotildees (contributivas e natildeo-contributivas)

236

Tabela 17 Espanha Pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado do

sistema siacutenteses por entidades

Recursos (Em euros)

Entidades Pressuposto 2004 Pressuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004

Importatildencia Partic Importacircncia

Partic Absoluta

Tesouraria Geral da Seguridade Social

7705843970 9349 8467281162 9379 761437183 988

Muacutetuas de AT e EP 816756188 991 859158903 952 42602715 522

Total Recursos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943

Eliminaccedilocirces por consolidaccedilatildeo 280013087 340 298357451 330 18344364 655

Pressuposto consolidado 8242587080 10000 9028282614 10000 785695534 953

Gastos

(En miles de euros)

Entidades Pressuposto 2004 Presuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004

Importe Partic

Importe Partic

Absoluta

Instituto Nacional da Seguridade Social

6883475935 8351 7407535314 8205 524059379 761

Instituto Nacional de Gestatildeo Sanitaacuteria

16623151 020 18671602 021 2048451 1232

Instituto de Maiores Serviccedilos Sociais

244549830 297 240148963 266 -4400867 -180

Instituto Social da Marina 145980157 177 152043684 168 6063527 415

Tesouraria Geral da Seguridade Social

415214906 504 648881599 719 233666693 5628

Soma 7705843979 9349 8467281162 9379 761437183 988 Muacutetuas de AT y EP 816756188 991 859358903 952 42602715 522

Total Gastos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943

Como indicam os dados acima (tabela 17) a natureza descentralizada do

regime de bem-estar espanhol natildeo exacerbou tanto as diferenccedilas comunais como era de se

esperar O que se percebe como perspectiva futura eacute que as comunidades autocircnomas estatildeo

propensas a requerer o co-financiamento do governo central para manter os seus

respectivos programas e os serviccedilos sociais Por enquanto os programas autocircnomos de

renda miacutenima de inserccedilatildeo satildeo um fato e sua implementaccedilatildeo contribuiu para a legitimaccedilatildeo

poliacutetica das CCAAs que se viram favorecidas pelo crescimento de recursos orccedilamentaacuterios

O Plan nacional de accioacuten para la inclusioacuten social del reino de Espantildea de

2001 ndash 2003 tem se constituiacutedo numa boa oportunidade para se avaliar a coordenaccedilatildeo

intergovernamental agrave medida que oferece um quadro sinteacutetico da situaccedilatildeo da luta contra a

pobreza na Espanha Resta saber se as proacuteximas accedilotildees sociais coordenadas pela Uniatildeo

Europeacuteia-EU seratildeo fontes de novas ideacuteias servindo de inspiraccedilatildeo para se otimizar os

esforccedilos de todos os atores e instituiccedilotildees implicadas no processo

237

Segundo dados do MTAS (2005) a Espanha desenvolve um conjunto de

programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria (serviccedilos sociais gerais) e secundaacuteria

(especializado) muito semelhante aos que satildeo adotados no Brasil para os quais satildeo

destinados recursos financeiros com controle das comunidades autocircnomas sobre recursos

em geral gastos e gestatildeo das prestaccedilocirces econocircmicas contributivas (64) e natildeo

contributivas (118) conforme demonstram as tabelas 18 e 19 a seguir

Tabela 18 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(1) (Em euros)

Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila

Importacircncia (Valor)

Importacircncia (valor)

Absoluta

1 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas contributivas

7178139324 956 7714207983 958 536068659 75

2 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas nacirco contributivas

297114787 40 297359975 37 245188 01

3 Administraccedilatildeo e serviccedilos gerais de prestaccedilotildees econocircmicas

35918943 05 37506209 05 1587266 44

TOTAL 7511173054 1000 8049074167 1000

537901113 72

Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos

Tabela 19 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(2) (Em euros)

Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila

Importacircncia (valor) Importacircncia

(valor) Absoluta

1 Atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede 86716965 639 89770725 643 3053760 35

2 Atenccedilatildeo especializada 39809780 293 41188273 295 1378493 35

3 Medicina mariacutetima 1881295 14 2176934 16 295639 157

4 Administraccedilatildeo serviccedilos gerais da assistecircncia sanitaacuteria

2584009 19 1821859 13 - 762150 -295

5 Formaccedilatildeo de pessoal sanitaacuterio 10476 00 16974 00 6498 620

6 Transferecircncias agraves CCAA pelos serviccedilos sanitaacuterios asumidos

4679800 34 4679800 34 000 00

TOTAL 133682325 1000 139654565 1000

3972240 29

Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos

A exemplo do processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democracia no Brasil

a formaccedilatildeo poliacutetica e o processo de modernizaccedilatildeo na Espanha tem conhecido vaacuterios

caminhos com retrocessos e avanccedilos e vivenciado ciclos e conjunturas bem distintas com

crises poliacuteticas regimes ditatoriais conforme demonstra o quadro 21

238

Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha

Objetivos pendentes na histoacuteria recente da Espanha Dificuldades atrasos

- Desenvolvimento econocircmicoindustrializaccedilatildeo - Funcionamento de um sistema democraacutetico estaacutevel (com primaziacutea do poder civil) - Articulaccedilacirco regionalnacional - Modernizaccedilatildeo - Europeizaccedilatildeoocidentalizaccedilatildeo - Impulso de poliacuteticas sociais

- Recursos na revoluccedilatildeo burguesa - Dificuldades na revoluccedilatildeo industrial - Carecircncias na construccedilatildeo do Estado de Bem-estar

Intenccedilocirces histoacutericas Resultados Causas Elementos subjacentes

Pri

mei

ro C

iclo

Accedilacirco 1 Regime de

Restauraccedilatildeo (18751923)

- Democracia censitaacuteria e limitada em suas primeiras etapas

- Sistema conveniado ldquode turnosrdquo (pessoas astutas) no Governo (com caciquismos e corrupccedilocirces poliacuteticas desprestiacutegio dos poliacuteticos etc)

- Debilidade socioloacutegica da classe burguesa para fazer ldquosua revoluccedilacircordquo e ausecircncia de uma autecircntica vontade democratizadora

- Predomiacutenio do poder militar (conectado ao poder oligaacuterquico sobre o poder civil debilidade da burguesia modernizadora e ausecircncia de un projeto integrador entre os secores populares)

Reaccedilacirco - Ditadura do General

Primo de Rivera (1923-1930)

- Ditadura do General Berenguer (1930-1931)

- Repressacirco - Processo de industrializaccedilatildeo nas

deacutecadas de 1910 e 1920 - Isolamento - Crise poliacutetica econocircmica e social

Seg

undo

Cic

lo

Acccedilacirco 1 II Repuacuteblica (1931-

1936)

- Democratizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo do sufraacutegio (direito de votar)

- Intento de modernizaccedilatildeo - Progressiva dualizaccedilatildeo social e

poliacutetica

- Fracasso de uma alianccedila ldquoreformistardquo entre as classes meacutedias e a classe trabalhadora

Reaccedilacirco - Guerra civil (1936-

1939) - Ditadura do General

Franco (1939-1975) - Goverrno continuista

de Arias Navarro (1975-1976)

- Repressacirco - Isolamento internacional - Processo de industrializaccedilatildeo

limitado durante os finais dos anos sesenta

- Desarticulaccedilatildeo social e poliacutetica - Crise poliacutetica econocircmica e social

Ter

cero

Cic

lo

Accedilatildeo Transiccedilatildeo democraacutetica 1ordf fase Governos de UCD (SuaacuterezCalvo Sotelo) (1976-1982)

- Consenso democraacutetico (Constitucioacuten de 1978)

- Falta de impulso econocircmico poliacutetico e social

- Intentona golpista do 23-F - Crise de UCD

- Crise moral social y poliacutetica (carecircncia de projeto) da burguesia e as classes meacutedias (desarticulaccedilatildeo da direita)

- Predomiacutenio do poder civil mal grado de articulaccedilatildeo social

- Deslizamento ateacute uma polarizaccedilatildeo poliacutetica

2ordf fase Governos PSOE (1982-1996)

Reaccedilatildeo A ruptura do consenso poliacutetico

- Hegemonia socialista estabilizaccedilatildeo democraacutetica

- Saneamento econocircmico e posterior crescimento com altos e baixos

- Desenvolvimento autocircnomo - Incorporaccedilatildeo agrave Europa - Modernizaccedilatildeo social - Poliacuteticas Socias

- Pacto social pela modernizaccedilatildeo (classes trabalhadoras e classes meacutedias)

3ordf fase Governos do PP (1996-2004)

- Convergecircncia econocircmica com os paiacuteses da Uniacirco Europeacuteia

- Incorporaccedilatildeo ao Euro - Dualizaccedilatildeo na poliacutetica

internacional - Clima de irritaccedilatildeotensacirco

- Crise del PSOE e bipolarizaccedilatildeo poliacutetica

- Crise de diaacutelogo social

- Recuperaccedilatildeo do PSOE

- Maior presenccedila e peso nos cenaacuterios internacionais

- Tensocirces trabalhistas - Tensocirces naionalistas e

questionamento do marco constitucional

Fonte Manuel Herrera Goacutemez amp Antocircnio Requeno et alii Madri 2004 p 238

239

Por fim este estudo elegeu a Regiatildeo de Aragoacuten uma das Comunidades

Autocircnomas da Espanha para uma observaccedilatildeo in loco sobre o desenvolvimento de seaos

serviccedilos sociais e agrave assistecircncia social em geral A opccedilatildeo pela Regiatildeo de Aragoacuten como

locus investigativo de programas operacionais das poliacuteticas de bem-estar se deu por

sua representatividade cultural demograacutefica e pelo quadro de demandas sociais

apresentado Foram realizadas visitas a Casas de Acolhida (Casas de Acogida) que se

caracterizam como Unidades de Atendimento direto aos segmentos da poliacutetica de

assistecircncia social (idosos crianccedilas e adolescentes mulheres e pessoas portadoras de

necessidades especiais) previamente agendadas com os respectivos coordenadores

Destaca-se a visita agrave Casa de Acogida denominada Residencia y Centro de Dia

Ramareda destinada ao atendimento a idosos Nessa Unidade a atenccedilatildeo esteve voltada

para aspectos considerados relevantes tais como nuacutemeros de internos e usuaacuterios custo

de funcionamento por vagas meacutedia de idade (homem e mulher) pensatildeo miacutenima

contributiva condicionalidades e contrapartidas financeiras dos pensionistas

aposentados pensatildeo natildeo contributiva tipos de habitaccedilotildees pagamento dos

internosmecircs pagamento dos usuaacuterios do Centro de dia e outros

Outras Unidades da Administraccedilatildeo Regional visitadas confirmaram a relativa

autonomia do poder local eou regional apresentado pelo Instituto Aragoacuteneacutes de Servicios

Sociales-IASSGobierno de Aragoacuten (Normativas Regionales y Locales Guias de

Recursos Sociales de la Regioacuten de Aragoacuten Leys de Accioacuten social (1987) Insercioacuten y

normatizacioacuten social (1993) Presupuestos (1993) Decreto de miacutenimos (1992) como

tambeacutem por outros Oacutergatildeos Puacuteblicos tais como Departamento de Sanidad Consumo y

Bienestar SocialGobierno de Aragoacuten Departamento de Servicios Sociales y Familia

(Recursos Financeros Cobertura de Plazas Centros y Residencias Poblaciones

empadronadase outros)

Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 467) qualquer conclusatildeo a

que se chegue sobre as comunidades autocircnomas espanholas precisa ser formulada com

cautela em razatildeo da imprecisatildeo terminoloacutegica e conceitual existente sobre as mesmas e

sobre a diversidade de conteuacutedos apresentados ao definirem criteacuterios destinados ao

financiamento do ingresso de inserccedilatildeo eou prestaccedilatildeo econocircmica Contudo quando a

renda econocircmica de inserccedilatildeo se encontra regulada em lei a questatildeo torna-se menos

problemaacutetica do ponto de vista formal No entanto a exigecircncia dessa regulaccedilatildeo natildeo

impede a existecircncia de discordacircncias sobre os criteacuterios para concessatildeo da renda miacutenima

240

entre o que determinam a Lei Geral Orccedilamentaacuteria da Comunidade Autocircnoma (CCAA) a

Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo e ainda as Leis de Serviccedilos Sociais eou de Accedilatildeo Social

Um outro aspecto ressaltado por esses autores eacute que os ordenamentos autocircnomos ao

repassarem um benefiacutecio social na forma de uma prestaccedilatildeo de natureza puacuteblica natildeo tecircm

a intenccedilatildeo de substituir a tradicional obrigaccedilatildeo privada que tecircm a famiacutelia de atender aos

seus familiares ascendentes e descendentes

Ao realizarem um estudo sobre a realidade de cada Comunidade Seco e

Gonzaacutelez (2000 p 469) destacam algumas perticularidedes sobre a Comunidade de

Aragoacuten onde existe uma regulaccedilatildeo legal poreacutem natildeo suficientemente extensa e

regulamentada tanto em relaccedilatildeo aos tipos de prestaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso quanto

aos requisitos e aos procedimentos de concessatildeo o que impede na visatildeo desses autores

uma atuaccedilatildeo mais autocircnoma por parte da Aministraccedilatildeo Regional A Lei de Orccedilamentos

da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten homologada em dezembro de 1999 (artigo 41)

ao regular o Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo apresenta as seguintes caracteriacutesticas em

relaccedilatildeo aos benefiacutecios e serviccedilos sociais caraacuteter pessoal e intransferiacutevel (que se outorga

agrave prestaccedilatildeo econocircmica) caraacuteter subsidiaacuterio e complementar dos benefiacutecios (artigo 16) e

a exigecircncia de que qualquer alteraccedilatildeo proposta sobre o valor da prestaccedilatildeo econocircmica

deveraacute realizar-se mediante a observacircncia dos criteacuterios de regulaccedilatildeo contidos na Lei

Geral de Orccedilamentos da referida Comunidade Essa medida demonstra interesse do

governo central em manter coerecircncia com a pretensatildeo dos legisladores Contudo natildeo tem

forccedila poliacutetica para neutralizar as discordacircncias entre as duas esfersas de governo Aleacutem

das caracteriacutesticas apresentadas a Lei de Orccedilamentos da Comunidade de Aragoacuten

contempla a exigecircncia de empadronamiento (registro de moradia mediante

recensiamento) e a comprovaccedilatildeo de residecircncia do transeute eou estrangeiro no paiacutes por

um periacuteodo preacutevio de um ano

Como exemplo das frequumlentes discordacircncias existentes sobre os criteacuterios de

concessatildeo da renda miacutenima entre as distintass legislaccedilotildees ( Lei Geral Orccedilamentaacuteria da

Comunidade Autocircnoma (CCAA) Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo eou Leis de Serviccedilos

Sociais eou de Accedilatildeo Social) a uacuteltima exigecircncia feita pela Lei de Orccedilamentos da

Comunidade de Aragoacuten estaacute em discordacircncia com a Lei de Serviccedilos Sociais de Aragoacuten

pois essa lei determina genericamente que os transeuntesestrangeiros pobres satildeo

beneficiaacuterios titulares incondicionalmente ( portanto sem condicionalidade restritiva)

do direito agraves prestaccedilotildees econocircmicas previstas na referida Lei natildeo tendo portanto a

241

exigecircncia de registro (empadronamiento) nem a comprovaccedilatildeo de residecircncia preacutevia de

um ano A idade maacutexima exigida ao titular da unidade familiar como requerente da

prestaccedilatildeo assistencial se situa entre vinte e cinco e sessenta e cinco anos admitindo-se

tambeacutem menores de vinte e cinco anos eou maiores de sessenta e cinco quando esses

cidadatildeos apresentam um hogar familiar eou tecircm filhos menores eou pessoas que

portam alguma deficiecircncia que os deixa em situccedilatildeo de dependecircncia O limite da idade de

sessenta e cinco anos para receber a renda miacutenima eacute justificado por sua finalidade de

reinserccedilatildeo soacutecio-laboral e pelo fato de ser esta idade (65 anos) a idade estabelecida

como teto para todos os cidadatildeos adquirirem o direito de receberem as prestaccedilotildees natildeo-

contributivas de aposentadoria puacuteblica eou de incapacidade permanente

Em siacutenyese a Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten desenvolve um programa de

renda miacutenima de inserccedilatildeo caracterizado como sendo de ajudas assistenciais

complementares e regulamentadas conforme demonstra a tabela a seguir referente ao

nuacutemero de beneficiaacuterios e aos recursos financeiros (gasto anual em euros) repassados no

ano de 2004 agraves regiotildees de Huesca Zaragoza e Teruel que compotildeem a Comunidade

Autocircnoma de Aragoacuten com destaque para a Regiatildeo de Zaragoza tanto em relaccedilatildeo ao

montante de recursos financeiros como ao nuacutemero de beneficiaacuterios

Tabela 20 Recurso Aragoacutenecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash Renda Miacutenima

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Beneficiaacuterios 219 78 1406 1703

Beneficiaacuterios por 10000 habitantes 104 56 160 138

Valor meacutedio anual (em euros) 1864 1810 1931 1917

Gasto anual (em euros) 4082 1412 27147 32641

Fonte Pesquisa Contiacutenua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004 Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia

Importante destacar sobre esse programa espanhol especiacutefico que na Lei

reguladora do Ingreso Aragonecircs de Inserccedilatildeo com base em seu regulamento diz-se que

sua concessatildeo teraacute lugar a fundo perdido expressatildeo que em linguagem usual

assemelha-se agrave ideacuteia de subvenccedilatildeo social do Estado ou seja em sentido estrito

significa que o beneficiaacuterio natildeo estaacute obrigado a restituir o beneficio recebido o que

constitui uma contratendecircncia incipiente agrave tendecircncia pouco institucionalizada da

assistecircncia social espanhola Esta caracteriacutestica eacute a mais comum das prestaccedilotildees

econocircmicas utilizadas no acircmbito da assistecircncia social entre as Comunuidades

242

Autocircnomas-CCAA na Espanha a qual exige uma inserccedilatildeo legal suficientemente

regulamentada Em setembro de 2005 periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa desenvolvida

por esta tese o valor mensal correspondente ao referido Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo

estava fixado em trezentos e vinte e quatro euros (em torno de R$ 97200 reais

cacircmbiodia) com efeito retroativo a janeiro de 2005 Comparativamente o valor da

prestaccedilatildeo econocircmica fixado como renda miacutenima pela Comunidade Autocircnoma de

Aragoacuten eacute significativamente superide renda miacutenima unificado brasileiro Bolsa Famiacutelia

(em torno de R$12000 ) no mesmo periacuteodo ateacute mesmo quando comparado ao jaacute

citado valor atual do salaacuterio miacutenimo do paiacutes em vigecircncia Em Aragoacuten o pagamento

das referidas subvenccedilotildees fica a cargo dos programas e oacutergatildeos que gestionam os

creacuteditos em mateacuteria de sauacutede e de bem-estar com base na dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de seus

organismos autocircnomos (Diputacioacuten General de Aragoacuten Comunidad Autoacutenoma de

AragonTesoreriacutea y Patrimocircnio) Curioso observar que agrave mesma ocasiatildeo enquanto o

salaacuterio miacutenimo espanhol destinado aos profissionais estava fixado em torno de 680

euros (R$204000 reais em valores aproximados) o salaacuterio miacutenimo brasileiro estava

calculado em R$32000

As Leis Orccedilamentaacuterias da Comunidade Autocircnoma da Regiatildeo de Aragoacuten

consideram ampliaacuteveis os creacuteditos destinados a financiar o chamado ingresso Aragoacutenecircs

de Inserccedilatildeo (Lei de 1998 de Orccedilamentos Gerais da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

para 1999 Artigo 41) Nesse caso a modificaccedilatildeo da quantia da prestaccedilatildeo somente

podereaacute realizar-se mediante aprovaccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria natildeo podendo ficar abaixo

do Orccedilamento Geral previsto pela administraccedilatildeo local eou regional Sendo assim

apesar de seu valor financeiro ser superior ao do benefiacutecio brasileiro entende-se que o

caraacuteter pessoal intransferiacutevel subsidiaacuterio e complementar que se outorga agrave prestaccedilatildeo

econocircmica a aproxima mais da categoria dos chamados direitos de personalidade

(direitos civis) do que propriamente de um bem puacuteblico comum eou de um benefiacutecio

social com status de direito social entendido como instrumento justificador da

atividade intervencionista do Estado social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

como resposta agraves necessifdades baacutesicas da populaccedilatildeo

243

75 A experiecircncia da Itaacutelia

Somente a partir da segunda metade dos anos 1990 temas considerados

marginais como pobreza e exclusatildeo social despetaram interesse e passaram a compor a

agenda dos governos e os debates poliacuteticos na Itaacutelia Atores poliacuteticos e agentes sociais

fizeram um diagnoacutestico da assistecircncia social italiana e indicaram como principais

problemas nesse campo a) alta fragmentaccedilatildeo das accedilotildees assistenciais b) preferecircncia por

programas de transferecircncia monetaacuteria (renda miacutenima) em substituiccedilatildeo aos serviccedilos sociais

c) marcada diferenciaccedilatildeo territorial (Norte e Sul) d) ausecircncia de uma malha de seguridade

social como uma uacuteltima rede de proteccedilatildeo social As pensotildees por invalidez ainda hoje

requerem uma biografia trabalhista de no miacutenimo 5 anos Segundo avaliaccedilatildeo de Ferrera

(1996 apud MORENO 2000) ateacute 1984 as pensotildees por invalidez foram operadas na Itaacutelia

como rendas miacutenimas transformando-se em algumas Regiotildees como moedas de troca nas

relaccedilotildees clientelistas entre poliacuteticos e eleitores

Durante anos a concentraccedilatildeo de recursos em prestaccedilotildees de caraacuteter contributivo

(eou categoacuterico) gerou vazios na malha de seguridade social italiana voltada para pessoas

de renda baixa Esta situaccedilatildeo comeccedilou a mudar na metade dos anos 1990 Ateacute 1998 os

residentes em alguns municiacutepios incluiacutedos no Programa Experimental natildeo tinham acesso a

nenhuma forma de ajuda econocircmica de natureza puacuteblica nem mesmo em caso de aguda

situaccedilatildeo de necessidade

Em 1997 a competecircncia da assistecircncia social foi descentralizada para os

governos regionais e locais Agrave administraccedilatildeo central competia a definiccedilatildeo das grandes

diretrizes reguladas por uma Lei maior que soacute foi promulgada no ano de 2000 Contudo

durante esse periacuteodo (1998 a 2002) as leis regionais italianas promoveram uma grande

discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos municiacutepios A partir daiacute algumas minicipalidades tomaram a

iniciativa de implementar programas de renda miacutenima de caraacuteter local introduzindo uma

prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo de recursos que ficou conhecida inicialmente como renta

miacutenimo vitale

No acircmbito nacional a assistecircncia social italiana atende a categorias especiacuteficas

tais como velhice e incapacidades diversas No entanto os programas assistenciais

italianos tecircm apresentado um papel bastante modesto a exemplo da destinaccedilatildeo de apenas

64 do total do gasto social nacional no ano 2000 As accedilotildees da assistecircncia social incluem

a) pensotildees por invalidez (pensione di inbilitaacute civile) as quais se caracterizam como

244

prestaccedilotildees natildeo-contributivas compatiacuteveis com a atividade trabalhista e sujeitas a uma

estrita comprovaccedilatildeo de recursos e renda pelo beneficiaacuterio b) pensatildeo social que se refere a

um subsiacutedio miacutenimo concedido mediante preacutevia comprovaccedilatildeo de recursos destinados

agravequeles cidadatildeos maiores de 65 anos que natildeo adquiriram ao longo da vida o direito a uma

pensatildeo contributiva A partir da Reforma de 1995 o novo regime ampliou os niacuteveis de

cobertura passando a incluir tambeacutem as pesssoas com parcos recursos ou com

contribuiccedilotildees insuficientes c) subsiacutedio de cuidados (indennitagrave) dirigido agravequelas pessoas

que necessitam de atenccedilatildeo permanente por natildeo serem autocircnomas Este subsiacutedio eacute

condicionado agrave realizaccedilatildeo de uma consulta meacutedica mas natildeo agrave comprovaccedilatildeo de recursos

Com o passar do tempo foi se consolidando como uma fonte de ajuda aos coletivos de

anciatildeos mais necessitados pois em geral na Itaacutelia os grupos de renda baixa satildeo

potencialmente elegiacuteveis para diversos subsiacutedios sociais natildeo-contributivos Eacute o caso do

subsiacutedio familiar (nucleo familiare) que se refere a uma prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo

de recursos para assalariados ativos ou aposentados com responsabilidade familiar O

niacutevel deste benefiacutecio estaacute diretamente relacionado agraves dimensotildees da famiacutelia e eacute

inversamente proporcional agrave renda familiar Os complementos de pensotildees (integrazioni al

miacutenimo) satildeo concedidos aos que percebem prestaccedilotildees abaixo do miacutenimo legalmente

estabelecido e requerem uma biografia trabalhista contributiva de no miacutenimo 15 anos dos

solicitantes que tambeacutem satildeo sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de necessidade

Em 1997 o Informe Onofri propocircs uma foacutermula na qual se basearam e

continuam sendo baseadas as sucessivas reformas da assistecircncia social na Itaacutelia Em

siacutentese esse Informe enfatizou a necessidade de se promulgar uma Lei nacional de

assistecircncia social e de se introduzir um programa de renda miacutenima natildeo contributivo eou

natildeo categoacuterico Recomendou tambeacutem a eliminaccedilatildeo de alguns programas assistenciais e o

estabelecimento de mecanismos para determinar a situaccedilatildeo econocircmica dos demandantes de

tais programas Assim foram levadas a cabo algumas inovaccedilotildees significativas mediante a

criaccedilatildeo de um conjunto de regras para avaliar as solicitaccedilotildees sujeitas agrave comprovaccedilatildeo de

recursos Foi introduzido a partir de 1998 o Indicador da Situaccedilatildeo Econocircmica (ISA)

(Indicatore della Situazione Econocircmica (ISA) aplicado para subsidiar famiacutelias numerosas

(com 3 ou mais filhos) e a maternidade

No ano de 2000 uma nova Lei nordm328 produziu reformas significativas no

contexto institucional da assistecircncia social italiana Foram estabelecidas as condiccedilotildees

ecriteacuterios de acesso aos benefiacutecios as linhas gerais de atuaccedilatildeo e os princiacutepios de

245

descentralizaccedilatildeo e solidariedade assim como as diretrizes gerais para as atuaccedilotildees

administrativas A experiecircncia das rendas miacutenimas na Itaacutelia comeccedilou de fato em 1998 A

Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo-RMI (Reddito Miacutenimo di Inserimento (RMI))) inclui um

componente monetaacuterio e outro de ativaccedilatildeo (MORENO 2000) O direito agrave ajuda econocircmica

eacute condicionado agrave participaccedilatildeo em programas de inserccedilatildeo trabalhista e social sendo que o

niacutevel dessa ajuda fica determinado e eacute calculado pela diferenccedila entre o recurso miacutenimo

garantido ajustado agraves dimensotildees da famiacutelia e os recursos de que dispotildee o beneficiaacuterio

Na Itaacutelia a maior parte dos benefiacuteciaacuterios reside na Regiatildeo Sul A Lei orccedilamentaacuteria

de 2001 prorrogou a vigecircncia do chamado Programa piloto elaborado em caraacuteter experimental

por dois anos e elevou o nuacutemero de municiacutepios elegiacuteveis para um total de 306 Ao final de 2003

o governo italiano natildeo se dispunha a prorrogar a vigecircncia dos fundos para a continuaccedilatildeo do

experimento do RMI O informe de avaliaccedilatildeo da primeira fase do Programa piloto destacou

aspectos positivos do RMI italiano visto que com ele se rompeu com uma larga tradiccedilatildeo de

atuaccedilotildees contributivas demonstrando sua eficaacutecia como poliacutetica contra a pobreza Outro aspecto

avaliado positivamente refere-se agraves novas accedilotildees de inserccedilatildeo e de revitalizaccedilatildeo social dos

beneficiaacuterios a exemplo das condicionalidades e medidas tomadas contra o abandono escolar

Tambeacutem se produziu uma otimizaccedilatildeo administrativa com a definiccedilatildeo de novas

responsabilidades diretas na gestatildeo dos programas

Em relaccedilatildeo aos aspectos menos destacados eou negativos as criacuteticas recaiacuteram

sobre a dificuldade de fazer face agraves pressotildees locais no sentido de se definir novos criteacuterios

de seleccedilatildeo dos beneficiaacuterios ou de se dotar o programa de um caraacuteter diferenciado do

benefiacutecio assistencial do passado61 Em 2001 o informe de avaliaccedilatildeo realizou uma

estimativa do custo do RMI em acircmbito nacional no valor de 22 a 30 milhotildees de Euros o

que correspondeu em torno de 018 a 024 do PIB nacional Em relaccedilatildeo aos padrotildees

anteriores as cifras foram consideradas altas mas de forma alguma suficientes quando

comparadas agraves necessidades da populaccedilatildeo e a outras poliacuteticas de bem-estar

Ademais haacute o risco de uma sobrecarga funcional transformar um programa

como o RMI com caracteriacutesticas de uacuteltima instacircncia em um programa que passa a

significar a uacutenica opccedilatildeo disponiacutevelrdquo dos cidadatildeos para se obter um miacutenimo de recursos em

caso de necessidade o que na opiniatildeo desta tese tem muito a ver com o Brasil

61 Na avaliaccedilatildeo de Moreno (2000) um estudioso de rendas miacutenimas da Regiatildeo Sul da Europa em especial da Itaacutelia os contiacutenuos obstaacuteculos parecem bloquear a implantaccedilatildeo nesse paiacutes do Programa de Renda Miacutenima (RMI) tais como fraacutegeis capacidades administrativas locais e peculiares condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas do sul italiano o que destoa a seu ver de outros programas similares em que o RMI eacute exigente quanto agrave capacidade administrativo- institucional e quanto agraves habilidades gerenciais

246

Moreno (2000) avalia ainda que a localizaccedilatildeo institucional mais apropriada

para o RMI italiano deveria ser o niacutevel baacutesico dos programas de transferecircncias monetaacuterias

ou seja destinados aos desempregados e agraves famiacutelias com filhos eou a outros dependentes

sob sua responsabilidade Da mesma forma o mesmo autor acredita que o correto

funcionamento da funccedilatildeo de inserccedilatildeo deste Programa requer um sistema articulado de

poliacuteticas ativas para o mercado de trabalho e de serviccedilos sociais de apoio agraves famiacutelias Mas

o Plano de Accedilatildeo Nacional Para a Inclusatildeo de 2001 natildeo demonstra de forma clara como o

RMI italiano deveraacute ser redesenhado em seus objetivos concretos

Na verdade os uacuteltimos governos de centro direita natildeo tecircm se mostrado

dispostos agrave generalizaccedilatildeo de programas de RMI em toda a Itaacutelia O governo Berlusconi

deixou que as regiotildees decidissem sobre esse assunto abstendo-se de estabelecer diretrizes

nacionais ou de comprometer-se com a facilitaccedilatildeo de recursos financeiros em que pese o

Pacto de Itaacutelia assinado no veratildeo de 2002 prever a implantaccedilatildeo de uma renda de uacuteltima

instacircncia como parte importante de uma ampla reforma do sistema de proteccedilatildeo social que

tudo indica natildeo foi levado a cabo

76 A experiecircncia de Portugal

Portugal integrou-se agrave Comunidade Europeacuteia em 1986 pondo fim a um longo

periacuteodo de atrasos Ateacute meados dos anos 1980 pesquisas revelam que natildeo existia nenhuma

cobertura social universal nem mesmo um sistema puacuteblico de sauacutede portuguecircs O Estado

assume um rosto economicamente ruralista e ideologicamente medievel (VIEGAS apud

RODRIGUES STOER 1993 p 23) pondo restriccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e procurando eliminar

a participaccedilatildeo da sociedade O Estado reiteram Rodrigues e Stoer (1993) delega agrave Igreja

Catoacutelica que constituiacutea um elo entre a sociedade civil e o poder puacuteblico as funccedilotildees de

provisatildeo social ldquoA Repuacuteblica corporativa portuguesa que se instituiu considerava a famiacutelia a

ceacutelula da sociedade e a fonte de conservaccedilatildeo e desenvolvimento da raccedila como base primeira

da educaccedilatildeo da disciplina da harmonia social e o fundamento de toda ordem poliacuteticardquo

(VIEGAS apud RODRIGUES STOER 1993 p 23) Assim apesar de a revoluccedilatildeo

democraacutetica de 1974 ter se constituiacutedo um processo de ruptura com o regime ditatorial e

possibilitado a criaccedilatildeo pela primeira vez de oacutergatildeos autaacuterquicos eleitos por sufraacutegio universal e

direto - dando forccedila ao poder local - recursos limitados impediram a implementaccedilatildeo eficiente

247

de poliacuteticas puacuteblicas Em consequumlecircncia as accedilotildees de combate agrave pobreza foram escassas e a

assistecircncia social portuguesa permaneceu marginal e fragmentada

Em 1984 a proteccedilatildeo social de Portugal reorganizou-se O governo socialista

que se formou depois das eleiccedilotildees introduziu experimentalmente o rendimento miacutenimo

garantido (RMG) em 1996 e extendeu sua cobertura nacional a partir de 1997 O RMG

portuguecircs eacute descrito pela literatura especiacutefica como um contrato que facilita uma ajuda

monetaacuteria como prestaccedilatildeo natildeo contributiva a fim de garantir um padratildeo miacutenimo de vida

ao contraacuterio de um compromisso para participar em um programa de inserccedilatildeo eou de

integraccedilatildeo social

Em 1984 uma lei nacional estabeleceu as bases da seguridade social

(seguranccedila social como eacute chamada) com base nas diretrizes constitucionais O regime

geral passou a proporcionar as prestaccedilotildees contributivas aos trabalhadores e suas famiacutelias

enquanto o regime natildeo contributivo e a assistecircncia social se ocupavam das intervenccedilotildees

natildeo incluiacutedas no regime contributivo

Portugal recebeu um grande impulso com sua participaccedilatildeo no II Programa

Europeu Contra a Pobreza o qual favoreceu os projetos de intervenccedilatildeo e de investigaccedilatildeo

orientados para grupos especiacuteficos (MORENO et alii 2003) A ecircnfase dada agrave

participaccedilatildeo social fortaleceu o desenvolvimento da autonomia das autarquias locais que

segundo Rodrigues e Stoer (idem) foi decisivamente mais forte do que em qualquer

outro paiacutes europeu Mas como dizem os proacuteprios autores isso natildeo foi suficiente para

garantir de fato um poder local Posteriormente a poliacutetica contra a pobreza em Portugal

se apoiou em maior medida no chamado enfoque territorial integrado Em 2000 quando

a legislaccedilatildeo sobre a seguridade social foi revisada o niacutevel de composiccedilatildeo do gasto social

protuguecircs se aproximava da meacutedia europeacuteia A nova lei tinha como objetivo elevar as

prestaccedilotildees mediante o reforccedilo do fundo para as pensotildees puacuteblicas e a inclusatildeo no

orccedilamento nacional dos gastos da assistecircncia social A Lei pretendia ativar natildeo soacute os

indiviacuteduos mas tambeacutem as instituiccedilotildees pois defendia um enfoque individualizado e

orientado agraves condiccedilotildees dos cidadatildeos e suas necessidades Indiscutivelmente o progrma

de renda miacutenima portuguecircs (rendimento miacutenimo garantido (RMG)) converteu-se no

emblema da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais O tema da pobreza ocupou um lugar de

destaque na agenda poliacutetica do governo

O caraacuteter inovador do RMG portuguecircs estaacute no fato de a oferta de assistecircncia

econocircmica ter se combinado com a participaccedilatildeo em uma seacuterie de atividades de inserccedilatildeo

248

trabalhista educativa de formaccedilatildeo profissional de acsesso aos serviccedilos de sauacutede e outros

Satildeo beneficiaacuterios desse programa todos os residentes legais em situaccedilatildeo de evidente

estado de necessidade com idade miacutenima de 18 anos exceto mulheres gestantes ou

cuidadores de pessoas idosas O RMG portuguecircs eacute calculado com base na diferenccedila

monetaacuteria entre a renda liquida avaliada por beneficiaacuterio e a quantidade garantida para

cada tipo de famiacutelia e eacute subsidiaacuterio de outras provisotildees sociais Os trabalhadores sociais

locais avaliam as condiccedilotildees materiais dos potenciais beneficiaacuterios e na eventualidade de

diferenccedilas substanciais entre a renda declarada e a renda real percebida o RMG eacute

cancelado O trabalhador social com base na solicitaccedilatildeo do RMG emite um informe

individual que deve conter uma descriccedilao dos problemas confrontados na famiacutelia bem

como propotildee um plano de inserccedilatildeo mediante um acordo firmado entre trabalhador social

(como representaccedilatildeo do comitecirc local de supervisatildeo) e os membros da famiacutelia O usufruto

da prestaccedilatildeo eacute condicionado agrave participaccedilatildeo no plano de inserccedilatildeo e todo o processo possui

efeito legalmente vinculante

Ao final de 2001 752000 pessoas ou seja 75 da populaccedilatildeo portuguesa haviam

participado do programa O gasto total do RMG alcanccedilou a cifra de 284 milhotildees de euros

(025 do PIB nacional) no ano de 2000 caindo para 235 milhotildees de euros (019 do PIB

nacional) em 2001 Contudo o valor das prestaccedilotildees eacute baixo e o programa enfrenta escassez de

recursos humanos para a necessaacuteria supervisatildeo do complexo processo de inserccedilatildeo Haacute uma

pesada carga para um nuacutemero limitado de trabalhadores sociais

Em 2002 o RMG portuguecircs converteu-se em tema de debate poliacutetico Apesar

da sua extinccedilatildeo natildeo ter sido aventada foram utilizados argumentos tais como a

necessidade de reduzir o gasto puacuteblico A coalizatildeo de centro-direita que havia criticado

duramente o programa RMG ganhou as eleiccedilotildees Poreacutem o novo governo aceitou o

principio do direito universal contido na renda miacutenima e rebatizou o programa de

Rendimento Social da Inserccedilatildeo ndash RSI de acordo com a Lei promulgada em 2003 O

objetivo foi o de enfatizar a dimensatildeo de inserccedilatildeo social Atualmente Portugal destaca-se

como o uacutenico paiacutes da Regiatildeo Sul da Europa que tem um padratildeo nacional de renda miacutenima

fixado pelo governo independentemente das diferenccedilas regionais como expressatildeo de uma

medida unificada no acircmbito do modelo de proteccedilatildeo social daquele paiacutes

249

77 A experiecircncia da Greacutecia

Na Greacutecia natildeo haacute um programa oficial de renda miacutenima regulamentado em

lei como nos demais paiacuteses que compotildeem a Europa do Sul

A vitoacuteria do Partido Socialista em 1971 e a restauraccedilatildeo da democracia na

Greacutecia em 1974 propiciaram um periacuteodo de expansatildeo do Estado de Bem-estar A partir

daiacute um incremento sem precedentes do gasto social foi a resposta agraves expectativas de

amplos setores da populaccedilatildeo apoacutes deacutecadas de discriminaccedilatildeo poliacutetica A entrada da Greacutecia

na Comunidade Europeacuteia deu-se em 1980 Contudo o elevado e crescente niacutevel de gasto

social que tem aproximado a Greacutecia da meacutedia europeacuteia contrasta com uma deacutebil atuaccedilatildeo

referente agraves medidas de transferecircncias sociais para reduzir a pobreza Esta aparente

contradiccedilatildeo eacute atribuiacuteda pelos estudiosos agrave natureza proacutepria do sistema de proteccedilatildeo social

grego um sistema contributivo de seguridade social que se encaixa bem no modelo

bismarckiano com ecircnfase nas carreiras profissionais Na realidade o Estado de Bem-estar

grego sempre colocou ecircnfase maior nas poliacuteticas contributivas (aposentadorias pensotildees)

destinando uma provisatildeo social pequena para a cobertura de riscos sociais natildeo securitaacuterios

e natildeo contributivos Sendo assim os serviccedilos sociais puacuteblicos e incondicionais

permanecem em um estaacutegio inicial de desenvolvimento Natildeo admira pois que as pensotildees

representem a maior parte das transferecircncias sociais e as poliacuteticas dirigidas agraves famiacutelias

pobres com filhos aos portadores de necessidades especiais (incapacitados) aos

desempregados e outros grupos em situaccedilatildeo de pobreza tecircm sido desenvolvidas em menor

escala_o que coloca a assistecircncia social grega e suas prestaccedilotildees em uma posiccedilatildeo marginal

Portanto a Greacutecia apresenta uma estrutura de proteccedilatildeo social natildeo regular carente de

coerecircncia e com graves lacunas nos criteacuterios de cobertura social Os ambientes familiares

parecem ser inelegiacuteveis para os programas sociais existentes uma vez que natildeo se ajustam

ao perfil requerido pelos legisladores e nem cumprem os requisitos estabelecidos ainda

que estes sejam bastante restritos Tambeacutem a malha de seguridade social puacuteblica destinada

aos cidadatildeos adultos eacute fragmentaacuteria Os segmentos com uma histoacuteria de vida laboral

contributiva suficiente dispotildeem de pensatildeo miacutenima fornecida mediante preacutevia

comprovaccedilatildeo de recursos Os camponeses e pessoas com baixa renda e sem outros direitos

sociais garantidos recebem pensotildees natildeo contributivas No entanto dada a grande

fragmentaccedilatildeo e a cobertura incompleta do sistema de proteccedilatildeo social grego eacute possiacutevel

afirmar que natildeo existe um programa de renda miacutenima garantida na Greacutecia o que segundo

250

Moreno (2000 p 9) gera uma situaccedilatildeo insoacutelita com a combinaccedilatildeo de uma gasto elevado

em pensotildees (13 do PIB) e ao mesmo tempo uma alta porcentagem de pobres idosos que

correspondem a 35 dos adultos com mais de 65 anos O seguro desemprego eacute de caraacuteter

contributivo e por um periacuteodo de tempo limitado (12 meses) As restritas prestaccedilotildees

assistenciais de renda miacutenima satildeo transferidas e dirigidas somente agraves famiacutelias pobres com

trecircs ou mais filhos As prestaccedilotildees por invalidez variam segundo o grau e o estado da

invalidez (existem 10 categorias de beneficiaacuterios e 22 de subsiacutedios nessa aacuterea)

Em 2001 os dados revelavam que o conjunto das prestaccedilotildees natildeo contributivas

somou 163 de todo o gasto da seguridade social enquanto as prestaccedilotildees sujeitas agrave

comprovaccedilatildeo de renda alcanccedilaram apenas 47 O modelo de proteccedilatildeo social grego segue

sendo um sistema que aleacutem de dominado por prestaccedilotildees de caraacuteter contributivo possui

rigorosos criteacuterios de seletividade (targting) e poliacuteticas focalizadas O Plano de Accedilatildeo

Nacional para Inclusatildeo Social elaborado em 2002 descartou a opccedilatildeo dos programas de

renda miacutenima ao mesmo tempo em que reiterou a ajuda assistencial para desempregados

por um periacuteodo de 12 meses

Em termos gerais aleacutem da ausecircncia de vontade poliacutetica dos governantes e da

inexistecircncia da prestaccedilatildeo de uma provisatildeo social de craacuteter universal a oposiccedilatildeo agrave

introduccedilatildeo de um programa de renda miacutenima voltado agrave superaccedilatildeo das necessidades

sociais baacutesicas da populaccedilatildeo eacute o elemento ressaltado como fator impeditivo da formaccedilatildeo

de uma rede de seguranccedila social puacuteblica contra a pobreza A existecircncia dessa situaccedilatildeo

apesar das dificuldades administrativas na implementaccedilatildeo de programas dessa natureza

tem implicaccedilotildees nas previsotildees orccedilamentaacuterias para o financiamento da aacuterea social A

simulaccedilatildeo do custo das transferecircncias de um programa nacional de renda miacutenima feita

pelo governo em 2000 ficou em torno de apenas 269 milhotildees de euros (EU 279

milhones) ou seja o correspondente a 023 do PIB nacional (MORENO 2000)

Indiscutivelmente um percentual de gasto social bem inferior aos apresentados por

outros paiacuteses da regiatildeo como Itaacutelia Portugal e Espanha no mesmo periacuteodo

Comparativamente na Itaacutelia em 2001 foi realizada uma estimativa de custo do RMI no

valor de 20 a 30 milhotildees de euros o que correspondeu em torno de 024 do PIB

nacional em Portugal em 2000 o gasto total do RMG alcanccedilou a cifra de 284 milhotildees

de euros (025 do PIB nacional) e na Espanha em 2001 o gasto social puacuteblico total

agregado agraves rendas miacutenimas de inserccedilatildeo nas Comunidades Autocircnomas alcanccedilou 033

do PIB nacional

251

78 Siacutentese das principais caracteriacutesticas das poliacuteticas de provisatildeo social miacutenima nos

paiacuteses do Sul da Europa em uma perspectiva comparada

Destacam-se como carcteriacutesticas similares dos paiacuteses que compotildeem a Regiatildeo

Sul da Europa (FERRERA 1995)

a) a origem comum de seus Estados de Bem-estar (modelo beveridgiano e keynesiano-

fordista)

b) os desafios internos (lento e tardio crescimento econocircmico somado a elevados iacutendices

de desemprego e de desigualdade social o que ocasionou o aumento dos iacutendices de

pobreza) e os externos (situaccedilotildees e pressotildees enfrentadas por esses paiacuteses com o

processo de unificaccedilatildeo econocircmica e monetaacuteria europeacuteia)

c) as caracteriacutesticas poliacutetico-institucionais dos Estados de Bem-estar latinos em sua

forma de fazer poliacutetica com forte tendecircncia a manipulaccedilotildees e cooptaccedilotildees junto agrave

classe trabalhadora a exemplo da cultura poliacutetica e da praacutetica dos governantes

brasileiros no trato das poliacuteticas sociais brasileiras de natureza assistencialista e

clientelista

d) a prevalecircncia da ideacuteia de provisatildeo social mediante o repasse de bens e serviccedilos sociais

garantidos no acircmbito do setor privado (plural ou mistoinformalfamiliar voluntaacuterio

eou comercial) em contraste agrave defesa de uma seguridade social puacuteblica

asseguradora de direitos sociais afianccedilados constitucionalmente e garantidos no

acircmbito do Estado por intermeacutedio da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e

universalizadoras

Nessa regiatildeo haacute situaccedilotildees contraditoacuterias e ambiacuteguas na medida em que de um

lado defendem um discurso universalista e de outro privilegiam o status ocupacional dos

demandantes de proteccedilatildeo social e condicionam os programas de combate agrave pobreza (a

exemplo dos de renda miacutenima de inserccedilatildeo) a riacutegidos criteacuterios de condicionalidades

Ademais os direitos sociais e as poliacuteticas puacuteblicas natildeo aparecem como fundamento de uma

cultura poliacutetica inclusiva e garantidora de cidadania social que tem no Estado o garante de

direitos Ainda assim eacute possiacutevel afirmar que existem redes (eou malhas) de seguridade

social na Europa do Sul A grande maioria dos paiacuteses que compotildeem esta regiatildeo realizou a

seu modo e conforme circunstacircncias poliacuteticas e conjunturais uma experiecircncia de proteccedilatildeo

252

social com caraacuteter de uacuteltima instacircncia no dizer de Moreno (2000) ao adotarem programas

de combate agrave pobreza como provisatildeo social miacutenima (programas de renda miacutenima (RMI))

Com base no exposto aleacutem das similitudes os paiacuteses da Europa do Sul revelam diferenccedilas

e particularidades tanto em relaccedilatildeo ao desenho institucional das poliacuteticas contra a pobreza

como em relaccedilatildeo agraves configuraccedilotildees institucionais dentro das quais tais poliacuteticas operam e

se desenvolvem (MORENO 2000 p 16 e 17) Em relaccedilatildeo ao sistema de manutenccedilatildeo de

renda miacutenima de inserccedilatildeo as dualidades natildeo satildeo poucas haja vista que essa regiatildeo

caracteriza-se pela inexistecircncia de um sistema de renda miacutenima unificado (com exceccedilatildeo

de Portugal) em acircmbito nacional

Trata-se de sistemas com acentuado caraacuteter dual que tendem agrave polarizaccedilatildeo e ao

tratamento diferenciado entre os segmentos sociais no sentido de fortalecer de um lado totais

garantias a um grupo de beneficiaacuterios (prestaccedilotildees generosas e pensotildees elevadas) e de outro

prestaccedilocirces menores que caracterizam uma sub-proteccedilatildeo transferidas a um grande contingente

de trabalhadores e cidadatildeos em condiccedilotildees de vida precaacuterias como jovens desempregados

trabalhadores em situaccedilatildeo irregular eou situados na economia informal Eacute nesse contexto que

o papel da famiacutelia ganha funcionalidade e centralidade nessa regiatildeo (mesmo desvinculada de

uma poliacutetica familiar de proteccedilatildeo social a essa mesma famiacutelia) na medida em que essa

instacircncia se interpotildee entre a escassez de medidas sociais puacuteblicas a fragilidade da proteccedilatildeo

social puacuteblica a ausecircncia de mecanismos de superaccedilatildeo das desigualdades territoriais e as

limitaccedilotildees do modelo de manutenccedilatildeo de renda miacutenima de inserccedilatildeo Essas particularidades

somadas agrave baixa cobertura social dos programas sociais nos referidos paiacuteses os distinguem dos

demais paiacuteses europeus mas tambeacutem os tornam semelhantes agrave realidade brasileira que tambeacutem

natildeo tem um uacutenico padratildeo de renda miacutenima nacional apesar de possuir uma seguridade social

puacuteblica e institucionalizada com poliacuteticas sociais unificadas a exemplo do Sistema Uacutenico de

Sauacutede (SUS) e da recente unificaccedilatildeo da assitecircncia mediante a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico

de Assistecircncia Social (SUAS) Satildeo sistemas regulamentados em Leis e progrmas de

transferecircncia de renda afianccedilados constitucionalmente e implementados em acircmbito nacional

pelo Estado brasileiro

Por fim vale mencionar que no geral apesar do processo de implementaccedilatildeo

de programas de renda miacutenima ter ocorrido na Europa do Sul em ritmos e caminhos

diversos comparado ao que existia antes produziram-se ao longo dos anos 1990

inovaccedilotildees significativas e positivas no campo do bem-estar nesses paiacuteses a saber

253

a) como traccedilo peculiar assiste-se a um paradoxo de um lado o decliacutenio da tradicional

disponibilidade das famiacutelias para responder agrave provisatildeo social e agraves necessidades sociais

de seus membros e de outro uma crescente demanda por proteccedilatildeo social puacuteblica

formalizada no acircmbito do Estado

b) o custo fiscal para fortalecer as redes de seguridade social revela-se modesto apesar

do discurso recorrente sobre a necessidade de reduzir a tributaccedilatildeo e o gasto social

puacuteblico

c) todos os paiacuteses tecircm sido beneficiados com incentivos e recursos financeiros da Uniatildeo

Europeacuteia

d) as poliacuteticas de bem-estar implementadas por estes paiacuteses objetivam corrigir

desequiliacutebrios histoacutericos de seus regimes de bem-estar

e) os programas de renda miacutenima desenvolvidos nessa regiatildeo caracterizam-se por

prestaccedilotildees monetaacuterias de caraacuteter assistencial subsidiaacuterio complementar e de inserccedilatildeo

social e ao trabalho

No entanto apesar dos aspectos positivos assinalados a proteccedilatildeo social sul

europeacuteia apresenta fragilidades por possuir baixa institucionalidade e limitada legitimidade

poliacutetica junto agrave populaccedilatildeo Em suma satildeo traccedilos definidores do chamado regime de bem-

estar latino

a) poliacuteticas e programas sociais de caraacuteter voluntaacuterio e informal com prevalecircncia de

perfil seletivo focalizador e distributivo

b) os hogares (ambientes familiares) caracterizam-se como instacircncias privadas

amortizadoras de conflitos sociais e como uacuteltimas redes de proteccedilatildeo e de seguranccedila do

cidadatildeo

c) problemas de natureza administrativa e de gerenciamento institucional (ineficiecircncia

administrativa morosidade das instituiccedilotildees governamentais e ausecircncia de autonomia

poliacutetica para atender necessidades baacutesicas dos cidadatildeos aleacutem de persistente fraude

fiscal como traccedilo cultural)

d) papel marginal ocupado pela assistecircncia social (embora estrateacutegico como uacuteltima

instacircncia) e o caraacuteter fragmentaacuterio de seus programas

e) ausecircncia de programas de renda miacutenima eficazes no sentido de se guiarem por

princiacutepios puacuteblicos e universais e de seguirem princiacutepios redistributivos

254

f) exigecircncia de comprovaccedilatildeo de recursos (means testing) e do estado de necessidade ou

situaccedilatildeo de pobreza aos beneficiaacuterios da proteccedilatildeo social como condiccedilatildeo para o acesso

agrave prestaccedilatildeo (princiacutepio meritocraacutetico)

g) dificuldades operacionais e estrateacutegicas de identificaccedilatildeo dos reais beneficiaacuterios da

assistecircncia social e de um justa definiccedilatildeo de criteacuterios de elegibilidade

79 A experiecircncia do Brasil com programas de transferecircncia direta de renda miacutenima

No Brasil a experiecircncia concreta com programas de transferecircncia de renda

voltados para cidadatildeos pobres natildeo inseridos no mercado formal de trabalho eacute recente

aliaacutes mais recente do que as experiecircncias sul europeacuteias Natildeo se pode dizer que o salaacuterio

miacutenimo instituiacutedo no paiacutes em 1940 faccedila parte dessa modalidade de provisatildeo posto que

ele eacute uma remuneraccedilatildeo do trabalho regulado pelo Estado No entanto o Estado brasileiro

ao fixar o salaacuterio miacutenimo em 1940 determinou um padratildeo miacutenimo de ganho mensal como

referecircncia para o trabalhador Egrave inegaacutevel que nas uacuteltimas deacutecadas ele tem sido o

paracircmetro definidor dos niacuteveis de pobreza e de indigecircncia bem como dos valores

monetaacuterios a serem socialmente transferidos

O quadro 22 revela os diversos iacutendices de custo de vida e de preccedilos ao

consumidor disponiacuteveis no paiacutes Trata-se de paracircmetros definidores dos principais iacutendices

de preccedilos e de custo de vida (INPC ICV IPC e ICB) produzidos por diferentes

instituiccedilotildees brasileiras de credibilidade reconhecida como IBGE DIEESE-SP FIPE-USP e

PROCON-SP que utilizam metodologias distintas O quadro toma por base o Estado de

Satildeo Paulo uma das regiotildees metropolitanas mais desenvolvidas do paiacutes com destaque para

os iacutendices de custo de vida de preccedilos ao consumidor e de variaccedilatildeo da cesta baacutesica de

alimentos que estatildeo entre as infortmaccedilotildees soacutecio-econocircmicas mais amplamente divulgadas

no paiacutes (JANNUZZI 2001 p 107)

255

Quadro 22 Alguns dos principais iacutendices de preccedilos e de custo de vida

Instituiccedilatildeo Iacutendice Caracteriacutesticas

IBGE INPC Mede a variaccedilatildeo meacutedia de preccedilos da cesta de produtos e serviccedilos das famiacutelias com renda entre 1 e 8 salaacuterios miacutenimos residentes nas Regiotildees Metropolitanas

DIEESE-SP ICV Estrutura de despesas de famiacutelias com renda entre 1 a 30 salaacuterios miacutenimos residentes no Municiacutepio de Satildeo Paulo

FIPE-USP IPC Estrutura de despesas de famiacutelias com renda entre 1 a 20 salaacuterios miacutenimos residentes no Municiacutepio de Satildeo Paulo

PROCON-SP ICB Variaccedilatildeo meacutedia de preccedilos de alimentos e produtos de higiene e limpeza no Municiacutepio de Satildeo Paulo

Fonte Paulo de M Jannuzzi 2001 p 107

Para se ter uma ideacuteia da recorrecircncia ao salaacuterio miacutenimo como paracircmetro

definidor da pobreza no Brasil ldquoo governo federal considera como pobre o grupo

populacional com renda de ateacute meio salaacutero miacutenimo domiciliar percapita enquanto os

indigentes (ou muito pobres) satildeo o grupo com renda de ateacute um quarto do salaacuterio miacutenimo

domiciliar percapitardquo (IPEARadar Social 2005 p 60) Da mesma forma o governo

entende o principal programa unificado de transferecircncia de renda em curso no paiacutes_ O

Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) bem como o Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC)

portanto um programa social e um benefiacutecio constitcional que tecircm no salaacuterio miacutenimo a

sua referecircncia O BPC que estaacute voltado para idosos (a partir de 65 anos) e para pessoas

portadoras de necessidades especiais muito pobres (com renda percapita familar de ateacute frac14

do salaacuterio miacutenimo) incapacitadas para o trabalho e que estejam fora da cobertura

previdenciaacuteria eacute o que possui o mais alto valor monetaacuterio correspondendo a um salaacuterio

miacutenimo mensal (R$ 38000 ndash trezentos e cinquumlenta reais em abril 2007) definido na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Jaacute o Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) um programa de transferecircncia de renda

com condicionalidades e que integra o Programa Fome Zero pauta-se por uma escala que

varia de quinze reais a noventa e cinco reais mensais tendo como criteacuterio de elegibilidade

famiacutelias com renda mensal percapita que varia de sessenta reais a cento e vinte reais

quando satildeo considerados em situaccedilatildeo de pobreza relativa e com renda mensal percapita de

ateacute sessenta reais quando sacirco considerados em situccedilatildeo de extrema pobreza (pobreza

absoluta) conforme a Lei nordm 10836 de 9 de janeiro de 2004 e o Decreto nordm 5749 de 11 de

abril de 2006

Em relaccedilatildeo ao criteacuterio de elegibilidade e agrave definiccedilatildeo do valor a ser distribuido

o Programa Bolsa Famiacutelia define com clareza esses elementos conforme o quadro abaixo

no qual satildeo levadas em consideraaccedilatildeo as situaccedilotildees de pobreza e de extrema pobreza Esses

valores dos benefiacutecios satildeo repassados para as famiacutelias integrantes do PBF

256

Quadro 23 Criteacuterios de elegibilidade e valores de benefiacutecios para famiacutelias integrantes do

Programa Bolsa Famiacutelia - PBF

Criteacuterio de Elegibilidade

Ocorrecircncia de

crianccedilasadolescentes 0-15 anos gestantes

e nutrizes

Quantidade

e tipo de Benefiacutecios

Valores do Benefiacutecio

(R$) Situaccedilatildeo das

famiacutelias Renda mensal

per capita

Situaccedilatildeo de pobreza

De R$ 6001 a R$ 12000

1 Membro (1) Variaacutevel 1500 2 Membros

(2) Variaacutevel

3000

3 ou + Membros (3) Variaacutevel 4500

Situaccedilatildeo de extrema pobreza

Ateacute R$ 6000

Sem ocorrecircncia Baacutesico 5000 1 Membro Baacutesico + (1) Variaacutevel 6500

2 Membros Baacutesico + (2) Variaacutevel 8000

3 ou + Membros Baacutesico + (3) Variaacutevel 9500

Fonte Programa Bolsa Famiacutelia ndash Guia do Gestor Ano 2006 ndash MDS ndash Brasiacutelia-DF

Disponiacutevel no site httpwwwmdsgovbrbolsafamiliao ndash programa ndash bolsa ndash familiabeneficios-e-contrapartidas

O problema da utilizaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo como paracircmetro de proteccedilatildeo social

miacutenima no Brasil eacute que o seu poder de compra foi corroiacutedo por um processo histoacuterico de

arrocho salarial ficando cada vez mais fraco desde sua criaccedilatildeo em 1940 quando foi

calculado junto a categorias que apresentavam agravequela eacutepoca as piores e mais precaacuterias

condiccedilotildees de vida e trabalho conforme jaacute foi mencionado nessa tese Atualmente apesar do

poder de compra do salaacuterio miacutenimo corresponder em valores atuais (abril de 2007) agrave

aquisiccedilatildeo de duas cestas baacutesicas de alimentos seu poder de compra continua defasado em

relaccedilacirco agrave renda percapita e ao custo de vida do paiacutes o que continua excluindo e penalizando os

segmentos mais empobrecidos da populaccedilatildeo brasileira Dessa constataccedilatildeo se depreende que

em termos de poder de compra o valor de sessenta reais a cento e vinte reais mensais (pobreza

relativa) distribuiacutedos pelo Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) estaacute muito aqueacutem de satisfazer as

necessidades baacutesicas do puacuteblico-alvo de programas dessa natureza caracterizando-se como

uma quantia monetaacuteria repassada pelo Estado como complementaccedilatildeo ainda deficitaacuteria agrave renda

mensal dessas famiacutelias na superaccedilatildeo de suas reais necessidades Ao contraacuterio da ideacuteia

reproduzida pelo censo comum esses valores por si soacute natildeo tecircm forccedila econocircmica eou poliacutetica

para criar eou fortalecer uma cultura de dependecircncia eou de desestiacutemulo ao trabalho nesses

segmentos conforme divulgam a grande miacutedia e demais setores neoliberais representantes da

nova direita O que de fato estaacute ocorrendo eacute um alto iacutendice de desemprego de caraacuteter

estrututral e um mercado com baixiacutessimo potencial de oferta de trabalho o que tem levado a

um cenaacuterio de quase total ausecircncia de possibilidades de trabalho e portanto de aumento de

renda de um nuacutemero expressivo de famiacutelias cujos membros encontram-se desempregados ou

em empregos de baixa qualificaccedilatildeo eou remuneraccedilatildeo

257

Ademais a ausecircncia de condiccedilotildees de acesso a bens e serviccedilos sociais de

qualidade e de oportunidades de trabalho ou a oferta de trabalhos precaacuterios eacute uma questatildeo

estrutural que demanda poliacuteticas puacuteblicas redistributivas Essa realidade eacute bem diferente da

posiccedilatildeo recorrente de se estigmatizar esses segmentos culpabilizando-os pelo proacuteprio

insucesso ou por sua ineacutercia eou vocaccedilatildeo para o oacutecio Esta eacute sem duacutevida mais uma

expressatildeo do processo de vitimizaccedilatildeo a que essas famiacutelias vecircm sendo submetidas para

justificar a ausecircncia de compromisso eacutetico e ciacutevico do Estado e da sociedade na

viabilizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas universalizadoras e de bem-estar que certamente

resgatariam aleacutem da cidadania autonomia e o poder de vocalizaccedilatildeo a dignidade humana

desses cidadatildeos

Contudo nem soacute de renda monetaacuteria se constitui a poliacutetica social Outros

elementos como serviccedilos sociais puacuteblicos de qualidade extrapolam a renda seja como

salaacuterio seja como provisatildeo assistencial No que diz respeito ao salaacuterio miacutenimo vale fazer

uma pequena digressatildeo histoacuterica que ajuda a entender a demora brasileira em instituir

programas de transferecircncia de renda que natildeo estivessem relacionados com o trabalho a

sobrevivecircncia bioloacutegica eou com a contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria

Ao pautar-se por uma concepccedilatildeo profissional de seguranccedila social ao estilo

bismarckiano o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas criou em 1940 o salaacuterio

miacutenimo como base de subsistecircncia sem qualquer vinculaccedilatildeo agrave ideacuteia de seguranccedila e ou de

proteccedilatildeo social puacuteblica ao trabalhador Com isso entendia estar constitucionalmente

garantido agrave populaccedilatildeo econocircmicamente ativa o direito de viver por meio da sua

participaccedilatildeo no mercado de trabalho Sendo assim o trabalho era visto como meio para

sobreviver e natildeo como espaccedilo de socializaccedilatildeo e de produccedilatildeo de bens e serviccedilos gerados

socialmente para o bem estar de todos

Percebe-se portanto que enquanto na Europa o Estado de Bem estar sob a

eacutegide do modelo beveridgiano e keynesiano-fordista construiacutea e aplicava conceitos de

poliacuteticas sociais puacuteblicas e universalizadoras associadas ao pleno emprego no Brasil

tomava-se o caminho inverso Getuacutelio Vargas estendia o escopo da legislaccedilatildeo trabalhista

criada nos anos 1930 sob pressatildeo da classe trabalhadora mas sem avanccedilar como fez

Beveridge na Inglaterra para aleacutem dos limites laborais

Tais atitudes demonstram que o Estado brasileiro reconhecia financiava e

afianccedilava o direito ao trabalho dos capacitados para tal (cidadatildeos inseridos no mercado de

trabalho) zelando minimanente pela sua possibilidade de comprar alimentaccedilatildeo vestuaacuterio

258

higiene e transporte Mas extrapolando tais medidas nada estava planejado e

institucionalizado em relaccedilatildeo ao bem estar dos cidadatildeos natildeo inseridos no mercado de

trabalho Dessa forma ainda que tais iniciativas do governo de Getuacutelio tenham se

caracterizado como as primeiras experiecircncias brasileiras na aacuterea trabalhista e da

previdecircncia social a sua contribuiccedilatildeo para os atuais programas de transferecircncia de renda

reside na estipulaccedilatildeo de uma referecircncia monetaacuteria nominal Mas paradoxalmente dada agrave

perda real do poder de compra do salaacuterio miacutenimo atual (R$ 38000 em abril de 2007) a

sua referecircncia mais ajuda a focalizar essas tranferecircncias do que ampliaacute-las

Para Sposati (1997 p 111) a ausecircncia de um princiacutepio universal sobre quais

necessidades devem ser cobertas pelo salaacuterio miacutenimo quantas pessoas deve responder e

sobretudo qual padratildeo de qualidade deve ser afianccedilado terminou por desvincular o salaacuterio

miacutenimo de sua efetiva finalidade Sposati entende que no contexto do debate sobre

programas de renda miacutenima eacute importante ter presente as relaccedilotildees de complementaridade

eou de substituiccedilatildeo ao salaacuterio miacutenimo que a renda miacutenima possa significar uma vez que

nenhuma proposta de renda miacutenima deve fragilizar o salaacuterio baacutesico mas sim fortalececirc-lo

(1997 p 112) Paradoxalmente em 2007 o salaacuterio miacutenimo continua sendo o primeiro

fator de pobreza da populaccedilatildeo brasileira pelo fato de natildeo se constituir ainda em uma

forma de renda miacutenima justa e universal capaz de promover a cobertura das necessidades

baacutesicas (e natildeo miacutenimas ) do cidadatildeo e de sua famiacutelia fundamentada em princiacutepios de

equumlidade e de justiccedila social redistributiva

Sobre os programas de transferecircncia de renda brasileiros Silva (2002 p 362))

informa que a categorizaccedilatildeo feita desses programas de abrangecircncia federal confirma a

modalidade neoliberal prevalente de poliacutetica social assistencial adotada no paiacutes A autora

situa o debate sobre os programas de transferecircncia de renda no contexto de hegemonia da

ofensiva neoliberal e do desmonte do sistema de proteccedilatildeo social brasileiro com retraccedilatildeo do

Estado no campo da provisatildeo social puacuteblica Nessa perspectiva tais programas passaram a

integrar a agenda puacuteblica a partir de 1991 e se concretizaram como proposta a partir de

1995 (governo Fernando H Cardoso) mas a sua grande expansatildeo se deu a partir de 2001

Silva (2002) privilegiou em seu estudo dentre outros aspectos a dimensatildeo qualitativa e

quantitativa dos seguintes programas federais de caraacuteter permanente Benefiacutecio de

Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) Programa de Erradicaccedilatildeo do Trabalho Infantil (PETI) Bolsa-

Escola Bolsa-Alimentaccedilatildeo Agente Jovem Auxiacutelio Gaacutes e Previdecircncia Rural Ao final sua

pesquisa confirma a prevalecircncia de uma modalidade problemaacutetica de poliacutetica social

259

brasileira com a qual essa tese se identifica ou seja natildeo redistributiva com funccedilatildeo

meramente complementar e compensatoacuteria e sem um efetivo controle democraacutetico

710 Configuraccedilatildeo do principal programa de transferecircncia de renda no Brasil ndash O

Bolsa Famiacutelia (PBF)

Com base em dados do MDS (2005) e IPEA (2003) a unificaccedilacirco dos

programas de transferecircncia de renda brasileiros se deu no dia 12 de junho de 2003 pelo

entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luis Inaacutecio Lula da Silva tendo em vista uma nova

integraccedilatildeo federativa O discurso justificador do governo federal para a unificaccedilatildeo de tais

programas foi o de evitar a fragmentaccedilatildeo das poliacuteticas sociais e de construir uma poliacutetica

de transferecircncia de renda com participaccedilatildeo direta dos governos de Estados e municiacutepios O

Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) (denominaccedilatildeo dada ao programa unificado) foi lanccedilado em

20 de outrubro de 2003 com clara definiccedilatildeo de divisatildeo de responsabilidades entre a Uniatildeo

e os governos estaduais e municipais Constituem princiacutepios norteadores do PBF a

descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa o controle democraacutetico e a intersetorialidade na

perspectiva de uma gestatildeo compartilhada

Segundo documentos do MDS (2005) a intersetorialidade entendida como a

interaccedilatildeo entre as poliacuteticas de assistecircncia social sauacutede e educaccedilatildeo busca superar o vieacutes

setorial das poliacuteticas sociais com o objetivo de consolidar uma estrateacutegia de inclusatildeo

social Na definiccedilatildeo das competecircncias essas aacutereas tecircm um papel ativo e participativo na

gestatildeo em particular no cumprimento das condicionalidades do programa (tambeacutem

denominadas contrapartidas sociais) como tambeacutem no controle democraacutetico (articulaccedilatildeo

com os conselhos setoriais e de direitos) A descentralizaccedilatildeo estaacute vinculada ao mecanismo

de repasse dos recursos financeiros diretamente aos beneficiaacuterios Aos Estados reservou-se

o papel de coordenadores do PBF no acircmbito dos municiacutepios garantindo apoio teacutecnico ao

programa Aos municiacutepios coube o cadastramento das famiacutelias a aacuterdua funccedilatildeo de

identificaccedilatildeo dos segmentos que se enquadram no perfil do referido programa aleacutem da

garantia da oferta de serviccedilos sociais baacutesicos (assistecircncia sauacutede e educaccedilatildeo) considerados

complementares ao PBF

Por princiacutepio o controle democraacutetico constitui o exerciacutecio por excelecircncia da

democracia direta realizada pela sociedade civil com vista a acompanhar e exigir

260

satisfaccedilotildees do poder estatal a respeito da conduccedilatildeo das poliacuteticas que lhe competem

administar Uma das principais esferas puacuteblicas de controle democraacutetico satildeo os conselhos

gestores de composiccedilatildeo paritaacuteria e deliberativa organizados em torno das vaacuterias poliacuteticas

puacuteblicas em accedilatildeo Portanto os conselhos deveratildeo exercer fiscalizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo do

programa desde que assegurem a intersetorialidade entre representantes de agecircncias

governamentais e natildeo-governamentais Por fim em relaccedilatildeo aos criteacuterios de acesso agraves

condicionalidades e ao valor (baacutesico e variaacutevel) dos benefiacutecios dos programas de

transferecircncia de renda ver quadro abaixo

Quadro 24 Programas Transferecircncia de Renda ndash Fome Zero ndash MDS ndash Relaccedilatildeo de criteacuterio

de acesso condicionalidade e valor dos benefiacutecios

Benefiacutecios Criteacuterio de acesso Condicionalidades Valor benefiacutecio

Bolsa Famiacutelia (2003)

Benefiacutecio baacutesico famiacutelias com renda per capita de ateacute R$ 5000

Benefiacutecio variaacutevel famiacutelias que tenham em sua composiccedilatildeo gestantes nutrizes crianccedilas entre zero e doze anos e adolescentes ateacute quinze anos cuja renda per capita seja de ateacute R$ 10000

Matriacutecula e frequumlecircncia miacutenima de 85 da carga horaacuteria escolar de todas as crianccedilas de 6 a 15 anos

Participaccedilatildeo processo educa-cional e programas de sauacutede exame preacute-natal acompanha-mento nutricional e de sauacutede

Benefiacutecio baacutesico R$ 5000

Benefiacutecio variaacutevel no valor de R$ 1500 por beneficiaacuterio ateacute o limite de R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Cartatildeo Alimentaccedilatildeo (2003)

Pessoa ou famiacutelia com renda familiar mensal per capita de ateacute meio salaacuterio miacutenimo

Participaccedilatildeo das famiacutelias benefi-ciadas em atividades comunitaacuterias e educativas

R$ 5000

Bolsa Alimentaccedilatildeo (1990)

Crianccedilas ateacute 6 anos gestantes e matildees no periacuteodo de amamentaccedilatildeo ateacute seis meses em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Famiacutelia se compromete a realizar uma Agenda de Compromissos em sauacutede que consiste em accedilotildees baacutesicas como preacute-natal vacinaccedilatildeo acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil e atividades educativas em sauacutede e nutriccedilatildeo

De R$ 1500 a R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Bolsa Escola (2001)

Crianccedilas de 6 a 15 anos em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Matriacutecula e frequumlecircncia miacutenima de 85 da carga horaacuteria escolar de todas as crianccedilas de 6 a 15 anos

De R$ 1500 a R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Auxiacutelio Gaacutes (2002)

Famiacutelias com renda mensal per capitatilde de meio salaacuterio miacutenimo

R$ 750 ao mecircs por famiacutelia pago bimestralmente em parcelas de R$ 1500

PETI (1995)

Crianccedilas de 7 a 15 anos envolvidas com trabalho insalubre penoso ou degradante em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Frequumlecircncia miacutenima de 75 na escola e na jornada ampliada

Natildeo retorno ao trabalhos dos filhos menores de 16 anos

Participaccedilatildeo das famiacutelias nas accedilotildees soacutecio-educativas e de ampliaccedilatildeo de geraccedilatildeo de renda

R$ 2500 por crianccedila na aacuterea rural e R$ 4000 na aacuterea urbana

Agente Jovem (2001)

Jovens de 15 a 17 anos residentes em comunidades de baixa renda cuja renda familiar per capita seja de ateacute meio salaacuterio miacutenimo

Frequumlecircncia miacutenima de 75 nas atividades de ensino e capacitaccedilatildeo teoacuterico-praacutetica

R$ 6500 por mecircs

BPC

Idosos a partir de 67 anos e

1 salaacuterio miacutenimo

261

Benefiacutecios Criteacuterio de acesso Condicionalidades Valor benefiacutecio

(1995) portadores de deficiecircncia com renda per capita inferior a um quarto do salaacuterio miacutenimo

Benefiacutecio criado no Governo Lula Fonte Ministeacuterio de Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome-MDS 2004

Para o MDSPBF (2005) as condicionalidades satildeo compromissos sociais

assumidos pelas famiacutelias beneficiaacuterias do PBF estando vinculadas aos seguintes objetivos

certificar o compromisso e responsabilidade das famiacutelias atendidas aumentar a autonomia

dessas famiacutelias na perspectiva da inclusatildeo social e ampliar as suas possibilidades de

geraccedilatildeo de renda No discurso oficial tais condicionalidades representam ainda a

ampliaccedilatildeo do acesso dos cidadatildeos aos seus direitos sociais baacutesicos e agrave prestaccedilatildeo de deveres

ciacutevicos A concessatildeo dos benefiacutecios condicionados agrave renda como eacute o caso do Bolsa

Famiacutelia (BPC) estaacute vinculada a accedilotildees obrigatoacuterias acompanhadas pelos Ministeacuterios da

Sauacutede e da Educaccedilatildeo Em relaccedilatildeo agrave sauacutede as referidas condicionalidades (ou

contrapartidas sociais) do PBF consistem em a) frequecircncia miacutenima de 85 da carga

horaacuteria escolar (crianccedilas e adolescentes de 6 a 15 anos) b) acompanhamento na aacuterea de

sauacutede do estado nutricional da gestante (cartatildeo da gestante) bem como da participaccedilatildeo em

atividades de educaccedilatildeo alimentar aleitamento exame preacute-natal e outros Em relaccedilatildeo agrave

educaccedilatildeo (Portaria MECMDS nordm 3789 de 17 de novembro de 2004) eacute exigido o

comprovante de matriacutecula de crianccedilas e adolescentes de 6 a 15 anos na escola mediante a

garantia de frequumlecircncia miacutenima de 85 das aulas a cada mecircs

Entretanto na percepccedilatildeo desta tese a ideacuteia de que as condicionalidades

representam garantia de acesso a direitos constrasta com a concepccedilatildeo de bens e serviccedilos

sociais como bens puacuteblicos que deveriam estar agrave disposiccedilatildeo de todos Isso porque

entende-se que eacute exatamente a ausecircncia da garantia de direitos sociais baacutesicos que coloca

essa populaccedilatildeo beneficiaacuteria na condiccedilatildeo de puacuteblico-alvo de programas sociais ainda que

residuais seletivos e focalizadores Portanto na verdade a existecircncia desses programas

revela a enorme diacutevida social histoacuterica do Estado brasileiro para com esses segmentos (que

deve ser resgatada com urgecircncia) para quem todas as poliacuteticas sociais jaacute falharam

restando tal como vem acontecendo na maior parte do mundo os mecanismos de

transferecircncias diretas de renda

Em relaccedilatildeo agrave gestatildeo do PBF foi defindo como gestor principal um oacutergatildeo

colegiado de caraacuteter deliberativo inicialmente vinculado ao Gabinete da Presidecircncia da

262

Repuacuteblica e ao MDS denominado Conselho Gestor do Programa Bolsa Famiacutelia- CGPBF

A finalidade principal desse oacutergatildeo por sua proacutepria natureza eacute formular e integrar as

poliacuteticas puacuteblicas definir diretrizes normas e procedimentos mais gerais sobre a

implementaccedilatildeo do programa Quanto ao iacutetem transferecircncia do beneficio o Brasil inovou ao

utilizar o cartatildeo eletrocircnico enquanto os demais paiacuteses ainda fazem a entrega desse tipo de

beneficio (transferecircncia de renda) em espeacutecie

No acircmbito financeiro o agente operador do programa eacute a Caixa Econocircmica

Federal que tem como principais responsabilidades emitir o referido Cartatildeo atribuir a cada

pessoa da famiacutelia cadastrada um nuacutemero de identificaccedilatildeo social-NIS notificar o titular sobre

sua concessatildeo e proceder a entrega do mesmo Uma das exigecircncias eacute de que seja entregue

prioritariamente agrave mulher (chefe de famiacutelia) ou em seu impedimento ou ausecircncia a outro

membro responsaacutevel pela famiacutelia e ainda divulgar o calendaacuterio de pagamento do benefiacutecio

No acircmbito das trecircs esferas o responsaacutevel pelo acompanhamento das famiacutelias e pela

operacionalizaccedilatildeo do programa eacute o municiacutepio apoacutes a coleta de dados das famiacutelias de baixa

renda (carcteriacutesticas do domiciacutelio composiccedilatildeo familiar qualificaccedilatildeo profissional e escolar dos

membros da famiacutelia rendimentos e despasas familiares) em formulaacuterio especiacutefico para esta

finalidade O MDS disponibiliza na Internet (wwwmdsgovbr) a relaccedilatildeo das famiacutelias em

situaccedilatildeo de descumprimento das condicionalidades As sanccedilotildees estabelecidas pelo PBF satildeo

gradativas isto eacute evoluem de uma advertecircncia inicial ateacute chegar a um possiacutevel bloqueio eou

cancelamento do benefiacutecio

Como criteacuterios de acesso ao cartatildeo magneacutetico foram priorizados inicialmente

os municiacutepios com ateacute 30000 habitantes localizados na regiatildeo nordeste bem como

famiacutelias que natildeo recebiam nenhum outro beneficio social do Governo Federal Os

beneficiaacuterios satildeo inscritos no Cadastro Uacutenico dos Programas Sociais do Governo federal

(CadUacutenico) com base no Decreto nordm 3877 de 24 de julho de 2001 e conforme criteacuterios de

elegibilidade vatildeo sendo integrados ao programa de forma gradual e progressiva O

CadUacutenico conteacutem informaccedilotildees que podem ser acessadas pelos governos municipais

estaduais e federal para se obter o diagnoacutestico soacutecio-econocircmico das famiacutelias cadastradas

Devem cadastrar-se as famiacutelias com renda mensal de ateacute meio salaacuterio miacutenimo por pessoa

263

711 Programa Bolsa Famiacutelia estrateacutegias gasto social financiamento perspectivas e

tendecircncias

Desde a implantaccedilao do PBF percebe-se por parte do governo federal um

esforccedilo em ampliar as metas de cobertura social do programa estabelecidas em 114 milhotildees de

famiacutelias ateacute o final de 2006 Indiscutivelmente trata-se do programa social de maior

prioridade do governo federal Com base em dados fornecidos pelo MDS (2004) para o

alcance dessas metas o apoio financeiro do BID e do Banco Mundial tem sido fundamental

(apud STEIN 2005 p 332)62 pois como admite o proacuteprio Banco (2003) ldquoseu papel em

apoiar as principais reformas de poliacuteticas e investimentos inovadores e eficientes com o

objetivo de aumentar o bem-estar dos brasileiros em particular dos pobres natildeo se restringe aos

empreacutestimosrdquo Em junho de 2004 o Banco Mundial aprovou um empreacutestimo no valor de US

5722 milhotildees para o periacuteodo 20042006 e outro no valor de US5022 milhotildees para o periacuteodo

20072008 Segundo o proacuteprio Banco tais empreacutestimos representam somente 04 do PIB

nacional e menos de 4 do financiamento externo

Quanto aos recursos do Orccedilamento Federal (destino montante) referentes a

despesas realizadas com os Programas de Transferecircncia de Renda MiacutenimaMinisteacuterio do

Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome (MDS) os mesmos estatildeo dimensionados

conforme a tabela 21 a seguir que demonstra o montante de recursos financeiros e

investimentos feitos pelo MDS junto aos programas de geraccedilatildeo de trabalho e de

transferecircncia de renda (tambeacutem denominados programas complementares (PBF) Bolsa

Escola Bolsa Alimentaccedilatildeo Cartatildeo Alimentaccedilatildeo e Auxiacutelio Gaacutes) e os recursos repassados

aos programas de assistecircncia social (denominados remanescentes) em todo o paiacutes no ano

de 2005 (26 Estados 5563 municiacutepios e DF) com destaque para os recursos destinados

ao Bolsa Famiacutelia aacuterea de prioridade do governo federal com 71 de famiacutelias pobres

atendidas atingindo a cifra de $71 bilhocirces (dado atualizado em outubro de 2005)

62 Ver tese de doutorado de Stein (2005) sobre a identificaccedilatildeo das caracteriacutesticas especificidades e alcance das poliacuteticas de transferecircncia de renda bem como o caraacuteter assumido por essas poliacuteticas no contexto da proteccedilatildeo social e das poliacuteticas de combate agrave pobreza no Continente Latino Americano e no Europeu O estudo de Stein (idem) trata do processo de reestruturaccedilatildeo do Estado capitalista e do papel das poliacuteticas sociais na garantia dos direitos sociais Em uma perspectiva comparativa analisa como tendecircncia contemporacircnea mundial o tratamento dado agrave assistecircncia social descolado da concepccedilatildeo de direito Stein chama a atenccedilatildeo para o desafio de se continuar na luta em defesa dessa poliacutetica social como direito de cidadania

Tabela

Fonte DispBalanccedilo MDS 2006

os principais

Tabela

21 Investimentos MDS

Fonte Disponiacutevel no site Balanccedilo MDS 2006 -

A tabela

os principais programas e

Investimentos MDS

oniacutevel no site httpwwwmdsgovbrascomhot

Programas Sociais

abela

22 apresenta

rogramas e accedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

Investimentos MDS

httpwwwmdsgovbrascomhotProgramas Sociais

apresenta

um relatoacuterio

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

httpwwwmdsgovbrascomhot

ndash sitebalanco

elatoacuterio comparativo de

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

sitebalanco

ndash mdsgeralhtm

omparativo de p

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

mdsgeralhtm

poliacuteticas sociais contendo

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

264

ociais contendo

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

264

ociais contendo

Tabela

Fonte Balanccedilo MDS 2005 Disponiacutev

verifica

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Tabela

22 Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Balanccedilo MDS 2005 Disponiacutevel no site httpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

verifica-se que no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Balanccedilo MDS 2005 - Programas Sociaishttpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Programas Sociais

httpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

httpwwwmdsgovbrascomhot

ndash sitebalanco

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais ndash 2002 a 2005 (Principais

sitebalanco

ndash mdscomparativohtm

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa guarda

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

2002 a 2005 (Principais

mdscomparativohtm

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

guarda-chuva

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

265

2002 a 2005 (Principais

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

chuva que abriga

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

265

2002 a 2005 (Principais

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

que abriga

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

266

2003 a 2005 o crescimento dos recursos ficou na ordem de 113 ficando a maior parte

dos recursos localizada no Bolsa Famiacutelia Isso equivale dizer que tais recursos

representaram nos uacuteltimos anos no conjunto do financiamento destinado aos programas

sociais pelo Governo Federal percentuais que correspondem ao valor de 5722 em

2003 6117 em 2004 e 5427 em 2005 (idem) Tais indicadores demonstram a

prioridade dada pelos governos brasileiros na uacuteltima deacutecada agraves poliacuteticas de transferecircncia

de renda vistas como a principal (e uacutenica) estrateacutegia de combate agrave pobreza A corrida para

se atingir metas quantitativas torna-se ainda mais preocupante quando se avalia o grande

apelo e o potencial eleitoral que essas poliacuteticas tecircm

Com base em documento do MDSSAS-PNASNOBSUAS (2005) se

comparados os gastos puacuteblicos com a assistecircncia social brasileira em relaccedilatildeo ao PIB

(medido a preccedilos de mercado pelo IBGE) nota-se uma miacutenima ampliaccedilatildeo da

participaccedilatildeo nessa aacuterea Em 2002 o PIB nacional foi de R$1364028 milhatildeo dos quais

apenas 074 referem-se agrave aacuterea da assistecircncia Enquanto isso constata-se que a

seguridade social brasileira participa com 79 dos recursos do Orccedilamento Geral da

Uniatildeo ou seja haacute uma altiacutessima concentraccedilatildeo de recursos da Uniatildeo repassados agrave

seguridade social que se alojam na previdecircncia social Em 2003 foram gastos apenas

081 do PIB com a poliacutetica de assistecircncia social Pesquisa realizada por Boschetti

(apud STEIN 2005 p 335) revela que os recursos destinados agrave previdecircncia equivalem a

5820 (dos quais 5428 referem-se agrave previdecircncia social baacutesica) os destinados agrave sauacutede

equivalem a 1481 e no acircmbito da assistecircncia social o orccedilamento destinado a esta

poliacutetica restringe-se a 588 do total de recursos da seguridade social Importante

destacar que tais recursos da assistecircncia social satildeo distribuiacutedos da seguinte forma 253

para o BPC (1995) 217 para o Bolsa Famiacutelia 080 para o beneficio Renda Mensal

Vitaliacutecia (RMV) e o restante 048 para outras accedilotildees sociais incluindo os programas

PETI (1995) e Agente Jovem (2001)

Nas duas figuras a seguir 12 e 13 em uma perspectiva comparada vale

destacar a escalada progressiva da cobertura dada pelo governo federal ao financiamento

do Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) considerando a natildeo exigecircncia de

condicionalidades o nuacutemero de pessoas beneficiadas (figura 12) e o investimento anual

em milhotildees de R$ (figura 13) no periacuteodo de 1995 a 2003

267

Fonte MDS - Anaacutelise comparativa dos programas de proteccedilatildeo socialBPC 1995-2003

Figura 12 BPC ndash Pessoas beneficiadas (posiccedilatildeo no mecircs de referecircncia)

(1) Total de pessoas beneficiadas em dezembro de cada ano () Entre 96 e 2001 os dados foram obtidos junto agrave Gerecircncia do BPC no proacuteprio Ministeacuterio do Desenvolvimento Social () Para 2002 e 2003 dados extraiacutedos de relatoacuterio de Evoluccedilatildeo do Orccedilamento e Execuccedilatildeo 1997-2003 do Fundo Nacional de Assistecircncia Social

Fonte MDS - Anaacutelise Comparativa de Programas de Proteccedilatildeo SocialBPC 1995-2003

Figura 13 BPC ndash Investimento Anual (em milhotildees de R$)

(1) Investimento realizado durante o ano de referecircncia para atendimento agraves pessoas que receberam o benefiacutecio-valores expressos em R$ correntes () Entre 96 e 2001 os dados foram obtidos junto agrave Gerecircncia do BPC no proacuteprio Ministeacuterio do Desenvolvimento Social () Para 2002 e 2003 dados extraiacutedos de relatoacuterio de Evoluccedilatildeo do Orccedilamento e Execuccedilatildeo 1997-2003 do Fundo Nacional de Assistecircncia Social Fonte MDS - Anaacutelise comparativa dos programas de proteccedilatildeo socialBPC 1995-2003

00017234

76973113420

153312

200147

269402

353961

450568

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Figura 13 _ BPC - Investimento Anual(em milhotildees de R$)

268

Com base no Balanccedilo MDSBPC de 2006 sobre os programas sociais a

expansatildeo da cobertura do BPC continua uma vez que em 2004 foram atendidas 21

milhotildees de pessoas e realizado um gasto de R$76 bilhotildees Em 2005 o atendimento e o

gasto saltaram respectivamente para 27 milhotildees de pessoas e R$ 85 bilhotildees Atualmente

(2007) os gastos atingem o patamar de R$ 11 bilhocirces

A distribuiccedilatildeo de tais recursos financeiros no acircmbito da seguridade social

conforme analisa Boschetti (apud STEIN 2005) favorece a poliacutetica macro econocircmica

brasileira na medida em que parte desses recursos eacute apropriada pelo executivo nacional

por meio da chamada Desvinculaccedilatildeo da Receita da Uniatildeo (DRU) criada pela Emenda

Constitucional ndeg 27 de 2000 que autoriza a desvinculaccedilatildeo de oacutergatildeo ou Fundo de 20 da

arrecadaccedilatildeo de impostos e contribuiccedilotildees sociais da Uniatildeo podendo ser utilizada fora do

acircmbito da seguridade social Ocorre que historicamente os governos brasileiros sempre

transferiram recursos da seguridade social para atender interesses financeiros no acircmbito da

economia Somente no ano de 2004 na execuccedilatildeo do Orccedilamento da Seguridade Social

foram retidos pelo Tesouro Nacional e transferidos para a esfera financeira R$ 425

bilhotildees (BOSCHETTI apud STEIN 2005) O estudo de Boschetti comprova ainda que o

superaacutevit gerado pela seguridade social (pois ao contraacuterio do que eacute oficilmente divulgado

ela eacute superavitaacuteria e natildeo deficitaacuteria) tem possibilitado aos uacuteltimos governos brasileiros o

incremento de acordos internacionais com organismos multilaterais (a exemplo do FMI)

em detrimento da ampliaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo dos recursos arrecadados e direcionados para

atividades fins na aacuterea social Como avaliaccedilatildeo das tendecircncias verificadas nos programas

brasileiros de transferacircncia de renda percebe-se que a aacuterea social natildeo deve ficar

condicionada agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas restritas e focalizadas e que a erradicaccedilatildeo da

pobreza no Brasil passa necessariamente pela discussatildeo e implementaccedilatildeo de mecanismos

redistributivos e por mudanccedilas estrateacutegicas na conduccedilatildeo da poliacutetica econocircmica Trata-se de

compatibilizar crescimento econocircmico com desenvolvimento social Ademais os nuacutemeros

revelam que o repasse de recursos para os programas de transferecircncia de renda se restringe

e eacute direcionado a um puacuteblico-alvo em condiccedilotildees severas de pobreza (pobreza absoluta)

Daiacute a prioridade dada ao atendimento agraves suas necessidades miacutenimas de sobrevivecircncia e

natildeo aacutes suas necessidades baacutesicas mediante o repasse de serviccedilos puacuteblicos de qualidade O

criteacuterio de elegibilidade utilizado pelo PBF (corte de pobreza com base na renda percapita

familiar) o torna distinto dos demais programas eou benefiacutecios na medida em que a linha

de pobreza anteriormente fixada em ateacute meio salaacuterio miacutenimo nacional tem caraacuteter

269

restritivo O criteacuterio adotado pelo PBF estabelece como limite de atendimento o valor

fixado em cinquumlenta (para o acesso ao beneficio baacutesico o que equivale a 1666 do atual

salaacuterio miacutenimo) e cento e vinte reais (para o acesso ao beneficio variaacutevel o que equivale a

3333 do salaacuterio miacutenimo) Portanto na melhor das hipoacuteteses tais beneficios natildeo

alcanccedilam sequer as famiacutelias com renda percapita de meio salaacuterio miacutenimo Nesse sentido

as famiacutelias brasileiras que se encontram na faixa de pobreza relativa (nesse caso especiacutefico

com renda familiar percapita acima de meio salaacuterio miacutenimo) teratildeo seu atendimento

adiado ateacute que as famiacutelias situadas na pobreza absoluta sejam atendidas com poliacuteticas

emergenciais e compensatoacuterias

Msmo assim dados obtidos em pesquisas recentes como os apresentados

Rocircmulo Paes (apud STEIN 2005 p 338) em Seminaacuterio Internacional revelam impacto

positivo do PBF em especial no acircmbito da educaccedilatildeo e do combate agrave fome a saber a) mais

de 75 das famiacutelias beneficiadas gasta mais do que 75 do beneficio com alimentaccedilatildeo b)

em 89 das famiacutelias as crianccedilas frequumlentam a escola todos os dias da semana e em 7

das famiacutelias essa frequumlecircncia foi de 4 dias c) 98 das crianccedilas entre 7 e 15 anos de idade

de famiacutelias beneficiadas encontram-se matriculados na rede escolar sendo 962 em

estabelecimentos da rede puacuteblica d) em 76 das referidas famiacutelias o dinheiro do

beneficio eacute administradogasto por uma mulher e) o valor meacutedio do beneficio recebido

proporciona um acreacutescimo de 212 na renda familiar

Contudo apesar dos dados apresentados por essa pesquisa e dos dados do

PNAD (2004) confirmarem de forma positiva uma pequena reduccedilatildeo nos iacutendices de

desigualdade social mediante um recuo de 0554 (2003) para 0547 (2004) do Iacutendice de

Gini (que mede o grau de desigualdade de renda no paiacutes) entre 2003 e 2005 haacute que se

ultrapassar no Brasil o caraacuteter focalizador e restritivo das poliacuteticas de transferecircncia de

renda e de combate agrave pobreza tornando-as objeto de poliacuteticas puacuteblicas e universalizadoras

(para todos) bem como sua constituiccedilatildeo e identificaccedilatildeo como uacutenica possibilidade (e natildeo

uma dentre outras) de garantia da cidadania social baacutesica das famiacutelias beneficiaacuterias

CAPIacuteTULO VIII

ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA AMEacuteRICA LATINA E NO BRASIL

PROMESSA DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS

81 Implicaccedilotildees natildeo redistributivas do pluralismo de bem-estar

Ao se refletir sobre as implicaccedilotildees sociais do neoliberalismo considera-se

pertinente adotar o enfoque redistributivista (KLIKSBERG 2001) como referecircncia

na anaacutelise de importantes mecanismos de reproduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade

gerados por este modelo soacutecioeconocircmico tais com inflaccedilatildeo desemprego restriccedilotildees

de acesso a poliacuteticas sociais estruturais (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia e outras) e o

escasso efeito redistributivo nos investimentos e gastos sociais Partindo do

pressuposto de que a reduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade constitui natildeo soacute um

imperativo poliacutetico mas tambeacutem moral e ciacutevico o enfoque redistributivista

pressupotildee que no processo de enfrentamento de problemas sociais estruturais

mudanccedilas de mentalidade e de cultura poliacutetica deveratildeo ocorrer sobretudo na defesa

de poliacuteticas ativas de perfil progressivo e redistributivista como contraponto ao

receituaacuterio neolberal Fica claro o reconhecimento dos limites do economicismo no

trato dessas questotildees visto que as diferenccedilas de renda satildeo consideradas apenas um

dos aspectos dos fenocircmenos da pobreza e da desigualdade Haacute que se encarar os

gastos sociais puacuteblicos natildeo como mera despesa mas como investimento social que

poderaacute trazer elevada taxa de retorno econocircmico tal como procedem desde os anos

1990 os paiacuteses escandinavos no enfrentamento das mazelas causadas pelo

neoliberalismo (ESPING-ANDERSEN 1995) Tais gastos devem estabelecer um

contraponto ao fosso que vem se aprofundando entre ricos e pobres especialmente na

Ameacuterica Latina e no Brasil em que de um lado um setor moderno e dinacircmico da

economia coexiste naturalmente com outro atrasado e estagnado comprometendo

seriamente a convivecircncia democraacutetica entre os cidadatildeos Tal situaccedilatildeo poreacutem natildeo

constitui uma fatalidade histoacuterica ou uma forccedila inexoraacutevel (sem possibilidade de

retorno) no entendimento desta tese e de vaacuterios pesquisadores Daiacute a importacircncia de

271

se evitar anaacutelises simplistas e fatalistas diante da complexidade dessa situaccedilatildeo ateacute

porque como diz Kliksberg (2001) a pobreza real na Ameacuterica Latina eacute maior do que

a informada por pesquisas convencionais63 Trata-se segundo esse autor de um caso

anti-exemplar produtor de desajustes muacuteltiplos a partir de sucessivos efeitos

recessivos Em vista disso recomenda-se aos paiacuteses latino-americanos um modelo de

desenvolvimento compartilhado que envolva de forma efetiva a participaccedilatildeo das

comunidades carentes no planejamento e na implementaccedilatildeo de programas sociais

descentralizando-os para regiotildees e municiacutepios Ao priorizar os temas sociais no

debate poliacutetico associando-os agrave busca da equumlidade social e da democracia na

Ameacuterica Latina Kliksberg (2001) propotildee medidas como reforma do Estado

(administrativa e previdenciaacuteria) qualificaccedilatildeo da gestatildeo social puacuteblica e

enfrentamento do desenvolvimento dual (incluindo as disparidades regionais tambeacutem

comuns em paiacuteses europeus como a Itaacutelia) Inclui tambeacutem nessas disparidades o

desequiliacutebrio entre de um lado a riqueza dos recursos naturais de mateacuterias-primas

estrateacutegicas de fontes de energia baratas de capacidade de produccedilatildeo agro-pecuaacuteria e

outras potencialidades existentes na Ameacuterica Latina e no Brasil e de outro a

desumana situaccedilatildeo de penuacuteria e pobreza que afeta diretamente a otimizaccedilatildeo das

necessidades baacutesicas das populaccedilotildees desses paiacuteses Para Kliksberg (2001) haacute que se

utilizar um enfoque apropriado agrave formulaccedilatildeo de indagaccedilotildees cruciais sobre a estrutura

e a evoluccedilatildeo desses fenocircmenos para entatildeo se construir uma base de ideacuteias coletivas

sobre como enfrentaacute-los para aleacutem das variaacuteveis econocircmicas Ou melhor um enfoque

muacuteltiplo redistributivista que inclui as dimensotildees poliacutetica e social e as articula agraves

relaccedilotildees de poder e de economia em suas dimensotildees qualitativa e quantitativa Dessa

feita a anaacutelise dos processos poliacuteticos das lutas sociais do efeito das poliacuteticas

sociais estruturais da capacidade da sociedade civil de exercer o efetivo controle

63 Kliksberg (2001) chama a atenccedilatildeo para estudos recentes que apontam para a necessidade de se reexaminar eou ampliar os modelos de anaacutelise de desenvolvimento das economias latino-americanas Isso porque os prognoacutesticos apresentados mostraram-se faliacuteveis e com seacuterias limitaccedilotildees ao serem confrontados com a realidade Por isso tais modelos de anaacutelise devem ser questionados e revistos em sua validade histoacuterica Segundo ele estudos sobre pobreza desigualdade e crescimento ou sobre o papel da equidade no desenvolvimento sustentaacutevel natildeo tecircm ocupado os debates nacionais como um tema central em sua relevacircncia social mesmo diante da magnitude e dos impactos negativos da crescente desigualdade social Indiscutivelmente diante do nuacutemero de pobres na Ameacuterica Latina (proacuteximo a 50 da populaccedilatildeo) a pretensa distribuiccedilatildeo de renda natildeo tem correspondido agrave produccedilatildeo e ao niacutevel de desenvolvimento dessa regiatildeo considerada a terra mais desigual do mundo Isso revela que busca da equumlidade natildeo compotildee a agenda nacional desses paiacuteses de forma prioritaacuteria Para esse autor as respostas para as causas desse fenocircmeno demandam acuradas pesquisas contiacutenuas e trabalhos cientiacuteficos seacuterios para se formular propostas geradoras de poliacuteticas puacuteblicas de qualidade e de maior alcance social

272

democraacutetico satildeo aspectos substantivos a serem incorporados no diagnoacutestico sobre a

realidade social Aleacutem disso eacute preciso redefinir a base de mediccedilatildeo da pobreza64 bem

como rechaccedilar a ideacuteia de que o desenvolvimento social seria consequecircncia natural e

automaacutetica do desenvolvimento econocircmico O desenvolvimento econocircmico eacute

imprescindiacutevel para viabilizar o social mas tambeacutem este eacute decisivo para que possa

haver crescimento sustentado

Os argumentos de Salama (1999) tambeacutem vatildeo nessa direccedilatildeo quando ao

analisar os fatores econocircmicos e sociais associados agrave pobreza na Ameacuterica Latina afirma

que ldquodiminuir a pobreza e as desigualdades e recuperar o crescimento poderia resultar de

uma intervenccedilatildeo do Estado mais consequumlente e menos burocraacutetica lanccedilando matildeo ao

mesmo tempo de uma poliacutetica redistributiva de rendardquo (1999 p 183) Aleacutem disso ao

compartilhar da ideacuteia de que as medidas econocircmicas natildeo satildeo suficientes para justificar uma

poliacutetica de redistribuiccedilatildeo de renda Salama afirma que tal poliacutetica pautada em valores de

ordem eacutetica deve vir em primeiro lugar Sendo assim postula uma progressatildeo de renda

diferenciada a partir de medidas redistributivas apresentando trecircs argumentos principais a

saber a) que a retomada do crescimento econocircmico por si soacute natildeo interfere na diminuiccedilatildeo

da pobreza de forma significativa b) que o fraacutegil crescimento na Ameacuterica Latina eacute

resultado de um processo excludente em que a pobreza e as desigualdades sociais

tornaram-se questotildees profundas e complexas c) que a dinacircmica do regime de acumulaccedilatildeo

adotada nas economias latino-americanas e a inserccedilatildeo internacional dessas economias a

partir de recomendaccedilotildees neoliberais aleacutem de gerar crises financeiras ampliaram a pobreza

e a desigualdade e produziram um crescimento desordenado com efeitos profundamente

negativos sobre as condiccedilotildees de vida e de trabalho da populaccedilatildeo

Desses argumentos se conclui que estruturas sociais injustas e desiguais como

a latinoamericana e a brasileira obstruem a participaccedilatildeo dos pobres criam dificuldades

estruturais aos paiacuteses limitam o desenvolvimento econocircmico-social e criam tensotildees

profundas na sociedade como um todo65 Particularmente a esse respeito Ravallion (apud

64 Com base na anaacutelise se Kliksberg (2001) haacute que se rever com reservas a base de mediccedilatildeo utilizada em modelos econocircmicos de anaacutelises convencionais Esta literatura emprega duas definiccedilotildees para a linha de pobreza de forma mais geral Para avaliar a pobreza extrema Kliksberg toma como referecircncia as pessoas que recebem menos de um doacutelar diaacuterio e para avaliar a pobreza moderada (ou relativa) as que recebem menos de dois salaacuterios diaacuterios Os autores dessas anaacutelises argumentam que esse padratildeo facilita a comparaccedilatildeo da pobreza entre paiacuteses mas admitem que ele pode natildeo contemplar outros segmentos pobres Nesse sentido argumentam a favor da aplicaccedilatildeo de linhas nacionais especiacuteficas de pobreza em paiacuteses que apresentam altas estimativas de pobreza (Ameacuterica Latina e Caribe) 65 Ver anaacutelises de Kliksberg (1994 2001) e de Salama (1999 2002) referentes agraves dificuldades estruturais vivenciadas na Ameacuterica Latina criadas a partir do crescimento desordenado da pobreza e da desigualdade

273

KLIKSBERG 2001 p 21) enfatiza que ldquoa flexibilidade da pobreza ante o crescimento se

reduz quando a desigualdade eacute maiorrdquo Assim a possibilidade de as melhorias no

crescimento reduzirem efetivamente a pobreza depende diretamente do grau de

desigualdade66 Todos esses aspectos segundo o autor (2001 p 24) ldquocriam incertezas na

sociedade elevados graus de tensatildeo e tendecircncias agrave instabilidade poliacutetica e socialrdquo ao que

Kliksberg acrescenta ldquoser a equumlidade um meio de produzir ampliaccedilatildeo de mercados

internos reduccedilatildeo das distacircncias de remuneraccedilatildeo entre campo e cidade e produtividade do

trabalhordquo Perseguir a equumlidade portanto significa colocar em praacutetica ciacuterculos virtuosos

em campos estrateacutegicos para um efetivo desenvolvimento econocircmico-social fato que tem

sido comprovado na histoacuteria mundial e desmentido o mito de que em sociedades

desiguais poliacuteticas redistributivas desencorajam o investimento e prejudicam o

crescimento econocircmico Em verdade o quadro geral referente agrave realidade soacutecio-econocircmica

dos paiacuteses (centrais e perifeacutericos) demonstra que as sociedades que optaram por fortalecer

e melhorar a equumlidade social e por consolidar a democracia igualitaacuteria tiveram melhores

resultados econocircmicos sociais e poliacuteticos ainda que a longo prazo Calcado nessas

evidecircncias Kliksberg (2001) propotildee vias democraacuteticas eou linhas de trabalho e accedilatildeo que

considera centrais agraves accedilotildees estrateacutegicas de combate agrave pobreza e agrave desigualdade sugerindo

que as mesmas sejam incluiacutedas nas agendas puacuteblicas e nas constituiccedilotildees nacionais como

prioridade absoluta e como questatildeo de Estado pois a sua ausecircncia somada agrave natildeo

destinaccedilatildeo de recursos adequados constitui violaccedilatildeo agraves necessidades e aos direitos

humanos baacutesicos

Dentre as vias estrateacutegicas democraacuteticas apontadas este estudo ressalta trecircs

em particular A primeira apoacuteia-se na ideacuteia de que aplicar recursos para uma nutriccedilatildeo

adequada uma educaccedilatildeo qualificada uma boa sauacutede puacuteblica e para fomentar a cultura

popular eacute um investimento social (e natildeo um gasto social eou desvio de recursos do setor

socialnesse continente 66 Partindo dessas constataccedilotildees Kliksberg (2001p 21-25) enumera sete hipoacuteteses estrateacutegicas que a seu ver comprovam que investir na justiccedila com equidade social daacute resultados positivos Tais hipoacuteteses podem ser assim resumidas a) as possibilidades de melhorar o problema da pobreza satildeo muito diferentes em sociedades com altos niacuteveis de desigualdade em relaccedilatildeo a contextos em que haacute pouca desigualdade b) a reduccedilatildeo das desigualdades criam condiccedilotildees propiacutecias para um aumento significativo do investimento na formaccedilatildeo do capital humano c) uma estrateacutegia de melhoria da equidade pode influenciar favoravelmente as taxas de poupanccedilas nacionais d) a melhoria da equidade tem efeitos positivos sobre as possibilidades de desenvolvimento tecnoloacutegico baseado no conhecimento acumulado e) a melhor equidade cria tambeacutem condiccedilotildees favoraacuteveis ao fortalecimento e ao desenvolvimento do capital social f) os altos niacuteveis de desigualdade afetam duramente a tatildeo almejada governabilidade nas sociedades democraacuteticas gerando desconfianccedila e baixa credibilidade nos governos perda de legitimidade das instituiccedilotildees representativas do poder puacuteblico limitaccedilotildees ao respaldo social e reduccedilatildeo nas expectativas para as mudanccedilas necessaacuterias deixando pouca margem de manobra poliacutetica aos governos para as inovaccedilotildees

274

produtivo) com possibilidade de significativas taxas de retorno social A segunda reside na

ecircnfase dada ao papel e agrave funccedilatildeo histoacuterica do Estado mediante a efetiva implementaccedilatildeo de

poliacuteticas puacuteblicas Neste caso a questatildeo central natildeo estaacute no tamanho do Estado mas na sua

capacidade institucional de atender o interesse puacuteblico Ao Estado compete portanto

como dever ciacutevico e moral praticar uma ativa poliacutetica de investimentos na aacuterea social

particularmente em sociedades marcadas por deacuteficits sociais e promover poliacutetica de

arrecadaccedilatildeo fiscal justa e progressiva (natildeo regressiva) Fontes fiscais informam que na

Ameacuterica Latina apenas um terccedilo da arrecadaccedilatildeo fiscal provecircm de impostos diretos com

destinaccedilatildeo especiacutefica e dois terccedilos provecircm dos impostos indiretos o que configura um

modelo de regressividade fiscal na medida em que natildeo redistribui renda e natildeo altera os

iacutendices de desigualdade social Na Europa Ocidental a situaccedilatildeo eacute inversa Quase dois

terccedilos da arrecadaccedilatildeo fiscal provecircm de impostos diretos retidos progressivamente dos

contribuintes segundo seu patrimocircnio e rendimentos e apenas um terccedilo provecircm de

impostos indiretos Por fim a terceira via democraacutetica fundamenta-se na poliacutetica de

trabalho eou de emprego que natildeo pode ser tratada com medida meramente teacutecnica

(criteacuterios de crescimento do PIB) mas como estrateacutegia criativa que promova um

crescimento ldquode baixo para cimardquo

Constata-se assim o quanto processos agudos de polarizaccedilatildeo social aleacutem de

instituiacuterem um perfil de sociedade dual (aacutereas de modernidade convivendo naturalmente

com aacutereas de atraso) produzem profundas injusticcedilas e segregaccedilotildees Em decorrecircncia desse

processo a pobreza na Ameacuterica latina e no Brasil tem sido reproduzida de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo como se cumprisse um destino proacuteprio ou uma tendecircncia irreversiacutevel Para

enfrentar esse problema as poliacuteticas sociais puacuteblicas tecircm uma funccedilatildeo mediadora desde

que sejam efetivamente puacuteblicas e portanto incluam os segmentos apauperizados

Ademais observa-se que a presenccedila do binocircmio pobrezadesigualdade no

debate contemporacircneo evidencia dualismos paradoxos contradiccedilotildees e incompletudes

eacuteticas e ciacutevicas Tal afirmaccedilatildeo se aplicada ao caso brasileiro tem como jaacute analisado

raiacutezes antigas Como bem detectou Roberto Schwarz (apud TELLES 2001) no Brasil do

seacuteculo XIX ldquoos dualismos disparates e contrastes somados agrave experiecircncia de desconcerto

de uma sociedade que queria ser moderna cosmopolitana e civilizada jaacute conviviam

placidamente com a realidade da violecircncia do arbiacutetrio da iniquidade e com uma pobreza

desmedidardquo Jaacute agravequela eacutepoca a pobreza e a desigualdade social como expressatildeo da

ausecircncia de democracia e de cidadania ampliada jaacute se constituiacuteam traccedilos de uma sociedade

275

em que as relaccedilotildees de favor e de tutela definiam o padratildeo de sociabilidade (num contexto

da escravidatildeo) Atualmente o contexto histoacuterico eacute outro mas a incompletude histoacuterica da

democracia e da cidadania seja como causa ou consequecircncia da desigualdade social natildeo eacute

ineacutedita e continua a apresentar o mesmo desconcerto entre pobreza e modernidade apesar

de ser atravessada por outras mediaccedilotildees tais como desemprego estrutural aumento da

violecircncia associada ao narcotraacutefico tensotildees desencadeadas pelo processo de globalizaccedilatildeo e

do avanccedilo tecnoloacutegico (2001 p 11)

Essas questotildees redefiniram-se ao longo do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI mas

possuem as mesmas determinaccedilotildees no rastro do desenvolvimento capitalista Egrave nesse processo

de desenvolvimento exitoso que o Brasil no seacuteculo XXI natildeo obstante ser uma proacutespera

economia mundial continua a merecer o constrangedor tiacutetulo de paiacutes campeatildeo de concentraccedilatildeo

de renda e de riqueza Eacute esta particularidade que situa o Brasil na categoria de paiacutes injusto

aleacutem de ser desigual particularidade esta que merece ser destacada visto que ela natildeo encontra

similar nos paiacuteses sul-europeus que com ele partilham do modelo latino

82 Brasil uma realidade latina peculiar

Iacutendices e dados estatiacutesticos disponiacuteveis confirmam a premissa de que a

ausecircncia de redistribuiccedilatildeo de renda no Brasil historicamente foi e continua sendo um

processo marcado por injusticcedilas Com base nas leis capitalistas se natildeo houver uma efetiva

intervenccedilatildeo externa paradoxalmente quanto mais as forccedilas produtivas se desenvolverem

tanto maior seraacute a produccedilatildeo de riqueza construiacuteda pelo trabalho coletivo e maior seraacute sua

concentraccedilatildeo pelo capital E essa concentraccedilatildeo de riqueza acabaraacute por naturalizar o

apartheid social ou os mecanismos de uma sociedade dual Tal situaccedilatildeo eacute reveladora

tambeacutem do paciacutefico conviacutevio da sociedade brasileira com discrepacircncias e disparidades natildeo

soacute de classes mas de segmentos gecircnero cidades regiotildees A dualidade da sociedade

brasileira revela de um lado situaccedilotildees subhumanas e de outro altas taxas de

concentraccedilatildeo de renda com acentuados niacuteveis de qualidade de vida e de desenvolvimento

humano para alguns segmentos O fenocircmeno da apartaccedilatildeo social eacute agravado pela

existecircncia de uma histoacuterica cultura poliacutetica fisiologista patrimonialista e conservadora que

rechaccedila um padratildeo de civilidade (aqui entendido como padratildeo de conviacutevio e de

sociabilidade humana) em bases democraacuteticas No Brasil dados empiacutericos recentes

276

(IBGE 2002) comprovam que as tendecircncias agrave concentraccedilatildeo da riqueza tornaram-se tanto

ou mais pronunciadas do que as de renda

Pesquisa do IBGE divulgada em junho de 2003 referente aos dados relativos a

2001 e compilados na Siacutentese de Indicadores Sociais de 2002 confirma uma acentuada

desigualdade regional em todos os iacutendices analisados Segundo informaccedilotildees do presidente

deste instituto (2002) os dados revelam que do ponto de vista dos indicadores sociais

(sauacutede educaccedilatildeo) o paiacutes conseguiu avanccedilar com alguma evoluccedilatildeo mas no geral

permanece estaacutevel no seu padratildeo de desigualdade socialrdquo A pesquisa registra ainda

variaccedilotildees de rendimentos regionais dramaacuteticas em relaccedilatildeo aos iacutendices de distribuiccedilatildeo de

renda e salaacuterio dos trabalhadores ativos (com carteira assinada) e em relaccedilatildeo agraves taxas e

contribuiccedilotildees sociais para a Previdecircncia Social entre aposentados eou inativos O

rendimento meacutedio dos mais ricos da populaccedilatildeo ocupada ficou em R$ 274430 em 2001

enquanto a dos mais pobres atingiu apenas R$ 14985 No geral a metade (501) dos

trabalhadores ativos abordados pelos pesquisadores do IBGE ganham menos de meio a

dois salaacuterios miacutenimos A pesquisa mostra no entanto que natildeo houve mudanccedilas

significativas no indicador de concentraccedilatildeo de renda do paiacutes em relaccedilatildeo aos anos de 1990

uma vez que em 2001 133 da renda total foi apropriada pelo 1 mais ricos da

populaccedilatildeo enquanto 148 foram para os 50 mais pobres Natildeo houve variaccedilatildeo tambeacutem

no chamado Iacutendice de Gini que mede a desigualdade social (criteacuterio utilizado quanto mais

proacuteximo de 1 mais desigual eacute o paiacutes) O indicador meacutedio nacional (Gini) em 2001

ficou em 0566 Por esse criteacuterio a regiatildeo menos desigual eacute a Sul com o indicador de

0527 e no Nordeste mais uma vez registrou-se o pior indicador 0576

Portanto a realidade social e econocircmica brasileira baseada em dados e em

fatos reais natildeo deixa duacutevidas Natildeo se trata aqui de ausecircncia de paradiacutegmas ou de um

erro estrateacutegico Ao contraacuterio trata-se de uma estrateacutegia marcada por uma racionalidade

instrumental que privilegia os indicadores econocircmicos sobre os sociais Trata-se de um

movimento intriacutenseco ao atual ciclo econocircmico e poliacutetico do capital mundial (nacional e

internacional) preconizado pela nova direita (neoliberais e neoconservadores) que

ganhou a adesatildeo dos governos brasileiros das uacuteltimas deacutecadas Eacute nesse contexto de novas

orientaccedilotildees econocircmicas e de apropriaccedilatildeo dos lucros que se situa a discussatildeo da pobreza

e da desigualdade social fenocircmenos aqui entendidos como accedilotildees suficientes para a

reproduccedilatildeo do padratildeo miacutenimo de satisfaccedilatildeo de necessidades de sobrevivecircncia social Eacute

curioso observar como ateacute mesmo o valor do salaacuterio miacutenimo no Brasil jaacute se transformou

277

num eniacutegma natildeo soacute moral e eacutetico mas tambeacutem matemaacutetico visto que eacute difiacutecil entender

como as famiacutelias que o recebem conseguem sobreviver A questatildeo da redistribuiccedilatildeo de

renda no Brasil e sua estreita vinculaccedilatildeo com o fenocircmeno da apartaccedilatildeo social natildeo eacute um

tema ameno Trata-se de um tema complexo e polecircmico que causa desconforto pela

injusticcedila que produz Ateacute mesmo porque aceitar padrotildees miacutenimos como referecircncia de

civilidade significa agir com indiferenccedila diante de um padratildeo de vida indiacutegno de

milhares de famiacutelias

Entretanto a reaccedilatildeo puacuteblica contra essa indiferenccedila expressa na aceitaccedilatildeo

incondicional e acriacutetica dos programas de transferecircncia de renda de aceitaccedilatildeo internacional

ainda eacute incipiente no contexto brasileiro Efetivamente aqui ainda natildeo se tem clara a

definiccedilatildeo de um padratildeo de renda baacutesica que possa dar iniacutecio a um processo de reduccedilatildeo da

desigualdade social sem ferir direitos e estigmatizar a populaccedilatildeo assistida pois para o

imaginaacuterio coletivo brasileiro natildeo haacute outro mecanismo que assegure renda que natildeo seja

vinculado diretamente ao trabalho eou a uma atividade produtiva Ocorre que

particularmente no Brasil natildeo haacute trabalho para todos nem arremedos de poliacuteticas de pleno

emprego Hoje 50 dos cidadatildeos brasileiros estatildeo no mercado informal em decorrecircncia do

desemprego estrutural E nesse caso como atender aos cidadatildeos aptos ao trabalho mas que

estatildeo fora do mercado Outro agravante eacute que no contexto da loacutegica neoliberal que elege a

liberdade de mercado como fundamento da ordem social capitalista inaugura-se um novo

padratildeo de acumulaccedilatildeo uma nova foacutermula de organizaccedilatildeo do trabalho e um novo modelo de

produccedilatildeo voltada para novos mercados que repudiam a proteccedilatildeo social puacuteblica Portanto haacute

que se refletir com cuidado sobre as tendecircncias em curso e o significado do novo

ordenamento poliacutetico que estaacute sendo colocado entre capital trabalho e Estado quando se

sabe que tal ordenamento estaacute assentado explicitamente no princiacutepio de igualdade

meritocraacutetica em que com base na retoacuterica neoliberal as oportunidades estatildeo disponiacuteveis

para serem alccediladas no mercado conforme a competecircncia o meacuterito e o esforccedilo de cada um

Com efeito para a retoacuterica neoliberal as desigualdades sociais satildeo decorrecircncias

naturais das diferenccedilas individuais da incapacidade de uns em ter acesso agraves oportunidades

oferecidas pelo mercado e pela dinacircmica proacutepria das forccedilas produtivas do capital que conta

com competecircncias distintas Portanto contrapor-se a esse ideaacuterio significa reconhecer e

afirmar o Estado como garante de direitos e como uacutenica instacircncia com prerrogativa e poder

juriacutedico-formal para garantir benefiacutecios e serviccedilos sociais como bens puacuteblicos Em siacutentese

significa reconhecer de puacuteblico primeiro a funccedilatildeo reguladora do Estado como gestor do

278

desenvolvimento econocircmico e social e como esfera garantidora de direitos sociais (para aleacutem

da atribuiccedilatildeo de mero provedor de bens e serviccedilos) segundo a necessidade de se defender a

autonomia a dignidade e a cidadania como atributos de todo cidadatildeo independente do status

quo e da cultura na qual estaacute inserido terceiro reconhecer a dimensatildeo puacuteblica e

universalizadora das poliacuteticas sociais no sentido de garantir que a nenhum cidadatildeo brasileiro

seja permitido viver em condiccedilotildees subhumanas sem qualquer proteccedilatildeo social e econocircmica

e por fim promover a necessaacuteria ruptura com uma tradiccedilatildeo histoacuterica de relaccedilotildees sociais

conservadoras e de praacuteticas poliacuteticas assentadas em uma cultura de bases patrimonialistas e

clientelistas Trata-se portanto de uma decisatildeo de caraacuteter moral e ciacutevico alicerccedilada em uma

eacutetica social e em uma concepccedilatildeo de inclusatildeo que tambeacutem abarque as demandas e

necessidades de gecircnero de etnias de raccedila de idade dentre outras

O dilema brasileiro de lidar com uma sociedade profundamente dual eacute o de

como fazer para materializar a defesa da democratizaccedilatildeo do acesso aos bens e serviccedilos

como direito de todos em um mundo dominado pelo neoliberalismo em que as formas de

exploraccedilatildeo em vigecircncia ndash ao contraacuterio da exploraccedilatildeo direta como a que ocorreu na

dialeacutetica do senhor e do escravo nas sociedades escravista e feudal ndash satildeo mediatizadas por

argumentos que agora se pautam pelos conceitos de ldquoliberdade participaccedilatildeo e

solidariedaderdquo (PEREIRA 2000 p 95)

Nessas circunstacircncias como redistribuir renda de forma justa e igualitaacuteria

Trata-se sem duacutevida de uma iniciativa desafiadora face agrave retoacuterica hegemocircnica neoliberal

que preconiza a combinaccedilatildeo entre a concepccedilatildeo liberal claacutessica de igualdade de

oportunidades (mas natildeo substantiva de condiccedilotildees de acesso) e o princiacutepio tambeacutem claacutessico

de liberdade negativa (que nega a intervenccedilatildeo do Estado nas esferas individuais) Tudo

isso eacute reforccedilado com posturas de naturalizaccedilatildeo de processos sociais que denunciam o

aprofundamento estrutural da pobreza e da desigualdade no Brasil contemporacircneo que estaacute

a requerer medidas transformadoras aleacutem da mera distribuiccedilatildeo de renda Diante desses

fatos cabe indagar que razatildeo (ou desrazatildeo) move as sociedades em pleno seacuteculo XXI a

aceitarem conviver com uma fratura natildeo inoacutecua entre fortes e fracos vencidos e

vencedores e de manutenccedilatildeo de privileacutegios em detrimento dos direitos de cidadania sob a

retoacuterica neoliberal Retoacuterica essa que de forma reiterada enfatiza o financiamento do

capital agrave custa do trabalho e por extensatildeo a corrupccedilatildeo os desmandos poliacuteticos e a injusta

concentraccedilatildeo de renda No Brasil parece natildeo ter importacircncia que tudo isso ocorra no

acircmbito das discussotildees referentes agraves injusticcedilas sociais praticadas pelo mundo globalizado

279

da indefiniccedilatildeo de uma renda baacutesica justa e de paracircmetros mais democraacuteticos para o salaacuterio

miacutenimo nacional em relaccedilatildeo ao processo de redistribuiccedilatildeo de renda

Sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar que enfatiza a importacircncia da parceria

entre puacuteblico e privado ndash mas onde o privado (mercantil e natildeo mercantil) ganha notoriedade

ndash acentua-se na sociedade brasileira a distacircncia entre os enunciados legais e a realidade

nacional a exemplo do que vem acontecendo em acircmbito internacional Veja-se a rebeliatildeo

dos estudantes franceses em 2006 contra o governo que visando diminuir o peso das

responsabilidades sociais do Estado Providecircncia editou a lei do Contrato do Primeiro

Emprego (CPE) de acordo com a qual as empresas que contratassem jovens com menos de

26 anos poderiam demiti-los sem aviso preacutevio ou pagamentos de indenizaccedilotildees dentro de um

prazo de ateacute dois anos Tal reivindicaccedilatildeo natildeo deixa de expressar um flagrante repuacutedio de

parcela da sociedade agrave desregulamentaccedilatildeo do trabalho e de direitos sociais adquiridos bem

como uma clara demonstraccedilatildeo da inseguranccedila gerada pela falta de proteccedilatildeo social puacuteblica

num ambiente em que prevalece workfare sobre welfare Em relaccedilatildeo a essa prevalecircncia haacute

que se destacar que estaacute em curso desde os anos 1980 a mudanccedila do conceito de Estado de

Bem-estar (Welfare State) para o de Estado de trabalho (Workfare State) A grande

estrateacutegia neoliberal eacute de primar pelo incentivo agraves chamadas poliacuteticas ativas de trabalho que

nem sempre liberam o pobre da pobreza e da inseguranccedila social Pelo contraacuterio criam no

proacuteprio campo do trabalho dualismos que conforme Esping-Andersen (1995) separam

trabalhadores precarizados com baixos salaacuterios e sem proteccedilatildeo trabalhista (como vem

acontecendo nos Estados Unidos) de trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho

e protegidos socialmente Trata-se de uma tendecircncia em discussatildeo no chamado Primeiro

Mundo e que ainda natildeo encontrou devido equacionamento (GORZ 2004) Com efeito o

desemprego estrutural estaacute dando lugar a uma ampla variedade de programas de trabalho que

funcionam como contrapartida ou como preccedilo a pagar pelo desempregado que recebe

subsiacutedio social dos governos Colocado em outros termos a ideacuteia de manutenccedilatildeo de um

niacutevel miacutenimo de renda aos cidadatildeos desempregados ou desocupados estaacute condicionada agrave

obrigaccedilatildeo de prestaccedilotildees laborais (natildeo importa se sejam vis) Nessa poliacutetica a garantia de

direitos sociais natildeo estaacute mais em pauta visto que o objetivo a ser perseguido eacute a integraccedilatildeo

de segmentos sociais excluiacutedos agrave vida ativa em defesa do princiacutepio da coesatildeo social

Conforme Abrahamson (1997 p 77) nessas poliacuteticas ativas de trabalho

la novedad maacutes reciente haacute sido el fortalecimento de la forma especiacutefica de aplicar las poliacuteticas activas relativas al mercado laboral en los sistemas de

280

asistencia social Al contrario de lo que ocurre em los sistemas de seguridad social la activacioacuten en materia de asistencia social no es una opcioacuten o um derecho es una obligacioacuten

Essa situaccedilatildeo natildeo deixa de reproduzir ndash guardadas as devidas proporccedilotildees e

momentos histoacutericosndashas velhas e conservadoras formas disciplinares e punitivas das Poor

Laws (Leis dos Pobres) inglesas no auge da industrializaccedilatildeo pois como elas as

condicionalidade impostas para se fazer jus aos benefiacutecios puacuteblicos provocavam estigmas

constrangimentos e inseguranccedilas aos beneficiaacuterios

Para Bresson (apud STEIN 2005 p 173) a concepccedilatildeo de workfare coexiste com

uma concepccedilatildeo poacutes-fordista de renda de subsistecircncia incondicional que deveria preencher

a funccedilatildeo de indenizaccedilatildeo por desemprego total ou parcial A seu ver

a renda de subsistecircncia permite acelerar formidavelmente a desregulaccedilatildeo a precarizaccedilatildeo a flexibilizaccedilatildeo da relaccedilatildeo salarial substituindo-a por uma relaccedilatildeo comercial A renda contiacutenua por um trabalho descontiacutenuo revela assim suas armadilhas

Assim os programas de inserccedilatildeo centrados na ativaccedilatildeo do trabalho mediados

por uma assistecircncia que na verdade desassiste repotildeem as linhas divisoacuterias entre pobres

merecedores e natildeo merecedores ao mesmo tempo em repotildeem a concepccedilatildeo liberal-

conservadora de que a pobreza eacute um problema de iacutendole pessoal e individual Daiacute a

prevalecircncia de teses que enfatizam a responsabilidade dos indiviacuteduos pelo seu proacuteprio

bem-estar considerando inclusive as poliacuteticas de transferecircncia de renda como

paternalismo Esta loacutegica do workfare eacute a loacutegica do natildeo reconhecimento da cidadania por

estar vinculada ao natildeo-trabalho e por isso contrapotildee-se agrave loacutegica do welfare que de acordo

com Esping-Andersen (1994) reconhece a cidadania social exatamente pela sua

desvinculaccedilatildeo com trabalho subjugado aos ditames do capital Por fim trata-se o

workfare de uma nova medida ou de um novo mecanismo disciplinador do trabalho

precaacuterio (ou das condiccedilotildees precaacuterias de trabalho) Enfim de mais uma medida

estigmatizadora e de controle social dos segmentos excluiacutedos pelas elites no poder

Em tempos neoliberais percebe-se nessas tendecircncias a fragilidade da

democracia e da cidadania contemporacircneas Natildeo se trata mais de confundir provisatildeo social

(que de fato a sociedade tambeacutem pode fazer) com o conceito de seguridade eou de

proteccedilatildeo social como poliacutetica puacuteblica universal que somente se concretiza sob a garantia

do Estado e que expressa um bem puacuteblico como direito de todos Trata-se o conceito de

281

seguridade ou de proteccedilatildeo social de uma prerrogativa e de uma funccedilatildeo exclusiva do

Estado como parte constituinte e constitutiva da natureza intriacutenseca da esfera puacuteblica Esse

debate remete agraves diferentes formas de inserccedilatildeo na vida social como estrateacutegias de

pertencimento dos cidadatildeos

Ao comentar o jaacute referido desconcerto da pobreza no Brasil contemporacircneo do

final do seacuteculo XX e iniacutecio do XXI Telles (2001p 13)) afirma que ele ldquodiz respeito a

uma pobreza desmedida que faz reativar velhos dualismos nas imagens de um atraso que

ata o paiacutes agraves raiacutezes de seu passado e resiste tal como a forccedila da natureza agrave potecircncia

civilizadora do progressordquo Na base desta afirmaccedilatildeo reside a jaacute mencionada situaccedilatildeo

paradoxal entre a dinacircmica empreendida pela sociedade brasileira que se fez moderna a

partir dos anos 1980 e a comprovaccedilatildeo empiacuterica (IBGE 20012002) da prevalecente

pobreza desmedida67 que expressa um espetaacuteculo jamais visto na histoacuteria latino-americana

e brasileira Isto eacute de uma pobreza nos termos de Telles (2001 p 15) que ldquojaacute ultrapassou

as fronteiras da vida civilizada e do bom sensordquo num paiacutes que a rigor natildeo eacute pobre Eacute nesse

cenaacuterio de iniquumlidades e injusticcedilas sociais que a pobreza brasileira se tornou um eniacutegma

pois ao mesmo tempo em que desafia inteligecircncias por natildeo conseguir traduzir direitos de

cidadania proclamados na Constituiccedilatildeo apresenta-se como um dilema e uma ameaccedila agrave

democracia igualitaacuteria

A figuraccedilatildeo da pobreza tal como aparece na sociedade brasileira corresponde

a uma concepccedilatildeo de Estado e de sociedade em que os direitos natildeo fazem parte das regras

que organizam a vida social Por isso eacute importante destacar o que este estudo entende por

pobreza absoluta e pobreza relativa A condiccedilatildeo de pobreza absoluta eacute caracterizada por

uma privaccedilatildeo severa das necessidades humanas baacutesicas A caracterizaccedilatildeo da pobreza

relativa implica levar em conta a trajetoacuteria histoacuterica as caracteriacutesticas e os valores da

sociedade onde se manifesta No geral a pobreza relativa eacute calculada com base na renda

per capita do paiacutes e em relaccedilatildeo ao PIB nacional

No Brasil a pobreza aparece despojada da dimensatildeo eacutetica e o debate eacute

dissociado da noccedilatildeo de liberdade de igualdade e de justiccedila social porque aqui a

cidadania eacute definida como privileacutegio de classe E aiacute estaacute o fundamento do enigma no dizer

de Telles (2001) a pobreza brasileira contemporacircnea potildee em foco a tradiccedilatildeo conservadora

patriarcal e autoritaacuteria da sociedade O eniacutegma continua na medida em que ela persiste

como desafio social em diferentes conjunturas poliacuteticas sociais e econocircmicas A ideacuteia que

67 O registro recente de indicadores sociais do IBGE (20012002) confirma essa incivilidade

282

prevalece como consciecircncia puacuteblica acerca da sua existecircncia eacute a de atraso cultural como

um pesado tributo do passado que precisa ser superado com a modernidade O que nunca

existiu no Brasil (se existiu natildeo foi suficiente) foi uma cultura poliacutetica capaz de construir

uma opiniatildeo puacuteblica criacutetica no sentido de colocar o combate agrave pobreza e agrave desigualdade

social no horizonte da cidadania e da democracia Trata-se portanto de um grande desafio

na medida em que materializar essa ideacuteia implica questionar a forte e injusta estrutura de

poder e de privileacutegios (e natildeo de direitos) Por isso natildeo basta fazer o que Schwarz jaacute

sagazmente observara que no Brasil ldquoa pobreza eacute notada e eacute registrada mas a anotaccedilatildeo

natildeo justifica e o real natildeo se constitui como referecircncia cognitiva e valorativardquo (apud

TELLES 2001 p 20)

Por isso diz Telles (2001)

eacute essa a matriz da incivilidade que atravessa de ponta a ponta a vida social brasileira () incivilidade que se ancora num imaginaacuterio persistente que fixa a pobreza como marca da inferioridade modo de ser que descredencia indiviacuteduos para o exerciacutecio de seus direitos (p 21)

Assim o problema do que eacute justo ou injusto sequer eacute colocado em debate

assim como natildeo se constroacutei uma figura moderna do cidadatildeo E segundo Santos (1979)

isso induz tambeacutem a uma noccedilatildeo de cidadania dissociada de valores eacuteticos e de liberdade

poliacutetica porque estaacute mais vinculada ao pertencimento corporativo do indiviacuteduo ou seja ao

lugar que ele ocupa no processo produtivo Daiacute seu conceito de cidadania regulada ao

afirmar que a carteira de trabalho mais do que uma evidecircncia trabalhista transformou-se

em uma certidatildeo de nascimento ciacutevico Isso explica porque no Brasil os benefiacutecios sociais

garantidos pelo Estado continuam vinculados ao valor das contribuiccedilotildees fixadas a partir da

renda adquirida por meio do trabalho Isso significa dizer tambeacutem que o acesso aos direitos

sociais na praacutetica dissocia-se de uma condiccedilatildeo inerente de cidadania Um outro paradoxo

presente na sociedade brasileira eacute o de que a proacutepria lei que garante a todos proteccedilatildeo

social termina por consagrar desigualdades e anular os efeitos redistributivos das

poliacuteticas sociais (DRAIBE 1990) Assim a mesma lei que promete igualdade legitima e

universaliza direitos repotildee hierarquias introduzindo segmentaccedilotildees e ainda destituindo os

indiviacuteduos de suas titularidades ciacutevicas Contudo eacute exatamente essa tensatildeo entre

ldquofiguraccedilatildeo puacuteblica da pobreza e a cidadaniardquo que oferece na compreensatildeo de Telles

(2001 p 58 a possibilidade de se problematizar a destituiccedilatildeo de direitos aqui perpetrados

Isso quer dizer que a questatildeo da pobreza e da desigualdade social na Ameacuterica Latina e

283

particularmente no Brasil poderaacute ser portadora da possibilidade de ser alccedilada a horizontes

democraacuteticos caso seja conduzida no sentido de reverter o referido padratildeo cultural de

incivilidade brasileira (2001) e de recriar no discurso oficial uma nova linguagem puacuteblica

dos direitos de cidadania E mais caso o sistema tributaacuterio brasileiro deixe de ser

regressivo e portanto de onerar mais as classes menos abastadas

Contemporaneamente segundo dados da FIPE a proporccedilatildeo eacute de 10 dos

cidadatildeos ricos que tecircm acesso (ou para usar sua expressatildeo dos que amealham) a 34 do

total de benefiacutecios sociais contra 60 do total dos pobres em face dos mesmos

percentuais de benefiacutecios Como fator agravante e ao mesmo tempo justificador dessa

defasagem eacute bom lembrar que o paradigma econocircmico orientador desse modelo assim

como do modelo previdenciaacuterio de capitalizaccedilatildeo (que incentiva a previdecircncia privada e

promove a privatizaccedilatildeo gradativa da previdecircncia) passou a ser o modelo monetarista de

Hayek e natildeo mais o keynesiano-fordista de proteccedilatildeo social

Vecirc-se assim que sob o domiacutenio neoliberal reeditam-se no Brasil velhas

praacuteticas sociais que com o pretexto de pluralizar as poliacuteticas sociais privilegiam a auto-

ajuda a ajuda muacutetua e accedilotildees voluntaacuterias em detrimento da participaccedilatildeo efetiva do Estado

como garante de direitos E consequentemente a resistecircncia neoliberal a uma justa

redistribuiccedilatildeo de renda acaba acentuando os processos de apartaccedilatildeo social e de histoacutericas

desigualdades sociais Isso porque a definiccedilatildeo de um padratildeo societaacuterio de civilidade eacute

incompatiacutevel com os princiacutepios de residualidade regressividade focalizaccedilatildeo e seletividade

que passaram a presidir as relaccedilotildees entre Estado e sociedade civil sob orientaccedilatildeo neoliberal

Donde resulta a necessidade de se ter claro que natildeo se pode separar democracia social de

democracia poliacutetica e muito menos confundi-las com supremacia econocircmica

83 Brasil A Experiecircncia das Poliacuteticas Sociais em dois periacuteodos histoacutericos 1930- 1988

e 1989-2001

831 Caracteriacutesticas particularidades e paracircmetros organizadores

Chamam a atenccedilatildeo significativas mudanccedilas ocorridas contemporaneamente na

proteccedilatildeo social brasileira as quais passaram a se configurar como tendecircncias que devem

ser explicitadas Draibe (1990) ao tomar a tipologia de Ascoli (1984 p 10) como

284

referecircncia afirma que a proteccedilatildeo social no Brasil apresenta-se no geral ateacute o final dos

anos 1980 com um perfil ldquomeritocraacutetico-particularista de conotaccedilatildeo corporativistardquo A

autora chega a esse perfil apoacutes identificar paracircmetros que denomina de organizadores das

poliacuteticas de bem-estar considerados por ela como importantes tais como os binocircmios

seguranccedilainseguranccedila social universalismoseletividade eou particularismos

redistribuiccedilatildeocriteacuterios meritocraacuteticos dentre outros

Para ela o modelo de bem-estar brasileiro apresentou ateacute os anos 1980

tendecircncias pouco universalizantes e portanto natildeo redistributivas Esse quadro se agrava

com a sua organizaccedilatildeo segundo padratildeo residual e compensatoacuterio o que explica o baixo

desempenho de tais poliacuteticas na alteraccedilatildeo dos iacutendices de pobreza e de desigualdade social

No Brasil historicamente foi-se estruturando um padratildeo de proteccedilatildeo social marcado por

um modelo de desenvolvimento econocircmico capitalista dependente tardio que sempre

refletiu e ao mesmo tempo foi (e continua sendo) condicionado por processos poliacuteticos e

econocircmicos gerados pela influecircncia das economias dos paiacuteses centrais Daiacute a histoacuterica

cultura de dependecircncia do Brasil em relaccedilatildeo a esses paiacuteses tambeacutem no campo da proteccedilatildeo

social ndash haja vista a tardia incorporaccedilatildeo do sistema de seguridade social na Carta Magna

como a de 1988

Sabe-se que soacute em 1930 sob o governo de Getuacutelio Vargas o Estado brasileiro

passou a administar poliacuteticas sociais Poreacutem as accedilotildees do Estado se limitavam a gestotildees

emergenciais e ao aliacutevio de necessidades sociais baacutesicas dos trabalhadores dos grandes

centros urbanos As reivindicaccedilotildees desses segmentos eram atendidas de forma residual e

fragmentada Natildeo se discutia um miacutenimo de renda como provisatildeo social para aleacutem dos

setores trabalhistas (PEREIRA 2003) Entre 1937-1945 sob um regime ditatorial (por sinal

um fato recorrente na Ameacuterica Latina e no Brasil) cresceu o nuacutemero de operaacuterios

assalariados e ampliou-se a consciecircncia dos trabalhadores de que era preciso lutar pelos seus

direitos Houve um Pacto entre as elites na construccedilatildeo de um embriatildeo do modelo de

proteccedilatildeo social Foram tomadas iniciativas isoladas no campo da previdecircncia social e dos

seguros sociais e instituiacutedas leis trabalhistas o salaacuterio miacutenimo feacuterias remuneradas jornada

de trabalho de 08 horas diaacuterias proteccedilatildeo ao trabalho da mulher e do menor dentre outras

Em 1943 essas leis foram reunidas na Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT) sendo

antes criado dentre outros o Ministeacuterio do Trabalho e o Conselho Nacional de Serviccedilo

Social (CNSS em 1938) com o objetivo deste uacuteltimo de fiscalizar as accedilotildees da assistecircncia

social em instituiccedilotildees privadas Em que pesem essas iniciativas e inovaccedilotildees no campo do

285

trabalho e da proteccedilatildeo social o modelo getulista corporativista de perfil populista

caracterizou-se por implementar uma poliacutetica trabalhista restrita privilegiando algumas

categorias profissionais e segmentos sociais em detrimento de outros As concessotildees

trabalhistas foram feitas mais como controle social das greves e movimentos operaacuterios

implementando um sistema de seguro social (e natildeo de seguridade social puacuteblica na

perspectiva de direitos) mediante a criaccedilatildeo dos Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo da

Previdecircncia Social (IAPs) em substituiccedilatildeo agraves Caixas de Aposentadoria e de Pensatildeo (CAPs)

antes de caraacuteter privado Vargas buscava a adesatildeo das massas e o atrelamento dos sindicatos

dos trabalhadores ao Estado pela via da cooptaccedilatildeo controle das eleiccedilotildees e das financcedilas da

troca de favores e de outras atividades em que o executivo buscava a legitimaccedilatildeo do Estado

e de seu governo junto aos segmentos sociais mais pobres (1937-1945)

Do ponto de vista da proteccedilatildeo social cumpre caracterizar esse primeiro arranjo

de proteccedilatildeo social brasileiro como centralizador limitado tutelador fragmentado

corporativista paternalista personalista e desigual (na distribuiccedilatildeo de seguros e benefiacutecios

sociais) com prevalecircncia da loacutegica contratualista Enfim um modelo marcadamente

populista com ausecircncia de garantias de direitos de cidadania Nele assistecircncia e cidadania

eram vistos como sinocircnimos de tutela do Estado e de benemerecircncia Fazia-se a junccedilatildeo de

obras de caridade e de filantropia com accedilotildees clientelistas de primeiras damas Em 1942

criou-se a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia ndash LBA para atender agraves famiacutelias dos pracinhas

que participaram na Segunda Guerra Mundial

De 1945 a 1964 o paiacutes contou com a gestatildeo dos governos Dutra (1945) (as

diretrizes poliacuteticas de seu governo sofreram forte influecircncia da conjuntura internacional do

segundo poacutes-guerra) Juscelino Kubitscheck (eleito em 1955-1960 que criou o Plano de

Metas ndash 50 anos em 5) - um governo marcado pela liberdade democraacutetica e por diversas

realizaccedilotildees administrativas e grandes obras puacuteblicas agrave custa de empreacutestimos e

investimentos estrangeiros com significativo aumento da diacutevida externa e dos gastos

puacuteblicos Jacircnio Quadros (com apenas 07 meses de duraccedilatildeo) que defendeu uma poliacutetica

externa independente tomou medidas que surpreenderam os grupos que o apoiaram e natildeo

contou com as forccedilas poliacuteticas organizadas dos trabalhadores para se manter no poder

terminando por renunciar Joatildeo Goulart (Jango) que adotou uma linha de governo

nacionalista formalizou uma estrateacutegia soacutecio-econocircmica por meio do Plano Trienal de

Desenvolvimento Econocircmico e Social e anunciou um conjunto de medidas poliacuteticas que

ficaram conhecidas como reformas de base agraacuteria urbana educacional eleitoral e

286

tributaacuteria Do ponto de vista de medidas no campo da proteccedilatildeo social Joacirco Goulart criou o

deacutecimo-terceiro salaacuterio o salaacuterio famiacutelia para o trabalhador urbano e promulgou a Lei

Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 visando a unificaccedilatildeo e a universalizaccedilatildeo

dos benefiacutecios e serviccedilos sociais prestados pelos antigos Institutos de Aposentadoria e

Pensatildeo (IAPs) em um uacutenico organismo (INPS) bem como a padronizaccedilatildeo da qualidade da

assistecircncia meacutedica com a criaccedilatildeo de um novo Coacutedigo Sanitaacuterio Inegavelmente o governo

de Jango apresentou propostas e medidas mais progressistas no campo das poliacuteticas sociais

em relaccedilatildeo aos anteriores sem contudo associaacute-los agrave cidadania

No periacuteodo de 1964 a 1985 prevaleceu o segundo arranjo de proteccedilatildeo social

que se pode denominar tecnocraacutetico-empresarial-milita assistencialista tambeacutem

ditatorial Nele houve modificaccedilatildeo na concepccedilatildeo e conteuacutedo do Estado que deixou de ser

uma organizaccedilatildeo populista para tornar-se tecnocraacutetica e centralizadora (PEREIRA 2004)

A presenccedila conservadora do bloco militar no poder acentuou as desigualdades sociais

Vigoraram medidas de censura e repressatildeo com ausecircncia de direitos civis e poliacuteticos e de

eleiccedilotildees diretas Adotaram-se em nome de uma Poliacutetica de Seguranccedila Nacional medidas

violentas contra os opositores do regime (torturas exiacutelios mortes) Prevaleceu tambeacutem

um restrito pacto de dominaccedilatildeo entre civis e militares (PEREIRA 2004) com ausecircncia de

participaccedilatildeo do povo nos processos decisoacuterios da naccedilatildeo Em 1966 foi criado o Instituto

Nacional de Previdecircncia Social (INPS) Nesse periacuteodo a poliacutetica social era vista como

decorrecircncia natural do desenvolvimento econocircmico ou como um complemento da

economia Em contrapartida fez-se a mais profunda mudanccedila nas relaccedilotildees trabalhistas

com extinccedilatildeo da estabilidade no trabalho e esvaziamento do poder de pressatildeo dos

sindicatos e de suas funccedilotildees (Governo Castelo Branco ndash 1964-1966) O Governo de Costa

e Silva (1967-1969) reafirmou o modelo autoritaacuterio criou o Plano Estrateacutegico de

Desenvolvimento (PED) e a poliacutetica social continuou a serviccedilo da rentabilidade

econocircmica sem qualquer preocupaccedilatildeo com o atendimento das necessidades sociais

baacutesicas Na verdade as poliacuteticas sociais continuaram a ser utilizadas como formas

estrateacutegicas de controle do Estado sobre a sociedade civil

Em 1971 apesar do arrocho salarial ampliou-se a cobertura social da

Previdecircncia No periacuteodo entre 1970-1973 intensificaram-se as medidas repressivas aos

direitos civis e poliacuteticos e o uso dos instrumentos de exceccedilatildeo (Ato Institucional nordm 5 ndash AI-5

e outros) pelos militares Este periacuteodo foi considerado o da gestatildeo de governo mais

autoritaacuteria do regime militar (governo Meacutedici)

287

Entre 1974 e 1979 o governo de Geisel deu iniacutecio agrave abertura poliacutetica A deacutecada

de 1970 foi marcada por grandes mobilizaccedilotildees da sociedade civil Em 1974 foi criado o

Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) com incorporaccedilatildeo da LBA

(Fundaccedilatildeo do Bem-estar do Menor (Funabem)) e (Central de Medicamentos (CEME))

Nesse ano (1974) instituiu-se como medida previdenciaacuteria a renda mensal vitaliacutecia no

valor de um salaacuterio miacutenimo para idosos pobres com mais de 70 anos e pessoas invaacutelidas

para o trabalho (com miacutenimo de 01 ano de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia) Em 1977 o

Sistema Previdenciaacuterio foi unificado no SINPAS que incorporou os Institutos Instituto

Nacional de Previdecircncia Social (INPS) Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica e de

Prevdecircncia Social (INAMPS) e Instituto de Aposentadoria Pensocirces e Assistecircncia Social-

IAPAS Foi ainda regulamentada a previdecircncia privada Nesse contexto predominava um

modelo desigual a classe meacutedia usufruiacutea os Planos de Sauacutede os ricos tinham atendimento

no setor privado os pagantes da previdecircncia tinham assegurados os benefiacutecios e os seguros

sociais e os pobres continuavam dependendo da caridade e da filantropia E mais o Brasil

natildeo chegou a transformar-se na potecircncia econocircmica emergente como predendia Geisel

Entre 1980-1985 o governo Figueiredo deu continuidade agrave abertura poliacutetica

Houve avanccedilos em relaccedilatildeo aos direitos civis e poliacuteticos tais como a anistia aos presos

poliacuteticos em 1979 com restituiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos aos cidadatildeos cassados pelo

regime militar eleiccedilatildeo para governadores (1982) ampla campanha popular pela Diretas Jaacute

(eleiccedilotildees diretas para a Presidecircncia da Repuacuteblica) e convocaccedilatildeo da Assembleacuteia Nacional

Constituinte (1986) Contudo no campo das poliacuteticas sociais houve retrocesso com

reduccedilatildeo e contenccedilatildeo dos gastos sociais e medidas anti-sociais como nas aacutereas de

assistecircncia meacutedica e previdenciaacuteria e na aacuterea de habitaccedilatildeo

A elevaccedilatildeo do deacuteficit puacuteblico e o endividamento externo seguidos de grave

crise fiscal do Estado redundaram em um desgastante processo de negociaccedilatildeo

corporativista entre Estado e sociedade civil com grande relutacircncia do governo militar em

facilitar a passagem de um regime de exceccedilatildeo para um regime de direitos Contudo foram

crescentes as pressotildees da sociedade civil incluindo setores das camadas populares

reivindicando a ampliaccedilatildeo da democracia e da cidadania com melhorias concretas nas suas

condiccedilotildees de vida haja vista o aumento do desemprego e da pobreza a queda real dos

salaacuterios o aumento da diacutevida puacuteblica e da inflaccedilatildeo

Ressalta-se neste estudo a percepccedilatildeo de como o sistema de proteccedilatildeo social

brasileiro em sua construccedilatildeo e trajetoacuteria histoacuterica sempre buscou suplementar-se por

288

mecanismos assistenciais compensatoacuterios como substitutivos da ideacuteia de miacutenimos sociais

antes mesmo da implementaccedilatildeo das primeiras experiecircncias com programas de

transferecircncia de renda miacutenima Chama atenccedilatildeo esse aspecto suplementar como uma praacutetica

poliacutetica utilizada desde os primeiros anos da deacutecada de 1980 sob o impacto da crise

econocircmica (DRAIBE1990) Assim ldquomais que universalizar-se ou caminhar na direccedilatildeo

dos miacutenimos sociais garantidos a toda a cidadania o sistema brasileiro de proteccedilatildeo social

avanccedilou na trilha de suplementar-se por mecanismos assistenciaisrdquo (Draibe 1990 p 10-

11) com programas variados no acircmbito de um Estado fragilizado

Os programas de distribuiccedilatildeo gratuita de bens e serviccedilos sociais

(suplementaccedilatildeo alimentar de renda creches e outros) natildeo garantiram condiccedilotildees miacutenimas

no sentido de atenccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas dos segmentos mais carentes Esses

programas sempre operaram de forma precaacuteria descontiacutenua pois nem sempre eram

avaliados e institucionalizados carecendo de planejamento e melhor definiccedilatildeo

Considerados como a face pobre da poliacutetica social tenderam sempre a se tornar campo

feacutertil para praacuteticas assistencialistas e tuteladoras com conotaccedilatildeo corporativista

caracteriacutesticas que sempre marcaram os sistemas de proteccedilatildeo de base meritocraacutetico-

particularista como o brasileiro O caraacuteter clientelista contudo sempre foi o que mais

afetou as poliacuteticas sociais nacionais pois deu-se de diversas formas A literatura especiacutefica

faz vaacuterias referecircncias no passado (aposentadorias) agraves relaccedilotildees de notoacuterios privileacutegios na

alocaccedilatildeo de recursos (criteacuterios de partilha no proacuteprio movimento de expansatildeo do sistema

na distribuiccedilatildeo de benefiacutecios sociais em periacuteodos eleitorais e outros)

A partir dos anos 1970 e apoacutes a abertura do sistema poliacutetico brasileiro apoacutes

1985 cresceu muito a dimensatildeo clientelista no espaccedilo das poliacuteticas sociais extrapolando o

campo previdenciaacuterio Nas aacutereas da educaccedilatildeo habitaccedilatildeo sauacutede a dimensatildeo corporativista

e clientelista ganhou importacircncia junto a setores e categorias identificados com os criteacuterios

adotados pelo sistema previdenciaacuterio (meacutedicos parameacutedicos etc)68 Nesse contexto o

sistema previdenciaacuterio expandiu-se de forma acelerada incorporando outras categorias

(profissionais liberais autocircnomos empregados domeacutesticos e outros)69

68 Nos aos 1970 abriu-se o atendimento de urgecircncia a toda a populaccedilatildeo pela via da chamada medicina previdenciaacuteria com recursos das contribuiccedilotildees previdenciaacuterias em detrimento de serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que deveriam ser prestados pelo Ministeacuterio da Sauacutede e pelas Secretarias estaduais e municipais de forma gratuita e financiada com recursos de origem fiscal (Draibe 1990 p 12) 69 Por volta de 1985 foi estimado em cerca de 25 milhotildees o nuacutemero de segurados que com seus dependentes fazia com que a clientela previdenciaacuteria atingisse a casa dos 100 milhotildees de brasileiros (Draibe 1990 p 12)

289

Entretanto apoacutes vaacuterias tentativas de estabilizaccedilatildeo econocircmica no decorrer dos

anos 1970 (deacutecada marcada pela grande crise do modelo keynesiano de proteccedilatildeo social nos

paiacuteses capitalistas centrais) o Brasil chegou a conviver em 198370 com uma inflaccedilatildeo de

211 e uma diacutevida externa que saltou de 435 bilhotildees de doacutelares em 1979 para 100

bilhotildees de doacutelares em 1984 (FIORI apud STEIN 2005 p 124) Contudo paralelamente a

esse quadro de instabilidade poliacutetica econocircmica e social internacional no Brasil havia sido

gestado nos anos 1980 um amplo movimento social e poliacutetico em defesa da

democratizaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e da modernizaccedilatildeo das instituiccedilotildees econocircmicas

Estava em curso o processo de instalaccedilatildeo da Assembleacuteia Nacional Constituinte para a

elaboraccedilatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal em 1988 (em vigecircncia) e a gestatildeo da crise por

meio das poliacuteticas econocircmicas da chamada Nova Repuacuteblica (pacto de transiccedilatildeo de um

regime poliacutetico de exceccedilatildeo para um regime democraacutetico) Do ponto de vista econocircmico eacute

possiacutevel afirmar que naquele contexto o Brasil marchava na contramatildeo do ideaacuterio

neoliberal agrave medida que a economia brasileira revelava iacutendices positivos ateacute se fazer a

opccedilatildeo pelos empreacutestimos externos junto aos organismos multilaterais com altas taxas de

juros flutuantes Nesse contexto segundo Pereira (2000 p 153) a Constituiccedilatildeo foi

rotulada pelas forccedilas conservadoras ldquoora como inviaacutevel por remar contra a corrente

neoliberal dominante ora de inconsequumlente por conter nas palavras de efeito de Roberto

Campos ldquopropostas suecas com recursos moccedilambicanosrdquo Com base em tais argumentos e

a partir de tais roacutetulos eacute que se desenvolveu a tese neoliberal da ingovernabilidade e da

restriccedilatildeo aos excessivos direitos sociais

Sabe-se que na Europa ao final dos anos 1980 a adesatildeo ao neoliberalismo se

deu pela socialdemocracia No Brasil quem reproduziu a conversatildeo de forccedilas de centro-

esquerda para a retoacuterica neoliberal foi o governo de Fernando Henrique Cardoso

(FHC1995-2002) Este governo na opiniatildeo de Sader (2003 p 106) conseguiu

redirecionar o consenso nacional e mobilizar a opiniatildeo puacuteblica contra o Estado Social

(estatismo) e contra seu papel de instacircncia implementadora e reguladora das relaccedilotildees

sociais e econocircmicas (regulacionismo) FHC implementou com rigor no primeiro ano de

seu primeiro mandato como presidente da Repuacuteblica as primeiras poliacuteticas de ajuste fiscal

como eixo das estrateacutegias de ajuste estrutural neoliberal Tais poliacuteticas jaacute haviam sido

70 Nesse contexto de mudanccedilas estruturais (periacuteodo de 1986 a 1989) o Brasil experimentou trecircs Planos heterodoxos baseados nas poliacuteticas pactuadas com o FMI quais sejam Plano Cruzado (1986) Plano Bresser (1987) e Plano Veratildeo (1989) Os PPS foram concebidos como programas emergenciais de combate agrave fome ao desemprego e agrave miseacuteria

290

formuladas em 1990 no governo Collor mas foram interrompidas em 1992 com o

impeachment deste presidente

Contudo ao contraacuterio do que os neoliberais defendiam o modelo econocircmico

proposto assentado em poliacuteticas de ajuste fiscal natildeo gerou no Brasil e nem na Ameacuterica

Latina a prometida estabilidade e natildeo produziu o desenvolvimento econocircmico anunciado

Em consequumlecircncia natildeo conseguiu aliviar a situaccedilatildeo de pobreza e de desigualdade social

Hoje apesar da expansatildeo no nuacutemero de segurados previdenciaacuterios e de seus dependentes

bem como a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos sociais e programas de transferecircncia de renda as

intenccedilotildees redistributivas das poliacuteticas sociais brasileiras ainda satildeo uma promessa Mesmo

assim pode-se dizer que houve avanccedilos sociais significativos a partir da promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assim sintetizados

a) defesa de monopoacutelios estatais como petroacuteleo setor de comunicaccedilotildees etc

b) incorporaccedilatildeo na agenda puacuteblica de termos e conceitos como direitos sociais e

democracia direta Uma grande inovaccedilatildeo foi a inclusatildeo do conceito de seguridade

social ateacute entatildeo inexistente no paiacutes como um complexo poliacutetico-institucional que

compreende direitos universais como direito do cidadatildeo e dever do Estado e pela

primeira vez vinculou-se o conceito de seguridade social agrave cidadania

independentemente da condiccedilatildeo salarial do trabalhador

c) criaccedilatildeo de um Pacto Federativo com ecircnfase nos princiacutepios da descentralizaccedilatildeo e da

municipalizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais no controle democraacutetico eem um modelo de

gestatildeo participativa com maior transparecircncia em relaccedilatildeo aos mecanismos de

financiamento e de gasto social Indiscutivelmente estava em debate a definiccedilatildeo de

princiacutepios claros tanto para essas dimensotildees eou eixos programaacuteticos das poliacuteticas

sociais (gestatildeo controle democraacutetico e financiamento) quanto para a reestruturaccedilatildeo

qualificaccedilatildeo e democratizaccedilatildeo dessa aacuterea em um sentido mais amplo com maior

comprometimento do Estado e da sociedade civil

d) ecircnfase aos princiacutepios de inclusatildeo social e de universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e

serviccedilos sociais como direitos bem como agraves propostas de expansatildeo da cobertura de

atendimento dos programas na aacuterea social Tambeacutem foram debatidos os princiacutepios da

equidade (justiccedila redistributiva) e o afrouxamento do viacutenculo contributivo como

condiccedilatildeo e exigecircncia de acesso aos direitos sociai No campo do financiamento foi

incorporado o debate sobre o caraacuteter redistributivo das poliacuteticas sociais mediante uma

291

poliacutetica social compatiacutevel com o niacutevel soacutecio-econocircmico dos contribuintes (variaccedilatildeo

dos percentuais com base na renda) Essa discussatildeo foi incluiacuteda como ponto de pauta

na proposta de reforma da previdecircncia e continua sendo objeto de grandes polecircmicas

e) ampliaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia da classe trabalhadora a respeito dos seus direitos

constituindo o embriatildeo de uma nova cultura poliacutetica no paiacutes

f) garantia da relaccedilatildeo entre direito e poliacutetica social e o entendimento desta como

instrumento prestador de bens e serviccedilos sociais de qualidade categorizados como

direitos sociais tendo em vista o atendimento das necessidades sociais baacutesicas dos

cidadatildeos

g) inclusatildeo do debate sobre a recuperaccedilatildeo de patamares miacutenimos que deveriam atender

agraves necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo bem como sobre a redefiniccedilatildeo dos valores

referentes aos seguros e benefiacutecios sociais repassados agora com amparo em lei aos

segmentos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social (risco pessoal eou social) Buscou-

se instituir tambeacutem uma tardia poliacutetica de renda miacutenima ou de transferecircncia de renda

h) inclusatildeo pela primeira vez na histoacuteria poliacutetica do paiacutes da assistecircncia social (como

proposta de satisfaccedilatildeo de miacutenimos sociais em atenccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas) na

condiccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica componente integral do sistema de seguridade social A

assistecircncia social ganhou assim o status de poliacutetica social puacuteblica organizada em

sistema descentralizado e participativo recebendo portanto nova configuraccedilatildeo

conceitual e poliacutetico-institucional

i) unificaccedilatildeo da aacuterea da sauacutede por estar ligada agrave proteccedilatildeo e agrave manutenccedilatildeo da vida em

que pese o aprofundamento nessa aacuterea do processo de privatizaccedilatildeo Passou-se dessa

forma a garantir o acesso puacuteblico universal gratuito e igualitaacuterio mediante uma rede

de serviccedilos (Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS) de forma integrada descentralizada

regionalizada e municipalizada O SUS foi considerado a proposta que melhor

incorporou o princiacutepio da universalizaccedilatildeo

j) a previdecircncia social foi rediscutida e assumiu novo perfil em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo

dos seguros e benefiacutecios previdenciaacuterios Promoveram-se significativos avanccedilos em

relaccedilatildeo ao debate sobre o criteacuterio de progressividade da poliacutetica tendo como fonte

principal de recursos contribuiccedilotildees progressivas diretas e com destinaccedilatildeo especiacutefica

Aleacutem disso foram tomadas iniciativas democraacuteticas tais como

292

a) a equalizaccedilatildeo e igualizaccedilatildeo dos direitos entre trabalhadores urbanos e rurais

b) definiccedilatildeo de criteacuterios de seletividade positiva com inclusatildeo na seguridade social de

segmentos populacionais de baixa renda

c) ampliaccedilatildeo do periacuteodo de licenccedila maternidade (de 90 para 120 dias)

d) proteccedilatildeo social pela via do seguro desemprego garantido pelo Estado

e) redefiniccedilatildeo das fontes e das bases de financiamento das poliacuteticas sociais com a

criaccedilatildeo de fundos especiais

Eacute com base em tais medidas e inovaccedilotildees democraacuteticas que se afirma que o

primeiro Sistema de Seguridade Social brasileiro apesar de abarcar apenas as poliacuteticas de

sauacutede previdecircncia e assistecircncia social e seus beneficiaacuterios constituiu-se em um conjunto

integrado de proteccedilatildeo social puacuteblica instituindo tanto do ponto de vista conceitual quanto

do arranjo institucional significativas inovaccedilotildees na experiecircncia brasileira de bem-estar

(PEREIRA 2004) Tais inovaccedilotildees definiram o perfil da Constituiccedilatildeo Federal vigente

promulgada em 1988 que passou a ser reconhecido como sendo democraacutetico e

universalista De fato trata-se da primeira Constituiccedilatildeo brasileira que recebeu a

denominaccedilatildeo de Constituiccedilatildeo Cidadatilde por conter mecanismos de ampliaccedilatildeo da democracia

e da cidadania

No entanto apesar das mudanccedilas e conquistas sociais mencionadas alguns

entraves agrave sua realizaccedilatildeo herdados do padratildeo de proteccedilatildeo social que antecedeu a Constituiccedilatildeo

ainda se fazem presentes a saber o burocraacutetico ndash organizacional o padratildeo de financiamento

do gasto social e a privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais Em relaccedilatildeo ao burocraacutetico-organizacional

o modelo brasileiro foi marcado pela fragmentaccedilatildeo institucional tecnocratismo e

burocratismo Tudo isso gerou a conhecida e debatida superposiccedilatildeo de competecircncias

paralelismo nas accedilotildees desvios de alvos dos programas sociais descontinuidade e instabilidade

desses programas demoras no processo de alocaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de recursos e distanciamento

entre formuladores e executores de poliacuteticas e os seus beneficiaacuterios Todos esses efeitos

negativos somados ao uso clienteliacutestico da maacutequina estatal conferiu alto grau de ineficiecircncia e

ineficaacutecia na organizaccedilatildeo dos programas sociais desenvolvidos nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao financiamento das poliacuteticas sociais ressalte-se o caraacuteter

extremamente regressivo da arrecadaccedilatildeo dos recursos e do gasto social tanto do ponto de

vista da natureza das fontes de financiamento (de origem fiscal de contribuiccedilotildees

previdenciaacuterios do patrimonial tais como o FGTS PIS PASEP ou oriundos da Loteria

293

Esportiva e dos Fundos especiais) quanto da alocaccedilatildeo e aplicabilidade desses recursos em

contextos de total ausecircncia de mecanismos de controle e avaliaccedilatildeo Isso sem falar da

centralizaccedilatildeo poliacutetica e financeira desses recursos nos acircmbitos estadual e federal em

detrimento de uma efetiva aplicaccedilatildeo dos mesmos pelos governos municipais e da

prevalecircncia do priciacutepio do auto-financiamento dos investimentos sociais como forma

peculiar de privatizaccedilatildeo Essas distorccedilotildees acentuaram a dificuldade de superaccedilatildeo do caraacuteter

retroacutegrado das poliacuteticas sociais brasileiras

Por fim no que se refere agrave privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais houve franca

abertura de espaccedilos para a penetraccedilatildeo de interesses privados mercantis e o proporcional

crescimento da iniciativa privada natildeo mercantil na oferta de bens e serviccedilos sociais agrave

populaccedilatildeo Em consequumlecircncia assistiu-se ao afastamento e agrave diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

estatal como garante de direitos

Assim a partir do final dos anos 1980 o Brasil passou a conviver com dois

modelos de proteccedilatildeo social Um portador de significativas inovaccedilotildees na aacuterea social com

perspectivas de inclusatildeo social dos trabalhadores assegurada e afianccedilada constitucionalmente

apesar do baixo caraacuteter redistributivo das poliacuteticas sociais E outro minado pela presenccedila de

praacuteticas arcaicas e conservadoras que teimam em natildeo associar a assistecircncia social ao estatuto

da cidadania Isso colocou um grande desafio agrave naccedilatildeo que perdura ateacute hoje De um lado

setores progressistas passaram a defender a promulgaccedilatildeo de uma nova Constituiccedilatildeo propondo

a reformulaccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social maior responsabilidade do Estado na regulaccedilatildeo

financiamento e provisatildeo de poliacuteticas sociais ampliaccedilatildeo do caraacuteter distributivo da seguridade

social como contraponto ao seguro social de caraacuteter contributivo maior controle exercido pela

sociedade sobre o Estado aleacutem de atenccedilatildeo especial a temas trabalhistas (como a extensatildeo do

FGTS a todos os trabalhadores feacuterias remuneradas com mais 13 do salaacuterio licenccedila

paternidade e outros) Mas de outro setores conservadores identificados com a retoacuterica

neoliberal passaram a criticar a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a defender uma ldquocontra-

reforma conservadorardquo (FAGNANI 1996 p 86) Eacute o que seraacute visto a seguir ressaltando-se a

adesatildeo do proacuteprio Executivo nacional

294

84 A adesatildeo dos governos apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituinte agraves orientaccedilotildees

neoliberais tidas como plurais

Os anos 1980 e 1990 e mais recentemente o iniacutecio dos anos 2000 foram

marcados por forte adesatildeo dos governos brasileiros agraves orientaccedilotildees neoliberais tanto na aacuterea

econocircmica como na social Apesar dos avanccedilos constitucionais de feiccedilatildeo social-democrata

o primeiro governo civil de Joseacute Sarney no periacuteodo de 1985 a 1990 promoveu uma

transiccedilatildeo poliacutetica ainda presa aos velhos estilos de fazer poliacutetica e inibidora da verdadeira

democracia ou seja com Sarney houve mudanccedilas de governo e natildeo de regime no dizer de

Pereira (2004) Dentre as principais iniciativas desse governo destacam-se o Plano

Cruzado (controle da inflaccedilatildeo por meio de reforma monetaacuteria ndash cruzeiro e cruzado_ e

tentativa de desindexaccedilatildeo da economia) o Plano de Metas (articulaccedilatildeo entre crescimento e

combate agrave pobreza) o Plano Nacional de Reforma Agraacuteria a instituiccedilatildeo do seguro-

desemprego e programas de prioridades sociais sob o slogan Tudo pelo Social Contudo

desconsiderava-se a proposta de seguridade social (de estilo beveridgiano) que buscava

extrapolar o acircmbito do seguro sugerindo com a inclusatildeo da assistecircncia social como

direito uma vertente natildeo contratual e natildeo contributiva de proteccedilatildeo social

independentemente da capacidade de contribuiccedilatildeo do assistido

Portanto todas essas iniciativas natildeo ganharam logo materialidade sendo alvos

de sucessivas criacuteticas dos neoliberais mediante expliacutecitas estrateacutegias de desqualificaccedilatildeo dos

textos originais das leis que passaram a regulamentar as poliacuteticas sociais como direitos

Deu-se iniacutecio assim em acircmbito nacional agrave contra-reforma conservadora iniciada em

1987 no governo Sarney e reforccedilada a partir de 1990 pelos governos Collor (1990-1992)

e Fernando Henrique Cardoso (1994-1997 e 1998-2001) A estrateacutegia utilizada foi a de

grande pressatildeo e oposiccedilatildeo aos avanccedilos constitucionais com uso de expedientes que

visavam retardar a regulamentaccedilatildeo de vaacuterios dispositivos da Lei Maior especialmente os

referentes agrave seguridade social Aos neoliberais interessava sobretudo esvaziar o poder

regulador do Estado na defesa do livre funcionamento das forccedilas do mercado

A proposta neoliberal ganhou legitimidade poliacutetica e institucional na chamada

era Collor (1990-1992) quando foram tomadas as primeiras medidas de restriccedilatildeo aos

direitos sociais e agraves poliacuteticas sociais com o objetivo claro de esvaziaacute-las em sua dimensatildeo

puacuteblica (para todos) Reduziram-se as funccedilotildees sociais estatais em favor da ingerecircncia

privada (mercantil e natildeo mercantil) nos assuntos sociais puacuteblicos num momento dominado

295

por altiacutessimos iacutendices de inflaccedilatildeo Com o empeachmant de Collor assumiu o governo

Itamar Franco (1993) que buscou controlar a inflaccedilatildeo com o Plano Real e promoveu a

liberaccedilatildeo de recursos previdenciaacuterios Nesse governo foi aprovada a (Lei Orgacircnica da

Assistecircncia Social (LOAS)) em 1993 antes vetada integralmente pelo governo Collor

Entre 1995-1997 o governo Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro

mandato deu iniacutecio agraves reformas estruturais de vieacutes neoliberal mdash financeira e trabalhista mdash

fortalecendo o chamado livre comeacutercio de integraccedilatildeo regional que envolveria blocos

econocircmicos latino-americanos a exemplo do Mercosul (1992) Cardoso contribuiu para o

avanccedilo da ofensiva neoliberal no Brasil criando as condiccedilotildees para as reformas

constitucionais com fins liberalizantes e mercadoloacutegicos Atendeu-se nesse periacuteodo com

rigor ao princiacutepio neoliberal de menos Estado e mais mercado em detrimento de um

regime de proteccedilatildeo social de natureza puacuteblica Elegeu-se como prioridade a poliacutetica

econocircmica restringindo significativamente o escopo da poliacutetica social Privilegiou-se a

estabilizaccedilatildeo da moeda e promoveu-se a privatizaccedilatildeo sistemaacutetica de bens patrimoniais

puacuteblicos (estatais) de uma forma sem igual na histoacuteria do paiacutes A partir de entatildeo o

mercado foi considerado instacircncia legiacutetima de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais O

desemprego estrutural ganhou visibilidade como consequumlecircncia natural das sociedades

modernas industrializadas e da abertura aos produtos estrangeiros

Uma marca dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso que se reelegeu

em 1998 para um periacuteodo de mais quatro anos foi o alinhamento do executivo nacional

com o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a da regulaccedilatildeo estatal da economia (Estado

miacutenimo) Na aacuterea social foi implementado o Programa Comunidade Solidaacuteria (final

deacutecada 1990) cujo proacuteprio nome explicita a adesatildeo do governo ao pluralismo de bem-

estar ao privilegiar o princiacutepio da solidariedade bem como o setor informal e voluntaacuterio

no trato da problemaacutetica social apresentada pelas pequenas comunidades denominadas

preferencialmente de micro-regiotildees com prevalecircncia de segmentos situados na pobreza

extrema (absoluta) Trata-se o programa comunidade solidaacuteria de um programa residual e

focalizador em que o Estado somente interveacutem apoacutes a constataccedilatildeo (quando esta existe) de

que as referidas comunidades natildeo conseguem mais autofinanciar as accedilotildees plurais ou

mistas poreacutem natildeo puacuteblicas que deveriam empreender

Fernando Henrique Cardoso terminou o segundo governo com os pleitos

liberalizantes em alta legitimados pelos crescentes processos de privatizaccedilatildeo e de

internacionalizaccedilatildeo da economia Os avanccedilos constitucionais que implicavam maior

296

regulaccedilatildeo estatal continuaram (e continuam) sendo colocados em cheque pelos neoliberais

O clamor agora passou a ser a desestatizaccedilatildeo a desregulamentaccedilatildeo econocircmica e social a

privatizaccedilatildeo do patrimocircnio e dos serviccedilos puacuteblicos a flexibilizaccedilatildeo do trabalho (leia-se

das garantias trabalhistas) e da produccedilatildeo Assiste-se atualmente a uma luta desigual De

um lado posicionam-se as elites econocircmicas e empresariais de notaacutevel influecircncia no

governo na miacutedia e nos ciacuterculos poliacuteticos e intelectuais conservadores atacando a

Constituiccedilatildeo federal E de outro resistem a classe trabalhadora e os cidadatildeos

desempregados mas percebendo-se cada vez mais esvaziados em seus recursos poliacuteticos

estrateacutegicos e organizativos

Como consequumlecircncia das medidas contra reformistas adotadas por esses governos

assistiu-se ao retorno de uma praacutetica assistencialista pulverizada descontiacutenua objeto de

manipulaccedilatildeo clientelista e fisiologista agrave paralizaccedilatildeo retrocesso e esvaziamento de vaacuterias

propostas de reformas (das relaccedilotildees trabalhistas das diretrizes gerais formuladas no campo da

educaccedilatildeo do sistema financeiro de habitaccedilatildeo e outras) e como consequumlecircncia agrave contiacutenua e

severa reduccedilatildeo orccedilamentaacuteria (cortes no orccedilamento geral da seguridade social) e ao desmonte

dos direitos sociais com flagrante descaracterizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais ndash em especial da

assistecircncia social e das leis que as regulamenta Sem duacutevida um contexto de regressatildeo poliacutetica

e de fragilizaccedilatildeo da democracia e da cidadania ampliadas pretendidas um campo feacutertil para a

afirmaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo do ideaacuterio neoliberal com sua proposta antiestatal e de negaccedilatildeo dos

direitos de cidadania social E mais FHC desconsiderou a Lei Orgacircnica da Assistecircncia Social

que regulamenta os arts 203 e 204 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobrepondo a ela e agraves suas

orientaccedilotildees poliacuteticas o programa comunidade solidaacuteria jaacute referido

85 As poliacuteticas sociais apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal brasileira

avanccedilos e retrocessos

Como jaacute mencionado com a Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988

inaugurou-se no paiacutes um movimento de ampliaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de direitos sociais

bem como de expansatildeo da cobertura de serviccedilos nas aacutereas de sauacutede (atendimento de

urgecircncia e de serviccedilos baacutesicos) educaccedilatildeo baacutesica e assistecircncia social (programas de

transferecircncia de renda) No entanto essa expansatildeo deve ser analisada como argumenta

Draibe (1990)

297

Na aacuterea de assistecircncia os chamados programas de transferecircncia eou de

complementaccedilatildeo de renda foram inicialmente reduzidos aleacutem de se guiarem por um

criteacuterio de elegibilidade extremamente excludente Hoje poreacutem tanto o programa Bolsa

Famiacutelia como o Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) (benefiacutecio constitucional) para

idosos e pesssoas com deficiecircncia pobres satildeo consideradas accedilotildees de massa com cobertura

consideraacutevel tendo inclusive impactos positivos na diminuiccedilatildeo da pobreza absoluta Mas

o seu grande desafio consiste em libertar da pobreza extrema as pessoas atendidas visto

serem programas focalizados

Na aacuterea de educaccedilatildeo baacutesica a expansatildeo da rede escolar e a plena cobertura nas

zonas urbanas para crianccedilas de ateacute 07 anos matriculadas no 1ordm grau foi significativa (90

das crianccedilas ateacute 07 anos tecircm hoje oportunidade de se matricular) Entretanto a taxa de

escolarizaccedilatildeo relativa agrave educaccedilatildeo no 1ordm grau ainda eacute baixa e pouco significativa quando

relacionada ao ciclo baacutesico (faixa etaacuteria de 07 a 14 anos) apoacutes a primeira seacuterie uma vez

que apresenta altas taxas de evasatildeo e repetecircncia (em torno de 50 ao final da 1ordf seacuterie)

Estudos revelam a estreita relaccedilatildeo entre o analfabetismo o mau desempenho escolar a

baixa escolaridade e as condiccedilotildees de renda (baixos niacuteveis) das famiacutelias dessas crianccedilas e

jovens Em torno de 70 pertencem a famiacutelias com rendimento per capita mensal de ateacute

meio salaacuterio miacutenimo (FUNDAP apud DRAIBE 1990 p 19)

Esses dados mostram como o Brasil estaacute longe de ter garantido o ensino baacutesico

como direito agraves famiacutelias brasileiras de baixa renda Tambeacutem na educaccedilatildeo secundaacuteria puacuteblica

e gratuita (que constitui competecircncia dos Estados) a cobertura ainda eacute muito reduzida

Draibe (1990 p 19) chama atenccedilatildeo para o fato de que ldquoem termos de eficiecircncia pedagoacutegica

e de qualidade de ensino as redes baacutesica e secundaacuteria puacuteblicas satildeo em geral as que

apresentam os piores indicadores o que abriu amplo espaccedilo para a rede privadardquo

Por fim argumenta

o ensino de terceiro grau de melhor qualidade do paiacutes tem beneficiado sobretudo e principalmente a estudantes de famiacutelias de renda meacutedia e alta oriundos de escolas baacutesicas e secundaacuterias privadas nas quais melhor se qualificam para disputar vagas nos concursos vestibulares (DRAIBE 1990 p 19)

Na aacuterea de sauacutede puacuteblica satildeo conhecidas as distorccedilotildees do modelo preconizado

pelo SUS O caraacuteter universal do direito agrave sauacutede vem sendo realizado em maacutes condiccedilotildees e

de forma precaacuteria As accedilotildees de sauacutede puacuteblica continuam privilegiando a assistecircncia meacutedica

de natureza ambulatorial e hospitalar apoiada prioritariamente em recursos oriundos da

298

previdecircncia social e fortemente baseada na compra de serviccedilos Na deacutecada de 1990 tais

accedilotildees correspondiam a 70 dos atos meacutedicos do sistema em geral (idem p 20) enquanto

somente 15 dos recursos puacuteblicos eram aplicados em accedilotildees de natureza preventiva e

85 em medicina curativa Esses dados por si soacute satildeo reveladores da incapacidade do

sistema de sauacutede brasileiro de garantir melhorias nos indicadores sociais mais importantes

como mortalidade precoce maior longevidade com qualidade de vida apesar da

ampliaccedilatildeo nos anos recentes da perspectiva de vida dos brasileiros (em torno de 72 anos)

Contudo esta ampliaccedilatildeo convive com baixa qualidade de vida pois muitos brasileiros

chegam agrave faixa aos 70 anos com muitas limitaccedilotildees de sauacutede e dependecircncia de medicaccedilatildeo

(diabetes problemas cardio-vasculares pressatildeo alta obesidade e outros)

Indiscutivelmente diferentes e peculiares formas de privatizaccedilatildeo ainda

prevalecem nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede assistecircncia social previdecircncia e educaccedilatildeo Isso

daacute uma ideacuteia por inexpressiva que seja de como o gasto puacuteblico e os recursos destinados

agraves poliacuteticas sociais vecircm sendo administrados no Brasil e da fragilidade dos mecanismos

redistributivos internos assim como dos esquemas de transferecircncias de recursos

financeiros para aacutereas sociais baacutesicas Aleacutem disso no campo da previdecircncia ldquoa cobertura

dessa poliacutetica limita o seu potencial redistributivo devido basicamente a trecircs fatores

expressiva concentraccedilatildeo das contribuiccedilotildees nos niacuteveis inferiores da escala salarial

insuficiente tributaccedilatildeo da grande massa que constitui os setores de maior potencial

contributivo e significativo percentual da populaccedilatildeo que contribui e natildeo eacute abrangida pela

previdecircnciardquo (Draibe 1990 p 21)

Tomando como referecircncia o documento do MDSSAS-PNUDNOBSUAS em

2004 entre as famiacutelias brasileiras com crianccedilas adolescentes e jovens 363 tinham

rendimento per capita familiar de ateacute frac12 salaacuterio miacutenimo e 626 ateacute 1 salaacuterio miacutenimo

Entre as crianccedilas de 7 a 14 anos de idade faixa etaacuteria correspondente ao ensino

fundamental a desigualdade era menor entre ricos e pobres

Entre as crianccedilas de famiacutelias mais pobres a taxa de escolarizaccedilatildeo era de 932

e entre as mais ricas de 997 Por outro acircngulo de anaacutelise morar em municiacutepios com ateacute

100000 habitantes se tem mais chance de ter crianccedilas de 7 a 14 anos fora da escola (entre

7 e 8) do que morar nos grandes municiacutepios ou metroacutepoles onde o percentual varia

entre 2 e 4

299

Tabela 23 de Crianccedilas fora da escola de acordo com a classificaccedilatildeo dos municiacutepios - 2000

Classificaccedilatildeo dos municiacutepios Total de municiacutepios

Total 7 a 14 anos

Total fora da escola

de crianccedilas de 7 a 14 anos fora da escola

Pequenos I (ateacute 20000 hab) Pequenos II (de 20001 a 50000 hab)

Meacutedios (de 50001 a 100000 hab) Grandes (de 100001 a 900000 hab) Metroacutepoles (mais de 900000 hab) TOTAL

4018 964 301 209 15

5507

5910848 5114998 2217452 13379577 4936738 31559613

406220 396220 196212 304955 180217

1483824

687 774 884 227 365 470

Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano 2002 (Apud MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Uma variaacutevel considerada importante e que influenciaria a defasagem escolar

seria o rendimento familiar percapita Entre a populaccedilatildeo com 25 anos ou mais a meacutedia de

anos de estudo dos mais pobres era em 2002 de 34 anos e entre os mais ricos de 103

anos de estudo Por outro lado tomando o tamanho dos municiacutepios a defasagem escolar

tambeacutem varia segundo o mesmo indicador sendo maior nos municiacutepios pequenos onde a

meacutedia de anos de estudos fica em 4 anos e nos de grande porte ou metroacutepoles essa meacutedia

sobe para 6 a quase 8 anos de estudos Ou seja aleacutem da renda o tamanho dos municiacutepios

tambeacutem pode interferir no indicador de defasagem escolar

Sobre os efeitos desses aspectos Dain (apud DRAIBE 1990 p 21) ressalta que

ldquoa desigualdade torna antagocircnica a tendecircncia agrave universalizaccedilatildeo e ao direito do contribuinte quando ambos se confrontam na tentativa de ampliar a efetividade da cobertura a partir de um niacutevel insuficiente de recursos e de uma inadequada estrutura de financiamentordquo

Estas satildeo distorccedilotildees do sistema previdenciaacuterio brasileiro responsaacuteveis pelo seu

propalado deacuteficit (que a rigor natildeo deveria existir) bem como pelo natildeo cumprimento dos

objetivos e concepccedilotildees que justificam a sua existecircncia como parte integrante do Sistema de

Seguridade Social Tambeacutem satildeo destaques ndash cujo aprofundamento foge aos objetivos dessa

tese ndash as iniquumlidades e as pronunciadas desigualdades entre trabalhadores urbanos e rurais

(desigualdade esta amenizada com a Reforma da Previdecircncia em 2001) a perversa

distribuiccedilatildeo das aposentadorias (por invalidez e por tempo de serviccedilo) com traccedilos

fortemente regressivos assim como a fragilidade da baixa proteccedilatildeo puacuteblica agraves famiacutelias de

baixa renda (DAIN apud DRAIBE 1990 p 21 e 22)

Um aspecto importante a assinalar no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas eacute que no

Brasil dois fatores importantes tecircm gerado impacto negativo sobre a gestatildeo e o

financiamento das poliacuteticas sociais repercutindo na Assistecircncia Satildeo eles o baixo poder

300

aquisitivo da populaccedilatildeo brasileira gerado pelos baixos salaacuterios o que leva a uma estreita

base contributiva afetando a qualidade dos serviccedilos e o alto grau de concentraccedilatildeo da

riqueza socialmente produzida fazendo com que ldquoa poliacutetica social tenda a se

assistencializar (no sentido de assistencialismo) sobrecarregando os programas sociais e

impedindo a elevaccedilatildeo do patamar de vida da camada da populaccedilatildeo com menor poder

aquisitivordquo (DRAIBE 1990 p 23) Todos esses aspectos ajudam a compreender a forma

residual de organizar a intervenccedilatildeo social do Estado no Brasil na perspectiva neoliberal

que se propotildee pluralista

86 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil paradoxos e particularidades

Jaacute foi dito que o sistema de proteccedilatildeo social brasileiro consolidou-se a partir de

uma concepccedilatildeo patrimonialista e clientelista em particular na relaccedilatildeo puacuteblico-privado

expressando uma visatildeo predominantemente conservadora e com interesses voltados para

demandas externas Segundo Netto (2000) natildeo houve a territorializaccedilatildeo do Estado-Naccedilatildeo

no Brasil O aparato institucional montado aqui diz o referido autor sempre exerceu um

papel heterocircnomo ou seja com baixiacutessimo grau de autonomia nacional em particular no

que se refere agrave regulaccedilatildeo social e agrave formalizaccedilatildeo de garantias dos direitos sociais mesmo

quando se sabe que apenas garantias formais natildeo asseguram a efetividade desses direitos

A questatildeo dos direitos sempre foi tratada pelas elites brasileiras como assunto

superestrutural e ideoloacutegico Nas uacuteltimas deacutecadas a crocircnica crise das poliacuteticas sociais e sua

subordinaccedilatildeo agraves poliacuteticas econocircmicas tornaram-se expressatildeo do caraacuteter regressivo imposto

pela ofensiva neoliberal Daiacute a dificuldade em se construir espaccedilos de pertencimento social

em contextos de subordinaccedilatildeo considerando que uma grande parte dos cidadatildeos brasileiros

estaacute situada abaixo da linha da pobreza eou convivendo com situaccedilotildees-limite No Brasil

sempre prevaleceu a privatizaccedilatildeo do atendimento agraves necessidades sociais em detrimento

da garantia de direitos sociais pois se contrapotildee agrave defesa de direitos pela via das poliacuteticas

puacuteblicas o que requer a reafirmaccedilatildeo da primazia do Estado da participaccedilatildeo ativa da

sociedade e da descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa fortalecendo a construccedilatildeo de

pactos e alianccedilas que expressem accedilotildees coletivas No entanto o que se vecirc satildeo as

necessidades sociais baacutesicas subordinadas agrave loacutegica privatista e a cidadania social reduzida agrave

cidadania civil eou poliacutetica Os serviccedilos sociais deixaram de pautar-se por necessidades e

301

direitos sociais O dever legal do Estado passou a ser determinado eou subordinado aos

limites impostos nos orccedilamentos numa total inversatildeo de prioridades Com base nessa

loacutegica restritiva a democracia foi reduzida a princiacutepios mercadoloacutegicos baseados em

criteacuterios financeiros A ecircnfase passou a ser nos circuitos de mercado que privilegiam a

compra e venda desses bens e serviccedilos sociais Os direitos sociais portanto natildeo mais se

expressam como resultado de lutas sociais e conquistas histoacutericas muito menos como

dever do Estado Tanto eacute assim que no Brasil a pobreza assume caracteriacutesticas de

fenocircmeno multimensional e torna-se expressatildeo da ausecircncia de poder do Estado com

perdas significativas dos padrotildees de seguranccedila e de proteccedilatildeo social puacuteblica A perda desses

padrotildees indica uma forte retraccedilatildeo da cidadania cada vez mais vinculada agrave condiccedilatildeo de

dependecircncia e subalternidade agraves leis de mercado A proteccedilatildeo social que historicamente se

pretendeu no Brasil pelo vieacutes assistencialista clientelista e conservador reitera e fortalece

as ideacuteias de favor benesse e privileacutegios e rechaccedila a linguagem dos direitos

Eacute nesse contexto de privatizaccedilatildeo e de fortalecimento de uma cultura avessa aos

direitos que o pluralismo de bem-estar comeccedilou a ganhar adeptos no Brasil apoacutes a adesatildeo

dos governos brasileiros em particular do periacuteodo compreendido entre os anos 1985 E

2002 ndash e de vaacuterios setores da sociedade civil ndash agrave proposta pluralista neoliberal aqui

difundida a partir dos anos 1980 Esta adesatildeo logo apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de

1988 confirma a postura do Estado brasileiro como a de um Estado forte para o capital e

restrito e relutante para a proteccedilatildeo social ao cidadatildeo pobre No entanto segundo Pereira

(2000) constata-se no Brasil desde o final dos anos 1970 (periacuteodo de governo militar) a

expansatildeo e modernizaccedilatildeo de um conjunto de instituiccedilotildees serviccedilos e formas de intervenccedilatildeo

social voltados para o enfrentamento da desigualdade social Tais medidas receberam tal

atenccedilatildeo por parte do Estado que acreditou-se ter chegado o momento de se efetivar no

paiacutes um novo padratildeo de bem-estar puacuteblico A poliacutetica social finalmente passou a ser

pensada e tratada de forma racional em particular em relaccedilatildeo agraves medidas direcionadas ao

bem-estar das camadas mais pobres Ao ser incorporada agrave maacutequina burocraacutetico-

administrativa do Estado a poliacutetica social ganhou visibilidade poliacutetica e um novo status no

discurso oficial passando a ser considerada um instrumento poliacutetico importante na

superaccedilatildeo das necessidades sociais De forma estrateacutegica argumenta Pereira (2000) o

Estado brasileiro assumiu uma postura mais agressiva no atendimento puacuteblico buscando

atacar os bolsotildees de miseacuteria e de pobreza pela via de grandes projetos sociais com apoio

financeiro externo Inaugurou-se portanto a seu ver um novo pacto social envolvendo o

302

Estado e as massas Para tanto foi alocada consideraacutevel soma de recursos para o setor

social incorporada na rubrica poliacutetica social que passou a compor os orccedilamentos

governamentais71 Mas isso como diz a autora funcionou como um contrapeso agrave ausecircncia

de direitos civis e poliacuteticos ainda cerceados Para Carvalho (2001) em 1974 deu-se iniacutecio

agrave chamada abertura poliacutetica A ecircnfase dada agrave conquista dos direitos encontrou terreno feacutertil

junto agrave populaccedilatildeo As intensas lutas poliacuteticas e a mobilizaccedilatildeo em massa atingiram as bases

institucionais da sociedade e ateacute mesmo setores conservadores aderiram aos movimentos

estudantil operaacuterio eou camponecircs (a exemplo da Igreja Catoacutelica) Demonstrava-se assim

a partir da sociedade civil organizada uma niacutetida preocupaccedilatildeo de se instituir um novo

padratildeo de proteccedilatildeo social que garantisse bem-estar a todos Motivado por essa conjuntura e

pelos ventos da redemocratizaccedilatildeo esse contexto (com destaque para o periacuteodo de 1985 a

1988) caracterizou-se como um momento rico e feacutertil para o debate das poliacuteticas sociais O

conhecimento puacuteblico da situaccedilatildeo social do paiacutes decorrente da maacute distribuiccedilatildeo de renda

despertou na opiniatildeo puacuteblica um grande interesse por temas como democracia cidadania

igualdade e justiccedila social

Entretanto eacute forccediloso reconhecer que a abertura de canais de participaccedilatildeo natildeo

foi suficiente para promover mudanccedilas e avanccedilos significativos que resultassem na

reduccedilatildeo dos iacutendices de miseacuteria e de pobreza no sentido de alterar o quadro de

desigualdades sociais e de se consolidar um pacto social e poliacutetico mais abrangente Se de

um lado a democracia incorporou-se agrave poliacutetica e aumentou o niacutevel de consciecircncia das

massas de outro natildeo possibilitou alteraccedilatildeo na estrutura estratificada e desigual da

sociedade72 Paradoxalmente o paiacutes continuou enfrentando problemas cada vez mais

complexos relacionados ao modelo econocircmico e social vigente altamente concentrador e

excludente No final dos anos 1970 e iniacutecio de 1980 a poliacutetica econocircmica brasileira

71 Agrave ocasiatildeo foram arrecadados recursos por intermeacutedio de Fundos de Participaccedilatildeo como Fundo de Garantia Trabalhista (FGTS) Programa de Integraccedilatildeo Social (PISPASEP) Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) Fundo Rural (FUNRURAL) Dentre as medidas tomadas pelo Estado destacam-se a) criaccedilatildeo do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS) criaccedilatildeo do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento (FAZ) criaccedilatildeo de Programas especiais tais como Sistema Nacional de Emprego (SINE) unificaccedilatildeo do Programa de Integraccedilatildeo Social-PISPASEP reformulaccedilatildeo do Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo (SFH) bem como a vinculaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Nacional de Bem-Estar (FUNABEM) e da Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) ao Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) oacutergatildeo responsaacutevel pela poliacutetica de bem-estar do menor e da assistecircncia social (Carvalho 2001) e outros 72 Segundo Carvalho (2001) os cidadatildeos brasileiros podem ser classificados em trecircs niacuteveis a) os que recebem acima de vinte salaacuterios miacutenimos e constituem a maioria da populaccedilatildeo b) os cidadatildeos comuns sujeitos aos rigores da lei Satildeo trabalhadores assalariados com carteira assinada pequenos proprietaacuterios urbanos e rurais Tecircm noccedilatildeo de seus direitos e recebem de dois a vinte salaacuterios miacutenimos e c) os trabalhadores urbanos sem carteira assinada que constituem a grande maioria da populaccedilatildeo marginalizada nas grandes cidades Para esse segmento vale apenas o coacutedigo penal

303

adotada a exemplo de outros paiacuteses seguiu o receituaacuterio ortodoxo do FMI com medidas

de caraacuteter monetarista Era o iniacutecio do desmonte do Estado de Bem-estar keynesiano-

fordista no cenaacuterio internacional e da ascensatildeo da ofensiva neoliberal mediante a

incorporaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo de uma proposta plural ou mista de cunho antiestatizante

Carvalho (2001) ao analisar as consequumlecircncias imediatas dessa nova orientaccedilatildeo

soacutecio-econocircmica mundial afirma que no campo da cidadania apenas uma parcela reduzida

da populaccedilatildeo brasileira foi beneficiada A sociedade brasileira frustrada com os governos

civis poacutes-Constituiccedilatildeo que aderiram agraves exigecircncias macroeconocircmicas do capital

internacional viu decrescer sua crenccedila nos poliacuteticos A corrupccedilatildeo foi acentuada com

esquemas ambiciosos envolvendo altos escalotildees como jamais se viu no paiacutes Com esse

quadro social e poliacutetico cresceram as incertezas e reduziram-se as esperanccedilas De forma

contrastada o Brasil passou a conviver de um lado com uma tecnologia de ponta e iacutendices

de progresso de primeiro mundo (em algumas regiotildees) e de outro com iacutendices de

estagnaccedilatildeo analfabetismo pobreza e fome nunca vistos

Diante disso haacute que se reconhecer que no Brasil apesar dos avanccedilos

democraacuteticos com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 natildeo se viabilizou de

forma substantiva uma poliacutetica puacuteblica de bem-estar e de proteccedilatildeo ao trabalho73 O que se

tem eacute uma poliacutetica de proteccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ampliada do capital em nome de um suposto

crescimento econocircmico sem investimentos na aacuterea social com restriccedilotildees dos direitos

sociais A situaccedilatildeo em que se encontram as poliacuteticas sociais e em particular a assistecircncia

social no Brasil a partir dos anos 1980 eacute paradoxal Essa situaccedilatildeo desvela o antagonismo

histoacuterico-estrutural entre os princiacutepios da focalizaccedilatildeo e da universalizaccedilatildeo bem como a

tensatildeo existente entre uma concepccedilatildeo de Estado de bem-estar neokeynesiano de natureza

puacuteblica e universalizadora e uma concepccedilatildeo neoliberal de Estado de natureza regressiva

focalizadora e privatizante Constata-se ainda como tendecircncia dominante que as

inovaccedilotildees propostas com a Constituiccedilatildeo de 1988 - no que se refere agrave formaccedilatildeo e

73 Os censos brasileiros das deacutecadas de 1980 e 1990 revelam que a riqueza gerada no paiacutes natildeo soacute foi desigualmente distribuiacuteda como tambeacutem natildeo apresentou sinais de correccedilatildeo dessa disparidade aleacutem de natildeo se haver criado medidas eficientes de proteccedilatildeo social Isso mostra que historicamente as poliacuteticas sociais e econocircmicas brasileiras visaram menos a questatildeo da justiccedila social e da equidade e mais a criaccedilatildeo de condiccedilotildees favoraacuteveis agrave eficaacutecia do crescimento econocircmico e do processo de acumulaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo do poder poliacutetico estatal Aleacutem do mais o inexpressivo impacto distributivo (ou redistributivo) que se viu assumiu caraacuteter residual natildeo sendo suficiente para alterar os iacutendices de desigualdade social do paiacutes Nesse processo vaacuterias contradiccedilotildees afloram como a que ao mesmo tempo em que o Estado precisa tomar medidas fiscais draacutesticas torna-se impossiacutevel evitar o embate entre os propoacutesitos de uma justiccedila social que implica democratizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo de um Estado miacutenimo privatista e injusto orientado por uma concepccedilatildeo primaacuteria de justiccedila no trato da questatildeo social

304

implementaccedilatildeo de poliacuteticas sociais puacuteblicas deram-se em grande maioria apenas no

campo do ordenamento juriacutedico-formal A assistecircncia social foi institucionalizada como

poliacutetica social puacuteblica de seguridade social concretizadora de direitos sociais Mas a

proposta pluralista que passou a ser veiculada sob a forma de redes ganhou adesatildeo do

governo central e de vaacuterios setores natildeo-oficiais da sociedade civil chamados a colaborar

na resoluccedilatildeo dos problemas sociais pela via do trabalho assistencial voluntaacuterio e informal

portanto natildeo-institucionalizado Assim fraccedilotildees do empresariado organizaccedilotildees natildeo-

governamentais-ONGs grupos familiares vizinhos e amigos foram chamados a aderir

como de fato ocorreu a esse discurso ideoloacutegico e neoconservador de forte teor neoliberal

Em contrapartida difundiu-se uma cultura antiestatal intensificando esforccedilos para

desqualificar o Estado Social esvaziando-o de sua funccedilatildeo puacuteblica antes mesmo de essa

concepccedilatildeo se consolidar no paiacutes Portanto o recente interesse do Estado brasileiro em

fortalecer a sociedade atendendo agraves orientaccedilotildees neoliberais de uma assistecircncia plural ou

mista tem se traduzido em sobrecarga para a mesma (e natildeo em seu protagonismo poliacutetico)

especialmente para as famiacutelias vizinhos e amigos que compotildeem o chamado setor informal

da proteccedilatildeo social E isso tem relaccedilatildeo com o padratildeo de financiamento e gasto social que

no Brasil apresenta a seguinte performance

A Constituiccedilatildeo brasileira prevecirc que a seguridade social seja financiada por

toda a sociedade de forma direta ou indireta por meio de recursos fiscais provenientes

dos orccedilamentos da Uniatildeo Estados e Municiacutepios e das contribuiccedilotildees sociais Mas

Draibe (1990 p 16) afirma que nesse campo o Brasil sob influecircncia neoliberal

ldquoadotou um padratildeo de financiamento de caraacuteter conservador regressivo por duas

razotildees a primeira porque o Estado brasileiro gasta uma proporccedilatildeo relativamente

pequena em relaccedilatildeo ao que arrecada com impostos e contribuiccedilotildees sociais e a segunda

porque o montante desse gasto torna-se inexpressivo no conjunto do dispecircndio social

Daiacute ser possiacutevel afirmar que o gasto social brasileiro apoiou-se sempre nos fundos

sociais previdenciaacuterios (ancorados na relaccedilatildeo salaacuteriocontribuiccedilatildeo) e em outros

recursos com participaccedilatildeo cada vez mais reduzida dos recursos de origem fiscal

(AZEREDO apud DRAIBE 1990 p 16) Como consequumlecircncia dessa orientaccedilatildeo

Draibe destaca alguns aspectos relevantes tais como

a) Os Fundos previdenciaacuterios oneram sobretudo os assalariados por operarem como

impostos indiretos e por isso natildeo terem uma destinaccedilatildeo especiacutefica Esses impostos

305

satildeo repassados para os preccedilos das mercadorias e arcados segundo os mesmos

caacutelculos pelo conjunto dos consumidores apenando os pobres

b) Por exigirem remuneraccedilatildeo a aplicaccedilatildeo nos Fundos eacute frequumlentemente submetida a

criteacuterios econocircmicos e financeiros de rentabilidade e por estarem apoiados sobre a

massa salarial os recursos desses fundos ficam vulneraacuteveis agraves oscilaccedilotildees da

economia daiacute a reduccedilatildeo de suas receitas que satildeo proporcionalmente diminuiacutedas com a

queda dos niacuteveis de emprego e da meacutedia real de salaacuterios

Outro aspecto a destacar eacute o autofinanciamento dos fundos que se tornou uma

forma de privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais a saber

a) historicamente a partir dos anos 1980 usuaacuterios das poliacuteticas sociais brasileiras tenderam a

pagar (ou autofinanciar) pelos serviccedilos puacuteblicos mesmo jaacute tendo contribuiacutedo antes de

forma direta (via imposto direto) ou indireta (via imposto indireto)

b) a reduccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado nos setores sociais somada agrave cobertura de

espaccedilos para a penetraccedilatildeo de interesses privados no aparelho do Estado gerou a

chamada praacutetica do financiamento puacuteblico da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo privada de bens

e serviccedilos sociais bem como o crescimento do setor privado na oferta desses serviccedilos

Tais serviccedilos passaram a ser procurados e financiados por usuaacuterios com capacidade de

pagamento (em algumas situaccedilotildees ateacute mesmo pela precariedade dos serviccedilos

puacuteblicos) numa flagrante e peculiar forma de privatizaccedilatildeo agrave brasileira Em relaccedilatildeo ao

financiamento e gasto social no campo da assistecircncia social (acircmbito federal ndash

MPASFNAS) pesquisa realizada por Boschetti (2001) ndash periacuteodo 1994-2002 ndash sobre

os entraves e desafios colocados pela dispersatildeo e pulverizaccedilatildeo dos recursos nesta aacuterea

eacute reveladora dos mecanismos utilizados no financiamento dessa poliacutetica

A premissa de que haacute uma tendecircncia no Brasil agrave seletividade e a residualidade

da assistecircncia social eacute confirmada por esse estudo (2001) que indica o quanto a estrutura

orccedilamentaacuteria da Uniatildeo eacute regressiva em relaccedilatildeo aos tributos diretos e indiretos No limite

trata-se da constataccedilatildeo empiacuterica de um processo contraditoacuterio marcado por restriccedilotildees e

recuos pela ausecircncia de uma potencialidade redistributiva mas tambeacutem pardoxalmente

por inovaccedilotildees e avanccedilos no reconhecimento e recomposiccedilatildeo dessa poliacutetica em bases

democraacuteticas e participativas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 como jaacute assinalado

306

87 Tendecircncias em curso proposta de um novo formato de poliacutetica social brasileira

sob o influxo do pluralismo de bem-estar

Do exposto percebe-se como a retoacuterica e as praacuteticas liberais privatizantes e

conservadoras vecircm ganhando espaccedilos no acircmbito do Estado e da sociedade brasileira e

gradativamente de forma sutil vecircm produzindo mudanccedilas na realidade e no imaginaacuterio

coletivo Gradativamente estatildeo sendo alteradas e ampliadas as possibilidades de

participaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo da sociedade na provisatildeo plural ou mista dos serviccedilos

sociais a qual vem se firmando como tendecircncia

A influecircncia do neoliberalismo no Brasil em sua roupagem pluralista tem

ditado a adoccedilatildeo de distintos modos de equiliacutebrio entre as accedilotildees do Estado (setor oficial) e

da sociedade civil por meio da accedilatildeo dos setores informal voluntaacuterio e comercial na

produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais Com base nessa constataccedilatildeo pretende-

se discorrer aqui sobre as principais inovaccedilotildees decorrentes desse estilo de fazer poliacutetica

que tecircm se traduzido em tendecircncia a partir dos anos 1980 e afetado a concepccedilatildeo o

desenho institucional e o perfil das poliacuteticas sociais brasileiras tanto do ponto de vista

poliacutetico institucional e social quanto das relaccedilotildees estabelecidas entre o Estado (setor

oficial) e a sociedade

Curiosamente configuram-se hoje como forte tendecircncia no cenaacuterio brasileiro

(seja como proposta liberal ou social-democrata) diretrizes de participaccedilatildeo e de

descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa ancoradas em distintas vertentes tais como

localismo municipalizaccedilatildeo e prefeiturizaccedilatildeo e desconcentraccedilatildeo com vista a um maior

comprometimento com a dinacircmica das pequenas comunidades Todas essas vertentes

demonstram uma forma comum de conceber o espaccedilo poliacutetico e institucional das poliacuteticas

sociais usando os termos acima indicados para fins semelhantes A base da

descentralizaccedilatildeo tem sido associada aos processos de democratizaccedilatildeo a exemplo do que

vem ocorrendo nos paiacuteses capitalistas centrais Mas apesar da intenccedilatildeo a praacutetica revela

que descentralizar municipalizar ou mesmo localizar natildeo significa necessariamente

democratizar Ao contraacuterio haacute registros histoacutericos na Ameacuterica Latina (como no caso

chileno) de que processos ditos descentralizados abriram espaccedilos para formas de poliacuteticas

arbitraacuterias e autoritaacuterias Tambeacutem haacute situaccedilotildees em que a descentralizaccedilatildeo apenas de

responsabilidades e encargos sem repasse dos recursos necessaacuterios tem se constituiacutedo em

mero instrumento justificador da reduccedilatildeo do gasto social puacuteblico Eacute o caso de muitos

307

municiacutepios brasileiros que apresentam uma realidade bastante heterogecircnea em relaccedilatildeo agrave

eficiecircncia (ou deficiecircncia) de recursos financeiros poliacuteticos e humanos

No caso do Brasil a proacutepria Constituiccedilatildeo Federal de 1988 previu mecanismos

de natureza descentralizada capazes de elevar o grau de participaccedilatildeo da sociedade na

implementaccedilatildeo de tais poliacuteticas e na descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa das accedilotildees

encargos e recursos na perspectiva da democracia e da cidadania ampliadas No entanto

na praacutetica destaca-se uma tendecircncia paralela especialmente no acircmbito da assistecircncia

social Trata-se das recentes mudanccedilas ocorridas nas relaccedilotildees entre Estado e sociedade e

dentro desta nos setores informais que conheceram um reordenamento de sua participaccedilatildeo

Tais mudanccedilas expressam uma nova forma do Estado Social se fazer presente na provisatildeo

social ou melhor de se fazer ausente em tudo o que ultrapasse accedilotildees minimalistas bem

como uma nova centralidade atribuiacuteda agrave sociedade civil como substituta da esfera estatal -

em que pese a reconhecida insuficiecircncia dessas organizaccedilotildees (associaccedilotildees de vizinhanccedila

organismos comunitaacuterios organizaccedilotildees informais e voluntaacuterias e de redes de ONGs) na

garantia dos direitos sociais Estas satildeo experiecircncias apresentadas como alternativas

(DRAIBE 1990 p 36) de reordenamento das relaccedilotildees desses setores com o Estado e a

economia sob a forma de autoajuda de ajuda muacutetua de mutirotildees de praacuteticas

comunitaacuterias e familiares de cuidados de crianccedilas idosos enfermos e outros Em

verdade esses setores da sociedade civil estatildeo sendo responsabilizados por essas novas

formas de sociabilidade pela rearticulaccedilatildeo dos espaccedilos e das demandas sociais nas quais

se processam as poliacuteticas sociais bem como pela reorganizaccedilatildeo do tecido social

esgarccedilado pelos efeitos disruptivos das poliacuteticas econocircmicas vigentes de orientaccedilatildeo

neoliberal O surgimento recente das praacuteticas associativistas eacute tambeacutem expressatildeo dessas

mudanccedilas e dessas novas formas de participaccedilatildeo social que desoneram o Estado de

questotildees menores para que o mesmo possa se dedicar a questotildees maiores e substantivas

ligadas agraves poliacuteticas macro econocircmicas

A reduccedilatildeo do comprometimento do Estado aos programas de transferecircncia de

renda ou de renda miacutenima dirigidos agrave populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza extrema eacute outra

tendecircncia que demonstra a quebra do protagonismo do Estado na conduccedilatildeo da poliacutetica

social tal como prevecirc o pluralismo de bem-estar O caso brasileiro eacute exemplar desse modo

assistencial O Brasil ao aderir a essas estrateacutegias tidas como modernas ou de uacuteltima

geraccedilatildeo natildeo obstante os iacutendices de pobreza e de desigualdade social que ostenta consegue

criar situaccedilotildees paradoxais e sui generis como esta de um lado cria uma legislaccedilatildeo de

308

perfil progressista que organiza e regulamenta a aacuterea social propondo um rigoroso

planejamento descentralizado das accedilotildees (e mais recentemente a unificaccedilatildeo dos programas

e accedilotildees no acircmbito da poliacutetica de assistecircncia (SUAS 2004) a exemplo do SUS) e de outro

adere agrave tese minimalista do Estado com ecircnfase no papel do setor privado que para a nova

direita significa preponderacircncia do mercado Se essas tendecircncias e questotildees

permanecessem como um traccedilo nacional por si jaacute seriam regressivas considerando o

tamanho do Brasil e de seus iacutendices de pobreza e de desigualdades Mas ao se espalharem

pelo mundo como produto de decisotildees poliacuteticas eacute de se temer pelo futuro da democracia e

da cidadania em acircmbito planetaacuterio

Nesse contexto de preocupaccedilotildees e perplexidades uma grande polecircmica em

pauta eacute a questatildeo do crescimento econocircmico e do desenvolvimento social com

predomiacutenio do econocircmico sobre o social e portanto sobre os direitos sociais Ou seja no

Brasil a discussatildeo sobre o crescimento econocircmico natildeo se vincula (nem mesmo ao niacutevel da

retoacuterica) com o desenvolvimento social como questatildeo de direitos Dito em outros termos

aqui as resistecircncias poliacuteticas e os debates dominantes natildeo permitem sequer como ponto de

pauta a ideacuteia de que crescimento econocircmico pode (e deve) produzir efeitos redistributivos

gerando melhorias nas condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo como dever do Estado e quebrando

o ciclo perveso da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo (inclusive geracional) da pobreza

Portanto o que estaacute em questatildeo natildeo eacute tanto a crise do Estado capitalista nem de

um determinado modelo de accedilatildeo econocircmica e social estatal A grande questatildeo de fato eacute que

se pretende a substituiccedilatildeo das funccedilotildees do Estado garantidor de direitos pela sociedade

destituiacuteda de tal prerrogativa Essa eacute a questatildeo central posto que nela a justiccedila redistributiva

e direitos sociais parecem prescindir da accedilatildeo estatal e do seu comprometimento ciacutevico Ou

melhor eacute como se fosse possiacutevel a justiccedila e os direitos sociais se constituirem em objeto de

interesse particulares corporativos e egoiacutestas

Em suma no contexto da crise do Estado capitalista que perdura ateacute hoje de

propostas polecircmicas de reforma do Estado e de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas sociais em

bases neoliberais ganha densidade a defesa de reduccedilatildeo do setor puacuteblico amparada no

conceito de privatizaccedilatildeo que em tese significa ldquoum movimento que partindo do Estado

em direccedilatildeo ao setor privado leva agrave reduccedilatildeo das atividades e funccedilotildees anteriormente

exercidas pelo Estado e agrave ampliaccedilatildeo do mercado ndash setor privado (DRAIBE 1990 p 43)

Sobre a privatizaccedilatildeo sabe-se que haacute incontaacuteveis argumentos proacutes e contras

Esses argumentos se desenvolvem segundo orientaccedilotildees poliacutetico-ideoloacutegicas distintas

309

(liberais neoliberais e conservadoresnova direita marxistas social-democratas) Tomando

o argumento mais recorrente ndash o da nova direita - o conceito de privatizaccedilatildeo significa em

sentido estrito a tese antiestatal do Estado miacutenimo com forte reorientaccedilatildeo das accedilotildees do

Estado para o setor privado e com reduccedilatildeo das funccedilotildees do setor puacuteblico Nessa concepccedilatildeo

prevalecem as ideacuteias do natildeo puacuteblico e do natildeo estatal da desregulaccedilatildeo (sem regras fixas) e

da desregulamentaccedilatildeo do mercado e da economia

Eacute proposto assim um novo substrato para as poliacuteticas sociais agora

destituiacutedas de sua dimensatildeo puacuteblica com mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo e

implementaccedilatildeo dos seus chamados eixos (eou dimensotildees) programaacuteticos quais sejam

gestatildeo participativa controle democraacutetico e financiamento puacuteblico A ecircnfase maior dos

neoliberais e neoconservadores (ou da nova direita) eacute dada ao mundo dos interesses

particularistas e aos serviccedilos pessoais e localizados (famiacutelias e pequenas comunidades)

nos quais a relaccedilatildeo interpessoal se daacute de forma direta (sem a mediaccedilatildeo do Estado) e por

isso torna-se mais efetiva Na aacuterea econocircmica eacute fortalecida a doutrina baseada no

pensamento monetarista de Hayek A ideacuteia de privatizaccedilatildeo da economia atinge tambeacutem os

bens e serviccedilos sociais Daiacute a ecircnfase na relaccedilatildeo entre Estado e o setor privado lucrativo

(firmas e empresas que operam no mercado com objetivos lucrativos) entre Estado e setor

privado natildeo-lucrativo onde tambeacutem se inclui o terceiro setor que eacute chamado a colaborar

na produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo desses bens e serviccedilos sociais

O conceito de privatizaccedilatildeo em sentido amplo eacute adotado por algumas correntes

denominadas progressistas natildeo radicais e ou por representantes da social-democracia

ldquoAdotar o conceito de privatizaccedilatildeo nesse sentido significa propor mecanismos que combinam

o financiamento puacuteblico (da produccedilatildeo eou do consumo) com operaccedilotildees de distribuiccedilatildeo que

envolvem o mercadordquo (DRAIBE 1990 p 43) Essas correntes admitem o reforccedilo do natildeo-

puacuteblico do natildeo-estatal do setor privado natildeo-lucrativo (filantroacutepico natildeo-governamental) e

evidenciam a multiplicidade e complexidade dessas proposiccedilotildees e conceitos que mais

dificultam o entendimento do que contribuem Tais proposiccedilotildees fundamentadas na

racionalidade neoliberal admitem a diminuiccedilatildeo do investimento e gasto estatal do papel

produtivo eou distributivo do Estado Nesse caso especiacutefico o conceito de privatizaccedilatildeo tem o

mesmo significado que liberalizaccedilatildeo da economia muito embora natildeo sejam sinocircnimos Isso

porque nesta definiccedilatildeo mais ampla (leia-se menos rigorosa) de privatizaccedilatildeo o setor privado eacute

concebido e defendido num sentido muito mais geral e conservador do que aquele que o

vincula ao setor privado lucrativo em sentido estrito Ou seja sob essa oacutetica em que o setor

310

privado eacute reduzido e visto apenas como natildeo-Estado todas as atividades presentes na sociedade

passam a incorporaacute-lo tais como informais voluntaacuterios domeacutesticos familiares e

associativistas bem como as corporaccedilotildees ou cooperativas e organizaccedilotildees natildeo-govenamentais

isto eacute todo o setor privado natildeo mercantil denominado terceiro setor para alguns e segmentos

autocircnomos da sociedade para outros (DRAIBE 1990 p 43) Essas correntes demonstram ao

adotar tal flexibilidade em relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de setor privado que natildeo estatildeo preocupadas

com a garantia de poliacuteticas puacuteblicas e muito menos com os direitos sociais Natildeo estatildeo

comprometidas tambeacutem com a ideacuteia de que o direito social soacute se concretiza sob garantia do

Estado pela via de poliacuteticas puacuteblicas com a participaccedilatildeo da sociedade

Percebe-se que nessa perspectiva o binocircmio puacuteblico-privado natildeo conteacutem

nenhuma ideacuteia de complementaridade ou ateacute mesmo de contradiccedilatildeo eou de oposiccedilatildeo por

guiarem-se por princiacutepios distintos As fronteiras entre esss conceitos foram diluiacutedas e aiacute

basta natildeo ser Estado ou natildeo ser governo para ser reconhecido como setor privado

orientando-se conforme as leis de mercado E o mais grave eacute que o termo puacuteblico fica

reduzido agrave dimensatildeo estatal ou governamental Eacute nesse emaranhado de conceitos que passa

a ser justificada a existecircncia do chamado agregado de bem-estar ou seja em que se faz

adesatildeo (impliacutecita ou expliacutecita) ao pluralismo de bem-estar de feiccedilatildeo neoliberal Esta eacute a

questatildeo de fundo desta tese que argumenta que a accedilatildeo plural ou mista natildeo significa accedilatildeo

puacuteblica ndash se se entende por accedilatildeo puacuteblica toda accedilatildeo organizada planejada financiada e

reconhecida pelo Estado e guiada pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo do acesso e usufruto de

bens e serviccedilos sociais Isto eacute uma accedilatildeo para todos na perspectiva da cidadania ampliada

da democracia igualitaacuteria e da justiccedila redistributiva que compromete o Estado na sua

garantia A provisatildeo social pode ser feita tambeacutem pela sociedade civil mas sempre

referenciada a um projeto em que o Estado natildeo tenha que abdicar de seu papel

intransferiacutevel de garante de direitos

Ainda em relaccedilatildeo aos vaacuterios argumentos proacutes e contras ao conceito de

privatizaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea Draibe (1990 p 43) indica muacuteltiplos

mecanismos utilizados na implementaccedilatildeo da privatizaccedilatildeo em sentido amplo Apesar de natildeo

constituir objeto de interesse deste estudo destacam-se dois desses mecanismos para fins

de ilustraccedilatildeo a) a privatizaccedilatildeo em sentido absoluto quando o governo cessa uma atividade

produtiva eou distributiva e a transfere ao setor privado mercantil reduzindo seus ativos e

poder de controle nesse sentido a privatizaccedilatildeo ocorre em todas as dimensotildees ou seja natildeo

haacute financiamento puacuteblico nem para a produccedilatildeo nem para o consumo de bens e serviccedilos

311

sociais b) a privatizaccedilatildeo decorrente da insuficiecircncia (ou falecircncia) das agecircncias puacuteblicas

existentes Quando essa situaccedilatildeo ocorre os demandantes dos serviccedilos dessas agecircncias se

dirigem ao setor privado esse desengajamento do governo que transfere as demandas

puacuteblicas para o setor privado configura-se como uma privatizaccedilatildeo impliacutecita muitas vezes

iniciada com a precarizaccedilatildeo dos serviccedilos depois mediada pela terceirizaccedilatildeo para entatildeo

ser justificada pela necessidade de privatizaccedilatildeo

Esse breve quadro evidencia a centralidade dos mecanismos de privatizaccedilatildeo

face aos novos formatos da poliacutetica social brasileira em tempos neoliberais Esse eacute o retrato

da situaccedilatildeo no Brasil a partir dos anos 1980 onde a partir do debate sobre o conceito de

privatizaccedilatildeo em sentido amplo eacute que passou-se a entender a proliferaccedilatildeo das associaccedilotildees

informais e voluntaacuterias das organizaccedilotildees natildeo-governamentais das redes assistenciais e dos

programas de transferecircncia de renda (ou de renda miacutenima) Essas praacuteticas que natildeo podem

ser confundidas com economia informal (desemprego estrutural) desenvolvidas pelas

famiacutelias vizinhanccedilas e pela comunidade (ajuda muacutetua autoajuda cuidados com crianccedilas e

idosos e outros) tecircm-se desenvolvido sobretudo no acircmbito das poliacuteticas sociais Surgem

no bojo da crise do Estado capitalista e passam a ser justificadas ideologicamente pelos

neoliberais como alternativas democratizantes e socialmente uacuteteis Sabe-se que a crise

econocircmica atual do capitalismo e a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica associada a essa crise produz

alteraccedilotildees nas relaccedilotildees sociais vigentes dentre as quais a reduccedilatildeo eou encurtamento do

espaccedilo do trabalho remunerado74 Natildeo se trata certamente da ideacuteia concebida de tempo

livre como o tempo do lazer e do oacutecio ateacute porque essa realidade ainda estaacute bastante

distante da realidade brasileira

Todos esses fatos revelam que sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar ocorreu

a subordinaccedilatildeo dos criteacuterios de justiccedila social e do exerciacutecio da democracia e da cidadania

aos princiacutepios da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do mercado econocircmico Essa situaccedilatildeo tem

reduzido substancialmente as possibilidades de alteraccedilatildeo da histoacuterica estrutura de

desigualdades sociais do paiacutes pois o Estado brasileiro em mateacuteria de bem-estar social

sempre foi um Estado miacutenimo

Com base nessas constataccedilotildees eacute possiacutevel afirmar que historicamente tanto no

periacuteodo anterior a 1988 como a partir da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo federal de 1988 as

poliacuteticas sociais brasileiras sempre tiveram um perfil bem caracteriacutestico qual seja

74 Ver anaacutelise de Draibe (1990 p 49-50) sobre a relaccedilatildeo entre reduccedilatildeo da jornada de trabalho aumento e uso do tempo livre pela sociedade contemporacircnea e o preenchimento desse tempo do natildeo trabalho com atividades irformais e voluntaacuterias

312

a) elitistas e restritas (natildeo para todos) bem como baseadas em criteacuterios meritocraacuteticos

(meacuterito pessoal e exigecircncia do viacutenculo contributivo) e por isso sem vinculaccedilatildeo com o

princiacutepio da universalizaccedilatildeo da cobertura social

b) natildeo redistributivas agravando ainda mais as desigualdades sociais

c) natildeo avaliadas e natildeo planejadas prevalecendo a ausecircncia da cultura de prestaccedilatildeo de

contas agrave sociedade pelo Estado e da transparecircncia em relaccedilatildeo agraves fontes de recursos e

aos criteacuterios de partilha Ausecircncia de controle democraacutetico pela sociedade civil

d) burocraacuteticas e clientelistas dificultando o acesso aos bens e serviccedilos e aos recursos

pelos legiacutetimos usuaacuterios (favorecimento poliacutetico)

e) residuais com reduzidas responsabilidades do Estado na regulaccedilatildeo no financiamento

e na previsatildeo de poliacuteticas sociais

f) contributivas com prevalecircncia da ideacuteia de contrato e de seguro social previdenciaacuterio

g) tuteladoras e assistencialistas sem qualquer vinculaccedilatildeo com mecanismos de concretizaccedilatildeo

de direitos sociais e com o princiacutepio da inclusatildeo social na cobertura do atendimento

h) uma poliacutetica pobre para pobre com definiccedilatildeo de patamares miacutenimos dos valores dos

benefiacutecios sociais desconectados da concepccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas como

direitos sociais

88 Balanccedilo do padratildeo de bem-estar na Europa do SulEspanha e no Brasil

Tanto o Brasil como os paiacuteses que compotildeem a Regiatildeo Sul da Europa

realizaram de alguma forma e conforme circunstacircncias poliacuteticas e conjunturais

experiecircncias com programas de combate agrave pobreza com caracteriacutestica de provisatildeo social

miacutenima (programas de renda miacutenima (RMI))

Os paiacuteses da Europa do Sul revelam entre si similitudes mas tambeacutem

diferenccedilas tanto em relaccedilatildeo ao desenho institucional das poliacuteticas de provisatildeo social

miacutenima quanto agraves configuraccedilotildees assumidas na sua operacionalizaccedilatildeo e desenvolvimento

(MORENO 2000 p 16 e 17) O mesmo ocorre com o Brasil em relaccedilatildeo a esses paiacuteses ou

seja quando comparadas as duas realidades apresentam de um lado traccedilos distintos a

comeccedilar pelas suas dimensocirces territoriais e de outro guardam semelhanccedilas poliacuteticas e

culturais Isso permite delinear tendecircncias comuns em curso apesar de apenas Portugal ter

instituiacutedo um padratildeo uacutenico de renda miacutenima nacional tais como

313

a) o Estado de Bem-estar do Sul europeu tem alcanccedilado progressivamente um niacutevel

intermediaacuterio de desmercantilizaccedilacirco e de acesso a prestaccedilotildees de serviccedilos sociais ainda

que com comprovaccedilatildeo de meios (means testing)

b) a proteccedilatildeo social no regime da Europa do Sul segue sendo dependente da famiacutelia

como produtora de bem-estar (familismo) natildeo obstante as grandes mudanccedilas

ocorridas nos hogares a partir da inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho

c) na Europa do Sul o trabalho natildeo remunerado das supermjeres tem contribuiacutedo para

um crescimento econocircmico sustentaacutevel e para maior expansatildeo do gasto puacuteblico em

outras aacutereas

d) o papel cambiante da mulher mediterracircnea reflete a realidade de um familismo

ambivalente dificuldades para renunciar agrave maternidade manter niacuteveis adequados

de autonomia pessoal e profissional e para participar como ator relevante nas lutas

por maior apoio do Estado e por poliacuteticas que levem em conta a igualdade de

gecircneros nos hogares e contra a discriminaccedilatildeo social (MORENO apud

SARACENO 1995)

e) um efeito perverso nas praacuteticas de microsolidariedade familiar mediterracircnea eacute a

limitada intervenccedilatildeo social puacuteblica (passiva e exiacutegua) junto agraves famiacutelias impedindo

assim que mulheresmatildees trabalhadoras contem com poliacuteticas familiares eficazes O

fenocircmeno da supermujer mediterracircnea eacute transversal agraves classes sociais A dupla

jornada de trabalho feminino (dentro e fora do lar) tem proliferado em toda escala

social Idealmente um cenaacuterio desejaacutevel seria a implantaccedilatildeo de uma renda baacutesica de

cidadania (VAN PARIJIS 1992) que facilitasse a tomada de decisotildees das mulheres a

respeito do trabalho remunerado e natildeo remunerado (GOUGH 2000)

f) a participaccedilatildeo da mulher na provisatildeo de cuidados no acircmbito dos hogares

monoparentales tem protagonizado mudanccedilas de caraacuteter estruturante no regime de

proteccedilatildeo social contribuindo para seu desenvolvimento econocircmico em um contexto

de restriccedilotildees neoliberais e de contenccedilatildeo do gasto social puacuteblico

g) no modelo de bem-estar Sul europeu o elo conceitual entre bem-estar social capacidades

e necessidades humanas segue sendo entendido e estabelecido como fundamento moral

da satisfaccedilatildeo vital dos cidadatildeos produzida pelo potencial da mulher apesar do contexto

de forte transiccedilatildeo cultural e demograacutefica (MORENO 2003)

h) a transiccedilatildeo demograacutefica na Europa do Sul tem reforccedilado o papel central da famiacutelia

apesar da adoccedilatildeo de estilos de vida mais individualistas entre os mais jovens O

314

matrimocircnio segue sendo a forma institucional preferida por homens e mulheres para

criar uma famiacutelia

i) tendecircncia agrave busca de qualificaccedilatildeo por meio do estudo de niacutevel superior pela geraccedilatildeo

de mulheres mais jovens e a uma maior participaccedilatildeo laboral feminina com gradativa

reduccedilatildeo dos membros familiares sob os cuidados das mulheres A expectativa eacute que

tais mudanccedilas resultem em expansatildeo dos serviccedilos sociais e das poliacuteticas puacuteblicas o

que permitiraacute o reconhecimento de um direito social desvinculado do conceito de

cidadania salarial pelo governo central constituindo-se no marco histoacuterico fundador

de uma poliacutetica de direitos um fator de extensatildeo da cidadania social e um vetor de

institucionalizaccedilatildeo de uma poliacutetica de assistecircncia social universal em atenccedilatildeo agraves

necessidades baacutesicas

j) outra forte tendecircncia na Europa do sul tem sido a implementaccedilatildeo de programas de renda

miacutenima de inserccedilatildeo (a exemlplo do RMI francecircs e do RMG em Portugal) com caraacuteter de

poliacutetica de ativaccedilatildeo para incorporaccedilatildeo dos beneficiaacuterios no mercado de trabalho

As anaacutelises revelam novas pautas e mudanccedilas verificadas na Espanha no

contexto de um novo horizonte socioloacutegico em formaccedilatildeo A valorizaccedilatildeo da famiacutelia como

instituiccedilatildeo autocircnoma eacute um fato tal como afirma Ussel (apud MARTINEZ MARTIN

2004 p 62) ldquola famiacutelia en Espantildea es el auteacutentico Ministerio de Asuntos Sociales La

famiacutelia es la que presta ayuda em caso de enfermidad es la que ocupa de los hijos del

cuidado de los ancianosrdquo

Particularmente na Espanha os traccedilos e mudanccedilas ocorridas satildeo as que se

seguem

a) modificaccedilatildeo no perfil da populaccedilatildeo com expectativas de um forte incremento na duraccedilatildeo

meacutedia de vida (acima dos 90 anos) como descenso notaacutevel da natalidade inclusive abaixo

das taxas de reproduccedilacirco (no ano de 2000 a taxa de natalidade na Espanha era de 12 em

comparaccedilatildeo a 29 em 1965ndash(GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004) Essa mudanccedila

reproduz tendecircncia observada na Europa como um todo

b) profunda mudanccedila nos arranjos familiares marcando um forte distanciamento

entre o modelo anterior de famiacutelia patriarcal extensa e o modelo nuclear ou

monoparental Neste ao contraacuterio do anterior os filhos contraem matrimocircnio mais

tarde (a partir dos 30 anos)

315

c) substituiccedilatildeo dos antigos processos de emigraccedilatildeo por novas correntes de imigraccedilatildeo que

interferem nas relaccedilotildees sociais ecnocircmicas e culturais no paiacutes Em poucos anos a

Espanha deixou de ser um paiacutes que enviava emigrantes para fora de suas fronteiras

para ser um paiacutes receptor de imigrantes a ponto de o Censo de Populaccedilatildeo de 2001 ter

indicado um nuacutemero de trabalhadores imigrandes fixados na Espanha em torno de

mais de 15 milhotildees de pessoas ndash cifra que em 2003 passou para mais de 26 milhotildees

e em 2005 se aproxima de 5 milhotildees Isso natildeo deixa de gerar uma tensatildeo imigratoacuteria

que vem criando novos problemas econocircmicos e sociais posto que acompanhada de

atitudes racistas e xenoacutefobas entre determinados setores da populaccedilatildeo

O aumento da populaccedilatildeo estrangeira na Espanha (homens e mulheres)

empadronados (registrados mediante censos) em consequecircncia desse processo

imigratoacuterio eacute demonstrado nas tabelas 24 e 25 e na figura 14 (piracircmide populacional) de

2003 a seguir com nuacutemeros relativos agrave Espanha em geral e agraves Regiotildees de Huesca

Teruel e Zaragoza que constituem a Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten A maior

incidecircncia estaacute entre o perfil dos imigrantes (homens e jovens) na faixa etaacuteria de 25 a 29

e de 30 a 34 anos Como Equipamentos Sociais destacam-se os Centros de Informaccedilatildeo

como recursos de acolhida oferecidos com maior frequumlecircncia pelo Poder Puacuteblico espanhol

aos estrangeiros totalizando 43 Centros em toda a Comunidade de Aragoacuten No caso

especiacutefico desta Comunidade espanhola o fluxo migratoacuterio em 2003 correspondia a 62

de sua populaccedilatildeo total

Tabela 24 Populaccedilatildeo estrangeira na comunidade autocircnoma ndash CCAA de Aragoacuten e Espanha

Huesca Terual Zaragoza Aragoacuten Espantildea

Estrangeiros ldquoempadronadosrdquo (registrados) 9678 6016 46202 61896 2664168

Homens 5893 3642 25706 35241 1414750

Mulheres 3785 2374 20496 26655 1249418

estrangeiros sobre a populaccedilatildeo total 46 43 52 50 62

Homens 55 52 59 58 67

Mulheres 36 35 46 43 58

Fonte Revisacirco do Padracirco Municipal Em 1 de janeiro de 2003

316

Tabela 25 Recursos para estrangeiros ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Casas de acolhida 2 - 1 3

Centros de atenccedilatildeo 2 - 1 3

Centros de informaccedilatildeo 11 5 26 42

Centros polivalentes - - 1 1

Residecircncias tuteladas - - 1 1

Total Recursos 15 5 30 50

Fonte Revisatildeo do Padracirco Municipal Em 1 de janeiro de 2003

Fonte Anuaacuterio Social A Caixa 2004 para EspanhaComunidades Autocircnomas-CCAA

Figura 14 Piracircmide de Populaccedilatildeo Estrangeira Revisatildeo do padratildeo Municipal em 01 de

janeiro de 2003

Dados recentes veiculados pela imprensa (Revista Veja 2006) apontam para o

elevado nuacutemero de 56 milhotildees de estrangeiros vivendo em todo o continente europeu nas

uacuteltimas deacutecadas dos quais cerca de 15 (84 milhotildees de imigrantes) se encontram em

situccedilatildeo irregularclandestina No caso especiacutefico da Espanha na uacuteltima deacutecada o nuacutemero

de estrangeiros saltou de 2 para 10 da populaccedilatildeo Somente em 2005 o governo

espanhol tentou regularizar (anistiar e empadronar) via projeto em torno de 600000

imigrantes ilegais numa tentativa de aumentar o volume de impostos arrecadados e

regulamentar as situaccedilotildees de trabalho desses estrangeiros O fluxo migratoacuterio continua

317

aumentando e tornou-se uma questatildeo de Estado em todo o continente europeu ou seja a

Espanha vivencia o paradoxo da imigraccedilatildeo aleacutem do choque cultural que essa situaccedilatildeo

dramaacutetica provoca Ateacute o presente momento a Espanha jaacute recebeu (vindos de botes e

aportando nos balneaacuterios das Ilhas Canaacuterias) 21500 imigrantes todos procedentes do

Continente africano que viajam em torno de 1500 kilocircmetros em mar aberto Agentes da

Cruz Vermelha estimam que outros 3000 morreram em tentativas de travessias ilegais O

governo espanhol tem buscado ajuda junto agrave Uniatildeo Europeacuteia e tomado providecircncias de

transferecircncia desses imigrantes para a Peniacutensula Ibeacuterica

d) a precarizaccedilacirco e crise no trabalho tem afetado de maneira especial os mais jovens as

mulheres e os setores menos qualificados (imigrantes em geral) Tal fenocircmeno

contrasta com a realidade anterior ao se produzir uma estrutura de trabalho dualizada

em que de um lado os imigrantes realizam os trabalhos que os filhos de espanhoacuteis

natildeo querem realizar e o fazem nas piores condiccedilotildees muitas vezes na economia

informal De outro lado os jovens e as mulheres da classe meacutedia espanhola aumentam

as filas de desemprego ateacute o ponto de chegar como em 2002 a atingir o dobro em

relaccedilatildeo ao restante da populaccedilatildeo (adultos de 55 anos)

e) as novas transformaccedilotildees nas estruturas de classe somadas ao peso decrescente das

atividades manuais das classes trabalhadoras (proacuteprias das sociedades

industrializadas) tem produzido uma indefiniccedilatildeo na condiccedilatildeo soacutecio-econocircmica da

classe meacutedia ou seja esta classe estaacute sofrendo tambeacutem os efeitos da exclusatildeo social e

do processo de precarizaccedilacirco nas relaccedilotildees de trabalho

f) configuraccedilatildeo de um tipo de sociedade mais insegura com aumento visiacutevel de sinais de

tensatildeo e de desagregaccedilatildeo social bem como de iacutendices de criminalidade e de violecircncia

devido ao processo de imigraccedilatildeo e choques culturias

g) modificaccedilotildees produzidas nas mentalidades e nas culturas especialmente entre setores

mais jovens da sociedade espanhola Constata-se de um lado grande perda de

influecircncia e de apego agraves concepccedilotildees religiosas e de outro uma crise de absorccedilatildeo de

antigos valores e mentalidades entre jovens da classe meacutedia sobretudo o valor do

trabalho do estudo e da capacidade para poupar (valor destacado nessa sociedade)

assim como a perda gradativa do sentido da autodisciplina e da austeridade Essa crise

de valores combina-se com uma acentuada alteraccedilatildeo nos modelos de referecircncia e de

autoidentificaccedilacirco baacutesica que se traduz na perda de referecircncia de caraacuteter macro a favor

318

de referecircncias de caraacuteter micro (identificaccedilatildeo apenas com pessoas da mesma idade

geraccedilatildeo colegas e outros)

h) reconhecimento nessa Regiatildeo dos quatro elementos que compotildeem o denominado

wellfare mix (Estado mercado redes informais e terceiro setor) como consequumlecircncia e

expressatildeo da interrelaccedilatildeo que existe entre a sociedade civil e o sistema poliacutetico

administrativo O sistema social considera legiacutetimos ldquoos bens relacionais existentes entre

os atores sociais isto eacute as relaccedilotildees que sustentam a interaccedilatildeo entre os diversos elementos

(Estadosetor puacuteblico redes informais famiacutelia e terceiro setor) que conformam o welfare

mixrdquo (ANDERSEN (1993) MORENO (2000) e HERRERA (2001))

i) nos paiacuteses da Europa do Sul a famiacutelia constitui um dos elementos centrais do sistema

de bem estar convertendo-se na principal fonte de provisatildeo social e de solidariedade

constituindo-se em fonte de capital social desses paises e comunidades (MORENO

2000 CEPAL 2000)

j) ldquodentre os paiacuteses do Sul da Europa a Espanha destaca-se por um tratamento mais

assistencialista justificado em parte por uma percepccedilatildeo das consequumlecircncias do

fenocircmeno do envelhecimento e dos problemas que vatildeo gerar cuidados para com os

dependentes Aleacutem disso porque confia na ldquosostenibilidad de la solucioacuten familiarrdquo

como modo de fazer frente aos escassos recursos econocircmicos estatais com os quais

conta a sociedade espanhola para amortizar essa situaccedilatildeordquo (CASADO y LOPEZ

2001 p 74)

Comparados com o Brasil percebe-se que apesar de os paiacuteses do Sul da

Europa terem adotado caminhos de proteccedilatildeo social diversos eacute inegaacutevel que ao longo dos

anos 1990 produziram-se tanto laacute quanto aqui inovaccedilotildees significativas no campo do bem-

estar assim como vaacuterios paradoxos e contradiccedilotildees

ndash Como paradoxo comum assiste-se de um lado as Constituiccedilotildees

nacionais e as Legislaccedilotildees sociais preconizarem uma proteccedilatildeo social formal de bens e

serviccedilos prestados no acircmbito do Estado na perspectiva dos direitos sociais E de outro

uma forte influecircncia da retoacuterica neoliberal com um lento mas contiacutenuo niacutevel de adesatildeo

desses paiacuteses agrave proposta pluralista de bem-estar cujo teor sugere a privatizaccedilatildeo dos

serviccedilos soacutecioassistenciais e a prevalecircncia da assistecircncia social como medida

compensatoacuteria da pobreza

319

ndash No campo do gasto social e do financiamento puacuteblico satildeo conhecidas as

estrateacutegias utilizadas tanto no Brasil como na Europa do Sul para reduzir eou justificar a

natildeo disponibilizaccedilatildeo de recursos financeiros para a aacuterea social O curioso eacute que tanto laacute

como aqui o custo fiscal para fortalecer as malhas de seguridade social eacute modesto e aqueacutem

do desejado (percentual do gasto social em relaccedilatildeo ao PIB) em que pese o reconhecimento

dos governos do aumento da pobreza em seus territoacuterios

ndash Entretanto enquanto na Europa do Sul as poliacuteticas de bem-estar

implementadas objetivam corrigir desequiliacutebrios histoacutericos de seus regimes de bem-estar

ou produzidos por estes em deacutecadas anteriores no Brasil haacute uma diacutevida social acumulada

em deacutecadas e soacute marginalmente ressarcida

ndash Em ambas as realidades as poliacuteticas assistenciais desenvolvidas se configuram

como residuais e com forte tendecircncia agrave informalidade e agrave focalizaccedilatildeo Aleacutem disso os

benefiacutecios oferecidos pelos Programas de Renda Miacutenima nacionais possuem condicionalidades

e caracterizam-se como prestaccedilotildees monetaacuterias de caraacuteter seletivo e focal

ndash Apesar dos aspectos positivos comprovados empiacutericamente dos programas de

transferecircncia de renda como a reduccedilatildeo dos iacutendices de analfabetismo (BrasilBolsa Escola)

cumprimento das condicionalidades exigidas no acircmbito da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e do aumento

do percentual da renda familiar em torno de 2002 bem como do controle financeiro do

benefiacutecio continuar sendo feito pelas mulheres (reconhecidas como a pessoa de referecircncia da

unidade familiar) natildeo haacute uma verdadeira poliacutetica familiar na Espanha ou no Brasil nem

mesmo nos paiacuteses industrializados que seja assumida pelos poderes puacuteblicos

ndash Apesar dos Estados de Bem-estar terem se baseado em um modelo

tradicional de estrutura familiar (famiacutelia nuclear) um aspecto comum nos dois contextos

estudados eacute o fato de os Programas de Transferecircncia de Renda (Bolsa FamiacuteliaBrasil) eou

de Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo(RMIEuropa do Sul) apresentarem grande fragilidade em

seu desenho institucional assim como natildeo unacircnime legitimidade junto agrave populaccedilatildeo em

que pese o forte apelo eleitoral

ndash A exigecircncia de comprovaccedilatildeo com equidad y precisioacuten da necessidade dos

recursos (Europa do Sul) e do estado de pobreza dos beneficiaacuterios (Brasil) mediante o uso

dos testes de meios (means testing) como condiccedilatildeo para receber a prestaccedilatildeo econocircmica

confirma o caraacuteter seletivo e estigmatizador desses programas

ndash No caso especiacutefico da famiacutelia Sul europeacuteia especialmente a espanhola os

hogares e os RMIs tecircm se constituiacutedo tradicionalmente em instacircncias amortizadoras dos

320

problemas sociais e satildeo vistos como parte das uacuteltimas redes de proteccedilatildeo e seguranccedila do

cidadatildeo (MORENO 2000) de caraacuteter voluntaacuterio e informal No Brasil diferentemente

tais instacircncias satildeo vistas como praticamente a uacutenica rede de seguranccedila de nova geraccedilatildeo

ndash Do ponto de vista cultural em que pese o familismo expressar-se de forma

mais forte na Europa do Sul tambeacutem no Brasil a Igreja e a famiacutelia sempre tiveram grande

influecircncia e papel destacado na provisatildeo social privada em substituiccedilatildeo ao papel do

Estado o que se configura como forte tendecircncia contemporacircnea (o matrimocircnio segue

sendo nas duas realidades a forma preferida por homens e mulhers para constituirem a

famiacutelia) Portanto a exemplo da Espanha no Brasil tradicionalmente a instituiccedilatildeo

familiar sempre fez parte integrante dos arranjos de proteccedilatildeo social

ndash Tanto o Brasil como os paiacuteses Sul europeus vivenciam situaccedilatildeo de

ambivalecircncia diante do decliacutenio nas novas geraccedilotildees da tradicional disponibilidade das

famiacutelias para responder agrave provisatildeo social e agraves necessidades sociais de seus membros em

um contexto neoliberal de grande motivaccedilatildeo e de retorno ao conservadorismo que delega a

assistecircncia agraves igrejas e agraves famiacutelias

ndash Tambeacutem ambos os contextos enfrentam problemas de natureza

administrativa e de gerenciamento institucional tais como morosidade das instituiccedilotildees

governamentais ausecircncia de autonomia poliacutetica para resolver as necessidades baacutesicas dos

cidadatildeos aleacutem de persistentes niacuteveis de corrupccedilatildeo e de fraude fiscal como traccedilos culturais

confirmando o peso da burocracia estatal

ndash Eacute visiacutevel igualmente em ambos os contextos o papel marginal ocupado

pela assistecircncia social apesar de sua contemporacircnea recorrecircncia o tratamento

discriminatoacuterio dado aos usuaacuterios dessa poliacutetica o caraacuteter fragmentaacuterio de seus programas

bem como a ausecircncia de criteacuterios redistributivos eficazes

ndash Satildeo desafios a serem enfrentados pelos dois contextos dificuldade para

identificar os reais beneficiaacuterios da assistecircncia social para definir criteacuterios de elegibilidade

confiaacuteveis para aleacutem da pobreza extrema

Em siacutentese com base no exposto constata-se como jaacute foi afirmado que tanto

no Brasil como na Espanha apesar das distintas realidades soacutecioeconocircmicas as poliacuteticas

de assistecircncia social mantecircm um perfil bem caracteriacutestico qual seja

321

seletivas e restritas (natildeo para todos) bem como baseadas em criteacuterios

meritocraacuteticos (meacuterito pessoal e exigecircncia de contrapartidas) e por isso

sem vinculaccedilatildeo com o princiacutepio da universalizaccedilatildeo da cobertura social

natildeo redistributivas com risco de manter os benefiaacuterios aprisionados numa

armadilha da pobreza

natildeo planejadas e natildeo avaliadas de forma eficaz prevalecendo a ausecircncia

da cultura de prestaccedilatildeo de contas agrave sociedade pelo Estado e de

transparecircncia em relaccedilatildeo agraves fontes de recursos e aos criteacuterios de partilha E

ausecircncia de controle democraacutetico efetivo pela sociedade civil

burocraacuteticas dificultando o acesso dos usuaacuterios a bens serviccedilos e

recursos

residuais com reduzidas responsabilidades do Estado pela provisatildeo social

e pelo financiamento de poliacuteticas sociais

contratuais com prevalecircncia do seguro social previdenciaacuterio sobre a

assistecircncia social

assistencialistas sem vinculaccedilatildeo direta com mecanismos de concretizaccedilatildeo

de direitos sociais

marcadas pela ausecircncia de patamares miacutenimos dos valores dos benefiacutecios

sociais em acircmbito nacional

No Brasil chamam atenccedilatildeo os seguintes aspectos que extrapolam a assistecircncia

mas que exercem influecircncia sobre ela

ndash a natildeo materializaccedilatildeo do conceito de seguridade social em que a assistecircncia

social deveria funcionar em peacute de igualdade com as poliacuteticas de sauacutede e de previdecircncia

social que com ela compotildeem esse sistema

ndash a realocaccedilatildeo dos recursos do orccedilamento da seguridade social para fins de

pagamento da diacutevida externa

ndash os efeitos produzidos pelas recentes reformas da previdecircncia social

ocorridas no periacuteodo de 1998 a 2002

Reforccedilo da loacutegica do seguro previdenciaacuterio baseado no modelo de

contrato social e de capitalizaccedilatildeo (e natildeo de um sistema de seguridade

social puacuteblica)

322

Reduccedilatildeo do valor dos seguros e dos benefiacutecios previdenciaacuterios

Incentivo agrave privatizaccedilatildeo e expansatildeo dos planos privados (previdecircncia

privada complementar) desobrigando o Estado de bancar uma

Previdecircncia social puacuteblica

ndash dificuldades no acircmbito da sauacutede

escassez de recursos

reduccedilatildeo da qualidade do atendimento

fragilidade dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica

ampliaccedilatildeo dos Planos de Sauacutede privados (autofinanciamentoprivatizaccedilatildeo)

ndash dificuldades no acircmbito da assistecircnca social

tendecircncia focalista dos programas projetos e serviccedilos com avanccedilada

utilizaccedilatildeo dos mesmos pela perspectiva pluralista de bem-estar neoliberal

restriccedilatildeo de suas accedilotildees a trecircs segmentos (crianccedilas e adolescentes idosos e

portadores de necessidades especiais em situaccedilatildeo de pobreza absoluta)

criaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Assistecircncia Social (SUAS) tendo como

paracircmetro privilegiado o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) cujas

concepccedilotildees teoacuterico-conceituais pautam-se por fenocircmenos e processos

distintos dos da asistecircncia social

CONCLUSAtildeO

No iniacutecio da elaboraccedilatildeo da presente tese indagava-se sobre o provaacutevel grau de

incidecircncia das variaacuteveis econocircmicas sociais e poliacuteticas na construccedilatildeo consolidaccedilatildeo e

expansatildeo do Estado Social Dentre elas buscou-se identificar e aprofundar as mudanccedilas

produzidas pela teoria keynesino-fordista e pelo padratildeo beveridgiano de seguridade social

bem como a influecircncia do fenocircmeno do pluralismo de bem-estar no contexto europeu poacutes-

beveridgiano e keynesiano-fordista Nesse primeiro momento de anaacutelise identificou-se causas

variadas e hererogecircneas que contribuiacuteram tanto para a formaccedilatildeo do Estado Social quanto para

a desintegraccedilatildeo do consenso do periacuteodo correspondente agrave Segunda Guerra Mundial

Constatou-se ademais que as causas foram tanto econocircmicas como sociais e poliacuteticas apesar

de em sua gecircnese terem prevalecido razotildees de iacutendole poliacutetica (LARA 1991)

Os defensores do Estado Social ao justificaram o intervencionismo estatal

tinham como objetivo corrigir as desigualdades sociais fundamentando-se em soluccedilotildees

coletivas Na verdade estrategicamente o Estado Social pretendeu chegar a um equiliacutebrio

entre liberdade e igualdade respeitando a iniciativa privada e a garantia de um miacutenimo de

renda mediante poliacuteticas de pleno emprego pretensatildeo que resultou como essencial ao

controle da demanda ao se utilizar os gastos puacuteblicos e garantir a provisatildeo universal dos

serviccedilos sociais Por outro lado o Estado Social demonstrou tambeacutem como tendecircncia a

tentativa de compatibilizar o princiacutepio da universalidade do sistema de seguridade social

puacuteblica com os seguros privados De fato o sistema de seguridade proposto por Beveridge

deveria garantir um miacutenimo deixando uma ampla margem que permitisse fomentar a accedilatildeo

particular de cada indiviacuteduo Aleacutem disso em quase todos os paiacuteses nos quais se implantaram

sistemas nacionais com prestaccedilotildees e contribuiccedilotildees uniformes nos anos posteriores agrave Segunda

Guerra Mundial essas caracteriacutesticas foram corrigidas e complementadas por outras

proporcionais agrave renda dos trabalhadores

Estudiosos de diferentes correntes sustentam que a configuraccedilatildeo do Estado

Social muito contribuiu para a estabilidade da democracia uma vez que consideram como

324

fator importante para o surgimento ou consolidaccedilatildeo das democracias a ausecircncia de

desigualdades econocircmicas extremas Por essa perspectiva se de um lado para os

neoliberais natildeo existe outra opccedilatildeo que a economia livre de mercado de outro a formaccedilatildeo

do Estado Social demonstrou que as necessidades de legitimaccedilatildeo poliacutetica natildeo podem

permanecer agrave margem da forma de organizaccedilatildeo poliacutetica e econocircmica que se propotildee em

determinadas conjunturas Com base nesta inferecircncia haacute que se ressaltar que as criacuteticas de

orientaccedilatildeo marxista bem fundamentadas acerca das contradiccedilotildees do Estado Social

capitalista vecircm oferecendo valiosos aportes especializados sobre esta questatildeo Perry

Anderson (1995) ao analisar a evoluccedilatildeo do marxismo ocidental no decorrer das deacutecadas de

1970 e 1980 sinalizou para o esgotamento do modelo neoliberal por produzir tanta

pobreza e desigualdade social apesar de seu reconhecimento sobre as dificuldades para se

definir estrateacutegias concretas que permitam frear a expansatildeo ou ateacute mesmo superar a

hegemonia da ordem capitalista

Esta tese ao tematizar a assistecircncia no contexto do pluraliasmo de bem-estar

neoliberal demonstra uma grande preocupaccedilatildeo com as perspectivas e tendecircncias que

cercam essa poliacutetica Como afirma Pereira (2004) a ideacuteia de bem-estar misto sempre

constituiu um elemento integral e endoacutegeno ao sistema de proteccedilatildeo social capitalista sejam

eles liberais ou social-democratas ou faccedilam parte do capitalismo regulado ou flexiacutevel As

diferenccedilas identificaacuteveis residem na importacircncia atribuiacuteda aos seus componentes e aos

pressupostos teoacutericos ideoloacutegicos e eacuteticos que presidem essa escolha Nesse sentido eacute a

orientaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica que mudaraacute os rumos desse bem-estar plural (ou desse

pluralismo) ainda que sobre a mesma base capitalista Sabe-se que tais rumos mudam de

acordo com a natureza e radicalidade de cada experiecircncia Entretanto o que se quiz aqui

realccedilar foi a intenccedilatildeo do chamado pluralismo de bem-estar de esvaziar o protagonismo do

Estado na poliacutetica social Reafirmou-se tambeacutem a conviccedilatildeo de que uma poliacutetica social soacute

se torna efetivamente uma accedilatildeo de interesse puacuteblico quando voltada para o bem comum e

quando eacute extensiva a todos assegurando assim sua dimensatildeo puacuteblica e universalizadora e

natildeo meramente plural

Como contrapondo agrave convicccedilatildeo neoliberal esta tese buscou compreender a

loacutegica do pensamento liberal conservador em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de pluralismo de bem-estar

difundida como um modelo plural ou misto que deveraacute atuar em substituiccedilatildeo ao Estado de

Bem-estar Ao se entender que a ideacuteia de bem-estar plural natildeo constitui criteacuterio de

definiccedilatildeo de um sistema de provisatildeo social concretizador de direitos sociais entende-se

325

que tambeacutem natildeo contempla a dimensatildeo puacuteblica e universal agrave medida que os termos plural

misto eou coletivo natildeo refletem a noccedilatildeo de puacuteblico assim como a ideacuteia de puacuteblico natildeo

significa estatal O conceito de puacuteblico engloba outros significados que pelo grau de

universalidade que contecircm estatildeo diretamente a ele vinculados tais como poliacutetica social

direito social necessidades sociais baacutesicas democracia com igualdade positiva justiccedila

social redistributiva com equidade cidadania ampliada Portanto a dimensatildeo puacuteblica

somente eacute garantida mediante a primazia do Estado na regulaccedilatildeo do processo de provisatildeo

social privilegiando as demandas e necessidades sociais como indutores das poliacuteticas

sociais Ademais estas poliacuteticas natildeo podem estar submetidas agrave disponibilidade ou natildeo de

recursos puacuteblicos pois isso as torna refeacutens e dependentes de sobras de orccedilamentos e da

vontade poliacutetica dos governantes Daiacute a ideacuteia de que natildeo se asseguram direitos sociais

apenas com accedilotildees voluntaacuterias de ajuda muacutetua entre grupos de amigos vizinhos

familiares por mais humanitaacuterias e necessaacuterias que essas experiecircncias sejam Em

princiacutepio natildeo eacute essa a funccedilatildeo dessas organizaccedilotildees civis e natildeo-oficiais estejam elas nos

setores voluntaacuterio informal ou mercantil Por seu caraacuteter indefinido e ambiacuteguo ora

privatista ora plural ou misto mas seguramente natildeo puacuteblico elas apenas suprem

temporariamente carecircncias sociais natildeo se orientando por criteacuterios universais de acesso aos

bens e riquezas produzidas socialmente

Na perspectiva de uma abordagem histoacuterica e teoacuterico-criacutetica o que se percebe

eacute que essas instituiccedilotildees ao compactuarem com a loacutegica privatista na atenccedilatildeo agraves

necessidades sociais e ao aceitarem assumir as funccedilotildees que satildeo do Estado tornam-se

funcionais ao sistema capitalista e agrave retoacuterica neoliberal Esta por sua vez naturaliza as

situaccedilocirces de vulnerabilidade social e de pobreza (relativa e absoluta) ora como

contingecircncias inevitaacuteveis da vida humana ora como problema de incompetecircncia

individual portanto restritos a espaccedilos privatistas e natildeo como consequumlecircncia de uma

sociedade estruturada em classes eou como um fenocircmeno social e histoacuterico complexo

determinado por muacuteltiplos fatores

A criacutetica a essa percepccedilatildeo natildeo quer dizer que natildeo se admita um trabalho

conjunto entre os setores natildeo-oficiais e o Estado de forma articulada em uma perspectiva

de complementaridade no sentido eacutetico-poliacutetico do termo ou seja no sentido de se

estabelecer uma relaccedilatildeo que natildeo comporte improvisaccedilotildees e implique definiccedilatildeo de

estrateacutegias claras e objetivas Contudo o estabelecimento dessa relaccedilatildeo complementar

pressupotildee consciecircncia e posicionamento poliacutetico coerentes que natildeo levem agrave acomodaccedilatildeo e

326

agrave perda da capacidade de se indignar frente agraves iniquumlidades sociais problematizando e

apresentando demandas assim como cobrando do Estado o exerciacutecio de sua funccedilatildeo

puacuteblica como um dever constitucional A rigor apesar das posiccedilotildees diferenciadas dos

autores que referenciam esta tese percebe-se uma posiccedilatildeo convergente em relaccedilatildeo agrave

centralidade do papel do Estado como expressatildeo de uma sociedade organizada

politicamente e agrave funccedilatildeo histoacuterica das poliacuteticas sociais puacuteblicas como uma accedilatildeo ativa e

positiva que contempla tambeacutem o Estado A sociedade civil considerada por Gramsci

(1991) como a maior esfera puacuteblica da superestrutura tem um peso poliacutetico extraordinaacuterio

na consolidaccedilatildeo das democracias modernas Esta esfera comparece na relaccedilatildeo com o

Estado de vaacuterias formas mediante a atuaccedilatildeo de muacuteltiplos atores e setores Daiacute sua

importacircncia no sentido de que compete a ela legitimar ou natildeo o poder regulador do

Estado em particular no campo da provisatildeo social puacuteblica promovendo um movimento

contraacuterio agrave ideologia dominante de contra cultura No contexto dessas consideraccedilotildees e

tomando-as como horizonte ciacutevico e democraacutetico haacute que se repensar o papel das poliacuteticas

socais puacuteblicas contemporacircneas no quadro das novas demandas recuperando tambeacutem o

lugar do Estado Social (sem cair no centralismo eou no estatismo) Da mesma forma haacute

que se retomar a forccedila organizativa da sociedade civil (sem cair no voluntarismo) Para

tanto haacute que se recusar as orientaccedilotildees neoliberais baseadas na noccedilatildeo de um Estado

miacutenimo segundo a qual a economia deve prevalecer sobre a poliacutetica e o social Haacute que se

privilegiar questotildees centrais como a defesa intransigente da democratizaccedilatildeo do Estado nos

campos da provisatildeo social e da gestatildeo puacuteblica e do poder de decisatildeo poliacutetica da sociedade

civil e ainda a natildeo privatizaccedilatildeo dos bens e serviccedilos puacuteblicos assim como a ampliaccedilatildeo de

esferas puacuteblicas na otimizaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas (e natildeo

miacutenimas) Afinal sabe-se que uma poliacutetica social se efetiva como puacuteblica quanto mais ela

combina a defesa dos direitos de cidadania com o atendimento agrave satisfaccedilatildeo das

necessidades humanas baacutesicas Isso significa qualificar a vida dos beneficiaacuterios das

poliacuteticas sociais puacuteblicas e promover mudanccedilas substantivas no campo da relaccedilatildeo Estado e

sociedade bem como na superaccedilatildeo das condiccedilotildees aviltantes de pobreza (absoluta e

relativa) e das desigualdades sociais aqui entendidas como expressatildeo da brutal

concentraccedilatildeo de riqueza e de poder poliacutetico tal como acontece na Ameacuterica Latina e

especialmente no Brasil Diante dessa exigecircncia torna-se imprescindiacutevel a criaccedilatildeo e o

respaldo de teorias elaboradas de forma criacutetica e propositiva ancoradas em categorias

histoacuterico-analiacuteticas centrais e em evidecircncias empiacutericas fidedignas tendo em vista a

327

continuidade desse debate em bases cientiacuteficas e democraacuteticas por entender que essas

discussotildees forccedilam o aparecimento de novos entendimentos sobre relaccedilotildees substantivas

dentre outras entre puacuteblico e privado direito e necessidades humanas baacutesicas poliacutetica

social Estado sociedade civil e mercado democracia e cidadania

Este estudo preocupou-se tambeacutem com o processo de desinstitucionalizaccedilatildeo da

assistecircncia social e com a funcionalidade dessa estrateacutegia ao projeto neoliberal O termo

instituiccedilatildeo eacute qualificado em sua evoluccedilatildeo histoacuterica como uma realidade socialmente

construiacuteda como campo de mediaccedilatildeo e como locus de praacuteticas sociais atravessadas por

relaccedilotildees de poder e por tentativas ora de institucionalizar ora de desinstitucionalizar

experiecircncias poliacuteticas e soacutecio-histoacutericas em particular no acircmbito dos direitos e dos serviccedilos

sociais As instituiccedilotildees em sua relaccedilatildeo com o Estado e a sociedade no contexto de uma

ordem econocircmica capitalista hegemocircnica constituem-se em espaccedilos de mediaccedilatildeo (natildeo como

interposiccedilatildeo) das poliacuteticas sociais e dos movimentos sociais para onde satildeo dirigidas

demandas diversificadas Tais instituiccedilotildees acabam legitimando-se como instacircncias

encarregadas de dar respostas concretas agraves questotildees contemporatildeneas Ao se fazer menccedilatildeo agraves

instituiccedilotildees vistas muitas vezes como organizaccedilotildees pretendeu-se mostar que a ideacuteia de que

em sua trajetoacuteria histoacuterica as organizaccedilotildees capitalistas vatildeo atribuindo novos significados agraves

suas accedilotildees e aos seus niacuteveis de intervenccedilatildeo com base nos impactos de novos problemas

sociais Daiacute ser necessaacuterio historicizar o espaccedilo micro em sua relaccedilatildeo com o macro No

contexto do processo de desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como um fenocircmeno

histoacuterico consolidado e poliacutetica puacuteblica de seguridade social o que se quiz destacar foi que

tal desinstitucionalizaccedilatildeo constitui mais uma estrateacutegia conservadora usada para fins de

interesses econocircmicos que se consolida sob a retoacuterica minimalista e da justificativa de

transferecircncia de responsabilidades sociais puacuteblicas do Estado para a sociedade civil sob o

argumento da provisatildeo social plural ou mista

Embora a pobreza seja reconhecida como questatildeo substantiva tratou-se de

qualificar a assistecircncia social como poliacutetica que concretiza direitos de cidadania e

incorpora o conceito de democracia igualitaacuteria aqui entendida como forma de organizaccedilatildeo

do poder social no espaccedilo puacuteblico fundamentado em princiacutepios redistributivos e universais

Entende-se tambeacutem que o conceito de liberdade positiva com igualdade eacute privilegiado no

acircmbito da assistecircncia social ao se postular uma cidadania ampliada (direitos civis poliacuteticos

e sociais) com a participaccedilatildeo decisiva do Estado Eacute nessa perspectiva teoacuterico-analiacutetica que

torna-se necessaacuterio destacar as tendecircncias em curso na configuraccedilatildeo das poliacuteticas sociais

328

de perfil latino em particular da assistecircncia social na perspectiva do pluralismo de bem-

estar A postura de recusa a elas significa resgatar a centralidade do Estado e da

prerrogativa que soacute a ele pertence qual seja de garante dos direitos de cidadania

Preocupa a esta tese as diversas distorccedilotildees ocorridas no sistema de seguridade social e no

modelo de proteccedilatildeo social dominante tanto no Brasil quanto na Europa do Sul quando se

percebe que tem se configurado como expressivas tendecircncias contemporacircneas

Indefiniccedilatildeo e caraacuteter regressivo de um desenho institucional das poliacuteticas

sociais que seja compatiacutevel com a realidade social

Ausecircncia de um marco regulatoacuterio nacional no campo da assistecircncia social

Forte traccedilo de seletividade e residualidade com baixa capacidade para se

produzir impactos concretos no cotidiano da populaccedilao beneficiaacuteria dos

programas sociais

Significativas perdas no campo da proteccedilatildeo social puacuteblica com profunda

retraccedilatildeo da cidadania social

Existecircncia de um Estado Social forte para o capital e restrito e relutante para

a proteccedilatildeo social aos pobres com forte adesatildeo ao discurso neoliberal de teor

ideoloacutegico privatizante e antiestatal

Prevalecircncia de um modelo de provisatildeo social assistencialista clentelista e

limitado de vertente natildeo contratual e natildeo contributiva que tem produzido

mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo e no perfil das poliacuteticas sociais na

Europa do Sul e no Brasil

Retorno de praacuteticas conservadoras e tuteladoras marcadas pela precarizaccedilatildeo

de recursos e pela descontinuidade e improvisaccedilatildeo no acircmbito das poliacuteticas

sociais o que indica a prevalecircncia da dimensatildeo econocircmica sobre a social

A continuidade de um sistema de proteccedilatildeo social na Europa do Sul e no

Brasil gerador de mecanismos natildeo redistributivos e de grande concentraccedilatildeo

da riqueza socialmente produzida

Alinhamento dos executivos nacionais nos dois contextos estudados diante

das exigecircncias dos organismos multilaterais (FMI Banco Mundial e outros)

com propostas de politicas macroeconocircmicas e com pleitos liberalizantes

na perspectiva da privatizaccedilatildeo da economia munidal em acircmbito nacional e

internacional

329

Severa e contiacutenua orientaccedilatildeo para reduccedilatildeo dos recursos orccedilamentaacuterios com

cortes draacutesticos no orccedilamento da seguridade social o que tem se

configurado como uma injusta e inadequada estrutura de gestatildeo controle

democraacutetico e financiamento das poliacuteticas sociais

Reiteraccedilatildeo do lugar de direitos de cidadania pelas elites econocircmicas no campo

das superestruturas poliacutetico-edeoloacutegica Nesse sentido os bens e serviccedilos

sociais deixaram de expressar direitos de cidadania como dever de Estado

Assim se de um lado o final dos anos de 1980 marcou o iniacutecio da adesatildeo dos

governos da Europa do Sul e do Brasil agraves orientaccediloes neoliberais no acircmbito da assistecircncia

social por meio da proposta de pluralismo de bem estar de outro produziu o que vem

sendo denominado de novas estrateacutegias e demandas quais sejam desestatizaccedilatildeo

desregulaccedilatildeo econocircmica e social privatizaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico e dos bens e serviccedilos

puacuteblicos (a exemplo da privatizaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios bens patrimoniais

puacuteblicosestatais ocorrida no Brasil produzida pelo governo Cardoso ao final dos anos

1990) flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees de traablho (leia-se perda de garantias de direitos

trabalhistas) O conjunto dessas estrateacutegias neoliberais tem produzido grande fragilidade

nos mecanismos internos redistributivos (quando existem) quando da implementaccedilatildeo de

poliacuteticas sociais e especialmente nos esquemas de provisatildeo e ou transferecircncia de renda

miacutenima o que tem se constituiacutedo num campo feacutertil para a afirmaccedilatildeo do ideaacuterio neoliberal

nas duas realidades analisadas Assiste-se atualmente agrave mercantilizaccedilatildeo das poliacuteticas

sociais no atendimento agraves necessidades miacutenimas de sobrevivecircncia (e natildeo sociais baacutesicas)

em subordinaccedilatildeo agrave loacutegica privatista Trata-se da naturalizaccedilatildeo e banalizaccedilatildeo de processos

complexos transformados em teses minimalistas sobre a participaccedilatildeo do Estado no campo

das poliacuteticas sociais e dos direitos de cidadania em nome da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do

mercado Nesse contexto a cultura assistencialista e tuteladora tem favorecido a aplicaccedilatildeo

dos princiacutepios da subsidiariedade da benemerecircncia e da filantropia em detrimento do

princiacutepio da democracia igualitaacuteria e da justiccedila redistributiva estrateacutegicamente ocultados e

natildeo colocados como pauta das agendas puacuteblicas Eacute nesse sentido que a retoacuterica neoliberal

tem promovido a reificaccedilatildeo (coisificaccedilatildeo) dos princiacutepios da inclusatildeo e da universalizaccedilatildeo

de acesso das funccedilotildees do Estado Social e por extensatildeo do protagonismo das poliacuteticas

puacuteblicas na estensatildeo da cidadania Nessa perspectiva analiacutetica tambeacutem satildeo naturalizados

os fenocircmenos da pobreza e da desigualdade social como consequumlecircncia natural da

330

expansatildeo do capital Tais orientaccedilotildees tecircm provocado o aprofundamento da estrutura

estratificada e desigual dessas sociedades em nome de um suposto crescimento econocircmico

vertical sem investimentos na aacuterea social Como reflexo da ideologia privastista que

penetrou no aparelho do Estado capitalista contemporacircneo situam-se os fenocircmenos da

corrupccedilatildeo generalizada (Brasil) e do clientelismo e do favorecimento poliacutetico (Europa do

Sul) na produccedilatildeo e oferta de bens e serviccedilos sociais Tais fenocircmenos tecircm gerado fortes

dilemas e rupturas no debate sobre os binocircmios estatizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo universalismo e

seletividadefocalizaccedilatildeo mecanismos distributivos de renda e mecanismos redistributivos

crescimento econocircmico e desenvolvimento social

Outra forte tendecircncia presente no mundo contemporaneo referente agrave poliacutetica

socialassistecircncia social sob influecircncia neoliberal eacute a prevalecircncia de um distinto modo de

equiliacutebrio entre as accedilotildees do Estado (setor puacuteblico) e da sociedade civil por meio da accedilatildeo

de setores natildeo oficiais que configura um agregado de bem estar ndash informal voluntaacuterio e

comercialmercantil ndash na provisatildeo de bens e serviccedilos sociais Esses setores tecircm sido

responsabilizados por novas formas de sociabilidade e pela rearticulaccedilatildeo de espaccedilos e

demandas sociais onde se processam as poliacuteticas sociais e portanto fora da histoacuterica

relaccedilatildeo entre Estado e sociedade em uma perspectiva puacuteblica Com base nessas

orientaccedilotildees compete aos proacuteprios cidadatildeos na condiccedilatildeo de usuaacuterios e beneficiaacuterios de

poliacuteticas sociais a criaccedilatildeo de mecanismos e instrumentos para a satisfaccedilatildeo de suas

necessidades baacutesicas

Diante do exposto os efeitos do pluralismo de bem estar satildeo percebidos de

forma intensa e significativa a exemplo das mudanccedilas abaixo relacionadas

A sociedade foi chamada a colaborar na resoluccedilatildeo dos problemas sociais e do

fortalecimento do sistema de proteccedilatildeo social mediante uma provisatildeo social privada

baseada no trabalho assistencial informal e voluntaacuterio e portanto natildeo institucionalizado

As diretrizes da participaccedilatildeo e da descentralizaccedilatildeo secundaacuteria continuam em alta

agora sob nova abordagem e significados Estatildeo ancoradas nas vertentes do localismo

(pequenas comunidades) e de desconcentraccedilatildeoprefeiturizaccedilatildeo em detrimento dos princiacutepios

da municipalizaccedilatildeo e da descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa de caraacuteter puacuteblico

afianccedilados e regulamentados pelas Constituiccedilotildees Federais dos respectivos paiacuteses Daiacute a adesatildeo

dessas duas regiotildees a partir dos anos 1980 a um modelo de assistecircncia social de caraacuteter

plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblicaTanto na Europa do Sul como no Brasil essa dimensatildeo

plural ou mista da assistecircncia social vem ganhando expressatildeo e materialidade histoacuterica Nesse

331

contexto ganha destaque o fenocircmeno do familismo (participaccedilatildeo ativa da famiacutelia na provisatildeo

social privada em substituiccedilatildeo ao papel do Estado) No Brasil ao final dos anos 1990 o

programa federal comunidade solidaacuteria (governo Fernando H Cardoso) marcou o iniacutecio da

adesatildeo do executivo nacional brasileiro agrave proposta pluralista de bem estar no acircmbito da

assistecircncia social Os programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMIEuropa do Sul) e de

transferecircncia de renda (Brasil) nasceram sob o signo da regressividade focalizaccedilatildeo e

descontinuidade de uma poliacutetica social puacuteblica Na aacuterea do financiamento privilegiaram-se

cortes na aacuterea da seguridade social sob a justificativa da necessidade de enxugamento nos

gastos sociais considerados excessivos e geradores do deacuteficit orccedilamentaacuterio No caso particular

do Brasil a assistecircncia social passou a ser vista como um fenocircmeno marginal e transitoacuterio (em

busca de portas de saiacutedas) configurando-se como expressatildeo de uma democracia e de uma

cidadania inconclusas presididas por relaccedilotildees fetichizadas (mistificadas) apesar da assistecircncia

ter alcanccedilado a agenda puacuteblica nos anos 1980 e ter sido ressignificada pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Essa condiccedilatildeo de perda de visibilidade do papel estrateacutegico da assistecircncia

social como poliacutetica puacuteblica concretizadora de diretios sociais eacute preocupante por se entender

que a reduccedilatildeo dessa poliacutetica a uma dimensatildeo plural ou mista a identifica e a estigmatiza como

uma accedilatildeo social que continua reiterando o lugar da pobreza agrave medida que se torna sinocircnimo de

amadorismo desprofissionalizaccedilao e ausecircncia de planejamento Esta tese acredita que toda

accedilatildeo puacuteblica para ganhar legitimidade social e poliacutetica tem que se traduzir em uma accedilatildeo

planejada organizada financiada e reconhecida pelo Estado e vista como um bem comum

baseado em accedilatildeo positiva A situaccedilatildeo brasileira torna-se ainda mais paradoxal quando de um

lado o Brasil convive com uma legislaccedilatildeo social de perfil progressista (Consituiccedilatildeo Federal de

1998) que organiza e regulamenta a aacuterea da assistecircncia social (haja vista a recente unificaccedilatildeo

da poliacutetica de assistecircncia social por meio do SUASNOB 2005) e de outro o Executivo

nacional (e por extensatildeo as esferas estaduais e municipais) adere agrave tese minimalista de Estado

atribuindo grande ecircnfase ao mercado (que sabidamente natildeo tem vocaccedilatildeo social) e o qualifica

como instacircncia reguladora das relaccedilotildees sociais e econocircmicas em substituiccedilatildeo ao papel do

Estado Ao Estado capitalista moderno resta seguir as orientaccedilotildees monetaristas de Hayek Eacute

desse modo que se propotildee como substrato da racionalidade neoliberal mudanccedilas

significativas nos princiacutepios orientadores e na dimensatildeo operacional das poliacuteticas sociais

especialmente na implementaccedilatildeo dos seguintes eixos programaacuteticos gestatildeo participativa

controle democraacutetico e financiamento puacuteblico Trata-se indiscutivelmente a estrateacutegia

neoliberal de uma forma regressiva de precarizar a produccedilatildeo e a apropriaccedilatildeo dos bens e

332

serviccedilos sociais pelos beneficiaacuterios de tais programas Como fator agravante desse quadro na

aacuterea do financiamento o montante de gasto social vem se tornando gradativamente

inexpressvo no conjunto de dispecircndio social o que o transforma em um mecanismo restritivo

que aleacutem de fortalecer o processo de desigualdade social onera ainda mais os segmentos

pobres da populaccedilatildeo O caraacuteter regressivo de tais mecanismos se expressa na ausecircncia de um

planejamento proacuteprio e de uma indefiniccedilatildeo poliacutetica agrave medida que natildeo tecircm uma destinaccedilatildeo

especiacutefica operando como impostos indiretos Eacute nesse sentido que eles satildeo submetidos a

criteacuterios financeiros de rentabilidade econocircmica gerando o chamado auto financiamento o que

aprofunda ainda mais o grau de regressividade da assistecircncia social agrave medida que seu

orccedilamento fica vulneraacutevel agraves mudanccedilas poliacuteticas e agraves oscilaccedilotildees da economia de mercado

Assim ao se institucionalizar o autofinanciamento e ao legitimaacute-lo como mais uma estrateacutegia

de privatizaccedilatildeo os cidadatildeos pagam duplamente pelos serviccedilos sociais puacuteblicos (quando os

tecircm) No acircmbito da classe trabalhadora segmento marcado pela presenccedila de um grande

contingente de cidadatildeos desempregados (desemprego estrutural) assiste-se agrave passividade e ao

esvaziamento do poder de pressatildeo poliacutetica e de vocalizaccedilatildeo desses segmentos como mais um

produto da racionalidade privatista Soma-se a esses fatores a grande dificuldade na sociedade

contemporacircnea de se construir espaccedilos de pertencimento social Eacute nesse contexto de regressatildeo

da dimensatildeo poliacutetica e de fragilizaccedilatildeo da democracia igualitaacuteria e da cidadania ampliada que a

ideologia neoliberal rechaccedila a linguagem dos direitos criando um quadro de incertezas que

natildeo pode se traduzir em ausecircncia de esperanccedila e de utopia Haacute que se recuperar a autonomia e

a dignidade perdida de uma grande parcela de cidadatildeos aleacutem do imperativo de se recompor

com urgecircncia o protagonismo das poliacuteticas sociais puacuteblicas apesar do caraacuteter contraditoacuterio e

ambivalente que as caracteriza

Como perspectiva otimista entende-se que apesar das vaacuterias tentativas de se

alterar o perfil do sistema de proteccedilatildeo social nos citados paiacuteses e em particular no Brasil

as mudanccedilas ocorridas natildeo foram suficientes para destruir os pilares do padratildeo de proteccedilatildeo

social inspirados no Estado Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial Apesar da perspectiva

publicizadora da assistecircncia social ainda natildeo ter sido incorporada de forma suficiente pelos

poderes puacuteblicos e pelo imaginaacuterio coletivo continua-se a acreditar nessa poliacutetica puacuteblica

como uma unidade substantiva da seguridade social e como uma das principais estrateacutegias

democraacuteticas para se reverter a cultura assistencialista do paiacutes e para promover o

alargamento da concepccedilatildeo e da praacutetica de assistecircncia social no contexto de polecircmicos e

complexos regimes de bem estar ndash ateacute mesmo por se acreditar na legitimidade que foi

333

conferida a essa poliacutetica pela LOAS (1993) e agora pelo SUASNOB (2005) Afinal

mesmo constando como um iacutetem ausente nos debates de corte econocircmico neoliberal a

ideacuteia de crescimento econocircmico aliada agrave de desenvolvimento social deve ser difundida

como sendo uma proposiccedilatildeo natildeo imcompatiacutevel com poliacuteticas sociais de efeitos

redistributivos Isso significa defender como estrateacutegia relevante um desenvolvimento

econocircmico em bases redistributivas (em que todos ganham) quebrando o ciacuterculo perverso

da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade social pois os princiacutepios da

justiccedila redistributiva e da garantia dos direitos sociais natildeo podem prescindir da accedilatildeo

estatal da co-participaccedilatildeo da sociedade civil nem constituir-se em objeto de interesses

particularistas e corporativistas fortalecidos por interesses privatistas

Enfim natildeo obstante as polecircmicas que cercam essa questatildeo bem como as

contribuiccedilotildees e divergecircncias teoacutericas que envolvem a temaacutetica da assistecircncia social na

perspectiva do pluralismo de bem-estar a vigecircncia da crise do Estado capitalista contemporacircneo

ultrapassa os objetivos da presente tese Outra ressalva a fazer eacute que apesar das deficiecircncias que

afetaram o Estado Social (crise e colapso da doutrina keynesiana) eacute justo reconhecer que no

acircmbito do capitalismo nenhum outro modelo de Estado buscou conciliar de forma tatildeo precisa os

conceitos de liberdade e de igualdade na perspectiva de uma justiccedila redistributiva e de uma

democracia igualitaacuteria Essa ideacuteia segue tendo vigecircncia nas sociedades contemporacircneas Dinte do

exposto torna-se mister reafirmar que a assistecircncia social eacute uma poliacutetica social puacuteblica que natildeo

se restringe ao binocircmio pobrezafome do ponto de vista material mas possui uma dimensatildeo

eacutetico-poliacutetica ideoloacutegica e humana que extrapola a existecircncia de contraditoacuterios fenocircmenos

histoacutericos Embora reconheccedila a pobrezafome como uma questatildeo substantiva trata-se de

qualificar a assistecircncia social como poliacutetica que acima de tudo concretiza direitos de cidadania

Sintetizando Gough (1997) haacute que se defender uma rede de seguridade puacuteblica oficial com uma

cobertura estatal justa e universal um regime institucionalizado de assistecircncia social e um marco

regulatoacuterio nacional na Europa do Sul e no Brasil Eacute nessa perspectiva que se efetivaraacute nessa

regiatildeo e no Brasil uma poliacutetica de assistecircncia social como um sistema de proteccedilatildeo social

puacuteblico porque ancorado em princiacutepios de justiccedila e de redistributividade e em um novo pacto de

cidadania democracia e civilidade Afinal como afirmou Sir William Beveriacutedge em 1942 ndash um

dos artiacutefices do primeiro sistema de seguridade social da Inglaterra e do mundo de forma

universal ndash numa citaccedilatildeo que marca e qualifica a biografia do Estado de Bem-estar apoacutes a

Segunda Guerra Mundial ldquoa una democracia no se le puede imponer o regalar la liberacioacuten de la

necesidad Deve ganaacuterselardquo (apud TIMMINS 2001 p 17)

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Documentos

ASSOCIACcedilAtildeO NACIONAL DOS FISCAIS DE CONTRIBUICcedilOtildeES PREVIDENCIAacuteRIAS (ANFIP) Previdecircncia ao redor do mundo Brasiacutelia Athalaia V 1 e 2

ATLAS DA EXCLUSAtildeO SOCIAL NO BRASIL Satildeo Paulo Cortez 2003

BIRDBanco MundialDC - Relatoacuterio sobre o desenvolvimento mundial ndash 20002001 Luta contra a pobreza Panorama geral Washington 2000

Cadernos do Ceam - Conflitos de interesses e a regulamentaccedilatildeo da poliacutetica de Assistecircncia Social Brasiacutelia UnBNEPPOS 2002

Conferecircncia Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB) Exigecircncias evangeacutelicas e eacuteticas de superaccedilatildeo da miseacuteria e da fome Satildeo Paulo ItaiciIndaiatuba 2002

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Programa Fome Zero Instituto CidadaniaFundaccedilatildeo Djalma Guimaratildees 2002

Informes OCDE Indicadores sociales ndash Lista OCDE Madrid Ministerio de Trabajo y Seguridad Social (MTSS) 1985

Ministeacuterio de Trabajo y Asuntos Sociales (MTAS) In Boletim Oficial del Estado Guia laboral y de asuntos socialesndash2005 Madrid actualizado en junio de 2005

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______ (MTAS) Participacioacuten Social de las Personas Mayores Serviacutecios Sociales In CABRERO Gregorio Rodriacuteguez Madrid 1997

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ROMAREDA Instituto Aragoacuteneacutes de Serviccedilos Sociales y Famiacutelia (IASSF) Documento de AcogidaResidencia y Centro de Dia Zaragoza 2005

Unioacuten Europea Fondo Social Europeo Boletim Informativo ndash Datos baacutesicos sobre la ejecucioacuten de las intervenciones del Fondo Social Europeo en EspantildeandashAnualidade 2002 In Ministeacuterio de Trabajo y Asuntos Sociales (MTAS) Madrid 2005

______ Anualidade 2001 Madrid MTAS 2002

______ Fondo Social Europeo Guia para la incorporacioacuten de la igualdad de oportunidades en las actuaciones de los Fondos Estructurales- Instituto de la Mujer In Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales (MTAS) Madrid 2004

Departamento de SociologiaFacultad de Ciencias Poliacuteticas y de Sociologia de Granada-Espantildea Disponiacutevel nos sites ltsocioloazaharugresgt e lthttpwwwugresgt

CONSEJO Superior de Investigaciones Cientiacuteficas (CSIC)Unidade de Poliacuteticas Comparadas (UPC) Revista Internacional de Sociologia ndash CSIC UPC

INSTITUTO de Estudios Sociales Avanzados de Madrid (IESAM)

ISTITUTO de Estudios de la Integracioacuten Europea (IEIE)

INSTITUTO de Serviccedilos Sociais (INSERSO)

INFORMES do Projeto de Investigaccedilatildeo de Acircmbito Europeu Welfare Reform and the Management of Societal Change (WRAMSOC) ndash Reforma Del Bienestar y gestioacuten Del Cambio Societaacuterio Madrid FIPOSC

INFORMES do Projeto de Investigaccedilatildeo Los Programas de Rentas Miacutenimas e de las Poliacuteticas de la Esclusioacuten Social em los paiacuteses de la Europa del Sur (Greacutecia Itaacutelia Portugal y Espanha) ndash Madrid FIPOSC

352

OUTROS SITES E E-MAILS DISPONIacuteVEIS NA INTERNET

ESPANHA Sites e emails

ltsgpublicmtasesgt

lthttpwwwmtsesgt

lthttpwwwcsicesiesagt

lthttpwwwugresgt

ltsocioloazaharugresgt

Perioacutedico El Paiacutes

BRASIL INTERNET (OUTROS SITES)

Disponiacutevel em

ltwwwmdsgovbrgt

ltwwwdesenvolvimentosocialgovbrgt

ltwwwmdsgovbrbolsa familiagt

ltwwwmdsgovbrascomhot ndash sitebalanccedilo ndash mdspnad ndash 2004htmgt

ltwwwmdsgovbrbolsa famiacuteliamenu ndash superiorrelatorios e estatiacutesticasgt

ltwwwmdsgovbrascomhot ndash sitebalanccedilo ndash mdscomparativohtmgt

ltwwwmdsgovpnud2003gt

ltwwwmdsgovmdssuasnob2005gt

Email ndash Brasil

Disponiacutevel em ltpbfsuasmdsgovbrgt

ltmdsgovbrbolsa familiagt

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i

Universidade de Brasiacutelia ndash UnB

Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH

Departamento de Serviccedilo Social ndash SER

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social

Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica

MARIA JOSEacute DE FARIA VIANA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Poliacutetica Social

Orientadora Profa Dra Potyara A P Pereira

Brasiacutelia 2007

ii

Universidade de Brasiacutelia ndash UnB

Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH

Departamento de Serviccedilo Social ndash SER

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social

TESE DE DOUTORADO

Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar

prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica

Doutoranda Maria Joseacute de Faria Viana

Orientadora Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira

Co-Orientador Prof Dr Manuel Gomes Herrera

Banca Examinadora Profa Dra Denise Birche Bomtempo (UnB)

Profa Dra Fernanda A da Fonseca Sobral (UnB)

Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira (UnB)

Profa Dra Rosa Helena Stein (UnB)

Profa Dra Sandra de Faria (UCG)

Suplente Profa Dra Marlene Teixeira (UnB)

Brasiacutelia 2007

iii

iv

A Deus por permitir-me chegar ao final dessa rica experiecircncia mais

enriquecida como pessoa e como profissional

Agrave memoacuteria de meus pais Lydio e Lourdes pela humildade e carinhosa

lembranccedila

Ao Hildo pela presenccedila solidaacuteria e amorosa e pelo estiacutemulo constante no

decorrer dessa caminhada

A Mocircnica e Rogeacuterio Eduardo e Deacutebora Vanessa e Wilson filhos queridos jaacute

adultos que apoacutes dividirem espaccedilo e tempo juntos saiacuteram em busca da construccedilatildeo de sua

proacutepria felicidade confirmando Fernando Pessoa para quem o valor das relaccedilotildees

humanas natildeo estaacute no tempo que elas duram mas na intensidade em que acontecem

Aos queridos Joatildeo Vitor Pedro Luis Eduardo e Maria Fernanda adoraacuteveis

netos e neta (e aos demais netinhos e netinhas que por certo viratildeo) por me permitirem

nesse momento reeditar o que tenho de melhor meus melhores afetos emoccedilotildees e

sentimentos e por me devolverem ao mundo maacutegico da infacircncia com suas fantasias

brincadeiras verdades e pureza de sentimentos Com eles reaprendi a brincar de esperanccedila

de passado de presente e de futuro a falar a mais pura das linguagens a indagaccedilatildeo

constante a busca do novo e sobretudo da Feacute na vida e no ser humano

Aos demais familiares e amigos que se somaram comigo nessa caminhada o

carinho e o muito obrigado pelo respeito que demonstraram ao meu jeito de ser de sonhar

e de realizar meus projetos e escolhas pessoais e profissionais

v

AGRADECIMENTOS

Agrave Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira pela orientaccedilatildeo segura e

competente demonstrando notaacutevel lucidez compromisso eacutetico e respeito humano O olhar

atento a tudo assumindo comigo todos os desafios inerentes agrave produccedilatildeo desta tese ganha

significado nesse momento em especial pela motivaccedilatildeo para que eu realizasse o Estaacutegio de

Complementaccedilatildeo de Estudos (CAPESPDEE) na Espanha

Agraves professoras membros das duas bancas examinadoras (de qualificaccedilatildeo e de

defesa) Doutoras Denise Bomtempo Fernanda Sobral Ivanete Boschetti Maria

Auxiliadora Marlene Teixeira Potyara A P Pereira Rosa H Stein e Sandra de Faria

pelas reflexotildees e sugestotildees feitas a esta tese

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo (Cursos de Doutorado e Mestrado em Poliacutetica

Social) do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia ndash SERUnB por

intermeacutedio de sua Coordenadora Profa Dra Ivanete Boschetti e a todo o corpo docente

em especial aos professores das disciplinas cursadas pelo compromisso demonstrado ao

que fazem

Aos colegas da primeira turma do curso de Doutorado em Poliacutetica Social do

Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia-SERUnB Paulo Quernes e

Raquel Gomes M Pires pela especial convivecircncia e pela descoberta juntos de como eacute

aacuterido (por vezes duro) mas extremamente gratificante o caminho da ciecircncia Aos demais

estudantes dos cursos de graduaccedilatildeo mestrado e doutorado do SERUnB o meu abraccedilo na

pessoa do colega Joselito Pacheco pelas descobertas e fecundos debates na busca de

superaccedilatildeo dos desafios que se interpotildeem aos processos de construccedilatildeo do saber de

amadurecimento intelectual e sobretudo ao exerciacutecio da alteridade como valor maior

Agrave Coordenaccedilatildeo de Programas de Capacitaccedilatildeo de Ensino Superior Ministeacuterio da

Educaccedilatildeo ndash CAPESMEC na pessoa de sua Coordenadora Geral Profa Dra Maria Luiza

Lombas por seu empenho aos encaminhamentos para realizaccedilatildeo do Estaacutegio de Doutorado

na Espanha pelo Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior ndash PDEE no

periacuteodo de junho de 2006 a outubro de 2006 realizado pela Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica

e Sociologia na cidade de Granada

Ao Professor Doutor Manuel Herrera Goacutemez (co-orientador) professor e

pesquisador na Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia de Granada meus

vi

agradecimentos pela acolhida naquele paiacutes e pela vasta referecircncia bibliograacutefica indicada

para a pesquisa o que muito contribuiu para qualificar a tese em sua fundamentaccedilatildeo

teoacuterico-empiacuterica

Agrave Universidade Catoacutelica de Goiaacutes nas pessoas do magniacutefico Reitor Prof Dr

Wolmir T Amado pelo apoio institucional na concessatildeo e manutenccedilatildeo da Licenccedila de Poacutes-

Graduaccedilatildeo e da Proacute-Reitora de Extensatildeo e Poliacutetica Estudantil Profa Dra Sandra de Faria

pela atitude eacutetica e solidaacuteria e pela clareza de suas observaccedilotildees sobre este trabalho assim

como agraves colegas professoras Eleuza Bilemjian e Walderez L Miguel por se empenharem

na defesa da realizaccedilatildeo do Estaacutegio na Espanha como complementaccedilatildeo dos estudos dessa

tese ressaltando sua importacircncia para a UCG e para o SERNUPESC

Aos professores colegas docentes alunos do curso de graduaccedilacirco e

funcionaacuterios administrativos do Departamento de Serviccedilo Social da UCG representados

nas pessoas das professoras Walderez Miguel Sandra de Faria Regina Sueli Acircngela de

Matos Lacerda Carmem Regina Eleuza Bilemjian Omariacute Ludovico Marilene A Coelho

Darci Terezinha Coelho Maria Aparecida CVaz Maria Conceiccedilatildeo Vera Luacutecia e Leniacute e

dos funcionaacuterios Diana Luiz Carlos Raquel e Eacuterica os meus agradecimentos pela torcida

e pelo apoio recebido

Aos funcionaacuterios da secretaria do SERUnB nas pessoas de Domingas e

Rafael pelo respeito apoio e atenccedilatildeo demonstrados durante o curso de doutorado

Aos beneficiaacuterios da assistecircncia social e dos programas de transferecircncia de

renda no Brasil e de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo na Europa do Sul os quais apesar do

precaacuterio reconhecimento de sua cidadania plena e pela ausecircncia de vocalizaccedilatildeo em face do

silecircncio a que estatildeo submetidos pelas relaccedilotildees de poder e de classe merecem o meu

respeito

Agrave amiga e profissional Luzia por assumir comigo mais esse desafio no

aprendizado da relaccedilatildeo homem-maacutequina com destacada paciecircncia e disponibilidade

Agraves amigas e profissionais Izabel e Dona Maria pelo compromisso que sempre

demonstraram ao que fazem os meus agradecimentos por terem contribuiacutedo com

dedicaccedilatildeo e trabalho durante esses anos para a realizaccedilatildeo de projetos de estudo e de

trabalho como este que nesse momento concluo

Agrave professora Darci Costa pela revisatildeo criteriosa e qualificada

vii

RESUMO

Nesta tese objetiva-se compreender a loacutegica do pensamento liberal em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social no contexto do chamado pluralismo de bem-estar difundido como uma modalidade de proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica em substituiccedilatildeo agraves poliacuteticas do Estado do Bem-estar (Estado Social) Busca-se apreender as tendecircncias em curso da assistecircncia social por entender que a orientaccedilatildeo neoliberal que rege essa poliacutetica mudou substancialmente o seu significado e conteuacutedo destituindo-a de sua dimensatildeo puacuteblica e do seu status de cidadania Apesar disso a assistecircncia social tornou-se uma questatildeo central no debate sobre os sistemas de proteccedilatildeo social contemporacircneos em virtude da grande visibilidade que vem apresentando como resposta agrave inseguranccedila social causada pelo domiacutenio neoliberal a partir dos anos 1970 A revalorizaccedilatildeo do voluntariado e do mercado assim como a criaccedilatildeo de redes de proteccedilatildeo social e de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI na Europa) eou de transferecircncia de renda (Bolsa Famiacutelia no Brasil) surgem como alternativas agrave lideranccedila do Estado no efetivo combate agrave pobreza ampliada presente no mundo em uma perspectiva focalizada e residual Este estudo elegeu como unidade de anaacutelise empiacuterica o Sul da Europa e o Brasil como integrantes de um modelo latino de proteccedilatildeo social cujas peculiaridades favorecem a realizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de feiccedilatildeo neoliberal Entende-se a pobreza e a desigualdade social como fenocircmenos estruturais e de classe que resultam de uma brutal concentraccedilatildeo de renda e de riqueza que natildeo eacute considerada pelo neoliberalismo Nesse sentido esta tese trata dos complexos processos de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas sociais e de seus efeitos no contexto de expansatildeo da ofensiva neoliberal a saber desmonte dos direitos de cidadania social desestatizaccedilatildeo desregulaccedilatildeo econocircmica e social mercantilizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho privatizaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico e de bens e serviccedilos sociais Depreende-se que tais processos tecircm produzido uma grande fratura social fragilizando ainda mais nos contextos estudados (Europa do Sul e Brasil) a democracia e a cidadania Tecircm provocado ainda disparidades sociais em benefiacutecio do crescimento econocircmico e do fortalecimento do grande capital Por fim tendo como horizonte os direitos sociais e a concepccedilatildeo de que a principal funccedilatildeo das poliacuteticas sociais eacute a de concretizar esses direitos compreende-se que a assistecircncia social vem sendo usada de forma deturpada porque essa modalidade de poliacutetica social possui conotaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica que contra-indica o seu uso como mera reparaccedilatildeo dos danos sociais criados pelo regime neoliberal pois ela incorpora o conceito de democracia igualitaacuteria e se fundamenta em princiacutepios universais e redistributivos

viii

ABSTRACT

In this thesis we aim to understand the logic of the liberal thinking in relation with the social assistance in the context called welfare pluralism disseminated as a way of plural or mixed but not public social protection in the place of policies of Welfare State (Social State) There is a big worry in this social protection with the current tendencies of social assistance to understand that the neoliberal orientation that rules this policy changes substantially its modern meanings and contents being out of its public dimension and status of citizenship In spite of this the social assistance became a central point in the debate about the contemporary Systems of Social Protection because of the great visibility that has been shown as a response to the social insecurity caused by the liberal dominance since the 1970acutes The re-evaluation of the volunteers and the market as well as the creation of the Nets of Social Protection and the Programs of Minimum Income for Insertion (MIIEurope) and or the Income Transference (Bolsa FamiacuteliaBrazil) come out as alternatives to the State leadership on the effective combat to the worldwide amplified poverty in a focused and residual perspective This study elected as empirical analysis unit Brazil and the south of Europe as components of a Latin Model of social protection whose peculiarities favor the presence of pluralism in well-being of neoliberal characteristic and it understands poverty and social inequality as strutuctural and class phenomena that result from a enormous income and wealth concentration that is not taken into account by the neoliberalism In this sense this thesis deals with the complex processes of reestructuration of the social policies and their effects in the context of expansion of the neoliberal offensive as follows the dismantling of the rights of citizenship desestatization economical and social deregulation mercantilization of social policies flexibilization of work relations privatization of public patrimony of goods and of social services We understand that such processes have been producing a big social break weakening even more in the studied contexts (Brazil and south of Europe) the democracy and citizenship Such processes have also been causing social disparities in the alleged reason for economical growth and strengthening of the big capital Finally considering the social rights and the conception that the main function of the social policies is to characterize these rights for this thesis the social assistance has been used in a mistaken way This misconception happens because this modality of social policy has an ethical and civical meaning that counter-indicates its usage as a mere repair of social damages created by the neoliberal regime because it in bodies the concept of egalitarian democracy and is founded in universal and distributive principles

ix

REacuteSUMEacute

Le but de la preacutesente thegravese est de comprendre la logique de la penseacutee libeacuterale em ce qui concerne lrsquoassistance sociale dans le contexte de ce qursquoon appelle le pluralisme de bien-ecirctre diffuseacute comme une modaliteacute de protection sociale plurielle ou mixte mais non publique em remplacement des politiques de lrsquoEacutetat du bien-ecirctre (Eacutetat social) Elle cherche agrave appreacutehender les tendances actuelles de lrsquoassistance sociale pour comprendre que lrsquoorientation neacuteo-libeacuterale qui reacutegit cette politique a changeacute substantiellement de sens et de contenu lui enlevant sa dimension publique et son statut de citoyenneteacute Malgreacute cela lrsquoassistance sociale est devenue une question centrale dans le deacutebat sur les systegravemes contemporains de protection sociale en vertu de la grande visibiliteacute qursquoelle preacutesente comme reacuteponse agrave lrsquoinseacutecuriteacute sociale provoqueacutee par la domination neacuteo-libeacuterale agrave partir des anneacutees 1970 La revalorisation du beacuteneacutevolat et du marcheacute tout comme la creacuteation de reacuteseaux de protection sociale et de programmes de revenu minimum drsquoinsertion (RMI em Europe) etou de transfert de revenu (Bourse Famille au Breacutesil) apparaissent comme des alternatives agrave la position dominante de lrsquoEacutetat dans le combat effectif contre la pauvreteacute eacutelargie preacutesente dans le monde dans une perspective focaliseacutee et reacutesiduelle La preacutesente eacutetude a choisi comme uniteacute drsquoanalyse empirique lrsquoEurope meacuteridionale et le Breacutesil en tant que faisant partie drsquoun modegravele latin de protection sociale dont les particulariteacutes favorisent la reacutealisation du pluralisme de bien-ecirctre de type neacuteo-libeacuteral La pauvreteacute et lrsquoineacutegaliteacute sociale sont consideacutereacutees comme des pheacutenomegravenes structuraux et de classe qui reacutesultent drsquoune concentration brutale de revenus et de richesse qui nrsquoest pas consideacutereacutee par le neacuteolibeacuteralisme Dans ce sens la preacutesente thegravese aborde les processus complexes de restructuration des politiques sociales et leurs effets dans le contexte de lrsquoexpansion de lrsquooffensive neacuteo-libeacuterale crsquoest-agrave-dire le deacutemantegravelement des droits de citoyenneteacute sociale la deacuteseacutetatisation la deacutereacutegulation eacuteconomique et sociale la commercialisation des politiques sociales la flexibilisation des relations de travail la privatisation du patrimoine public et des biens et services sociaux La conclusion est que de pareils processus ont produit une grande fracture sociale fragilisant encore davantage dans les contextes eacutetudieacutes (Europe meacuteridionale et Breacutesil) la deacutemocratie et la citoyenneteacute Ils ont aussi provoqueacute des dispariteacutes sociales au beacuteneacutefice de la croissance eacuteconomique et du renforcement du grand capital Enfin sur la toile de fond des droits sociaux et de la conception suivant laquelle la principale fonction des politiques sociales est de concreacutetiser ces droits on comprend que lrsquoassistance sociale est utiliseacutee drsquoune maniegravere pervertie Cette modaliteacute de politique sociale possegravede une connotation eacutethique et civique incompatible avec son utilisation comme simple reacuteparation des dommages sociaux creacuteeacutes par le reacutegime neacuteo-libeacuteral vu qursquoelle incorpore le concept de deacutemocratie eacutegalitaire et se fonde sur des principes universels et de redistribution

x

SUMAacuteRIO

Resumo vi

Abstract vii

Reacutesumeacute viii

Lista de Quadros xiii

Lista de Tabelas xv

Lista de Figuras xvii

Lista de Siglas xviii

INTRODUCcedilAtildeO 21

Metodologia meacutetodo e procedimentos 33

PRIMEIRA PARTE

CAPIacuteTULO I

REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO DAS CATEGORIAS DE

ANAacuteLISE 39

11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho 39

12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria

recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade 44

13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias 50

14 Sobre a cidadania a democracia ampliada e a liberdade positiva 55

15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democracia ampliada 57

16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo

de direitos 59

17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social 61

18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal 64

19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos)

defendidos pelos neoliberais 65

xi

CAPIacuteTULO II

O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR 70

21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo

apoacutes a Segunda Guerra Mundial 70

22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social

fundamentos da seguridade social apoacutes a Segunda Guerra Mundial 81

23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social 89

24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do

modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita 91

CAPIacuteTULO III

PLURALISMO DE BEM-ESTAR ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E

TENDEcircNCIAS 94

31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal 94

32 Neoliberalismo pluralismo de bem-estar e emergecircncia da chamada

sociedade de bem-estar 102

33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves eferecircncias

aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social 108

CAPIacuteTULO IV

CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA

PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS 113

41Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os setores

natildeo-oficiais informal voluntaacuterio comercial ou mercantil 113

411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar 113

42 Setores natildeo-oficiais 117

421 Setor informal 117

422 Setor voluntaacuterio 118

423 Setor mercantil ou comercial 124

43 Nexo assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um

retorno ao conservadorismo 128

xii

44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de

praacuteticas tuteladoras e assistencialistas 129

45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da

provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria 131

SEGUNDA PARTE

CAPIacuteTULO V

MODELO LATINO 138

51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino 138

52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e

no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos 160

521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo 161

522 O papel da famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro 179

53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas 183

CAPIacuteTULO VI

A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL OS

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA MIacuteNIMA

EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI) 192

61 A emergecircncia do debate 192

CAPIacuteTULO VII

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE RENDA

MIacuteNIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA ESTRATEacuteGIA

ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL 219

71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais 219

72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e

primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997)

Itaacutelia (1998) e Greacutecia 112

73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional 115

xiii

74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial

latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (Estado e Comunidades Autocircnomas

ndash CCAA) informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil 219

75 A experiecircncia da Itaacutelia 242

76 A experiecircncia de Portugal 245

77 A experiecircncia da Greacutecia 248

78 Siacutentese das principais caracteriacutesticas das poliacuteticas de provisatildeo social miacutenima

nos paiacuteses do Sul da Europa em uma perspectiva comparada 250

79 A experiecircncia do Brasil com programas de transferecircncia direta de renda miacutenima 253

710 Configuraccedilatildeo do principal programa de transferecircncia de renda no Brasil

ndash Bolsa Famiacutelia 258

711 Programa Bolsa Famiacutelia estrateacutegias gasto socialfinanciamento perspectivas e

tendecircncias 262

CAPIacuteTULO VIII

ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA AMEacuteRICA LATINA E NO BRASIL PROMESSA

DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS 269

81 Implicaccedilotildees natildeo-redistributivas do pluralismo de bem-estar 269

82 Brasil uma realidade latina peculiar 274

83 Brasil a experiecircncia das poliacuteticas sociais brasileiras em dois periacuteodos

histoacutericos 1930-1988 e 1989-2001 282

831 Caracteriacutesticas particularidades e paracircmetros organizadores 282

84 A adesatildeo dos governos agraves orientaccedilotildees neoliberais tidas como plurais 283

85 As poliacuteticas sociais apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal brasileira

avanccedilos e retrocessos 295

86 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil paradoxos e particularidades 299

87 Tendecircncias em curso proposta de um novo formato de poliacutetica social brasileira

sob o influxo do pluralismo de bem-estar 305

88 Balanccedilo do padratildeo de bem-estar na Europa do SulEspanha e no Brasil 311

CONCLUSAtildeO 323

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 333

xiv

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no

periacuteodo 1883-1915 71

Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no

periacuteodo 1883-1915 72

Quadro 3 Principias leis sobre seguros sociais aprovadas desde 1941 ateacute

princiacutepios de 1970 em onze paiacuteses europeus 74

Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus 84

Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva

pluralista de Evers y Olk (1996) 106

Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados 135

Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar 144

Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus 146

Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares) 148

Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi Y G

Esping-Andersen (1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas 151

Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase no emprego e na redistribuiccedilatildeo

social 156

Quadro 12 Caracteriacutesticas dos estados de bem-estar em relaccedilacirco ao papel da

famiacutelia do mercado e do Estado 163

Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares 170

Quadro 14 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo subsidiariedade

complementariedade e incompatibilidades 194

Quadro 15 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de

inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas 196

Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais 205

Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender 207

Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza 207

Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e

famiacutelia) 229

xv

Quadro 20 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo requisitos mais comuns exigidos

aos beneficiaacuterios 232

Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha 237

Quadro 22 Alguns dos principais iacutendices de preccedilos e de custo de vida 254

Quadro 23 Criteacuterios de elegibilidade e valores de benefiacutecios para famiacutelias

integrantes do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) 255

Quadro 24 Programa de transferecircncia de renda - Fome Zero - relaccedilatildeo de criteacuterio de

acesso condicionalidade e valor dos benefiacutecios 259

xvi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de

15-64 anos na Uniatildeo Europeacuteia-UE -1960-1995 133

Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em )

ndash Espanha 1970 1981 e 1991 172

Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares 173

Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos ndash 2000 180

Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragon -

Espanha - 2004 185

Tabela 6 Chamadas ao telefone 24 horas do Instituto Aragonecircs da Mulher 188

Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul 192

Tabela 8 Europa do Sul programas de rendas miacutenimas (2000) 193

Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002) 194

Tabela 10 Europa do Sul rendas ndash metas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com

assistecircncia social 1992 197

Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992 197

Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX 204

Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha () 225

Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 anos

(valores absolutos e relativos) 230

Tabela 15 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005

ndashsupressatildeo do gasto da aacuterea 1- prestaccedilotildees econocircmicas 233

Tabela 16 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social ndash supressatildeo do

creacutedito de pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo 234

Tabela 17 Espanha pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado

do sistema siacutenteses por entidades 235

Tabela 18 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(1) 236

Tabela 19 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(2) 236

Tabela 20 Recurso aragonecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash renda

miacutenima 240

Tabela 21 Investimentos MDS ndash consolidado geral ndash resumo do paiacutes 263

xvii

Tabela 22 Relatoacuterio comparativo de poliacuteticas sociais ndash 2002 a 2005 (principais

programas e accedilotildees) 264

Tabela 23 Percentuais de crianccedilas fora da escola de acordo com a classificaccedilatildeo dos

municiacutepios ndash 2000 298

Tabela 24 Populaccedilatildeo estrangeira na Comunidade Autocircnoma ndash CCAA de Aragoacuten

(CCAA) e Espanha 314

Tabela 25 Recursos para estrangeiros ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten 314

xviii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Triacircngulo de bem-estar 1 98

Figura 2 Triacircngulo de bem-estar 2 99

Figura 3 Triacircngulo de bem-estar 3 99

Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares 164

Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares 170

Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma

incapacidade por grupos de idade 175

Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia

pessoal e horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador 176

Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de

longa duraccedilatildeo 178

Figura 9 Proporccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino 179

Figura 10 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do

gasto da aacuterea 1 prestaccedilotildees econocircmicas 233

Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do

gasto de pensotildees 234

Figura 12 BPC_ Pessoas beneficiadas 266

Figura 13 BPC_ Investimento anual 266

Figura 14 Piracircmide de populaccedilatildeo estrangeira revisatildeo do padratildeo municipal em 1ordm

de janeiro de 2003 315

xix

LISTA DE SIGLAS

ADH Atlas de Desenvolvimento Humano

BIRD Banco Internacional para Reconstruccedilatildeo e Desenvolvimento (Banco Mundial)

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BPC Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (LOAS)

CREA Centro de Referecircncia da Assistecircncia Social

CadUacutenico Cadastro Uacutenico dos Programas Sociais do Governo Federal

CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior

CCAA Comunidades Autocircnomas (Espanha)

CEPAL Comissatildeo Econocircmica para Ameacuterica Latina e Caribe

CLT Consolidaccedilatildeo das Leis de Trabalho

CNSS Conselho Nacional de Serviccedilo Social

CNAS Conselho Nacional de Assistecircncia Social

CGPBF Conselho Gestor do Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)

CSIC Conselho Superior de Investigaccedilatildeo Cientiacutefica (Espanha)

CE Comissacirco Europeacuteia

CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo

DRU Desvinculaccedilatildeo da Receita da Uniatildeo

DIEESE Departamento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Soacutecio-econocircmicos

EU Uniatildeo Europeacuteia

FIPE Fundaccedilatildeo Nacional de Pesquisas Econocircmicas

FINSOCIAL Fundo Social de Investimento

FMI Fundo Monetaacuterio Internacional

IESAM Instituto de Estudos Sociais Avanccedilados de Madri

IASS Instituto Aragonecircs de Serviccedilos Sociais (Governo de AragoacutenEspanha)

IEIE Instituto de Estudos da Integraccedilacirco Europeacuteia

INPC Iacutendice Nacional de Preccedilos ao Consumidor

IPH Iacutendice de Pobreza Humana (PNUD)

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

INPS Instituto Nacional de Previdecircncia Social

INAMPS Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica e Previdecircncia Social

IAPAS Instituto de Aposentadoria e Pensocirces da Assistecircncia Social

xx

ICV Iacutendice de Custo de Vida

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

LOAS Lei Orgacircnica da Assistecircncia Social

LDO Lei Diretrizes Orccedilamentaacuterias

LOPS Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (1960)

MDS Ministeacuterio de Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome

MEC Ministeacuterio de Educaccedilatildeo e Cultura

MTSS Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) (Espanha)

MTAS Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (Espanha)

MPAS Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Brasil)

MPs Medidas Provisoacuterias

NOB Norma Operacional Baacutesica

NIS Nuacutemero de Identificaccedilatildeo Social

OCDE Organizaccedilatildeo Para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico

ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas

OSFL Organizaccedilotildees Sem Fins Lucrativos

OIT Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho

PED Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento

PDEE Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior (CAPES)

PNUD Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

PBF Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)

PETI Programa de Erradicaccedilatildeo do Trabalho Infantil (MDS)

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelio

PISPASEP Programas de Integraccedilatildeo Social

RMG Rendimento Miacutenimo Garantido (Europa do Sul)

RMI Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Europa do Sul) Revenue Minimum dacuteInsertion (RMI na Franccedila) Renta Miacutenima de Insercioacuten (RMI na Espanha) Reddito Miacutenimo di Inserimento(RMI na Itaacutelia) e Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo(RMI em Portugal) Renda Miacutenima (RM no Brasil_ Programas deTransferecircncia de Renda)

RB Renda Baacutesica

PIB Produto Interno Bruto

SAS Secretaria Nacional de Assistecircncia Social (MTAS)

SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede

SUAS Sistema Uacutenico de Assistecircncia Social

xxi

SINE Sistema Nacional de Emprego

SFH Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo

UPC Unidade de Poliacuteticas Comparadas (Espanha)

INTRODUCcedilAtildeO

Analisa-se nesta tese uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada

pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) 1 surgida na Europa

no final dos anos 1970 como alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano

fordistabeveridgiano que vigorou entre 1945 e 1975 nas sociedades capitalistas

industrializadas do Ocidente Nesta anaacutelise privilegiam-se as implicaccedilotildees do pluralismo de

bem-estar para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos no mundo

capitalista incluindo o Brasil Tendo em vista esse privilegiamento parte-se da recente

discussatildeo sobre a crise do Estado Social2 de estilo keynesianofordistabeveridigano a partir

do final dos anos 1970 por entender que a identificaccedilatildeo dos fatores que desencadearam a

alegada crise bem como das estrateacutegias utilizadas para o seu enfrentamento ultrapassou os

paiacuteses capitalistas centrais repercutindo no Brasil

Entende-se que o debate sobre a expansatildeo do pluralismo de bem-estar em escala

mundial ganha relevacircncia por reeditar-se com ele praacuteticas assistenciais liberais e

conservadoras que afrontam os direitos sociais dos cidadatildeos conquistados no seacuteculo XX

Nesse debate faz-se necessaacuterio identificar com antecedecircncia a relaccedilatildeo entre Estado

sociedade (incluindo o mercado) e poliacuteticas de assistecircncia social no acircmbito de duas

experiecircncias divergentes de proteccedilatildeo social quais sejam a do Estado Social jaacute mencionadoe

a do pluralismo de bem-estar de estilo poacutes-keynesianobeveredigianofordista contrapondo

criticamente suas respectivas caracteriacutesticas puacuteblica de um lado e plural ou mista de outro

lado A suposiccedilatildeo impliacutecita nessa confrontaccedilatildeo eacute a de que por se tratar de um fenocircmeno

1 Em tese o pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto consiste em uma accedilatildeo compartilhada entre as trecircs esferas da sociedade moderna ndash Estado mercado e instituiccedilotildees natildeo-governamentais e natildeo-mercantis da sociedade No pluralismo neoliberal satildeo estabelecidas uma divisatildeo de responsabilidades nas esferas do bem-estar e uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre essas trecircs esferas com ecircnfase ao papel da sociedade civil jaacute que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e o Estado eacute destituiacutedo de seu papel de provedor e de regulador das relaccedilotildees sociais 2 O termo Estado social utilizado neste estudo constitui sinocircnimo do Estado de Bem-estar estabelecido apoacutes a Segunda Guerra Mundial que na liacutengua inglesa eacute denominado Welfare State Dentre as diferentes denominaccedilotildees do Estado de Bem-estar destacam-se trecircs Welfare State (na lingua inglesa) Estado de Providecircncia (na liacutengua francesa e no portuguecircs de Portugal) e Estado Social (na liacutengua alematilde) Nesta tese para evitar repeticcedilotildees semacircnticas ora eacute usado o termo Estado Social ora Estado de Bem-estar

23

mundial antigo e ubiacutequo a assistecircncia social de natureza puacuteblica associada ao Estado

Social agora subestimado requer tematizaccedilotildees cientiacuteficas

O recorte temporal dessa confrontaccedilatildeo privilegia dois periacuteodos histoacutericos o

primeiro situa-se dos anos 1940 aos 1970 quando o Estado Social se consolidou na

Inglaterra com o nome de Welfare State e como a primeira experiecircncia de seguridade

social desatrelada em parte do mercado O outro refere-se ao periacuteodo entre os anos 1970

ateacute os dias atuais quando esse modelo de Estado foi perdendo a sua natureza puacuteblica e sua

relativa autonomia da loacutegica mercantil

Entende-se tambeacutem como relevante nesta anaacutelise a explicitaccedilatildeo de categorias-

chave que demandam aprofundamento teoacuterico por estarem presentes no debate

contemporacircneo da assistecircncia social como relaccedilatildeo entre Estado e sociedade poliacutetica

social no contexto da poliacutetica puacuteblica (abarcando a questatildeo da pobreza e da

desigualdade) e direitos sociais associados agrave categoria trabalho Vale ainda destacar o

tratamento dessas categorias em paiacuteses3 com particularidades latinas no contexto europeu

ndash que com o Brasil constituiacuteram unidades de anaacutelise desta tese ndash os quais parafraseando

Abrahamson (1992) pautam-se por um modelo latino de fraca institucionalidade no

campo do bem-estar social

A anaacutelise do modelo latino que se efetuou para detectar a influecircncia do

pluralismo de bem-estar em um ambiente europeu que lhe eacute culturalmente favoraacutevel

tornou defensaacutevel a inclusatildeo do Brasil pelas afinidades que esse paiacutes da Ameacuterica Latina

manteacutem com o modelo a comeccedilar pela referecircncia latina que o classifica De fato vale

enfatizar tanto o Brasil como os paiacuteses que compotildeem o modelo latino dentre os quais

para efeitos deste estudo particulariza-se a Espanha desenvolvem um sistema de bem-

estar desfalcado de uma efetiva presenccedila do Estado destacando o protagonismo das

famiacutelias e de setores natildeo-oficiais da sociedade como espaccedilos privados primaacuterios de

provisatildeo social Haacute tambeacutem nessa provisatildeo a participaccedilatildeo influente da religiatildeo com seus

valores e adoccedilatildeo de soluccedilotildees conservadoras e tradicionais em combinaccedilatildeo com medidas

residuais de proteccedilatildeo social estatal

Como pano de fundo da anaacutelise do padratildeo latino de assistecircncia social adotado

no Sul da Europa e no Brasil figuram as dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como termos

3 Os paiacuteses do Sul da Europa (tambeacutem denominada Europa Mediterracircnea eou Meridional) satildeo Franccedila (em parte) Portugal Itaacutelia (em parte) Greacutecia e Espanha e esta uacuteltima constituiu unidade de anaacutelise privilegiada deste estudo Essa comparaccedilatildeo eacute possiacutevel pelas similaridades latinas do regime de bem-estar adotado por esses paiacuteses e pelo Brasil o qual eacute protagonizado por segmentos informais e voluntaacuterios da sociedade civil (igreja famiacutelia e organizaccedilotildees voluntaacuterias) e natildeo pelo Estado

24

opostos da avaliaccedilatildeo da tendecircncia de fortalecimento da dimensatildeo plural em relaccedilatildeo agrave

puacuteblica no pluralismo de bem-estar Esta constataccedilatildeo revelou o caraacuteter histoacuterico da poliacutetica

de assistecircncia social e como tal a sua existecircncia como fenocircmeno complexo que conteacutem

particularidades e caracteriacutesticas proacuteprias em sua relaccedilatildeo com o regime de proteccedilatildeo social

adotado nos paiacuteses em que se realiza bem como com as demais poliacuteticas soacutecio-

econocircmicas mesmo que tratada por um veio particular como se faz neste trabalho

Para fins de esclarecimento eacute vaacutelido ressaltar que o pluralismo de bem-estar

sempre foi endoacutegeno ao capitalismo pois o Estado Social nunca abdicou da sua relaccedilatildeo

com o mercado e com os setores voluntaacuterios da sociedade Na atualidade essa

caracteriacutestica confere ao pluralismo de bem-estar caraacuteter inovador pois assim como os

demais processos soacutecio-econocircmicos ele foi absorvido pelo neoliberalismo Com isso o

antigo protagonismo do Estado Social em suas tradicionais relaccedilotildees com o mercado e com

os setores natildeo-mercantis da sociedade foi sendo esvaziado em nome de uma paridade

entre essas trecircs instacircncias4 e essa paridade natildeo aconteceu porque o referido protagonismo

foi transferido para o mercado

Diante dessa reorientaccedilatildeo entende-se como relevante o estudo aprofundado

dos processos complexos que vatildeo se configurando como mudanccedila radical no padratildeo

puacuteblico de assistecircncia social conquistado pela classe trabalhadora desde finais do seacuteculo

XIX para um padratildeo plural que em verdade escamoteia um crescente processo de

privatizaccedilatildeo da provisatildeo social A anaacutelise do discurso e da praacutetica dos defensores do

pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal bem como das novas orientaccedilotildees

(privatistas e voluntaristas) da assistecircncia social potildeem em evidecircncia a centralidade e

atualidade deste estudo

Busca-se de fato reiterar que o conceito de bem-estar plural ou de pluralismo

de bem-estar com o objetivo de agregar muacuteltiplos setores e atores de forma paritaacuteria natildeo eacute

novo e nem surgiu ao acaso Sua feiccedilatildeo atual tem raiacutezes histoacutericas e eacute fruto de demandas

decorrentes das dificuldades enfrentadas pelo Estado Social nos fins dos anos 1970 de

cumprir seu papel provedor em um contexto de perda de centralidade da doutrina

econocircmica keynesiana-fordista e do modelo beveridgiano de seguridade social que lhe

servia de suporte doutrinaacuterio e poliacutetico O novo aparece efetivamente natildeo no conceito de

4 Modelo triangular tripartite apresentado por Peter Abrahanson (1995 ab) com a triacuteade Estado (dotado de poder) mercado (dotado de dinheiro) e sociedade (dotada de solidariedade) Em tese essas dimensotildees constituem o espaccedilo puacuteblico e o espaccedilo privado e devem relacionar-se por meio de trocas e de complementaridade de seus recursos especiacuteficos Daiacute a necessidade de distingui-las em relaccedilatildeo agrave sua concepccedilatildeo constituiccedilatildeo e funccedilatildeo conforme o autor

25

pluralismo de bem-estar mas no uso que dele se faz para justificar a desregulamentaccedilatildeo da

proteccedilatildeo social e a desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia como poliacutetica puacuteblica para a

instituiccedilatildeo de uma assistecircncia social informal voluntarista ancorada na comunidade local

e na famiacutelia e especialmente na mulher como cuidadora social por excelecircncia

Esse enfoque justifica-se pela necessidade de destacar e combater a ecircnfase

dada pelos defensores do pluralismo de bem-estar a uma assistecircncia social como antiacutetese

da cidadania social Em decorrecircncia torna-se importante submeter agrave criacutetica sistemaacutetica os

conceitos e os argumentos neoliberais utilizados para justificar essa inversatildeo histoacuterica em

razatildeo do visiacutevel aumento da pobreza e da desigualdade social sob a ingerecircncia do

pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal e agrave incapacidade do mercado de promover

inclusatildeo social

Assim a proposta neoliberal de pluralismo de bem-estar tal qual se apresenta

na atualidade eacute problematizada por privilegiar a atuaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais informal

voluntaacuterio e mercantil ou comercial (Johnson 1990) em detrimento do papel do Estado na

proteccedilatildeo social puacuteblica

Ademais este estudo identificou mediante revisatildeo bibliograacutefica uma baixa

produccedilatildeo cientiacutefica sobre o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar como uma proposta

poliacutetica particular Por isso entende-se que o trato desse tema mesmo sem a pretensatildeo de

esgotaacute-lo poderaacute fornecer elementos de compreensatildeo do atual fenocircmeno de desvinculaccedilatildeo

da assistecircncia social dos direitos de cidadania Ademais o debate sobre o processo de

apropriaccedilatildeo neoliberal da noccedilatildeo de pluralismo de bem-estar certamente poderaacute qualificar e

aprofundar o exame contemporacircneo da assistecircncia social

No entanto a recusa ao pluralismo de bem-estar de corte neoliberal natildeo

significa a defesa do estatismo mas sim resgatar a centralidade do Estado como instatildencia

puacuteblica insubstituiacutevel como garantidora dos direitos sociais Portanto na perspectiva deste

estudo o pluralismo de bem-estar tal como se apresenta precisa ser repensado por duas

principais razotildees a primeira por natildeo ter uma dimensatildeo puacuteblica universalizadora e de

inclusatildeo social e a segunda por expressar o retorno de praacuteticas arcaicas e conservadoras

que por si soacute natildeo tecircm poder para concretizar direitos de cidadania

O debate sobre a perda da funccedilatildeo do Estado eacute revelador das contradiccedilotildees

inerentes ao sistema capitalista que perpassam a proacutepria histoacuteria do capitalismo avanccedilado

ganhando dimensotildees diferenciadas tanto na fase de consolidaccedilatildeo do Estado Social quanto

no de sua propalada crise Ganha entatildeo realce a concepccedilatildeo puacuteblica e universal dos direitos

26

sociais cuja garantia se fundamenta em princiacutepios de cidadania ampliada justiccedila

redistributiva e equidade social A cidadania ampliada constitui-se dos direitos individuais

(civis e poliacuteticos) mas natildeo se limita a eles pois incorpora tambeacutem os direitos sociais

O conceito de liberdade positiva com igualdade5 que embasa os direitos

sociais estaacute em contraposiccedilatildeo com a concepccedilatildeo neoliberal de liberdade negativa e de

cidadania restrita fundamentada tatildeo somente na garantia de direitos individuais (civis e

poliacuteticos) Dessa contraposiccedilatildeo surgem significativas diferenciaccedilotildees dentre as quais duas

se destacam Uma refere-se agrave ecircnfase dada agrave dimensatildeo plural ou mista em detrimento da

dimensatildeo puacuteblica assegurada pelo Estado pelo estabelecimento dos direitos sociais e de sua

materializaccedilatildeo pelas poliacuteticas sociais puacuteblicas A outra diz respeito agrave concepccedilatildeo de

miacutenimos sociais em detrimento da concepccedilatildeo de satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas

e de sua necessaacuteria vinculaccedilatildeo com a cidadania ampliada

O debate sobre a necessaacuteria adequaccedilatildeo entre poliacuteticas sociais (incluindo a

assistecircncia) e necessidades baacutesicas encontra em Doyal e Gough (apud PEREIRA

2000) uma profiacutecua reflexatildeo Referenciada em tais autores Pereira (2000) rejeita a

noccedilatildeo de miacutenimos (difundida pelos neoliberais) como criteacuterio de definiccedilatildeo de

poliacuteticas de satisfaccedilatildeo de necessidades baacutesicas e opta pela noccedilatildeo de baacutesicos por

entender que esse conceito ldquopermite a inferecircncia de que niacuteveis superiores e

concertados de satisfaccedilatildeo de necessidades devem ser perseguidosrdquo (PEREIRA 2000

p 181) Recusa portanto a equiparaccedilatildeo do baacutesico com a visatildeo restrita de pobreza

vinculada agrave sobrevivecircncia bioloacutegica ao tempo em que postula a formulaccedilatildeo de um

ldquoconceito objetivo e universal de necessidades humanas baacutesicasrdquo (2000 p 181) que

leve em conta simultaneamente a dimensatildeo natural (bioloacutegica) e a social dos seres

humanos Resulta entatildeo uma compreensatildeo antiliberal das necessidades baacutesicas por

vinculaacute-las agrave cidadania e por requerer a ldquotransformaccedilatildeo das necessidades humanas em

questotildees de direitordquo (p 181)

5 Define-se como liberdade positiva a possibilidade de os direitos de cidadania serem assegurados pelo Estado e afianccedilados constitucionalmente A discussatildeo sobre democracia e cidadania ampliada remete agrave defesa da legalidade positiva do Estado tanto por seu grau de universalidade como pela articulaccedilatildeo de tais conceitos entre si Trata-se do reconhecimento do Estado como garantia de cidadania das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais O conceito de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica quando vinculado ao conceito de liberdade positiva para todos porque os direitos sociais diferentemente dos direitos individuais (civis e poliacuteticos) constituem um terceiro e decisivo niacutevel de cidadania e tecircm como perspectiva a igualdade e a justiccedila redistributiva Por isso exigem atitudes positivas e ativas do Estado no atendimento de necessidades sociais O conceito de liberdade negativa postulado pelos neoliberais contrapotildee-se ao de liberdade positiva Rechaccedila o princiacutepio da igualdade de condiccedilotildees de acesso e a capacidade interventiva e de regulaccedilatildeo do Estado no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais Natildeo reconhece a positividade dos direitos sociais nem o Estado como garantia de cidadania

27

Esse requerimento estava impliacutecito na discussatildeo iniciada na Europa apoacutes a

Segunda Guerra Mundial sob influecircncia do pensamento social-democrata em um contexto

de crise do sistema capitalista liberal a partir da grande depressatildeo econocircmica de 1929

Alargou-se dessa forma o domiacutenio das poliacuteticas econocircmicas ateacute entatildeo baseadas na oferta

na acumulaccedilatildeo e na reproduccedilatildeo ampliada do capital para dar espaccedilo agraves poliacuteticas soacutecio-

econocircmicas provedoras de bens e serviccedilos como direitos sociais Tal alargamento fez que a

legislaccedilatildeo social se tornasse pela primeira vez na histoacuteria um paradigma de seguridade

com uma perspectiva puacuteblica e universalizadora A nova concepccedilatildeo de seguridade

vinculada agrave ideacuteia de seguranccedila social tornou-se um requisito central da dinacircmica e da

forma pela qual se constituiacuteram as chamadas instituiccedilotildees de bem-estar Um outro aspecto

nesse contexto de mudanccedilas diz respeito agraves modificaccedilocirces e reestruturaccedilatildeo das relaccedilotildees

sociais tornando-se mais complexas e democraacuteticas agrave medida que passaram a privilegiar a

relaccedilatildeo entre Estado economia e sociedade um pressuposto essencial agrave construccedilatildeo de

esferas puacuteblicas

Com a crise desse padratildeo de intervenccedilatildeo social puacuteblico nos anos 1970 uma

das consequumlecircncias mais notaacuteveis e presentes nos discursos neoliberais em ascensatildeo

traduziu-se na substituiccedilatildeo do termo puacuteblico pelo vago plural ou misto (VIANA 2003)

Em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social nunca se falou tanto como atualmente em assistecircncia aos

pobres poliacuteticas de bem-estar provisatildeo social de bens e serviccedilos participaccedilatildeo e

descentralizaccedilatildeo accedilotildees sociais voluntaacuterias informais e solidaacuterias e outras expressotildees

correlatas Diante do exposto cabem as seguintes indagaccedilotildees trata-se esse resgate da

assistecircncia do retorno dos pilares econocircmicos e da base conceitual do Estado de Bem-estar

Social (padratildeo beveridgiano e keynesiano-fordista) sob um novo enfoque Ou se trata do

retorno das velhas foacutermulas de prestaccedilatildeo de benefiacutecios sociais como compensaccedilatildeo agraves

mazelas sociais causadas pelo predomiacutenio da loacutegica mercantil

Seja qual for a resposta agraves duas indagaccedilotildees o que estaacute em pauta natildeo eacute uma

ideologia irracional Ao contraacuterio trata-se de uma ideologia eivada de racionalidade

instrumental (weberiana) e de clara intencionalidade Para Pereira (2004) o retorno da

assistecircncia social muito mais como resposta agrave segunda questatildeo revela ldquoum paradoxo

tiacutepico da atualidade que eacute quanto mais insustentaacutevel essa poliacutetica parece ser mais ela eacute

demandadardquo (p 142)

Associada a essa constataccedilatildeo uma questatildeo de partida eacute natildeo seria esse debate

revelador da ausecircncia de alternativas concretas e de propostas de poliacuteticas puacuteblicas

28

concretizadoras de direitos sociais universais no atendimento das necessidades baacutesicas dos

cidadatildeos Se assim o for natildeo deve causar espanto o crescimento da pobreza e da

desigualdade social visto que a privatizaccedilatildeo e o esvaziamento das esferas puacuteblicas

impostos pela ofensiva neoliberal natildeo conduzem ao equacionamento desse dilema

Com base na problemaacutetica contida na pergunta de partida constitui objetivo

geral desta tese analisar no contexto da realidade da proteccedilatildeo social contemporacircneandash

destacando a brasileira e a sul europeacuteia que compotildeem o modelo latino ndash como a proposta

original de pluralismo de bem-estar iniciada na Europa a partir do final dos anos 1970 foi

apreendida e utilizada por uma nova direita em sua versatildeo neoliberal

Os objetivos especiacuteficos satildeo os que se seguem

a) analisar em que medida o modelo latino adotado pelos paiacuteses do sul da Europa e pelo

Brasil facilitou a penetraccedilatildeo e aclimataccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de corte

neoliberal nesses paiacuteses

b) verificar no caso brasileiro como estatildeo sendo articuladas (se eacute que o estatildeo) as

discussotildees sobre os efeitos da tendecircncia pluralista atual no campo da poliacutetica de

assistecircncia social

c) fazer um balanccedilo do perfil atual da poliacutetica de assistecircncia social sul europeacuteia e

brasileira em virtude das constantes investidas neoliberais de desmonte dos direitos

sociais previstos nas legislaccedilotildees e planos de accedilatildeo social desses contextos

Para efeitos analiacuteticos a presente tese estaacute organizada de modo a contemplar

dois grandes eixos interligados em si um teoacuterico e outro metodoloacutegico O primeiro

identifica-se com a dimensatildeo substantiva da anaacutelise e como tal baseia-se nas

determinaccedilotildees estruturais e histoacutericas do objeto de estudo Nessa dimensatildeo satildeo

explicitados os pressupostos baacutesicos que fundamentam as divergentes perspectivas

neoliberal e social-democrata bem como as categorias analiacuteticas (principais e secundaacuterias)

que lhes satildeo particulares Entende-se que tal explicitaccedilatildeo deve resultar do enfrentamento

da razatildeo criacutetica com o real em uma perspectiva de classe social para captar o objeto na

histoacuteria problematizaacute-lo e trazecirc-lo para o plano teoacuterico como realidade concreta pensada

(MARX apud KOSIK 1976)

No segundo eixo adota-se o meacutetodo histoacuterico-estrutural que ao buscar

dialeticamente a compreensatildeo do fenocircmeno estudado considera tanto os fatores

29

estruturais que o determinam quanto a sua histoacuteria construiacuteda pelos sujeitos Trata-se de

um desafio que esta investigaccedilatildeo enfrentou sem prescindir da natureza racional do meacutetodo

que a informa Ainda neste eixo satildeo contemplados aspectos operacionais da pesquisa

identificados com procedimentos metodoloacutegicos necessaacuterios agrave aplicaccedilatildeo adequada do

meacutetodo assim como satildeo utilizados instrumentos e teacutecnicas de coleta de dados e

informaccedilotildees particularmente em fontes indiretas

Com base nesses eixos procurou-se compreender as principais relaccedilotildees

constantes do objeto de interesse da pesquisa quais sejam

a) a relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica em um contexto capitalista neoliberal com base

na atuaccedilatildeo de trecircs atores ndash Estado mercado e setores natildeo- mercantis da sociedade ndash

no campo da poliacutetica de assistecircncia social e do modelo de bem-estar latino

b) a histoacuterica relaccedilatildeo entre direitos sociais e poliacutetica social puacuteblica nas sociedades

capitalistas

c) a relaccedilatildeo entre a concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico assegurada pelo Estado e a de bem-

estar plural ou misto desenvolvida pela sociedade (muacuteltiplos setores e atores) por

meio de um conjunto de accedilotildees assistenciais informais e voluntaacuterias

d) a relaccedilatildeo entre padratildeo de bem-estar puacuteblico princiacutepios de cidadania ampliada

democracia igualitaacuteria e justiccedila redistributiva vis-agrave-vis o pluralismo de bem-estar de

corte neoliberal residual e focalizado na pobreza absoluta

Desse conjunto de relaccedilotildees configura-se o objeto de interesse analiacutetico deste

estudo _ uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada pluralismo de bem-estar ou

bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) surgida no final dos anos 1970 como

alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano fordista beveridgiano que vigorou entre

1945 e 1975 nas sociedades capitalistas industrializadas do Ocidente e suas implicaccedilotildees

para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos em paiacuteses que

adotaram o modelo latino incluindo o Brasil

Em outros termos interessa particularmente a esta tese o estudo do regime de

bem-estar denominado latino que caracteriza a proteccedilatildeo social dos paiacuteses europeus da

Regiatildeo Sul ou da Europa Mediterracircnea (Espanha Franccedila Portugal Itaacutelia e Greacutecia)

centrado na famiacutelia e nas pequenas comunidades a partir dos anos 1980 e pelo Brasil

durante os governos apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 (Joseacute

30

Sarney Fernando Collor Fernando Henrique Cardoso e Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva) bem

como a sua relaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar neoliberal Entretanto como a unidade

de anaacutelise privilegiada da pesquisa natildeo satildeo propriamente os paiacuteses do Sul da Europa mas o

modelo latino que adotam ndash que se assemelha ao sistema de proteccedilatildeo social brasileiro ndash

elegeu-se no interior desse modelo a assistecircncia social para conhecer a sua abrangecircncia

tanto no Brasil como nos paiacuteses latinos

Dessa forma foi possiacutevel chegar agrave seguinte suposiccedilatildeo ou hipoacutetese haacute indiacutecios

de que tal pluralismo pretende de fato criar aleacutem da retraccedilatildeo do papel do Estado

garantidor de direitos um novo campo de sociabilidade Nesse modelo haacute a primazia do

mercado como forccedila central simboacutelica em um agregado de atores e setores de bem-estar

sem identidade de classe e status e amalgamados em uma rede aparentemente indistinta de

proteccedilatildeo plural por oposiccedilatildeo agrave proteccedilatildeo puacuteblica

O desdobramento dessa suposiccedilatildeo sugere que a proposta pluralista de bem-

estar de vieacutes neoliberal ao preconizar a substituiccedilatildeo da dimensatildeo puacuteblica da poliacutetica

social pela dimensatildeo plural ou mista expressa mais do que a privatizaccedilatildeo dessa poliacutetica

Expressa sobretudo um duro golpe no princiacutepio da redistributividade (como criteacuterio de

justiccedila e equumlidade social) assim como na democracia igualitaacuteria por restringir o campo

dos direitos de cidadania

Agregaccedilatildeo de setores e atores sociais no sistema pluralista de bem-estar

neoliberal natildeo garante a qualidade da provisatildeo social De fato estaacute por traacutes da aparente

distribuiccedilatildeo do poder do Estado na provisatildeo de bens e serviccedilos sociais para o mercado e

setores natildeo-mercantis da sociedade o fortalecimento da divisatildeo entre economia e poliacutetica e

sobretudo a indeterminaccedilatildeo de responsabilidades puacuteblicas perante demandas e

necessidades sociais Com essa indeterminaccedilatildeo em consequumlecircncia ocorre o aumento das

desigualdades sociais e da expansatildeo do conflito de classes aleacutem do crescimento assustador

dos iacutendices de pobreza (absoluta e relativa) em escala mundial

Supotildee-se assim que vaacuterias ideacuteias e estrateacutegias ocultam as razotildees pluralistas

neoliberais em suas tendecircncias e manifestaccedilotildees contemporacircneas No entanto o pouco que se

percebe eacute suficiente para supor que elas colocam em cheque perspectivas futuras de cidadania

ampliada e de democracia igualitaacuteria para a humanidade aleacutem de criar um sentimento de

frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves promessas feitas pela ordem capitalista agrave modernidade

Com base nessa suposiccedilatildeo e seu desdobramento pretende-se mais

especificamente identificar

31

a) as tendecircncias mais recorrentes da poliacutetica de assistecircncia social materializada em

programas de transferecircncia de renda (Brasil) eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo

(Europa do SulEspanha) tidos como a principal novidade de atendimento agraves

necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo

b) o caraacuteter plural ou misto do comprometimento do Estado com a distribuiccedilatildeo de

benefiacutecios residuais ao passo que um amplo leque de provisatildeo assistencial fica agrave

mercecirc de iniciativas privadas envolvendo ateacute mesmo o setor empresarial

c) a efetividade do pluralismo de bem-estar em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo dos iacutendices de pobreza

e de desigualdade social nos dois contextos territoriais estudados

d) a dinacircmica de reproduccedilatildeo desse padratildeo de bem-estar as justificativas para a manutenccedilatildeo

desse padratildeo bem como as formas de apoio recebido dos poderes puacuteblicos

Em sua estruturaccedilatildeo a presente tese estaacute dividida em duas partes A primeira trata

da configuraccedilatildeo histoacuterica do Estado de Bem-estar da sua propalada crise e da emergecircncia do

pluralismo de bem-estar e da assistecircncia social plural ou mista Compotildee-se de quatro capiacutetulos

O primeiro conteacutem a base teoacuterica que referencia a tese e nele estatildeo explicitadas categorias

analiacuteticas-chave para a fundamentaccedilatildeo dos argumentos e reflexotildees desenvolvidos

O segundo capiacutetulo trata do Estado de Bem-estar e de suas principais

caracteriacutesticas no contexto europeu de 1945-1975 bem como da emergecircncia de uma

suposta crise desse modelo de Estado justificado por um discurso que utiliza a ideologia

pluralista de bem-estar

O terceiro analisa a origem concepccedilatildeo significado estrateacutegias e terminologia

relativas ao fenocircmeno do pluralismo de bem-estar dando realce aos seus antecedentes

histoacutericos e ao pioneirismo de sua primeira proposta imediatamente apoacutes o teacutermino da

Segunda Guerra Mundial Trata tambeacutem da concepccedilatildeo neoliberal de pluralismo de bem-

estar desde a sua divulgaccedilatildeo pela nova direita europeacuteia no final dos anos 1970 como

alternativa agrave chamada crise do Estado de Bem-estar O periacuteodo de crise eacute marcado pelo

debate sobre pobreza desigualdade e exclusatildeo social na Uniatildeo Europeacuteia e pela reproduccedilatildeo

de uma ideologia antiestatal com clara inversatildeo de protagonismos no processo de provisatildeo

social Dentre os vaacuterios aspectos analisados destacam-se o esvaziamento da esfera

puacuteblica a perda de conquistas histoacutericas no campo da democracia e dos direitos de

cidadania e a defesa de mecanismos natildeo convencionais de bem-estar como as chamadas

redes de proteccedilatildeo social como estrateacutegia de enfrentamento da pobreza

32

Nessa abordagem satildeo realccedilados os efeitos que o pluralismo de bem-estar vem

silenciosamente promovendo em escala mundial A absorccedilacirco pelo neoliberalismo em

virtude da coincidecircncia de seus objetivos de quebra da centralidade do Estado na provisatildeo

social justifica o seu estudo articulado Sabe-se que os adjetivos plural ou misto natildeo

expressam a noccedilatildeo de puacuteblico e puacuteblico natildeo significa necessariamente estatal Com o uso

do termo pluralismo difunde-se uma ideologia centrada em uma subjetividade abstrata

cuja particularidade natildeo remete agrave universalidade e agrave autonomia dos sujeitos Ao contraacuterio

a perspectiva colocada eacute de heteronomia com sujeitos despolitizados e por isso passivos e

fragilizados em seu poder de decisatildeo Em vista disso o uso das categorias plural e mista

(poreacutem natildeo puacuteblica) termina por impor novos padrotildees de controle social No limite

assiste-se agrave privatizaccedilatildeo do puacuteblico com clara tentativa de pluralizar o privado Tal arranjo

perpassa todas as esferas da vida social ndash econocircmicas poliacuteticas culturais ndash alterando

significativamente o cotidiano das pessoas

Diante do exposto o quarto capiacutetulo analisa a trajetoacuteria da assistecircncia social no

contexto do pluralismo de bem-estar problematizando a dimensatildeo plural ou mista em

detrimento da dimensatildeo puacuteblica A proposta plural ou mista eacute analisada em seu significado

neoliberal adepto do incremento do protagonismo dos setores natildeo oficiais ndash informal

voluntaacuterio e comercialmercantil ndash em substituiccedilatildeo agrave lideranccedila do Estado e como processo

de desinstitucionalizaccedilatildeo da poliacutetica de assistecircncia social Nessa problematizaccedilatildeo destaca-

se o discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar entendido como uma

reediccedilatildeo de praacuteticas conservadoras e assistencialistas bem como a participaccedilatildeo da famiacutelia

contemporacircnea (e nela da mulher) na provisatildeo social Na afirmaccedilatildeo de Rose (apud

MISHRA 1994) de que nas sociedades mistas as famiacutelias tecircm una multiplicidade de

meios para manter seu bem-estar percebe-se a ecircnfase dada pelos neoliberais agrave

transferecircncia de responsabilidades do Estado para a famiacutelia e em especial para a mulher

A segunda parte compotildee-se de trecircs capiacutetulos ndash cinco seis e sete O capiacutetulo

cinco tem como foco o modelo latino sua contextualizaccedilatildeo em diferentes tipologias de

Estados e regimes de bem-estar o seu perfil assim como as caracteriacutesticas e as tendecircncias

da assistecircncia social na Europa do Sul com destaque agrave Espanha6 e ao Brasil no bojo desse

6 Neste estudo optou-se por dar ecircnfase agrave Espanha com maior nuacutemero de dados empiacutericos bem como maior detalhamento do sistema de proteccedilatildeo social desse paiacutes em que pese a obtenccedilatildeo de dados da realidade social dos demais paiacuteses da Europa do Sul Essa opccedilatildeo deve a quatro razotildees a primeira pela grande convergecircncia valorativa e pelo histoacuterico intercacircmbio eacutetnico e cultural (pelo processo de imigraccedilatildeo) entre espanhoacuteis e brasileiros a segunda por exigecircncia metodoloacutegica de estabelecer um recorte no universo da pesquisa em virtude da exiguumlidade de tempo para conclusacirco deste estudo a terceira por uma motivaccedilatildeo pessoal em

33

modelo Satildeo tambeacutem enfatizadas praacuteticas terminologias e significados bem como

contrastes e particularidades regionais latinas (econocircmicas histoacutericas e culturais) na

configuraccedilatildeo geral dos programas de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo nesses dois contextos

O sexto capiacutetulo ressalta a dimensatildeo plural ou mista das poliacuteticas de bem-estar

implementadas nas duas regiotildees contraposta agrave dimensatildeo puacuteblica Trata-se aleacutem disso da

ausecircncia de redistribuiccedilatildeo de renda nos dois contextos estudados e do fenocircmeno da

apartaccedilatildeo social no Brasil

As experiecircncias da Espanha e do Brasil com programas de transferecircncia de renda

eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) de que trata o capiacutetulo seis ressaltam o padratildeo de

renda miacutenima em curso bem como a concepccedilatildeo a configuraccedilatildeo e a reestruturaccedilatildeo de tais

programas sob influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal Esta parte do estudo

identifica os traccedilos caracteriacutesticas e a tendecircncia contemporacircnea da assistecircncia social na Europa

do Sul e no Brasil a partir dos anos 1980 especificamente no periacuteodo apoacutes o

estabelecimentodo do padratildeo de bem-estar beveridgiano keynesiano-fordista mediante a

demarcaccedilatildeo de diferenccedilas contrastes e semelhanccedilas existentes No caso especiacutefico do Brasil eacute

analisado o fato paradoxal de a seguridade social (conforme consta na Constituiccedilatildeo Federal de

1988) pautar-se tanto pelo padratildeo de proteccedilatildeo social beveridgiano (modelo de bem-estar inglecircs

adotado apoacutes a Segunda Guerra Mundial) como pelo padratildeo profissional bismarckiano

(modelo alematildeo de 1883-1889) Outro fato curioso eacute que o Brasil parece conviver

harmonicamente com accedilotildees pluralistas (informais desinstitucionalizadas e voluntaacuterias) com

clara orientaccedilatildeo neoliberal e com propostas social-democraacuteticas previstas na Lei Maior

(assistecircncia social institucionalizada) O estudo constata que com tais estrateacutegias o receituaacuterio

neoliberal de inspiraccedilatildeo plural reeditou antigos procedimentos de auto-ajuda e de ajuda

muacutetua ao propor o trabalho voluntaacuterio com base na solidariedade Como jaacute salientado

surgiram alternativas de accedilotildees assistenciais agrave sociedade em substituiccedilatildeo agraves funccedilotildees de

provisatildeo e regulaccedilatildeo do Estado Percebe-se entretanto que a ecircnfase dada agrave sociedade como

principal agente de bem-estar com a conotaccedilatildeo positiva de participaccedilatildeo efetiva constitui uma

estrateacutegia de reduccedilatildeo da accedilatildeo estatal na aacuterea de bem-estar e portanto da reduccedilatildeo dos gastos

puacuteblicos em nome de uma suposta descentralizaccedilatildeo do poder

aperfeiccediloar o idioma espanhol (castelhano) e pela curiosidade cientiacutefica de conhecer in loco (Programa de Estaacutegio no ExteriorCAPESPDEE) o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar na Espanha especialmente dos chamados programas de renda miacutenima e inserccedilatildeo com ecircnfase agrave descentralizaccedilatildeo das accedilotildees (com autonomia das Comunidades Autocircnomas_CCAA) no campo da assistecircncia social E por uacuteltimo a quarta razatildeo deve-se agraves semelhanccedilas percebidas entre os modelos de proteccedilatildeo social espanhol e o brasileiro no que se refere agrave forte presenccedila dos setores privados na provisatildeo social tendo como destaque a famiacutelia e nela a mulher como cuidadora social

34

No caso brasileiro os fatos revelam que sob a eacutegide do pluralismo de bem-

estar ocorreu a subordinaccedilatildeo dos criteacuterios de justiccedila social e do exerciacutecio da democracia e

da cidadania aos princiacutepios da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do mercado econocircmico e da

retraccedilatildeo do papel do Estado como garante de direitos Fez-se aiacute um breve retrospecto do

perfil histoacuterico da proteccedilatildeo social nos periacuteodos anterior e posterior agrave promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 (1930 a 1988 e 1989 a 2006) e do caraacuteter

conservador desse padratildeo de bem-estar em suas caracteriacutesticas particularidades e

paracircmetros organizadores

No seacutetimo e uacuteltimo capiacutetulo satildeo analisadas as principais semelhanccedilas e

diferenccedilas encontradas na implementaccedilatildeo da assistecircncia socialprogramas de renda miacutenima

de inserccedilatildeo (Europa do Sul) eou de transferecircncia de renda (Brasil) bem como o padratildeo de

assistecircncia social desenvolvido nessas duas regiotildees ndash Europa do Sul e Brasil Nesse

capiacutetulo a ecircnfase maior eacute dada agraves tendecircncias mais gerais que caracterizam e informam

essas duas realidades na contemporaneidade

O conjunto dessas consideraccedilotildees remete ao cerne da problemaacutetica investigada

por esta tese a saber a dimensatildeo da influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho

neoliberal sobre a relaccedilatildeo entre Estado sociedade e poliacutetica social e em particular sobre a

efetividade de um sistema de proteccedilatildeo social subsidiado por uma poliacutetica de assistecircncia

social esvaziada de seu conteuacutedo puacuteblico

Metodologia meacutetodo e procedimentos

Nesta tese parte-se da premissa de que um processo investigativo natildeo se

reduz a um conjunto de teacutecnicas e instrumentos e nem se define por ele mas pelo

meacutetodo que o orienta o qual por sua vez se referencia em pressupostos ou estatutos

epistemoloacutegicos determinados Como jaacute indicado o meacutetodo adotado eacute o relacional

dialeacutetico articulador das dimensotildees histoacuterico-estruturais referenciado na loacutegica

igualmente dialeacutetica embora tenha como criteacuterio de verdade a realidade que deve ser

decifrada e interpretada porque a premissa desta tese eacute a de que a realidade social natildeo

se reduz ao campo da empiria (empirismo positivista) e nem eacute de fato o que aparenta

ser Dessa afirmaccedilatildeo decorre que o ato de pesquisar carece de meacutetodo que ultrapasse o

uso de teacutecnicas e procedimentos tanto para imprimir marcas de racionalidade e

35

ordenaccedilatildeo nos argumentos quanto para garantir o espiacuterito criacutetico contra generalizaccedilotildees

apressadas e credulidades ideoloacutegicas dogmaacuteticas

Como uma linha auxiliar de anaacutelise no acircmbito do meacutetodo histoacuterico-estrutural

fez-se uso da comparaccedilatildeo da praacutetica da assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul

(particularmente na Espanha) tendo como denominador comum o modelo latino de

proteccedilatildeo social Contudo natildeo se quer dizer que se estaacute utilizando o meacutetodo comparado em

suas postulaccedilotildees claacutessicas e em suas prescriccedilotildees normativas que estabelecem como

paracircmetros da anaacutelise da poliacutetica social as seguintes variaacuteveis indagativas por que ocorreu

tal poliacutetica Por quem foi implementada A favor de quem Com que meios A

comparaccedilatildeo realizada visou simplesmente cotejar os aspectos convergentes e divergentes

entre os paiacuteses da Europa do Sul e o Brasil em relaccedilatildeo ao modelo latino adsorvido pelo

pluralismo de bem-estar

Os aspectos convergentes satildeo os que se seguem

a) adoccedilatildeo de um modelo latino com ecircnfase ao papel da igreja da famiacutelia e da

comunidade inclusive de vizinhanccedila

b) implementaccedilatildeo de programas com caracteriacutesticas de geraccedilatildeo eou transferecircncia de

renda de inserccedilatildeo mediante a implementaccedilatildeo de estrateacutegias pluralistas que

reponsabilizam o Estado quase tatildeo somente no tocante ao repasse de recursos

financeiros diretamente aos pobres

c) criaccedilatildeo de redes assistenciais em que os setores voluntaacuterio e informal de proteccedilatildeo

social ganham relevacircncia como os principais provedores ou cuidadores

As divergecircncias referem-se aos seguintes aspectos

a) proximidade dos paiacuteses do Sul da Europa com realidades nacionais europeacuteias

distintas das vivenciadas por esses paiacuteses e pelo Brasil

b) implementaccedilatildeo por esses paiacuteses de poliacuteticas sociais com caracteriacutesticas que se

constituem em princiacutepios diretrizes e objetivos ainda a serem alcanccedilados pelo

Brasil como por exemplo participaccedilatildeo social mais direta nos niacuteveis de governo

regional e local em particular nessa perspectiva ressalta-se a experiecircncia da

Espanha com as Comunidades Autocircnomas (CCAA) que se traduz em empenho

institucional pela descentralizaccedilatildeo no estabelecimento de sistemas regionais e

36

locais de serviccedilos sociais e de assistecircncia social na implantaccedilatildeo de programas de

renda miacutenima de inserccedilatildeo (com protagonismo das comunidades)

desenvolvimento da chamada rede de proteccedilatildeo social e de serviccedilos sociais de

base e sua vinculaccedilatildeo com os programas de renda miacutenima como resposta

estrateacutegica agrave proposta do pluralismo de bem-estar neoliberal e finalmente

combinaccedilatildeo dos princiacutepios de seletividade e universalismo dentre outros

Como recorte eou delimitaccedilatildeo da pesquisa natildeo se pretendeu analisar a

realidade territorial desses paiacuteses europeus mas estabelecer os traccedilos e tendecircncias

atuais dos modelos pluralistas de bem-estar adotados por entender que eles tecircm uma

tradiccedilatildeo cultural mais latina com significativa presenccedila e participaccedilatildeo da famiacutelia e de

comunidades na provisatildeo social privada e na descentralizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais

Quanto agraves provaacuteveis caracteriacutesticas e semelhanccedilas destacam-se os programas de

transferecircncia de renda eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo vinculados agrave proposta de

redes de proteccedilatildeo social bem como as accedilotildees de bem-estar que se configuram como

um aporte assistencial agraves comunidades

Investigaram-se portanto por meio da perspectiva comparada as

tendecircncias pluralistas contemporacircneas na poliacutetica de assistecircncia social mediante

aproximaccedilotildees sucessivas agrave realidade dos paiacuteses do Sul da Europa e do Brasil tal qual

ela se apresenta atualmente considerando as particularidades regionais Nessa

comparaccedilatildeo natildeo se pretendeu analisar programas especiacuteficos mas sobretudo

identificar elementosvariaacuteveis (dados empiacutericos) que informam as tendecircncias

convergentes das duas realidades mediadas pelo modelo latino Satildeo essas tendecircncias

que valem a pena serem realccediladas pois as divergentes apesar de sua inegaacutevel

importacircncia para a comparaccedilatildeo jaacute satildeo por demais conhecidas

Em relaccedilatildeo ao Brasil o recorte temporal deu-se em dois periacuteodos o

primeiro de caraacuteter remissivo dos anos 1930 (no governo de Getuacutelio Vargas) ateacute os

anos 1980 O segundo privilegiou os marcos da Constituiccedilatildeo Federal brasileira de

1988 e em particular as gestotildees dos governos posteriores por ser esse momento

histoacuterico coincidente com o iniacutecio da investida neoliberal no Brasil e

paradoxalmente com a elevaccedilatildeo da assistecircncia social como direito social nos marcos

da referida Carta Magna

37

Portanto em siacutentese o estudo comparado7 teve como grande divisor de

aacuteguas de um lado as poliacuteticas de proteccedilatildeo social implementadas e fundamentadas na

concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico e de uma assistecircncia social institucionalizada

preconizada pelo Estado de Bem-estar keynesiano de 1945 ateacute meados dos anos 1970

e de outro as poliacuteticas sociais fundamentadas na concepccedilatildeo de bem-estar misto ou

plural de corte neoliberal defendida pelos pluralistas de bem-estar que postulam uma

assistecircncia social desinstitucionalizada voluntaacuteria e solidaacuteria e portanto sem a tutela

do Estado a partir dos anos 1970

A decisatildeo metodoloacutegica instrumental desta tese requereu a utilizaccedilatildeo de

categorias-meio relacionadas entre si e consideradas centrais agrave explicitaccedilatildeo das categorias

substantivas (teoacutericas) Dentre essas categorias-meio destacam-se duas contradiccedilatildeo e leis

do movimento histoacuterico

Utilizou-se a categoria contradiccedilatildeo por conter o princiacutepio explicativo das

relaccedilotildees dialeacuteticas que se pretende analisar jaacute que implica movimento histoacuterico e se

constitui como essecircncia mesma das coisas isto eacute a contradiccedilatildeo estaacute inscrita nos conflitos

de interesses de classes determinados pela relaccedilatildeo antagocircnica entre capital e trabalho

Assim a anaacutelise da poliacutetica social no capitalismo coloca o pesquisador diante de um

aspecto inerente agrave sua essecircncia e formaccedilatildeo qual seja ser um fenocircmeno resultante da

relaccedilatildeo contraditoacuteria entre capital e trabalho A poliacutetica social e no caso especiacutefico deste

estudo a assistecircncia social sacirco por natureza contraditoacuterias pois podem ao mesmo tempo

serem positivas e negativas em relaccedilatildeo ao trabalho e ao capital dependendo da correlaccedilatildeo

de forccedilas em presenccedila

7 Para maior aprofundamento sobre o meacutetodo comparativo (sua formalizaccedilatildeo e novas orientaccedilotildees em razatildeo da crise do meacutetodo claacutessico bem como sua relaccedilatildeo com a histoacuteria e a cultura recurso de anaacutelise estrateacutegico e outros) foram consultados BADIE Bertrand y HERMET Guy (1990) Meacutexico Sobre poliacutetica social comparada (seu sentido niacuteveis de comparaccedilatildeo perspectivas comparativas e as diversas dimensotildees da comparaccedilatildeo) foram pesquisados BRACHO Carmen FERRER Jorge Garcecircs (coord) Madrid 1998 e Landwerlin (1998) Para Landwerlin (1998) uma das linhas mais promissoras e qualificadas de comparaccedilatildeo tem sido o estudo dos fatores determinantes do crescimento do gasto social em relaccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) nacional A seu ver a anaacutelise comparada dos efeitos ou do impacto das poliacuteticas sociais concretas deve realizar-se com base na modificaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais reais de vida e de trabalho de seus beneficiaacuterios levando em conta todas as caracteriacutesticas locais e regionais que contribuem para a definiccedilatildeo de tais condiccedilotildees Para tanto Landwerlin (1998) destaca a importacircncia de esclarecer a natureza e as condiccedilotildees que determinam a poliacutetica que se pretende avaliar Neste caso pode-se analisar o impacto em termos do valor relativo em relaccedilatildeo ao PIB ou agrave renda per capita disponiacutevel e em relaccedilatildeo ao umbral de pobreza Trata-se de uma perspectiva analiacutetica que se interessa mais pelo papel desempenhado pelos atores poliacuteticos eou pelas estruturas poliacuteticas envolvidas no processo de regulaccedilatildeo e provisatildeo social e natildeo tanto pelo conteuacutedo concreto das poliacuteticas sociais Eacute o que os anglo-saxocircnicos denominam de policy content analysis Desse ponto de vista Landwerlin (1998) reafirma que ldquoo que se tem que analisar natildeo eacute tanto o que o Estado faz ou gasta senatildeo o que consegue fazer com o que tem ou gastardquo (p 141)

38

As leis (econocircmicas e poliacuteticas) do movimento histoacuterico compreendem a loacutegica

que governa a sociedade capitalista cujos acontecimentos sociais tecircm vinculaccedilatildeo estreita

com as condiccedilotildees concretas e mutaacuteveis de desenvolvimento dessa sociedade Nessas leis

natildeo haacute sobreposiccedilatildeo e independecircncia das condiccedilotildees estruturais em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees

poliacuteticas ou vice-versa mas a articulaccedilatildeo de ambas em uma unidade de contraacuterios

Portanto a escolha do meacutetodo histoacuterico-estrutural justifica-se pela noccedilatildeo de totalidade

dinacircmica e relacional que ele evoca e pelas possibilidades reais e concretas que oferece

para a apreensatildeo do objeto no seu movimento e contradiccedilotildees

Para a anaacutelise fez-se uso de dados obtidos em planos projetos relatoacuterios (de

execuccedilatildeo e de avaliaccedilatildeo) de fundaccedilotildees institutos eou organizaccedilotildees governamentais e natildeo-

governamentais (ONGs) responsaacuteveis por sua formulaccedilatildeo e tambeacutem de informaccedilotildees

prestadas por representantes dessas agecircncias em acircmbito nacional e internacional Como

procedimentos do estudo comparado investigaram-se aspectos e indicadores soacutecio-

econocircmicos disponiacuteveis sobre a assistecircncia social relativos ao seu processo de formaccedilatildeo e

de desenvolvimento no acircmbito do pluralismo de bem-estar tendo como paracircmetro o

modelo latino Foram colhidos dados oficiais nas home pages dos paiacuteses selecionados

incluindo o Brasil e em documentos oficiais legislaccedilotildees relatoacuterios censos materiais de

divulgaccedilatildeo institucional na imprensa na literatura especializada bem como relatoacuterios e

documentos de diversos organismos multilaterais (Banco Mundial BID e outros) e de

outros oacutergatildeos internacionais (Comissatildeo Especial para Pesquisa na Ameacuterica Latina_

(Cepal) Instituto de Pesquisa Aplicada_ (IPEA) Programa das Naccedilotildees Unidas para o

Desenvolvimento_ (PNUD) Fez-se uso tambeacutem de dados contidos em relatoacuterios de

conferecircncias atas de reuniotildees anais de congressos seminaacuterios eou encontros (nacionais e

interenacionais) referentes agrave poliacutetica de assistecircncia social Foram realizados ainda

contatos e intercacircmbios com pesquisadoresinvestigadores sociais cuja aacuterea de interesse eacute o

pluralismo de bem-estar eou a poliacutetica de assistecircncia social

Por fim apoacutes a qualificaccedilatildeo do projeto de tese fez-se pesquisa tambeacutem na

Espanha por meio de um estaacutegio de doutoramento no exterior e deu-se iniacutecio agrave elaboraccedilatildeo

da tese Os dados foram analisados em suas formas quantitativa e qualitativa procurando

identificar as atuais tendecircncias tensotildees antagonismos eou reciprocidades entre as

dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como elementos constitutivos e constituintes da

concepccedilatildeo e desenvolvimento da poliacutetica de assistecircncia social nos dois territoacuterios

estudados e que estatildeo sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar

PRIMEIRA PARTE

CAPIacuteTULO I

REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO

DAS CATEGORIAS DE ANAacuteLISE

11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho

Na busca de maior aprofundamento das complexas relaccedilotildees entre Estado e

sociedade que engendram as poliacuteticas sociais e consequumlentemente a poliacutetica de

assistecircncia social capitalista contemporacircnea adotou-se nesta tese como referecircncia teoacuterico-

analiacutetica a concepccedilatildeo de Estado ampliado de Gramsci (1991) do qual o Estado de Bem-

estar natildeo deixa de ser um traccedilo significativo Essa escolha ocorre e se justifica por duas

razotildees a primeira porque o sistema conceitual gramsciano prima pela originalidade

complexidade e por um grau de universalidade que interessa a este estudo a segunda por

considerar que a concepccedilatildeo de Estado de Gramsci aleacutem de sua indiscutiacutevel atualidade

apresenta novos elementos para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade

fornecendo aportes instigantes para a teoria poliacutetica moderna Sabe-se que Gramsci (1991)

atribui consideraacutevel importacircncia ao conceito de sociedade civil interpretando-o como um

complexo das superestruturas ideoloacutegicas que se estende por toda a vida social e que

compocirce o acircmbito do Estado ampliando-o Na perspectiva dialeacutetico-gramisciana o Estado

torna-se uma siacutentese contraditoacuteria e dinacircmica entre sociedade poliacutetica e sociedade civil

Trata-se da concepccedilatildeo de Estado e de sociedade com a qual esta tese se identifica embora

se saiba que Estado e sociedade civil tecircm conteuacutedos proacuteprios

Para Gramsci (1991) a sociedade civil eacute o lugar e o momento de vinculaccedilatildeo entre

determinadas condiccedilotildees objetivas configurando-se como uma totalidade histoacuterica o que lhe

confere forccedila organizativa e possibilidades concretas de dar direccedilatildeo poliacutetica eacutetica moral

cultural e intelectual aos processos sociais e histoacutericos A teoria gramsciana torna-se

revolucionaacuteria ao afirmar que o poder estatal contemporacircneo natildeo se esgota nos aparelhos

coercitivos e repressivos do Estado mas define-se pelo conjunto da sociedade civil Assim a

estrutura (base econocircmica da produccedilatildeo das relaccedilotildees sociais) e a superestrutura (reflexo do

conjunto das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo nos campos juriacutedico poliacutetico e ideoloacutegico) formam

41

o que denomina de bloco histoacuterico A superestrutura constitui-se de duas esferas essenciais a

sociedade poliacutetica (relativa ao Estado) e a sociedade civil (considerada a maior esfera puacuteblica

da superestrutura) Portanto o Estado na concepccedilatildeo de Gramsci (1991) apesar de sua

centralidade natildeo tem uma medida em si mesmo Como criaccedilatildeo da sociedade eacute essa esfera que

lhe daacute a medida e a profundidade de seus limites (OLIVEIRA 1995)8

A distinccedilatildeo gramsciana entre sociedade poliacutetica (Estado) e sociedade civil eacute o

lugar teoacuterico em que se evidencia uma nova concepccedilatildeo de Estado que inclui a sociedade

civil Ressalta-se como contraponto criacutetico agrave concepccedilatildeo de Estado neoliberal

fundamentado no liberalismo claacutessico que a ampliaccedilatildeo das funccedilotildees do Estado combatida

por essa ideologia eacute percebida como um exagero de intervenccedilatildeo social e econocircmica9 A

expectativa que os neoliberais tecircm da sociedade tambeacutem natildeo eacute a de uma esfera autocircnoma e

atuante como forccedila organizada capaz de apresentar demandas sociais ao nuacutecleo do poder

estatal e de exercer o controle democraacutetico sobre suas accedilotildees Os neoliberais como

legiacutetimos representantes da nova direita (fusatildeo de neoliberais e neoconservadores)

esperam dessa instacircncia a sua subordinaccedilatildeo aos interesses do capital e um retorno ao

conservadorismo mediante praacuteticas sociais assistencialistas voluntaacuterias de auto-ajuda e de

ajuda muacutetua em substituiccedilatildeo ao papel dos governos Portanto ao tomar o estatuto teoacuterico-

analiacutetico gramsciano como referecircncia esta tese destaca tambeacutem a centralidade e a

vinculaccedilatildeo existente entre os demais conceitos que fundamentam esse pensamento tais

como hegemonia (elaboraccedilatildeo de um sistema de recursos ideoloacutegicos e poliacuteticos que se

constroacutei se conquista e se traduz em capacidade de direccedilatildeo de uma determinada classe)

cultura (que extrapola a simples aquisiccedilatildeo de conhecimento como possibilidade de

conquista de uma consciecircncia social e poliacutetica superior de uma nova posiccedilatildeo na histoacuteria

na perspectiva de classe social) e o de catarse (como momento eacutetico-poliacutetico e de praacutexis

social) Esses conceitos constituem-se na siacutentese de um projeto de sociedade e em

elementos essenciais na construccedilatildeo de um novo bloco histoacuterico

Para Gramsci (1991) eacute por meio do momento cataacutertico que o homem (ser

social) afirma sua liberdade em face das estruturas econocircmico-sociais injustas revelando

que embora condicionado por essas estruturas eacute capaz de novas iniciativas mudando o

curso da histoacuteria Nesse sentido a vida social e material eacute considerada produto da accedilatildeo dos

8 Transcriccedilotildees de aulas proferidas do Dr Prof Francisco de Oliveira em cursos da poacutes-graduaccedilatildeo (Mestrado e Doutorado) em Serviccedilo Social da Pontifiacutecia Universidade de Satildeo Paulo (PUC-SP) em 1995 9 Segundo Oliveira (1995) intervenccedilatildeo eacute um termo neoliberal que pressupotildee uma relaccedilatildeo de exterioridade entre Estado e economia A proposta de recuo do Estado para a condiccedilatildeo de Estado miacutenimo restrito busca nacirco prejudicar os interesses dos grupos dominantes

42

homens na busca de transformaccedilatildeo do real sem contudo deixar de levar em conta as

condiccedilotildees histoacutericas objetivas determinadas e contraditoacuterias que expressam o que Marx

(1983) chama de unidade de contraacuterios Este estudo entende a relaccedilatildeo entre Estado e

sociedade na perspectiva criacutetica e de totalidade constituiacuteda de muacuteltiplas determinaccedilotildees ou

seja uma relaccedilatildeo de contraacuterios (e natildeo como opostos no sentido de ruptura) que se opotildeem

dialeticamente mas mantecircm estreita interdependecircncia e relaccedilatildeo de reciprocidade

materializada no campo das relaccedilotildees sociais (IANNI 1986) Eacute o que Marx (1983)

denomina de unidade na diversidade Portanto eacute importante perceber que o poder do

Estado natildeo se esgota em sua representaccedilatildeo poliacutetica nem mesmo na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees

que o compotildeem muito embora o poder poliacutetico seja condiccedilatildeo de existecircncia do Estado

Ocorre um grande equiacutevoco conceitual histoacuterico e poliacutetico que se tornou

recorrente no discurso neoliberal a exemplo da posiccedilatildeo assumida pelos defensores da

proposta de bem-estar plural ou mista que propotildeem a autonomizaccedilatildeo e segmentaccedilatildeo dos

chamados setores natildeo-oficiais que compotildeem a sociedade civil desvinculando-os do

Estado Pela oacutetica dialeacutetica na perspectiva gramsciana tais setores deveriam ser vistos

em sua constituiccedilatildeo como instacircncias que atuam e se realizam em totalidades abertas e

necessaacuterias ainda que diferenciadas e contraditoacuterias ampliando a accedilatildeo do Estado Haacute

necessidade portanto de recusar todo mecanismo estrateacutegico e ateacute mesmo teorizaccedilotildees

que tendam a negar as possibilidades reais de emancipaccedilatildeo poliacutetica da sociedade do jugo

do capital a exemplo da justificativa neoliberal que com o argumento de assegurar

autonomia a um agregado de bem-estar propotildee a transferecircncia da provisatildeo social de

responsabilidade governamental para tais setores Assim aleacutem de sobrecarregar parcelas

sociedade com atribuiccedilotildees e responsabilidades que natildeo lhes dizem respeito tais

propostas limitam o campo da esfera puacuteblica e da construccedilatildeo de uma sociabilidade

ampliada por meio de uma provisatildeo social plural poreacutem natildeo puacuteblica e portanto

informal e desinstitucionalizada restrita a microesferas de relaccedilotildees espontacircneas

(familiares grupais eou individuais)

Uma outra categoria substantiva agrave problematizaccedilatildeo do objeto deste estudo eacute a

categoria trabalho fundamentada em Marx (1983) Ao trataacute-la haacute que indagar o que eacute

mais importante a produccedilatildeo material que expressa a materialidade do trabalho ou a

reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo A ideacuteia de trabalho neste estudo eacute uma

categoria fundante do ser social que cria e recria profundas mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais e

de produccedilatildeo Para Marx (1983) o trabalho natildeo se limita agrave sua finalidade imediata de

43

produccedilatildeo de bens materiais mas estaacute no campo da sociabilidade humana e por isso eacute

determinado pelas relaccedilotildees sociais possibilitando sobretudo o desenvolvimento das

capacidades humanas das forccedilas produtivas e das relaccedilotildees sociais Trabalho para Marx

(1983) eacute tanto o processo como o produto do trabalho produtivo

As forccedilas sociais no capitalismo buscam dominar e transformar o significado

das coisas e dos processos materiais mistificando-as ou coisificando-as bem como

restringindo a ideacuteia de trabalho agrave produccedilatildeo de bens e serviccedilos necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo

material da existecircncia As reflexotildees de Antunes (2000) sobre a categoria trabalho e as

determinaccedilotildees histoacutericas do modo de produccedilatildeo capitalista tambeacutem baseadas em Marx

(1983) remetem agrave necessidade de que seja reelaborada essa categoria inserindo-a no

contexto dos processos contraditoacuterios das poliacuteticas sociais e em particular da assistecircncia

como fenocircmeno mundial objeto de medidas neoliberais e de mudanccedilas econocircmicas

sociais e poliacuteticas em curso na sociedade contemporacircnea

Ao discorrer sobre o processo de fetichizaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre mercadoria e

trabalho e ao referir-se agrave problemaacutetica do trabalho nos dias atuais Antunes (1995) afirma

que a vontade do trabalhador se encontra subordinada agrave necessidade do trabalho e de seu

produto que natildeo lhe pertencendo torna-se estranho a ele A seu ver na ordem burguesa

a relaccedilatildeo capital e trabalho passa a ser fetichizada pelo capital para conferir-lhe

continuidade e certo grau de normalidade O autor entende que tais reflexotildees em um

sistema capitalista de produccedilatildeo confirmam a vinculaccedilatildeo dos novos processos de trabalho

agrave loacutegica imposta pelo capital ao trabalho Com essa perspectiva um aspecto relevante eacute a

identificaccedilatildeo da vinculaccedilatildeo dos processos de trabalho agraves funccedilotildees e agraves novas

configuraccedilotildees do Estado contemporacircneo em sua relaccedilatildeo com a sociedade uma vez que

tais processos se situam no contexto da acumulaccedilatildeo capitalista A categoria trabalho deve

ser apreendida como constituinte e constitutiva das relaccedilotildees sociais e de produccedilatildeo e

como elemento indissociaacutevel da relaccedilatildeo Estado e sociedade que engendra poliacuteticas

inclusive a social Em decorrecircncia haacute que analisar a categoria trabalho em sua condiccedilatildeo

material mas tambeacutem em sua forma social uma vez que no capitalismo os processos de

mistificaccedilatildeo fetichizaccedilatildeo e reificaccedilatildeo do trabalho acabam sobrepondo-se agrave otimizaccedilatildeo

da satisfaccedilatildeo das necessidades sociais baacutesicas e se subordinando aos criteacuterios de gestatildeo

econocircmica estrateacutegica e gerencial Nesses processos natildeo se percebe o trabalho como

possibilidade de emancipaccedilatildeo de sujeitos livres eou como componente da construccedilatildeo de

sua identidade nem como uma categoria que envolva processos de sua objetivaccedilatildeo

44

entendida como forma materializada de uma determinada ideologia e de subjetivaccedilatildeo da

realidade Enfim natildeo se percebe o trabalho com status de via de acesso a condiccedilotildees de

uma vida diacutegna e humanizada e que supera os limites de acesso a oportunidades

oferecidas pelo mercado

Na perspectiva neoliberal a vinculaccedilatildeo do trabalho com as poliacuteticas sociais

expressa-se de diversas maneiras por intervenccedilotildees privatistas nas esferas puacuteblicas por

medidas restritivas de direitos sociais (previdenciaacuterios educacionais de sauacutede de

assistecircncia baacutesica dentre outros) por reduccedilatildeo de jornadas e postos de trabalho

incrementando programas de transferecircncia de renda como uacutenica alternativa ao

enfrentamento da pobreza absoluta e promovendo reformas sociais e trabalhistas para

atender ao princiacutepio da flexibilizaccedilatildeo do mercado para citar algumas vias

No contexto da relaccedilatildeo Estado e sociedade a proposta pluralista de bem-estar

neoliberal estaacute vinculada a uma economia capitalista cuja loacutegica privilegia o atendimento

das demandas do capital em detrimento da satisfaccedilatildeo de necessidades sociais Com essa

compreensatildeo entende-se a justificativa dada agrave centralidade do trabalho pelo Estado de

Bem-estar apoacutes o teacutermino da Segunda Guerra Mundial como valor essencial do sistema e

coacutedigo de sociabilidade visto que o Estado de Bem-estar (ou Social) embora

comprometido com a cidadania tambeacutem era parte integral do sistema capitalista

Com o Estado keynesiano-fordista o trabalho ganhou centralidade ao

estruturar as poliacuteticas sociais e econocircmicas assim como as estrateacutegias de pleno emprego

Tornou-se aleacutem disso um campo simboacutelico passando a nomear natildeo soacute o trabalho mas

tambeacutem o lugar do natildeo-trabalho No campo da sociabilidade a centralidade do trabalho

deu sentido agrave convivecircncia e passou a justificar a ampliaccedilatildeo da cidadania da participaccedilatildeo

social da inclusatildeo social No campo da cidadania social universalizou os direitos sociais e

estruturou a relaccedilatildeo entre poliacutetica social e trabalho em outras bases isto eacute como instacircncias

distintas mas natildeo excludentes situadas no campo do conflito social entre classes

A respeito da relaccedilatildeo entre Estado Social e trabalho Oliveira (1995) apresenta

uma reflexatildeo profiacutecua Ele argumenta que inegavelmente um dos grandes trunfos do

Estado de Bem-estar foi a legitimaccedilatildeo da centralidade do trabalho Contudo o maior fator

de ecircxito desse resgate do trabalho foi a abrangecircncia e a universalizaccedilatildeo alcanccedilados pelas

poliacuteticas de bem-estar keynesianas que por estarem fortemente reguladas e

regulamentadas pelo Estado tornaram-se universais agrave medida que se irradiaram para outros

45

setores da vida social extrapolando ateacute mesmo as relaccedilotildees de trabalho10 Com a expansatildeo e

o grau de universalidade as poliacuteticas sociais alcanccedilaram a perspectiva puacuteblica e a

cidadania social Por conseguinte natildeo foi por acaso que os representantes da nova direita

(neoliberais e neoconservadores)11 criticaram de forma contundente os processos de

universalizaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo do Estado Social pois as poliacuteticas de pleno emprego e de

seguridade social ao assumirem caraacuteter de poliacuteticas demandadas pela cidadania social

transformaram-se em direitos e ultrapassaram as funccedilotildees do Estado capitalista Para

Oliveira (1995) esse foi o diferencial que imprimiu ecircxito agraves poliacuteticas de bem-estar apoacutes o

teacutermino da Segunda Guerra Mundial

Em siacutentese este estudo entende como maior ecircxito do Estado Social a criaccedilatildeo

de possibilidades reais e concretas de otimizar a satisfaccedilatildeo de necessidades sociais na

forma de acesso a bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos Vale destacar ainda

que as noccedilotildees de participaccedilatildeo de descentralizaccedilatildeo e de pactos plurais ou mistos (a famosa

economia mista apoacutes 1945) jaacute estavam presentes na concepccedilatildeo e na praacutetica do Estado

Social Portanto ao contraacuterio do que se pensa nem a ideacuteia de pluralismo nem as diretrizes

de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo satildeo criaccedilotildees exclusivas e muito menos prerrogativa

dos neoliberais O novo repita-se eacute o desmonte dos direitos de cidadania social que

constituiacuteam a base ampliada para as crescentes funccedilotildees do Estado tambeacutem ampliado o

qual sob o atual domiacutenio do mercado novamente procura tornar-se restrito

12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria

recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade

Para entendimento das leis de movimento com base nas formulaccedilotildees de Marx

(1983) torna-se mister retomar o nuacutecleo da teoria poliacutetica marxiana isto eacute o caraacuteter

contraditoacuterio do Estado capitalista em sua dinacircmica proacutepria No entanto esse mesmo tipo

de Estado absorve pressotildees e demandas por poliacuteticas sociais demandadas por classes

10 Em relaccedilatildeo agrave categoria trabalho associada agrave poliacutetica haacute que ressaltar que na Europa Ocidental diferentemente do Brasil o trabalho sempre teve uma grande centralidade na estruturaccedilatildeo da sociedade como elemento estruturante de sua formaccedilatildeo social e poliacutetica 11 Os direitistas franceses usaram como exemplo para fundamentar sua criacutetica ao Estado de Bem-estar a questatildeo da migraccedilatildeo nos paiacuteses europeus Argumentavam sobre o ocircnus que recaiacutea sobre o Estado de Bem-estar o fato de os imigrantes ingressarem na Franccedila assim como em outros paiacuteses para exercerem um trabalho e serem beneficiados pelas mesmas medidas de seguridade social de caraacuteter universal usufruiacutedos pelos habitantes nacionais

46

antagocircnicas movidas por interesses diferenciados e que expressam nessa relaccedilatildeo a

tensatildeo histoacuterica entre capital e trabalho Nessa perspectiva a poliacutetica social reflete um

conjunto de relaccedilotildees que expressam tanto as lutas de classes que demandam ao Estado

alteraccedilotildees nas condiccedilotildees materiais de produccedilatildeo quanto de grupos que o pressionam para

obtenccedilatildeo de vantagens na acumulaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da riqueza produzida (produto social)

Vecirc-se que em seu antagonismo e em sua dualidade a poliacutetica social estaacute a serviccedilo do

trabalho mas tambeacutem do capital Portanto por estar inserida em uma estrutura de relaccedilotildees

contraditoacuterias a anaacutelise das leis de movimento no campo das poliacuteticas sociais exige a

superaccedilatildeo de um quadro teoacuterico e metodoloacutegico simplista eou linear destituiacutedo de uma

anaacutelise criacutetica que toma suas consequumlecircncias como causas ou que concebe o Estado a

serviccedilo de uma uacutenica classe (burguesia) ou ainda que incorra no equiacutevoco teoacuterico de

confundir o seu processo de formaccedilatildeo com os seus efeitos Dada a complexidade dessa

questatildeo de acordo com a mesma linha teoacuterica encontra-se uma pluralidade de enfoques

com diferentes abordagens Torna-se mister diferenciaacute-las ainda que natildeo se tenha a

pretensatildeo de fazecirc-lo de forma exaustiva

Sabe-se que a criacutetica marxista ao Estado Social natildeo eacute uniacutevoca O Estado Social

foi objeto de severas criacuteticas e de opiniotildees divergentes de marxistas e liberais como a que

ocorreu nos anos 1970 Em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do Estado haacute vaacuterias teorias de orientaccedilatildeo

marxista Marx (1983) criticou as tendecircncias reformistas de sua eacutepoca o que serviu de

marco conceitual para alguns teoacutericos que no seacuteculo XX tambeacutem criticaram o conceito de

Estado Social As criacuteticas formuladas nos anos 1960 pelos marxistas Miliband (1980)

Agnoli (1971) Baran e Sweezy (1973) guiaram-se pela claacutessica tese marxista que

considerou o Estado como um mero instrumento da classe dominante Nos anos 1970

OrsquoConnor (1981) centrou suas criacuteticas nas tendecircncias contraditoacuterias do Estado Social

diferenciando-se dos primeiros por manter o debate sobre as funccedilotildees e a natureza do

Estado capitalista O estudo de Lara (1991) sobre a formaccedilatildeo do Estado Social distingue e

classifica essas duas abordagens a primeira eacute a criacutetica marxista tradicional (anos 1960) e

a segunda a criacutetica marxista moderna (anos 1970) embora argumente que toda a intenccedilatildeo

de classificar algo possui um valor meramente didaacutetico e orientador

Os teoacutericos marxistas que mais se ocupam recentemente da anaacutelise do Estado

distinguem duas categorias baacutesicas a) teorias que privilegiam a causalidade econocircmica de

intervenccedilatildeo estatal como exigecircncia do processo de acumulaccedilatildeo capitalista e b) teorias que

interrelacionam as causas econocircmicas com as de caraacuteter social e poliacutetico Miliband (1980)

47

um representante da interpretaccedilatildeo marxista tradicional afirma que as poliacuteticas de reformas

natildeo supotildeem modificaccedilatildeo nas estruturas do Estado capitalista pelo fato de esse Estado ter

perpetuado seu caraacuteter classista A criacutetica de Miliband (1980) ao Estado Social tem origem

em uma concepccedilatildeo economicista das classes sociais em que o Estado na sociedade

capitalista ao fazer parte da classe econocircmica dominante atua tambeacutem no plano poliacutetico

Nessa perspectiva as funccedilotildees do Estado estatildeo sempre determinadas pelas estruturas de

classe natildeo havendo portanto nenhuma possibilidade de um compromisso firmado entre

capital e trabalho

No entanto em que pesem as poliacuteticas reformistas possuiacuterem grandes

limitaccedilotildees natildeo se pode desconsiderar eou relativizar as transformaccedilotildees sociais ocorridas

no Estado contemporacircneo e seus efeitos e consequumlecircncias A tese de Miliband (1980) foi

objeto de uma intensa polecircmica com Poulantzas (1980) para quem as relaccedilotildees de classe

natildeo satildeo necessariamente a base das relaccedilotildees de poder assim como as relaccedilotildees de poder

natildeo satildeo a base das relaccedilotildees de classe Miliband (1980) sustenta que existem casos em que

uma classe social pode ser econocircmicamente dominante sem que a seu ver o seja no plano

poliacutetico Para a corrente marxista tradicional o Estado de Bem-estar foi uma estrateacutegia

utizada pelo capitalismo para amortecer os antagonismos de classe criados pela expansatildeo

do capital Para Agnoli (1971) as poliacuteticas sociais natildeo supotildeem uma renovaccedilatildeo ou reforma

das estruturas capitalistas Marcuse (1985) na busca de um novo sujeito revolucionaacuterio

observou que o crescimento econocircmico e o progresso tecnoloacutegico haviam transformado a

luta de classes e as possibilidades de mudanccedila social Essas posiccedilotildees que natildeo constituem

objeto de anaacutelise desta tese comprovam que o debate sobre economia capitalista e sua

relaccedilatildeo com o Estado distanciou-se das relaccedilotildees existentes na eacutepoca de Marx bem como

existe parcialidade no enfoque tradicional e instrumentalista de Miliband (1980) em sua

anaacutelise sobre o papel do Estado

Baran e Sweezy (1973) com um enfoque mais econocircmico que o de Miliband e

fazendo eco agraves poliacuteticas keynesianas explicam o intervencionismo estatal como uma

consequumlecircncia do problema da geraccedilatildeo e absorccedilatildeo do excedente Nesse caso o capitalismo

monopolista caracteriza-se por uma tendecircncia de incrementar o excedente sem gerar

mecanismos de absorccedilatildeo da demanda Os autores entendem por conseguinte o sistema

econocircmico capitalista como contraditoacuterio pois produz mais do que permite sua

capacidade embora seja deficitaacuterio para criar a suficiente demanda que permita a total

utilizaccedilatildeo de sua capacidade produtiva Inspirando-se no enfoque keynesiano Baran e

48

Sweezy (1973) explicam a intervenccedilatildeo estatal no capitalismo monopolista como

mecanismo gerador da demanda efetiva ou seja o Estado converte-se em criador da

demanda transferindo o poder de compra ou comprando diretamente bens e serviccedilos

sociais Nessa perspectiva o grande inimigo do sistema capitalista eacute a depressatildeo

econocircmica (crise relacionada com a quebra do riacutetmo de crescimento) e natildeo os gastos

sociais estatais uma vez que a viabilidade do sistema econocircmico depende desse uacuteltimo

Em siacutentese a intervenccedilatildeo do Estado na economia eacute uma necessidade imposta pelo sistema

capitalista e os gastos estatais satildeo funcionais ao sistema como meio de gerar demanda

agregada com a ressalva de que em nenhum caso essa demanda pode ter um objetivo

social por natildeo poder enfrentar os interesses privados Assim os autores negam todo o

caraacuteter social do Estado no capitalismo avanccedilado ou melhor reconhecem que ele exerce

certas funccedilotildees sociais ainda que natildeo as considerem relevantes Nessa perspectiva o

Estado limita-se a servir aos interesses do capital natildeo se constituindo em uma instacircncia de

mediaccedilatildeo entre interesses de classes sociais distintas A proacutepria realidade soacutecio-econocircmica

e poliacutetica tem colocado em evidecircncia a fragilidade e as limitaccedilotildees das teorias de Baran e

Sweezy (1973) Do ponto de vista da histoacuteria ao contraacuterio do que previram a crise dos

anos 1970 ocorreu natildeo pelo problema de absorccedilatildeo do excedente mas pela sua geraccedilatildeo

demandando ateacute mesmo a necessidade de reduccedilatildeo de gastos sociais

As teorias elaboradas nos anos 1970 na perspectiva marxista oferecem novas

formulaccedilotildees sobre as funccedilotildees e a natureza do Estado Social na sociedade contemporacircnea e

reconhecem em uacuteltima instacircncia que ele possui uma dimensatildeo social (e natildeo soacute

econocircmica) e tratam de explicar o motivo desse fenocircmeno As aportaccedilotildees de Miliband

(1980) e as de Baran e Sweezy (1973) foram elaboradas em um contexto de crescimento

econocircmico e as teorias que se fundamentam nas contradiccedilotildees do Estado Social tecircm como

fundo a crise econocircmica que se iniciou nos anos 1970 OrsquoConnor (1981) como

representante da criacutetica marxista tradicional introduziu novos elementos do enfoque

marxista para a explicaccedilatildeo da natureza e funccedilotildees do Estado Atribui ao Estado a funccedilatildeo de

acumulaccedilatildeo para criar condiccedilotildees de rentabilidade privada Distanciando-se de Miliband

(1980) e de Baran e Sweezy (1973) defende a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo poliacutetica do Estado

por meio da busca de conciliaccedilatildeo dos interesses entre capital e trabalho A seu ver a essas

duas funccedilotildees estatais correspondem respectivamente a dois tipos de gastos estatais os de

capital social que podem ser destinados ao consumo social e os gastos sociais Para

OrsquoConnor (1981) o crescimento das atividades do setor estatal eacute causa e efeito da

49

expansatildeo do capitalismo monopolista Nesse sentido a socializaccedilatildeo dos custos eacute necessaacuteria

para a acumulaccedilatildeo do capital e a causa principal do crescimento econocircmico eacute a expansatildeo

do setor estatal que coloca agrave disposiccedilatildeo do capital privado os bens e serviccedilos sociais que

satildeo fundamentais ao seu desenvolvimento por meio dos gastos de capital social De

acordo com OrsquoConnor (1981) a capacidade produtiva do capital monopolista tende a

crescer mais raacutepido que a demanda e o consumo Por isso ele afirma que ainda que os

gastos estatais contribuam para harmonizar as relaccedilotildees entre capital e trabalho sua

finalidade eacute a de servir sempre agrave funccedilatildeo de acumulaccedilatildeo Em relaccedilatildeo aos trabalhadores

cria-se a ilusatildeo de seguranccedila econocircmica e o Estado na fase de capital monopolista natildeo soacute

se limita a proteger as condiccedilotildees de acumulaccedilatildeo mas participa tambeacutem da criaccedilatildeo dessas

condiccedilotildees o que afeta a sua natureza estatal Por fim OacuteConnor (1981) diferencia a funccedilatildeo

de acumulaccedilatildeo da funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado funccedilotildees consideradas por ele como

contraditoacuterias A contradiccedilatildeo resulta da socializaccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo e da

apropriaccedilatildeo privada do excedente e o mais importante dela deriva a crise fiscal o que

inviabiliza a seu ver o Estado Social Percebe-se que a criacutetica marxista tem analisado em

profusatildeo (seja na perspectiva mais poliacutetico-ideoloacutegica seja na de cunho mais econocircmico) o

caraacuteter contraditoacuterio das funccedilotildees do Estado capitalista

A anaacutelise das contradiccedilotildees do Estado Social revela que nem toda atividade

estatal eacute funcional ao sistema capitalista Nesse sentido uma formulaccedilatildeo niacutetida eacute a que

realiza Gough (1982) para quem a natureza do Estado Social serve ao mesmo tempo

para a acumulaccedilatildeo do capital e como salaacuterio social Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado

que defende tanto os interesses da classe capitalista como os interesses da classe

trabalhadora Por outro lado a crise de rentabilidade do capital natildeo eacute a uacutenica causa que

explica a origem do Estado Social uma vez que se deve acrescentar o elemento da luta

de classes Nesse contexto Gough (1982) sustenta que a atividade estatal possui limites

estruturais o que natildeo impede que realize certas reformas Para Lara (1991) percebe-se

nessa anaacutelise de Gough tambeacutem um estudioso de inspiraccedilatildeo marxista (a seu ver mais

proacuteximo das ideacuteias criacuteticas do marxismo moderno) natildeo apenas o reconhecimento de que

o Estado Social eacute uma forma de compromisso que satisfaz interesses heterogecircneos Em

siacutentese para Gough (1982) o Estado Social eacute um elemento eficaz e imprescindiacutevel para

reduzir o conflito entre capital e trabalho Segundo Lara (1991) essas ideacuteias longe de

encerrar esse debate indicam uma aproximaccedilatildeo com as teses dos apologistas do Estado

Social apoacutes 1945

50

Como sustenta OrsquoConnor (1982) a diferenccedila entre diferentes enfoques eacute que

alguns negam que o Estado das sociedades avanccediladas realize funccedilotildees de legitimaccedilatildeo

poliacutetica e outros a exemplo de uma parte consideraacutevel dos estudos elaborados a partir dos

anos 1970 reconhecem que o Estado Social se impotildee pelas necessidades derivadas da

evoluccedilatildeo do capitalismo e tambeacutem pela necessidade de satisfazer uma seacuterie de demandas

sociais Em resumo o Estado Social obedece tanto a causas econocircmicas como sociais e

poliacuteticas Portanto a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado natildeo eacute em essecircncia disfuncional ao

sistema econocircmico ou seja a disfuncionalidade dos gastos de legitimaccedilatildeo manifesta-se

quando natildeo haacute crescimento econocircmico

Contudo de um lado a chamada criacutetica marxista moderna sobre as

contradiccedilotildees do capitalismo natildeo encontrou respaldo na eacutepoca da consolidaccedilatildeo do

Estado Social e de outro a situaccedilatildeo mudou muito diante da crise econocircmica que se

desencadeou a partir de 1973 No entanto a criacutetica marxista apesar do esforccedilo

realizado para destacar as contradiccedilotildees do Estado Social natildeo conseguiu desenvolver

eou apresentar uma nova soluccedilatildeo A tese ou intento eurocomunista (como terceira via)

entre o modelo do socialismo real e a social democracia natildeo avanccedilou poliacuteticamente

como se esperava Como assinala Perry Anderson (1995) ao estudar a evoluccedilatildeo do

marxismo ocidental nas deacutecadas de 19701980 falta uma estrateacutegia que permita superar

a ordem capitalista

Diante de tantas polecircmicas natildeo se trata de aderir ao movimento pendular das

chamadas ciecircncias poacutes-modernas que ganharam espaccedilo nos meios intelectuais a partir dos

anos 1990 ainda como vestiacutegio da marcante influecircncia do estruturalismo de Althusser dos

anos 1960 e 197012 Assistiu-se nesse periacuteodo agrave trajetoacuteria das referidas ciecircncias

ancoradas no estruturalismo e sua posterior migraccedilatildeo para o irracionalismo poacutes-moderno

que se apresentou como alternativa agrave superaccedilatildeo do natildeo-reconhecimento pelo

estruturalismo do indiviacuteduo como sujeito da histoacuteria Portanto com o estruturalismo

houve a dissoluccedilatildeo do singular na totalidade das estruturas como propocircs Levy Strauss

Com o poacutes-modernismo haacute a fragmentaccedilatildeo da totalidade no singular Postula-se o natildeo-

debate o natildeo-confronto de ideacuteias e se propotildeem concessotildees e concordacircncias de forma

benevolente com a ausecircncia de indagaccedilotildees teoacutericas e epistemoloacutegicas Nesse sentido o

12 As concepccedilotildees estruturalistas de Althusser (ausecircncia do sujeito) e de Passeron e Bourdieu perderam o poder de forccedila intelectual e ideoloacutegica por natildeo conseguirem ldquoexplicar a relaccedilatildeo ativa dos homens com sua proacutepria histoacuterica e por natildeo poderem reconhecer nos homens os demiurgos de sua proacutepria existecircnciardquo A visatildeo de histoacuteria para esses autores ficou restrita a uma histoacuteria de estruturas conduzindo agrave ldquomorte do sujeitordquo (LESSA 1999 p 171)

51

singular eacute fetichizado e reificado e as categorias universais passam a ser percebidas como

meros produtos da abstraccedilatildeo da subjetividade

Em contraposiccedilatildeo eacute exatamente a problematizaccedilatildeo do caraacuteter ambiacuteguo e

contraditoacuterio do Estado capitalista que interessa a este estudo Assim entende-se que a

compreensatildeo das tendecircncias objetivas que caracterizaram as poliacuteticas macroeconocircmicas

implantadas na Europa do Sul e no Brasil a partir dos anos 1970 de caraacuteter concentrador e

excludente eacute fundamental para entender a loacutegica privatista que passou a orientar os sistemas

de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social das poliacuteticas sociais (europeacuteias e brasileiras) nesse

contexto A identificaccedilatildeo dessas tendecircncias eacute imprescindiacutevel para avaliar a importacircncia da

dimensatildeo poliacutetica na formaccedilatildeo e gestatildeo das poliacuteticas sociais puacuteblicas contemporacircneas

articulada agrave dimensatildeo econocircmica especialmente no caso das poliacuteticas sociais desenvolvidas

na Europa do Sul e no Brasil marcadamente residuais e destituiacutedas do enfoque

redistributivista

13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias

A temaacutetica de poliacutetica social tem encontrado resistecircncias intelectuais ao

seu aprofundamento analiacutetico Ateacute mesmo o Estado Social apesar de seu papel

decisivo na organizaccedilatildeo da sociedade industrial recebeu um tratamento teoacuterico pouco

consistente tanto pelos liberais que negavam ou subestimavam sua capacidade de

persistecircncia histoacuterica como pelos marxistas que acreditavam na tese da

transitoriedade do Estado Ao lado dessas restriccedilotildees de ordem teoacuterica somavam-se

outras de conteuacutedo poliacutetico e ideoloacutegico a dos liberais por defenderem como soluccedilatildeo

aos problemas sociais o laissez-faire e a liberdade do mercado e por fazerem

oposiccedilatildeo ideoloacutegica agrave regulaccedilatildeo econocircmica e social do Estado e a dos marxistas por

verem no Estado Social um fator de desmobilizaccedilatildeo da classe trabalhadora e

portanto do arrefecimento da luta de classes Entretanto foram as proacuteprias

transformaccedilotildees decorrentes da revoluccedilatildeo industrial do avanccedilo tecnoloacutegico e do

aumento da populaccedilatildeo que criaram as condiccedilotildees estruturais para o desenvolvimento

do Estado Social a partir do final do seacuteculo XIX

Todavia nesta tese resgata-se e atualiza-se a discussatildeo centrada na distinccedilatildeo

claacutessica de enfoques entre liberais e marxistas acerca das poliacuteticas sociais contemporacircneas

52

dentre as quais a assistecircncia social Para tanto destacam-se duas perspectivas analiacuteticas

renovadas uma neoliberal protagonizada por uma nova direita constituiacuteda da fusatildeo dos

neoliberais com os neoconservadores outra neomarxista cuja principal posiccedilatildeo eacute a de natildeo

mais considerar a poliacutetica social como uma arma capitalista contra o socialismo mas como

um fenocircmeno contraditoacuterio que tanto pode estar a serviccedilo do capital como do trabalho e

por isso pode constituir uma mediaccedilatildeo estrateacutegica favoraacutevel agraves conquistas sociais das

classes subalternas

Com base nessa perspectiva neomarxista destacam-se os estudos de Pereira (1996

1998 2000 a 2003) os quais revelam grande preocupaccedilatildeo em construir um referencial criacutetico e

analiacutetico que qualifique e explicite o status teoacuterico da poliacutetica social no campo das Ciecircncias

Sociais Vale mencionar sua reflexatildeo (2000) sobre necessidades humanas13 em que busca

contrapor essa categoria agraves demandas e exigecircncias do capital baseada na teoria das

necessidades humanas de Doyal e Gough (1994) autores contemporatildeneos (filoacutesofo e

economista inglecircs respectivamente) que sustentam ser possiacutevel elaborar uma teoria coerente e

rigorosa sobre as necessidades humanas de forma a apontar para alternativas concretas ao

neoliberalismo e ao conservadorismo poliacutetico fenocircmenos histoacutericos reeditados pelas

sociedades capitalistas Argumentam que natildeo obstante a existecircncia de tais fenocircmenos foi-se

gerando nas sociedades contemporacircneas um concenso moral sobre certas necessidades baacutesicas

indispensaacuteveis ao desenvolvimento de uma existecircncia humana digna por eles definidas como

sendo a sauacutede fiacutesica e a autonomia mental

Pereira constroacutei ainda argumentos acerca da relaccedilatildeo contraditoacuteria entre

Estado e sociedade economia e poliacutetica igualdade e liberdade capitalismo e bem-estar

social para nessa realidade complexa contextualizar a poliacutetica social A tensatildeo

permanente entre capital e trabalho constitui o conflito maior nas sociedades capitalistas

Dessa tensatildeo resulta em uacuteltima instacircncia a poliacutetica social mediada por tensotildees entre

classes sociais na defesa de seus interesses particulares de suas ideologias e de seus

projetos societaacuterios Eacute por isso que o campo da poliacutetica social eacute considerado por Pereira

(2000) uma arena de conflitos em que se confrontam concepccedilotildees e teorias competitivas

sobre direitos (individuais versus sociais) liberdade (negativa versus positiva) igualdade

(substantiva versus formal) ou seja um amplo leque de confrontaccedilotildees que fazem parte da

essecircncia contraditoacuteria do Estado da sociedade e das poliacuteticas em suas diferentes

13 Ver em obra de Pereira (2000) maior qualificaccedilatildeo e aprofundamento dessa categoria histoacuterico-analiacutetica fundamentada na teoria das necessidades humanas de Gough e Doyal (1994)

53

configuraccedilotildees Conclui a autora que satildeo as tensotildees contraditoacuterias que funcionam como

motor das mudanccedilas incluindo as que perseguem a perspectiva progressista com a qual

este estudo se identifica

A concepccedilatildeo segundo a qual a poliacutetica social eacute personificada na poliacutetica de

assistecircncia social eacute tratada neste estudo No entanto para esse tratamento acercar-se

melhor da complexidade dessa poliacutetica conveacutem estar ciente de seu conteuacutedo polecircmico isto

eacute estar aberto agraves indagaccedilotildees a respeito de sua natureza e da sua existecircncia ontoloacutegica

Com efeito satildeo vaacuterias as perguntas a respeito do que eacute a poliacutetica social eacute uma

disciplina um campo de accedilatildeo um meacutetodo uma estrateacutegia poliacutetica Qual o seu objeto Para

Alcock (1992) um profiacutecuo estudioso da poliacutetica social ela eacute tudo isso Eacute uma disciplina das

Ciecircncias Sociais embora seja bastante diferente das demais que compotildeem esse ramo do

conhecimento em virtude de sua iacutendole interdisciplinar que a faz permeaacutevel a todas as

especializaccedilotildees Ela tambeacutem eacute um caminho metoacutedico mediante o qual se obteacutem conhecimento

e se praticam accedilotildees Aleacutem disso eacute um campo para o qual confluem disciplinas conexas e se

imbricam conhecimento e accedilotildees de procedecircncias variadas Por fim eacute uma estateacutegia de accedilatildeo

coletiva que visa concretizar direitos sociais Por isso o seu objeto diz Alcock (1992) eacute ela

mesma pois como disciplina os seus estudos voltam-se para o conhecimento de si mesma de

suas accedilotildees e de suas diferentes configuraccedilotildees sem falar da forte conotaccedilatildeo poliacutetica de que

tanto o seu estudo quanto a sua accedilatildeo se revestem O certo eacute que se trata de uma temaacutetica que

envolve questotildees do acircmbito do Direito da Sociologia da Ciecircncia Poliacutetica da Administraccedilatildeo

do Serviccedilo Social da Economia e de outros ramos do conhecimento Permeia a aacuterea da sauacutede

da assistecircncia social da educaccedilatildeo da previdecircncia da habitaccedilatildeo do emprego e renda e se

envolve com demandas e necessidades de grupos sociais particulares como idosos crianccedilas e

adolescentes mulheres famiacutelia pessoas com deficiecircncia etc Portanto natildeo se trata a poliacutetica

social de um campo teoacuterico monoliacutetico exclusivo de uma uacutenica aacuterea de conhecimento e muito

menos de um fenocircmeno recente e localizado Sua longevidade e seu caraacuteter ubiacutequo atestam a

dificuldade de suprimi-la ao tempo em que explicam as manipulaccedilotildees a que se vecirc sujeita

No contexto da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade capitalista a poliacutetica social

expressa-se como um conjunto de accedilotildees e de estrateacutegias para atender a demandas variadas que

podem romper o cerco das desigualdades sociais e da naturalizaccedilatildeo das necessidades humanas

mas que tambeacutem podem perpetuaacute-las Essa eacute a razatildeo da importacircncia do sentido poliacutetico da

poliacutetica social expresso no seu comprometimento com o interesse puacuteblico O campo da

poliacutetica social envolve ainda aspectos eacuteticos e ciacutevicos em um contexto de relaccedilotildees de poder

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Eacute importante que se diga que as funccedilotildees dessas duas esferas ndash Estado e sociedade ndash na

produccedilatildeo das poliacuteticas sociais satildeo distintas embora complementares ateacute porque a sociedade

tambeacutem provecirc recursos e oferece serviccedilos sociais (provisatildeo social privada plural ou mista)

Contudo a poliacutetica social natildeo tem poder para concretizar direitos sociais Para tanto o Estado

recebe da sociedade uma delegaccedilatildeo para regulaacute-la e concretizar esses direitos fazendo uso de

suas prerrogativas como portador de poder coercitivo com competecircncia juriacutedico-formal para

fazer cumprir a lei Somente com esse reconhecimento e essa accedilatildeo regulatoacuteria e juriacutedico-

formal a poliacutetica social adquire o status de poliacutetica puacuteblica

A expressatildeo poliacutetica puacuteblica da qual a poliacutetica social eacute uma espeacutecie eacute um

termo recente na literatura das Ciecircncias Sociais Sua emergecircncia deu-se no final dos anos

1970 e diz respeito ao Estado em accedilatildeo (MENY TOENIG 1992) mediante uma posiccedilatildeo

ativa e positiva em relaccedilatildeo agraves demandas e necessidades sociais com as quais se defronta A

accedilatildeo poliacutetica do Estado eacute concretizadora de direitos sociais e reguladora das relaccedilotildees

sociais Trata-se de uma accedilatildeo que por ser puacuteblica (voltada para todos e comprometendo

todos) e natildeo meramente estatal (o nuacutecleo duro do poder estatal ou o bloco no poder) tem

como principal missatildeo zelar pelo interesse puacuteblico e prover a sociedade de bens puacuteblicos

como direitos devidos (PEREIRA 2000) Um bem puacuteblico para merecer esta qualificaccedilatildeo

e ser regulado por uma poliacutetica deve antes de tudo ser assumido por uma autoridade

puacuteblica Aleacutem disso deve possuir as seguintes caracteriacutesticas

a) ser indivisiacutevel isto eacute deve ser consumido por inteiro por todos os membros de uma comunidade Eacute o que se chama de consumo natildeo rival porque todos devem acessaacute-lo de forma gratuita uma vez que ele eacute pago pelo cidadatildeo-contribuinte b) natildeo pode ser oferecido com base na loacutegica do mercado c) deve estar disponiacutevel jaacute que cada consumidor potencial tem direito a ele E estaacute presente nessas caracteriacutesticas o caraacuteter universal do conceito de puacuteblico (PEREIRA 2006)

A poliacutetica puacuteblica de assistecircncia social eacute uma das mais adequadas ao perfil de

bem puacuteblico jaacute que de regra ela se guia pelo princiacutepio da gratuidade e embora possa ser

exercida por instituiccedilotildees privadas elas devem ser reguladas pela autoridade puacuteblica

responsaacutevel pela poliacutetica e pela garantia do direito a ela correspondente

Portanto ao tratar com poliacutetica puacuteblica haacute que se atentar para as diferenccedilas entre

o que eacute puacuteblico o que eacute coletivo e o que eacute plural ou misto (a exemplo da proposta pluralista

de bem-estar neoliberal) Ser puacuteblico como jaacute visto natildeo significa ser governamental e nem

implica necessariamente ser coletivo plural ou misto e a reciacuteproca eacute verdadeira A condiccedilatildeo

para uma accedilatildeo ser puacuteblica eacute ser universal tanto na sua oferta quanto no seu usufruto Nessa

55

perspectiva o seu caraacuteter puacuteblico natildeo eacute dado pelo tamanho do agregado ou do coletivo que

lhe demanda atenccedilatildeo e nem pela pluralidade de atores mas porque aleacutem de ter caraacuteter

imperativo isto eacute de ser amparada legalmente (ter na sua retaguarda legislaccedilotildees incluindo

constituiccedilotildees federais) ela se guia pelos princiacutepios da soberania popular do bem-comum

tendo no seu horizonte a justiccedila social (PEREIRA 2001)

Portanto quando qualificada como intervenccedilatildeo de caraacuteter puacuteblico a poliacutetica

social visa a superaccedilatildeo das necessidades baacutesicas e vitais dos cidadatildeos e por isso afeta

diretamente sua qualidade de vida e seu bem-estar pois se baseia nos princiacutepios da inclusatildeo

social da igualdade de direitos e da universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais O

campo de tais poliacuteticas comporta oferta e usufruto de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos

entendidos como direitos bem como transferecirccia de renda eou de recursos financeiros

Quando assumem caraacuteter meramente distributivo (poliacuteticas contributivas) afetam

diretamente o indiviacuteduo trabalhador que encontra-se no mercado de trabalho formal

(mediante contrato social) Quando assumem caraacuteter redistributivo atingem seu grau maior

de universalizaccedilatildeo como um bem de interesse puacuteblico no sentido de se destinarem a todos

(trabalhadores no mercado formal cidadatildeos aptos ao trabalho mas desempregados e

cidadatildeos natildeo aptos ao trabalho) Por isso as poliacuteticas puacuteblicas atingem a totalidade dos

cidadatildeos conferindo-lhes tambeacutem poder de vocalizaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo poliacutetica

Sabe-se que a lei por si soacute natildeo tem condiccedilotildees operacionais para materializar

direitos nela previstos sobretudo no tocante aos direitos sociais Tal materializaccedilatildeo daacute-se por

intermeacutedio das diferentes poliacuteticas puacuteblicas que decorrem da relaccedilatildeo de antagonismo e

reciprocidade ao mesmo tempo entre Estado e sociedade Nessa relaccedilatildeo um dos grandes

papeacuteis da sociedade consiste em exercer o controle democraacutetico sobre os atos e decisotildees

governamentais Essa eacute a verdadeira tarefa ciacutevica da sociedade no campo dos direitos de

cidadania social

Diante do exposto vecirc-se que o escopo da poliacutetica social eacute amplo e complexo

Extrapola os limites de uma disciplina (Sociologia Ciecircncia Poliacutetica Economia Serviccedilo

Social e outras) embora tambeacutem o seja Eacute tambeacutem um campo de atuaccedilatildeo e intervenccedilatildeo

interdisciplinar (apesar de natildeo ser uma profissatildeo) que congrega e se impotildee a todas as

disciplinas que tenham como objetivo a atenccedilatildeo a legiacutetimas demandas e necessidades

sociais Apesar de seu traccedilo interventivo e de seu conteuacutedo multidisciplinar pretende ser

saber cientiacutefico particular uma vez que sua accedilatildeo requer pesquisas e referecircncias teoacuterico-

conceituais bem definidos assim como indicadores sociais e econocircmicos de qualidade

56

Aleacutem disso ela possui uma dimensatildeo eacutetica que pelo menos em tese a obriga a

comprometer-se com o combate agraves iniquumlidades sociais Eacute por essa noccedilatildeo de poliacutetica social

e consequumlentemente de poliacutetica de assistecircncia social que este estudo se guia

14 Sobre a cidadaniademocracia ampliadas e liberdade positiva

Ao aprofundar os conceitos de cidadania e de democracia associados ao

conceito de liberdade positiva optou-se por adotar como referecircncia as perspectivas

ampliadas desses conceitos muitas das quais estatildeo previstas na Constituiccedilatildeo Federal

brasileira de 1988 (BRASIL 1988) Trata-se sem duacutevida de uma perspectiva otimista

mas natildeo isenta de posiccedilatildeo criacutetica e compromissada com os desafios contemporacircneos

Tal perspectiva exige a construccedilatildeo de uma linguagem social e poliacutetica que estabelece

horizontes possiacuteveis a complexas e inconclusas questotildees atuais Entende-se que a

histoacuteria pode ser reescrita mesmo que para isso se tenha que romper com poderes e

legados arcaicos revisitando a cultura as tradiccedilotildees e a literatura produzidas no proacuteprio

sistema capitalista em busca da conformaccedilatildeo de um Estado e de uma sociedade civil

que sejam capazes de organizar esses conceitos em outras bases de respeito agrave

dignidade e agrave humanidade dos cidadatildeos Uma boa estrateacutegia consiste em repensar as

condiccedilotildees de alteraccedilatildeo do lugar da pobreza e da desigualdade e suas implicaccedilotildees natildeo

mais como um efeito natural do atraso cultural eou da condiccedilatildeo de

subdesenvolvimento dos que as padecem A associaccedilatildeo da pobreza e da desigualdade

ao atraso soacutecio-econocircmico e cultural conduziu a cidadania ateacute mesmo no Brasil para o

campo de uma representaccedilatildeo simboacutelica que se impregnou no imaginaacuterio coletivo como

uma condiccedilatildeo inferior e subalterna (YAZBEK 1996)

As consequumlecircncias dessa representaccedilatildeo simboacutelica eacute bem retratada por Telles

(2001 p 9)

tenta-se aiacute desenhar os contornos de um horizonte simboacutelico que projeta a pobreza em uma espeacutecie de paisagem que incomoda a todos mas que tal como a natureza se estrutura fora e por fora da trama das relaccedilotildees sociais ndash um mundo sem autores e sem responsabilidades que parece transcorrer ao largo de um espaccedilo propriamente poliacutetico no qual os dramas da existecircncia satildeo ou podem ser figurados como questotildees que exigem o julgamento eacutetico a deliberaccedilatildeo poliacutetica e a accedilatildeo responsaacutevel

57

Sem duacutevida argumenta Telles (2001) ao referir-se ao Brasil haacute muito para

se fazer em relaccedilatildeo agrave ldquosempre adiada superaccedilatildeo das vaacuterias incompletudes de sua histoacuteriardquo

(p 9) Sabe-se que para o mercado globalizado a pobreza entendida como a mais

perversa dessas incompletudes eacute vista como consequumlecircncia natural da modernidade No

entanto eacute preciso indagar a quem interessa essa modernidade que promove a

desconstruccedilatildeo dos direitos e das conquistas sociais deteriora as condiccedilotildees de vida e

trabalho de milhotildees de brasileiros e ainda tenta arrancar da histoacuteria qualquer

possibilidade de sua reformulaccedilatildeo Haacute que se concordar com Telles (2001) que reflete

sobre as questotildees apresentadas na conjugaccedilatildeo entre os legados da histoacuteria e os processos

em curso e que remetem a complexas relaccedilotildees entre o mundo social e o universo puacuteblico

dos direitos

E se essa questatildeo importa eacute porque eacute nesse lapso entre o mundo social e o universo puacuteblicondashproblema das mediaccedilotildees reais e simboacutelicasndashque se inscrevem os dilemas de uma cidadania ainda a ser conquistada e reinventada nos termos que o mundo contemporacircneo estaacute a exigirrdquo (TELLES 2001 p 11)

Segundo Paoli (apud YAZBEK 2001 p 133) ldquoa loacutegica contemporacircnea de

reproduccedilatildeo do capital subordinada a um mercado sem limites e sem fronteiras sociais

vem produzindo o caminho da irresponsabilidade globalrdquo construindo uma trama social

contiacutenua na qual ldquorompe-se com as regulaccedilotildees que bem ou mal ordenavam a

desigualdade constitutiva do capitalismordquo

Com estas digressotildees o que se quer realccedilar nesta tese eacute a ideacuteia de democracia e

cidadania ampliadas vinculada agrave concepccedilatildeo de homem como ser social e poliacutetico que deve

ser dotado de autonomia de poder de liberdade e de capacidade para tomar decisatildeo e fazer

escolhas Esta percepccedilatildeo remete aos conceitos de liberdade com igualdade e de justiccedila

redistributiva tanto por seu grau de universalidade como pela relaccedilatildeo de muacutetua

alimentaccedilatildeo de tais conceitos Na busca de superaccedilatildeo dos desafios agrave efetivaccedilatildeo da

cidadania e da democracia com justiccedila e equumlidade haacute que se levar em conta o caraacuteter

abrangente e transformador dessas categorias

A ideacuteia defendida neste trabalho eacute a de que categorias como justiccedila liberdade e

igualdade se associam a conquistas histoacutericas e a processos de construccedilatildeo permanente da

democracia e da cidadania Por isso demandam protagonismo dos cidadatildeos envolvidos na

consolidaccedilatildeo dos princiacutepios igualitaacuterios e democraacuteticos de largo espectro incluindo a vida

econocircmica e social

58

Essa reflexatildeo parte do pressuposto de que a cidadania e a democracia natildeo se

sustentam em sociedades marcadas pela injusticcedila pobreza e desigualdade social o que

estaacute de acordo com o pensamento de Boroacuten (1999) para quem a democracia como

forma de organizaccedilatildeo do poder social no espaccedilo puacuteblico eacute inseparaacutevel da estrutura

econocircmico-social sobre a qual esse poder repousa Claro que essa perspectiva se choca

com a estrutura antidemocraacutetica da sociedade capitalista que define limites

intransponiacuteveis para a efetivaccedilatildeo da cidadania e da democracia cujo funcionamento se

torna incompatiacutevel com a loacutegica e os princiacutepios que orientam o mercado Nem por isso

deixa de basear-se no princiacutepio de que as pretensotildees de liberdade positiva (natildeo soacute de

escolha mas tambeacutem de accedilatildeo e de criacutetica) como igualdade e justiccedila satildeo inerentes a uma

ordem social e econocircmica democraacutetica e cidadatilde que se quer ver instituiacuteda Trata-se de

uma ordem na qual a democracia e a cidadania ampliadas sejam produto de todo o

desenvolvimento da civilizaccedilatildeo ocidental e na qual igualdade e liberdade ganhem

significado comum constituindo duas faces da mesma moeda Natildeo se trata portanto da

liberdade negativa negadora da participaccedilatildeo ativa do Estado no processo de satisfaccedilatildeo

de necessidades sociais (como entendem e defendem os neoliberais) mas da liberdade

positiva que nos termos de Plant (2002) exige e compromete o Estado nesse tipo de

participaccedilatildeo Em outras palavras trata-se de uma ordem democraacutetica em que o conceito

de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica ao ser vinculado ao conceito de liberdade

positiva para todos

15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democraia ampliada

Uma democracia ampliada e includente pressupotildee natildeo soacute a igualdade de

oportunidades mas tambeacutem de condiccedilotildees mediante a criaccedilatildeo de mecanismos eficazes de

democratizaccedilatildeo do acesso dos cidadatildeos a bens serviccedilos e direitos Somente a participaccedilatildeo

ativa na vida social permite a ampliaccedilatildeo da democracia e a praacutetica da justiccedila redistributiva

pautada na equumlidade (prover com mais a quem mais precisa) Trata-se assim da justiccedila

redistributiva do valor justificador da cidadania e da democracia Em um contexto de

mercado regido pela liberdade negativa tal justiccedila torna-se algo externo e alheio A

liberdade igualitaacuteria que postula direitos sociais universais eacute ao contraacuterio um requisito

essencial agrave instauraccedilatildeo da justiccedila redistributiva ou justiccedila social e ao fortalecimento dos

direitos individuais (civis e poliacuteticos) Eacute fato empiacuterico que o crescente processo de

59

concentraccedilatildeo de renda compromete o funcionamento de regimes democraacuteticos Portanto a

construccedilatildeo de sociedades mais igualitaacuterias eacute providecircncia baacutesica para a instituiccedilatildeo de

relaccedilotildees sociais mais justas o que estaacute longe de ser observado em sociedades capitalistas

especialmente naquelas em que as iniquumlidades sociais prevalecem sobre a eqidade No

entanto mesmo nelas conquistas democraacuteticas satildeo possiacuteveis

Segundo Vieira (2001 p 227) ldquoa histoacuteria brasileira recente registra a

ocorrecircncia de ilhas democraacuteticasrdquo caracterizadas pela conquista e expansatildeo dos direitos de

cidadania com o protagonismo de setores da sociedade civil e de uma concepccedilatildeo de

dimensatildeo puacuteblica que extrapola a estatal Tambeacutem na Europa as mudanccedilas ocorridas na

conjuntura dos anos 1940 produziram aleacutem de uma significativa expansatildeo da cidadania

dos direitos universais e de poliacuteticas de pleno emprego uma democratizaccedilatildeo dos serviccedilos

sociais que influenciaram a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade As expectativas otimistas em

relaccedilatildeo agrave igualdade social pretendida apoacutes a Segunda Guerra Mundial foram motivadas

por crescente intervenccedilatildeo estatal nos mercados e por redefiniccedilotildees da relaccedilatildeo entre Estado e

cidadatildeos que resultaram em um crescente processo de socializaccedilatildeo de demandas

(BOROacuteN 1999) agrave medida que exigecircncias e necessidades sociais baacutesicas antes

consideradas privadas tornaram-se puacuteblicas Nesse contexto o debate sobre a provisatildeo

social estatal levou a uma radical redefiniccedilatildeo do papel dos Estados nacionais como

instacircncias reguladoras da provisatildeo social puacuteblica

No entanto esse processo inscreve-se em uma arena de conflitos As

conquistas histoacutericas no campo da democracia que superam o aspecto juriacutedico-formal satildeo

obras de histoacutericas lutas contra a dominaccedilatildeo do capital sobre o trabalho As contradiccedilotildees e

evidecircncias que o tema da incompatibilidade entre capitalismo cidadania democracia e

justiccedila social apresenta satildeo tatildeo complexas que natildeo comportam qualquer tentativa de

anaacutelise simplificadora Haacute que se analisar os nexos as muacuteltiplas determinaccedilotildees e as

mediaccedilotildees entre essas instacircncias Entende-se que somente por essa perspectiva a questatildeo

da pobreza e da desigualdade social tem possibilidades concretas de serem enfrentadas

Quando essa perspectiva ganhar materialidade histoacuterica certamente a pobreza e a

desigualdade teratildeo como meta possiacutevel a cidadania e a democracia Ainda mais importante

eacute que teraacute sido redefinido o lugar que essa perspectiva deveraacute ocupar no horizonte da

sociedade natildeo mais divorciada do real eou desvinculada da conquista da justiccedila e dos

direitos mas reconstruiacuteda social eacutetica e politicamente Pode-se afirmar que a praacutetica da

cidadania se faz agrave medida que representa as necessidades sociais no centro da dinacircmica

60

poliacutetica moral e eacutetica da sociedade A construccedilatildeo dessa utopia somente seraacute possiacutevel por

meio das accedilotildees de sociedades criacuteticas atuantes e politizadas que tenham clareza de sua

forccedila poliacutetica e de seu papel histoacuterico

O certo eacute que as projeccedilotildees otimistas do liberalismo claacutessico anunciadas pelo

neoliberalismo em relaccedilatildeo ao desaparecimento futuro das desigualdades econocircmicas e

sociais da servidatildeo do trabalho assalariado da ameaccedila da fome e da reduccedilatildeo das distacircncias

entre ricos e pobres que segundo os neoliberais se diluiram com o passar do tempo natildeo se

concretizaram Em decorrecircncia uma indagaccedilatildeo impotildee-se vale a pena sacrificar a

cidadania e a democracia em favor da liberdade individual negativa e em defesa de um

modelo econocircmico que rompe com valores eacuteticos e sacrifica a dignidade humana

16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo

de direitos

Este estudo buscou nos postulados da teoria marxista o suporte teoacuterico

considerado essencial agrave compreensatildeo da real contribuiccedilatildeo da emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana

no marco da universalizaccedilatildeo do princiacutepio de direitos Em A questatildeo judaica Marx (2002)

postula como necessaacuteria a emancipaccedilatildeo do homem aleacutem de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica embora

reconheccedila tambeacutem a sua importacircncia quando buscam identificar quem era o cidadatildeo burguecircs

no contexto alematildeo do seacuteculo XIX Para ele (2002) o homem faz parte do mundo da natureza

mas tambeacutem eacute um ser histoacuterico e social por isso ao nascer ele se torna herdeiro de todo o

patrimocircnio cultural da humanidade Eacute mediante a evoluccedilatildeo consequumlente desse seu pensamento

que Marx afirma na sua obra O capital (1983) que somente o reencontro com sua humanidade

perdida permitiraacute ao homem construir a ponte que o levaraacute do reino da necessidade ao reino da

liberdade (2002)14

Para Marx (2002 p 24-25) a emancipaccedilatildeo poliacutetica representa um grande

progresso e se refere a ela como ldquouma emancipaccedilatildeo real e praacuteticardquo Contudo a seu

14 Ao criticar as teses de Bruno Bauer (teoacutelogo alematildeo) sobre a antiacutetese entre judaiacutesmo e cristianismo em um contexto de debate sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica dos judeus em sua obra A questatildeo judaica Marx (2002) identificou na antiacutetese (ressaltada por Bauer) entre religiatildeo e Estado as contradiccedilotildees e equiacutevocos desse teoacutelogo Sobre o fato de Bauer indagar a que emancipaccedilatildeo os judeus alematildees aspiravam Marx (2002 p 17) argumenta que ldquonatildeo se trata de investigar apenas quem haacute de se emancipar e quem deve ser emancipado A criacutetica tem que indagar aleacutem disso outra coisa de que espeacutecie de emancipaccedilatildeo se trata apenas poliacutetica ou tambeacutem humana e quais as condiccedilotildees impliacutecitas da emancipaccedilatildeo a que se postulardquo

61

ver esse tipo de emancipaccedilatildeo natildeo implica necessariamente emancipaccedilatildeo humana

Esse eacute o seu limite

Na sociedade burguesa liberdade poliacutetica traduz-se no direito que o indiviacuteduo

tem de fazer tudo tendo como limite a formalidade da lei Trata-se de uma liberdade

individual (conteuacutedo dos direitos individuais) que constitui o fundamento da sociedade

burguesa isto eacute o direito de o indiviacuteduo desfrutar e dispor das conquistas individuais como

lhe conveacutem sem atender aos interesses coletivos dos demais homens Eacute o direito

denominado por Marx de interesse pessoal A sociedade burguesa a seu ver ldquofaz que todo

homem encontre noutros homens natildeo a realizaccedilatildeo de sua liberdade mas ao contraacuterio a

limitaccedilatildeo delardquo (Marx 2002 p 36) Na perspectiva da liberdade individual burguesa a

emancipaccedilatildeo poliacutetica torna-se a expressatildeo tatildeo somente da garantia dos direitos do homem

individual dissociado da vida em comunidade e de qualquer possibilidade de

universalizaccedilatildeo do acesso aos bens serviccedilos e agrave riqueza produzida socialmente Por isso

Marx (2002 p 42) eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquona maioria das vezes a emancipaccedilatildeo

poliacutetica eacute a reduccedilatildeo do mundo humano e das relaccedilotildees ao proacuteprio homem burguecircsrdquo

Adverte ademais que o problema real estaacute na relaccedilatildeo estabelecida entre emancipaccedilatildeo

poliacutetica e emancipaccedilatildeo humana afirmando que ldquoa emancipaccedilatildeo poliacutetica natildeo eacute o modo

radical e isento de contradiccedilotildees da emancipaccedilatildeo humanardquo (2002 p 20) O conteuacutedo da

participaccedilatildeo poliacutetica eacute a participaccedilatildeo do cidadatildeo na comunidade poliacutetica e no Estado uma

vez que a seu ver os direitos humanos tanto se inserem na categoria de liberdade poliacutetica

(dimensatildeo puacuteblica) como na categoria dos direitos civis (dimensatildeo privada) Por isso para

Marx (2002 p 42) ldquona base da emancipaccedilatildeo humana estatildeo as seguintes condiccedilotildees a

primeira quando o homem individual real recuperar em si o cidadatildeo abstrato e se

converter em um ser geneacuterico em seu trabalho individual e em suas relaccedilotildees a segunda

quando o homem tiver reconhecido e organizado suas proacuteprias forccedilas como forccedilas sociais

e a terceira quando o homem jaacute natildeo mais conseguir separar de si a forccedila social sob a

forma de forccedila poliacuteticardquo Diante do exposto torna-se mais compreensiacutevel o alerta que

Marx (2002) faz para que natildeo sejam confundidos meios poliacuteticos de emancipaccedilatildeo com

meios humanos de emancipaccedilatildeo por tratar-se no limite de questotildees pertinentes natildeo

opostas mas fundamentalmente diferentes embora inter-relacionadas

Indiscutivelmente o princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos eacute o que melhor

contempla o conceito marxiano de emancipaccedilatildeo humana que extrapola a emancipaccedilatildeo

poliacutetica do cidadatildeo a qual tem maior afinidade com o conceito de focalizaccedilatildeo neoliberal

62

tratado no proacuteximo item A emancipaccedilatildeo humana refere-se agrave universalizaccedilatildeo de um

princiacutepio com possibilidades concretas de natildeo discriminar estigmatizar e excluir cidadatildeos

pobres e de natildeo estabelecer criteacuterios de menor elegibilidade15 para a sua proteccedilatildeo Pereira

(2003 p 1) argumenta que ldquohaacute uma razatildeo histoacuterica fundamental para a adoccedilatildeo desse

princiacutepio que eacute o objetivo democraacutetico de natildeo discriminar cidadatildeos no seu acesso a bens e

serviccedilos que por serem puacuteblicos satildeo indivisiacuteveis e deveriam estar agrave disposiccedilatildeo de todosrdquo

Nesse sentido a seu ver a seletividade em vez de constituir um mecanismo de reduccedilatildeo de

gastos poderia ser uma medida que implicasse a identificaccedilatildeo de quem mais precisa para

melhor entendecirc-lo isto eacute o que ficou conhecido como discriminaccedilatildeo positiva

17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social

Segundo Pereira (2003 p 1) ldquono centro do debate sobre a poliacutetica social estaacute a

velha questatildeo da antinomia entre os princiacutepios e objetivos universais e seletivosrdquo Do

enfrentamento dessa questatildeo podem resultar tendecircncias agrave universalidade e agrave

progressividade ou agrave seletividade focalizaccedilatildeo e residualidade no atendimento de

necessidades sociais

Contrapondo-se agrave universalizaccedilatildeo da poliacutetica social a focalizaccedilatildeo na pobreza

extrema afirma-se como principal medida neoliberal de racionalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos

e natildeo de atendimento eficiente e eficaz aos necessitados Por buscar atender aos mais

pobres dentre os pobres ou cidadatildeos em situaccedilatildeo de carecircncia extrema tal princiacutepio passa a

ser justificador da minimizaccedilatildeo do papel do Estado e do caraacuteter residual de suas accedilotildees na

aacuterea social ou em outros termos a aplicaccedilatildeo desse princiacutepio obedece mais agrave relaccedilatildeo

custo-benefiacutecio dos programas voltados para a pobreza do que agrave sua efetividade

Conforme Pereira (2003) no bojo desse procedimento retornam viacutecios arcaicos a

exemplo dos testes de meio (means tested) ou comprovaccedilotildees constrangedoras de pobreza da

fraudemania (mania de perceber fraude no trato com os pobres) das contrapartidas imperativas

e dos estigmas criados pelas discriminaccedilotildees negativas Esses procedimentos tecircm o objetivo

claro de excluir e reduzir ao maacuteximo as demandas por assistecircncia social ao focalizarem a

15 Com base em princiacutepio liberal a Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social _LOAS (Lei ndeg 8742 Brasil sancionada em 7 de dezembro de 1993) determina em seu artigo 20 (benefiacutecio de prestaccedilatildeo continuada_ BPC) e artigo 21 (benefiacutecios eventuais) que os beneficios sejam destinados a famiacutelias eou segmentos cuja renda mensal percapita seja inferior a frac14 do salaacuterio miacutenimo ou seja a Lei determina que um benefiacutecio social natildeo pode competir com o pior salaacuterio

63

atenccedilatildeo nos miseraacuteveis o que afronta o princiacutepio da universalidade que defende a extensatildeo da

cidadania Por fim haacute que ressaltar a irracionalidade poliacutetica da focalizaccedilatildeo por fazer

aumentar a pobreza e as desigualdades sociais ao deixar no desamparo setores sociais

vulneraacuteveis que deixaram de ser focalizados

Diante dessas constataccedilotildees vale reconhecer que a questatildeo crucial da pobreza e

da desigualdade remete agrave questatildeo da redistribuiccedilatildeo de renda e de poder poliacutetico No Brasil

mesmo em conjunturas econocircmicas mais favoraacuteveis de acumulaccedilatildeo de riquezas a

distribuiccedilatildeo de renda piorou ou se manteve no mesmo patamar de anos anteriores Esse

dado confirma que o crescimento econocircmico sem justiccedila social e sem redistribuiccedilatildeo de

renda e poder natildeo reduz os iacutendices de pobreza e de desigualdade social ndash princiacutepio que os

neoliberais se recusam a incorporar em suas agendas Percebe-se tambeacutem que o fator

econocircmico embora seja referecircncia necessaacuteria eacute de teor instrumental teacutecnico e autoritaacuterio

porque imposto de cima para baixo Outros fatores ndash histoacutericos poliacuteticos eacuteticos e morais ndash

tecircm que ser levados em conta quando se trata de garantir direitos e qualidade de vida

humanos Por traacutes das medidas tecnicistas e instrumentais e dos esquemas focalistas de

proteccedilatildeo social estaacute a estrateacutegia do natildeo-enfrentamento de problemas estruturais gerados

historicamente pela ausecircncia de criteacuterios redistributivistas de poliacuteticas soacutecio-econocircmicas

Nesse quadro de incongruecircncias neoliberais cabe ressaltar efeitos perversos da

aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo a saber a) baixa efetividade e caraacuteter regressivo

(natildeo progressivo) das poliacuteticas sociais que se expressa na ausecircncia de prioridade poliacutetica e

de propostas inovadoras ndash que requerem poliacuteticas estruturais universalizadoras e

redistributivas ndash e nas justificativas de ausecircncia de recursos financeiros b) o

prevalecimento do pressuposto de que a estabilidade econocircmica eacute preacute-requisito da poliacutetica

social quando se sabe que o combate agrave pobreza e agrave desigualdade social natildeo pode estar

vinculado apenas ao volume agregado de recursos financeiros c) a ausecircncia da concepccedilatildeo

de que deve prevalecer uma cidadania articulada aos conceitos de justiccedila social

redistributiva liberdade positiva e igualdade de oportunidades e de condiccedilotildees Essas

questotildees natildeo podem ser reduzidas unicamente a programas econocircmicos de geraccedilatildeo de

emprego e renda eou a programas de transferecircncia de renda que se fundamentam na ideacuteia

de que cabe agrave economia determinar a cidadania Natildeo eacute possiacutevel equalizar oportunidades e

promover condiccedilotildees igualitaacuterias (falaacutecias do mercado) sem enfrentar a questatildeo da

redistribuiccedilatildeo de renda e de poder que tambeacutem depende do controle democraacutetico da

sociedade sobre atos e accedilotildees dos governos

64

Portanto a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo na poliacutetica social torna-se

problemaacutetica por ater-se agrave funccedilatildeo distributiva dessa poliacutetica vinculada aos resultados de

uma poliacutetica econocircmica geradora de crescimento e por isso poupadora de recursos em

favor dos interesses do mercado Em decorrecircncia a distribuiccedilatildeo atinge apenas as sobras

orccedilamentaacuterias sem levar em conta a cidadania e a possibilidade de os pobres constituiacuterem-

se sujeitos de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana Esta eacute a razatildeo pela qual os neoliberais

natildeo enfrentam os compromissos redistributivos de renda e poder optando por satisfazer

apenas o direito agrave sobrevivecircncia mediante uma cidadania tutelada Assim com a

focalizaccedilatildeo natildeo se produz em condiccedilotildees igualitaacuterias de acesso a bens serviccedilos e direitos o

que conduz a uma realidade definida por Hobsbawm (1994) como barbaacuterie social

Atualmente apesar da defesa da globalizaccedilatildeo de direitos da economia do

desenvolvimento o que mais se globaliza sob a ingerecircncia neoliberal eacute a miseacuteria humana

reforccedilada por uma distribuiccedilatildeo injusta de recursos de condiccedilotildees de acesso e de

oportunidades que aumenta a pobreza e as desigualdades sociais natildeo soacute entre os paiacuteses

mas no interior de cada paiacutes Tanto o chamado localismo globalizado (padronizaccedilatildeo de

haacutebitos e costumes processo de massificaccedilatildeo de consumo) quanto o globalismo localizado

(extrativismo ecoloacutegico sob regulaccedilatildeo do capital internacional por exemplo na Amazocircnia)

satildeo expressotildees das relaccedilotildees de poder impostos pela globalizaccedilatildeo neoliberal hegemocircnica

mediante o chamado colonialismo cultural e epistemoloacutegico Nesse contexto a relaccedilatildeo do

Estado com a sociedade civil tem sido manipulada pelas agecircncias internacionais O atual

discurso valorizado eacute o de cunho econocircmico A fala valorizadora do social como

mediaccedilatildeo do direito quando expressa institucionalmente pelo Estado eacute minimizada

Experiecircncias comunitaacuterias foram institucionalizadas e suas lideranccedilas cooptadas com

salaacuterios altiacutessimos As ONGs de um modo geral assumiram o lugar dos movimentos

sociais16 e atuam livremente sem um efetivo controle democraacutetico da sociedade

Acentuou-se a precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no campo com grande mobilizaccedilatildeo

para as aacutereas urbanas eou para os assentamentos agriacutecolas Os espaccedilos privados foram

invadidos gerando desagregaccedilatildeo familiar aumento do traacutefico e consumo de drogas (liacutecitas

e natildeo-liacutecitas) redefiniccedilatildeo eou desconstruccedilatildeo dos papeacuteis na ordem familiar deteriorizaccedilatildeo

de valores eacuteticos e morais aumento da violecircncia em suas muacuteltiplas expressotildees Uma

opressatildeo generalizada e difusa tornou-se cotidiana com a prevalecircncia de processos de

16 Ver em obra de Montantildeo (2002) anaacutelise criacutetica sobre o papel histoacuterico e a relaccedilatildeo estabelecida entre os movimentos sociais e as ONGs no Brasil a partir dos anos 19701980 em que pese o trabalho seacuterio de muitas ONGs que ainda atuam na perspectiva dos direitos sociais

65

alienaccedilatildeo social e poliacutetica (heteronomia) Todas essas polecircmicas apresentam de forma

impliacutecita ou expliacutecita a ideacuteia de que os princiacutepios focalizadores neoliberais ao se

contraporem aos princiacutepios universalistas colocam como imperativo o enfrentamento do

espectro da concentraccedilatildeo de renda e de poder pela via da justiccedila redistributiva

18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal

Em consonacircncia com o princiacutepio da focalizaccedilatildeo aos neoliberais interessa no

que diz respeito agrave assistecircncia social o exerciacutecio da filantropia do voluntariado e da accedilatildeo

solidaacuteria como um dever moral (eou religioso) e natildeo ciacutevico natildeo como dever do Estado

Interessa-lhes tambeacutem a assistecircncia social informal e voluntaacuteria plural ou mista poreacutem

natildeo puacuteblica17 no trato da pobreza como um contraponto agrave assistecircncia puacuteblica Sua

exigecircncia eacute de que essas accedilotildees sociais natildeo transformem o Estado em refeacutem dos pobres

Nesses termos natildeo haacute lugar para a cidadania ampliada a democracia igualitaacuteria a justiccedila

redistributiva e a dimensatildeo puacuteblica da vida social Ademais como jaacute salientado as

poliacuteticas sociais subordinam-se agraves poliacuteticas econocircmicas O discurso passa a ser de ajustes

estruturais deacuteficit fiscal cortes em investimentos sociais crescimento do superaacutevit

primaacuterio dentre outros No reordenamento do capital internacional que redirecionou a

intervenccedilatildeo do Estado para o acircmbito da produccedilatildeo e do setor privado (perspectiva privatista

e minimalista) e minou as bases dos sistemas de proteccedilatildeo social puacuteblicos as questotildees de

conteuacutedo social foram transformadas em administrativas e passaram a ser tratadas

teacutecnicamente Conforme Telles (1998 p 15) ldquoa pobreza foi deslocada para o lugar da natildeo-

poliacuteticardquo o que significa ser considerada um fenocircmeno fora do mundo puacuteblico dissociado

dos foacuteruns democraacuteticos de representaccedilatildeo de negociaccedilatildeo da sociedade civil e de

mecanismos de controle democraacutetico Sem duacutevida a perspectiva neoliberal da natildeo-

cidadania destituiacuteda de caraacuteter puacuteblico estabelece em outras bases as relaccedilotildees entre

Estado e sociedade e entre as esferas puacuteblica e privada nas quais satildeo desconsideradas a

cidadania e a democracia ampliadas como condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave realizaccedilatildeo da justiccedila

social ou redistributiva

Com efeito no processo de esvaziamento e de privatizaccedilatildeo dos espaccedilos

puacuteblicos a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade retorna aos padrotildees conservadores de

17 Ver Viana (2003) A assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar desinstitucionalizaccedilatildeo e conservadorismo Revista Ser Social Brasiacutelia n 12 p59-86 janeiro a junho de 2003

66

dependecircncia e tutela o que significa romper com a relaccedilatildeo baseada em antagonismos eacute

verdade mas tambeacutem em reciprocidades dada a natureza contraditoacuteria dessa relaccedilatildeo

(IANNI 1986) Natildeo eacute difiacutecil perceber nas propostas regressivas e reducionistas

neoliberais a total indiferenccedila pelas poliacuteticas puacuteblicas concretizadoras de direitos de

cidadania social das quais a assistecircncia faz parte Em compensaccedilatildeo tais poliacuteticas passam a

ser administradas de forma residual e focalizada ou seja como compensaccedilatildeo dos

problemas criados pelo o mercado ou pelas limitaccedilotildees de uma proteccedilatildeo plural ou mista

poreacutem natildeo puacuteblica

19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos) defendidos

pelos neoliberais

Eacute exatamente como contraponto agrave ideacuteia progressista de cidadania ampliada

construiacuteda por cidadatildeos livres e emancipados do ponto de vista poliacutetico e humano que os

neoliberais postulam uma autonomia fundada no princiacutepio de liberdade negativa isto eacute

sem regulaccedilatildeo social 18 Por isso rechaccedilam a intervenccedilatildeo estatal como instacircncia legal e

legiacutetima de garantia de direitos Nesse sentido o conceito de liberdade restringe-se agrave sua

dimensatildeo juriacutedico-formal associada ao impeacuterio da lei ou melhor de acordo com a

perspectiva neoliberal natildeo eacute possiacutevel outra liberdade que natildeo seja a limitada pelas normas

legais que compotildeem o ordenamento juriacutedico de um paiacutes A noccedilatildeo de direito e de lei

portanto baseia-se em um marco normativo e em uma concepccedilatildeo de liberdade que protege

acima de tudo as esferas individuais de interferecircncias puacuteblicas

Sabe-se que Hayek (1990) foi o principal adepto dessa concepccedilatildeo de liberdade e

seus argumentos alicerccedilaram o ideaacuterio neoliberal Para esse autor o cerne do direito e

portanto da liberdade individual eacute o direito agrave propriedade privada e logicamente da liberdade

incondicional do mercado (PISOacuteN 1998) Em sua concepccedilatildeo no contexto do capitalismo os

conceitos de liberdade individual e de propriedade privada mantecircm estreita ligaccedilatildeo e devem ser

entendidos como elementos baacutesicos de uma sociedade de mercado livre Nesse sentido a

18 Nas democracias ocidentais os chamados direitos individuais ndash civis e poliacuteticos ndash satildeo reconhecidos como direitos de liberdade negativa (sob influecircncia de Kant) e como tal dispensam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado na esfera privada Os direitos individuais favorecem a liberdade de mercado e por isso satildeo aceitos pelos neoliberais Em contrapartida os direitos sociais satildeo reconhecidos como direitos de liberdade positiva e como tal reivindicam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado por intermeacutedio das poliacuteticas puacuteblicas Portanto em uma concepccedilatildeo progressista e dialeacutetica haacute uma inter-relaccedilatildeo entre todos os direitos natildeo havendo direitos sociais sem a garantia dos direitos individuais e vice-versa

67

liberdade na perspectiva liberal-burguesa natildeo eacute senatildeo o desfrute sem coaccedilatildeo de bens e

riquezas dos quais o indiviacuteduo eacute proprietaacuterio legal Essas ideacuteias tiveram (e ainda tecircm) notaacutevel

influecircncia sobre a criacutetica dos neoliberais ao Estado Social aos direitos sociais e agraves poliacuteticas

puacuteblicas Para Nozick (apud PISOacuteN 1998) neoliberal influente contemporacircneo de Hayek o

ponto de partida de sua teoria eacute uma vigorosa defesa dos direitos individuais (civis e poliacuteticos)

tidos como de caraacuteter inviolaacutevel e absoluto Em seus argumentos ele insiste no

reconhecimento legal do direito individual baacutesico agrave propriedade e o vincula a uma concepccedilatildeo

de justiccedila cujos princiacutepios devem estar a seu ver relacionados agraves leis e agrave eficaacutecia do mercado

Pisoacuten (1998) ao trazer para o debate a polecircmica posiccedilatildeo desses dois autores neoliberais afirma

tratar-se de uma teoria dos direitos que vincula uma determinada concepccedilatildeo de justiccedila agrave

supremacia do mercado Hayek (1990) e Nozick (apud PISOacuteN 1998) rechaccedilam a vigecircncia dos

direitos sociais por entenderem que eles implicam intromissatildeo intoleraacutevel do Estado na

economia e na liberdade individual elementos que constituem os fundamentos do liberalismo

claacutessico e da democracia de mercado Tambeacutem as poliacuteticas redistributivas satildeo alvo de duras

criacuteticas desses dois teoacutericos pois tais poliacuteticas justificam os direitos sociais e se inspiram em

princiacutepios de liberdade e justiccedila social com igualdade e equidade Para esses autores a poliacutetica

de distribuiccedilatildeo possiacutevel e mais justa a ser feita deve ser determinada pelos criteacuterios privatistas

do mercado e somente essa instacircncia (mercado) tem o mecanismo de distribuiccedilatildeo mais justo e

eficaz e portanto eacute identificado com uma suposta justiccedila individual (natildeo-redistributiva) Na

formulaccedilatildeo desses neoliberais haacute que deixar o mercado atuar livremente sem que o Estado

dite regras agrave economia Como questatildeo de fundo no panorama geral do pensamento neoliberal

os ataques aos direitos sociais e agraves poliacuteticas sociais puacuteblicas natildeo satildeo mais do que um corolaacuterio

de seu rechaccedilo ao Estado Social (PISOacuteN 1998)

Nessa perspectiva os direitos sociais como instrumentos justificadores da

atividade intervencionista do Estado Social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas satildeo

tambeacutem vistos como os impulsionadores das pressotildees que a burocracia estatal exerce

contra os cidadatildeos em suas liberdades individuais Hayek (apud PISOacuteN 1998)

argumenta ainda com expressiva ironia que a justiccedila social invocada para justificar a

atuaccedilatildeo intervencionista e positiva do Estado de Bem-estar natildeo eacute senatildeo uma mera

supersticcedilatildeo pseudo-religiosa constituindo-se em uma ameaccedila aos valores individuais

essenciais a seu ver agrave civilizaccedilatildeo e agrave modernidade Em vista disso afirma

categoricamente que a justiccedila social eacute uma fraude por pretender alterar os desiacutegnios do

que ele denomina de ordem espontacircnea (relaccedilatildeo entre sociedade e mercado) da vida social

68

Para ele essa ordem espontacircnea eacute resultado de um processo evolutivo cujos efeitos (como

a pobreza e a desigualdade social) satildeo uma consequumlecircncia natural do livre jogo das forccedilas

mercantis e portanto inerentes ao dinamismo da vida em sociedade Por conseguinte

argumenta que os direitos sociais satildeo produto de um engano porque a crenccedila na existecircncia

de algo vago que se chama justiccedila social a seu ver constitui uma ameaccedila permanente agrave

liberdade individual Assim tanto Hayek (1990) como Nozick (apud PISOacuteN 1998)

reafirmam seu descompromisso com a democracia e a cidadania ampliadas chegando a

ponto de afirmar ndash em uma clara distorccedilatildeo do conceito de justiccedila social redistributiva ndash

que quando o Estado interveacutem em favor de interesses outros que natildeo os do mercado aiacute

sim eacute que se comete um ato de injusticcedila Ao expor esses argumentos os referidos autores

objetivam chamar a atenccedilatildeo para a centralidade de um debate histoacuterico e contemporacircneo

mas nem sempre expliacutecito que tem como questatildeo central as restriccedilotildees impostas agrave extensatildeo

da democracia e da cidadania social mediante o natildeo-reconhecimento dos direitos sociais

como direitos genuiacutenos Esses argumentos estatildeo fundamentados em outra loacutegica a que vecirc

na intervenccedilatildeo do Estado um caminho para a servidatildeo dos indiviacuteduos e do mercado tendo

em Hayek (1990) o seu mentor e precursor (PISOacuteN 1998)

Outro argumento neoliberal eacute o de que a garantia de bens e serviccedilos sociais

mediante poliacuteticas puacuteblicas afianccediladas pelo Estado impede o crescimento da economia e

por extensatildeo o processo de acumulaccedilatildeo de riqueza eacute tambeacutem defensor da tese naturalista

de que as desigualdades sociais quando natildeo excessivas ou intoleraacuteveis tornam-se uacuteteis ao

crescimento da economia beneficiando a todos (PEREIRA 2001) Ainda segundo Hayek

(1990) as desigualdades sociais permitem de um lado uma taxa de poupanccedila maior pois

satildeo as classes mais abastadas que de fato poupam incentivando assim a expansatildeo dos

investimentos e tornando esse mecanismo de seleccedilatildeo natural gerador de maior crescimento

econocircmico E por outro lado as desigualdades sociais cumprem a seu ver o papel de

estimular os pobres a trabalhar mais e melhor Para os neolberais a loacutegica dos direitos natildeo

se contrapotildee agrave loacutegica do mercado e nem se mostra tatildeo perniciosa por confiscar a riqueza

dos mais afortunados aleacutem de evitar o prolongamento da cultura da dependecircncia dos

pobres agrave proteccedilatildeo social puacuteblica

Em contraposiccedilatildeo a esses argumentos entende-se nesta tese que a relaccedilatildeo

direta dos direitos sociais com a satisfaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas cujo

atendimento remete ao compromisso e agrave responsabilidade do Estado pela implementaccedilatildeo

de poliacuteticas puacuteblicas deve ser debatida e reconhecida como central e relevante Pereira

69

(2001) ao comentar Pisoacuten (1998) afirma que ao privilegiar os direitos sociais no conjunto

da cidadania e reconhecer as necessidades humanas como ponto de partida e de chegada de

um efetivo comprometimento puacuteblico Pisoacuten (1998) reconhece que os direitos sociais

extrapolam um constructo normativo abstrato (aspecto legal) e rejeita o individualismo

bem como o sentido negativo impliacutecito no conceito neoliberal de liberdade Para Pereira

(2001 p 242-243)

os direitos sociais natildeo devem visar apenas agrave prestaccedilatildeo de benefiacutecios e serviccedilos como dever do Estado e direito de creacutedito do cidadatildeo mas principalmente agrave remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao exerciacutecio concreto da liberdade dotando-se dessa forma a liberdade formal e abstrata (contida nas leis) de sentido material

Com efeito Pisoacuten (1998)19 argumenta que os direitos sociais remetem ao que

ele denomina de liberdade real que se traduz na capacidade de accedilatildeo do Estado Social de

atender agraves necessidades dos cidadatildeos tendo em vista o seu bem-estar Para ele sem a

satisfaccedilatildeo das necessidades reais dos homens natildeo haacute liberdade e nem o exerciacutecio de uma

cidadania social de forma substantiva e ampliada

O certo eacute que a estrateacutegia utilizada pelos neoliberais de criar uma nova

mentalidade cultural e poliacutetica contraacuteria agrave cultura dos direitos deu resultados e ganhou

adesotildees porque penetrou fundo no chatildeo das crenccedilas populares em busca de um consenso

Sem duacutevida com essa estrateacutegia efetivou-se uma combinaccedilatildeo perfeita entre crenccedilas e senso

comum com teorias e ideologias defensoras da eficiecircncia e eficaacutecia dos interesses do capital

Parafraseando Gramsci (apud BOROacuteN 1999 p 11) ldquotais teorias e ideologias adquiriram a

solidez das crenccedilas populares travando com ecircxito uma batalha pela hegemonia no seio da

sociedade civilrdquo Concretizaram-se assim ganhando materialidade histoacuterica o que Gramsci

chamou de ldquoproposiccedilatildeo da filosofia da praacutexis como sendo aquela que sustenta que as crenccedilas

populares tecircm a validade das forccedilas materiaisrdquo (apud BOROacuteN 1999 p 11)

O pensamento criacutetico de Gramsci demonstra atualidade e compromissao com

os desafios da modernidade e ganha maior visibilidade histoacuterica no estaacutegio atual de

desenvolvimento do capitalismo essencialmente marcado por processos de exclusatildeo

social antagonismos de classes e de desigualdades sociais em que se estimula o

19 Pison (1998) apresenta uma argumentaccedilatildeo consistente sobre os direitos sociais e por isso tornou-se objeto de interesse deste estudo natildeo obstante esse autor adotar algumas posiccedilotildees teoacutericas polecircmicas que do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico tendem a uma abordagem funcionalista gerando uma tensatildeo teoacuterica em particular na anaacutelise que faz sobre os fenocircmenos sociais que natildeo satildeo analisados como resultantes das contradiccedilotildees de uma determinada loacutegica (capitalista) e portanto natildeo implicam rupturas radicais

70

dinamismo da economia em detrimento do desenvolvimento social Nesse contexto cria-

se um quadro aparente e ilusoacuterio de ascensatildeo social entre as classes sociais pauperizadas

excluiacutedas dos processos garantidores da cidadania social Sobre o emprego da expressatildeo

catarse (cartasis) e do conceito de filosofia da praacutexis categorias reconhecidas como

siacutentese de seu projeto Gramsci (1995 p 53) argumenta

A estrtuura da forccedila exterior que subjuga o homem assimilando-o e o tornando passivo transforma-se em meio de liberdade em instrumento para criar um nova forma eacutetico-poliacutetica em fonte de novas iniciativas A fixaccedilatildeo do momento cataacutertico torna-se assim toda a filosofia da praacutexis o processo cataacutertico coincide com a cadeia de siacutenteses que resultam do desenvolvimento dialeacutetico

Assim estrategicamente o ideaacuterio neoliberal foi sendo absorvido e

incorporado agraves crenccedilas populares ganhando tambeacutem a adesatildeo de governantes e de

segmentos expressivos da sociedade civil Em consequumlecircncia dessa estrateacutegia de

esvaziamento das esferas puacuteblicas e de destituiccedilatildeo de direitos haacute sociedades cada vez mais

passivas injustas pobres e desiguais

CAPIacuteTULO II

O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR

21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial

Haacute uma variedade de experiecircncias de proteccedilatildeo social e de formas de bem-estar

implementadas nos paiacuteses do Ocidente com padrotildees e alcances diferenciados bem como

explicaccedilotildees soacutecio-econocircmicas e poliacuteticas diversas A ideacuteia de que o Estado de Bem-estar ndash

Welfare State20 ndash eacute um fenocircmeno britacircnico uniacutevoco e exclusivo se mostrou um equiacutevoco

Confirmou-se na histoacuteria que dada a sua gecircnese capitalista e a diversidade poliacutetico-

econocircmica e soacutecio-cultural existente nos diversos paiacuteses haacute diferentes configuraccedilotildees de

Estado de Bem-estar que foram se consolidando com caracteriacutesticas proacuteprias

A primeira experiecircncia de Estado de Bem-estar surgiu na Europa nos fins do

seacuteculo XIX no contexto de afirmaccedilatildeo da sociedade industrial capitalista na Inglaterra e se

consolidou no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra nos anos 1940 O Welfare State portanto natildeo

se constituiu em uma instituiccedilatildeo tipicamente britacircnica embora tenha sido criado naquele paiacutes

em circunstacircncias uacutenicas Sua evoluccedilatildeo deu-se mediante um processo contiacutenuo ganhando

gradativamente a adesatildeo de outros paiacuteses da Europa e posteriormente dos EUA Para

Marshall (apud JOHNSON 1990) o Estado de Bem-estar natildeo chegou de suacutebito Muitos de

seus benefiacutecios e serviccedilos desenvolveram-se ao longo de extensos periacuteodos Suas bases e

princiacutepios foram sendo construiacutedos no decorrer de seis deacutecadas anteriores agrave Segunda Guerra

Mundial Constatou-se que suas causas foram tanto econocircmicas quanto sociais e poliacuteticas

em que pese em sua gecircnese terem prevalecido razotildees de iacutendole poliacutetica (LARA 1991) Na

verdade de 1883 (final do seacuteculo XIX) ateacute 1915 conforme o que aponta a Legislaccedilatildeo social

do periacuteodo o Estado Social natildeo foi mais que um experimento

Egrave interessante constatar que no processo de formaccedilatildeo do Estado Social no

seacuteculo XIX haacute registros informando a existecircncia de reflexotildees teoacutericas a respeito de injusticcedilas

20 Para Marshall (1963 apud Johnson 1990 p 18) o Estado de Bem-Estar britacircnico (Welfare State) foi tambeacutem o produto de uma explosatildeo de forccedilas que fruto da histoacuteria fez surgir a excepcional experiecircncia britacircnica na guerra e na transiccedilatildeo a um estado de paz

72

sociais decorrentes da ordem liberal (liberalismo claacutessico influenciado por Locke) No

periacuteodo denominado de entreguerras (1914-1940) deu-se iniacutecio a algumas tiacutemidas reformas

sociais impulsionadas pelos trabalhadores diretamente ou em colaboraccedilatildeo com outras forccedilas

poliacuteticas emergentes da Revoluccedilatildeo Industrial Isso porque ainda natildeo se havia formado um

suficiente consenso sobre a necessidade de um Estado Social ateacute porque as circunstacircncias

poliacuteticas e econocircmicas ainda natildeo permitiam sua viabilidade Poucos consideravam que a

intervenccedilatildeo estatal fosse economicamente conveniente e viaacutevel

De fato quando se observam os seguros sociais existentes ateacute 1915 em paiacuteses

da Europa dentre os quais alguns da Europa do Sul (Itaacutelia Franccedila) jaacute se percebe uma

flexibilidade na Legislaccedilatildeo que regulava as subvenccedilotildees vinculadas aos seguros de caraacuteter

voluntaacuterio Tambeacutem no campo dos seguros contra acidentes de trabalho jaacute se percebiam

criteacuterios mais flexiacuteveis sobre o envolvimento e a responsabilidade civil das empresas

industriais (Franccedila e Sueacutecia) especialmente em relaccedilatildeo ao trabalhador acidentado com

ampliaccedilatildeo desse seguro trabalhista de caraacuteter obrigatoacuterio para algumas categorias (Reino

Unido) Contudo havia condicionalidades claras sobre o perfil dos trabalhadores que

faziam jus agrave obrigatoriedade do seguro (Alemanha Itaacutelia e Suiacuteccedila) e apenas nestes paiacuteses

esse seguro tinha caraacuteter obrigatoacuterio Jaacute em relaccedilatildeo ao seguro desemprego com exceccedilatildeo do

Reino Unido havia prevalecircncia de uma prestaccedilatildeo ainda natildeo assegurada aos trabalhadores

Ainda no citado periacuteodo (1915) Suiacuteccedila (37) e Reino Unido (363) satildeo paiacuteses que se

destacam em relaccedilatildeo aos iacutendices relativos agrave populaccedilatildeo assegurada como demonstram os

quadros 1 e 2 a seguir

Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no periacuteodo

1883-191521

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

da populaccedilatildeo assegurada

em 1915

Franccedila 1898 reconhecimento da responsabilidade civil

1898 aprovaccedillatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

1895

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio

() 115

Itaacutelia () 1886

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

1898

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio

() 48

Sueacutecia 1901

reconhecimento da responsabilidade civil de

1891

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do

() () 108

21 NR Originalmente os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos de ALBER Dalla Caritaacute allo Stato Sociale e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 apud LARA (1991pp 270-274) Taduccedilatildeo livre da autora desta tese

73

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

da populaccedilatildeo assegurada

em 1915

determinadas empresas industriais

seguro voluntaacuterio

Reino Unido 1897 a

Workmenrsquos

Compensation-Act reconheceu os seguros para determinadas empresas O trabalhador acidentado teria direito ao seguro sem apresentar prova de negligecircncia 1906 a Workmenrsquos Compesation-Act ampliou este seguro a profissocirces ateacute entatildeo excluiacutedas desse benefiacutecio

() () () 363

Suiccedila () 1911

aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio

() () 370

() Prestaccedilatildeo nacirco assegurada () O seguro contra esta contingecircncia eacute de caraacutecter obrigatoacuterio

Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no periacuteodo

1883-191522

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguro de desemprego

Populaccedilatildeo assegurada em 1915

Alemanha 1884 Implantaccedilatildeo da obrigatoriedade para os trabalhadores e empregados de empresas selecionadas que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

1883

o

seguro cobria trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado nIacutevel de renda 1911extensatildeo do seguro aos trabalhadores agriacutecolas

1889Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

() 428

Itaacutelia 1902

Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para os trabalhadores da induacutestria com limites de renda

1901 O seguro cobria trabalhadores da induacutestria que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

1911 Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda

()

Sueacutecia () () 1913 A prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave velhice possuia um caraacuteter assistencial

() 108

Suiccedila 1911

Estabelecimento de obrigatoriedade em determinadas empresas

() () () 370

22 Fonte Os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos por Lara (1991 p 270-274) de ALBER Dalla Caridade do Estado Social e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese

74

Paiacutes Seguros contra

acidentes de trabalho Seguros de

enfermidade Seguros de

velhice Seguro de

desemprego

Populaccedilatildeo assegurada em 1915

industriais

Reino Unido () 1911

O seguro

cobria aos trabalhadores que nacirco superassem um determinado niacutevel de renda

1908

neste ano

aprovou-se a Old Age Pension Act O seguro estava condicionado a um determinado niacutevel de renda e era financiado pelo Estado

1911 criaccedilatildeo do seguro de desemprego para determinadas induacutestrias

360

() Prestaccedilacirco nacirco - assegurada () O seguro contra essa contingecircncia eacute de caraacuteter voluntaacuterio

Ademais a cobertura social estava limitada a alguns segmentos sociais Ateacute

mesmo a incipiente legislaccedilatildeo social alematilde que inaugurou o primeiro sistema de

seguridade social sob o governo de Bismarck em 1883 se deveu mais agrave iniciativa da elite

econocircmica no poder motivada pelo desejo de legitimaccedilatildeo poliacutetica ante a mobilizaccedilatildeo da

classe trabalhadora do que ao propoacutesito de correccedilatildeo das injusticcedilas sociais eou de garantias

de direitos sociais

Naquele contexto as circunstacircncias sociais criadas pelo capitalismo exigiam

medidas de estabilidade poliacutetica tanto que estudos informam que se produziu uma

abundante legislaccedilatildeo trabalhista em todos os paiacuteses da Europa ao final do seacuteculo XIX e

iniacutecio do seacuteculo XX O objetivo de tal legislaccedilatildeo era facilitar a conciliaccedilatildeo dos

conflitos gerados pela relaccedilatildeo capital e trabalho garantindo de um lado a expansatildeo do

capitalismo e de outro a melhoria do status do trabalhador As causas portanto eram

de natureza poliacutetica

A legislaccedilatildeo social existente em grande parte dos paiacuteses europeus a partir dos

anos 1940 ateacute os anos 1970 (LARA 1991) revela preocupaccedilotildees do Estado Social com a

extensatildeo da provisatildeo social na perspectiva de uma seguridade social puacuteblica que requer a

implantaccedilatildeo dos seguros sociais obrigatoacuterios acidentes de trabalho enfermidade velhice

desemprego como demonstra o quadro 3

75

Quadro 3 Principais leis sobre seguros sociais aprovadas desde l941 ateacute princiacutepios de

1970 em onze paiacuteses europeus23

Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho

Seguros de enfermidade

Seguros de velhice

Seguros de desemprego

Aacuteustria 1952 estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para trabalhadores autocircnomos Ficaram entatildeo cobertos todos os trabalhadores

1941

extensatildeo da

assistecircncia obrigatoacuteria aos familiares dos trabalhadores assegurados 1966 estabelecimento do seguro para trabalhadores autocircnomos da induacutestria

1957

estabelecimento

de seguro para os trabalhadores autocircnomos na induacutestria e comeacutercio 1970 extensatildeo da cobertura do seguro para os agricultores

1949

extensatildeo do

seguro aos agricultores

Dinamarca () 1971

implantaccedilatildeo de um seguro nacional

1956 a

Lei de Seguro Nacional estabeleceu uma pensatildeo universal 1964 introduccedilatildeo de pensotildees complementares em razatildeo do salaacuterio

Franccedila 1946

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores dependentes

1942

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os assalariados sem limite de renda Em 1961 ampliou-se a cobertura desse seguro aos agricultores e em 1966 aos trabalhadores autocircnomos natildeo agriacutecolas

1942

aboliccediloes de limitaccedilocirces de renda 1948 Ampliaccedilatildeo do seguro aos profissionais liberais e a outros trabalhadores autocircnomos 1952 extensatildeo do seguro aos agricultores

Pelo Decreto de 1959 o Estado sancionou o acordo negociado pelos trabalhadores e empresaacuterios sobre o seguro de desemprego A Lei de 1967 reconheceu efeitos legais a esse sistema

Itaacutelia 1956

estabelecimento do seguro para determinadas categorias de trabalhadores autocircnomos

1943

estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores e empregados da induacutestria

1954 ampliaccedilatildeo do seguro aos agricultores

1959

supressatildeo de limites de rendas para os trabalhadores e empregados

1949

extensatildeo do seguro aos agricultores

Reino Unido 1946

implantaccedilatildeo da seguridade obrigatoacuteria generalizada

1946

implantaccedilatildeo do seguro nacional

1946 implantaccedilatildeo do seguro nacional 1957 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em proporccedilatildeo agrave renda

1946

implantaccedilatildeo de uma pensatildeo uniforme 1966 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em funccedilatildeo do salaacuterio

Sueacutecia () 1955

introduccedilatildeo do seguro nacional

1946

ntroduccedilatildeo da pensatildeo universal uniforme 1959 introduccedilatildeo de pensocirces suplementares e obrigatoacuterias agrave baacutesica em relaccedilatildeo agrave renda

Fonte LARA 1991 p 270 - 274

Poreacutem foi no periacuteodo apoacutes o final da Segunda Guerra Mundial que o Welfare

State se consolidou com a ampliaccedilatildeo da provisatildeo estatal e extensatildeo dos serviccedilos sociais

Desde entatildeo a ideacuteia de um Estado socialmente intervencionista passou a ganhar adeptos e

adquirir expressatildeo real Ganhou visibilidade a ideacuteia de que os conceitos de liberdade e de

23 Obs Dados originais de ALBER Dalla Careitagrave e de quadros comparativos dos regimes de seguridade social Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) Madri 1982 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese

76

democracia liberal natildeo passavam de uma ficccedilatildeo se natildeo estivessem apoiados no conceito de

igualdade material e natildeo apenas de oportunidade ou perante a lei Tambeacutem foi ganhando

legitimidade a ideacuteia de que as injusticcedilas sociais poderiam ser corrigidas no marco mesmo

do modo de produccedilatildeo capitalista Para tanto tornava-se imprescindiacutevel a intervenccedilatildeo do

Estado na economia

O ecircxito do Estado Social passou a depender do consenso que alcanccedilava

progressivamente Segundo Lara (1991) foi necessaacuterio esperar os anos posteriores a

1940 para que as poliacuteticas sociais superassem a fase experimental e tivessem

resultados mais concretos em conexatildeo com as poliacuteticas econocircmicas (p 439) A

satisfaccedilatildeo das demandas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial deve-se

portanto a uma conjuntura econocircmica especial e particularmente agraves medidas sociais

adotadas para evitar uma crise maior do capitalismo Assim eacute possiacutevel afirmar que as

origens do Estado Social foram sendo determinadas natildeo tanto por circunstacircncias

econocircmicas mas muito mais por exigecircncias poliacuteticas Nesse periacuteodo os seguros sociais

(antes voluntaacuterios) evoluiacuteram tornando-se obrigatoacuterios e estenderam sua cobertura

social na medida que foram suprimidos os limites que condicionavam o acesso a eles

As diretrizes do Informe Beveridge de 194224 ancoradas nas teorias econocircmicas

keynesianas a partir de 1930 tiveram importacircncia essencial como motor das

mudanccedilas assim como o crescimento do poder de pressatildeo poliacutetica e da organizaccedilatildeo da

classe trabalhadora A partir dos anos 1940 o Estado Social adquiriu caraacuteter especiacutefico

e se diferenciou substantivamente do Estado Liberal Indiscutivelmente a teoria

econocircmica de Keynes constituiu elemento essencial para a consolidaccedilatildeo do Estado

Social porquanto justificou e propiciou a ampliaccedilatildeo do seu intervencionismo Baseadas

nas ideacuteias de Keynes e Beveridge as poliacuteticas sociais superaram o lugar secundaacuterio que

ateacute entatildeo se encontravam E para chegar agrave significaccedilatildeo que alcanccedilaram depois da

Segunda Guerra Mundial foi imprescindiacutevel que se alterassem os criteacuterios econocircmicos

e sociais ateacute entatildeo vigentes

24 Beveridge ao elaborar seu plano apresentado ao Parlamento Britacircnico em novembro de 1942 criou um suporte teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do Sistema de Seguridade Social inglecircs Agrave eacutepoca (1941) Beveridge recebeu nomeaccedilatildeo do governo britacircnico para presidir a Comissatildeo Interministerial de Seguro Social e Serviccedilos Afins Realizou um diagnoacutestico da situaccedilatildeo social britacircnica concluindo que a superaccedilatildeo da condiccedilatildeo de miseacuteria e de pobreza passava pela redistribuiccedilatildeo da renda e por uma melhor adequaccedilatildeo desta agraves necessidades das famiacutelias Daiacute que no acircmbito das poliacuteticas de seguro obrigatoacuterio buscou-se ampliar a cobertura de riscos aumentar as taxas de benefiacutecios bem como estender o seu alcance aos segmentos excluiacutedos a partir de transferecircncias redistributivas de rendas pela via fiscal Rompeu-se assim com a versatildeo de seguridade social identificada como padratildeo ocupacional bismarckiano cujo acesso agrave renda estava condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta pelo trabalhador

77

Keynes defendia medidas orientadas agrave redistribuiccedilatildeo dos recursos financeiros

de forma a aumentar a propensatildeo ao consumo que por sua vez iriam favorecer o

crescimento do capital A ideacuteia de que a crise econocircmica poderia superar-se mediante a

reativaccedilatildeo da demanda por consumo permitiu compatibilizar a ideacuteia de bem-estar social

com os princiacutepios da acumulaccedilatildeo capitalista A convicccedilatildeo de Keynes sobre a incapacidade

dos mecanismos auto-reguladores do mercado para resolverem a crise foram as razotildees que

o induziram a formular suas propostas de poliacuteticas macroeconocircmicas inspiradas em

princiacutepios intervencionistas Tais propostas influenciaram o desenvolvimento dos serviccedilos

sociais puacuteblicos favorecendo a capacidade de consumo

Em 1942 o Informe Beveridge apresentou novas teacutecnicas baseadas em sistemas

de seguridade social que implicaram diferenccedilas qualitativas em relaccedilatildeo aos seguros sociais

existentes ateacute entatildeo Beveridge promoveu uma ruptura decisiva com a ideologia liberal

(liberalismo claacutessico) ao responsabilizar diretamente o Estado Social pela seguranccedila e

proteccedilatildeo social dos cidadatildeos baseando-se na solidariedade coletiva de forma que a satisfaccedilatildeo

das necessidades sociais passou a recair sobre toda a parte ativa da populaccedilatildeo ou seja a

coletividade se apresentou como a responsaacutevel pelo bem-estar de todos

A esse respeito tornou-se ceacutelebre a afirmaccedilatildeo de Winston Churchill ao

referir-se ao Informe Beveridge (1942) ldquoun seguro nacional obrigatorio para todas las

clases y para todos los propoacutesitos desde la cuna hasta la sepulturardquo (TIMMINS 2001 p

66) O plano de Beveridge superou o conceito dominante de seguros sociais tanto porque

se tratava de um projeto completo de seguros e benefiacutecios como pela ampliaccedilatildeo da

cobertura social que previu Ele definiu e organizou o seguro social obrigatoacuterio com um

miacutenimo de recursos financeiros que o Estado deveria garantir a todas as pessoas e

propocircs a criaccedilatildeo de mecanismos que tendessem agrave universalidade colocando em praacutetica

direitos contidos nos textos constitucionais A partir de entatildeo a tendecircncia agrave

universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais passou a ser um traccedilo comum de

todos os sistemas de seguridade social europeus ateacute mesmo naqueles paiacuteses que natildeo

implantaram o modelo anglo-saxatildeo

Foram essas as razotildees que passaram a justificar e a marcar o iniacutecio de uma

nova etapa na evoluccedilatildeo do Estado Social Haacute que se destacar ainda como um dos

elementos centrais dessa evoluccedilatildeo a necessidade de coordenaccedilatildeo do crescimento

econocircmico com o desenvolvimento social ndash um difiacutecil desafio que se estende agrave

contemporaneidade Naquela conjuntura chegou-se agrave conclusatildeo de que o crescimento

78

econocircmico era interdependente do desenvolvimento social Um outro traccedilo inovador desse

periacuteodo que deriva da coordenaccedilatildeo do crescimento econocircmico com os objetivos sociais eacute

que as poliacuteticas sociais adquiriram caraacuteter geneacuterico e natildeo setorial como se apresentavam

no periacuteodo em que o Estado Social natildeo passava de um experimento Desde entatildeo passou-

se a determinar a garantia de um miacutenimo de renda como direito e natildeo mais como

benemerecircncia ou caridade puacuteblica ou privada Foi esse marco soacutecio-econocircmico que

propiciou a extensatildeo qualitativa e quantitativa dos gastos sociais Na deacutecada de 1960 o

crescimento econocircmico do capitalismo foi contiacutenuo e salvo escassas exceccedilotildees as taxas

relativas demonstram que os gastos sociais cresceram a um ritmo superior ao do PIB

nacional Daiacute poder-se afirmar que os fundamentos sobre os quais se assenta a extensatildeo

das poliacuteticas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial satildeo tatildeo distintos dos conceitos

de benemerecircncia quanto de poliacuteticas liberais Aleacutem disso as duas grandes guerras

demonstraram que a inseguranccedila econocircmica era um risco coletivo que ameaccedilava a

cidadania social e afetava a todas as classes sociais

Para Lara (1991) o Estado Social apresentou-se como uma via intermediaacuteria entre

o liberalismo econocircmico claacutessico o comunismo e a social democracia As poliacuteticas elaboradas

apoacutes a Segunda Guerra Mundial programaram dentre seus objetivos o crescimento

econocircmico e o bem-estar como meio de obtenccedilatildeo da estabilidade poliacutetica e social

No entanto nos anos de 1970 as poliacuteticas macroeconocircmicas de orientaccedilatildeo

keynesiana comeccedilaram a perder a eficaacutecia e em consequumlecircncia comeccedilou-se a justificar a

necessidade de reprogramaccedilatildeo dos fundamentos econocircmicos sobre os quais estava

assentado o Estado Social No bojo dessa justificaccedilatildeo destacam-se as criacuteticas da nova

direita europeacuteia ao Estado Social Aprofundou-se a anaacutelise do processo de transiccedilatildeo do

Estado de Bem-estar puacuteblico para a concepccedilatildeo de sociedade de bem-estar com destaque

para as perdas de conquistas histoacutericas no campo da democracia e da cidadania e para

mudanccedilas substantivas ocorridas no padratildeo de bem-estar Sem duacutevida a possiacutevel

superaccedilatildeo do Estado Social especialmente em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do compromisso entre

capitalismo e bem-estar social gerou um grande dilema por tratar-se de dois princiacutepios

que tanto histoacuterica como teoricamente se mostraram irreconciliaacuteveis Foi precisamente

nesse aspecto que as teorias neoliberais e as de orientaccedilatildeo marxista centraram duras

criacuteticas ao Estado Social Para os neoliberais a liberdade do mercado eacute incompatiacutevel com a

intervenccedilatildeo econocircmica do Estado Social e para os marxistas o Estado natildeo pode satisfazer

ao mesmo tempo as exigecircncias de acumulaccedilatildeo do capital e as que derivam das funccedilotildees de

79

sua legitimaccedilatildeo poliacutetica ndash produzir bem-estar No entender dos representantes da corrente

marxista da qual OacuteConnor (1981) eacute um expressivo porta-voz as duas funccedilotildees satildeo

incompatiacuteveis e contraditoacuterias uma vez que os gastos estatais tendem a crescer mais

depressa que os meios para financiaacute-los _ o que conduz necessariamente a uma crise fiscal

A tensatildeo existente entre igualdade e liberdade incluiacuteda na relaccedilatildeo entre

capitalismo e bem-estar vincula o Estado Social a conceitos como Estado de Direito e

democracia o que sem duacutevida apreseta algumas dificuldades de ordem teoacuterico-conceitual

porque tais conceitos satildeo distintos e seguem diferentes princiacutepios teoacutericos Era de esperar-

se portanto que como se trata de um produto da sociedade capitalista vivenciado por

economias nacionais em estaacutegios diferenciados haveria desacordo em relaccedilatildeo agraves

estrateacutegias e aos procedimentos teacutecnicos e poliacuteticos mais adequados agrave consolidaccedilatildeo de um

sistema de provisatildeo social puacuteblica de bem-estar voltado para o atendimento das

necessidades sociais baacutesicas Natildeo causa admiraccedilacirco que o Estado de Bem-estar tenha

estabelecido um pacto social entre empresaacuterios e trabalhadores mediado pelo Estado ndash o

chamado grande compromisso corporativo apoacutes a Guerra

Em que pese a complexidade das mediaccedilotildees histoacutericas e das determinaccedilotildees

soacutecio-culturais que cercam essa questatildeo ressalta-se de forma resumida trecircs linhas baacutesicas

que conforme Mishra (1995 se tornaram consensuais e que caracterizaram o Estado de

Bem-estar a primeira refere-se agrave introduccedilatildeo e agrave ampliaccedilatildeo de uma seacuterie de serviccedilos sociais

universais nos quais se incluem a seguridade social e serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo

habitaccedilatildeo emprego e de assistecircncia social voltados para situaccedilotildees de vulnerabilidade

social a segunda diz respeito agrave criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de poliacuteticas de pleno emprego sob a

forma de investimentos puacuteblicos para garantir trabalho intensivo plena ocupaccedilatildeo e

propensatildeo ao consumo como dinamizadores da economia e a terceira tem a ver com a

implementaccedilatildeo de um programa de nacionalizaccedilatildeo que previa a democratizaccedilatildeo das

relaccedilotildees sociais mediante o envolvimento do Estado capitalista nos processos de provisatildeo

social e de regulamentaccedilatildeo por meio de medidas fiscais e de leis trabalhistas As trecircs

linhas mencionadas requeriam governos intervencionistas ou seja a aplicaccedilatildeo do princiacutepio

da liberdade positiva contraacuterio ao da liberdade negativa professada pelos liberais

As referecircncias teoacutericas e poliacutetico-estrateacutegicas do Welfare State apoacutes a Segunda

Guerra Mundial foram as produccedilotildees intelectuais de John Maynard Keynes William

Beveridge e Thomas Henry Marshall combinadas com princiacutepios do fabianismo25 Do

25 Os fabianos (membros da Fabian Society inglesa) eram social-democratas defensores do Estado de Bem-

80

ponto de vista econocircmico a doutrina keynesiana apresentou um modelo de regulaccedilatildeo

econocircmico-social que encontrou justificativa em uma nova ideacuteia de seguranccedila de

existecircncia A princiacutepio Keynes propunha um niacutevel de atividade econocircmica deliberada

mediante investimentos sociais (governamentais) puacuteblicos ainda que temporaacuterios ateacute o

retorno e fortalecimento da economia do poacutes-guerra Apoiado no keynesianismo criou-se

um Sistema de Seguridade Social como direito do cidadatildeo e dever do Estado inaugurando

uma nova ideacuteia de organizaccedilatildeo de seguridade puacuteblica Na Inglaterra Beveridge ao

elaborar em 1942 o plano que recebeu o seu nome Plano Beveridge criou um suporte

teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do sistema de seguridade social inglecircs26 e

esse sistema mostrou-se capaz de combinar a pressatildeo estrutural por maior acumulaccedilatildeo

capitalista com demandas sociais legiacutetimas que passaram a se configurar como demandas

por bem-estar

No rastro do keynesianismo Thomas Henry Marshall (1965) baseado em

fundamentos socioloacutegicos e juriacutedicos instituiu na Europa na deacutecada de 1940 uma concepccedilatildeo

ampliada e trifacetada de cidadania ao incorporar a esse conceito ateacute entatildeo restrito aos direitos

individuais (civis e poliacuteticos) os direitos sociais a serem concretizados por poliacuteticas sociais

puacuteblicas Essa concepccedilatildeo serviu efetivamente de base conceitual e poliacutetica ao Estado de Bem-

estar ao se contrapocircr ao ideaacuterio conservador defendido pelos defensores do liberalismo claacutessico

Para Moreno (2003 p 2 ) ldquoMarshall observava como crucial para a consolidaccedilatildeo da

cidadania social o desenvolvimento de poliacuteticas sociais puacuteblicas as quais representavam a

manifestaccedilatildeo tangiacutevel da existecircncia de uma comunidade poliacutetica ou de uma repuacuteblica de

cidadatildeos livres e solidaacuterios entre sirdquo Para Marshall (apud Moreno 2003 p 2 ) ldquoos efeitos das

poliacuteticas sociais possibilitariam comunidades mais coesas e um enriquecimenrto da vida

civilizadardquo Na anaacutelise de Moreno (2003 p 7) ldquoas ideacuteias marshallianas tecircm sido uacuteteis agrave tarefa

dos cientistas sociais por conciliar o empiacuterico e o normativordquo

A posiccedilatildeo adotada por esse estudo sobre a tese marshalliana eacute de que apesar da

teoria de Marshall reconhecidamente de corte funcionalista (manutenccedilatildeo do status quo e a

estar e propunham reformas econocircmicas e sociais como condiccedilatildeo para melhoria de vida dos pobres O reformismo fabiano dominou os estudos acadecircmicos e influenciou o desenvolvimento das poliacuteticas sociais reais em vaacuterios paiacuteses europeus de 1945 a 1965 no periacuteodo de 20 anos Para Mishra (1984) faltou ao fabianismo uma teoria articulada (tanto normativa como positiva) do Estado de Bem-estar no contexto do final do crescimento econocircmico e do descreacutedito das teorias de Keynes quando estas entraram em colapso 26 Trata-se da principal iniciativa de instauraccedilatildeo e organizaccedilatildeo de sistemas de proteccedilatildeo social do mundo ocidental moderno ao promover mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo metodoloacutegica e nas praacuteticas de bem-estar social Do ponto de vista de uma proteccedilatildeo social puacuteblica o modelo beveridgiano mostrou-se mais completo em relaccedilatildeo ao modelo alematildeo bismarckiano do seacuteculo XIX na medida em que incluiu na provisatildeo social tambeacutem os que estavam fora do mercado formal de trabalho

81

ecircnfase dada agraves anaacutelises normativas em detrimento de uma visatildeo igualitaacuteria da cidadania social)

limitar-se agrave defesa da ldquoigualdade de oportunidadesrdquo como conquista de todos os cidadatildeos para o

desenvolvimento de suas potencialidades vitais (e natildeo ter incluiacutedo a dimensatildeo ldquoigualdade de

condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos puacuteblicosrdquo) seu estudo identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo dos

direitos sociais ao conceito de cidadania ampliada (com a qual essa tese se identifica) constitui

sua contribuiccedilatildeo mais substantiva do ponto de vista ciacutevico e eacutetico-poliacutetico Indiscutiacutevemente um

suporte legitimador dessa concepccedilatildeo e uma importante ferramenta teoacuterica para a consolidaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial

Com efeito T H Marshall (abreviaccedilatildeo que seraacute utilizada pela presente tese)

entendeu a cidadania como um sistema de direitos civis (surgidos no seacuteculo XVIII) poliacuteticos

(surgidos no seacuteculo XIX) e sociais (surgidos no seacuteculo XX) construiacutedo no decorrer dos

uacuteltimos trecircs seacuteculos Para ele a cidadania traduz-se no exerciacutecio dos direitos e natildeo nos direitos

em si mesmos

Segundo Johnson (1990 p 20-21)

como resposta agrave democracia de massas o Estado de Bem-estar pode ser visto como algo que surge das demandas por maior igualdade e pelo reconhecimento dos direitos sociais aos serviccedilos de bem-estar e agrave seguranccedila econocircmica Como resposta ao desenvolvimento do capitalismo o Estado de Bem-estar pode ser interpretado por marxistas e outros autores como um intento de fazer frente agraves contradiccedilotildees e aos problemas do sistema capitalista contribuindo tanto para a acumulaccedilatildeo do capital como para a sua legitimaccedilatildeo

Assim haacute um denominador comum entre as diferentes expressotildees desse

Estado agrave medida que todos os governos que a ele aderiram buscaram combinar a

provisatildeo puacuteblica estatal e os serviccedilos de financiamento como direito social com uma

economia de mercado

Mas enquanto isso acontecia intelectuais criacuteticos do Estado de Bem-estar e

governos identificados com o retorno dos princiacutepios econocircmicos do liberalismo (em sua

versatildeo mais ortodoxa ndash Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos da

Ameacuterica_EUA) deram iniacutecio a uma ofensiva histoacuterica a essa concepccedilatildeo de bem-estar

Pretendia-se com essa ofensiva promover o desmonte do edifiacutecio de proteccedilatildeo social que

dava sustentaccedilatildeo ao Estado de Bem-estar e aos fundamentos teoacuterico-conceituais do sistema

de seguridade social construiacutedos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Os liberais negavam

sobretudo o reconhecimento e a legitimidade da garantia de bens e serviccedilos sociais

entendidos como direitos sociais pela via da accedilatildeo positiva do Estado mediante poliacuteticas

82

puacuteblicas (para todos) Nesse contexto os trecircs paracircmetros de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica mdash

keynesiano beveridgiano e marshalliano (de T H Marshall) mdash comeccedilaram a sofrer

restriccedilotildees e abalos em seus pilares

Era o iniacutecio da afirmaccedilatildeo de uma nova ideologia fundamentada na loacutegica de

mercado que estrategicamente foi se contrapondo agrave loacutegica dos direitos A partir de entacirco

operaram-se grandes mudanccedilas no padratildeo de respostas agraves necessidades sociais27

particularmente nos paiacuteses perifeacutericos como a perda de direitos de cidadania (bens e

serviccedilos sociais) a precarizaccedilatildeo desses serviccedilos sociais a focalizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais

na pobreza absoluta e segundo Yasbek (1995) a remercantilizaccedilatildeo e refilantropizaccedilatildeo da

questatildeo social

22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social fundamentos

da Seguridade Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial

As profundas transformaccedilotildees societaacuterias revelam-se atualmente de forma

mais acentuada quanto ao padratildeo capitalista de acumulaccedilatildeo aos processos de trabalho e agraves

funccedilotildees poderes e praacuteticas do Estado na sua relaccedilatildeo com a sociedade civil Como jaacute

indicado desde fins dos anos 1970 a economia internacional foi atingida por

desequiliacutebrios macroeconocircmicos financeiros e de produtividade que passaram a

configurar uma crise do capitalismo e natildeo propriamente do Estado de Bem-estar Os

impactos dessa crise ainda satildeo sentidos de forma diferenciada em cada paiacutes conforme

suas particularidades histoacutericas culturais e poliacuteticas Os desafios e riscos sociais ganharam

novas formas histoacutericas em decorrecircncia das mudanccedilas ocorridas na relaccedilatildeo capital e

trabalho nos processos produtivos e na relaccedilatildeo Estado versus sociedademercado e

poliacuteticas sociais que fazendo um retrospecto apresentavam a seguinte configuraccedilatildeo o

sistema de regulaccedilatildeo social capitalista que se consolidou no segundo apoacutes a Segunda

Guerra Mundial e prevaleceu ateacute a deacutecada de 1970 caracterizou-se por um tipo de relaccedilatildeo

entre Estado e sociedade capital e trabalho ateacute entatildeo inexistente agrave medida que elevou a

proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito de cidadania colocando-a no contexto de seguridade

social de caraacuteter puacuteblico e universal

27 Para maior aprofundamento da relaccedilatildeo entre o chamado trceiro setor e questatildeo social ver obra de Montantildeo (2002)

83

O modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social que de forma pioneira se instalou

nos anos 1940 estava apoiado em quatro aacutereas programaacuteticas seguro social (baseado em

contribuiccedilotildees sociais) benefiacutecios suplementares (natildeo-contributivos) subvenccedilotildees

familiares (natildeo-contributivas) e isenccedilotildees fiscais (destinadas aos grupos de alta renda) O

Estado de Bem-estar passou a realizar accedilotildees e medidas sociais voltadas para o interesse

puacuteblico graccedilas a uma regulaccedilatildeo ampliada e coletivamente consentida De acordo com

Pereira (2000 p 112-113) a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo foi

materializada nas poliacuteticas de manutenccedilatildeo (ou transferecircncia) de renda de proteccedilatildeo ao

trabalho e na garantia ao acesso e usufruto dos bens e serviccedilos sociais universais como

sauacutede e educaccedilatildeo

As quatro aacutereas programaacuteticas do modelo beveridgiano citadas passaram a

incorporar tanto elementos do seguro previstos no modelo bismarckiano quanto de

assistecircncia social ausente no modelo alematildeo o que confirma a complexidade e a

preocupaccedilatildeo jaacute naquele contexto com a complementaridade entre seguro e assistecircncia

conforme Boschetti (2001 p 38) Com base no modelo beveridgiano que tinha como

suporte a poliacutetica econocircmica keynesiana o financiamento das medidas de bem-estar

deveria se dar mediante a contribuiccedilatildeo social por meio de impostos Com o modelo foram

criadas as bases (conceituais e operacionais) da primeira rede universal de proteccedilatildeo e de

seguridade social Beveridge (representante do fabianismo inglecircs) e Keynes (economista

inglecircs) incentivaram e promoveram de forma substantiva a) poliacuteticas de pleno emprego b)

ampliaccedilatildeo do conceito de cidadania (com a inclusatildeo dos direitos sociais) c) criaccedilatildeo e

extensatildeo de uma legislaccedilatildeo social e d) institucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como um

meio de superaccedilatildeo da pobreza absoluta Esse modelo ao adotar o universalismo como

princiacutepio de redistribuiccedilatildeo de bem-estar fez que o setor estatal passasse a financiar as

poliacuteticas de bem-estar mediante poliacuteticas fiscais de arrecadaccedilatildeo de recursos Portanto

aleacutem de promover a extensatildeo e a universalizaccedilatildeo dos direitos de cidadania o setor puacuteblico

passou a financiar a produccedilatildeo real do bem-estar Nesse sentido Beveridge e Keynes deram

ampla justificativa agrave intervenccedilatildeo estatal tanto na esfera econocircmica quanto na social

Defendiam a necessidade de ser assegurada uma ampla cobertura e o mais igualitaacuteria

possiacutevel Daiacute a ecircnfase aos serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos)

Para Abrahamson (1995 p 121) o modelo beveridgiano e keynesiano que

tambeacutem se associou ao regime de produccedilatildeo fordista e organizaccedilatildeo taylorista28 recebeu

28 Nos anos 1920 apoacutes a Primeira Grande Guerra implantou-se nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) e

84

influecircncias do projeto social democrata de Estado de Bem-estar europeu que adotou como

pressuposto a ideacuteia de uma sociedade estatizada e altamente organizada (contraacuteria

portanto agrave ideacuteia neoliberal de uma sociedade plural e desestatizada) Para este autor tanto

Beveridge como Keynes cuja influecircncia nos anos 1950 estendeu-se aleacutem da Gratilde-

Bretanha estavam convencidos de que o Estado de Bem-estar natildeo constituiacutea nenhuma

ameaccedila ao capitalismo Entretanto contraditoriamente a histoacuteria registra que essa

intervenccedilatildeo estatal acabou se tornando de um lado contraacuteria e ameaccediladora aos princiacutepios

capitalistas de economia de mercado e de outro lado necessaacuteria e desejaacutevel para assegurar

a realizaccedilatildeo dos propoacutesitos puacuteblicos do Estado Em outras palavras tornou-se necessaacuteria

para garantir aos trabalhadores bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos o que

resultou no crescimento do prestiacutegio dos governos no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra

Mundial ateacute o final dos anos 1970

apoacutes em escala mundial um modelo revolucionaacuterio de organizaccedilatildeo cientiacutefica do trabalho denominado taylorismo Com o avanccedilo da industrializaccedilatildeo e com a crise de superproduccedilatildeo em 1929 este modelo passou a ser incorporado ao sistema das maacutequinas de produccedilatildeo industrial gerando um novo modelo operacional denominado Fordismo que impocircs um processo acelerado de produtividade no trabalho adaptando-o continuamente ao consumo de massas Esta foi a saiacuteda encontrada pelo capital para superaccedilatildeo da primeira grande recessatildeo crise econocircmica que se prolongou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX Na chamada era taylorista-fordista (de grandes corporaccedilotildees internacionais como a GM Ford Shell IBM e outras) buscou-se combinar a produccedilatildeo em seacuterie com o crescimento econocircmico pela via do processo crescente de industrializaccedilatildeo que assumiu um papel determinante em que a proacutepria produccedilatildeo puxava o crescimento econocircmico consumando assim a comercializaccedilatildeo competitiva Ao teacutermino da deacutecada de 1960 e iniacutecio da 1970 (contexto de crises petroliacuteferas de 1973 e 1979) ocorreu uma nova crise do capital seguida de uma desaceleraccedilatildeo geral da acumulaccedilatildeo com queda real nos ganhos de produtividade Surgiu o fenocircmeno do chamado desemprego estrutural que dentre outros fatores expressa o decliacutenio do modelo taylorista-fordista que se caracterizou como um processo produtivo de regulaccedilatildeo entre capital (sistema produtivo) e processos de trabalho (Antunes 2000) Esse modelo que predominou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX privilegiou o desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegicoinformacional Nesse periacuteodo as conquistas teacutecnico-cientiacuteficas reduziram o tempo e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das mercadorias Seguiu-se ao decliacutenio do modelo taylorista-fordista o paradiacutegma econocircmico capitalista da acumulaccedilatildeo flexiacutevel Surgiu o fenocircmeno de produccedilatildeo baseada na expansatildeo comercial mundializada assentada em fluxos financeiros internacionais Estavam dadas as condiccedilotildees reais e objetivas para a implantaccedilatildeo da proposta econotildemica neoliberalNos anos 1970 entrou em crise o sistema fordista-keynesiano que deu sustentaccedilatildeo econocircmica ao Estado de Bem-estar social apoacutes a Segunda Guerra Mundialndash 1945 a 1975 e se consolidou como paradiacutegma do desenvolvimento capitalista e de poliacuteticas universais de pleno emprego Como decorrecircncia assiste-se atualmente a uma gradativa flexibilizaccedilatildeo no campo dos direitos do trabalho com imposiccedilatildeo de padrotildees internacionais de conduta poliacutetica e econocircmico-financeira tendo em vista a globalizaccedilatildeo e a mundializaccedilatildeo da economia Instala-se a arena (globalizada) do livre comeacutercio fragilizando ainda mais os Estados-Naccedilatildeo Cresceu a liberaccedilatildeo econocircmica com investimentos de capitais produtivos (privados e estatais) e de capital especulativo volaacutetil (dinheiro) que passou a girar no mundo dos mercados financeiros (juros cacircmbios bolsas de valores) Assiste-se a processos de perda de direitos de cidadania e de transferecircncia de responsabilidades e de recursos para o setor privado (terceirizaccedilatildeo) como tambeacutem a passagem de um sistema regulatoacuterio puacuteblico para um sistema desregulamentado de natureza privada

Enfatiza-se o conceito de terrritorialidade em que os marcos regulatoacuterios dos Estados-Naccedilatildeo satildeo substituiacutedos por novas articulaccedilotildees (tres esferas de governo) a exemplo da retomada das redes de proteccedilatildeo socialprogramas de renda miacutenima de perfil local eou global com novas estrateacutegias e condicionalidades entre o regime de proteccedilatildeo social e a inserccedilatildeo dos beneficiaacuterios desses programas no mundo do trabalho (workfare ndash poliacuteticas ativas como expressatildeo de novas formas de emprego)

85

Foi assim que o Estado de Bem-estar visto como uma forma particular de

regulaccedilatildeo social29 difundiu princiacutepios econocircmicos e sociais que passaram a orientar vaacuterias

iniciativas de intervenccedilatildeo puacuteblica no capitalismo

Sua organizaccedilatildeo poliacutetica portanto eacute resultante de vaacuterios fatores e ideologias

com variaccedilotildees de paiacutes para paiacutes a exemplo do que demonstra quadro 4 isto eacute

caracteriacutesticas bastante distintas entre os regimes de bem-estar europeus em relaccedilatildeo aos

objetivos natureza dos serviccedilos fontes de financiamento dentre outras rubricas

Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus

Modelos

Caracteriacutesticas Anglo-Saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo

Ideologia Cidadania Corporativismo Igualitarismo Autonomia vital

Objetivos Capacitaccedilatildeo individual

Manutenccedilatildeo de renda Rede de serviccedilos sociais

Combinaccedilatildeo de recursos

Financiamento

Impostos

Cotizaccedilotildees laborais

Impostos

Misto

Subsiacutedios Tanto alzado (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Tanto alzado (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar

Provisatildeo Mistoquase mercados

MistoONGs Puacuteblico Mistodescentralizado

Mercado de trabalho Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal

Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho parcial

Feminizaccedilatildeo Trabalho puacuteblico

Familismo ambivalente

Pobreza Cultura dependecircncia Cultura integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial

Fonte Moreno (2001 p 28)

Contudo muitas vezes esse caraacuteter multifuncional torna tais regimes instacircncias

contraditoacuterias com capacidades particulares de responder simultaneamente agraves tensotildees que

permeiam o variado campo das poliacuteticas sociais Eacute por isso que se diz que natildeo haacute um

modelo uniacutevoco de Estado de Bem-estar

Todavia em que pese a diversidade das formas nacionais de posicionamento

diante de demandas e necessidades sociais eacute indiscutiacutevel a influecircncia em todas elas da

poliacutetica econocircmica keynesiana e do Plano Beveridge A contribuiccedilatildeo de Keynes deu-se em

dois niacuteveis social e poliacutetico de um lado e econocircmico de outro A discussatildeo iniciada no

final dos anos 1930 sobre os rumos da economia e dos problemas criados pela

incapacidade da doutrina liberal de equacionaacute-los criou a base teoacuterico-conceitual do

Estado de Bem-estar Instituiu-se naquela conjuntura uma nova forma de regulaccedilatildeo soacutecio-

29 Diversas classificaccedilotildees (tipologias) do Estado de Bem-estar podem ser encontradas em diferentes autores como Titmus (1974) e Esping-Andersen (1991) Therborn (1989) Draibe (1990) Fleury (1994) Pereira (1994 2000) dentre outros

86

poliacutetica e econocircmica do sistema capitalista que vigorou do iniacutecio dos anos 1940 ateacute o final

dos anos 1970 periacuteodo denominado pela literatura especiacutefica de os trinta anos gloriosos

O auge de seu ecircxito ocorreu nos anos 1950 e 1960 A regulaccedilatildeo keynesiana objetivou

atenuar as incertezas do capitalismo criando as condiccedilotildees para aumentar sua

previsibilidade vista como criteacuterio essencial agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Para Oliveira (1998) natildeo era preocupaccedilatildeo de Keynes a erradicaccedilatildeo da

estrutura social e econocircmica capitalista Ele estava empenhado em construir um padratildeo de

bem-estar com previsibilidade tal que pudesse controlar as formas do conflito social

engendrado pelo proacuteprio sistema e agia assim por saber que o capital natildeo tinha por

princiacutepio a praacutetica de arriscar-se no mercado com recursos proacuteprios Daiacute sua preocupaccedilatildeo

em reduzir ao miacutenimo os niacuteveis de incerteza do mercado definindo continuamente

estrateacutegias para a obtenccedilatildeo de um razoaacutevel niacutevel de previsibilidade

Nesse sentido o Estado de Bem-estar constituiu-se de um lado em uma

forma de regulaccedilatildeo sociopoliacutetica da ordem capitalista fundamentada no paradigma da

seguridade social e de outro passou a regular os proacuteprios mecanismos do sistema ao

colocar limites agrave sua expansatildeo Em siacutentese eacute possiacutevel afirmar que o Estado de Bem-estar

estruturou uma arena de conflitos como afirmado anteriormente pautada em um

conjunto de regras que conferiu agrave poliacutetica econocircmica keynesiana do periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial a capacidade de tornar-se previsiacutevel Nessa perspectiva sem

deixar de ser um Estado capitalista o Estado de Bem-estar ganhou legitimidade e

autonomia para instituir e aplicar poliacuteticas sociais puacuteblicas e universais aleacutem de

construir pactos entre sindicatos empresaacuterios e partidos Assim por esses meios

instituiacuteram-se as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre diferentes sujeitos sociais mas sem que o

Estado perdesse o seu protagonismo no processo de regulaccedilatildeo social

A ideacuteia de cooperaccedilatildeo entre Estado mercado e setores natildeo-mercantis da

sociedade (que posteriormente se constituiu na gecircnese da ideacuteia original da proposta de

pluralismo de bem-estar) preconizada pelo pacto keynesiano se deu portanto como

resultado de uma articulaccedilatildeo poliacutetica e estrateacutegica e de uma redefiniccedilatildeo do lugar do Estado

mdash agora altamente intervencionista mdash na economia o que constituiu mudanccedila substancial

no campo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas Dito em outros termos ao mesmo tempo em

que o Estado de Bem-estar criava mecanismos de garantia de poliacuteticas de pleno emprego e

de um seguro social puacuteblico e universal ele assegurava sua funcionalidade e compromisso

em relaccedilatildeo ao processo de crescimento das economias de mercado pela via da socializaccedilatildeo

87

do consumo tendo em vista uma sociedade mais igualitaacuteria Em consonacircncia com essa

tendecircncia Keynes estimulava a criaccedilatildeo de medidas macroeconocircmicas tais como o

investimento puacuteblico a imposiccedilatildeo de condiccedilotildees contratuais a regulaccedilatildeo do mercado a

redistribuiccedilatildeo de renda o combate agrave pobreza Para Pereira (2001 p 33) a ascensatildeo da

proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito do cidadatildeo e dever do Estado ldquorepresentou

inegavelmente um aperfeiccediloamento poliacutetico-institucional de monta no acircmbito da

regulaccedilatildeo estatalrdquo muito embora ressalta ldquotal ascensatildeo natildeo tenha se dado por cima ou

por fora dos conflitos de classerdquo Paradoxalmente com a institucionalizaccedilatildeo e a

desmercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho efetivada pelo Estado de Bem-estar parte do custo

dessa forccedila de trabalho passou a ser financiada com recursos puacuteblicos (OLIVEIRA 1998)

o que significa dizer que a forccedila de trabalho ao ser desmercadorizada tornou-se um custo

puacuteblico que passou a ser socializado por todos Nesse sentido o recurso puacuteblico passou a

funcionar como redutor das incertezas do mercado_risco que o capital privado natildeo corre

preferindo transferi-lo para o setor puacuteblico Assim para Oliveira (1998) sob a influecircncia

keynesiana o estado de incertezas ganhou previsibilidade mediante macro-regulaccedilotildees que

caracterizaram o chamado pacto macro corporativo o que evidencia a presenccedila da ideacuteia

pioneira de cooperaccedilatildeo entre classes e de pluralidade de atores nas formulaccedilotildees teoacutericas de

Keynes_ ideacuteia que mais tarde foi incorporada pela nova direita para justificar a proposta

de pluralismo de bem-estar sob orientaccedilatildeo neoliberal temaacutetica a ser abordada mais adiante

A proposta inicial de Keynes era de que o Estado deveria intervir na economia

apenas topicamente Visto como um elemento estrutural do sistema o Estado a seu ver

deveria movimentar-se estrategicamente na conjuntura apenas o suficiente para manter a

economia ativada Keynes sempre defendeu o nuacutecleo do investimento como motor da

economia capitalista Para ele a permanente intervenccedilatildeo estatal tornaria o Estado

prisioneiro da racionalidade privada No entanto a histoacuteria registra que a adesatildeo agrave sua

teoria extrapolou a proposta inicial O diferencial de seu pensamento econocircmico

caracterizou-se portanto por deslocar a centralidade da oferta para a demanda (tanto geral

como especiacutefica) ao contraacuterio do que propunham os neoclaacutessicos monetaristas30

Ainda conforme Oliveira (1998) a moeda para Keynes era considerada uma

relaccedilatildeo e natildeo apenas mercadoria Essa concepccedilatildeo de Keynes orientou uma poliacutetica

econocircmica e monetaacuteria considerada ativa que imprimiu centralidade ao papel do Estado e

30 Os monetaristas trabalham com a teoria quantitativa da moeda isto eacute deve existir no mercado uma quantidade de moeda proporcional agrave quantidade de mercadoria que estaacute em circulaccedilatildeo buscando uma correspondecircncia direta entre moeda e mercadoria

88

deu visibilidade agraves poliacuteticas sociais inaugurando uma mudanccedila substancial inovadora e

radical no paradigma liberal capitalista A literatura especializada reconhece que a teoria

keynesiana fez o tracircnsito do contrato mercantil31 que regulava as relaccedilotildees sociais e

econocircmicas para o contrato de seguridade social como direito Considera-se assim que

Keynes promoveu um desbloqueio na concepccedilatildeo monetarista liberal vigente ateacute entatildeo

Com isso construiacuteram-se possibilidades concretas de se efetivar poliacuteticas sociais puacuteblicas

Tais instrumentos eou conjunto de accedilotildees uma vez regulados pelo Estado passaram a ser

justificados como tentativas de adequar demandas sociais agraves necessidades da populaccedilatildeo32

Este eacute sem duacutevida o dado inovador e a maior contribuiccedilatildeo de Keynes como fundamento

econocircmico e social do Estado de Bem- estar

O sistema keynesiano ao transitar estrategicamente da oferta para a demanda

fez que as decisotildees sobre o que fazer com os recursos do orccedilamento nacional deixasse de

ser privadas para se tornarem puacuteblicas o que natildeo significa que todas as demandas sociais

fossem atendidas eou que todas incorporaram a dimensatildeo puacuteblica Naquele contexto a

articulaccedilatildeo entre Estado economia mercadosociedade remete a um outro niacutevel de relaccedilatildeo

entre sindicatos patronato classes sociais e partidos poliacuteticos e essa articulaccedilatildeo reforccedila a

proposiccedilatildeo do modelo de intervenccedilatildeo sociopoliacutetica adotado pelo Estado de Bem-estar no

periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra na Europa Este novo desenho de intervenccedilatildeo estatal

proposto para a provisatildeo de bem-estar tornou-se um fator de mudanccedila como parte

constitutiva tambeacutem da forma como o sistema passou a alimentar a experiecircncia do

chamado pacto keynesiano ou pacto macrocorporativo o que demonstra que ao buscar

reconstruir niacuteveis de previsibilidade do sistema Keynes o fez sob novas bases De acordo

com Oliveira (1998) foi menos de uma questatildeo ideoloacutegica do que de um requerimento de

um lado para sair da crise capitalista de 1930 e de outro para instituir uma nova forma de

regulaccedilatildeo social tendo em vista a retomada do crescimento econocircmico com garantias

sociais Para financiar a retomada do processo de acumulaccedilatildeo mediante subsiacutedios do

Estado e aumento dos investimentos cada capitalista passou a atuar com um ativo maior

isto eacute aleacutem de seu capital proacuteprio contava com recursos advindos dos fundos puacuteblicos

que por sua vez passaram a remunerar seu proacuteprio capital mediante subsiacutedios

governamentais aplicados agraves taxas de juros

31 Desde Napoleatildeo o contrato mercantil era o regulador baacutesico das relaccedilotildees sociais capitalistas Com os coacutedigos napoleocircnicos o contrato mercantil passou a ser o signo e a forma poliacutetica das relaccedilotildees sociais 32 Para um maior aprofundamento deste conceito ver estudo de Pereira (2000) Tomamos como referecircncia o

referido conceito por sua centralidade eacutetico-poliacutetica no trato das questotildees sobre a construccedilatildeo da democracia igualitaacuteria e da cidadania e pelo niacutevel de aprofundamento e rigor teoacuterico-metodoloacutegico utilizado pela autora

89

Naquele contexto as empresas e os sindicatos ao pactuarem em torno das

taxas de lucro e do salaacuterio e da reduccedilatildeo dos niacuteveis de incerteza do mercado passaram a

orientar tambeacutem os processos de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo do sistema Como resultado

os conflitos de classe passaram a ser ordenados por esse pacto O Estado keynesiano tratou

de controlar de um lado os abusos de poder das classes dominantes sobre o uso da forccedila

de trabalho e de outro de regular a pressatildeo social feita pela classe trabalhadora Em

decorrecircncia as medidas de controle do Estado de bem-estar sobre o conflito de classes natildeo

foram uma simples concessatildeo agraves classes que emergiram naquela conjuntura Tais medidas

aleacutem da regulaccedilatildeo foram tomadas sobretudo porque o Estado capitalista para legitimar-

se como instacircncia de poder regulatoacuterio precisava obter o apoio das classes sociais A esse

fenocircmeno daacute-se o nome de regulaccedilatildeo social e econocircmica processo contraditoacuterio que

contempla interesses de todos os atores em presenccedila conferindo credibilidade e

legitimidade ao pacto keynesiano Oliveira (1998) afirma que a literatura sempre ressalta a

seguridade social do Estado de Bem-estar indiscutivelmente sua conquista mais exitosa e

quase natildeo menciona a seguridade do capital Ocorre diz ele que como contrapartida o

Estado de Bem-estar capitalista em nenhum momento deixou de garantir e dar seguranccedila

ao capital mantendo subsiacutedios agraves taxas de juros geradoras de remuneraccedilatildeo do capital e do

lucro como valor dinheiro e como relaccedilatildeo estruturante econocircmica (e natildeo social) tais como

transaccedilotildees comerciais poliacutetica fiscal subsiacutedios estatais agrave reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho

Esses mecanismos demonstram a histoacuterica voracidade do capital que de um lado faz

concessotildees ateacute onde o processo natildeo ameace a perspectiva de lucro e de outro continua

criando mecanismos de reposiccedilatildeo do valor agregado a essa mercadoria denominada forccedila

de trabalho tendo em vista a constante extraccedilatildeo da mais valia e a acumulaccedilatildeo do capital

Essa estrateacutegia soacutecio-econocircmica e poliacutetica aplicada pelo capitalismo no contexto de

criaccedilatildeo e expansatildeo do Estado de Bem-estar evidencia sobretudo como o capital ateacute

mesmo em um contexto de crise de formulaccedilatildeo de um novo padratildeo de regulaccedilatildeo social

poliacutetica e econocircmica estabeleceu-se de forma combinada e contraditoacuteria atuando ora na

perspectiva de mercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho ora na perspectiva de

desmercadorizaccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais pela via de poliacuteticas puacuteblicas natildeo-

contributivas

90

23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social

Natildeo obstante a experiencia exitosa do modelo de Seguridade Social bem como

do padratildeo de regulaccedilatildeo social poliacutetica e econocircmica keynesiano-beveridgiano apoacutes a

Segunda Guerra Mundial iniciou-se em meados dos anos 1970 no interior do sistema

capitalista e em escala mundial um movimento de busca e definiccedilatildeo de estrateacutegias

alternativas agrave denominada crise do Estado de Bem-estar Segundo Johnson (1990 p 16)

em sua profiacutecua anaacutelise sobre o Estado de Bem-estar em transiccedilatildeo e na abordagem criacutetica

que faz agrave teoria e agrave praacutetica do pluralismo de bem-estar naquela deacutecada (anos 1970) jaacute se

divulgava a ideacuteia de que os Estados de Bem-estar estavam experimentando problemas de

proporccedilotildees criacuteticas fruto da sobrecarga dos governos e das dificuldades fiscais e

econocircmicas Este passou a ser o argumento mais recorrente contraacuterio ao Estado de Bem-

estar o que significa que nem mesmo o ecircxito do modelo beveridgiano e keynesiano-

fordista e a difusatildeo de um padratildeo de bem-estar universal e de provisatildeo social para todos

foram capazes de impedir o avanccedilo de uma ideologia antiestatal desqualificadora da

dimensatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar que a partir de entatildeo foi se instalando

A ideologia neoliberal apresentou naquela conjuntura uma nova proposta e um

novo desenho institucional de Estado e uma nova configuraccedilatildeo de poliacuteticas sociais agora

defendidas e reafirmadas em seu caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico Para tanto

tornou-se necessaacuterio instituir uma situaccedilatildeo de crise e natildeo de reestruturaccedilatildeo do Estado Social

ou de Bem-estar A oposiccedilatildeo mais contundente procedeu da chamada esquerda libertaacuteria e da

nova direita (neoconservadores e neoliberais) que passaram a difundir a ideacuteia de sobrecarga

burocraacutetica desse modelo de Estado e como consequumlecircncia de suas fracassadas respostas agraves

necessidades sociais da populaccedilatildeo Tambeacutem o prognoacutestico neoliberal sobre o papel do

Estado era bastante negativo alegava-se que agrave medida que os problemas fiscais e

econocircmicos se tornassem mais seacuterios o Estado de Bem-estar certamente perderia o apoio

puacuteblico e se produziria uma crise de legitimaccedilatildeo social e poliacutetica

Em sua anaacutelise Johnson (1990 p 16) reconhece que em face das evidecircncias

histoacutericas ldquoparecia haver terminado o cocircmodo consenso da deacutecada dos anos cinquumlenta e

sessenta na Europa apoacutes a Segunda Guerra Mundialrdquo Contudo entende prematuro falar

em crise no sentido de uma situaccedilatildeo fora de controle em que os problemas ldquonatildeo tecircm mais

soluccedilatildeo eou natildeo satildeo mais possiacuteveis de contenccedilatildeordquo ndash pois a seu ver ldquohaacute evidecircncias de um

apoio puacuteblico forte e continuado aos princiacutepios norteadores do Estado de Bem-estarrdquo (p

91

16) Para o autor portanto natildeo haacute duacutevidas de que a ideacuteia de crise foi promovida pelos

governos neoliberais e conservadores como meio de recriminar o volume de gasto social

puacuteblico do Estado e de rechaccedilar a proposta de pleno emprego e de bem-estar prevalecente

naquela eacutepoca bem como negar o caraacuteter redistributivista das poliacuteticas sociais Por isso

Johnson (1990) recusa a ideacuteia de crise forjada pela nova direita como tambeacutem natildeo aceita

as explicaccedilotildees desta para a referida crise

O certo eacute que a disposiccedilatildeo de discutir a viabilidade do Estado de Bem-estar a

partir dos anos 1970 deu lugar a um vivo debate natildeo sobre as provaacuteveis soluccedilotildees para os

problemas apresentados mas sobre as possiacuteveis direccedilotildees futuras e sobre o papel do Estado

de Bem-estar nas sociedades capitalistas contemporacircneas avanccediladas (JOHNSON 1990)

Desse debate participaram protagonistas destacados Johnson (1990) menciona a

atuaccedilatildeo dos advogados do pluralismo de bem-estar interessados em justificar a crise como

sendo do Estado de Bem-estar e natildeo do capitalismo de estilo keynesiano e em difundir

dentre outras estrateacutegias utilizadas no enfrentamento das situaccedilotildees decorrentes da referida

crise a ideacuteia de uma provisatildeo social de caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo mais puacuteblico

Partindo dessa constataccedilatildeo tornou-se imperioso neste estudo apreender com

base na anaacutelise de Johnson (1990) e de outros estudiosos da relaccedilatildeo entre Estado

sociedade e poliacutetica social como se deu o processo que desencadeou a referida crise e a

transiccedilatildeo do Estado de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra Mundial para a instituiccedilatildeo de um

pluralismo de bem-estar em que o Estado perdia o protagonismo Tornou-se importante

saber o que de novo estava ocorrendo e quais os princiacutepios norteadores desse paradigma

emergente de poliacutetica social Destaca-se a afirmaccedilatildeo de Johnson (1990) de que os Estados

de Bem-estar tecircm sido sempre pluralistas por terem acomodado uma grande variedade de

provedores de bem-estar o Estado as agecircncias voluntaacuterias os mercados privados e as

redes informais Sem duacutevida tal afirmaccedilatildeo reafirmou a complexidade do objeto desta tese

Desde entatildeo passou-se a trilhar um percurso teoacuterico-analiacutetico que trouxe agrave tona conceitos

debates e opiniotildees em sua maioria contraditoacuterios sobre a temaacutetica da assistecircncia social no

contexto do pluralismo de bem-estar Em particular este estudo busca desvendar os nexos

internos as contradiccedilotildees bem como as mediaccedilotildees histoacuterias e as determinaccedilotildees soacutecio-

culturais e ideopoliacuteticas que permeiam esse fenocircmeno contemporacircneo Indiscutivelmente

traa-se de uma proposiccedilatildeo analiacutetico-investigativa aparentemente simples em face da

racionalidade instrumental e teacutecnico-operativa presente nesse paradiacutegma emergente de

poliacutetica social poreacutem complexa e desafiadora quando se analisa a forma como tem sido

92

apropriado e influenciado a sociedade atual em sua relaccedilatildeo com o Estado no contexto do

chamado capitalismo avanccedilado Eacute tambeacutem de Johnson (1990 p 16) a afirmaccedilatildeo de que ldquoo

debate pluralista nunca se resolveraacute de modo definitivo nas sociedades capitalistasrdquo uma

vez que a seu ver haveraacute sempre um desacordo sobre a forma de equiliacutebrio mais adequada

entre a provisatildeo estatal (ou oficial) a voluntaacuteria a comercial e a informal aleacutem de que tal

equiliacutebrio muda ao longo do tempo e de paiacutes para paiacutes

Tomando como referecircncia essas afirmaccedilotildees de Johnson (1990) fica claro

que o que estaacute em questatildeo natildeo eacute tanto o papel regulador do Estado que deveraacute seguir

sendo a principal fonte de financiamento ainda que na opiniatildeo dos pluralistas de bem-

estar o predomiacutenio do Estado na provisatildeo de bem-estar natildeo deva existir O que de fato

estaacute em questacirco e os pluralistas defendem e reivindicam eacute a diminuiccedilatildeo de seu papel

como esfera oficial e de forma consideraacutevel na regulaccedilatildeo do mercado e na

concretizaccedilatildeo de direitos sociais

24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do

modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita

No contexto do debate relativo agrave desintegraccedilatildeo do chamado consenso de poacutes-

guerra Peter Abrahamson (1995) questiona se ocorreu a falecircncia do modelo ou uma

reorientaccedilatildeo agrave direita Na sua avaliaccedilatildeo Abrahamson (1995) confirma argumentos de

Johnson (1990) ao afirmar que no iniacutecio dos anos 1970 iniciou-se no interior do sistema

capitalista e em escala mundial um movimento de reorientaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica e natildeo

propriamente de crise do Estado de Bem-estar Tal movimento mostrava-se na verdade

contraacuterio ao modelo universalista de proteccedilatildeo puacuteblica implementado pelo Estado de Bem-

estar keynesiano-fordistabeveridgiano Assumiu posicionamentos e medidas concretas

adotados pelos organismos denominados supranacionais tais como a Organizaccedilatildeo para a

Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) e a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas

(ONU) com a justificativa de que era necessaacuterio instituir naquela conjuntura uma nova

forma de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica como reaccedilatildeo agrave suposta crise do Estado de Bem-estar

A proposta substituta da provisatildeo social sob forte influecircncia do ideaacuterio neoliberal

apresentava como eixo central um modelo pluralista de bem-estar a ser concretizado por

uma multiplicidade de setores e atores ndash welfare mix ndash tendo em vista minimizar a

93

intervenccedilatildeo do Estado reservando-lhe apenas a responsabilidade pelo financiamento e por

uma provisatildeo social miacutenima e residual Estava em curso portanto uma forma de regulaccedilatildeo

social baseada em outra loacutegica ndash a de mercado ndash e sob outros princiacutepios distanciados dos

direitos sociais

Os argumentos sobre a suposta crise do Estado de Bem-estar na perspectiva da

criacutetica teoacuterica e ideoloacutegica neoliberal natildeo foram poucos Entende-se que para a

compreenccedilatildeo da dinacircmica que envolve esta alegada crise eacute preciso levar em conta a criacutetica

neoliberal ao Estado de Bem-estar em seus pontos essenciais Tais argumentos estavam

centrados basicamente no desafio de encontrar uma foacutermula para desconstruir a

centralidade do emprego que havia sido colocada como elemento estruturante do Estado

de Bem-estar porque para os neoliberais a universalizaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar

colocou em alta a importacircncia do lucro visto como criteacuterio ordenador do crescimento

econocircmico Seria portanto necessaacuteria uma geraccedilatildeo de lucro cada vez maior para sustentar

a socializaccedilatildeo da riqueza da forma como estava proposta O lucro mediado pelo mercado

deveria ser privilegiado em detrimento da valorizaccedilatildeo do trabalho e do emprego O mesmo

ocorreu com os binocircmios Estado e famiacutelia e mercado e trabalho que passaram a ser vistos

pelos neoliberais como termos opostos Para os neoliberais a ausecircncia de competitividade

no mercado retiraria do indiviacuteduo a autonomia e a liberdade para decidir sobre seu proacuteprio

futuro jaacute que para essa retoacuterica a autonomia proveacutem do mercado como uacutenica instacircncia

realmente democraacutetica

Com a ofensiva neoliberal o que passou a constituir a nova sociabilidade natildeo

era mais a agregaccedilatildeo do tempo de trabalho mas a agregaccedilatildeo da informaccedilatildeo conforme tese

defendida por Habermas (1987) Essa sempre foi e continua sendo a maior criacutetica dos

neoliberais e dos poacutes-modernos agrave centralidade da categoria trabalho e do Estado como

garante de cidadania O mais curioso dessa criacutetica eacute que a sua matriz natildeo eacute de todo

neoliberal Ela pertence tambeacutem agrave chamada esquerda libertaacuteria que parte dos proacuteprios

fundamentos do sistema capitalista tendo como alvo o produtivismo e o industrialismo

Para Habermas (1987) o que se mede na sociedade poacutes-moderna satildeo unidades de

informaccedilatildeo e natildeo mais unidades de forccedila de trabalho como preconizava Marx A

mercadoria forccedila de trabalho passou a natildeo ser mais mensuraacutevel Como defensor e adepto

das teorias poacutes-modernas Habermas (1987) reconhece que o trabalho de fato ganhou

simbolismo e centralidade no contexto do bem-estar mas perdeu sua forccedila simboacutelica nas

sociedades industriais avanccediladas Com base em tais argumentos cumpre indagar a

94

exemplo de Abrahamson (1995) sobre o que de fato ocorreu uma crise do Estado de bem-

estar conforme insistem os neoliberais ou uma falecircncia do modelo keynesiano-fordista

com clara reorientaccedilatildeo agrave direita Torna-se necessaacuterio reafirmar que de acordo com a

proposta deste estudo ocorreu o segundo fato

CAPIacuteTULO III

PLURALISMO DE BEM-ESTAR

ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E TENDEcircNCIAS

31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal

Para Johnson (1990) o termo pluralismo apresenta uma indeterminaccedilatildeo em

relaccedilatildeo agrave centralidade de uma instacircncia provedora de bem-estar como tambeacutem de imprecisatildeo

operacional no que se refere agraves competecircncias dos atores responsaacuteveis por essa provisatildeo

Contudo ressalta que indeterminaccedilatildeo e imprecisatildeo estatildeo longe de significar uma formulaccedilatildeo

neutra ou inocente A seu ver os pluralistas empreenderam de forma deliberada a

desqualificaccedilatildeo do Estado de Bem-estar por meio de duras criacuteticas tanto em relaccedilatildeo agrave

qualidade e alcance dos serviccedilos prestados quanto ao perfil centralizador desse Estado

Registros histoacutericos informam que em 1982 o Centro Europeu para Pesquisa e

Treinamento do Bem-estar Social de Viena realizou um Seminaacuterio Internacional com o

tiacutetulo Volviendo a la Gente (ABRAHAMSON 1995) o qual tratou especificamente das

estrateacutegias de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo como elementos-chaves da proposta

pluralista de bem-estar Tambeacutem foi dada nesse seminaacuterio ecircnfase agrave necessidade de

promoccedilatildeo da reduccedilatildeo de gasto puacuteblico bem como a substituiccedilatildeo radical da atuaccedilatildeo do

Estado como provedor social por uma atuaccedilatildeo plural ou mista a ser assumida por setores

natildeo-oficiais (JOHNSON 1990) Opiniotildees semelhantes foram expostas em outra reuniatildeo

programada tambeacutem pelo Centro Europeu em 1984 cujos informes confirmavam o

crescimento da adesatildeo entre os paiacuteses (havia treze ali representados) agraves iniciativas sociais

plurais voluntaacuterias e informais como forma de oferecer respostas agraves falhas na atuaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar

Em vista disso Johnson (1990) chama a atenccedilatildeo para a necessidade de

questionamento dessa estrateacutegia de esvaziamento progressivo dos espaccedilos puacuteblicos

mediante a institucionalizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar e da desinstitucionalizaccedilatildeo das

poliacuteticas sociais como concretizadoras de direitos identificando as verdadeiras razotildees

desse processo

96

Um aspecto curioso nessa operaccedilatildeo desmonte eacute saber como a discussatildeo sobre o

pluralismo de bem-estar surgiu no marco da defesa dos setores voluntaacuterio informal e

comercial como estrateacutegia poliacutetica que atribui grande centralidade ao papel do mercado Para

Johnson (1990) nessa operaccedilatildeo foram enfatizadas as falhas do Estado de Bem-estar e

ignorados seus ecircxitos Natildeo foram apresentadas provas concretas e nem pesquisas

fundamentadas empiricamente que comprovassem que o Estado de Bem-estar tinha sido um

equiacutevoco eou argumentos convincentes que provassem que a proposta de pluralismo

neoliberal poderia produzir melhores resultados A seu ver era clara a intenccedilatildeo neoliberal de

ruptura com o modelo de bem-estar puacuteblico e universalizador em benefiacutecio de um modelo

plural ou misto de cunho privatista e residual Ademais um outro aspecto a considerar eacute a

ousadia da proposta pluralista de natildeo tentar estabelecer limites ao setor privado (lucrativo e

natildeo-lucrativo) com o argumento de que seria encontrado um equiliacutebrio natural nas relaccedilotildees

entre os mercados sociais e econocircmicos Em outras palavras em uma economia mista de bem-

estar seria o mesmo que buscar encontrar um equiliacutebrio entre ldquoa competitividade do mercado

de empresas privadas e a humanidade do bem-estar socialrdquo (JOHNSON 1990 p 89)

Abrahamson (1995) ao tambeacutem analisar o surgimento do pluralismo de bem-

esta e o momento de sua apropriaccedilatildeo pelos neoliberais antes mesmo das mudanccedilas

ocorridas na Europa do Leste (como a decomposiccedilatildeo da Uniatildeo Sovieacutetica e do estalinismo)

e da construccedilatildeo da chamada integraccedilatildeo econocircmica europeacuteia (atualmente Uniatildeo Europeacuteia)

indica algumas medidas que se configuraram como ingerecircncias das chamadas instituiccedilotildees

poliacuteticas supranacionais (ONU OCDE) sinalizadoras de um novo desafio a adoccedilatildeo de

medidas poliacuteticas e econocircmicas plurais ou mistas relativas ao financiamento agrave regulaccedilatildeo e

agrave realizaccedilatildeo do bem-estar no mundo moderno e em especial na Europa As propostas

segundo ele requisitavam de forma clara uma necessaacuteria revisatildeo do papel do Estado de

Bem-estarem nome da retomada do crescimento econocircmico A seu ver dois fatos

passaram a exigir maior atenccedilatildeo dos analistas O primeiro foi a crise do petroacuteleo em

meados dos anos 1970 que conseguiu interromper a implementaccedilatildeo da primeira fase do

processo de construccedilatildeo e de desenvolvimento do Estado de Bem-estar em alguns paiacuteses da

Europa e o segundo foram as iniciativas e interpretaccedilotildees das instituiccedilotildees supranacionais

(ONU e OCDE e outras) sobre o papel das poliacuteticas sociais a partir dos anos 1970 Ateacute

entatildeo o Estado de Bem-estar era visto como parte integrante do moderno desenvolvimento

capitalista desde a crise de 1930 e natildeo como uma carga econocircmica para o sistema como

passou a ser identificado

97

Baseado em fontes documentais e histoacutericas Abrahamson (1995) afirma que

em 1987 os ministros de assuntos sociais ao serem convocados pela ONU elaboraram

uma agenda com a seguinte denominaccedilatildeo A poliacutetica social em transiccedilatildeo adaptaccedilatildeo agraves

necessidades dos anos 1990 Essa adaptaccedilatildeo como seria previsiacutevel teria caraacuteter plural ou

misto o que destoava da concepccedilatildeo da ONU ateacute entatildeo cujas formulaccedilotildees sobre poliacutetica

social eram bastante geneacutericas No entanto esse procedimento tinha precedentes Em 1981

a OCDE declarou surpreendentemente que o Estado de Bem-estar estava em crise

destacando dois fatores que caracterizavam esse fato O primeiro era uma crise financeira

e o segundo uma crise de legitimidade poliacutetica Esse foi o primeiro argumento neoliberal

utilizado para justificar a jaacute anunciada necessidade de promoccedilatildeo de rdquouma melhor

adequaccedilatildeo na agenda poliacutetica em relaccedilatildeo ao sistema de provisatildeo social na Europa face agraves

necessidades dos anos 1990rdquo (ABRAHANSON 1995 p 115) Em uma segunda reuniatildeo

realizada em Bratislava no veratildeo de 1993 os ministros de assuntos sociais discutiram com

maiores detalhes o desenvolvimento da poliacutetica social33 Segundo Abrahamson (1995 p

114) esta conferecircncia ressaltou a necessidade de obtenccedilatildeo de acordo sobre a aplicaccedilatildeo e a

definiccedilatildeo de alguns padrotildees sociais baacutesicos sem contudo especificar a essecircncia de tais

padrotildees e nem discutir o conteuacutedo do que se resumiu a uma ldquoaplicaccedilatildeo dos princiacutepios-guia

das Naccedilotildees Unidas para o fortalecimento da sociedade civilrdquo

Ainda em 1993 em Copenhague a ONU surpreendeu novamente ao incluir

como ponto de pauta de uma reuniatildeo com representantes mundiais o aprofundamento do

debate sobre o desenvolvimento da poliacutetica social Todas essas estrateacutegias expressam

como faz ver Abrahamson (1995) um duplo sentido de um lado um novo olhar sobre as

poliacuteticas sociais ao atribuir-lhes importante status social e de outro uma clara intenccedilatildeo

desses organismos de romper com as orientaccedilotildees keynesianas e difundir uma nova

orientaccedilatildeo econocircmica o que redundou no monetarismo

Para Abrahamson (1995 p 114) foi no documento da ONU de 199334 que se

empregou o conceito de agregado de bem-estar ou welfare mix para significar ldquoa cooperaccedilatildeo

entre vaacuterios setores sociais na provisatildeo de bem-estar ao cidadatildeo a saber o governo o setor

privado as organizaccedilotildees voluntaacuterias o setor informal a comunidade e a famiacuteliardquo Nesse

documento fica claro um enfoque pluralista diferenciado do anterior (do poacutes-guerra) o qual

sugeria que os governos deveriam sobretudo levar em conta uma correspondecircncia natildeo-

33 Documento da ONU (1993 p 3-4 apud ABRAHANSON 1995) 34 Ver ONU (1993 p 5-6 apud ABRAHANSON 1995 p 114 - 115)

98

convencional entre tais atores sociais como descentralizar a tomada de decisotildees repartindo

responsabilidades intensificar a qualificaccedilatildeo dos envolvidos no trabalho social (tanto

profissional como voluntaacuterio) trabalhar pela flexibilizaccedilatildeo da administraccedilatildeo e da atuaccedilatildeo do

Estado de Bem-estar (isto eacute restriccedilatildeo aos direitos sociais e afrouxamento dos direitos civis) e

por fim assegurar que os trabalhos voluntaacuterio informal e domeacutestico fossem reconhecidos e

valorizados35 Em vista disso tanto o discurso que vinha sendo formulado jaacute haacute algum tempo

(final dos anos 1970) sobre a importacircncia de obter o consenso necessaacuterio ao desenvolvimento

das poliacuteticas de bem-estar em bases pluralistas se concretizou no dizer de Abrahamson sob a

forma de um agregado de bem-estar ou welfare mix Assim instituiu-se em 1989 a concepccedilatildeo

de pluralismo de bem-estar sob a eacutegide neoliberal (ONU 1989)

Tudo isso confirma que a proposta original de pluralismo de bem-estar natildeo

surgiu do nada e muito menos com a nova direita Ela tem raiacutezes histoacutericas muito embora

natildeo tenha se concretizado historicamente Os autores citados afirmam que os diferentes

Estados de Bem-estar na Europa sempre incorporaram a dimensatildeo plural ndash jaacute que

requeriam vaacuterias fontes provedoras _ mas que no iniacutecio dos anos 1980 tal dimensatildeo foi

apropriada pelos neoliberais que lhe imprimiram sua loacutegica privatista antiestatal e

mercadoloacutegica Natildeo por acaso a discussatildeo sobre pluralismo de bem-estar ganhou destaque

no debate contemporacircneo da poliacutetica social

Ao comparar as diferentes tipologias e ocupar-se sobretudo com o estudo de

modelos de bem-estar no interior da sociedade capitalista especialmente do chamado

modelo latino de proteccedilatildeo social caracteriacutestico da Regiatildeo Sul da Europa denominada

Europa do Sul36 o presente estudo constatou que foi no contexto de mudanccedila dos modelos

de bem-estar capitalistas que a nova direita afirmou a existecircncia de uma crise do Estado

de Bem-estar Foi portanto no interior da sociedade capitalista que emergiu e ganhou

proeminecircncia nos ciacuterculos intelectuais nacionais e internacionais o fenocircmeno do

pluralismo de bem-estar sob influecircncia da concepccedilatildeo neoliberal ndash na verdade como

afirma Pereira (2001 p 36) ldquoum liberalismo econocircmico revisitado e adaptado aos tempos

atuais do capitalismo globalizado e da produccedilatildeo flexiacutevelrdquo

Para melhor visualisar a composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar vale reproduzir

os diagramas construiacutedos por Abrahamson (1995) como representaccedilatildeo de um modelo

35 Abrahamson (1995) discorre sobre o trabalho voluntaacuterio e o domeacutestico segundo a oacutetica dos pluralistas de bem-estar neoliberais 36Esta seraacute a denominaccedilatildeo utilizada nesta tese ou seja Europa do Sul ou Regiatildeo Sul da Europa para distinguir essa regiatildeo de outras denominaccedilotildees tais como Europa Mediterracircnea ou Europa Latina

99

triangular tomado como referecircncia e por analogia Conforme Abrahamson (1995) o modelo

triangular foi desenvolvido na metade dos anos 1980 simultaneamente pelo Departamento de

Sociologia da Universidade de Copenhague e pelo Centro Europeu para Pesquisa e Treinamento

do Bem-estar Social de Viena A demonstraccedilatildeo geograacutefica da configuraccedilatildeo do triacircngulo do

bem-estar tomado como referecircncia por Abrahanson (1995) foi desenvolvida no Seminaacuterio

A posiccedilatildeo e participaccedilatildeo dos clientes a questatildeo chave na poliacutetica social avanccedilada em

Helsinque Finlacircndia e correspnde agraves figuras 1 2 e 3

Nessa demonstraccedilatildeo haacute a prevalecircncia de uma matriz triangular que conteacutem no

seu interior trecircs esferas mercado Estado e setores natildeo-mercantis da sociedade das quais

recursos especiacuteficos podem ser obtidos e canalizados de forma conjugada para a proteccedilatildeo

social dependendo da correlaccedilatildeo de forccedilas estabelecida A proposta apresentada pelos

pluralistas de bem-estar ao justificar a composiccedilatildeo do chamado agregado de bem-estar

(muacuteltiplos atores e setores) para atuaccedilatildeo no campo da proteccedilatildeo social se assemelha a essa

configuraccedilatildeo de Abrahanson (1995) conforme demonstram as figuras 1 2 e 3 a seguir

As figuras 1e 2_Triacircngulo de bem-estar plural 1e 2_ indicam com quais

recursos cada esfera deveraacute atuar no campo da provisatildeo social (o mercado com o dinheiro o

Estado com o poder e os setores informais e natildeo-mercantis com a solidariedade)

Um modelo triangular para provisatildeo plural de bem-estar

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 1 Triacircngulo do bem-estar plural 1

100

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 2 Triacircngulo do bem-estar plural 2

A figura 3 _Triacircngulo de bem-estar plural 3_ a seguir ressalta a articulaccedilatildeo

que deveraacute existir entre as trecircs esferas com destaque para a relaccedilatildeo vertical estabelecida

entre os setores formal e informal puacuteblico e privado com prevalecircncia da loacutegica de

economia de mercado com mediaccedilatildeo das organizaccedilotildees voluntaacuterias dos grupos de auto-

ajuda e das cooperativas e pequenas iniciativas Essa proposta de provisatildeo social de

caraacuteter plural ou misto eacute apresentada como estrateacutegia de substituiccedilatildeo do papel do Estado

Fonte Peter Abrahanson 1995

Figura 3 Triacircngulo do bem-estar plural 3

101

Nessa composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar o bem-estar do indiviacuteduo

depende da extensatildeo da relaccedilatildeo que ele manteacutem com as trecircs esferas referidas que por sua

vez operam da seguinte forma o mercado assegura o dinheiro o Estado o poder e a

sociedade e setores sociais natildeo-mercantis a solidariedade A diversidade de meios indica

que diferentes loacutegicas estatildeo em jogo e que os recursos seratildeo canalizados e

disponibilizados dependendo da inter-relaccedilatildeo estabelecida entre as esferas

Habermas (apud ABRAHAMSON 1995) para quem o dinheiro e o poder

pertencem ao chamado mundo do sistema e a solidariedade pertence ao mundo da vida

o mundo do sistema coloniza o mundo da vida impedindo-o agrave sua emancipaccedilatildeo Por

isso para que haja a emancipaccedilatildeo a sociedade precisa ser descolonizada e exercer o

controle sobre o Estado Essa reflexatildeo estaacute relacionada agrave anaacutelise da praacutetica das poliacuteticas

sociais na Europa ao final da Segunda Guerra Mundial apontando uma divisatildeo do bem-

estar em que Estado mercado e setores natildeo-mercantis da sociedade tecircm

responsabilidades equiparadas na provisatildeo de bem-estar o que reforccedila a proposta de

pluralismo de bem-estar que para Abrahamson (1995) ganhou corpo no iniacutecio dos anos

1990 De fato diz ele na Europa dos anos 1990 todas as trecircs esferas (Estado mercado e

setores natildeo-mercantis da sociedade) foram ativas na organizaccedilatildeo do bem-estar variando

os niacuteveis de participaccedilatildeo de uma ou de outra para mais ou para menos conforme a

organizaccedilatildeo social poliacutetica e ideoloacutegica de cada paiacutes A sua preocupaccedilatildeo maior poreacutem

eacute com o futuro da poliacutetica social que a seu ver se mostra incerto apresentando

tendecircncias guiadas ora pelo medo ora pela esperanccedila

Abrahamson (1995) entende que a experiecircncia do pluralismo de bem-estar

natildeo eacute independente e nem estaacute desvinculada do contexto poliacutetico no qual foi formulada

Em sua anaacutelise constata a importacircncia crescente do setor voluntaacuterio o qual eacute

enfatizado por autoridades puacuteblicas que preocupadas com a magnitude das questotildees

que tecircm de enfrentar transferem-lhe parte de suas responsabilidades Esse setor por

seu turno adere a essa demanda puacuteblica definindo suas aacutereas de atuaccedilatildeo e seu niacutevel de

envolvimento no contexto do pluralismo de bem-estar Nesse envolvimento o

anonimato eacute garantido e os clientes satildeo classificados por sua condiccedilatildeo soacutecio-

econocircmica com variaccedilotildees nos niacuteveis e formas de atendimento Esse procedimento

amplia-se agrave medida que autoridades assumem publicamente que sozinhas natildeo tecircm

condiccedilotildees de enfrentar certas necessidades e que elas podem ser atendidas pelo setor

voluntaacuterio Trata-se do que o autor denomina de zona cinzenta que vai se

102

estabelecendo entre a vida civil e o sistema de bem-estar puacuteblico e que contribui para o

aparecimento de uma forte tendecircncia agrave dualizaccedilatildeo isto eacute de um sistema de bem-estar

bifurcado em que o mercado mais generoso cuida dos trabalhadores melhor

posicionados na escala social e o Estado fica com os grupos menos privilegiados

economicamente Esse sistema dual conduz agrave existecircncia simultacircnea de dois tipos de

sistemas de bem-estar um privado regido pelo mercado e outro puacuteblico que atende

precariamente aos marginalizados

Abrahamson (1995) conclui sua anaacutelise expressando certo temor de que o futuro

da poliacutetica social na Europa sustente a tendecircncia jaacute iniciada de favorecer crescente

marginalizaccedilatildeo social com diferenciaccedilotildees segregaccedilotildees e polarizaccedilotildees em vez de combatecirc-las

porque o Mercado Comum Europeu tende a reforccedilar uma situaccedilatildeo de crescente competiccedilatildeo

entre as regiotildees o que aliaacutes eacute o seu propoacutesito Como consequumlecircncia estatildeo sendo previstas

migraccedilotildees internas necessidade de definiccedilatildeo de uma renda miacutenima crises entre capital e

trabalho e provisatildeo social precaacuteria que poderatildeo levar a uma temida desordem social Para ele

a direccedilatildeo que tecircm tomado as discussotildees coordenadas pela Comissatildeo da Comunidade

Europeacuteia indica a prevalecircncia ora da poliacutetica social tradicional ora da poliacutetica social dual Seu

estudo revela ainda um aumento expressivo do fenocircmeno da pobreza na Comunidade

Europeacuteia Como tendecircncia ressalta que estatildeo sendo transferidas gradativamente

responsabilidades sociais puacuteblicas para o setor voluntaacuterio e para iniciativas locais da sociedade

civil baseadas na auto-ajuda Assim os pobres e os grupos de risco tendem a ficar

dependentes de redes de solidariedade da sociedade civil ou de governos locais A

solidariedade continua sendo um princiacutepio central do bem-estar misto poreacutem mais estreita

excluindo segmentos pauperizados para os quais o prognoacutestico natildeo eacute favoraacutevel Haacute receio do

fortalecimento de uma sociedade dual e do aumento da pobreza

Para Abrahamson (1995) a Europa dos anos 2000 o futuro baseado no

pluralismo do bem-estar prenuncia perspectivas preocupantes e sombrias A criaccedilatildeo de

meios de integraccedilatildeo de pessoas marginalizadas na vida social normalizada e no trabalho

eou em estrateacutegias de inclusatildeo vem sendo enfatizada mediante a adoccedilatildeo de poliacuteticas

alternativas de desenvolvimento econocircmico e social integrado enfocando a produccedilatildeo

Diante desse panorama natildeo eacute por acaso que Abrahamson (1995) refira-se agrave

dialeacutetica da esperanccedila e do medo como recurso analiacutetico para encerrar sua reflexatildeo ao

mesmo tempo em que sugere poliacuteticas sociais eficazes que dissipem o medo e tornem a

esperanccedila verdadeira

103

Na mesma linha de anaacutelise de Abrahamson mas demonstrando esperanccedila

Goacutemez Herrera (2001) autor espanhol identificado com as estrateacutegias do welfare mix

apresenta vaacuterias modalidades de regulaccedilatildeo social denominadas por ele de traccedilos de uma

regulaccedilatildeo poliacutetica plural que se contrapotildeem ao modelo keynesiano-

fordistabeveridgiano Sobre tal processo de regulaccedilatildeo Goacutemez Herrera (2001 p 77)

enfatiza que ldquoo fluxo combinatoacuterio e relacional do welfare mix deve presidir esse novo

padratildeo de bem-estar em sua forma mais completa e complexardquo Para tanto Goacutemez

(2001) apresenta um quadro classificatoacuterio sobre os quatro setores que ele denomina de

acircmbitos eou esferas de bem-estar inerentes ao welfare mix e que a seu ver devem

estar em constante relaccedilatildeo Satildeo elas a esfera do mercado (organizaccedilotildees sindicais

empresariais e de categoria) a esfera da poliacutetica (atores que atuam em referecircncia ao

Estado) esfera da economia social ou mercado social (atores que atuam nos chamados

setores privado social ou terceiro setor) e por uacuteltimo a esfera das comunidades

primaacuterias (as famiacutelias e as redes espontacircneas e informais da vida cotidiana) Nesse

quadro Goacutemez (2001) justifica o uso como referecircncia do esquema socioloacutegico

apresentado por T Parsons que foi posteriormente reelaborado por Donati (apud

Goacutemez 2001) A seu ver a importacircncia de tal esquema consiste em corroborar com a

tese pluralista de bem-estar na perspectiva neoliberal

32 Neoliberalismo pluralismo de Bem-estar e emergecircncia da chamada sociedade de

bem-estar

Como se depreende das contribuiccedilotildees de Johnson (1990) associadas agraves de

Abrahamson (1995) o pluralismo de bem-estar natildeo estava identificado de forma direta

com o neoliberalismo Portanto ao contraacuterio do que muitos pensam eles natildeo satildeo

sinocircnimos embora tenham sido identificados posteriormente no apogeu do ideaacuterio

neoliberal Johnson (1990) vai aleacutem desse aspecto em sua anaacutelise sobre os fatores que

desencadearam a suposta crise do Estado de Bem-estar e sua relaccedilatildeo com a emergecircncia da

proposta de pluralismo de bem-estar neoliberal Argumenta que ldquoo Estado de Bem-estar

foi em grande medida viacutetima de seu proacuteprio ecircxitordquo (JOHNSON 1990 p 85-87) Para ele

foi ldquoo ecircxito dos serviccedilos sociais estatais e natildeo o seu fracasso que elevou as expectativas

dos beneficiaacuterios e contribuiu para criar a distacircncia entre oferta e demanda confirmando as

104

previsotildees de Keynesrdquo Outra questatildeo polecircmica e complexa eacute a proposta pluralista de bem-

estar ser apresentada como alternativa plural ou mista a uma concepccedilatildeo de Estado

estruturada em princiacutepios puacuteblicos e universais

Ao buscar qualificar os termos neoliberalismo e pluralismo bem como

identificar a emergecircncia de ambos na histoacuteria do capitalismo algumas distinccedilotildees fazem-se

necessaacuterias Tais termos natildeo satildeo sinocircnimos pois embora o neoliberalismo expresse uma

fase de mudanccedilas estruturais na economia capitalista de retomada de centralidade do

mercado e de expansatildeo sob influecircncia do modelo toyotista37 (voltado para a

comercializaccedilatildeo competitiva entre grandes corporaccedilotildees internacionais) a ideacuteia de bem-

estar pluralista inicialmente questionava o protagonismo do Estado sem esvaziar a sua

importacircncia na provisatildeo social

A vinculaccedilatildeo entre pluralismo de bem-estar e neoliberalismo ocorre quando o

neoliberalismo apropria-se da ideacuteia de um bem-estar misto concebida no contexto do

final da Segunda Guerra Mundial A diferenciaccedilatildeo entre esse momento e o anterior reside

na ideacuteia inicial de pluralidade de bem-estar admitir a importacircncia do Estado na provisatildeo

social puacuteblica ao passo que a concepccedilatildeo de bem-estar neoliberal natildeo soacute rechaccedila a

intervenccedilatildeo estatal como a minimiza O certo eacute que o pensamento neoliberal de uma

provisatildeo social mista concebida como um conjunto de atores e setores responsaacuteveis pelo

bem-estar ganhou notaacutevel expressatildeo internacional a partir dos anos 1980 Desde entatildeo a

concepccedilatildeo de uma provisatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica no campo do

bem-estar (a nosso ver) foi incluiacuteda nos debates sobre Estado de Bem-estar e da poliacutetica

social especialmente no acircmbito da assistecircncia social Passou-se a reivindicar que tal

concepccedilatildeo passasse a ser identificada com uma pluralidade de fontes setores atores e de

modos de provisatildeo social natildeo-oficiais que deveriam substituir a provisatildeo puacuteblica oficial

feita pelo Estado

Segundo Johnson (1990) para os pluralistas o termo pluralismo de bem-estar

tem uma estreita vinculaccedilatildeo com a economia mista de bem-estar No entanto a seu ver em

sua versatildeo neoliberal o termo apresenta um problema de falta de precisatildeo conceitual que

tem gerado equiacutevocos de interpretaccedilatildeo classificaccedilatildeo bem como controveacutersias e

divergecircncias teoacuterico-conceituais

37 Toyotismo ndash modelo econocircmico capitalista que privilegia um acelerado desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegico e informacional multiplicador da produtividade e rotatividade do produtomercadoria Provocou profundas mudanccedilas no mundo do trabalho Nele as conquistas teacutecnicas e cientiacuteficas interligam a ciecircncia agrave produccedilatildeo e ao consumo reduzindo a temporalidade e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de mercadorias

105

Finalmente em relaccedilatildeo agraves controveacutersias e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais que

cercam o termo eacute preciso ressaltar que o pluralismo de bem-estar trabalhado nesta tese

difere do pluralismo tratado na Ciecircncia Poliacutetica embora mantenha afinidades com ele Os

cientistas poliacuteticos formulam seus argumentos pluralistas baseados nas ideacuteias de Dahl

(1970 e 1982) seu principal expoente teoacuterico Dahl (1970) centra sua anaacutelise nos

fundamentos do modelo pluralista denominado por ele de pluralismo poliacutetico Sua visatildeo eacute

antielitista e contestadora da centralidade atribuiacuteda ao Estado como poder central

Diferencialmente trata-se de uma visatildeo pluralista centrada no poder poliacutetico de grupos e

natildeo de classes e portanto de um modelo plural contraacuterio agrave visatildeo pioneira de pluralismo

de bem-estar que preconizava a importacircncia da intervenccedilatildeo estatal Os pluralistas

dahlsianos apontam como fator de impedimento ao estabelecimento de relaccedilatildeo paciacutefica

entre os poderes econocircmico e poliacutetico a intervenccedilatildeo deliberada do Estado na economia e na

vida social Trata-se de um aspecto discordante em relaccedilatildeo ao objeto do presente estudo

natildeo apenas por referir-se agrave relaccedilatildeo plural entre diferentes atores e agrave intervenccedilatildeo do Estado

mas sobretudo pela suposta centralidade dada por esse modelo agrave atuaccedilatildeo e agrave capacidade

de regulaccedilatildeo social desses atores Portanto a atuaccedilatildeo do Estado eacute vista por Dahl (1970) de

forma restrita e inexpressiva o que aproxima mais sua proposta do ponto de vista poliacutetico

e conceitual da concepccedilatildeo de pluralismo de bem-estar neoliberal

Percebe-se assim que o termo plural natildeo eacute inoacutecuo Para Oliveira (1998)

natildeo foi por acaso que a ofensiva neoliberal foi mais agressiva em relaccedilatildeo agrave regulaccedilatildeo

estatal a partir dos anos 1970 A estrateacutegica poliacutetica dos pluralistas neoliberais

consistiu em atingir o produto mais central do Estado de Bem-estar qual seja

promover a desmontagem do sistema de seguridade social que assegurava garantias no

acircmbito do trabalho O grande equiacutevoco da teorizaccedilatildeo do chamado pluralismo de bem-

estar liderada pelos neoliberais foi o de desconsiderar o conflito social existente a

histoacuterica relaccedilatildeo entre Estado economia e poliacutetica social e ainda o de entender o

Estado como instacircncia que deveria atuar fora da economia

Um outro importante argumento a ser considerado na anaacutelise do processo de

transferecircncia de responsabilidades sociais para a chamada sociedade de bem-estar eacute que a

ideacuteia de pluralismo de bem-estar neoliberal apesar de conter a noccedilatildeo de vaacuterios ou

muacuteltiplos agentes atuantes (informais voluntaacuterios e comerciaismercantis) expressa

tambeacutem um bem-estar voltado para o fortalecimento de preferecircncias individuais eou

grupais Ao restringir as accedilotildees da assistecircncia e as focalizar na pobreza extrema e transferi-

106

las para um agregado de bem-estar privilegia-se uma atenccedilatildeo miacutenima residual e restrita a

alguns segmentos Portanto natildeo se trata de uma accedilatildeo puacuteblica para todos A presente

anaacutelise procurou fundamentar-se em teorias que expressam um referencial teoacuterico

norteador de uma compreensatildeo de bem-estar puacuteblico colocado a serviccedilo do interesse

comum e vinculado agrave satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas e natildeo miacutenimas Percebe-

se sobretudo a constataccedilatildeo da prevalecircncia de posiccedilotildees estreitas e unilaterais concordantes

com a estrateacutegia de esvaziamento do poder regulador do Estado mediante o fortalecimento

de uma economia pluralista de bem-estar colocada como alternativa viaacutevel no campo da

provisatildeo social quando se tem claro que o conceito de bem-estar social puacuteblico somente se

efetiva mediante a primazia do Estado na conduccedilatildeo dos processos sociais sob o controle

democraacutetico da sociedade civil

Pereira (2000 p 27) para quem a proteccedilatildeo social natildeo eacute sinocircnimo de tutela

nem de atenccedilatildeo agrave pobreza absoluta enfatiza que a provisatildeo social puacuteblica deve ser

otimizada e vista

como uma poliacutetica em movimento que natildeo se contenta em procurar suprir de forma isolada e estaacutetica nem iacutenfima ou mesmo basicamente privaccedilotildees e carecircncias criacuteticas que por serem ldquomaacuteximasrdquo ou extremas exigem respostas mais complexas e substanciais

Portanto a noccedilatildeo puacuteblica de bem-estar com a qual esta reflexatildeo se

identifica se opotildee a qualquer perspectiva plural ou mista seja familiar eou de

grupos desconectada da dimensatildeo puacuteblica Fora desse entendimento o que se

constata na sociedade contemporacircnea que estaacute em curso uma flagrante despolitizaccedilatildeo

seguida da naturalizaccedilatildeo das necessidades baacutesicas que satildeo relativizadas eou

reduzidas a patamares iacutenfimos de exigecircncias minando as possibilidades de

construccedilatildeo de um novo momento eacutetico-poliacutetico Como estrateacutegia neoliberal de

desmonte das organizaccedilotildees poliacuteticas haacute uma expliacutecita intenccedilatildeo de substituir a

dimensatildeo poliacutetica da vida humana por apelos de auto-ajuda ajuda muacutetua e de

solidariedade esvaziando o pensamento criacutetico sobre as contradiccedilotildees internas desses

processos e restringindo o campo dos direitos A ecircnfase eacute dada aos interesses

corporativos e a uma subjetividade abstrata que aleacutem de ganhar a adesatildeo de sujeitos

despolitizados gera conflitos de identidade ao impor novos padrotildees de estratificaccedilatildeo

social comprometendo a ideacuteia de pertencimento a uma classe social Entende-se que

107

esses sujeitos coletivos ficam fragilizados em sua autonomia entendida como

capacidade de fazer escolhas e de tomar decisotildees poliacuteticas Tudo isso se daacute mediante

uma intencionalidade clara de legitimaccedilatildeo da hegemonia ideoloacutegica do capital

globalizado atravessada pela racionalidade instrumental do mercado

Eacute essa loacutegica que passa a orientar as relaccedilotildees entre Estado sociedade e

mercado como demonstram Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) ao apresentarem

as principais caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista

Para efeito comparativo ao tomar como referecircncia apenas trecircs das instituiccedilotildees

apresentadas por Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) quais sejam Estado

comunidade e sociedade obteacutem-se a configuraccedilatildeo empiacuterica do que foi analisado ateacute o

presente momento ou seja a prevalecircncia da atuaccedilatildeo dos setores natildeo-oficiais da sociedade

civil sobre o setor oficial (Estado) na conduccedilatildeo da provisatildeo social de bens e serviccedilos na

perspectiva pluralista de bem-estar (quadro 5)

Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista de

Evers e Olk (1996)

Instituiccedilatildeo Mercado Estado Comunidade Sociedade civil

Setor produtor de bem-estar

Mercado Setor puacuteblico Setor informal Famiacutelias

Setores natildeo-lucrativos e intermediaacuterios

Princiacutepio de coordenaccedilatildeo da accedilatildeo

Competiccedilatildeo Hierarquia Responsabilidade pessoal

Voluntariado

Ator coletivo central (lado do suprimento)

Companhia Administraccedilatildeo puacuteblica

Famiacutelia (famiacutelias extensas) vizinhos colegas amigos

Associaccedilotildees comunitaacuterias

Papel complementar da demanda

Consumidor cliente Cidadatildeo com direitos sociais

Membro de uma comunidade

Membro de uma associaccedilatildeo

Regra de dmissatildeo Habilidade para pagar Direitos garantidos legalmente

Atribuiccedilatildeo cooptaccedilatildeo Necessidade

Meio de troca Dinheiro Direito Apreciaccedilatildeo respeito Raciociacutenio argumento comunicaccedilatildeo

Norma central de referecircncia

Liberdade de mercado (de escolha e de oportunidade)

Igualdade Reciprocidade altruiacutesmo

Solidariedade

Outros criteacuterios de validade

Bem-estar Seguridade social puacuteblica

Participaccedilatildeo pessoal Poliacuteticas de ativaccedilatildeo social e poliacutetica

Deficiecircncias centrais Desigualdade negligecircncia em relaccedilatildeo a necessidades de consequumlecircncias natildeo-monetaacuterias

Negligecircncia em relaccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas das minorias reduccedilatildeo de liberdade de escolha frustraccedilatildeo dos motivos de auto-ajuda

Reduccedilatildeo da liberdade de escolha por meio da obrigaccedilatildeo moral exclusatildeo dos natildeo-membros

Distribuiccedilatildeo desigual de provisotildees e bens deacuteficit de profissionalizaccedilatildeo eficiecircncia reduzida das estruturas organizacionais e de gerenciamento

Fonte Evers Olk (1996 apud ABRAHANSON 2004)

108

Com base nessa classificaccedilatildeo o Estado apresenta-se como setor produtor de

bem-estar (perspectiva natildeo-liberal e progressista) cujas accedilotildees sociais satildeo

fundamentadas no princiacutepio de coordenaccedilatildeo hieraacuterquica tendo como ator coletivo

central a administraccedilatildeo puacuteblica Nessa perspectiva as situaccedilotildees satildeo problematizadas e

apresentadas na forma de demandas legiacutetimas pelos cidadatildeos cujo acesso (eou regras

de admissatildeo) aos bens e serviccedilos sociais tecircm como suporte direitos garantidos

legalmente A norma central de referecircncia que extrapola a igualdade de oportunidades

eacute sobretudo a igualdade de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos na forma de

direitos sociais O criteacuterio maior de validade no acircmbito do Estado eacute a garantia de uma

seguridade social puacuteblica Por outro lado apresentam-se como setores produtores de

bem-estar aleacutem do mercado o chamado setor informal (famiacutelia vizinhos) o voluntaacuterio

(organizaccedilotildees voluntaacuterias) e como princiacutepio moral baacutesico a responsabilidade

individual (na perspectiva neoliberal) Por fim como norma central para toda a

comunidade destacam-se o altruiacutesmo a reciprocidade e a solidariedade

Todavia Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) chamam atenccedilatildeo para

deficiecircncias desses arranjos espontacircneos de proteccedilatildeo social associados agrave solidariedade

como a prevalecircncia da obrigaccedilatildeo moral ou religiosa sobre os direitos ou deveres ciacutevicos o

risco da exclusatildeo dos natildeo-membros das associaccedilotildees voluntaacuterias o deacuteficit de

profissionalizaccedilatildeo dos provedores espontacircneos a distribuiccedilatildeo desigual na provisatildeo de bens

e serviccedilos e por fim a reduzida eficiecircncia das estruturas organizacionais e de

gerenciamento do voluntariado

No contexto dessa percepccedilatildeo neoliberal de bem-estar criou-se uma aparente

unidade poliacutetico-ideoloacutegica que acabou por reforccedilar uma cultura minimalista e antiestatal

de proteccedilatildeo social Objetivava-se assim construir a hegemonia do poder econocircmico e

poliacutetico com base em uma ideologia individualista Trata-se na verdade de um processo

de privatizaccedilatildeo das esferas puacuteblicas cujos pressupostos se universalizaram e foram

ganhando adesotildees Dessa forma foram criadas condiccedilotildees histoacutericas que passaram a

legitimar um processo de construccedilatildeo de um pensamento anti-puacuteblico que se tornou

dominante e acabou por atingir as poliacuteticas sociais Em outros termos o bloco de poder jaacute

tendo tomado posse do Estado e das demais esferas puacuteblicas passou a controlar tambeacutem a

produccedilatildeo e a distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais deslocando a sua responsabilidade

para o acircmbito privado Nesse processo de reproduccedilatildeo e de busca de legitimidade da

ideologia neoliberal daacute-se a passagem natildeo apenas de uma concepccedilatildeo de bem-estar mas

109

de uma objetividade histoacuterica para uma subjetividade abstrata jaacute referida anteriormente

Trata-se portanto de uma estrateacutegia poliacutetica que tem possibilitado com sucesso a criaccedilatildeo

de condiccedilotildees factuais e simboacutelicas para o avanccedilo da retoacuterica neoliberal como paradigma

poliacutetico e econocircmico no mundo contemporacircneo Essa eacute uma questatildeo de fundo para o

entendimento das mudanccedilas poliacuteticas verificadas na contemporaneidade Estaacute em debate

portanto a difusatildeo de uma cultura antiestatal ou estatal minimalista no bojo da

valorizaccedilatildeo de um discurso da solidariedade do voluntariado e da auto-ajuda como formas

de provisatildeo consideradas mais democraacuteticas por serem plurais ou mistas

Diante dos equiacutevocos e polecircmicas que permeiam esse debate busca-se

demarcar as fronteiras entre puacuteblico e privado este uacuteltimo representado pelas accedilotildees dos

setores voluntaacuterio informal e comercialmercantil sob orientaccedilatildeo neoliberal Entende-se

que tais setores podem ser necessaacuterios mas natildeo suficientes para a soluccedilatildeo das graves

tensotildees sociais no mundo contemporacircneo Essas accedilotildees ainda que imbuiacutedas do melhor

espiacuterito humanitaacuterio natildeo se configuram como poliacuteticas sociais puacuteblicas Os bens e serviccedilos

natildeo sendo assumidos financiados e regulamentados em leis como direitos sociais passam

a natildeo depender das relaccedilotildees estabelecidas entre Estado e sociedade A adesatildeo e a

disposiccedilatildeo de segmentos da sociedade civil em aceitar encargos poliacuteticos e sociais

proacuteprios do Estado acabaram por legitimar a sua retirada deste do processo de proteccedilatildeo

social esvaziando a sua intransferiacutevel funccedilatildeo de garante de direitos

33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves referecircncias

aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social

A partir dos anos 1980 e sob inspiraccedilatildeo neoliberal ganharam expressatildeo os

chamados programas de manutenccedilatildeo de renda no bojo de esquemas de assistecircncia social

considerados de nova geraccedilatildeo por desobrigarem o Estado da provisatildeo direta de serviccedilos

sociais e por subsidiarem accedilotildees sociais plurais desenvolvidas por redes ou malhas de

seguranccedila social em quase todo o mundo A Europa e Brasil natildeo poderiam ficar fora dessa

influecircncia natildeo obstante as diferenccedilas regionais e nacionais desses distintos contextos

A manutenccedilatildeo de renda busca assegurar uma transferecircncia monetaacuteria eou um

rendimento miacutenimo do Estado para cidadatildeos impossibilitados de assegurar sua subsistecircncia

com recursos proacuteprios geralmente de forma compensatoacuteria auxiliar e focalizada na

110

pobreza Os seus meios eou dispositivos mais comuns referem-se na maioria das vezes a

prestaccedilotildees sociais na forma de ajuda monetaacuteria ou auxiacutelio financeiro para que os cidadatildeos

pobres possam adquirir diretamente no mercado bens de primeira necessidade A criaccedilatildeo a

arquitetura institucional e o desempenho das referidas redes complementadas por uma

provisatildeo miacutenima e subsidiaacuteria do Estado constitui objeto de interesse e de discussatildeo do

presente estudo por sua direta vinculaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar

No Brasil os atuais programas de transferecircncia eou de manutenccedilatildeo de renda

constituem novidade posto que natildeo faz parte da cultura poliacutetica nacional transferir de

forma sistemaacutetica e como obrigaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos recursos monetaacuterios aos

beneficiaacuterios das poliacuteticas sociais Entretanto na cultura poliacutetica brasileira persiste o

funcionamento espontacircneo e informal de uma rede de microssolidariedades que vem

sendo explorada e institucionalizada pelo pluralismo de bem-estar com a ingerecircncia de

organismos multilaterais como o Banco Mundial a exemplo da tradiccedilatildeo solidaacuteria

praticada entre agrupamentos proacuteximos no Sul da Europa que assim como o Brasil

partilham do chamado modelo de bem-estar latino a ser especificado no proacuteximo

capiacutetulo Soacute que na Europa mesmo na Regiatildeo Sul esse novo formato de manutenccedilatildeo de

renda se apresenta como uma uacuteltima estrateacutegia de provisatildeo social em que o governo se vecirc

comprometido ao passo que no Brasil acontece o contraacuterio No contexto atual da

proteccedilatildeo social brasileira tal estrateacutegia apresenta-se como uma inovaccedilatildeo tardia se

comparada com a tradiccedilatildeo europeacuteia em mateacuteria de transferecircnia de renda aos segmentos

sociais desmonetarizados Trata-se de uma peculiaridade brasileira que natildeo se pode

perder de vista ou seja no Brasil esse formato de transfrecircncia e manutenccedilatildeo de renda se

apresenta como a uacutenica estrateacutegia de provisatildeo social

A transferecircncia de renda associada agraves redes plurais de proteccedilatildeo social em

contextos diferentes constitui mateacuteria de interesse do presente estudo visto que com eles

pode-se melhor aquilatar a natildeo-lineariedade de praacuteticas assistenciais que perseguem objetivos

comuns e se guiam pelo mesmo ideaacuterio Atualmente na Europa de larga tradiccedilatildeo no campo do

bem-estar social os chamados excluiacutedos satildeo pessoas ou grupos em situaccedilatildeo de pobreza que

nos anos 1940 se encontravam integradas sob a accedilatildeo dos Estados de Bem-estar mas que

atualmente vecircem-se confrontados com situaccedilotildees de vulnerabilidade econocircmica e social ateacute

entatildeo inexistentes Por outro lado na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil um grande

contingente populacional ainda natildeo teve acesso (ou se teve foi precaacuterio e focalizado na

pobreza absoluta) a qualquer tipo de proteccedilatildeo social mediante sistemas nacionais puacuteblicos

111

garantidos pelo Estado Indicadores sociais e econocircmicos de distribuiccedilatildeo de renda revelam o

agravamento da situaccedilatildeo social na Ameacuterica Latina Por fim dada a complexidade da situaccedilatildeo

sob anaacutelise cabe afirmar que os programas de geraccedilatildeo eou de transferecircncia de renda voltados

agrave atenccedilatildeo agrave pobreza em um e noutro contexto por si soacute natildeo tecircm possibilidade de alterar as suas

determinaccedilotildees estruturais

Como contribuiccedilatildeo a essa reflexatildeo este estudo recorreu a anaacutelises de Mishra

(1995) um autor contemporacircneo estudioso do Estado Providecircncia francecircs que construiu dois

modelos de bem-estar aos quais denomina de Estado de Bem-estar Diferenciado ou Estado

Pluralista de Bem-estar e Estado de Bem-estar Integrado ou Estado Corporativo de Bem-estar

Para o autor ambos podem ser interpretados como variantes do modelo institucional (que daacute

ecircnfase ao papel do Estado como agente na provisatildeoregulaccedilatildeo social e na distribuiccedilatildeo de bem-

estar) Contudo Mishra (1995) define o Estado de Bem-estar Diferenciado (ou Pluralista de

Bem-estar) como um modelo em que o setor de bem-estar social eacute visto no geral como

caracteriacutestico mas natildeo relacionado com os setores econocircmico industrial e puacuteblico No Estado

de Bem-estar Integrado o setor de bem-estar eacute entendido como estreitamente relacionado com

os setores econocircmico industrial e puacuteblico Por isso Mishra (1995) apoacuteia e defende o modelo

de Estado de Bem-estar Integrado eou Corporativo por entender que nele as poliacuteticas sociais e

econocircmicas estatildeo inter-relacionadas e surgem da negociaccedilatildeo e do debate entre empregadores

trabalhadores e o Estado

Segundo Mishra (1995) para a escola de pensamento pluralista neoconservador a

ideacuteia de pluralismo assistencial eacute sinocircnimo de economia mista de assistecircncia social O autor

vincula a perspectiva de sociedade-providecircncia agraves anaacutelises dos autores americanos Rein e

Rainwater (1986) e do inglecircs Richard Rose (1986) identificados com o pluralismo de bem-

estar neoliberal Com base nesses estudos realizados em paiacuteses com prevalecircncia de poliacuteticas

neoconservadoras evidencia-se sobretudo uma alteraccedilatildeo da proeminecircncia do Estado no

sistema geral de bem-estar com uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre os vaacuterios fornecedores de

assistecircncia social Para Mishra (1995) percebe-se quase outra versatildeo da tese da

irreversibilidade (ou retraccedilatildeo) dessa vez natildeo do Estado-Providecircncia que eacute visto como algo

reduzido mas da poliacutetica de assistecircncia social propriamente dita Eacute como se em um dado

momento do desenvolvimento da sociedade industrial capitalista os recursos da assistecircncia

social fossem fixos e praticamente se devia dividir a funccedilatildeo assistencial entre os seus vaacuterios

fornecedores Rein e Rainwater (apud MISHRA 1995) designam esse momento como o

desvanecer das fronteiras setoriais entre as esferas puacuteblica e privada da assistecircncia social e

112

propotildeem uma abordagem holiacutestica para o exame de todas as formas de proteccedilatildeo social

independentemente do setor que as administra financia ou controla Para esses autores a

assistecircncia ocupacional privada natildeo leva necessariamente agrave perversatildeo da redistribuiccedilatildeo eou ao

aumento das desigualdades sociais uma vez que depende muito mais da forma e das causas da

introduccedilatildeo da privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais puacuteblicos Para Rose (1986 apud MISHRA

1995) nas sociedades mistas o bem-estar da sociedade eacute capaz de ser maior se existirem

fontes muacuteltiplas de bem-estar em vez de um uacutenico fornecedor monopolista (Estado) Para os

pluralistas assistenciais pois qualquer anaacutelise avaliativa de proteccedilatildeo social em uma sociedade

deve levar em conta formas de provisatildeo assistencial natildeo-estatais

Com base nas avaliaccedilotildees sobre uma mistura providencial preconizada pelos

pluralistas assistenciais em regimes neoliberais e neoconservadores Mishra (1995) afirma que

as diferentes formas de assistecircncia social natildeo podem ser encaradas como equivalentes

funcionais por basearem-se conforme Pereira (2004) em criteacuterios princiacutepios e em acircmbitos de

accedilatildeo diferentes Natildeo se trata assim de uma simples questatildeo de decidir quem poderaacute fazer o

melhor no acircmbito da produccedilatildeo de serviccedilos sociais nem apenas de uma reestruturaccedilatildeo da

divisatildeo desses serviccedilos no campo da assistecircncia social Eacute importante distinguir entre os meios e

os fins dessa poliacutetica social e essa distinccedilatildeo envolve a noccedilatildeo de direito social e de conflitos de

vaacuterias naturezas que natildeo podem ser ignorados Mishra (1995) ressalta a distacircncia normativa

existente entre a anaacutelise pioneira de Titmuss (1963) sobre a divisatildeo social da assistecircncia social

que se referia agrave proteccedilatildeo estatal fiscal e ocupacional assumida haacute mais de trinta anos como

uma criacutetica ao pluralismo e a proposta de um pluralismo assistencial do Estado-Providecircncia

eou de uma economia mista (PEREIRA 2004) Esta proposta privilegia mudanccedilas na forma

pela qual a assistecircncia social deveraacute ser prestada ou seja de natureza mista descentralizada

natildeo-estatal e plural na qual se identifica um deslocamento da poliacutetica social de um ethos

coletivista38 para uma concepccedilatildeo de Estado possibilitador que valoriza mais os serviccedilos de

financiamento planejamento promoccedilatildeo e regulaccedilatildeo do que a sua produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo

Diz Mishra (1995) que essa proposta contrapotildee-se ao princiacutepio da assistecircncia

social como direito social a um rendimento ou niacutevel de serviccedilo adequado que soacute pode ser

garantido pelo Estado como finalidade puacuteblica devendo constituir-se no meio mais eficaz

38 A ideacuteia central eacute que o setor do Estado natildeo eacute apenas um fornecedor de assistecircncia social eacute tambeacutem a legiacutetima agecircncia reguladora dos valores e atividades societaacuterias Seu papel como fornecedor de bem-estar (que deu origem agrave ideacuteia neoliberal de minimizaccedilatildeo do papel do Estado) deve ser distinto de seu papel como regulador da assistecircncia social (que leva agrave retraccedilatildeo agrave omissatildeo do Estado e agrave perda de direitos sociais) Os argumentos pluralistas tendem a defender o duplo papel do Estado como regulador e fornecedor ao mesmo tempo

113

de distribuiccedilatildeo ou prestaccedilatildeo de bem-estar Decorre entacirco a necessidade de distinguir o que

significam a perda do direito a esses serviccedilos e a privatizaccedilatildeo da oferta desses serviccedilos

Essas consideraccedilotildees confirmam a tese com a qual este estudo se identifica a de

que a provisatildeo da assistecircncia social mediante recursos provenientes de fontes privadas

natildeo confere direito social embora haja recursos financeiros para fazecirc-la Essas

ambiguumlidades e contradiccedilotildees fazem que a natureza e o acircmbito da assistecircncia social em

paiacuteses capitalistas continuem a ser incertos e pouco especiacuteficos Nessa perspectiva Mishra

(1995 p 109) afirma ldquoque os paiacuteses de regimes neoconservadores assistiram a um

deslocamento da poliacutetica institucional para uma dimensatildeo residual juntamente com um

abandono do sistema de prestaccedilatildeo de serviccedilos centralizado ou estatal em favor de um

sistema descentralizado e privatizadordquo De fato haacute uma reorientaccedilatildeo da provisatildeo

assistencial para a direita de acordo com princiacutepios liberais e com a loacutegica do mercado

Em relaccedilatildeo a essas mudanccedilas falta agrave sociedade civil a capacidade de assumir um controle

democraacutetico ativo contrapondo-se agrave privatizaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos e agrave retraccedilatildeo seletiva

da poliacutetica de assistecircncia social mediante a defesa de poliacuteticas sociais puacuteblicas

concretizadoras de direitos sociais

CAPIacuteTULO IV

CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA

PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS

41 Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os

setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio comercial ou mercantil

Com base na configuraccedilatildeo da assistecircncia social na perspectiva de um bem-estar

plural ou misto tal qual o seu desenho atual apresenta-se a seguir uma siacutentese das

principais caracteriacutesticas desse modelo de provisatildeo soacutecio-assistencial plural para melhor

aquilatar a sua compatibilidade com o modelo latino

411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar

Haacute uma acentuada valorizaccedilatildeo das estruturas informais e voluntaacuterias da sociedade

como accedilotildees sociais de ajuda muacutetua e de auto-ajuda (entre familiares vizinhos e amigos no campo

da assistecircncia social que devem operar com um baixo grau de regulaccedilatildeo interna e estatal

(JOHNSON 1990) A valorizaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais evidencia uma expliacutecita resistecircncia dos

neoliberais ao poder regulador do Estado bem como o estabelecimento de claras estrateacutegias para

reduzir o papel dessa instacircncia na provisatildeo social

Enfatiza-se o poder local (princiacutepio da autogestatildeo) e os mercados privados

como se tais setores fossem suficientemente capacitados para uma participaccedilatildeo efetiva

como agentes de bem-estar Para tanto adota-se o conceito de participaccedilatildeo (ateacute mesmo no

campo da gestatildeo orccedilamentaacuteria e financeira) e de descentralizaccedilatildeo secundaacuteria (que significa

distribuiccedilatildeo de poder mediante maior relaccedilatildeo do governo com as comunidades localidades

eou pequenas aacutereas ndash path system ndash delegando-as agrave gestatildeo de trabalhadores sociais

voluntaacuterios) A estes setores compete aleacutem do exerciacutecio da participaccedilatildeo e da

descentralizaccedilatildeo secundaacuteria identificar problemas sociais alocar recursos e criar redes de

solidariedade informal fortalecendo-as

115

Ocorre significativa mudanccedila no campo da assistecircncia comunitaacuteria Nesse

campo a assistecircncia comunitaacuteria deve ser para a comunidade e na comunidade e eacute vista

como uma provisatildeo informal e voluntaacuteria de benefiacutecios de serviccedilos de gastos sociais

privados (e natildeo puacuteblicos) e de tomadas de decisatildeo com caraacuteter de ajuda apoio e proteccedilatildeo

aos considerando a retraccedilatildeo e a minimizaccedilatildeo do papel do Estado bem como a destituiccedilatildeo de

qualquer reconhecimento e legitimidade das esferas puacuteblicas nesse processo Contudo ldquoa

despeito dessas mudanccedilas compete ao setor informal o papel de proporcionar maior

assistecircncia familiar comunitaacuteria e informal qual seja pessoal domeacutestica auxiliar e de apoio

socialrdquo (JOHNSON 1990 p 130-131)

O papel do Estado eacute minimizada com a justificativa de que deve ficar restrito agrave

provisatildeo de uma infra-estrutura baacutesica e financeira para viabilizar a manutenccedilatildeo e o

desenvolvimento do pluralismo de bem-estar Essa justificativa apoacuteia-se tambeacutem no

entendimento de que o Estado natildeo eacute o uacutenico ator nem a uacutenica fonte de produccedilatildeo de bem-

estar Por isso recomendam-se a desregulamentaccedilatildeo do mercado e a desinstitucionalizaccedilatildeo

das poliacuteticas sociais especialmente da assistecircncia social

Haacute forte tendecircncia agrave expansatildeo dos mercados privados agraves expensas da provisatildeo social

puacuteblica (JOHNSON 1990) Nessa situaccedilatildeo a demanda social sempre se submete agrave oferta de

bens e serviccedilos privados ou recebe respostas residuais seletivas ou focalizadas na pobreza

extrema Nesse processo a ecircnfase dada ao mecanismo do co-financiamento das poliacuteticas sociais

mediante uma economia mista significa que os proacuteprios beneficiaacuterios dos programas deveratildeo

contribuir financeiramente para a implementaccedilatildeo das accedilotildees sociais porque os neoliberais

seguem o princiacutepio de que o que natildeo pesa no bolso natildeo eacute valorizado por quem o recebe A

atualizaccedilatildeo desses princiacutepios e valores liberais tornou-se decisiva para converter a provisatildeo social

em mercadoria e para tornar a ideologia neoliberal hegemocircnica (JOHNSON 1990)

As poliacuteticas sociais ndash e natildeo soacute da assistecircncia ndash tendem a pautar-se pelos

mesmos criteacuterios regressivos (ausecircncia de financiamento proacuteprio de fontes de recursos

com destinaccedilatildeo especiacutefica e de perspectiva de direitos) e da meritocracia (do meacuterito

pessoal) Para Moreno (2000 p 100) ldquoa solidariedade social reduz-se agrave socializaccedilatildeo

primaacuteria e com essa funccedilatildeo deve ser vista como positiva para incrementar o capital social

das comunidadesrdquo Goacutemez Herrera (2001) um defensor do pluralismo de bem-estar

neoliberal apoacuteia essa ideacuteia pois entende que ldquoas redes informais e familiares redefinem o

bem-estar ao largo das linhas de familiaridade que tecircm seus proacuteprios meios finalidades

regras e valoresrdquo (GOacuteMEZ p 77)

116

Haacute forte acento na famiacutelia como componente central do setor informal e

portanto como a principal educadora e prestadora de atenccedilotildees serviccedilos e poliacuteticas de bem-

estar e um agente social da maior importacircncia para assumir a funccedilatildeo de esfera substituta

do Estado no desenvolvimento de redes de apoio seguranccedila e proteccedilatildeo social Nesse

sentido a famiacutelia eacute vista como o elemento crucial nas mudanccedilas estrateacutegicas e na transiccedilatildeo

de um Estado intervencionista para um Estado minimalista

A ecircnfase dada ao familismo como esfera estrateacutegica do novo padratildeo de bem-

estar eacute justificada tambeacutem pela nova direita porque os princiacutepios de bem-estar e da filosofia

social-democrata levaram agrave decadecircncia moral e religiosa a famiacutelia tradicional Para

Saraceno (1995) essa tendecircncia trata-se de uma refamiliarizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na

atualidade com um indiscutiacutevel retorno a valores e praacuteticas conservadores contraditoacuterios e

inadequados agraves novas formas de organizaccedilatildeo e composiccedilatildeo da famiacutelia contemporacircnea

Assim por parte da assistecircncia familiar espera-se ajuda muacutetua entre os parentes e o papel

fundamental de cuidadora social a ser cumprido pela mulher As famiacutelias tambeacutem poderam

contar com o apoio dos membros das comunidades vicinais e dos amigos proacuteximos

Analisando a importacircncia atribuiacuteda por essa loacutegica privatista agraves poliacuteticas

familiares Peele (apud JOHNSON 1990 p 125) afirma que ldquolos conservadores querian

programas destinados a reforzar las relaciones de la familia tradicional y para fortalecer la

autoridad paternardquo isto eacute do patriarcado Esta eacute a orientaccedilatildeo que retorna pelas matildeos dos

pluralistas de bem-estar de filiaccedilatildeo neoliberal orientaccedilatildeo baseada nos padrotildees do

moralismo britacircnico e norte-americano dos anos 1980 segundo o qual a melhor alternativa

para reforccedilar as poliacuteticas familiares consiste em deixar o governo de fora e permitir que as

famiacutelias tomem suas proacuteprias decisotildees Estabeleceu-se assim conforme Mount (apud

JOHNSON 1990 p 125) uma oposiccedilatildeo entre Estado e famiacutelia que iria proporcionar

(como de fato proporcionou) uma boa quantidade de combustiacutevel para a retoacuterica da nova

direita sobre a importacircncia e centralidade do setor informal na provisatildeo social Portanto

com base no exposto observa-se que a modalidade de assistecircncia familiar e comunitaacuteria

executada pelos setores natildeo-oficiais apresenta-se com traccedilos bastante distintos do padratildeo

de bem-estar beveridgiano e keynesiano-fordista tais como prevalecimento da ideologia

neoliberal conservadora que as orienta e as determina perfil primaacuterio dos atores eou

agentes sociais (pessoas comuns da comunidade familiares amigos e parentes) caraacuteter

plural das accedilotildees (em redes assistenciais privadas de auto ajuda eou de ajuda muacutetua) e

desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social atualmente executada em cenaacuterio aberto e

117

comunitaacuterio diferentemente do padratildeo institucionalizado anterior Dessa forma os

cidadatildeos antes considerados sujeitos de direitos tornam-se ao mesmo tempo ldquoativos

produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos de bem-estar e em geral de

sua proacutepria proteccedilatildeo social como afirma Goacutemez Herrerardquo (2001 p 71)

Com base nessa argumentaccedilatildeo reforccedila-se com Pereira (2004 p 146) o

entendimento jaacute manifestado de que ldquoa concepccedilatildeo de bem-estar dos neoliberais natildeo eacute

neutra e inocenerdquo Ao contraacuterio o que se percebe eacute que tal concepccedilatildeo conteacutem forte

conotaccedilatildeo valorativa ateacute porque analisa Pereira (2004 p 146)

o bem-estar neoliberal estaacute associado ao meacuterito individual (e natildeo aos direitos de cidadania social) agrave produtividade capitalista livre de controles (e natildeo agrave redistribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos coletivos) e agrave igualdade de oportunidades ndash life chances ndash (DAHRENDORF apud ROMERO 1998) e natildeo agrave igualdade de resultados

Pode-se dizer que o pluralismo de bem-estar neoliberal consiste em uma ideologia

difundida pela nova direita que ganhou forccedila poliacutetica como estrateacutegia reformista tornando-se

um paradigma de provisatildeo social dominante na Europa a partir dos anos 1980 no periacuteodo

posterior agrave suposta crise do Estado de Bem-estar Nas deacutecadas posteriores (poacutes-padratildeo

beveridgiano e keynesiano-fordista) ganhou visibilidade poliacutetica e status de modelo

substitutivo do Estado Social no campo da provisatildeo social (poliacuteticas de bem-estar) e passou a

ser referecircncia nas sociedades capitalistas avanccediladas ditas poacutes-industriais Ao final dos anos

1980 obteve adesatildeo dos governos dos paiacuteses da Europa do SulEuropa Mediterracircnea e do

Brasil e foi nesses contextos que o modelo plural foi adotado de forma peculiar

De fato a centralidade da proposta plural ou mista estaacute na ecircnfase dada agrave

competiccedilatildeo privada agrave auto-dependecircncia agrave auto-ajuda agrave ajuda muacutetua e agraves responsabilidades

comunitaacuterias e familiares para justificar a retirada do Estado da provisatildeo social puacuteblica39

Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) reitera-se que no

pluralismo de bem-estar neoliberal advoga-se a transferecircncia de responsabilidades pela

provisatildeo social do setor oficial (Estado) para trecircs setores natildeo-oficiais ndash assim denominados

pelo autor voluntaacuterio (natildeo lucrativo) informal (espontacircneo) e mercantil ou comercial

(lucrativo)40 A identificaccedilatildeo de cada um desses setores com seus respectivo perfis e funccedilotildees

39 Ver estudo criacutetico e propositivo de Norman Johnson (1990) 40 Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) as competecircncias especiacuteficas e a funccedilatildeo social de cada um desses setores continuaraacute sendo objeto de atenccedilatildeo do presente estudo por sua identificaccedilatildeo com o seu objeto de investigaccedilatildeo Este conteuacutedo estaacute referenciado tambeacutem nas anaacutelises de Ian Gough (1979) Mishra (1994) Sarasa (1995 2002) Moreno (2000 2003 e 2004) dentre outros

118

confirma o conteuacutedo da provisatildeo social plural ou mista e a caracteriacutestica baacutesica do

pluralismo de bem-estar jaacute enunciados quais sejam um ideaacuterio que preconiza que a

sociedade e a famiacutelia devem partilhar com o Estado responsabilidades sociais ateacute entatildeo de

natureza puacuteblica em que o Estado era o principal agente regulador das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Daiacute a defesa pelo pluralismo de um agregado de bem-estar constituiacutedo de

instacircncias governamentais e natildeo-governamentais (das mais diversas extraccedilotildees) provedoras e

gestoras de bem-estar com objetivos comuns Neste cenaacuterio de mudanccedilas e de transiccedilatildeo de

padrotildees e paradigmas de proteccedilatildeo social haacute que se atentar para a seguinte advertecircncia de

Mishra (apud PEREIRA 2004) deve-se identificar com os defensores da economia plural

ou mista de bem-estar qual o significado por eles atribuiacutedo aos mecanismos de garantia dos

direitos sociais aos princiacutepios de universalizaccedilatildeo de acesso e de equidade social bem como

agrave distinccedilatildeo feita entre a funccedilatildeo reguladora e subsidiaacuteria do Estado e a funccedilatildeo provedora da

sociedade civil em sua relaccedilatildeo com o Estado porque a seu ver tais distinccedilotildees eou

diferenciaccedilotildees satildeo de caraacuteter substantivo e nunca foram suficientemente explicitadas nos

discursos neoliberais eou sequer constam como conteuacutedo de suas agendas e debates Eacute o que

passaraacute a ser tratado a seguir

42 Setores natildeo-oficiais

421 Setor Informal

Neste setor a assistecircncia caracteriza-se por uma ajuda espontacircnea realizada no

seio da famiacutelia dos grupos de amigos eou de vizinhos Eacute direcionada a pessoas

dependentes que vivem em seus proacuteprios domiciacutelios Trata-se de um apoio primaacuterio

exercido pela via da informalidade No final dos anos 1970 e iniacutecio dos anos 1980

intensificou-se o interesse dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em fortalecer essas redes

assistenciais informais apesar da ausecircncia de estudos e pesquisas avaliativas sobre a

natureza dos contatos estabelecidos entre apoiadores e apoiados sua efetividade e o

desempenho dos atores sociais Tambeacutem natildeo haacute registros sobre a frequumlecircncia e duraccedilatildeo

desses contatos e apoios bem como de sua intensidade e significaccedilatildeo subjetiva mediante

abordagens qualitativa e quantitativa

119

O termo redes de ajuda tem sido utilizado para descrever uma gama de

atividades assistenciais informais e entendida pelos pluralistas como uma via mais

eficiente e vantajosa do que as accedilotildees sociais formais Esse conceito de rede estaacute

relacionado agrave estrutura de relaccedilatildeo entre grupos de atores e intercacircmbios especiacuteficos bem

como aos papeacuteis que esses atores desempenham Assim os pluralistas estimulam as

iniciativas plurais e coletivas pela via informal para que faccedilam frente agrave provisatildeo de bens e

serviccedilos sociais em caraacuteter de substituiccedilatildeo agrave via oficial protagonizada pelo Estado

422 Setor voluntaacuterio

Segundo Johnson (1990) este setor distingue-se do informal por possuir maior

organizaccedilatildeo chegando a contemplar diferentes graus de formalidade De um lado existem

pequenos grupos estruturados formalmente movidos por sentimentos caritativos De outro

haacute grandes fundaccedilotildees eou institutos que atuam com base na noccedilatildeo de responsabilidade

social (filantropia empresarial por exemplo) motivados por interesses econocircmicos ou

poliacuteticos Para o autor diante da heterogeneidade de atores o termo setor voluntaacuterio ainda

mostra-se vago precisando ser melhor explicitado para que esse setor posa assumir um

papel mais preciso no contexto da proposta do pluralismo de bem-estar

A propoacutesito desse setor Johnson (1990) faz uma distinccedilatildeo entre

organizaccedilotildees voluntaacuterias e trabalhadores voluntaacuterios Para ele uma organizaccedilatildeo

voluntaacuteria autodefine-se como uma entidade natildeo-oficial que deve sua existecircncia natildeo a

uma lei parlamentar mas a uma decisatildeo de um grupo de pessoas de reunir-se tendo em

vista efetivar propostas de ajuda-muacutetua eou cooperativas diversas promover e

proteger seus proacuteprios interesses (sindicatos e associaccedilotildees profissionais) promover

causas de interesses comuns e universais (desarmamento nuclear proteccedilatildeo de meio

ambiente) ou administrar serviccedilos sociais destinados a setores particulares da

populaccedilatildeo (idosos portadores de necessidades especiais e outros) Essas organizaccedilotildees

voluntaacuterias satildeo vistas como personalidades juriacutedicas de direito privado Jaacute os

trabalhadores voluntaacuterios satildeo pessoas que em sua maioria natildeo recebem remuneraccedilatildeo

pelo que fazem ainda que possam ser reembolsados pelos gastos particulares que

realizam no exerciacutecio de sua accedilatildeo voluntaacuteria A questatildeo torna-se polecircmica quando se

constata que o termo voluntaacuterio tem sido utilizado tambeacutem para designar os natildeo-

120

profissionais que recebem uma pequena remuneraccedilatildeo por seus serviccedilos ainda que

modesta Estes trabalhadores voluntaacuterios tecircm sido utilizados tanto pelas instituiccedilotildees

oficiais como pelas organizaccedilotildees voluntaacuterias natildeo-oficiais o que caracteriza aleacutem da

desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como poliacutetica puacuteblica a

desprofissionalizaccedilatildeo dessa aacuterea que passa a natildeo mais requerer um conhecimento

cientiacutefico e uma habilitaccedilatildeo especiacutefica com formaccedilatildeo de niacutevel superior

Embora o setor voluntaacuterio seja considerado mais organizado e melhor

estruturado que o setor informal ambos tecircm conforme Johnson (1990) uma caracteriacutestica

em comum que eacute o estabelecimento de relaccedilotildees individuais eou grupais de caraacuteter plural ou

misto e natildeo puacuteblicas entre vaacuterios atores que adotam a via da solidariedade como primeira

estrateacutegia de organizaccedilatildeo social Um outro aspecto a considerar eacute que o voluntariado

pressiona por mudanccedilas nas formas de trabalho criando nova relaccedilatildeo trabalhista entre

organizaccedilotildees voluntaacuterias e assalariados voluntaacuterios eou mal remunerados

Assim muda-se radicalmente a relaccedilatildeo estabelecida entre provedores e

receptores do bem-estar em conformidade com uma poderosa ideologia que fortalece a

criaccedilatildeo de culturas separadas de provisatildeo social E a noccedilatildeo de filantropia organizada

reaparece como contraponto moderno e humanista agrave caridade religiosa

Portanto eacute indiscutiacutevel que na proposta pluralista existem intencionalidades e

limites claros sobre a atuaccedilatildeo dos trecircs setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio e

mercantil A participaccedilatildeo local entre amigos familiares e vizinhos eacute restrita porque natildeo

condiz com o exerciacutecio do poder poliacutetico nos contextos nacional e regional e a

participaccedilatildeo no niacutevel local e informal natildeo assegura distribuiccedilatildeo de renda e de riqueza ou

erradicaccedilatildeo das desigualdades de classe status e poder (1990) que o poder tambeacutem estaacute

presente nas organizaccedilotildees voluntaacuterias e que todo poder tem base classista logo natildeo eacute pela

desburocratizaccedilatildeo que este setor se diferencia do Estado Outro aspecto a destacar eacute que a

participaccedilatildeo dos setores informal voluntaacuterio e mercantil na provisatildeo dos serviccedilos sociais

de forma desarticulada leva agrave dispersatildeo do poder poliacutetico desviando as pessoas da accedilatildeo

social e poliacutetica para um processo de despolitizaccedilatildeo

Assim constata-se a fragilidade e provisoriedade dessas iniciativas voluntaacuterias

resultantes de sua proacutepria contradiccedilatildeo entre o que pretendem ser e o que de fato satildeo uma

organizaccedilatildeo com caracteriacutestica burocraacutetica e nem sempre isenta agrave influecircncia do mercado e

ao controle do Estado Aleacutem disso cabe perguntar quem iraacute garantir os direitos sociais

uma vez que tais direitos comprometem o Estado na realizaccedilatildeo e garantia do bem-estar

121

Nessa discussatildeo vale fazer menccedilatildeo ao chamado terceiro setor o qual se situa na esfera

privada natildeo lucrativa A esta tese interessa desmistificar a centralidade dada a esse setor

como alternativa neoliberal agrave accedilatildeo reguladora e provedora do Estado Segundo Montantildeo

(2002) que faz o descortinamento do que chama de falaacutecias do terceiro setor esse termo

chegou ao Brasil cunhado por intelectuais orgacircnicos neoliberais com forte tendecircncia

regressiva no campo da cidadania Surgiu como um conjunto de ideacuteias e orientaccedilotildees no

contexto do Consenso de Washington (1989)41 para a Ameacuterica LatinaBrasil com ecircnfase ao

princiacutepio da regulaccedilatildeo feita pelo mercado sem a primazia do Estado e nos processos de

flexibilizaccedilatildeo dos mercados (nacionais e internacional) das relaccedilotildees de trabalho (perda de

conquistas trabalhistas) na produccedilatildeo (bens e serviccedilos sociais como mercadorias) e nos

investimentos financeiros (capital especulativo) O termo terceiro setor aparentemente

diferencia-se dos demais setores natildeo-oficiais (JOHNSON 1990 ) por apresentar a

particularidade de ter sido proposto por organismos internacionais (BANCO MUNDIAL

FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) BANCO INTERNACIONAL PARA

RECONSTRUCcedilAtildeO E DESENVOLVIMENTO (BIRD) E BANCO INTERAMERICANO

DE DESENVOLVIMENTO (BID)) e outros Trata-se de uma ideacuteia vinculada agraves dos

ajustes econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal como um instrumento poliacutetico estrateacutegico de

flexibilizaccedilatildeo de criteacuterios puacuteblicos e universais na esfera do Estado e de esvaziamento das

41 Trata-se de um conjunto de propostas de reformas econocircmicas e poliacuteticas elaboradas ao final da deacutecada de 1990 para a Ameacuterica Latina (1989) A literatura especiacutefica informa que desde os anos 1970 o FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) vinha aplicando foacutermulas em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina com o propoacutesito de induzi-los a um ajuste estrutural neoliberal tendo em vista a superaccedilatildeo da crise econocircmica desses paiacuteses derivada de seu endividamento externo Tais propostas de ajuste inicialmente apresentadas pelo Banco Mundial e pelo FMI como de caraacuteter transitoacuterio e emergencial passaram agrave noccedilatildeo de ajuste estrutura (no decorrer dos anos 1990) termo entendido como um conjunto de poliacuteticas e de reformas estruturais que visavam criar condiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de outra modalidade de desenvolvimento econocircmico e social neste continente O conjunto dessas medidas de corte neoliberal originou-se do chamado Plano Baker (1985) que sugeria iniciativas padronizadas a serem tomadas pelos paiacuteses centrais com vistas agrave estabilizaccedilatildeo monetaacuteria e agraves reformas estruturais nos paiacuteses perifeacutericos e do Plano Brady (1990) que privilegiou a ampliaccedilatildeo das importaccedilotildees e a privatizaccedilatildeo das empresas estatais (FIORITAVARES apud BOSCHETTI SALVADOR 2002) Para Anderson (1995 p 19) ldquoeste continente foi testemunha da primeira experiecircncia neoliberal sistemaacutetica do mundordquo considerando que ela ocorreu na Ameacuterica Latina quase dez anos antes da adesatildeo de Ronald Reagan (EUA) e de Margareth Thatcher (Inglaterra) ao ideaacuterio neoliberal que culminou com a derrubada dos pilares do Estado Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial A histoacuteria tem registrado os contrastes e os paradoxos existentes entre a ideologizada e mistificadora retoacuterica neoliberal e os resultados concretos da ortodoxia empregada em suas poliacuteticas macro econocircmicas Em consequumlecircncia tais reformas sugeridas para a Ameacuterica Latina com base no Consenso de Washington (1989) caracterizaram-se muito mais como contra-reformas pois foram orientadas para fins de interesse do grande capital internacional gerando como resultado o aumento das desigualdades sociais e econocircmicas no continente e em particular no Brasil um empobrecimento assustador entre os segmentos pauperizados e da classe meacutedia o esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das instituiccedilotildees democraacuteticas (processo de despolitizaccedilatildeo) acentuado processo de desregulaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos fluxos financeiros aleacutem do encolhimento do Estado Social

122

lutas sociais e trabalhistas Montantildeo (2002) entende o terceiro setor como a versatildeo mais

sofisticada do pluralismo de bem-estar e como um fenocircmeno real do capitalismo neoliberal

ao adotar a estrateacutegia substitutiva (e natildeo complementar) do papel social do Estado No

Brasil por exemplo assistiu-se progressivamente a partir dos anos 1990 o crescimento de

organizaccedilotildees entidades e instituiccedilotildees que apesar da imprecisatildeo conceitual do chamado

terceiro setor recebiam essa denominaccedilatildeo Em sua composiccedilatildeo estatildeo de um lado as

chamadas organizaccedilotildees natildeo-governamentais (ONGs) as organizaccedilotildees sem fins lucrativos

(OSFL) as instituiccedilotildees filantroacutepicas (com certificado do Conselho Nacional de Assistecircncia

Social (CNAS) as chamadas empresas cidadatildes e as fundaccedilotildees empresariais (Fundaccedilatildeo

Bradesco Instituto CIA e outras) que fazem filantropia empresarial e ainda sujeitos

individuais voluntaacuterios ou natildeo42 Por outro lado o terceiro setor envolve (ainda que por

vezes de forma natildeo expliacutecita) um ator que vem se destacando em sua divulgaccedilatildeo e

promoccedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo da grande miacutedia Trata-se da institucionalizaccedilatildeo de

um Estado miacutenimo que com as ONGs contribui para o fortalecimento desse setor em dois

planos a) na esfera legal mediante sua regulamentaccedilatildeo legal43 decretos resoluccedilotildees e

Medidas provoisoacuterias (MPs) e b) na esfera financeira pela transferecircncia de recursos (diretos

e indiretos) do setor puacuteblico para a iniciativa privada mediante o que se convencionou

denominar de forma restrita de parceria puacuteblico-privado Nesse processo a intencionalidade

eacute clara o Estado neoliberal promoveu o terceiro setor para justificar a retirada paulatina de

sua responsabilidade no trato de questotildees de cunho social Assim de um lado haacute

instituiccedilotildeesempresasorganizaccedilotildees que assumem a provisatildeo social e de outro o Estado que

financia com recursos puacuteblicos serviccedilos e accedilotildees sociais ainda que destituiacutedos de criteacuterios

puacuteblicos e universais o que obviamente natildeo visa o combate agrave pobreza Para Montantildeo

(2002) trata-se de um grande equiacutevoco pensar que somente a intencionalidade e a

solidariedade de indiviacuteduos e grupos em relaccedilatildeo aos segmentos sociais subalternizados

transformaratildeo uma sociedade desigual A seu ver essa tese ignora que a classe hegemocircnica

tambeacutem estaacute em constante luta criando mecanismos estrateacutegicos e sutis para manipular ou

impedir os processos de transformaccedilatildeo Da mesma forma tambeacutem eacute ingenuidade poliacutetica

pensar que a retirada do Estado do trato de questotildees de caraacuteter social se daacute por ineficiecircncia

42 Leis que regulamentam o terceiro setor a) Lei nordm 9637 de maio de 1998 (BRASIL1998) que qualifica as organizaccedilotildees de direito privado e 2) Lei nordm 9790 de marccedilo de 1999 (BRASIL 1999) que qualifica as pessoas juriacutedicas de direito privado 43 Para melhor compreensatildeo da relaccedilatildeo Estado instituiccedilatildeo poliacutetica social e direito social ver Lei nordm 874293 (LOAS BRASIL 1993) ndash Artigo 3ordm_ ldquoConsideram-se entidades e organizaccedilotildees de Assistecircncia Social aquelas que prestam sem fins lucrativos atendimento e assessoramento aos beneficiaacuterios abrangidos por esta lei bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitosrdquo

123

eou por razotildees financeiras De fato ocorre no campo estrateacutegico do capital uma clara

intencionalidade de promover uma forte ofensiva contra o trabalho pela reestruturaccedilatildeo

produtiva e reforma do Estado em suas dimensotildees fiscal previdenciaacuteria tributaacuteria e poliacutetica

(ANTUNES apud MONTANtildeO 2002) assim como fortalecer a tendecircncia agrave centralizaccedilatildeo do

capital (exploraccedilatildeo capitalista por capitalistas) Diante de flagrante ldquocriserdquo endecircmica do

capital a estrateacutegia consiste em promover a flexibilizaccedilatildeo no mundo do trabalho diminuindo

os custos de produccedilatildeo para acumular mais capital Essa eacute a questatildeo de fundo para os

neoliberais que buscam assim consolidar a privatizaccedilatildeo interna do Estado brasileiro

Identifica-se tambeacutem com Montantildeo (2002) uma problemaacutetica de crise de

identidade em relaccedilatildeo agraves organizaccedilotildees empresas e entidades que compotildeem o terceiro setor

e indaga-se se este setor natildeo seria um construto idealizado que mais confunde do que

esclarece Como estrateacutegia todas essas organizaccedilotildees satildeo artificialmente equalizadas como

tendo origem privada e finalidade puacuteblica natildeo-lucrativa em uma clara tentativa de

homogeneizaccedilatildeo institucional em que se perde a diferenciaccedilatildeo entre elas No entanto haacute

ausecircncia real de consenso sobre a origem composiccedilatildeo e caracteriacutesticas dessas

organizaccedilotildees O certo eacute que com o apoio de Johnson (1990) pode-se inferir que o terceiro

setor mescla vaacuterios sujeitos setores e projetos com atuaccedilotildees e significados sociais

distintos A denominaccedilatildeo de terceiro setor reuacutene no mesmo espaccedilo organizaccedilotildees com

atividades formais eou informais voluntaacuterias eou comerciais e mercantis entidades de

interesses poliacuteticos e econocircmicos variados cidadatildeos comuns poliacuteticas ligadas ao poder

estatal (EstadoONGs) e ainda coletividades da classe trabalhadora capitalista Enfim

uma mescla de atores e setores distintos na sua natureza e finalidade que nem sempre tecircm

como denominador comum o fato de natildeo serem lucrativas

No debate teoacuterico sobre o terceiro setor Montantildeo (2002 p 62) identifica duas

tendecircncias A primeira jaacute referida eacute de natureza liberal conservadora A segunda que ele

denomina de intenccedilatildeo progressista (poacutes-marxista) defende a noccedilatildeo de sociedade civil

como espaccedilo privilegiado de interaccedilatildeo entre indiviacuteduos grupos associaccedilotildees etc Contudo

ambas as tendecircncias estatildeo afinadas com o projeto de desmonte do Estado keynesiano uma

vez que propotildeem a retraccedilatildeo do Estado e defendem a ideacuteia de deixar correr livre o jogo

social poliacutetico e econocircmico assim como deixaacute-lo aberto aos atores sociais (plurais)

Montantildeo (2002 p 87) ressalta ainda a perspectiva de resignaccedilatildeo conservadora dessa

segunda tendecircncia em relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees operadas pelo capital contribuindo

assim para reafirmar e legitimar o aspecto regressivo da contra reforma do Estado e do

124

novo trato das questotildees de cunho social Essa tendecircncia (poacutes-marxista) percebe o Estado

como inimigo da democracia e da liberdade propondo o protagonismo solidaacuterio e

voluntaacuterio44 da sociedade civil em substituiccedilatildeo agraves lutas sociais Dessa forma sob o enfoque

liberal faz-se uma inversatildeo do papel do Estado e tudo que se configura como natildeo-estatal

(mercado e sociedade civil) passa a ser visto de forma autonomizada e como esfera

privada numa evidente segmentaccedilatildeo da realidade social

Na convencional divisatildeo entre Estado mercado e sociedade o terceiro setor

autodefine-se como parte da sociedade e considera-se como puacuteblico poreacutem privado sem

fins lucrativos ou seja um setor alternativo ou uma aacuterea de intersecccedilatildeo entre Estado e

mercado desempenhando funccedilotildees puacuteblicas a partir de espaccedilos privados Com essa

percepccedilatildeo assinala Montantildeo (2002 p 135) o Estado eacute mantido como esfera

exclusivamente puacuteblica o mercado continua sendo visto como esfera exclusivamente

privada e agrave sociedade cabe como uma esfera intermediaacuteria atender solidariamente agraves

demandas e necessidades sociaiso que evidentemente guarda semelhanccedilas com a

composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar O entendimento do terceiro setor poreacutem torna-se

mais complexo quando natildeo se consegue distinguir o caraacuteter puacuteblico ou privado da origem

da atividade desenvolvida e da finalidade das organizaccedilotildees eou entidades

De acordo com Petras (apud MONTANtildeO 2002 p 141) ldquoo terceiro setor

argumenta a favor de um desenvolvimento baseado na comunidade que se daacute por meio da

auto-ajuda da gestatildeo de micro-empresas e da reciprocidade entre pequenos grupos

resgatando uma tendecircncia nitidamente conservadora proacutepria das formas de exploraccedilatildeo de

matildeo-de-obra do seacuteculo XIX que buscavam superar contradiccedilotildees com medidas

integradorasrdquo Nessa perspectiva natildeo se leva em conta que a esfera da sociedade civil eacute

integrante da totalidade social e portanto abarca atividades classistas de lutas poliacutetico-

econocircmicas de interesses de mercado Com base nesses argumentos percebe-se que a

correlaccedilatildeo de forccedilas e de interesses antagocircnicos existentes no campo da poliacutetica social eacute

descartada nas postulaccedilotildees do terceiro setor e todas essas questotildees remetem agrave ideacuteia de uma

total impossibilidade de reconstruccedilatildeo do Estado Social fundamentado em paracircmetros

privatistas

Para Montantildeo (2002) o terceiro setor

44 Os autores dessa tendecircncia referenciam-se em Bobbio (19911992) Habermas (1987) Rosanvallon (1995) e outros

125

natildeo eacute portanto alternativo ao sistema na verdade o terceiro setor coloca-se como diferente do Estado e da empresa privada poreacutem dentro (e sem questionar os fundamentos) do sistema capitalista (p 156)

Em consequumlecircncia diz o mesmo autor

do processo de desarticulaccedilatildeo da responsabilidade social do Estado processam-se certos deslocamentos de lutas sociais para negociaccedilatildeoparceria45 de direitos a serviccedilos sociais para a atividade voluntaacuteriafilantroacutepica da solidariedade socialcompulsoacuteria para a solidariedade voluntaacuteria do acircmbito puacuteblico para o privado da eacutetica para a moral do universalestruturalpermanente para o localfocalizadofortuito (p 200)

423 Setor mercantil ou comercial (lucrativo)

Nesta categoria satildeo normalmente apresentadas trecircs situaccedilotildees possiacuteveis (uma triacuteplice

categorizaccedilatildeo) em relaccedilatildeo agrave provisatildeo de serviccedilos sociais feita pelos mercados privados Na

primeira tais mercados colocam-se no mesmo plano que o sistema puacuteblico que permanece

sendo o provedor principal Na segunda eles satildeo os principais provedores deixando contudo

um importante papel social ao Estado Na terceira os mercados privados satildeo o principal

provedor deixando ao Estado um papel residual Para Johnson (1990) essa classificaccedilatildeo reduz e

simplifica em vaacuterios sentidos o papel do Estado na medida em que trata somente da provisatildeo

social e ignora a importante funccedilatildeo estatal na regulaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e no financiamento e

repasse de subsiacutedios aos demais provedores sociais Um segundo problema dessa triacuteplice

categorizaccedilatildeo conforme Johnson (1990) eacute a dificuldade de explicitar com precisatildeo a exata

linha divisoacuteria entre as atividades puacuteblicas e privadas A partir do momento em que ambas as

instacircncias se encontram inter-relacionadas mediante a incorporaccedilatildeo das praacuteticas do mercado

privado nos serviccedilos do setor puacuteblico essa diferenciaccedilatildeo se torna complexa Aleacutem disso os

mercados privados podem adotar diversas formas de pagamentos A mais comum eacute o pagamento

direto pelos bens e serviccedilos sociais feito pelos consumidores a exemplo da cobertura de sistemas

de seguros privados de sauacutede previdecircncia habitaccedilatildeo Assim na definiccedilatildeo das competecircncias

sociais dos setores puacuteblico e privado existem vaacuterios fatores desde a comparaccedilatildeo dos custos por

45 Para Montantildeo (2002) a parceria colocada nesses termos fica restrita a um processo de transferecircncia da funccedilatildeo social das atividades e recursos puacuteblicos de uma esfera vista como ineficiente burocraacutetica e centralizadora (Estado) para outra supostamente mais eficiente descentralizada democraacutetica e participativa (terceiro setor) Assim a parceria expressa uma forma encoberta de privatizaccedilatildeo promovendo um divoacutercio entre poliacutetica econocircmica e poliacutetica social Portanto a parceria nesses termos natildeo eacute entendida como um exerciacutecio conjunto de controle social democraacutetico sobre as accedilotildees do Estado

126

setor ateacute o niacutevel puramente ideoloacutegico com percepccedilotildees distintas Ateacute mesmo os argumentos

mais pragmaacuteticos e tecnicistas tecircm um elemento ideoloacutegico o que dificulta a identificaccedilatildeo eou

separaccedilatildeo das competecircncias dos distintos setores

Segundo Johnson (1990) a ecircnfase dada aos recursos destinados ao bem-estar

social tem colocado os temas da eficiecircncia e da eficaacutecia proacuteprios da loacutegica mercadoloacutegica

em primeiro plano em detrimento de uma anaacutelise substantiva da qualidade poliacutetica Assim

aqueles que sustentam que a provisatildeo feita por meio do mercado eacute mais eficiente que a

provisatildeo puacuteblica baseiam-se em trecircs aspectos a saber a) comparaccedilatildeo dos custos inter-

setoriais com vantagens para o mercado b) argumentaccedilotildees favoraacuteveis aos benefiacutecios que

resultam da competecircncia do mercado c) afirmaccedilotildees de que a provisatildeo puacuteblica tem

caracteriacutesticas proacuteprias que por si soacute a tornam ineficiente

Em verdade o que se privilegia nessa perspectiva eacute o processo resultante da

participaccedilatildeo de consumidores de serviccedilos no mercado privado Muitos dos que defendem a

provisatildeo dos serviccedilos de bem-estar pela via do mercado estatildeo conscientes de suas

imperfeiccedilotildees mas contra-argumentam que ateacute mesmo os mercados imperfeitos satildeo

superiores agrave provisatildeo puacuteblica O problema dessa concepccedilatildeo eacute que ao aplicar criteacuterios

privatistas de mercado ao sistema de provisatildeo puacuteblica este uacuteltimo resultaraacute deficiente

porque o sistema puacuteblico por sua natureza tem seus proacuteprios criteacuterios como o

compromisso com a justiccedila social e a adesatildeo aos princiacutepios da universalizaccedilatildeo de acesso e

de inclusatildeo social o que natildeo impede evidentemente que se redefinam as prioridades dos

gastos puacuteblicos quando necessaacuterio Na perspectiva democraacutetica a eficiecircncia consiste

exatamente na capacidade de promover a maximizaccedilatildeo dos benefiacutecios e serviccedilos sociais

para o atendimento das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo (e natildeo agraves demandas eou

preferecircncias de mercado) por meio de competente redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos

com equidade e justiccedila social seguindo quando possiacutevel o princiacutepio da minimizaccedilatildeo dos

custos desses serviccedilos

Essa concepccedilatildeo evidentemente choca-se com criteacuterios distributivos do mercado

que responde exclusivamente agraves preferecircncias e desejos individuais e condicionam essa resposta agrave

capacidade daqueles que podem pagar pelos serviccedilos que procuram Para atender a essa vocaccedilatildeo

os defensores do mercado equiparam o conceito de liberdade de mercado ao de liberdade social e

poliacutetica Ocorre que a liberdade social e poliacutetica requer a criaccedilatildeo pelo Estado de condiccedilotildees

baacutesicas para o seu exerciacutecio e natildeo ao mercado como querem neoliberais e conservadores para

quem a liberdade econocircmica eacute um requisito essencial para a liberdade poliacutetica Em vista disso

127

pergunta-se fazendo coro com Johnson (1990) se a liberdade individual do cidadatildeo depende da

sua capacidade de participar no mercado o que ocorreraacute entatildeo com os que estatildeo excluiacutedos desse

mercado por falta de trabalho e de recursos Neste caso a falta de liberdade poliacutetica eacute maior ateacute

que a ausecircncia de intervenccedilatildeo estatal porque significa tambeacutem ausecircncia de serviccedilos e benefiacutecios

essenciais e de atendimento agraves necessidades humanas baacutesicas Este atendimento constitui

princiacutepio redistributivo essencial a ser adotado por poliacuteticas puacuteblicas A redistribuiccedilatildeo de acordo

com as necessidades sociais tem como resultado um maior grau de igualdade social produzindo

certamente maior grau de bemndashestar Em contrapartida um sistema puramente privado de

mercado certamente teraacute como resultado um maior grau de desigualdade social e os pobres satildeo

os maiores perdedores por natildeo terem recursos proacuteprios para autofinanciar sua provisatildeo social

Por essa razacirco os defensores do mercado pregam a substituiccedilatildeo da distribuiccedilatildeo dos serviccedilos em

espeacutecie pela distribuiccedilatildeo de renda a ser aplicada no mercado privado Contudo suas propostas

em relaccedilatildeo agrave redistribuiccedilatildeo de renda como forma mais indicada de prestaccedilatildeo de bem-estar

revelam-se ambivalentes pois o sistema de mercado depende de contribuiccedilotildees desiguais e natildeo

leva em conta as causas dessa desigualdade e os custos sociais que surgem dos intercacircmbios

tecnoloacutegicos industriais e econocircmicos pela via da privatizaccedilatildeo e natildeo eacute tambeacutem levado em

conta como esses custos sociais recaem de forma pesada sobre os pobres e assalariados

Entretanto em que pesem todas essas consideraccedilotildees eacute crescente nos uacuteltimos

anos o papel do setor comercialmercantil com a exigecircncia de o consumidor participar

diretamente dos custos dos serviccedilos sociais pagando uma parcela dos mesmos com

aumentos proporcionais agrave carga tributaacuteria estipulada pelos governos Segundo Johnson

(1990) esses percentuais sobre serviccedilos tecircm vaacuterias funccedilotildees dentre as quais se destacam a

introduccedilatildeo dos princiacutepios do mercado nos serviccedilos puacuteblicos a reduccedilatildeo dos subsiacutedios estatais

e a difusatildeo da ideacuteia de que a provisatildeo privada eacute relativamente mais atrativa Como

consequumlecircncia recentes estudos concluiacuteram que a participaccedilatildeo dos consumidores de serviccedilos

puacuteblicos nos custos sociais reduziu a demanda por esses serviccedilos fazendo que o setor

puacuteblico se transformasse em um setor residual de bem-estar uma vez que o Estado passou a

se ocupar somente das famiacutelias com necessidades especiais eou de programas sociais

focalizados na pobreza absoluta Evidentemente essa estrateacutegia neoliberal reforccedilou a

terceirizaccedilatildeo e a privatizaccedilatildeo desses serviccedilos fundamentados em um contrato social que

exige contrapartida financeira de todos os cidadatildeos incluindo os mais pobres

Ainda com base em Johnson (1990) entende-se que esse tema envolve tambeacutem

uma questatildeo eacutetico-poliacutetica a saber eacute justa utilizaccedilatildeo de fundos puacuteblicos para apoiar

128

empresas privadas comerciais Nesta questatildeo o que estaacute em jogo eacute a redistribuiccedilatildeo dos

recursos puacuteblicos abrangendo desde o contribuinte ateacute os que oferecem benefiacutecios e serviccedilos

sociais e natildeo simplesmente a discussatildeo a respeito de quem deve prover os serviccedilos de bem-

estar Nessa discussatildeo merecem atenccedilatildeo questotildees referentes agrave forma de financiamento de

um serviccedilo ao grau em que o Estado subsidia a provisatildeo ao balanccedilo entre o financiamento

puacuteblico e o privado e ainda agrave regulaccedilatildeo da quantidade qualidade e o preccedilo dos serviccedilos Os

defensores mais ortodoxos do livre mercado apoiam a substituiccedilatildeo da provisatildeo social estatal

pela privada a reduccedilatildeo do financiamento oficial de serviccedilos sociais ao miacutenimo absoluto e ao

desaparecimento de todas as formas de regulaccedilatildeo estatal que natildeo forem iacutenfimas Ocorre

entretanto que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e certamente natildeo faraacute distribuiccedilotildees justas

o que tem induzido os pluralistas de bem-estar que reconhecem no mercado uma fonte

importante de satisfaccedilatildeo de necessidades a reconhecerem suas limitaccedilotildees o seu potencial de

exploraccedilatildeo e por conseguinte a apoiar a ideacuteia de que o Estado deva continuar a ter um

papel regulador por miacutenimo que seja Constata-se nessa posiccedilatildeo estrateacutegica dos pluralistas

uma tentativa de escamotear a tendecircncia de mercantilizaccedilatildeo de tudo o que eacute puacuteblico o que

justifica os cortes nos gastos sociais ajustes fiscais privatizaccedilotildees e outras medidas de

caraacuteter privatista Uma outra questatildeo levantada por Johnson (1990) eacute que para os pluralistas

os mercados privados podem vir a se constituir em ameaccedila para as organizaccedilotildees voluntaacuterias

dada a absorccedilatildeo direta destas organizaccedilotildees voluntaacuterias por esses mercados eou o desvio dos

fundos puacuteblicos para fins estritamente lucrativos contrapondo-se aos valores de altruiacutesmo e

serviccedilo que fundamentam a accedilatildeo caritativa espontacircnea

Por fim ao encerrar a apresentaccedilatildeo dos setores que compotildeem o pluralismo de

bem-estar vale referir que a ousadia do mundo contemporacircneo orientado pelo ideaacuterio

neoliberal torna-se ainda maior quando se percebe que o que estaacute sendo negado eou

ocultado eacute a histoacuteria em sua dimensatildeo totalizadora e como possibilidade concreta de

explicaccedilatildeo da realidade social em seu conjunto Os postulados da poacutes-modernidade que

tambeacutem se expressam na ideacuteia de pluralidade de bem-estar fundamentam-se em um real

multifacetado e mistificado para encobrir e natildeo expressar as contradiccedilotildees e paradoxos

presentes nesses processos O pluralismo de bem-estar apresenta-se assim como uma

categoria esvaziada de significaccedilotildees histoacutericas culturais e poliacuteticas e o desafio maior dos

que natildeo o aceitam onsiste em desmontar e desmistificar o que natildeo eacute explicitado e

combinar modalidades de organizaccedilatildeo e de mediaccedilotildees poliacuteticas capazes de fortalecer a

democracia e a cidadania recuperando a perspectiva de direitos universais

129

43 Assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um retorno

ao conservadorismo

Dada a importacircncia atribuiacuteda agrave famiacutelia e agraves suas relaccedilotildees primaacuterias nos

esquemas de provisatildeo social plural haacute que se dar destaque a essa agecircncia informal de bem-

estar tal como vem fazendo uma ampla literatura internacional Contudo concordando com

Johnson (1990) deve-se reconhecer que haacute atualmente uma grande variedade de famiacutelia

pois estaacute desaparecendo o modelo nuclear como caracteriacutestica baacutesica (adultos casados com

filhos dependentes) Evidecircncias histoacutericas mostram que atualmente a caracteriacutestica

definidora da famiacutelia eacute sua variabilidade

Mesmo assim estudos empiacutericos tecircm revelado o importante papel que vem

sendo atribuiacutedo agrave famiacutelia como fonte de assistecircncia em particular aos anciatildeos enfermos e

portadores de necessidades especiais pois o sistema de apoio muacutetuo eou reciacuteproco no

ambiente familiar ainda eacute bastante significativo Johnson (1990) cita os resultados do

estudo coordenado por Shamas ao afirmar que contrariando os supostos correntes sobre as

mudanccedilas no espaccedilo da famiacutelia e a desintegraccedilatildeo das relaccedilotildees familiares entre as geraccedilotildees

nas sociedades modernas avanccediladas tais mudanccedilas natildeo tecircm sido empiricamente

comprovadas O estudo de Shamas (apud JOHNSON 1990) demonstra que as geraccedilotildees

contemporacircneas mesmo que prefiram viver separadas do nuacutecleo familiar baacutesico ainda

buscam a chamada intimidade a distacircncia mantendo contatos e intercacircmbios constantes

Em decorrecircncia tem havido um interesse crescente na distribuiccedilatildeo de responsabilidade

assistenciais primaacuterias no seio das famiacutelias

Outra conclusatildeo de Shamas (apud JOHNSON 1990) eacute que a assistecircncia

familiar vem sendo preponderantemente ministrada pelas mulheres que passaram a ter uma

dupla atuaccedilatildeo tanto no campo da assistecircncia comunitaacuteria quanto na esfera da assistecircncia

familiar Nesta as esposas cuidam dos seus maridos as matildees de seus filhos e as filhas de

seus pais idosos eou enfermos e de seus irmatildeos incapacitados Eacute crescente tambeacutem a

assistecircncia comunitaacuteria praticada por vizinhas ou voluntaacuterias como atividade informal

Tais investigaccedilotildees demonstram que tem sido mantido o suposto tradicional de que o foco

primaacuterio da atuaccedilatildeo do homem eacute no mercado de trabalho e de atuaccedilatildeo da mulher ainda

que inserida no mercado de trabalho eacute a casa e a famiacutelia

A provisatildeo social familiar eacute colocada em primeiro lugar nos esquemas

informais de solidariedade por apresentar uma base mais forte de vinculaccedilatildeo afetiva Trata-

130

se de assistecircncia de maior confianccedila credibilidade qualidade e que oferece perspectivas

de continuidade Eacute esse conjunto de atividades que tem possibilidade de manter vivo o

setor informal da assistecircncia especialmente quando o Estado natildeo eacute mais o protagonista do

bem-estar A assistecircncia familiar distingue-se em particular por seus agentes sociais que

satildeo pessoas comuns e pelo cenaacuterio aberto e espontacircneo em que eacute produzida

Outra praacutetica dominante observada nos uacuteltimos anos no campo da assistecircncia

social tem sido a reduccedilatildeo do nuacutemero de pessoas residentes em instituiccedilotildees que passam a

serem atendidas no seio de suas famiacutelias ou domiciacutelios Muitos governos aderiram a essa

tendecircncia menos por princiacutepios humanitaacuterios e mais para contribuir com o propoacutesito

dominante de reduccedilatildeo do papel do Estado e de economizar recursos puacuteblicos (Informe da

Comunidade Europeacuteia em 1981 apud JOHNSON 1990) Trata-se neste caso de um

processo denominado de desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social geralmente sob o

argumento de que a institucionalizaccedilatildeo assistencial contrasta com a assistecircncia familiar e

comunitaacuteria em virtude de vaacuterios fatores tais como ruptura com o ambiente familiar e

com as relaccedilotildees interpessoais perda de autonomia de decisatildeo para determinar a proacutepria

rotina rigidez dos regimentos internos humilhaccedilatildeo nos procedimentos de admissatildeo aleacutem

de deterioraccedilatildeo e decadecircncia fiacutesica dos sistemas asilares dentre outros Diante desse

diagnoacutestico Johnson (1990) afirma que governos profissionais acadecircmicos e

administradores passaram a defender a desinstitucionalizaccedilatildeo ainda que a retoacuterica natildeo

tenha sido seguida pela accedilatildeo concreta eou ter sido facilitada pela transferecircncia de recursos

Essa tem sido uma das criacuteticas feitas agrave proposta de transferecircncia de pacientes das

instituiccedilotildees sociais agrave comunidade considerada ainda bastante irregular e insuficiente pois

muitos natildeo tecircm famiacutelia para acolhecirc-los ou se as tecircm os familiares natildeo estatildeo dispostos ou

natildeo sacirco capazes de prestar-lhes a assistecircncia adequada

44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de praacuteticas

tuteladoras e assistencialistas

Como foi informado a assistecircncia voluntaacuteria e a informal tambeacutem tecircm

recebido muita atenccedilatildeo pela corrente do pluralismo de bem-estar mas eacute bom que se diga

que a recente ideacuteia de assistecircncia comunitaacuteria natildeo procedeu do Estado nem tampouco de

setores comerciais ou mercantis Trata-se de uma forma de ajuda cotidiana natildeo-oficial que

131

responde por uma ampla gama de atividades sem fins lucrativos surgida mesmo no seio da

sociedade com o aval do Estado O conceito de rede assistencial na opiniatildeo de Johnson

(1990) tem a ver com a estrutura de relaccedilatildeo estabelecida entre os seus atores com papeacuteis e

intercacircmbios especiacuteficos

No setor informal a ecircnfase eacute dada agrave competecircncia privada sob a responsabilidade

de vaacuterios atores em particular da famiacutelia e dentro desta da mulher Conforme pesquisas

empiacutericas os registros da participaccedilatildeo do setor informal estatildeo mais focalizados nos tipos na

frequumlecircncia e na duraccedilatildeo dos contatos entre os atores sociais O desafio diz Johnson (1990)

consiste em construir uma unidade de medida que leve em conta tambeacutem a intensidade desses

contatos e sua significaccedilatildeo subjetiva via abordagem qualitativa

Com base nessas consideraccedilotildees percebe-se que a assistecircncia comunitaacuteria

conforme a visatildeo plural acaba sendo uma assistecircncia familiar articulada em rede primaacuteria

prestada a idosos crianccedilas e portadores de necessidades especiais (ou portadores de

deficiecircncia mental fiacutesica auditiva eou visual) Para Abrahamson (apud JOHNSON 1990

) poreacutem a espontaneidade que move a accedilatildeo desses atores natildeo eacute suficiente para caracterizar

essa assistecircncia comunitaacuteria pois a seu ver ela natildeo tem conotaccedilatildeo altruiacutesta Pelo

contraacuterio a assistecircncia comunitaacuteria nas sociedades industriais modernas eacute volaacutetil e por

isso pouco confiaacutevel o que leva Abrahamson a usar o termo reciprocidade para definir o

que denomina de assistecircncia pela comunidade e natildeo-comunitaacuteria A assistecircncia pela

comunidade efetiva-se porque invariavelmente estaacute ligada a percepccedilotildees de vantagens

reciacuteprocas a curto ou a longo prazos uns ajudam os outros Walker (apud JOHNSON

1990) adota um conceito menos ceacutetico ainda que limitado Trata-se do que ele denomina

de assistecircncia na comunidade a qual se efetiva quando eacute proporcionada informalmente

pelas redes familiares de vizinhos amigos ou voluntaacuterios ou ainda formalmente pelos

serviccedilos sociais puacuteblicos O campo das definiccedilotildees de assistecircncia comunitaacuteria segundo

Johnson (1990 p 100) tem sido ampliado em decorrecircncia do interesse demonstrado pelas

redes assistenciais de ajuda informal e tambeacutem por um maior reconhecimento e

importacircncia dada agrave assistecircncia voluntaacuteria Estudos acadecircmicos indicam como tendecircncia a

possibilidade de ocorrerem distintas estrateacutegias assistenciais conforme distintos grupos

eacutetnicos ou classes sociais

Johnson (1990 p 103) ressalta ainda que caso se pretenda uma assistecircncia

comunitaacuteria exitosa eacute preciso elaborar um plano cuidadoso pois uma ampla gama de

serviccedilos comunitaacuterios natildeo vai custar certamente menos que a assistecircncia oficial e

132

institucionalizada Por isso argumenta que se assistecircncia comunitaacuteria informal significa

promover uma assistecircncia inadequada transferindo o dever do Estado agraves famiacutelias eou

privatizando as financcedilas entatildeo se trata tatildeo e uacutenicamente de uma atenccedilatildeo aos interesses

econocircmicos Esta modalidade de assistecircncia estaacute baseada quase sempre natildeo na comunidade

no sentido territorial do termo mas na famiacutelia (parental) na raccedila ou na religiatildeo

Portanto tais estudos satildeo reveladores de quanto a visatildeo pluralista de bem-estar

neoliberal se distanciou da ideacuteia original de pluralismo de bem-estar puacuteblico e universal

discutida no campo da poliacutetica de assistecircncia social apoacutes 1945 natildeo tendo qualquer

semelhanccedila eou qualquer significado comum A transferecircncia das accedilotildees assistenciais para

o acircmbito da sociedade nessa perspectiva tem expressado sobretudo a transferecircncia natildeo

soacute do protagonismo do Estado mas sobretudo do compromisso eacutetico e do dever puacuteblico

para o setor privado

45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da

provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria

A divisatildeo de tarefas assistenciais no interior das famiacutelias tem sido apontada

como uma tendecircncia geral dominante como confirma um estudo da Comissatildeo de

Igualdade de Oportunidades realizado em ManchesterGratilde Bretanha em 1982 (apud

JOHNSON 1990 p 106) ldquoa partir do momento em que as atitudes e as praacuteticas dentro da

sociedade continuam colocando sobre as mulheres as responsabilidades primaacuterias para as

funccedilotildees assistenciais a maioria das cuidadoras satildeo mulheresrdquo Este estudo indica ainda

que a maioria das mulheres seratildeo em algum momento de suas vidas cuidadoras em face

das demandas familiares e da tendecircncia de transferecircncia de responsabilidades do Estado

para o setor informal Espera-se que a mulher abandone ou reorganize o tempo de seu

trabalho para cuidar de si mesma eou dos membros da famiacutelia quando eles requerem

atenccedilatildeo especial eou constante Ela ateacute mesmo recebe pressatildeo da sociedade para exercer a

funccedilatildeo de cuidadora assistencial natildeo se esperando que os homens assumam esse papel de

forma reciacuteproca nem para si e muito menos para os familiares

A revisatildeo da literatura especiacutefica realizada por vaacuterios autores46 sobre a

assistecircncia comunitaacuteria informal nas sociedades modernas avanccediladas sustenta que as

46 Ver Parker (1985)Charlesworth (1984) Gilbert (1983) e Thompson (1985) (apud Johnson 1990 p 106-108)

133

mulheres continuam arcando com o ocircnus e a maior parte das responsabilidades

assistenciais com um gasto de tempo diaacuterio nas atividades de provisatildeo bastante

significativo e com os custos dessa assistecircncia Essa tendecircncia que estaacute sendo denominada

de feminizaccedilatildeo da assistecircncia comunitaacuteriafamiliar estaacute presente natildeo soacute nos paiacuteses

avanccedilados da Comunidade Europeacuteia e nos Estados Unidos da Ameacuterica mas jaacute se estendeu

a outras sociedades industrializadas incluindo a Ameacuterica Latina e o Brasil

Gilbert (apud JOHNSON 1990) sustenta que nos EUA em um futuro

previsiacutevel como no passado todas as cargas da assistecircncia familiar estaratildeo nas matildeos das

mulheres Essa tendecircncia confirma-se tambeacutem na Sueacutecia paiacutes em que 80 das mulheres

trabalham fora de casa e existe uma maior igualdade entre os sexos e as mulheres

continuam sendo as fontes principais da assistecircncia familiar e comunitaacuteria Em vista disso

conforme Johnson (1990) eacute difiacutecil prever o impacto causado pela atividade familiar no

acircmbito da sauacutede tanto sobre os que a exercem como sobre quem a recebe A assistecircncia

familiar eacute um trabalho penoso e constante que se daacute durante o dia e tambeacutem agrave noite

especialmente quando voltado para anciotildees e enfermos O esforccedilo fiacutesico contiacutenuo e o sono

interrompido geram desgastes fiacutesicos mentais e emocionais ocasionando na maioria das

vezes problemas seacuterios de sauacutede nas cuidadoras As categorias mais simples desses

problemas e que tecircm maior amplitude entre as mencionadas nos estudos satildeo a depressatildeo e

a ansiedade atribuiacutedas ao estresse contiacutenuo e prolongado Dentre os aspectos negativos

avaliados como responsaacuteveis pelas causas das tensotildees existentes nas famiacutelias que assumem

o ocircnus de algum cuidado especial relativo agrave sauacutede de um de seus membros e que recaem

sobre a mulher destacam-se a) discussotildees intermediadas pela mulher como advogada da

paz b) perda de privacidade de todos os membros da famiacutelia (mulher marido e filhos) c)

deterioraccedilatildeo das relaccedilotildees conjugais (marido e mulher) d) monopoacutelio do parente idoso eou

dos filhos Ainda haacute outras circunstacircncias decorrentes como o aumento de gastos extras o

confinamento em casa que leva ao isolamento social a ausecircncia de alternacircncia entre os

familiares de ajuda agrave mulher e sobretudo o total comprometimento de seu tempo de oacutecio

e lazer Uma outra desvantagem apontada pelas mulheres pesquisadas que se ocupam da

assistecircncia familiar tem sido a dificuldade para encontrar trabalho em tempo integral e ateacute

mesmo parcial e ainda com horaacuterio que seja adequado agrave rotina de quem eacute cuidadora

familiar o que por si soacute coloca a cuidadora em desvantagem em relaccedilatildeo aos colegas de

trabalho e ainda em situaccedilatildeo vulneraacutevel a uma provaacutevel reduccedilatildeo do salaacuterio e de falta de

perspectivas de ascensatildeo funcional De novo as conflituosas demandas da assistecircncia

134

familiar penalizam as mulheres Estudos apontam ademais que muitas acabam

abandonando o trabalho ou optam pelas desvantagens de um tempo parcial diante do

desafio de tentar combinar o trabalho remunerado fora de casa com a assistecircncia familiar

O ciacuterculo vicioso entatildeo se forma ou seja como consequumlecircncia imediata de

qualquer uma das opccedilotildees mencionadas acima ocorre a reduccedilatildeo do orccedilamento familiar o

que vai afetar a todos e reduzir substancialmente a qualidade da assistecircncia prestada pela

impossibilidade de a famiacutelia arcar com os gastos extras necessaacuterios

A seguir a tabela 1 demonstra o percentual de trabalhadoras femininas na faixa

etaacuteria de 15 a 64 anos em toda a Uniatildeo Europeacuteia (UE) no periacuteodo de 1960 a 1995 Os

regimes analisados satildeo anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo (Europa do Sul)

Apesar de os nuacutemeros indicarem um aumento progressivo no periacuteodo analisado a

porcentagem de trabalhadoras da Europa do Sul ainda eacute baixa quando comparada agraves demais

regiotildees mostrando que as mulheres ainda relutam em conciliar as atribuiccedilotildees domeacutesticas

com o trabalho fora de casa A literatura especializada (JOHNSON 1990 ESPING-

ANDERSEN 2004 USSEL 2001) atribui como causa dessa particularidade dos paiacuteses da

Europa do Sul especialmente em relaccedilatildeo agrave Espanha a questatildeo cultural Trata-se de culturas

extremamente conservadoras e arraigadas aos valores tradicionais da famiacutelia e nelas agraves

claras definiccedilotildees em relaccedilatildeo aos distintos papeacuteis do homem e da mulher Em que pesem as

mudanccedilas recentes ocorridas nessas sociedades em relaccedilatildeo ao papel das novas geraccedilotildees

ainda prevalece a ideacuteia de que ao homem compete ser o chefe de famiacutelia e agrave mulher o papel

de dona de casa eou de cuidadora social ateacute mesmo em substituiccedilatildeo ao papel do Estado na

aacuterea de assistecircncia social pela ausecircncia de uma efetiva poliacutetica familiar

Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de 15-64

anos na Uniatildeo Europeacuteia (EU)_ 1960-1995

Regimes 1960 1974 1995 (1960-1995)

Anglo-Saxatildeo

461

543

660

+199

Continental 421 449 592 +171

Noacuterdico

489 609 725 +236

Mediterracircneo 316 376 490 +174

Fonte OECD-(1997 p 41 apud MORENO 2000 quadro 22)

Johnson (1990) afirma que no terreno conflituoso de demandas por assistecircncia

comunitaacuteria familiar os defensores do pluralismo de bem-estar apoiam-se intensamente no

trabalho natildeo-pago das mulheres natildeo apenas na famiacutelia mas tambeacutem no espaccedilo das organizaccedilotildees

135

voluntaacuterias Em vista disso o setor voluntaacuterio tornou-se tambeacutem um amplo campo para a

participaccedilatildeo feminina a exemplo do setor informal Soma-se a essa tendecircncia a natildeo-

profissionalizaccedilatildeo e a despolitizaccedilatildeo de um nuacutemero significativo de mulheres que liberadas pelos

filhos (jaacute adultos) das atribuiccedilotildees maternas e domeacutesticas aderiram ao trabalho voluntaacuterio

dedicando a ele grande parte de seu tempo Contudo Johnson (1990) argumenta que o setor

informal eacute o que proporciona atualmente a maior assistecircncia comunitaacuteria em relaccedilatildeo a todos os

outros setores juntos (serviccedilos puacuteblicos setor comercial ou mercantil voluntaacuterio e outros)

Percebe-se assim que o aprofundamento do debate sobre o impacto e as

tendecircncias em curso no campo da poliacutetica comunitaacuteria familiar no contexto do pluralismo

de bem-estar informal remete e inclui necessariamente aleacutem da questatildeo da ausecircncia de

centralidade do Estado o debate sobre os direitos das mulheres (a creches ao trabalho

remunerado ao lazer etc) Uma outra questatildeo consiste em avaliar e identificar as

diferentes vias de inter-relaccedilatildeo entre a assistecircncia formal e assistecircncia informal em uma

perspectiva de reciprocidade e complementaridade No limite isso equivale articular a

ajuda informal com as prioridades e os recursos (materiais humanos e financeiros) dos

serviccedilos puacuteblicos formais mediante o incremento de poliacuteticas sociais puacuteblicas executadas

pelo Estado e natildeo como um bem social exclusivo e restrito agrave sociedade via assistecircncia

informal comunitaacuteria Essa perspectiva certamente natildeo contempla a dimensatildeo puacuteblica e

universalizadora e sim a informalidade e a feminizaccedilatildeo da provisatildeo social em nome de

uma suposta solidariedade que natildeo produz cidadania social

Os estudos de Anttonen e Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) tratam dos

futuros alternativos ao bem-estar e afirmam que tatildeo importante quanto a igualdade de

oportunidades e de condiccedilotildees eacute a igualdade de gecircnero o que remete agrave questatildeo das diferenccedilas

sexuais entre homens e mulheres Essas autoras preocupam-se em aprofundar teoricamente

essas questotildees para identificar as opccedilotildees que as mulheres tecircm para ficar fora dessas

responsabilidades soacutecio-familiares comparando-as com o quadro atual de provisatildeo social

estatal Em seu estudo sobre o pluralismo de bem-estar e sobre o que denomina de bem-estar

amigavelmente feminino modelo desenvolvido na Sueacutecia elas fazem uma anaacutelise comparada

desses dois modelos de bem-estar com ecircnfase agrave investigaccedilatildeo sobre o poder poliacutetico presente

nessas duas racionalidades Ao privilegiar as relaccedilotildees de gecircnero (1995 p 3) as autoras

analisam o impacto desses aspectos no desenvolvimento do Estado de Bem-estar Em 1991

percebendo a influecircncia do pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal Antonnen y

Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) dirigiram o foco de suas investigaccedilotildees para as

136

diferentes maneiras de produccedilatildeo de cuidados existentes O quadro 6 apresenta uma

heterogecircnea classificaccedilatildeo elaborada por essas autoras que inclui oito formas de produccedilatildeo

de cuidados quais sejam voluntaacuteria comercial mercado cinzento seguro social puacuteblico

marginal puacuteblico universal pagamento pelos cuidados e a familista contrastando-as com

as figuras do financiador final do prestador de cuidados do produtor e da forma de

financiamento

Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados

Formas de produccedilatildeo de cuidado

Financiador final

Forma de financiamento Produtor Prestador

dos cuidados

Voluntaacuteria Filantropos Doaccedilatildeo Organizaccedilatildeo voluntaacuteria

Voluntaacuterio

Comercial Pessoa de classe alta Pagamento integral Empresa Trabalhadores empregados

Mercado cinza Pessoas de classe meacutedia

Dinheiro em espeacutecie Famiacutelia Trabalhadores pagos

Seguro social Segurados Precircmio Organizaccedilatildeo contratada

Trabalhadores empregados

Puacuteblico marginal Pagadores de impostos

Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados

Puacuteblico universal Pagadores de impostos

Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados

Pagamento pelos cuidados

Pagadores de impostos

Imposto Famiacutelia Famiacutelias semipagas

Familista

Famiacutelia

Trabalho

Famiacutelia

Membros natildeo-pagos

Fonte Anttonen Sipilatilde ( apud ABRAHANSON 1995)

Ao selecionarem as oito formas de se produzir cuidados Antonnen e Sipilatilde

(apud ABRAHANSON 1995) resgatam dados interessantes da variedade de situaccedilotildees

remuneradas e natildeo remuneradas existentes no campo dos cuidados assistenciais Em

relaccedilatildeo agrave uacuteltima coluna o estudo das autoras evidencia como o campo de prestaccedilatildeo de

cuidados na perspectiva neoliberal eacute difuso e heterogecircneo (vaacuterios atores e setores) pois

respondem por essa atribuiccedilatildeo tanto os segmentos voluntaacuterios como trabalhadores

empregados trabalhadores pagos famiacutelias semipagas e ainda membros natildeo-pagos o que

dificulta ainda mais a identificaccedilatildeo dessa modalidade de bem-estar bem como o perfil do

prestador de cuidados na perspectiva de gecircnero e dos sujeitos e processos

Diversificadas tambeacutem satildeo as formas de financiamento uma vez que ocorrem

tanto na forma de doaccedilotildees como de pagamento integral dinheiro em espeacutecie imposto e

trabalho podendo ser o produtor de cuidados uma organizaccedilatildeo voluntaacuteria ou uma

empresa a famiacutelia (familismo) a organizaccedilatildeo contratada ou ateacute mesmo a autoridade

137

local Eacute curioso que na forma de produccedilatildeo de cuidados denominada familista em que o

produtor de cuidados eacute a proacutepria famiacutelia a forma de financiamento se daacute mediante o

trabalho nacirco-pago de seus membros e o financiador final eacute tambeacutem a proacutepria famiacutelia que

exime o Estado desse ocircnus

Em siacutentese nessa perspectiva a centralidade da famiacutelia ganha materialidade

pois essa instacircncia cria a forma de financiamento (trabalho) e produz o cuidado ao mesmo

tempo em que o financia

SEGUNDA PARTE

CAPIacuteTULO V

MODELO LATINO

51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino

Para analisar e qualificar o modelo latino desenvolvido pelos paiacuteses do Sul da

Europa eacute preciso antes contextualizaacute-lo no acircmbito da tipologia que o contempla dentre

as vaacuterias existentes Trata-se da classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) que seguindo o

exemplo de vaacuterios estudiosos da poliacutetica social com base nos trabalhos de Wilenski e

Lebraux (1965) Titmuss (1974) Korpi e Esping-Andersen (1984) dentre outros apresenta

particularidades que necessitam ser conhecidas visto que contemplam referecircncias regionais

excluiacutedas nas demais tipologias se bem que ainda restritas aos chamados paiacuteses do

primeiro mundo Aleacutem disso a tipologia de Abrahamson (1995) apresenta aspectos

pertinentes a esta tese ao incluir o Sul da Europa e qualificaacute-lo como modelo latino e ao

tratar da assistecircncia social na perspectiva do pluralismo de bem-estar

A primeira tipologia de Estado de Bem-estar surgiu nos anos 1960 e foi elaborada

por Wilenski e Lebraux em 1965 (apud JOHNSON 1990) Distinguiu-se por fundamentar-se

em duas categorias apenas a residual e a institucional Essa classificaccedilatildeo foi feita na Europa

apoiada em estatiacutesticas referentes aos paiacuteses desenvolvidos elaboradas por organismos

internacionais tais como OCDE OIT UE e ONU Sua base de comparaccedilatildeo reside na relaccedilatildeo

entre o montante do gasto social ou de seu ritmo de empenho e o grau de desenvolvimento

econocircmico dos paiacuteses contemplados e a estrutura etaacuteria de sua populaccedilatildeo A perspectiva analiacutetica

dessa classificaccedilatildeo eacute predominantemente econocircmica e o principal fator explicativo do

desenvolvimento da poliacutetica social eacute a industrializaccedilatildeo tanto que os autores ficaram famosos por

sustentar a ideacuteia haacute muito rejeitada de que o gasto social eacute o principal indicador de poliacuteticas

sociais adiantadas ou atrasadas Aliada a essa ideacuteia a industrializaccedilatildeo passou a ser vista como o

principal fator de desenvolvimento e crescimento econocircmico e de evoluccedilatildeo da poliacutetica social

Vinculou-se entatildeo diretamente o desenvolvimento da poliacutetica social agrave loacutegica da industrializaccedilatildeo

e agraves transformaccedilotildees sociais por esta engendradas isso porque a industrializaccedilatildeo estaacute associada a

um crescente processo de urbanizaccedilatildeo e de destruiccedilatildeo das redes tradicionais de proteccedilatildeo social agrave

medida que o desenvolvimento da economia de mercado passou a predominar A ecircnfase agrave

140

industrializaccedilatildeo como um processo irreversiacutevel o qual mais cedo ou mais tarde todos os paiacuteses

experimentariam constitiu o alicerce da teoria da convergecircncia da qual os autores

compartilhavam Por essa teoria a loacutegica da industrializaccedilatildeo movida por imperativos

tecnoloacutegicos levaria ao estabelecimento de mecanismos de proteccedilatildeo social e de poliacuteticas

educativas crescentemente similares o que conduziu agrave crenccedila prevalecente ateacute os finais dos

anos 1970 no fim das ideologias e da luta de classes bem como da lealdade das massas47 com o

concurso das poliacuteticas sociais

Uma vez questionadas as teses da convergecircncia dos modelos de proteccedilatildeo

social e do fim das ideologias deu-se iniacutecio agrave divulgaccedilatildeo de estudos que tratavam de

identificar o papel da poliacutetica (em seu caraacuteter representativo das estruturas poliacuteticas

sistemas de partidos ideologias partidaacuterias e a proacutepria burocracia puacuteblica) no curso da sua

evoluccedilatildeo Eacute o que Castles (1982 apud JOHNSON 1990) denominou de a batalha dos

paradigmas que ocorreu desde que o papel da poliacutetica social passou a despertar o interesse

de estudiosos e analistas inclusive de esquerda

Na perspectiva apresentada por Wilenski e Lebraux (apud JOHNSON 1990) a

concepccedilatildeo residual de proteccedilatildeo social cabe agrave iniciativa da sociedade civil que se daacute pelo

mercado famiacutelia organizaccedilotildees religiosas das empresas enfim espaccedilos privados capazes

de assegurar os mecanismos de provisatildeo e de financiamento da proteccedilatildeo social As

administraccedilotildees puacuteblicas somente devem prover serviccedilos para aqueles segmentos pobres

que natildeo dispotildeem de acesso a essas instituiccedilotildees sendo portanto de alcance e qualidade

limitados e alguns no niacutevel miacutenimo de subsistecircncia As caracteriacutesticas do modelo

institucional satildeo contraacuterias agraves do modelo residual que natildeo entende os pobres ou

marginalizados como os uacutenicos beneficiaacuterios da poliacutetica social A proteccedilatildeo aos grupos

socialmente vulneraacuteveis estende-se a uma cidadania mais ampla isto eacute a todos os

trabalhadores assalariados ou autocircnomos e agravequeles de quem a famiacutelia depende de seu

salaacuterio para sobreviver Satildeo dadas garantias mediante programas de renda para todos que

natildeo podem mais vender sua forccedila de trabalho no mercado (por enfermidade velhice ou

morte) A provisatildeo de serviccedilos socialmente considerados baacutesicos eacute considerada de

responsabilidade do Estado Nesse caso o desenvolvimento das instituiccedilotildees do Estado de

Bem-estar constitui-se na materializaccedilatildeo dos direitos sociais reconhecidos e afianccedilados

nas constituiccedilotildees e nas leis de cada paiacutes

47 Ver a siacutentese sobre tais argumentos (de uma escola e de outra) na claacutessica obra de Mishra (1977)_ Society and social policy_ e na introduccedilatildeo de Carrero no texto de Gough (1982^_ Economia poliacutetica del Estado del B ienestar

141

No entanto segundo JOHNSON (1990) a tipologia de Wilenski e Lebraux em

1968 que se mostrou aparentemente adequada para um modelo de proteccedilatildeo social aplicado

por alguns paiacuteses durante os anos 1960 revelou-se insuficiente para dar conta da evoluccedilatildeo

posterior desses paiacuteses (Austraacutelia Nova Zelacircndia Canadaacute Estados Unidos da Ameacuterica) e agrave

variedade de poliacuteticas sociais praticadas pelos paiacuteses europeus

Diacutegna de nota eacute a tipologia de Welfare State elaborada por Richard Titmuss (apud

JOHNSON 1990) um destacado fabiano a partir do final dos anos 1960 porque ela

influenciou quase todas as classificaccedilotildees subsequumlentes do gecircnero De acordo com Johnson

(1990) Titmuss concebeu trecircs modelos de Estado de Bem-estar_residual industrial e

institucional redistributivo_pois as tipologias servem para ajudar a ver alguma ordem em toda

a desordem e confusatildeo aparente dos fatos Nesse sentido Titmuss aperfeiccediloou a tipologia de

Wilenski e Lebraux (1965) e introduziu um terceiro modelo intermediaacuterio denominado

industrial (laboral) em que as necessidades sociais satildeo satisfeitas com base no criteacuterio do

meacuterito do trabalhador e conforme sua produtividade modelo chamado de meritocraacutetico Em

siacutentese o modelo residual implica papel miacutenimo do Estado na medida em que enfatiza o papel

do mercado empresas famiacutelia ONGs igrejas etc O industrial vincula e condiciona a

provisatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social e de bem-estar ao trabalho e agrave produtividade

condicionando o atendimento agraves necessidades sociais ao meacuterito do trabalhador O institucional

redistributivo reconhece a importacircncia do papel do Estado de Bem-estar na regulaccedilatildeo e

provisatildeo social assim como na distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais

No seu esforccedilo de compreender os diferentes tipos de poliacutetica social em

circulaccedilatildeo Titmus (apud JOHNSON 1990) compocircs outra tipologia poreacutem natildeo mais

dos Estados de Bem-estar mas do proacuteprio bem-estar ou da poliacutetica social social fiscal

e ocupacional que inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho

Para Titmus (1963) esses trecircs modelos podem ser encontrados simultaneamente em

um mesmo contexto nacional e decorrem de trecircs categorias de bem-estar social que

compreende uma diversidade de serviccedilos sociais fiscal que abrange uma ampla gama

de subsiacutedios e isenccedilotildees de impostos e por uacuteltimo o ocupacional que como jaacute

mencionado inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho

Johnson (1990) referindo-se agrave classificaccedilatildeo de Titmus (1963) argumenta que o modelo

residual foi ganhando adeptos e se tornando hegemocircnico em toda a Europa e

posteriormente nos EUA e que a principal decorrecircncia dessa tendecircncia

particularmente eacute diminuiccedilatildeo de uma densidade superior no processo de sindicalizaccedilatildeo

142

do trabalho levando agrave despolitizaccedilatildeo da poliacutetica social Uma outra razatildeo apresentada

por Johnson (1990) eacute que o modelo industrial (ou comercial) que se tornou

hegemocircnico estava centrado no individualismo e em criteacuterios de merecimento

responsabilizando o indiviacuteduo por eventual fracasso em suas condiccedilotildees de vida Por

fim o modelo institucional distributivo caracterizou-se por colocar o Estado em

oposiccedilatildeo ao mercado

Apesar de seu avanccedilo e inovaccedilatildeo a tipologia de Estados de Bem-estar de Titmus

foi posteriormente considerada restrita e ambiacutegua em certos aspectos especialmente por

centrar-se na praacutetica da poliacutetica em detrimento das ideologias ou regimes poliacuteticos que

condicionam Assim sua tipologia foi mais tarde reeleborada por Korpy e Esping Andersen

em 1984 (apud JOHNSON 1990) autores que apresentaram uma classificaccedilatildeo dos Estados de

Bem-estar e dos modelos de poliacutetica social que do ponto de vista heuriacutestico eacute considerada

mais completa em que pese o pioneirismo de Titmus

Korpy e Esping Andersen (1984) ao tratarem do desenvolvimento do modelo

escandinavo de Estado de Bem-estar distinguem trecircs grandes modelos poliacuteticos o liberal

o conservador corporativista e o social-democraacutetico48

Privilegiam como paracircmetro regimes ou ideologias poliacuteticas predominantes nas

trecircs economias poliacuteticas que expressam as diferentes concepccedilotildees de Estado de Bem-estar (liberal

conservadora e social-democrata) que por sua vez expressam trecircs distintas concepccedilotildees de Estado

de Bem-estar a saber Estados de Bem-estar de regimes liberais (com ecircnfase ao mercado)

Estados de Bem-estar de regimes conservadores (com origem em regimes autoritaacuterios que

buscam preservar a hierarquia social o status quo as diferenccedilas de classe) Estados de Bem-estar

de regimes social-democratas (com ecircnfase ao papel do Estado como principal agente de

proteccedilatildeo social e de garantia de direitos) O modelo social democraacutetico (vigente na Sueacutecia

Noruega Dinamarca e Finlacircndia) caracterizou-se pelo reconhecimento da centralidade do Estado

como principal agente de proteccedilatildeo social Nesse modelo a garantia de acesso aos serviccedilos

sociais puacuteblicos foi considerado universal e extensivo a toda cidadania e o objetivo do pleno

emprego foi mantido A exposiccedilatildeo da tipologia apresentada por Korpy e Esping Andersen

(1984) refere-se agraves condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas prevalentes nas economias capitalistas

avanccediladas nos anos de 1970 e 1980

48 Esping-Andersen apresentou o modelo escandinavo de Bem-estar em suas obras a) As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova Satildeo Paulo n 24 1994 e b) O futuro do Welfare State na nova ordem mundial Lua Nova Satildeo Paulo n 35 1995 (do original The three worlds of welfare capitalism publicado em 1990)

143

No entanto na opiniatildeo de Johnson (1990) para Esping-Andersen os social-

democratas buscavam um Estado de Bem-estar que promovesse uma igualdade nos

segmentos mais elevados e natildeo uma igualdade baseada na satisfaccedilatildeo das necessidades

miacutenimas porque a seu ver o princiacutepio da desigualdade diante do princiacutepio meritocraacutetico

tem um status privilegiado na configuraccedilatildeo das poliacuteticas sociais singulares Assim os

princiacutepios da igualdade e da necessidade deveriam condicionar decisivamente o niacutevel de

prestaccedilotildees a que se tem direito no acircmbito dos serviccedilos sociais O modelo conservador

corporativista (vigente na Europa Continental ndash Alemanha Itaacutelia Franccedila Beacutelgica Holanda

Espanha etc) tambeacutem proporcionou um sistema de proteccedilatildeo social e de bem-estar extensivo

agrave populaccedilatildeo No entanto apesar de produzir um debate influente os princiacutepios que regem

sua arquitetura de proteccedilatildeo social estatildeo estreitamente vinculados agraves condiccedilotildees de trabalho agrave

produtividade e ao princiacutepio distributivo (e natildeo-redistributivo) de ganho pessoal eou

individual A garantia de acesso aos serviccedilos assistenciais e agraves prestaccedilotildees natildeo-contributivas

estaacute sujeita agrave comprovaccedilatildeo de necessidade (means tested) Nesse sentido o princiacutepio da

igualdade ocupa um lugar subordinado no sistema de proteccedilatildeo social e limita seu potencial

redistributivo tatildeo ao gosto dos regimes autoritaacuterios (neoliberais) que influenciaram o

modelo conservador no que se refere agrave manutenccedilatildeo e agrave preservaccedilatildeo da hierarquia social

(status quo) e das diferenccedilas de classe

Na vigecircncia do modelo liberal (Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Austraacutelia

e Nova Zelacircndia) ainda segundo Esping Andersen predominaram aleacutem do esvaziamento

da funccedilatildeo reguladora e provedora do Estado ldquoa ajuda aos que comprovam que natildeo tecircm

meios e as transferecircncias universais de planos modestos de seguros sociaisrdquo (JOHNSON

1990 p 47) Neste modelo satildeo considerados lugares normais para satisfazer demandas e

necessidades sociais o mercado a famiacutelia as empresas e outras instituiccedilotildees da sociedade

civil em substituiccedilatildeo ao Estado Os subsiacutedios do Estado natildeo satildeo distribuiacutedos entre a maior

parte da populaccedilatildeo dependente mas somente entre os segmentos que pertencem aos

estratos sociais mais baixos que por estarem fortemente estigmatizados apresentam-se sob

o signo de carecircncia e de falta de recursos Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado de Bem-

estar baseada no princiacutepio da subsidiaridade49

Segundo Johnson (1990) no iniacutecio dos anos 1980 dentre os autores que

enfatizaram o papel da poliacutetica destacaram-se Castles em 1982 e os autores marxistas

49 Com base no princiacutepio liberal da subsidiaridade a intervenccedilatildeo do Estado mediante subsiacutedios somente se daacute no campo da provisatildeo e da poliacutetica social quando as instituiccedilotildees da sociedade (mercado famiacutelia ONGs) natildeo podem mais garantir a proteccedilatildeo social agraves pessoas ou grupos sociais

144

suecos Korpi e Esping-Andersen em 1984 que ressaltaram sobretudo como fatores

determinantes a partir do periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial a participaccedilatildeo dos

partidos poliacuteticos na ecircnfase dada ao papel da poliacutetica na poliacutetica social e em suas

articulaccedilotildees poliacuteticas Em seus estudos Castles evidencia que naquela conjuntura o

crescimento dos gastos sociais com educaccedilatildeo na Europa estava mais relacionado com os

governos de direita e o crescimento dos serviccedilos sociais e de sauacutede com forte expansatildeo

dos empregos puacuteblicos estava associado aos governos de esquerda ao mesmo tempo em

que a evoluccedilatildeo dos gastos com programas de garantia de renda miacutenima natildeo ficaram

afetados pela composiccedilatildeo dos distintos governos (JOHNSON (1990)

Korpi e Esping Andersen (1984) salientam ainda como fator determinante

a capacidade demonstrada pelo movimento de trabalhadores desses paiacuteses para articular

seus interesses em sindicados fortes com uma representaccedilatildeo partidaacuteria hegemocircnica

conseguindo manter-se no poder por um periacuteodo prolongado graccedilas agrave sua forccedila

poliacutetica Para esses autores naquela conjuntura essa estrateacutegia poliacutetica permitiu ao

Estado capitalista desenvolver mecanismos de redistribuiccedilatildeo de renda de prestaccedilatildeo de

serviccedilos sociais natildeo mercantilizados mediante uma poliacutetica social ativa No entanto

naquela mesma conjuntura apoacutes a Segunda Guerra Mundial essa realidade apresentou-

se bastante diversa em outros paiacuteses (que natildeo os escandinavos) tais como Alemanha

Beacutelgica Franccedila e Itaacutelia nos quais as forccedilas poliacuteticas dominantes e em accedilatildeo eram de

direita (JOHNSON 1990)

Percebe-se que as tipologias elaboradas pelos autores citados tais como

Wilenski e Lebraux Richard Titmus e Korpi e Esping-Andersen buscam apreender a

complexidade da realidade social bem como reduzir a heterogeneidade observada no

momento de proceder agrave comparaccedilatildeo das distintas poliacuteticas sociais nacionais aspectos que

interessam a esta tese que propocirce um estudo sobre a assistecircncia social no contexto do

pluralismo de bem-estar em perspectiva comparada analisando o modelo latino e

identificando as convergecircncias latinas entre a poliacutetica de assistecircncia social praticada no sul

da Europa e no Brasil Indiscutiacutevelmente o ponto de vista a partir do qual tais tipologias

foram elaboradas eacute bastante variaacutevel mas todas se mantiveram em um plano analiacutetico mais

geral o que as torna passiacuteveis de adoccedilatildeo como paracircmetros abstratos se bem que limitados

Eacute importante destacar que embora essas tipologias sejam consideradas

insuficientes vaacuterios autores passaram a reconhecer sua importatildencia ao admitirem ldquoser

necessaacuterio incluir outras variaacuteveis indo aleacutem da comparaccedilatildeo dos niacuteveis de gastos

145

sociaisrdquo (JOHNSON 1990 p 27) porque nas anaacutelises sobre poliacuteticas sociais haacute que se

considerar a complexidade dos princiacutepios que as norteiam50 No entanto apesar dessas

concordacircncias eacute importante que se diga que o uso de tipologias ainda eacute visto com

restriccedilotildees pois conduz o analista a um reducionismo e a uma apressada generalizaccedilatildeo

Contudo na falta de um melhor instrumental as tipologias continuam a ser usadas com o

claro objetivo de reduzir a complexidade da realidade social a exemplo das primeiras

tipologias de Estado de Bem-estar

Para efeitos da discussatildeo desenvolvida neste capiacutetulo e conforme jaacute

assinalado a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) tornou-se pertinente dada a contribuiccedilatildeo

que seu modelo triangular oferece agrave anaacutelise das trecircs esferas que compotildeem o pluralismo de

bem-estar51

Abrahamson (1995) fala de um modelo triangular apresentado por ele na

metade dos anos 1980 que pressupotildee a existecircncia no seu interior de trecircs esferas_ mercado

Estado e setores sociais natildeo-mercantis ndash perante as quais recursos especiacuteficos podem ser

obtidos Aleacutem disso destaca a relaccedilatildeo existente entre os distintos modelos europeus em

relaccedilatildeo agrave ecircnfase institucional ao niacutevel de compensaccedilatildeo do bem-estar agrave fonte de

financiamento e ao papel do voluntariado A unidade central do modelo de bem-estar

mediterracircneo tambeacutem denominado por ele de modelo latino e ou catoacutelico eacute a famiacutelia o

qual apresenta as particularidades tratadas a seguir

O quadro 7 que apresenta a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) revela as

particularidades e os contrastes existentes entre os regimes de bem-estar europeus e em

particular as tendecircncias em curso na Europa do Sul onde predomina o modelo latino ou

catoacutelico Na sua classificaccedilatildeo consta de forma diferenciada um conjunto de regimes de

bem-estar europeus os quais denomina de catoacutelico (Europa do Sul) conservador liberal e

social-democrata e que satildeo dotados das caracteriacutesticas abaixo indicadas

Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar

Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata

Ecircnfase institucional Sociedade Civil Mercado Estado Estado

Unidade central Famiacutelia Mercado de trabalho local Governo central Governo local

Niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar

Baixo Alto Baixo Alto

50 Sobre tais argumentos ver tambeacutem BALDWIN Peter em La poliacutetica de solidariedad social Bases sociales del Estado de Bienestar europeo 1985-1975 Madrid MTSS 1992 51 Ver figuras 1 2 e 3 referentes ao modelo triangular apresentado por Peter Abrahamson (1995) agraves paacuteginas 94 e 95 desta tese

146

Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata

Compromisso com o pleno emprego

Baixo Baixo Baixo Alto

Compromiso como provedor de serviccedilos

ndash ndash + +

Principal fonte de financiamento

Mercado e redes Mercado Estado Estado

Ecircnfase aos seguros de mercado

+ + ndash ndash

Ecircnfase ao voluntariado + + + ndash

Fonte Abrahanson 1995 Europa do Sul

Dentre outros aspectos confirma-se a importacircncia institucional atribuiacuteda pelo

modelo latino ou catoacutelico ao papel da sociedade e nela agrave famiacutelia considerada celula

mater ou seja unidade central da sociedade e referecircncia desse modelo bem como ao papel

do voluntariado agraves novas funccedilotildees do mercado e das redes assistenciais primaacuterias como

principais fontes privadas de provisatildeo social Destacam-se tambeacutem nesse regime o baixo

compromisso do Estado em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de emprego e a ecircnfase atribuiacuteda aos

seguros advindos do mercado (mercadorizaacuteveis) em contraposiccedilatildeo agrave ideacuteia de Estado como

instacircncia regulamentadora das relaccedilotildees sociais e econocircmicas e como esfera provedora de

serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos) Daiacute o baixo niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar

desse regime ressaltado por Abrahamson (1995)

Esses contrastes e disparidades bem como as tendecircncias em curso na Europa

do Sul satildeo percebidos tambeacutem no quadro 8 que apresenta os principais traccedilos e

caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus classificados por Moreno (2000) como

anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo Eacute de Moreno (2000) portanto a

classificaccedilatildeo dos principais traccedilos dos regimes europeus em relaccedilatildeo agrave ideologia aos

subsiacutedios aos serviccedilos ao financiamento agrave questatildeo de gecircnero agrave natureza da provisatildeo

social agrave relaccedilatildeo entre pobreza e trabalho referentes ao modelo da Europa do Sul que ele

chama de mediterracircneo

147

Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus

Anglo-saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo

Ideologia Cidadania Corporatismo Igualitarismo Autonomia vital

Objetivos Capacitaccedilatildeo individual

Manutenccedilatildeo de rendas

Rede de serviccedilos sociais

Combinaccedilatildeo de recursos

Financiamento Impostos Cotizaccedilocirces laborais Impostos Misto

Subsiacutedios Quantia projetada (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis altos)

Quantia projetada (niacuteveis baixos)

Contributivos (niacuteveis baixos)

Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar

Provisacirco Misto quase mercados

Misto ONGs Puacuteblico Misto descentralizado

Mercado laboral Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal

Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho

parcial Feminizaccedilatildeo trabalho puacuteblico

Familismo ambivalente

Pobreza Cultura da dependecircncia

Cultura de integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial informal e voluntaacuteria

Fonte Moreno 2000 Europa do Sul

A classificaccedilatildeo de Moreno (2000) possibilita aleacutem da grande visibilidade dada

aos aspectos caracteriacutesticos de cada regime uma anaacutelise comparada entre os principais

traccedilos dos regimes europeus apresentados porque o meacutetodo de anaacutelise comparada tambeacutem

permite a experiecircncia de estudos de caso acerca de uma determinada realidade como

tambeacutem de um determinado sistema eou regime poliacutetico adotado por uma regiatildeo como eacute

o caso da Regiatildeo Sul da Europa Na concepccedilatildeo de Moreno (2003) a conformaccedilatildeo de um

regime de bem-estar implica um conjunto de instituiccedilotildees no qual se combinam recursos

legais materiais e organizativos de seus principais produtores de bem-estar quais sejam o

Estado a sociedadefamiacutelia e o mercado O autor defende a ideacuteia de que agrave loacutegica interna

das trecircs categorias mais conhecidas expostas por Esping Andersen em 1990 o anglo-

saxocircnico continental e noacuterdico (que passaram a informar o desenvolvimento futuro dos

regimes de bem-estar) deve-se acrescentar uma quarta categoria ou seja a do regime

mediterracircneo do qual fazem parte os paiacuteses que compotildeem a regiatildeo da Europa do Sul e

que no campo da proteccedilatildeo social implementam o chamado modelo latino Para Moreno

(2001 2002 2003) como tambeacutem para outros estudiosos dessa regiatildeo (SARASA

MORENO 1995 FERRERA 1996) no regime mediterracircneo a atuaccedilatildeo da famiacuteliamulher

e da Igreja constitui um elemento diferenciador e um traccedilo caracteriacutestico do modelo latino

porque as mulheres nessas sociedades tecircm protagonizado uma atuaccedilatildeo de caraacuteter

socialmente estruturante ao desenvolverem no espaccedilo dos hogares atividades essenciais

como trabalhadoras domeacutesticas e como cuidadoras sociais Argumenta o autor ainda que

148

ateacute mesmo as pesquisas que se fundamentam em anaacutelises de natureza estatal ao

enfatizarem a accedilatildeo determinante das instituiccedilotildees estatais centrais como uma grande

variaacutevel independente tecircm atribuiacutedo pouco valor aos resultados produzidos em relaccedilatildeo ao

nexo Estado gecircnerofamiacuteliamulher e trabalho

Com base nessa afirmaccedilatildeo de Moreno (2000) e sem abdicar da ideacuteia central da

presente tese de que compete agraves estruturas estatais o desenvolvimento dos sistemas

nacionais de provisatildeo e de proteccedilatildeo social puacuteblica este estudo considera que incluir em

uma investigaccedilatildeo as relaccedilotildees que determinam o referido nexo significa identificar aleacutem da

relaccedilatildeo entre o incremento do gasto social e a porcentagem do PIB do paiacutes analisado

elementos essenciais que explicitam o papel da sociedade em sua relaccedilatildeo com o Estado a

funccedilatildeo desempenhada pela famiacuteliamulher nos espaccedilos de trabalho e na produccedilatildeo de bem-

estar bem como a forma como se datildeo as transferecircncias de cuidados nos espaccedilos inter e

intrafamiliar A pesquisa desenvolvida por essa tese incorporou elementos produzidos por

esse nexo por entender que tais constataccedilotildees empiacutericas explicitam bastante os efeitos da

atuaccedilatildeo familiar e feminina na produccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar nessas realidades

Na regiatildeo do Sul da Europa em particular na Espanha observa-se como

tendecircncia contemporatildenea algumas mudanccedilas na organizaccedilatildeo da estrutura familiar como

a expansatildeo da adoccedilatildeo e constituiccedilatildeo de um modelo de famiacutelia diferente da tradicional

unidade familiar nuclear52 Na Espanha considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas

ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilatildeo A cohabitaccedilatildeo em

nuacutecleo familiar assemelha-se ao matrimocircnio Denomina-se hogar monoparental ou

nuclear monomparental o ambiente familiar constituiacutedo de pai sozinho ou de matildee

sozinha com filhos solteiros sem outreas pessoas e de ambiente familiar uninuclear ou

nuclear simples formado por casal sem filhos solteiros ou ainda casal com filhos

solteiros sem outras pessoas conforme demonstra o quadro 9

52 Segundo Moreno (2003) na Espanha a unidade familiar que sempre se apresentou em sua constituiccedilatildeo como nuacutecleo mater (famiacutelia nuclear marido mulher e filhos) natildeo tem o mesmo significado que o do conhecido termo espanhol hogar Ressalta que muito embora sejam usados como tal os termos famiacutelia nuclear e hogar natildeo satildeo sinocircnimos A unidade domeacutestica familiar estaacute referida a um conjunto de pessoas que convivem repartindo recursos materiais dentre eles a moradia Os sujeitos dos hogares costumam compor grupos de pessoas que tecircm traccedilos de consanguumlinidade Portanto tradicionalmente consanguumlinidade e parentesco tecircm sido os laccedilos habituais que determinam a constituiccedilatildeo e identificaccedilatildeo dos hogares nesse paiacutes

149

Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares)

Denominaccedilatildeo Composiccedilatildeo do hogar (ambiente familiar) Coacutedigo

Unipessoal ou solitaacuterio

Sem nuacutecleo

Uninuclear ou nuclear simples

Monoparental ou nuclear-monoparental

Extenso ou nuclear extenso

Muacuteltiplo ou plurinuclear

Ambiente no qual vive uma soacute pessoa

Duas ou mais pessoas que natildeo formam um nuacutecleo familiar tenham ou natildeo relaccedilatildeo de parentesco entre elas

Casal sem filhos solteiros sem outras pessoas Casal com filhos solteiros sem outras pessoas

Pai sozinho com filhos solteiros sem outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros sem outras pessoas

Casal sem filhos solteiros com outras pessoas Casal com filhos solteiros com otras pessoas Pai sozinho com filhos solteiros com outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros com outras pessoas

Dois ou mais nuacutecleos familiares que convivem no ambiente (hogar)

S

O

A B

C D

E F G H

M

Considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilacirco Fonte In Manuel Herrera Goacutemez Requena Madriacute 2004

O exame da evoluccedilatildeo das formas familiares na Espanha nas duas uacuteltimas

deacutecadas leva agrave indagaccedilatildeo se as transformaccedilotildees demograacuteficas tecircm produzido de fato uma

modificaccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia ou se essas natildeo seriam muito mais reflexo

de uma mudanccedila nas relaccedilotildees interpessoais dos membros dos hogares Significa verificar se

as tendecircncias demograacuteficas atuais correm em paralelo agraves novas estrateacutegias de convivecircncia

ao mesmo tempo em que estatildeo sendo produzidas nos tradicionais contextos institucionais O

recente decreacutescimo das taxas de fecundidade e de nupcialidade na Europa do Sul e em

especial na Espanha e na Itaacutelia estaacute sendo considerado o primeiro sintoma visiacutevel da

modificaccedilatildeo nas formas familiares espanholas em relaccedilatildeo aos paiacuteses europeus (HERRERA

REQUENA 2004 p 149) Esse fator demograacutefico acentuou-se de tal forma na deacutecada de

1980 que a Espanha e a Itaacutelia satildeo paiacuteses que apresentam atualmente os niacuteveis de

fecundidade mais baixos do mundo Em contrapartida a Espanha conta com uma das taxas

de esperanccedila de vida (longevidade em torno de 78 anos) mais elevadas do mundo

Estudos revelam que na Espanha durante as duas uacuteltimas deacutecadas o ritmo de

crescimento do volume de hogares foi superior ao da populaccedilatildeo A consequumlecircncia imediata

dessas mudanccedilas foi a reduccedilatildeo do nuacutemero meacutedio de membros por hogar A dimensatildeo dessa

morfologia familiar sintetiza de um lado a existecircncia de determinados padrotildees de

estruturaccedilatildeo familiar que permitiram com maior ou menor facilidade o desmembramento

do hogar familiar de origem e de outro revela a dinacircmica das estruturas demograacuteficas das

populaccedilotildees de referecircncia seja por idade sexo ou estado civil

150

Diante do exposto percebe-se a prevalecircncia na Espanha de um padratildeo

familiar de estrutura complexa (composiccedilatildeo de um hogar com a existecircncia de mais de um

nuacutecleo familiar como a presenccedila de um soacute nuacutecleo familiar com outras pessoas alheias ao

mesmo familiares ou natildeo) Certamente trata-se de um modelo normativo familiar

complexo considerando que nas uacuteltimas deacutecadas aumentou muito o tamanho e o nuacutemero

de membros por hogar em relaccedilatildeo ao modelo familiar mais simples No entanto jaacute se

admite que essa estrutura familiar complexa estaacute em processo de diminuiccedilatildeo em tamanho

dos hogares (de trecircs ou menos pessoas) Essa tendecircncia contemporacircnea pode expressar natildeo

somente uma modificaccedilatildeo das formas familiares eou a existecircncia de preferecircncia de

convivecircncias distintas ao longo do tempo senatildeo tambeacutem que essas preferecircncias natildeo satildeo

mais que manifestaccedilotildees da mesma dinacircmica familiar observadas em diferentes

conjunturas uma vez que a estrutura por idade da populaccedilatildeo de referecircncia natildeo eacute a mesma

Esta ambiguumlidade presente na constituiccedilatildeo dos hogares exige a atitude teoacuterico-

metodoloacutegica de buscar a complementaccedilatildeo de todos esses dados empiacutericos incluindo no

seu conjunto todas as mudanccedilas ocorridas no ciclo familiar

Na Europa do Sul prevalece a visatildeo de que a famiacutelia deve ser valorizada como

suporte essencial agrave satisfaccedilatildeo vital (well-being) do cidadatildeo aleacutem de considerar seus recursos

como complementares aos do Estado e aos da sociedade Entende-se com base nesse fator

cultural a raacutepida adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta pluralista de bem-estar de

enfoque neoliberal Segundo Moreno (2003) nas uacuteltimas deacutecadas essas sociedades tecircm sido

capazes natildeo apenas de cumprir os intentos neoliberais de restriccedilatildeo aos programas de bem-

estar mas tambeacutem de incrementar seu gasto puacuteblico social em proporccedilatildeo maior do que dos

demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia No processo de liberalizaccedilatildeo da economia ao direcionar

as poliacuteticas sociais para os distintos grupos famiacuteliares eou setores que desenvolvem praacuteticas

sociais informais e autocircnomas (agregado de bem-estarndashwellfare mix) pretende de fato

transferir o gasto social puacuteblico-estatal para a intervenccedilatildeo privada de bem-estar Nesse

sentido o trabalho natildeo-remunerado das supermujeres tem contribuiacutedo para uma maior

expansatildeo do gasto social em outras aacutereas muitas vezes ateacute mesmo em substituiccedilatildeo agraves accedilotildees

sociais do Estado atualmente minimizadas

Investigaccedilotildees sociais recentes (CASTLES FERRERA 1996 MORENO 2000

FUNDACIOacuteN ENCUENTRO 2002 SECO GONZAacuteLEZ 2005) informam outra tendecircncia

na Europa do Sul de um lado um visiacutevel aumento de hogares monoparentales de outro uma

significativa reduccedilatildeo do nuacutemero de famiacutelias tradicionais nucleares (pais e filhos)

151

Indiscutiacutevelmente essa tendecircncia evidencia a formaccedilatildeo de uma nova arquitetura na estrutura

familiar nessa regiatildeo apesar de o desenho dos novos modelos familiares mostrar-se incipiente

devendo levar um tempo para ser consolidado tanto como modelo predominante de estrutura

familiar quanto metodoloacutegicamente como modelo analiacutetico Contudo no contexto de

formaccedilatildeo do modelo latino e de desenvolvimento do regime de bem-estar mediterracircneo a

famiacutelia segue sendo considerada para efeitos analiacuteticos uma variaacutevel independente Para

Moreno (2003) muitos estudos natildeo levam suficientemente em conta essa variaacutevel

bagravesicamente por duas razotildees de ordem metodoloacutegica a dificuldade de se obter dados

qualitativos confiaacuteveis e sistemaacuteticos nos espaccedilos familiares e a incapacidade metodoloacutegica de

transformar categorias afetivas em informaccedilatildeo quantitativa para fins estatiacutesticos O autor

destaca ainda outras dificuldades e desafios metodoloacutegicos as histoacutericas praacuteticas de

transferecircncia de recursos intrafamiliares (reparto familiar) a natureza do orccedilamento flexiacutevel

de recursos financeiros e gastos sociais os novos padrotildees de propriedade imobiliaacuteria a

heterogeneidade e a fragmentaccedilatildeo da reproduccedilatildeo social nessa regiatildeo

Contudo haacute que se destacar que as mudanccedilas ocorridas na estrutura familiar e nas

transiccedilotildees culturais e demograacuteficas nas sociedades mediterracircneas ainda natildeo satildeo comparaacuteveis agraves

dos demais regimes de bem-estar europeus que tecircm produzido uma generalizaccedilatildeo de novas

formas familiares justificada como exigecircncia das sociedades industriais mais avanccediladas

Ainda assim eacute possiacutevel afirmar que estaacute em curso nessa regiatildeo um processo de

despatriarcalizaccedilatildeo da vida familiar (MORENO 2003) o que significa a perda gradativa de

autoridade do homem como varatildeo pai de famiacutelia e principal provedor dos meios de sustento

familiar Nas sociedades mediterracircneas apesar de as tradicionais estruturas familiares

continuarem mantendo sua aparecircncia de modelo nuclear as mudanccedilas ocorridas comeccedilam a

evidenciar a inviabilidade da manutenccedilatildeo desse modelo no contexto soacutecio-econocircmico e

cultural contemporacircneo pelo menos como modelo familiar predominante

Em relaccedilatildeo aos princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas dos regimes europeus o mesmo

pode ser dito da tipologia apresentada por W Korpy YG e Esping-Andersen demonstrada no

quadro 10 se bem que nas categorias e nos exemplos utilizados por esses autores natildeo haacute

referecircncia a um modelo latino Em verdade o Sul da Europa soacute recentemente vem sendo

analisado na perspectiva do Welfare State o que comprova a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves

experiecircncias de proteccedilatildeo social desses paiacuteses que mesmo sendo europeus natildeo se encaixavam

nos criteacuterios consagrados de definiccedilatildeo desse Estado Nesse quadro dentre outros aspectos

destacam-se a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves poliacuteticas de pleno emprego a limitada

152

capacidade redistributiva dos gastos sociais e em contrapartida a ecircnfase dada agrave proteccedilatildeo social

de caraacuteter privado nos modelos liberal e conservador

Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi YG Esping-Andersen

(1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas

Liberal Conservador Social-democraacutetico

Niacutevel de proteccedilatildeo frente as incertezas do mercado de trabalho e de falta de recursos

Baixo Meacutedio Alto

Direitos sociais frente a proteccedilatildeo contra a pobreza

Proteccedilatildeo contra a pobreza

Direitos sociais Direitos sociais

Importacircncia da proteccedilatildeo social de caraacutecter privado (terceiro setor e mercado)

Alta Meacutedia Baixa

Grau de financiaccedilatildeo individual da proteccedilatildeo social puacuteblica

Meacutedio Alto Meacutedio

Organizaccedilacirco da seguridade social segundo grupos profissionais

Nacirco Sim Nacirco

Capacidade redistributiva dos gastos sociais Limitada Limitada Alta

Poliacutetica ativa de pleno emprego Nacirco Somente com conjuntura econocircmica favoraacutevel

Em todas as conjunturas econocircmicas

Fonte In Bracho Carmen Ferrer Jorge Garcecircs (coord) 1998 ( apud LANDWERLIN 1998)

Interessa a este estudo com a apresentaccedilatildeo desses quadros chamar atenccedilatildeo

para a visibilidade de aspectos essenciais que se caracterizam natildeo apenas como

contrapontos entre distintos regimes mas sobretudo como tendecircncia contemporacircnea dos

regimes de bem-estar incluindo experiecircncias antes natildeo mencionadas e que

paradoxalmente parecem estar na ordem do dia Eacute flagrante no regime mediterracircneo ou

latinocatoacutelico (Europa do Sul) a influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho

neoliberal ao ganharem visibilidade aspectos substantivos ressaltados tanto por

Abrahamson (1995) como por Moreno (2000) tais como a composiccedilatildeo descentralizada

desse modelo em relaccedilatildeo agrave uma ideologia fundamentada na autonomia da sociedade ante o

Estado a proposta de combinaccedilatildeo de recursos puacuteblicos e privados no campo da provisatildeo

social com prevalecircncia deles um financiamento de caraacuteter misto (recursos provenientes

natildeo soacute de arrecadaccedilatildeo de impostos eou de cotizaccedilotildees trabalhistas mas tambeacutem das famlias

eou das pequenass comunidades) e sobretudo o apoio familiar (fenocircmeno do familismo)

na execuccedilatildeo dos serviccedilos sociais em substituiccedilatildeo ao papel dos agentes sociais (modelo

continental) eou dos serviccedilos sociais puacuteblicos como dever do Estado (regime noacuterdico)

Assim as distintas tipologias de Estado de Bem-estar existentes oferecem

apesar de sua limitaccedilatildeo elementos de conhecimento das fronteiras natildeo tatildeo claras entre

diferentes modalidades de poliacutetica social e particularmente de assistecircncia adotadas em

153

diferentes contextos e culturas Portanto a anaacutelise realizada nesta tese quanto agraves poliacuteticas

assistenciais desenvolvidas pelos paiacuteses que compocircem o modelo latino teve nessas

tipologias apoio analiacutetico reforccedilado pelas contribuiccedilotildees de uma pesquisa realizada por

Gough (1997) sobre a assistecircncia social no Sul europeu

Em sua investigaccedilatildeo Gough (1997) levou em consideraccedilatildeo o fato de esses

serem paiacuteses vinculados agrave Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e o Desenvolvimento

Econocircmico (OCDE) e tambeacutem integrantes da Uniatildeo Europeacuteia (EU) Gough (1997)

chama a atenccedilatildeo para um aumento crescente e significativo do interesse intelectual e

poliacutetico por anaacutelises mais rigorosas sobre a composiccedilatildeo e os traccedilos mais gerais que

caracterizam os paiacuteses que implementam o regime latino de bem-estar no Sul da

Europa 53 A seu ver tais anaacutelises buscam completar estudos descritivos e histoacutericos jaacute

realizados mediante utilizaccedilatildeo mais precisa de categorias e conceitos bem como sobre

modelos particulares de desenvolvimento do bem-estar Cita autores como Leibfried

(1993) para quem os paiacuteses meridionais ou do Sul europeu constituem regimes de

bem-estar bastante distintos dos desenvolvidos pelos demais paiacuteses da Europa

especialmente da Europa do Norte ndash a Escandinaacutevia

Outro autor citado por Gough (1997) tambeacutem estudioso da poliacutetica social

desenvolvida na Europa do Sul eacute Ferrera (1996) que aponta as seguintes caracteriacutesticas

identificadas nessa regiatildeo a) sistema dualista desigual e de manutenccedilatildeo de renda no qual

as prestaccedilotildees mais generosas e elevadas satildeo destinadas aos grupos privilegiados que tecircm

uma forte relaccedilatildeo com o mercado de trabalho formal ao mesmo tempo em que prestaccedilotildees

escassas e mais baixas satildeo destinadas ao restante da populaccedilatildeo b) caraacuteter universal

atribuiacutedo aos sistemas de sauacutede conforme consta no discurso oficial e c) ecircnfase ao papel

da famiacutelia na provisatildeo social

Com efeito e conforme jaacute anunciado os paiacuteses do Sul da Europa apoacuteiam-se

em um modelo no qual a famiacutelia e as redes informais de solidariedade tecircm uma valorizaccedilatildeo

muito alta e uma expressiva participaccedilatildep na provisatildeo social privada Outro forte traccedilo

desse modelo eacute que costuma ser influenciado pela doutrina social catoacutelica (a exemplo dos

regimes catoacutelicos e familiaristas na Itaacutelia e na Espanha) por um modelo de proteccedilatildeo social

residual (interferecircncia puacuteblica estatal restrita agraves situaccedilotildees nas quais fracassam as redes

53 Do grupo de cinco paiacuteses meridionais eou da Europa do Sul ao qual se estaacute referindo fazem parte Espanha Portugal Itaacutelia Franccedila e Greacutecia Alguns autores como Gough (1977) excluem em sua classificaccedilatildeo a Franccedila e incluem a Turquia muito embora reconheccedilam que a maior parte de seu territoacuterio geograacutefico natildeo se encontra na Europa

154

sociais primaacuteriasfamiliares) e pelo princiacutepio da subsidiaridade (a proteccedilatildeo social puacuteblica

tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio)

De fato o familismo ganhou forccedila nessa regiatildeo no vazio deixado pelo baixo

iacutendice de provisatildeo de bem-estar puacuteblico e pela limitaccedilatildeo (ou ineficaacutecia) de programas de

atenccedilatildeo agrave infacircncia eou aos idosos ainda que esses indicadores reflitam uma ambiguidade

de um lado deixa-se de prestar tais serviccedilos puacuteblicos por entender que esta tarefa

assistencial compete agrave igreja e agrave famiacutelia (caso da Itaacutelia e da Espanha) e de outro por

relegar essa terefa ao mercado por influecircncia do pluralismo de bem-estar Em siacutentese no

modelo latino a igreja a famiacutelia e o mercado ocupam o lugar do Estado

No entanto o mercado de serviccedilos prestados agraves famiacutelias natildeo prosperou como

se pensava e por isso segundo Esping Andersen (1984 p 79) os subsiacutedios familiares

resultam tatildeo escassos na catoacutelica Europa Meridional regiatildeo em que a seu ver os

Estados de Bem-estar nunca foram muito generosos nas transferecircncias de renda agraves

famiacutelias Por outro lado na era industrial o mercado de bem-estar familiar segue sendo

bastante flutuante Em uma comparaccedilatildeo mais geral entre os paiacuteses da Europa existe uma

clara correlaccedilatildeo negativa entre as taxas de emprego feminino e as horas de trabalho

domeacutestico natildeo-remuneradas das mulheres que tendem a cumprir longas jornadas em

cerca de 39 (trinta e nove) horas semanais nos Paiacuteses Baixos e de 45 (quarenta e cinco)

na Itaacutelia e na Espanha Uma possiacutevel estrateacutegia familiar utilizada para compensar a

ausecircncia de subsiacutedios estatais aos seus membros apontada como tendecircncia por Esping

Andersen (1984) tem sido a de aumentar a participaccedilatildeo dos

homenscompanheirosmaridos nos afazeres domeacutesticos para compensar a ausecircncia eou

a falta de tempo das mulherescompanheirasesposas

Em relaccedilatildeo ao elevado grau de familismo essa caracteriacutestica constitui traccedilo

comum e peculiar no modelo latino Como eacute oacutebvio ele apresenta uma provisatildeo puacuteblica

extremamente reduzida em que o caraacuteter familiarista de um regime natildeo dever ser

identificado uacutenicamente por indicadores do Estado de Bem-estar No entanto apesar dos

indicadores relativos ao familismo natildeo estarem isentos de ambiguumlidades o familismo (no

que se refere agraves responsabilidades relativas ao cuidado dos parentes na unidade familiar)

aparece de forma mais clara na Europa Meridional uma vez que os regimes de bem-estar

noacuterdicos confirmam o perfil de Estados excepcionalmente desfamiliarizados

Como uma tendecircncia contemporacircnea a unidade familiar vem assumindo um

papel chave pois passou a constituir fonte privada de produccedilatildeo de serviccedilos de bem-

155

estar Um aspecto relevante a destacar eacute que na ausecircncia do protagonismo do Estado

nem o mercado e famiacutelia substituem a cobertura da provisatildeo puacuteblica O grande

paradoxo desse modelo especialmente na atualidade eacute que se de um lado o nuacutecleo

familiar baseado no princiacutepio de subsidiaridade herdado do catolicismo prevalece

(ideal de famiacutelias grandes integradas e estaacuteveis) de outro os dois maiores paiacuteses

europeus catoacutelicos (Itaacutelia e Espanha) ostentam os niacuteveis de fertilidade mais baixos do

mundo e em contrapartida os regimes de Bem-estar escandinavos (altamente

desfamiliarizados) situam-se entre os paiacuteses que apresentam as taxas de fecundidade

mais altas da Europa Nesse sentido surpreende a correlaccedilatildeo existente entre a

fecundidade e o trabalho remunerado das mulheres nesses paiacuteses apresentando-se ao

contraacuterio do que se poderia esperar uma correlaccedilatildeo positiva ou seja quanto mais

elevada eacute a taxa de emprego feminino maior eacute o niacutevel de fecundidade dessas mulheres

Uma questatildeo instigante formulada por Andersen (1984) eacute por que atualmente os niacuteveis

de emprego feminino se relacionam positivamente com a fecundidade Uma resposta

criteriosa a essa questatildeo faz-se necessaacuteria ateacute porque se os Estados de Bem-estar

contemporacircneos continuarem desestimulando a fecundidade seja de maneira direta ou

indireta certamente estaratildeo limitando sua futura viabilidade histoacuterica nacional

Diante do exposto fica claro que eacute sobre a famiacutelia e a mulher que recaem as

maiores expectativas pluralistas de participaccedilatildeo informal tiacutepicas do modelo latino como

fonte provedora privilegiada de bem-estar voluntaacuterio e solidaacuterio para os seus membros

(idosos crianccedilas portadores de deficiecircncia e enfermos) sem considerar as tensotildees e as

contradiccedilotildees que perpassam o campo das relaccedilotildees familiares Na visatildeo dos mentores das

poliacuteticas sociais contemporacircneas na perspectiva plural ou mista compete agrave famiacutelia a

provisatildeo social informal por suas proacuteprias caracteriacutesticas e por sua relevacircncia no campo

da provisatildeo social solidaacuteria

Como fundamentos da proteccedilatildeo social agrave famiacutelia nesse paiacutes destacam-se os

aspectos que se seguem O primeiro eacute o fundamento juriacutedico tal qual se encontra no artigo

39 da Constituiccedilatildeo Espanhola O segundo eacute a relevacircncia social e instrumental atribuiacuteda agrave

famiacutelia como espaccedilo de solidariedade e como prestadora de serviccedilos sociais privados aos

segmentos da assistecircncia (crianccedilas idosos desempregados enfermos crocircnicos drogaditos

e outros) O governo espanhol entende que adotar poliacuteticas de compensaccedilatildeo puacuteblica lhe

permite estabelecer a solidariedade intergeracional no espaccedilo familiar O papel central da

famiacutelia na sociedade espanhola sustenta-se no trabalho natildeo-reconhecido natildeo-remunerado e

156

natildeo retribuiacutedo da mulher como cuidadora social no espaccedilo familiar Na Espanha a praacutetica

do reparto familiar estaacute assentada na ideacuteia de que cada geraccedilatildeo suporta los riegos (riscos

eou traccedilos) das geraccedilotildees passadas e os seus proacuteprios em troca de que posteriormente seus

riegos (traccedilos) sejam suportados por geraccedilotildees futuras O terceiro eacute a importacircncia atribuiacuteda

agrave proteccedilatildeo social familiar para a construccedilatildeo da identidade pessoal de seus membros O

quarto eacute o necessaacuterio reconhecimento social da maternidade como contribuiccedilatildeo essencial

para a coletividade ou seja a maternidade eacute a base da continuidade da sociedade O quinto

e uacuteltimo eacute a necessidade da compensaccedilatildeo puacuteblica mediante serviccedilos sociais pelas

responsabilidades familiares (a produccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais agrave famiacutelia eacute tatildeo

importante quanto sua funccedilatildeo reprodutora)

As decisotildees e a legislaccedilatildeo social baacutesica espanhola relativa agrave poliacutetica familiar

provecircm do poder central das comunidades autocircnomas (CCAAs) e dos municiacutepios e

constitui o nuacutecleo mais decisivo e visiacutevel da chamada poliacutetica familiar espanhola As

CCAAs e os municiacutepios tecircm adquirido crescente protagonismo sobretudo nos aspectos

assistenciais da poliacutetica familiar e em relaccedilatildeo aos programas de ajuda a situaccedilotildees de

marginalizaccedilatildeo familiar A competecircncia no campo da assistecircncia social atribuiacuteda agraves

CCAAs estaacute assegurada no artigo 148120 da Constituiccedilatildeo espanhola Eacute tamanha a

importacircncia da referecircncia agrave famiacutelia nesse paiacutes que se tem chegado a qualificaacute-la como

ldquoagente colaborador do Estado na consolidaccedilatildeo do bem estar socialrdquo (Constituiccedilatildeo

Espanhola p 19) Na Espanha a famiacutelia chega a ser considerada um Ministeacuterio de Estado

como nas palavras de Ussel (1998 p 62) citado por Martinez Martin (2004) ldquola famiacutelia

em Espantildea es el auteacutentico Ministeacuterio de Asuntos Sociales La famiacutelia es la que ocupa de

los hijos del cuidado de los ancianosrdquo

A criaccedilatildeo do chamado ingresso miacutenimo familiar (ingreso miacutenimo familiar

RMI)) nas diversas CCAAs temaacutetica desenvolvida nesta tese como conteuacutedo do

capiacutetulo VII destina-se a compensar as unidades familiares que carecem de meios

econocircmicos suficientes para atender agraves necessidades baacutesicas da vida o que evidencia o

protagonismo que tem desempenhado o que vem sendo denominado de poliacutetica

familiar nas comunidades autocircnomas Jaacute se admite entre estududiosos dessa questatildeo

como Moreno (2000) uma incipiente europeizaccedilacirco da poliacutetica familiar a julgar pela

ecircnfase dada pelas diretrizes europeacuteias e pela coordenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo dos Estados-

membros que exercem pressatildeo para que ocorra uma aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos da

legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo familiar

157

Nessa perspectiva a regiatildeo da Europa do Sul mostrou-se bastante

receptiva agrave proposta pluralista neoliberal ateacute mesmo porque o familismo foi

incorporado como forte componente cultural nessas sociedades A praacutetica do

familismo atende agrave resistecircncia dos neoliberais e neoconservadores ao protagonismo

do Estado na produccedilatildeo do bem-estar puacuteblico Esse argumento eacute sustentado com vista

a orientar o Estado a se ocupar mais diretamente dos interesses econocircmicos do grande

capital transferindo para os organismos multilaterais (Banco Mundial FMI BID) a

coordenaccedilatildeo geral desse processo bem como as orientaccedilotildees a serem seguidas pelos

Estados capitalistas tendo em vista a implementaccedilatildeo das chamadas poliacuteticas

macroeconocircmicas Em substituiccedilatildeo agrave intervenccedilatildeo estatal no campo social deveraacute ser

atribuida maior responsabilidade aos setores natildeo-oficiais voluntaacuterio

informalfamiliar e comercial (JOHNSON 1990) Com base nessas interpretaccedilotildees eacute

possiacutevel reafirmar que o Estado de Bem-estar natildeo entrou em crise mas ocorreu a sua

reestruturaccedilatildeo com forte inclinaccedilatildeo para o conservadorismo pela imposiccedilatildeo do

retorno dos princiacutepios do liberalismo claacutessico agora com nova roupagem ou seja

com o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar neoliberal

Outro estudo realizado por Abrahamson (1996) revela a tendecircncia em curso do

regime de bem-estar latino no que diz respeito agrave ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo

social Como o quadro 11 demonstra no contexto de outros diferentes regimes de bem-

estar o modelo latino apresenta uma performance baixa tanto em relaccedilatildeo a uma como a

outra ecircnfase em especial pela ausecircncia do princiacutepio da redistributividade o que sem

duacutevida contribui para o aumento da pobreza nos lugares onde esse modelo eacute adotado

Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo social

Ecircnfase agrave redistribuiccedilatildeo social

Alto Baixo

Ecircnfase ao emprego Alto Socialista Liberal

Baixo Corporativista Catoacutelico (Latino)

Taxa de pobreza Moderada Alta

Fonte Abrahamson (1996 p 138)

Ademais em relaccedilatildeo agrave ecircnfase dada ao familismo como um traccedilo peculiar do

regime latino eacute forccediloso reconhecer uma grande diferenciaccedilatildeo entre a ambivalecircncia

presente no trato desse familismo de caraacuteter conservador e o trato dispensado agrave

feminizaccedilatildeo como uma questacirco de gecircnero (com destaque para a polarizaccedilatildeo trabalhista no

158

regime anglo-saxatildeo) como uma poliacutetica puacuteblica eou como um trabalho parcial e

complementar ao do Estado a exemplo do regime noacuterdico

Ao apresentar particularidades concretas o modelo mediterracircneo eou latino

natildeo tem seguido o padratildeo baacutesico da pauta familiar europeacuteia diferenciando-se do modelo

familiar adotado na Europa do Norte e Central Ademais a revisatildeo bibliograacutefica

realizada por este estudo revelou que a famiacutelia continua sendo objeto de estudo

privilegiado no campo das Ciecircncias Sociais jaacute que segue sendo interpretada como a

unidade baacutesica de reproduccedilatildeo e de socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos Estudos socioloacutegicos

contemporacircneos privilegiam anaacutelises sobre o significado das relaccedilotildees de parentesco

associadas ao universo simboacutelico e cultural representado pela famiacutelia Na literatura

especializada consultada (Iglesias de Ussel 1995 1998 e 2001 Moreno 2003 MATAS

2005 e outros) este estudo encontrou uma diversidade de concepccedilotildees e uma

multiplicidade de tipologias e de categorias analiacuteticas para referir-se ao conceito de

famiacutelia o que evidencia a impossibilidade de um concenso unitaacuterio sobre o que se entende

por famiacutelia Este estudo registra as recentes observaccedilotildees feitas por Matas (2005)

consideradas pertinentes agrave concepccedilatildeo e morfologia da dinacircmica familiar agrave medida que a

seu ver nas sociedades contemporacircneas as etapas do ciclo da vida (nuacutecleo familiar

tradicional) jaacute natildeo se ajustam de forma exclusiva a um uacutenico modelo familiar Haacute uma

crescente resistecircncia de alguns segmentos sociais a organizar sua existecircncia no marco das

estruturas familiares habituais e dos formatos convencionais Para Matas (2005 p 33)

ldquosatildeo muacuteltiplas as opccedilotildees familiares e natildeo familiares que se apresentam ao indiviacuteduo para

organizar sua vida crescendo entre os jovens a opccedilatildeo por novas pautas de comportamento

familiar a exemplo das chamadas uniotildees concensuais (natildeo formais)rdquo

No acircmbito da sociologia familiar essas descriccedilotildees apontam para um quadro

diversificado de fronteiras difusas que evidenciam grandes mudanccedilas na morfologia da

famiacutelia e uma grande incerteza diante do futuro dessa instituiccedilatildeo Em uma abordagem

mais otimista de superaccedilatildeo das anaacutelises positivistas e funcionalistas (por seu caraacuteter

quantitativo e generalista ao retingir o papel da famiacutelia agrave mantenccedilatildeo da ordem social)

privilegia-se a anaacutelise das tendecircncias da dicotomia entre a concepccedilatildeo e a praacutetica familiar

nos espaccedilos puacuteblico e privado da influecircncia dos fatores externos (poliacuteticos econocircmicos

e culturais) bem como das relaccedilotildees de poder e das questotildees de gecircnero como fatores

determinantes agraves mudanccedilas mais substantivas ocorridas na estrutura social e na

organizaccedilatildeo familiar contemporatildenea

159

Para Matas (2005 p40-41) o chamado modelo famiacuteliar mediterracircneo eou

latino apresenta altas taxas de matrimonialidade e caracteriza-se por um modelo que

recebe grande influecircncia de institruiccedilotildees religiosas em relaccedilatildeo ao controle moral Eacute

constituiacutedo em sua maioria por famiacutelias extensas (formadas por mais de um nuacutecleo

familiar) que seguem um modelo conjugal estaacutevel e cumprem rigorosamente com a

evoluccedilatildeo das etapas do ciclo vital caracteriacutesticas que refletem o peso da tradiccedilatildeo religiosa

e familiar nos paiacuteses da Europa do Sul No caso especiacutefico da Espanha eacute significativo o

peso da tradiccedilatildeo familiar pois o fenocircmeno do declive da fecundidade tem reduzido o

tamanho dos hogares nucleares mas natildeo a coesatildeo familiar Matas (2005 p41) privilegia

em sua anaacutelise a interdependecircncia de vaacuterios fatores tais como o peso da tradiccedilatildeo cultutral

que interfere nas mudanccedilas em curso a inexistecircncia de uma poliacutetica familiar puacuteblica e de

gecircnero implementada no acircmbito do Estado as circunstacircncias soacutecio-econocircnicas e poliacuteticas

o papel e o protagonismo da mulher no mercado de trabalho dentre outras

A exemplo da mesma tendecircncia que se observa no Brasil em relaccedilatildeo agrave

tradiccedilatildeo familiar no caso da Espanha a instituiccedilatildeo familiar continua tendo grande

relevacircncia no imaginaacuterio coletivo dos cidadatildeos e por isso a famiacutelia constitui-se na base

dessa sociedade (ceacutelula mater) ao apresentar um modelo tradicional de organizaccedilatildeo que a

tem transformado em instatildencia privilegiada no organograma institucional da sociedade

espanhola Para Matas (2005 p 47) ldquono marco dessa cultura familiar a relevacircncia

atribuiacuteda agrave famiacutelia eacute tomada como referecircncia central pelos estudiosos da sociologia e da

morfologia familiar em busca da compreensacirco das transformaccedilocirces sociais estruturais

ainda silenciosas pratagonizadas por essa sociedaderdquo As transformaccedilotildees de maior

relevacircncia referem-se agraves mudanccedilas processadas no acircmbito das relaccedilotildees inter e

intrafamiliares dos indicadores demograacuteficos da poliacutetica social das questotildees de gecircnereo

e dos determinantes processos de socializaccedilatildeo em curso naquele paiacutes o que informa uma

nova composiccedilatildeo dos nuacutecleos na estruturaccedilatildeo familiar Assiste-se a uma simplificaccedilatildeo

progressiva das formas de convivecircncia nas unidades familiares (a exemplo dos hogares

unipersonales) com aumento da praacutetica cada vez mais frequumlente de idosos que optam por

morar sozinhos como consequumlecircncia das prestaccedilotildees sociais que recebem do Estado na

forma de pensotildees sociais e do aumento da espectativa de vida desses segmentos Ademais

os Tribunais de Justiccedila concedem em 90 dos casos demandados a guarda e a custoacutedia

dos filhos agraves matildees em detrimento dos pais o que tem aumentado o nuacutemero dos hogares

monoparentais Essas mudanccedilas ocorridas na morfologia da famiacutelia espanhola evidenciam

160

a coexistecircncia de antigas e novas formas de organizaccedilatildeo familiar haja vista o conteuacutedo

atual da legislaccedilatildeo espanhola que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo da coabitaccedilatildeo (eou do

casamento oficial) entre homosexuais o que tem gerado grandes polecircmicas em setores

conservadores dessa sociedade por sua resistecircncia em aceitar formas de organizaccedilatildeo

familiar natildeo tradicionais (EL Paiacutes setembro de 2005)

Em 2000 investigaccedilotildees cientiacuteficas realizadas pelo Grupo de Estudos sobre

Tendecircncias Sociais _ Famiacutelias espanholas no futuro e apresentadas por ocasiatildeo do Quarto

Foacuterum sobre Tendecircncias Sociais indicaram alguns efeitos curiosos identificados como

novas tendecircncias familiares na sociedade espanhola (MATAS p 48-50) tais como

a) aumento das famiacutelias monoparentais encabeccediladas por mulheres (solteiras viuacutevas divorciadas eou separadas) o que aponta para a diminuiccedilatildeo de hogares muacuteltiplos e extensos com famiacutelias nucleares e uma maior matrilinealidade familiar b) crescimento das famiacutelias sem filhos ou com apenas um filho c) aumento da autonomoia individual (processo de individualizaccedilatildeo) em detrimento da dependecircncia afetiva familiar geradora de uma tardia emancipaccedilatildeo familiar dos jovens e em definitivo um menor protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na vida dos indiviacuteduos com perda gradativa da relevacircncia das famiacutelias patriarcais tradicionais d) aumento das famiacutelias reconstituiacutedas como consequumlecircncia de rupturas anteriores e e) aumento do protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na organizaccedilatildeo econocircmica da sociedade com maior mercantilizaccedilacirco dos serviccedilos sociais prestados pelas famiacutelias no que se refere agrave atenccedilatildeo e cuidado dispensado aos membros familiares dependentes

A referida pesquisa sugere uma reavaliaccedilatildeo do modelo familiar e um debate sobre

a funccedilatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar relacionando-a com a poliacutetica social e econocircmica No

entanto natildeo obstante a confirmaccedilatildeo empiacuterica das tendecircncias presentes nessa sociedade

buscadas metodologicamente mediante validez comparativa a referida investigaccedilatildeo reafirma

como tendecircncia contemporatildenea a permanecircncia do matrimocircnio instituiccedilatildeo que seguiraacute sendo

considerada pela sociedade espanhola como o espaccedilo por excelecircncia de garantia da formaccedilatildeo

da identidade de bem-estar e de socializaccedilatildeo dos filhos

Esta tese corrobora a sugestatildeo de debate sobre as funccedilotildees puacuteblicas do Estado

Social propondo que essa discussatildeo ocorra no marco da adesatildeo dessas sociedades agrave

proposta do pluralismo de bem-estar um fenocircmeno contemporacircneo apontado pelos

neoliberais como estrateacutegia alternativa agrave assistecircncia social puacuteblica e institucionalizada

161

52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e

no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos

ldquoA famiacutelia eacute uma instituiccedilatildeo social e o fundamento da sociedade mas eacute tambeacutem

um ator e um lugar de adoccedilatildeo de decisotildees e como instituiccedilatildeo interfere no comportamento e

nas expectativas de um povordquo afirma Esping-Andersen (2000 p 69) Ele argumenta que de

forma paralela ao Estado e ao mercado a famiacutelia faz parte de uma infra-estrutura reguladora

e integrada que define o que eacute racional e desejaacutevel e o que facilita a integraccedilatildeo social

Nessa perspectiva tomando de empreacutestimo a afirmaccedilatildeo de Esping Andersen

(apud JOHNSON 1990) entende-se que a famiacutelia contemporacircnea como instituiccedilatildeo tem

mudado e tem mudado tambeacutem a proacutepria sociedade Com base na teoria da modernizaccedilatildeo

(ecircnfase agraves grandes forccedilas convergentes do industrialismo) ateacute o evento da sociedade

industrial urbana a famiacutelia e a comunidade eram os principais concretizadores de bem-

estar social o que significa dizer que na sociedade contemporacircnea estaacute em curso uma

grande mudanccedila na forma de partilhar os riscos em uma microsolidariedade localista

ldquoDisso resulta evidente o paralelismo presente na transiccedilatildeo da solidariedade mecacircnica a

solidariedade orgacircnica de Durkheimrdquo (ESPING-ANDERSEN 2000 p 70) Nos uacuteltimos

anos a famiacutelia estaacute em evidecircncia e apresenta mudanccedilas internas e externas significativas

No entanto satildeo escassos os estudos empiacutericos voltados especificamente para o papel da

famiacutelia no campo privado da provisatildeo social O modelo parsoniano de famiacutelia nuclear

(PARSONS apud ESPING-ANDERSEN 2000) prevalente no periacuteodo apoacutes a Segunda

Guerra Mundial com predominacircncia da figura paterna como chefe de famiacutelia prestava

escassa atenccedilatildeo empiacuterica a esse fenocircmeno jaacute que parecia estar consolidado e

institucionalizado

Contudo existem abundantes concepccedilotildees que tratam de analisar e ressaltar o

papel dos chefes de famiacutelia no conjunto das medidas de bem-estar dentre elas a que

ressalta o protagonismo da mulher ndash concepccedilatildeo que tem apresentado mudanccedilas na

contemporaneidade em um contexto em que se consolida o acesso da mulher no mercado

de trabalho em busca de sua independecircncia econocircmica

A literatura especializada (WILENSKY apud ESPING-ANDERSEN 2000)

sempre preocupou-se em analisar a influecircncia poliacutetica da religiatildeo (impacto do catolicismo na

poliacutetica social da Europa) e natildeo tanto o papel assistencial prestado pela famiacutelia nos distintos

modelos de Estado de Bem-estar Infere-se dessa constataccedilatildeo empiacuterica a ausecircncia de uma

162

poliacutetica voltada especiacuteficamente agrave famiacutelia apesar da ecircnfase dada aos serviccedilos assistenciais

desenvolvidos no espaccedilo familiar caractetrizando-se como fenocircmenos do familismo e de

desfamiliarizaccedilatildeo como demonstra a discussatildeo no iacutetem seguinte

521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo

Diante desses fatos e constataccedilotildees empiacutericas a questatildeo que se coloca eacute em que

medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da

proteccedilatildeo social puacuteblica Esping Andersen (2000) e Saraceno (1996) preferem falar de graus

de familiarismo ou de desfamiliarizaccedilatildeo apressando-se em afirmar que a

desfamiliarizaccedilatildeo natildeo tem um conteuacutedo antifamiliar Ao contraacuterio refere-se ao grau em

que se encontram as responsabilidades assistenciais relativas ao bem-estar realizadas pela

unidade familiar A seu ver um sistema familista eou familiarista (que tambeacutem natildeo

significa proacute familia) eacute aquele no qual a poliacutetica puacuteblica presupotildee como exigecircncia que as

unidades familiares assumam a responsabilidade principal do bem-estar de seus membros

(ex familismo na Europa do SulEspanha)

Em contraposiccedilatildeo um regime desfamiliarizador para Esping-Andersem

(2000) eacute aquele que trata de desresponsabilizar a famiacutelia da proteccedilatildeo social familiar e de

reduzir a dependecircncia do bem-estar dos indiviacuteduos entre eles pelo grau de parentesco

Nesse sentido o conceito de desfamiliarizaccedilatildeo eacute paralelo ao de desmercantilizaccedilatildeo ou

seja a desfamiliarizaccedilatildeo como condiccedilatildeo preacutevia agrave mercantilizaccedilatildeo indica o grau de

autonomia que a poliacutetica social atribui agrave mulher para se mercantilizar ou para estabelecer

nuacutecleos familiares independentes Historicamente o familiarismo sempre esteve vinculado

a uma poliacutetica familiar (ou agrave ausecircncia dela) extremamente passiva e pouco desenvolvida

Um dado curioso que se apresenta como paradoxal nas sociedades contemporacircneas eacute que

as chamadas poliacuteticas familiares ativas (ou de ativaccedilatildeo) tambeacutem se mostram pouco

desenvolvidas na maioria dos regimes familiaristas

Do ponto de vista metodoloacutegico o desafio maior estaacute em como medir ou

quantificar o grau do familismo e o de desfamiliarizaccedilatildeo Uma anaacutelise na perspectiva

comparada dispotildee-se a aferir o papel dos governos na produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de serviccedilos

de bem estar os resultados dos programas (quem obteve o que) eou os vaacuterios informes

sobre seguros trabalhistas (individuais ou coletivos) a respeito do niacutevel macro

163

Indiscutivelmente eacute mais difiacutecil aferir o que ocorre por traacutes dos muros da famiacutelia ou seja

ao niacutevel micro Ademais os serviccedilos que as famiacutelias prestam a si mesmas que Esping

Andersen (2000) denomina de auto-serviccedilos familiares natildeo estatildeo monetarizados e

portanto natildeo aparecem na maior parte das estatiacutesticas nacionais ou seja tais serviccedilos que

tambeacutem natildeo satildeo remunerados natildeo satildeo contabilizados nem incluiacutedos nos orccedilamentos

puacuteblicos e na renda nacional Alguns autores criacuteticos do Estado Social nos anos 1990

afirmam que os artiacutefices e idealizadores do Estado de Bem-estar do periacuteodo apoacutes a

Segunda Guerra Mundial como Beveridge entenderam essa instituiccedilatildeo (Wefare State) em

grande parte como um sistema de transferecircncia de renda que no acircmbito da famiacutelia a

ajudaria a ocupar-se de seus membros Ateacute entatildeo agraves mulheresmatildees competia serem donas

de casa o que significa dizer que os Estados de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra

mundial ao privilegiarem a assistecircncia agrave sauacutede e agrave manutenccedilatildeo dos recursos mediante a

transferecircncia de dinheiro agraves famiacutelias (custos adicionais) natildeo absorveram as

responsabilidades assistenciais decorrentes da participaccedilatildeo familiar Ademais o reduzido

valor dos recursos complementares gastos com transferecircncias de renda natildeo aumentou a

autonomia financeira e a capacidade das famiacutelias para contratar serviccedilos assistenciais no

mercado o que na opiniatildeo de Esping-Andersen (2000) caracterizaria uma

desfamiliarizaccedilatildeo subvencionada por esta instacircncia

No acircmbito dessa discussatildeo Esping-Andersen (2000 p 86) sugere quatro tipos de

indicadores para determinar e aferir a desfamiliarizaccedilacirco do Estado de Bem-estar a)

compromisso global de serviccedilos (gastos em serviccedilos familiares natildeo incluindo os de sauacutede

expressos como porcentagem do Produto Interno Bruto _ PIB nacional) b) compromisso

global de subvenccedilatildeo das famiacutelias com filhos (valor combinado dos subsiacutedios familiares e das

deduccedilotildees de impostos) c) cobertura dos serviccedilos puacuteblicos de atenccedilatildeo agrave infacircncia (berccedilaacuterios e

creches para crianccedilas menores de trecircs anos) d) oferta de assistecircncia aos idosos (porcentagem

de pessoas de mais de 65 anos que passaram a ser objeto de atenccedilatildeo domiciliar) A seu ver em

termos de provisatildeo social puacuteblica pouco se avanccedilou e o modelo assistencial familiar proposto

mostrou-se insuficiente Os modelos europeus em particular os modelos liberal continental e

mediterracircneo diferem uacutenicamente pela maior ou menor ecircnfase dada a tais aspectos

Outro problema apresentado em estudos a partir dos anos 1990 eacute que os

Estados de Bem-estar familistas previram que o sustento econocircmico dos jovens

constituiacutesse obrigaccedilatildeo familiar Atualmente na Europa do Sul os jovens adultos vivem

com seus pais ateacute mais de trinta anos em um flagrante processo de prolongamento de uma

164

adolescecircncia tardia Pesquisas apontam que a proporccedilatildeo de jovens italianos na faixa etaacuteria

de vinte a trinta anos desempregados que vivem com seus pais eacute de 81

A seguir o quadro 12 elaborado por Esping Andersen (2000) revela os

contrastes existentes e as diferentes expectativas que cada regime de bem-estar tem em

especial o mediterracircneo (Europa do Sul) em relaccedilatildeo a trecircs setores papel da famiacutelia do

mercado e do Estado

Quadro 12 Caracteriacutesticas dos Estados de Bem-estar quanto ao papel da famiacutelia do

mercado e do Estado

Regimes de bem-estar

Liberal Social democrata ConservadorMediterracircneo

Papel

da famiacutelia Marginal Marginal Central

do mercado Central Marginal Marginal

do Estado Marginal Central Subsidiaacuterio

Estado de Bem-estar

Modo de solidariedade dominante

Individual Universal Parentesco Corporativo Estatismo

Lugar de solidariedade predominante

Mercado

Estado

Famiacutelia

Grau de desmercantilizaccedilatildeo

Miacutenimo

Maacuteximo

Alto (p o chefe de famiacutelia)

Exemplos Estados Unidos Sueacutecia Espanha Itaacutelia

Fonte Esping Andersen (2000 p 115)

O destaque fica portanto para a centralidade dada pelo regime mediterracircneo

(Europa do Sul) de caraacuteter conservador ao papel da famiacutelia e nela conforme demonstra

o referido quadro a ecircnfase recai na figura masculina como chefe de famiacutelia e na mulher

como cuidadora social Nesse contexto a solidariedade no espaccedilo familiar e comunitaacuterio

aparece como valor maior de referecircncia

Para Alcock (apud PEREIRA 2003 p 13) ocorre essa situaccedilatildeo por ser a

famiacutelia uma instacircncia livre de constrangimentos burocraacuteticos regras e normas de controles

externos Tambeacutem pela preponderacircncia de uma cultura familiar que cultua o desejo

espontacircneo de cuidar e a predisposiccedilatildeo para proteger educar e ateacute para fazer sacrifiacutecios

mediante engajamentos altruiacutestas Sem duacutevida trata-se de um espaccedilo propiacutecio e um perfil

adequado para o esquema de provisatildeo social plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico

conforme modelo pluralista apreendido adotado e proposto pelos neoliberais apoacutes efetuar

165

mudanccedilas em sua organizaccedilatildeo e estrutura na perspectiva da perda de protagonismo e da

desresponsabilizaccedilatildeo do Estado na aacuterea social puacuteblica

Enfatiza-se nesse modelo como expressatildeo da proposta de pluralismo de bem-

estar o papel da famiacutelia do Estado do terceiro setor e do mercado como atores centrais na

produccedilatildeo de bem-estar e na organizaccedilatildeo das associaccedilotildees familiares conforme demonstra a

figura 4 a seguir

Fonte Pedro Castoacuten Boyer Manuel Herrera Goacutemez e Luis Ayuso Sanche In HERRERA REQUENA ( 2004 p 180)

Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares

Como constataccedilatildeo empiacuterica da adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta

pluralista de bem-estar a figura 4 apresenta um esquema teoacuterico (para anaacutelise das

associaccedilotildees familiares) identificado com a proposta neoliberal que evidencia o papel dos

atores que deveratildeo atuar no acircmbito do pluralismo de bem-estar e na constituiccedilatildeo das

166

associaccedilotildees familiares em uma sociedade complexa como a da Espanha A anaacutelise que os

defensores do pluralismo Boyer Goacutemez Herrera e Sanche (2004) fazem sobre as

mudanccedilas e tendecircncias atuais que estatildeo ocorrendo no acircmbito do bem-estar revela o

momento de transiccedilatildeo ou seja da passagem de modelos de Estado de Bem-estar puacuteblico

aos sistemas pluralistas de bem-estar em que a accedilatildeo articulada de vaacuterios atores e setores

tais como Estado mercado terceiro setor e famiacutelia deveraacute garantir e satisfazer as novas

demandas de cidadania Essas demandas satildeo justificadas em razatildeo da complexidade do

processo de formaccedilatildeo das complexas e avanccediladas sociedades capitalistas contemporacircneas

Na afirmaccedilatildeo dos autores citados (2004 p 181) o papel a ser desempenhado por esses

atores em substituiccedilatildeo ao papel do Estado eacute bastante claro

a famiacutelia como portadora de uma eacutetica de ajuda uacutenica baseada nas relaccedilotildees de reciprocidade e por estar mais proacutexima das necessidades pessoais dos cidadatildeos deveria ser o ator de referecircncia nessa articulaccedilatildeo Trata-se de mudanccedilas no papel das organizaccedilotildees sociais civis que passam a desenvolver suas atividades de serviccedilo agrave sociedade fornecendo estrutura formal agrave accedilatildeo das famiacutelias Ainda na opiniatildeo desses autores o Estado deveria proteger legalmente esse desenvolvimento e apoiar a famiacutelia sem chegar a dirigiacute-la e colonizaacute-la pois o mercado deveraacute oferecer os serviccedilos que o resto de atores demandem utilizando a loacutegica da eficiecircncia (2004 p 181)

Com base nessas afirmaccedilotildees infere-se que as famiacutelias com sua suposta

autonomia como sujeitos sociais e como espaccedilos privados de provisatildeo social deveratildeo

associar-se para defender seus proacuteprios direitos e para responder de maneira mais adequada

agraves demandas e necessidades sociais de seus membros Nesse sentido a formaccedilatildeo das

asociaccedilotildees familiares torna-se um fenocircmeno proacuteprio e peculiar das sociedades avanccediladas

com a missatildeo de criar um modelo de bem-estar mais equilibrado Na perspectiva pluralista

de bem-estar os novos problemas sociais natildeo podem ser resolvidos somente por um ator e

de maneira isolada mas necessitma da coordenaccedilatildeo de todos os sujeitos Com base nessa

premissa as associaccedilotildees familiares em geral representam conforme afirma Larantildea (1999

apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004) agecircncias geradoras de sentido nas

sociedades complexas Pode-se afirmar que tais associaccedilotildees desenvolvem uma cultura

proacutepria e criam formas de convivecircncia social configurando-se como autecircnticos

laboratoacuterios de futuros modelos de sociedade de bem-estar Com base nessa proposta as

associaccedilotildees familiares passam a representar formas mais complexas de integraccedilatildeo social

com base intersubjetiva Portanto na visatildeo dos defensores do modelo familista neoliberal

ao mesclar relaccedilotildees primaacuterias (proacuteprias da famiacutelia) procurando responder agraves necessidades

167

de seus membros tais associaccedilotildees expressam tambeacutem uma melhor organizaccedilatildeo das

necessidades familiares e o cumprimento das funccedilotildees privadas da famiacutelia

Nesse contexto de mudanccedilas percebe-se que o papel central que as associaccedilotildees

familiares deveratildeo desempenhar na reestruturaccedilatildeo dos sistemas de bem estar em base

plural ou mista expressa uma tendecircncia que no limite transforma essas associaccedilotildees em

atores principais para assegurar um bem-estar privado e personalizado a toda a sociedade

no campo dos serviccedilos sociais mediante a promoccedilatildeo de uma eacutetica de solidariedade

tambeacutem privada plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica que passa a ser justificada como

necessaacuteria agrave vida social contemporacircnea nas sociedades avanccediladas

Para interpretar essa tendecircncia pluralista e sua interferecircncia na estrutura social

familiar socioacutelogos atuais estudam esses processos sociais diferenciando-os em suas

distintas esferas de accedilatildeo dentre outras Giddens (1995 apud HERRERA REQUENA

2004) utilizando-se de vaacuterias categorias para referir-se aos espaccedilos micro e macro na

reestruturaccedilatildeo da vida familiar cotidiana e Habermans ( apud HERRERA REQUENA

2004) que distingue as duas esferas do mundo da vida isto eacute a vida privada e a opiniatildeo

puacuteblica de dois sub-sistemas_ o econocircmico e o administrativo Goacutemez Herrera (1998

2004) aponta nesses processos trecircs categorias_ continuista seletivo modelo liblab e o

comunitaacuterio apontado por ele como proacuteprio da nova cidadania societaacuteria Tambeacutem nesta

perspectiva pluralista o socioacutelogo italiano Donati (apud HERRERA REQUENA 2004)

baseia-se na teoria parksoniana para interpretar os novos fenocircmenos e os sistemas de bem-

estar e suas poliacuteticas O modelo teoacuterico adotado por Donati estabelece quatro esferas

proacuteprias da modernidade como esferas centrais desse modelo o mercado que eacute regulado

pelos preccedilos e no qual se supotildee que os indiviacuteduos buscam obter o maior benefiacutecio possiacutevel

e o Estado que eacute regulado pela esfera poliacutetica e desenvolve um aparato burocraacutetico onde

se insere o cidadatildeo As outras duas esferas satildeo o terceiro setor constituiacutedo por

organizaccedilotildees autocircnomas sem fins lucrativos e que atuam a partir de objetivos solidaacuterios e

as redes primaacuterias de familiares vizinhos e amigos que cumprem funccedilotildees especiacuteficas

como atores de referecircncia Eacute assim que passam a propor uma pluralizaccedilatildeo do bem-estar

justificando-a em face das novas demandas sociais A ideacuteia eacute desenvolver um movimento

associativo das famiacutelias fomentando um maior protagonismo dos chamados grupos

intermediaacuterios incentivando uma maior coesatildeo e responsabilidade social fazendo que

cidadatildeos participem como sujeitos ativos na prestaccedilatildeo desses serviccedilos sociais e natildeo apenas

como usuaacuterios paciacuteficos Dentre as diferentes estrateacutegias de atuaccedilatildeo da sociedade civil

168

classificadas pelos cientistas sociais uma defende um maior incremento do papel do

Estado na vida social assegurando o universalismo dos serviccedilos e outra faz a defesa de

um papel mais reduzido do Estado e assegura natildeo a proteccedilatildeo apenas de alguns poucos

Destaca-se a corrente que defende um maior papel central do mercado incentivando-o a

desenvolver sua accedilatildeo no campo dos serviccedilos sociais Essa corrente configura-se como a

opccedilatildeo dos neoliberais que tambeacutem estimulam o protagonismo de vaacuterios atores de bem-

estar social tais como terceiro setor associaccedilotildees famiacutelias e redes informais com ecircnfase

no protagonismo da mercado tal como demonstram as figuras 1 e 2 jaacute apresentadas nesta

tese referentes ao esquema teoacuterico triagular do pluralismo de bem-estar

(ABRAHAMSON 1995) Eacute do italiano Donati (1997 apud GOacuteMEZ HERRERA

REQUENA 2004) defensor da proposta pluralista neoliberal a ideacuteia de que tanto no

passado como no presente o quarto setor constituiacutedo por famiacutelias e redes informais

(parentes amigos vizinhos e voluntaacuterios) tem sido progressivamente anulado o que se

deriva da incapacidade de se produzir uma eacutetica de solidariedade capaz de influir nos

processos societaacuterios A seu ver os trecircs setores institucionais caminham segundo sua

proacutepria moral mas natildeo existe um cimento eacutetico comum cimento que deveria ter sua

origem no mundo vital da famiacutelia

Dentre as diversas aportaccedilotildees encontradas sobre propostas de reforma do

sistema de bem-estar (welfare) de orientaccedilatildeo neoliberal este estudo destaca de forma

resumida e sem a pretensatildeo de uma anaacutelise detalhada as aportaccedilotildees de Donati (1996) Paci

(1997 e de Rossi (1997) (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS LUIS 2004 p 93-125)

Esses estudos privilegiam o desenvolvimento do mercado baseado nos princiacutepios da

solidariedade e da coesatildeo social mediante a atuaccedilatildeo dos diversos atores e setores no

campo da proteccedilatildeo social Goacutemez Herrera e Pageacutes (2004) ao analisarem as obras de alguns

autores italianos_ Diez libros para la reforma del welfare (item IV)_ justificam a escolha

desses autores por apresentarem ldquovolumes elaborados de forma rica e criativa no recente

contexto italiano das Ciecircncias Sociais dos anos 1990rdquo (GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS

2004 p 93) Objetiva-se nesta tese ao registrar as aportaccedilotildees desses autores identificados

com a proposta neoliberal de bem-estar destacar a ecircnfase atribuiacuteda por eles agrave tese

minimalista do papel do Estado no campo da provisatildeo social puacuteblica com destaque para os

princiacutepios da subsidiaridade da relacionalidade social do individualismo responsaacutevel

bem como da cultura da dependecircncia como estrateacutegias neoliberais de esvaziamenrto das

esferas puacuteblicas

169

Para Donati e seus colaboradores (1996 apud GOacuteMEZ HERRERA

PAGEacuteS 2004 p 103)

ldquouma das finalidades da transformaccedilatildeo do welfare estaacute em promover a emergecircncia dos sujeitos que formam o terceiro setor entendido como um modo de ser positivo e inovador da sociedade e como uma forma social emergentecuja finalidade pode ser resumida na criaccedilatildeo de novas formas de integraccedilatildeo ou de solidariedade social ainda que sua orientaccedilatildeo peculiar esteja em criar promover e salvaguardar a solidariedade mediante accedilotildees inspiradas nas regras do dom da equumlidade e da reciprocidade O especiacutefico do terceiro setor argumenta Donati (1996) sob influecircncia da teoria habermasiana estaacute na criaccedilatildeo de bens relacionados isto eacute de bens com utilidade social gestionados e produzidos mediante uma especiacutefica atenccedilatildeo agrave relacionalidade social que se estabelece entre os membros mediante a co-participaccedilatildeo mantendo uma dignidade institucional anaacuteloga aos sistemas de Estado e de mercado para que esses membros possam se transformar em um ator institucionalizado capaz de criar bem-estar socialrdquo (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS 2004 p 103)

A formulaccedilatildeo de Donati deixa claro a defesa dos pluralistas ao princiacutepio do

individualismo responsaacutevel mediante o qual segundo Paci (1997) outro autor italiano defensor

da proposta de bem-estar plural (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 97) ldquoo indiviacuteduo deve

poder decidir livremente os instrumentos que tecircm que utilizar e para configurar sua seguridaderdquo

Paci (1998) retoma o discurso antiestatal no campo da cultura e das praacuteticas de serviccedilos sociais

e destaca textualmente como o maior desafio da conjuntura atual

a passagem de um Welfare da assistecircncia (Welfare State) em que o princiacutepio da justiccedila redistributiva estava baseado no conceito de equumlidade social (de igualdade de acesso aos bens e serviccedilos sociais garantidos pelo Estado a todos os cidadatildeos) para o welfare das oportunidades de mercado e das responsalilidades individuais em que os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade passaram a ser os elementos principais da pretendida coesatildeo social

Ao enfatizar a funccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social privado Paci (1998)

reafirma que essa funccedilatildeo corresponde natildeo soacute ao Estado (recurso da redistribuiccedilatildeo)

senatildeo tambeacutem agrave igreja agrave famiacutelia e agraves organizaccedilotildees do terceiro setor (recurso da

solidariedade) e inclusive ao proacuteprio mercado (recurso do intercacircmbio entre dinheiro

e serviccedilos) Em resumo no acircmbito dessa proteccedilatildeo social privada os serviccedilos devem

estruturar-se como empresas sociais termo utilizado por De Leonardis (1998 apud

GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 111) para designar uma forma associativa de privado

social baseada no princiacutepio da autonomia em relaccedilatildeo ou seja o chamado setor privado

social deve produzir os bens relacionais que o caracterizam permitindo sua circulaccedilatildeo e

170

disponibilidade para toda a sociedade Ainda para Paci (apud GOacuteMEZ HERRERA

PAGEacuteS p 109) ldquoo miacutenimo vital deve compreender a concessatildeo eou dotaccedilatildeo

necessaacuteria ao nuacutecleo familiar (aleacutem da pensatildeo social) devendo permanecer abaixo do

valor do salaacuterio miacutenimo (princiacutepio da subsidiaridade) para natildeo incorrer nas armadilhas

da pobreza incentivando a passividade (dependecircncia) de seus destinataacuteriosrdquo Nesse

sentido para Paci (1997) ldquoeacute necessaacuterio conceber o sistema de proteccedilatildeo social (leia-se

plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico) como elemento simboacutelico fundamental do novo

pacto de cidadania universal adaptado agrave sociedade modernardquo (apud GOacuteMEZ

HERRERA PAGEacuteS p 97)

Diante do exposto o princiacutepio baacutesico que fundamenta as relaccedilotildees pluralistas

entre Estado mercado e terceiro setor eacute o princiacutepio de subsidiariedade entendido tanto

em sentido vertical como horizontal pois nessa perspectiva provisatildeo social puacuteblica tem

que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio

A formulaccedilatildeo de Rossi (1997) refere-se agrave terceira aportaccedilatildeo Rossi

posiciona-se sobre os instrumentos operaticionais das poliacuteticas sociais com a defesa de

que ldquoo Estado Social deve reformar-se para estabelecer um conjunto de poliacuteticas que

associem a responsabilidade individual responsaacutevel agrave justiccedila social Para ele o lugar

por excelecircncia do welfare eacute e seguiraacute sendo o mercado de trabalho Ao centrar seu

discurso no tema do trabalho Rossi afirma que o trabalho eacute a base do welfare pois eacute

necessaacuterio e ainda possiacutevel dar responsabilidades laborais especialmente aos jovens

Ainda no acircmbito da reforma do welfare em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede Rossi defende

ldquoa integraccedilatildeo do terceiro setor em um novo quase mercado da sauacutede que deve ser

promovido e regulado poreacutem natildeo gestionado pelo Estadordquo

No contexto desse debate sobre propostas de reforma do welfare natildeo se

privilegia a natureza puacuteblica da proteccedilatildeo social do Estado como garante de cidadania

nem a concreta realizaccedilatildeo e garantia dos direitos sociais como prerrogativa e fator

determinante dessa instacircncia Ao contraacuterio ignora-se esses aspectos e utiliza-se como

estrateacutegia de convencimento o discurso da cultura da dependecircncia (culpalizaccedilatildeo dos

beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga fiscal do Estado) e da superaccedilatildeo

do axioma baseado na premissa de que o que eacute puacuteblico deve ser gestionado e garantido

pelo Estado Um outro aspecto ausente nesse debate levando-se em conta que o

puacuteblico natildeo se restringe ao estatal eacute a discussatildeo sobre em que condiccedilotildees institucionais

deveraacute ocorrer a legitimaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico desses serviccedilos de natureza plural ou

171

mista Em outras palavras natildeo se discute que requisitos satildeo levados em conta na

qualificaccedilatildeo dos serviccedilos sociais para a sustentaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico de seus

processos e produtos Diante dessas aportaccedilotildees constata-se o que estaacute em pauta ou

seja a desregulamentaccedilatildeo a desqualificaccedilatildeo e a reduccedilatildeo sistemaacutetica das funccedilotildees de

intervenccedilatildeo puacuteblica desenvolvidas pelo Estado Social

A figura 5 evidencia de forma clara um crescente aumento das associaccedilocirces

familiares na Espanha a partir do final dos anos 1970 como expressatildeo da nova orientaccedilatildeo

neoliberal com destaque para as deacutecadas de 1980 e 1990 periacuteodo de maior espansatildeo dessa

modalidade de organizaccedilatildeo familiar

Fonte FOESSA (1994) In HERRERA REQUENA 2004 p 201

Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares

O quadro 13 apresenta uma tipologia de associaccedilotildees familiares elaborada por

Rossi Maccarini (1999 p 203) apresentada por Herrera Requena (2004 p 193) com

os objetivos gerais da associaccedilatildeo claramente definidos (de ajuda agraves proacuteprias famiacutelias e de

ajuda agraves famiacutelias especiacuteficas) bem como a especificaccedilatildeo dos membros que deveratildeo

constituir as associaccedilotildees familiares na Espanha

Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares

Membros constituintes Objetivos gerais da

associaccedilatildeo

Ajuda agraves proacuteprias famiacutelias Ajuda a famiacutelias especiacuteficas

e objetivos gerais Objetivos gerais

Somente famiacutelias A B C

Famiacutelias e outros sujeitos D E F

Outros sujeitos G H I

Fonte HERRERA REQUENA 2004 p 193 Quadro elaborado por Rossi Maccarini (1999 p 203)

172

Segundo tais criteacuterios e objetivos utilizados na identificaccedilatildeo dos membros

constituintes e dos diversos tipos de ajuda agraves famiacutelias as associaccedilotildees satildeo interpretados em

sentido geral por Rossi y Maccarini (1999) da seguinte forma

a) tipo A_associaccedilocirces de auto-ajuda e ou ajuda muacutetua compostas por grupos de pais

que organizam serviccedilos como ajudar-se reciacuteprocamente diante de patolologias

(alccoolismo toxicomanias etc) entretenimento e cuidados dispensados agraves crianccedilas

da comunidade local etc

b) tipo B_associaccedilotildees que defendem direitos relacionados aos membros da famiacutelia

(crianccedilas mulheres idosos)

c) tipo C_associaccedilotildees de pais que promovem accedilotildees a respeito de certos valores

familiares na sociedade e outros objetivos (por exemplo movimentos contra a

educaccedilatildeo sexista contra determinados programas de TV) e outros

d) tipo D_associaccedilotildees familiares com assessores eou outras figuras que buscam uma

seacuterie de serviccedilos e benefiacutecios sociais para a comunidade local (cooperativas de pais

por exemplo)

e) tipo E_associaccedilotildees que repassam recursos ou prestam serviccedilos tanto agraves famiacutelias

envolvidas como a outras famiacutelias da comunidade local

f) tipo F_associaccedilotildees de famiacutelias que trabalham com o objetivo de pressionar a opiniatildeo

puacuteblica para conseguir determinados objetivos (por exemplo liberdade de educaccedilatildeo)

g) tipo G_associaccedilotildees que trabalham de forma individual ou com Instituiccedilotildees para ajudar

determinados grupos de famiacutelias (por exemplo famiacutelias pobres do bairro)

h) Tipo H_associaccedilotildees compostas por sujeitos diversos (familiares e natildeo-familiares)

com o objetivo de ajudar um grupo de famiacutelias

i) Tipo I_ associaccedilotildees formadas por sujeitos diversos para conseguir objetivos gerais de

caraacuteter familiar ( associaccedilotildees de preparaccedilatildeo ao parto por exemplo)

A seguir a tabela 2 apresenta a evoluccedilatildeo da tipologia familiar na Espanha no

periacuteodo de 1970 a 1991 Entre 1970 e 1981 destaca-se que a variaccedilatildeo percentual dos

tipos nucleares incluiacutea os modelos monoparentais

173

Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em ) ndash Espanha

1970 1981 e 1991

Tipos de hogar 1970 ndash 1981 1981 ndash 1991 1981 ndash 1991

Solitaacuterios Sem nuacutecleo Monoparentais Nucleares

Extensos Muacuteltiplos

6432 2181

2399 -445 -2991

1781 1415 8225 843

-2810 -1388

4824 924

7301 1639 -3368 -1700

Total 1957 866 1440

Dados da EPA Dados censais Fonte Elaboraccedilatildeo com base no Censo de Populaccedilatildeo de 1970 do Censo de Populaccedilatildeo de 1981e da Pesquisa de Populaccedilatildeo Ativa (segundo trimestre) de 1991 (Dados disponibilizados por T Requena e L Garrido In HERRERA REQUENA 2004 p 155)

As principais diferenccedilas percebidas entre a distribuiccedilatildeo de hogares (ambientes

familiares) por tipos e a distribuiccedilatildeo da populaccedilatildeo segundo o tipo de hogar explica-se pela

diferenccedila de tamanho dos hogares conforme revelam as tabelas 2 e 3 Na Espanha haacute uma

diversidade de tipos e composiccedilatildeo de hogares isto eacute de dois ou mais nuacutecleos (constiuiacutedos

por cinco ou mais pessoas) hogares solitaacuterios sem nuacutecleo monoparentais nucleares

simples ou nucleares extensos e hogares plurinucleares ou muacuteltiplos (formados por cinco

ou mais membros)

Da anaacutelise da tabela 2 depreende-se que ainda que na Espanha durante as duas

uacuteltimas deacutecadas o tipo de hogar mais comum tenha sido o nuclear simples produziu-se

uma simplificaccedilatildeo das formas familiares na Espanha como consequumlecircncia do incremento

dos hogares unipessoais eou natildeo-familiares e do decreacutescimo dos hogares nucleares

extensos e muacuteltiplos Segundo dados da EPA de 34 em 1970 o nuacutemero de hogares

unipessoais aumentou em 45 nos anos 1980 Contudo o exame mais detalhado em

relaccedilatildeo agrave diversidade de formas de hogar na Espanha evidencia que a reduccedilatildeo das

tradicionais formas familiares complexas e extensas de hogares natildeo deve ser vista

simplesmente como um fato loacutegico e natural mas como a capacidade de adaptaccedilatildeo da

famiacutelia contemporacircnea agraves mudanccedilas ocorridas nas realidades sociais estruturais eou

conjunturais pois historicamente a sociedade havia destinado agrave famiacutelia grande parte de

suas funccedilotildees tradicionais

No caso particular das mudanccedilas ocorridas na estrutura da famiacutelia espanhola

ela apresenta particularidades proacuteprias em face do processo de modernizaccedilatildeo familiar

europeu que se apresenta como modelo padratildeo A dimensatildeo territorial das formas

familiares na Espanha bem como o conjunto de tipologias familiares regionais existentes

174

naquele paiacutes revelam uma geografia de estruturas famiacuteliares muito distinta A anaacutelise das

caracteriacutesticas demograacuteficas (sexo idade e estado civil) desses tipos familiares e das

transformaccedilotildees familiares ocorridas nas uacuteltimas deacutecadas exige portanto uma maior

atenccedilatildeo aos tipos de hogares que a literatura especializada qualifica como elementos-chave

das mudanccedilas familiares atuais em face dos inuacutemeros tipos quais sejam hogares

solitaacuterios hogares de uma soacute pessoa hogares sem nuacutecleo hogares monoparentais

hogares extensos e hogares muacuteltiplos ou plurinucleares Essa diversidade de tipo de

hogares leva agrave conclusatildeo de que estaacute em curso um processo de mudanccedilas importantes na

morfologia familiar espanhola em especial em relaccedilatildeo agrave prevalecircncia da figura da mulher

(viuacuteva ou separada) como cabeccedila de famiacutelia e que vive sozinha com seus filhos nos

hogares monoparentais Em contrapartida constata-se que apesar do desaparecimento das

famiacutelias extensas e muacuteltiplas haacute uma tendecircncia de aumento da dependecircncia e de

permanecircncia de jovens solteiros e os casados mais jovens no domiciacutelio dos pais ou sogros

Uma outra tendecircncia contemporatildenea em curso na regiatildeo da Europa do Sul

refere-se agrave dissoluccedilatildeo do modelo patriarcal com ecircnfase agrave constituiccedilatildeo perfil (tipos) e

fortalecimento das associaccedilotildees familiares com outra arquitetura e composiccedilatildeo familiar

como demonstra a tabela 3

Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares

Tipos de associaccedilocirces Nuacutemero

Pais de famiacutelia Proteccedilatildeo e orientaccedilatildeo familiar Outras que afetam a famiacutelia De caraacuteter familiar e social Infantis

828 476 188

1115 464

Fonte FOESSA 1994 (In HERRERA REQUENA 2004 p 201)

Tambeacutem como caracteriacutestica baacutesica dessa nova morfologia familiar ganha

relevacircncia e maior visibilidade social a modalidade de assistecircncia familiar e personalizada

bem como a figura da cuidadora social feminina por grupos de idade

Na Espanha a inclusatildeo ou natildeo de pessoas idosas no sistema social puacuteblico

eacute baixa e depende em grande parte do patrimocircnio familiar que se tenha e da

solidariedade do grupo familiar Essa eacute a razatildeo pela qual a maioria dos cuidados que

recebem os idosos eou os membros portadores de necessidades especiais na Espanha

satildeo do tipo informal eou familiar Segundo pesquisa realizada naquele paiacutes pelo

175

Instituto de Serviccedilos Sociais (INSERSO) em 1995 (Informe INSERSO apud GOacuteMEZ

HERRERA e REQUENA p 288) 63 dos cuidados familiares satildeo prestados pelos

proacuteprios filhos eou irmacircos 27 pelo cocircnjuge (as mulheres mais que os homens as

que dedicam maior tempo a esses cuidados) e 10 por outros familiares como irmatildeos

e sobrinhos Cinco anos apoacutes a divulgaccedilatildeo desse Informe (1995) outra pesquisa

realizada (Informe INSERSO 2000) confirmou as informaccedilotildees estatiacutesticas anteriores

Segundo Goacutemez Herrera e Requena (2004 p 288) estudos posteriores a essa pesquisa

confirmam que os cuidados aos idosos crianccedilas e enfermos na Espanha satildeo realizados

sobretudo por seus familiares Os demais cuidados satildeo administrados por voluntaacuterios

ou por um trabalhador contratado e poucas vezes pelos serviccedilos sociais puacuteblicos (que

natildeo atingem 4 da populaccedilatildeo beneficiaacuteria desses serviccedilos)

A figura 6 confirma a baixa atuaccedilatildeo e a participaccedilatildeo miacutenima dos serviccedilos

soacutecio-assistenciais puacuteblicos para maiores de 65 anos na Espanha natildeo ultrapassando

4 da populaccedilatildeo que demanda tais serviccedilos

176

Fonte INE (2002) (apud BAYER LORENTE GARCIA MORENO 2004 In (GOacuteMEZ HERRERA REQUENA

2004 p 289)

Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma

incapacidade por grupos de idade

A figura 6 demonstra o perfil do principal cuidador de pessoas idosas por

grupos de idades de 65 a 79 anos (com destaque para os cuidados da filha eou do

cocircnjuge) e acima de 80 anos (com destaque para os cuidados da filha) Ainda conforme a

figura 6 agrave medida que a idade se torna avanccedilada os cuidados recaem ainda mais sobre a

filha (394 dos casos) e em segundo lugar sobre a irmatilde eou outros parentes proacuteximos

(185) No Informe Inserso (2002) (apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA) os dados

177

revelam que 83 dos anciatildeos portadores de necessidades (incapacitados) satildeo atendidos

principalmente pelas filhas (mais que pelos filhos)

Esses dados confirmam a prevalecircncia na Espanha de um modelo familiar

patriarcal (o homem como provedor e chefe de famiacutelia) bastante conservador bem como o

papel cuidador das famiacutelias e nessas das mulheres como provedores privados do bem-

estar de seus membros em substituiccedilatildeo ao papel do Estado Social Quando se leva em

conta as horas familiares dedicadas agraves pessoas idosas eou com incapacidade comprova-se

a quantidade de tempo dedicado pelas famiacutelias cuidadoras (mais de 40 horas semanais)

conforme demonstra a figura 7 a seguir Portanto falar de tempo dedicado pela famiacutelia ao

cuidado e atenccedilatildeo aos idosos que apresentam limitaccedilotildees em sua capacidade funcional

significa falar de um dos principais trabalhos da mulher espanhola no hogar ou seja o de

cuidar dos familiares enfermos Segundo Duraacuten (2000 apud GOgraveMEZ HERRERA e

REQUENA 2004 p 290) ldquoa maioria das mulheres espanholas tecircm recebido a

imcumbecircncia socialmente obrigatoacuteria de atender aos demais membros de suas famiacutelias

(homens crianccedilas enfermos e idosos) durante toda sua vida sem que existam redes de

serviccedilos sociais que compartilham de modo significativo essa funccedilatildeordquo

Fonte INE (2002) (In HERRERA REQUENA 2004 p 290)

Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia pessoal e

horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador

178

Esses dados confirmam a desigual distribuiccedilatildeo do tempo social entre homens e

mulheres e a escassez de trabalhos femininos remunerados nesse paiacutes Tendecircncias

contemporacircneas apontam a procura de empregos em tempo parcial pelas mulheres

empanholas para que possam conciliar o trabalho formal com o cuidado informal aos seus

familiares abrindo matildeo de seu tempo dedicado ao lazer Segundo Boyer Lorente e Garcia

Moreno (GOacuteMEZ HERRERA 2004 p 292) na Espanha ldquoos serviccedilos sociais puacuteblicos

cobrem apenas as necessidades de ajuda aos idosos e a famiacutelia substitui o Estado nessas

funccedilotildees isto eacute a ajuda informal da famiacutelia estaacute acima dos serviccedilos institucionalizados das

administraccedilocirces central e autocircnoma (CCAA)rdquo

Sobre essa realidade familiar pesquisas apontam significativas mudanccedilas nas

relaccedilotildees de trabalho e revelam a repercuccedilatildeo direta dessas mudanccedilas na vida e na situaccedilatildeo

laboral da mulher na Espanha (CASADO LOacutePEZ 2001 apud GOacuteMEZ HERRERA e

REQUENA 2004) As novas geraccedilotildees de mulheres (entre 30 e 45 anos) estatildeo alcanccedilando

niacuteveis educativos mais altos tecircm menos filhos e conquistam maior acesso ao mundo do

trabalho Sua trajetoacuteria de educaccedilatildeo e trabalho eacute marcadamente diferente da de suas matildees e

as tendecircncias sugerem sua opccedilatildeo por uma maior permanecircncia no mercado de trabalho Os

jaacute citados estudiosos dessa nova morfologia familiar espanhola como Boyer Lorente e

Garcia Moreno (In GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004 p 292) sinalizam mudanccedilas

futuras importantes em relaccedilatildeo ao ldquoapoio informal dado agraves famiacutelias por seus membros

femininos e apontam como saiacutedasldquoa necessidade de um aumento de serviccedilos puacuteblicos e

privados nesse setorrdquo e em consequumlecircncia ldquoo aumento de oferta de emprego em atividades

remuneradas para tais serviccedilosrdquo

Enfim ressalta-se um outro aspecto a ecircnfase dada pelo regime latino da Europa

do Sul agrave economia informal como alternativa e em substituiccedilatildeo agraves garantias trabalhistas

asseguradas pelo pleno emprego no mercado formal (regime noacuterdico) e a uma provisatildeo social

mista e descentralizada ao contraacuterio da prevalecircncia da provisatildeo social puacuteblica (modelo

Noacuterdico) conforme revela a figura 8 Nesse campo tambeacutem satildeo visiacuteveis as mudanccedilas em

relaccedilatildeo agraves propostas de financiamento misto e de administraccedilatildeo de cuidados de longa duraccedilatildeo

agrave populaccedilatildeo dependente (usuaacuterios de sercviccedilos puacuteblicos ou privados) envolvendo diversos

provedores e financiadores que vatildeo desde os setores privados puacuteblicos ateacute a participaccedilatildeo direta

das famiacutelias As formas de financiamento de participaccedilatildeo e de cuidados variam desde

cuidados formais e informais cotizaccedilotildees impostos transferecircncias de dinheiro em espeacutecie

cobertura universal eou assistencial e outros

179

Fonte In ( HERRERA REQUENA 2004 p 283)

Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de longa

duraccedilatildeo

Outro aspecto refere-se agrave importacircncia atribuiacuteda nesse paiacutes agrave cultura

assistencial de composiccedilatildeo informal voluntaacuteria plural e mista (welfare mix) como

contraponto agrave cultura assistencial institucionalizada e estatalista (regime noacuterdico) como se

abordaraacute mais adiante e de forma mais aprofundada nesta tese

180

522 O papel da Famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro

Uma das questotildees instigantes deste estudo foi a identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo que a

famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social brasileiro Para efeitos comparativos

em relaccedilatildeo ao modelo latino tambeacutem no Brasil haacute que se indagar sempre em que medida

se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da proteccedilatildeo

social puacuteblica Apesar da crescente valorizaccedilatildeo da famiacutelia como objeto de estudos e

pesquisas e das mudanccedilas significativas incorporadas ao novo coacutedigo civil aprovado em

2001 (em vigecircncia a partir de 2002) em que a famiacutelia natildeo constitui mais a instacircncia central

do direito de famiacutelia ocorre um fato curioso ou seja a mulher continua a referecircncia da

famiacutelia Indiscutivelmente a famiacutelia brasileira vem passando por significativas

transformaccedilotildees ao longo do tempo e uma delas refere-se ao novo papel da mulher como

pessoa de referecircncia da famiacutelia Segundo documento (BRASIL MDSSAS-

PNUDNOBSUAS 2004) da deacutecada passada ateacute 2002 houve um crescimento de 30 da

participaccedilatildeo da mulher como pessoa de referecircncia da famiacutelia Em 1992 elas eram

referecircncia para aproximadamente 22 das famiacutelias brasileiras e em 2002 para cerca de

29 das famiacutelias Essa tendecircncia de crescimento ocorreu de forma diferente entre as

regiotildees do paiacutes e foi mais acentuada nas regiotildees metropolitanas conforme demonstra a

figura 9 a seguir

Fonte IBGE ndash PNAD ndash 2002 (apud BRASIL MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Figura 9 Porccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino

181

Tambeacutem o comportamento reprodutivo das mulheres brasileiras vem mudando

nos uacuteltimos anos com aumento da participaccedilatildeo das mulheres mais jovens no padratildeo de

fecundidade do paiacutes Chama a atenccedilatildeo o aumento da proporccedilatildeo de matildees com idade abaixo

de vinte anos que se verifica tanto na faixa de quinze a dezenove anos de idade como na

de dez a quatorze anos de idade da matildee Sabe-se que a gravidez na adolescecircncia eacute

considerada de alto risco com taxas elevadas de mortalidade materna e infantil

Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos_ 2000

Municiacutepios classificados pela populaccedilatildeo

Total de municiacutepios

Mulheres de 15 a 17

anos

Mulheres de 15 a 17 anos com

filhos

Meacutedia de concentraccedilatildeo de

mulheres de 15 a 17 anos com filhos

Percentagem de mulheresde 15 a 17 anos com filhos

Pequenos I (ateacute 20000 hab)

Pequenos II (de 20001 a 50000 hab)

Meacutedios (de 50001 a 100000 hab)

Grandes (de 100001 a 900000 hab)

Metroacutepoles (mais de 900000 hab)

TOTAL

4018

964

301

209

15

5507

1083706

957365

671147

1553736

1057563

5323517

98529

93881

60867

121008

75295

449580

25

97

202

579

5020

82

909

981

907

779

712

845

Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano 2002 (apud MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Esse estudo entende que a anaacutelise do papel da famiacutelia na colaboraccedilatildeo das

poliacuteticas sociais e das complexas relaccedilotildees familiares deve estar conectada agrave anaacutelise das

complexas estruturas soacutecio-econocircmicas mais amplas e das mudanccedilas histoacutericas ocorridas

na sociedade contemporacircnea Historicamente tambeacutem no Brasil como nos paiacuteses que

desenvolvem o modelo latino a famiacutelia sempre foi considerada a ceacutelula mater da

sociedade em suas funccedilotildees ligadas agrave esfera da reproduccedilatildeo humana da sexualidade da

formaccedilatildeo da identidade pessoal e social da criaccedilatildeo dos filhos e como educadora de

cidadatildeos Ao analisar o conjunto de fatores que determinam as dinacircmicas do patriarcado e

da divisatildeo social do trabalho (tema natildeo aprofundado nesta tese por natildeo constituir seu

objeto de anaacutelise) torna-se claro a perpetuaccedilatildeo do poder patriarcal na sociedade brasileira

Estudos recentes tecircm privilegiado a relaccedilatildeo famiacuteliamulherpoliacutetica social e o Estado de

Bem-estar como o de Ceacutezar (2005) que ao analisar o sistema cubano de bem-estar e as

poliacuteticas sociais dirigidas agrave mulher cubana faz um contraponto socialista ao bem-estar

capitalista Dentre os vaacuterios aspectos analisados ressalta que a relaccedilatildeo entre a mulher e o

Estado de Bem-estar tem sido ambiacutegua no Estado capitalista ao considerar a forccedila

ideoloacutegica das esferas da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo de valores e das relaccedilocirces de marcado

182

caraacuteter patriarcal Refere-se sobretudo agraves criacuteticas feitas por vaacuterios estudos agrave formaccedilatildeo das

ideologias e praacuteticas conservadoras das instituiccedilotildees do Estado de Bem-estar o que

contribuiu para a perpetuaccedilatildeo das desigualdades de gecircnero ao reforccedilarem a dependecircncia e

subordinaccedilatildeo da mulher

Do ponto de vista juriacutedico-formal na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal brasileira de

1998 em vigecircncia a famiacutelia ganhou destaque recebendo um tratamento especial no acircmbito

da proteccedilatildeo do Estado em particular no capiacutetulo VIII da Ordem Social e na

regulamentaccedilatildeo da poliacutetica de Assistecircncia SocialLOAS Indiscutivelmente em princiacutepio a

famiacutelia apresenta-se como uma das instituiccedilotildees que melhor oferecem proteccedilatildeo seguranccedila e

as condiccedilotildees necessaacuterias agrave constituiccedilatildeo da identidade de seus membros No entanto apesar

dos avanccedilos juriacutedicos formais a famiacutelia brasileira tem apresentado novas configuraccedilotildees em

seu desenho e na estrutura de sua dinacircmica interna que vatildeo desde mudanccedilas na relaccedilatildeo e

no papel homem mulher no caraacuteter do viacutenculo civil em suas funccedilotildees tradicionais e ateacute no

acircmbito da provisatildeo e da proteccedilatildeo social A realidade soacutecio-econocircmica vivenciada pelo paiacutes

nas uacuteltimas deacutecadas tem interferido na trajetoacuteria da famiacutelia brasileira e em suas funccedilotildees

histoacutericas Dentre os vaacuterios fatores determinantes que tecircm influenciado a famiacutelia estatildeo as

mudanccedilas ocorridas no mundo do trabalho o crescimento da informalidade o aumento da

produccedilatildeo de bens de consumo (consumismo) o baixo niacutevel de escolaridade a

desagregaccedilatildeo familiar por questotildees de deslocamentos e migraccedilotildees em busca de trabalho e

de melhoeres condiccedilotildees de vida Esses fatores tecircm levado a famiacutelia brasileira a redefinir

sua estrutura interna e suas estrateacutegias de sobrevivecircncia

No Brasil no acircmbito da provisatildeo social e das poliacuteticas sociais prevalece a

cultura clientelista e assistencialista com forte componente cultural e ideoloacutegico que trata

o Estado como espaccedilo de favores benesses e instatildencia de quem se espera a garantia de

uma renda miacutenima de sobrevivecircncia A concepccedilatildeo prevalecente de miacutenimo no Brasil natildeo

comporta a dimensatildeo universalizadora necessaacuteria para atender agraves necessidades baacutesicas da

famiacutelia e da populaccedilatildeo em geral por estar vinculada aos princiacutepios de seletividade do

acesso e da meritocracia e natildeo da inclusatildeo social e da universalizaccedilatildeo de acesso Ademais

apesar dos avanccedilos significativos na legislaccedilatildeo social especiacutefica o modelo assistencial

familiar brasileiro tal qual estaacute estruturado mostra-se precaacuterio e insuficiente

Outro aspecto importante a ser ressaltado eacute que no campo das poliacuteticas sociais

persiste a ideacuteia de que independentemente da atuaccedilatildeo do Estado na implementaccedilatildeo de

poliacuteticas puacuteblicas a famiacutelia deve ser capaz de proteger promover o bem-estar de seus

183

membros e deles cuidar Essa ideacuteia ao ser reproduzida pelo senso comum no imaginaacuterio

coletivo da sociedade brasileira passa a ter importantes desdobramentos na concepccedilatildeo de

famiacutelia e na implementaccedilatildeo de uma suposta poliacutetica de assistecircncia familiar No Brasil

percebe-se a ausecircncia de aporte teoacuterico na discussatildeo sobre o papel da famiacutelia na poliacutetica

social brasileira e da relaccedilatildeo Estado e sociedadefamiacutelia na perspectiva do direito o que

por si soacute eacute suficiente para o entendimento da ausecircncia de uma clara poliacutetica familiar

assegurada no acircmbito do Estado Todos esses fatores tendem a manter e reproduzir a

concepccedilatildeo familista e assistencialista da famiacutelia

A partir dos anos 1980 ganhou visibilidade o papel da famiacutelia como

componente do setor informal na perspectiva do pluralismo de bem-estar de orientaccedilatildeo

neoliberal como uma das estrateacutegias de esvaziamento do poder puacuteblico do Estado Com

base nessa proposta plural conforme jaacute demonstrado neste estudo a mulher passou a

desempenhar um papel central como componente ativo do chamado agregado de bem-

estar seja como cuidadora social (idosos crianccedilas enfermos e outros) seja como

voluntaacuteria Essa situaccedilatildeo eacute preocupante quando se sabe que por sua proacutepria natureza plural

ou mista e natildeo puacuteblica o pluralismo de bem-estar ao chamar a mulher para exercer

praacuteticas tradicionais de ajuda e de auto-ajuda reitera seu lugar subalterno na sociedade

aleacutem de desconsiderar suas potencialidades como cidadatilde

Pereira (2003 p 11 e 12) ao discutir a proteccedilatildeo familiar sobre a oacutetica do

pluralismo de bem estar chama atenccedilatildeo para seu caraacuteter contraditoacuterio ressaltando que ldquo o

nuacutecleo familiar natildeo eacute uma ilha de virtudes e de consenso num mar conturbado de permanentes

tensotildees e dissensotildeesrdquo Entende a famiacutelia como uma instituiccedilatildeo social ao mesmo tempo forte e

fraca_ forte por ser um locus privilegiado de solidariedade humana de socializaccedilatildeo e de

transmissatildeo de conhecimento e fraacutegil ldquopor natildeo estar livre de despotismos violecircncia

confinamentos desencontros e rupturasrdquo (Pereira 1995 apud PEREIRA 2003 p 11) No

contexto da proposta pluralista de bem-estar neoliberal as relaccedilotildees familiares tornam-se

restritas agrave esfera privada e informal como se essa instacircncia apesar de estar situada no acircmbito

privado deixasse de ser objeto de atenccedilatildeo e proteccedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo legal pelo Estado

(PEREIRA 2003) Satildeo visiacuteveis portanto as mudanccedilas verificadas na organizaccedilatildeo na

composiccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia brasileira (que apresenta atualmente como na

Espanha vaacuterios tipos de coabitaccedilatildeo) e em suas funccedilotildees

Em uma perspectiva comparativa como ocorre nas sociedades mediterracircneas

tambeacutem no Brasil segundo o Censo 2000 (apud PEREIRA 2000) as mulheres brasileiras

184

vecircm se tornando cada dia mais chefes de famiacutelia A partir da participaccedilatildeo da mulher no

mercado de trabalho as relaccedilotildees familiares foram reestruturadas com redefiniccedilatildeo dos

papeacuteis do homem e da mulher nos espaccedilos domeacutestico e profissional agora natildeo mais de

forma oposta e hieraacuterquica senatildeo complementar Como na famiacutelia espanhola cresce

tambeacutem no Brasil o modelo de famiacutelia monoparental e esse tipo de famiacutelia eacute reconhecido

pelo novo Coacutedigo Civil brasileiro (2002)

Com base na anaacutelise de Anttonen (1991 p 5) ao afirmar que ldquoo pluralismo de

bem-estar natildeo eacute somente um conceito complexo senatildeo tambeacutem instaacutevelrdquo percebe-se que

as accedilotildees e programas pluralistas de bem-estar satildeo direcionados para o setor

privadoinformalfamiliar com o intuito de reformular os serviccedilos sociais e natildeo de criar

programas de seguridade social puacuteblica por isso o setor informal inclui famiacutelias grupos

de auto-ajuda e cooperativas Na opiniatildeo de Anttonen (1991) essas estrateacutegias pluralistas

tecircm um maior impacto nos padrotildees de gecircnero ao promoverem a divisatildeo de trabalho entre

homens e mulheres da mesma forma que entre voluntaacuterios e auxiliares profissionais como

resposta aos problemas fiscais do Estado Social Deseja-se ressaltar com essas breves

consideraccedilotildees sobre o lugar que a famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social

brasileiro indagando em que medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo

privado no conjunto da proteccedilatildeo social puacuteblica Tambeacutem a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais

de bem-estar voltadas para a famiacutelia deveriam ser mais incisivas em seu caraacuteter de poliacuteticas

puacuteblicas para colocar em praacutetica mudanccedilas que promovam o reconhecimento dos direitos

da famiacutelia como esfera privada e como objeto de accedilotildees medidas e intervenccedilotildees diretas do

poder puacuteblico Ademais as mulheres como cidadatildes de direitos tecircm se mostrado capazes de

formular poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave garantia da cidadania ampliada para homens e

mulheres como cidadatildeos

53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas

Para Leibfried (apud GOUGH 1997) o modelo de bem-estar

mediterracircneoEuropa do Sul caracteriza-se por um niacutevel rudimentar de provisatildeo social e

de desenvolvimento institucional embora haja diferenccedilas nacionais Por isso entende

que antes de sistematizar qualquer argumento sobre o regime de bem-estar da Europa do

Sul haacute que se estabelecer comparaccedilotildees Moreno (2000) destaca que os cinco paiacuteses

citados (Espanha Portugal Franccedila Itaacutelia e Greacutecia) compartilharam ideologias durante o

185

seacuteculo XX em relaccedilatildeo agrave cultura agrave histoacuteria aos sistemas de valores e agraves peculiaridades

institucionais ainda que em distintos graus e niacuteveis de ocorrecircncia tais como a)

experiecircncias com ditaduras e governos autoritaacuterios b) atrasos nos processos de

modernizaccedilatildeo (CASTLES apud MORENO 2000) com exceccedilatildeo de algumas regiotildees

mais industrializadas a exemplo da Espanha e da Itaacutelia e c) relevacircncia dos fatores

religioso e familiar com expressiva atuaccedilatildeo da Igreja e da famiacutelia Estas instituiccedilotildees satildeo

reconhecidas como tradicionais provedoras de poliacuteticas de bem-estar em que pese a

diminuiccedilatildeo de sua presenccedila nas uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia de dois acontecimentos

a partir dos anos 1990 a saber os efeitos dos processos de europeizaccedilatildeo e de

globalizaccedilatildeo que tecircm estimulado maior convergecircncia desses paiacuteses com os da Europa

Continental eou Central em particular do ponto de vista econocircmico e monetaacuterio e

maior grau de secularizaccedilatildeo das praacuteticas sociais na Europa do Sul

A prevalecircncia do fator religioso no modelo latino mediterracircneo em virtude de

grande parte dos paiacuteses do sul da Europa terem desenvolvido seus Estados de Bem-estar

com governos democrata-cristatildeos privilegiou a ajuda ao proacuteximo cada vez mais proacuteximo

e natildeo a decisiva intervenccedilatildeo estatal como dever de cidadania Contudo o processo de

europeizaccedilatildeo tem promovido certa convergecircncia nos dados agregados em relaccedilatildeo ao gasto

social como percentagem do PIB nacional Nesse aspecto os paiacuteses latinos destacam-se em

relaccedilatildeo agrave meacutedia do conjunto dos paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) demonstrando que os

paiacuteses da Europa do Sul apresentam o maior incremento em gasto social em termos

percentuais em relaccedilatildeo aos quatro regimes de bem-estar europeus (continental anglo-

saxatildeo meridional e noacuterdico) Moreno (2000) destaca o notaacutevel esforccedilo financeiro dos

governos dos paiacuteses da Europa do Sul nas uacuteltimas deacutecadas para se equipararem do ponto

de vista dos ajustes fiscais e econocircmicos com os demais paiacuteses europeus apesar das

particularidades que distinguem esses paiacuteses

Observam-se algumas tendecircncias bastante similares e comuns a esses paiacuteses e

ao Brasil sejam de caraacuteter demograacutefico sejam no acircmbito das condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas

Assim Moreno (2000 p 95) qualifica a Europa de bem-estar mediterracircneo como uma via

meacutedia ou ldquouma opccedilatildeo intermediaacuteria entre o modelo bismarkiano (de manutenccedilatildeo de

rendas ocupacionais e poliacuteticas baseadas no princiacutepio contributivo e no contrato social) e o

modelo beveridgiano (cobertura universalista de poliacuteticas natildeo-contributivas e de pleno

emprego) o que configura uma Seguridade Social mistardquo e se pode dizer o mesmo em

relaccedilatildeo ao modelo misto do Brasil Na Espanha no acircmbito da assistecircncia social

186

institucionalizada apesar do incentivo agraves atividades informais (plurais ou mistas)

desinstitucionalizadas e agrave microsolidariedade familiar os oacutergatildeos puacuteblicos atuam mediante

a destinaccedilatildeo de recursos serviccedilos sociais eou medidas de acolhimento agrave mulher seja

mediante recursos proacuteprios eou por convecircnios que garantem vagas em casas de acolhida

centros de atenccedilatildeo centros-dia residecircncias para idosas (personas mayores) eou em

centros de informaccedilotildees e serviccedilos a exemplo do que demonstra a tabela 5 sobre os

recursos e serviccedilos oferecidos agraves mulheres pela Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten-Espanha_2004

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Casas de acolhida 1 1 6 8

Vagas em casas de acolhida 15 10 73 98

Vagas em casas de acolhida por 10000 mulheres 14 15 16 16

Centros de Atenccedilatildeo 3 2 5 10

Centros de Dia - 1 1 2

Centros de Informaccedilatildeo e Serviccedilos 9 8 14 31

Residecircncias - - 1 1

Total recursos 13 12 27 52

Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia In Pesquisa Contiacutenua de Pressupostos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004

Em siacutentese como caracteriacutesticas mais gerais do modelo latino Moreno (2000)

destaca ainda alguns traccedilos que considera particulares agrave Europa do Sul em relaccedilatildeo aos

citados regimes de bem-estar europeus Satildeo eles a) auto-percepccedilatildeo das necessidades de

estilos de vida diferentes b) prevalecircncia da cultura da microsolidariedade familiar

entendendo a famiacutelia como um espaccedilo privado de provisatildeo e de proteccedilatildeo social com

ecircnfase agrave figura da mulher como cuidadora social c) propostas de conjunccedilatildeo entre os

princiacutepios da universalidade e da seletividade mediante a combinaccedilatildeo de diferentes

recursos institucionais tanto de caraacuteter privado quanto puacuteblico por intermeacutedio de um

intervencionismo concertado isto eacute baseado em convecircnios firmados entre os setores

puacuteblico e privado d) predominacircncia de uma peculiar dimensatildeo axioloacutegica e cultural do

sistema de bem-estar ao apoiar-se na ideacuteia de bem-estar como elemento facilitador da

autonomia vital das pessoas e) heterogeneidade dos padrotildees de reproduccedilatildeo social o que

contribui para o processo de acumulaccedilatildeo patrimonial pelas seguintes razotildees ecircnfase ao

regime de propriedade de moradias cuja titularidade se concentra nas pessoas mais idosas

da famiacutelia (que incentivam a compra e natildeo o aluguel) prevalecircncia de valores de

187

redistribuiccedilatildeo patrimonial no acircmbito familiar durante todos os ciclos vitais mediante

doaccedilotildees entre os membros da famiacutelia (praacutetica de reparticcedilatildeo intra familiares) proliferaccedilatildeo

de empresas e empregos de acircmbito familiar e processo tardio de emancipaccedilatildeo dos jovens

(uso comum dos recursos familiares disponiacuteveis)

Para Castles eFerrera (apud MORENO 2000 p 98) el hogar (espaccedilo eou

ambiente familiar natildeo necessariamente nuclear) constitui a instituiccedilatildeo central de

referecircncia nessa regiatildeo na busca pelo bem-estar e qualidade de vida para todos os

membros da famiacutelia Decorre entatildeo seu caraacuteter estruturante na conformaccedilatildeo do regime

latino ainda que natildeo se configure como espaccedilo de intervenccedilatildeo direta das poliacuteticas sociais

puacuteblicas de bem-estar Nesse sentido el hogar torna-se uma instituiccedilatildeo de compensaccedilatildeo

entre seus distintos componentes geracionais Segundo Benfield (apud MORENO 2000 p

100) ldquonessas praacuteticas sociais predomina a ausecircncia de outros referenciais eacuteticos aleacutem dos

instituiacutedos pelos espaccedilos familiares convencionaisrdquo

Com base no exposto o fenotildemeno do pluralismo de bem-estar como forte

tendecircncia contemporacircnea encontrou um campo cultural feacutertil na Europa do Sul natildeo soacute para

difundir mas efetivamente para implementar sua proposta tomando como referecircncia

formas peculiares de reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas locais tais como

preferecircncias culturais ecircnfase no princiacutepio da solidariedade utilizaccedilatildeo de arranjos

institucionais mistos predominacircncia de praacuteticas religiosas e culturais adoccedilatildeo de enfoques

particularistas e privatistas na reconstruccedilatildeo do Estado de Bem-estar incorporaccedilatildeo de

provisatildeo social plural ou mista em combinaccedilatildeo com a provisatildeo puacuteblica residual de

serviccedilos sociais enfim formas peculiares de organizaccedilatildeo da sociedade civil marcadamente

conservadoras vinculadas agrave auto ajuda e ajuda muacutetua

A ecircnfase dada agrave divulgaccedilatildeo da cultura da dependecircncia como estrateacutegia

neoliberal de culpalizaccedilatildeo dos beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga

fiscal do Estado tem condicionado a percepccedilatildeo dos cidadatildeos sobre a sua proacutepria condiccedilatildeo de

pobreza A literatura especiacutefica define como principais traccedilos e tendecircncias pluralistas dos

paiacuteses mediterracircneos a) a histoacuterica praacutetica social do agregado de bem-estar centrado no

nexo gecircnerofamiacuteliatrabalhoassistecircncia de natureza complementar buscando a conjunccedilatildeo

dessas duas dimensotildees na perspectiva de satisfaccedilatildeo vital dos cidadatildeos (well being)

(MORENO 2000 p 98) b) as praacuteticas institucionais de natureza particularista e clientelista

e as organizaccedilotildees subsidiadas pelo setor estatal (que constituem um freio agraves reformas mais

gerais ateacute mesmo porque tais processos estatildeo arraigados e condicionados por aspectos

188

culturais) c) a prevalecircncia de um lado de sistemas sociais fragmentados guiados pelos

receituaacuterios corporativistas de esquerda e de outro de subculturas poliacuteticas como praacutetica da

direita (tradicional clientelismo e paternalismo) que contribuem para fortalecer a condiccedilatildeo de

ciudadanos precaacuterios nessa Regiatildeo d) as formas peculiares de reproduccedilatildeo social da

sociedade civil nesses paiacuteses em que se datildeo na forma de redes sociais grupais ou seja os

cidadatildeos filiam-se a grupos eou se inserem em redes de influecircncia que acabam fortalecendo

as praacuteticas clientelistas muito embora tais praacuteticas natildeo sejam exclusivas dos paiacuteses da

Europa do Sul (MORENO 2000)

Percebe-se por conseguinte a influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal

nessa regiatildeo quando se constata que muitas dessas redes sociais eou grupais satildeo

estruturadas informal e espontacircneamente O puacuteblico poreacutem tem pouco conhecimento

dessas praacuteticas e uma ideacuteia estrita de pertencimento a esses grupos em funccedilatildeo de sua

natureza clientelista e da consequumlente reproduccedilatildeo de lealdades feudais a patrotildees e chefes

de filas eou de ordem ateacute mesmo porque tais praacuteticas satildeo reproduzidas de forma discreta

no acircmbito privado Ainda satildeo comuns nessa regiatildeo os casos de concessatildeo de subsiacutedios

com caraacuteter de favores com destacada intermediaccedilatildeo de poliacutetica partidaacuteria em troca de

apoios eleitorais

Ainda segundo Moreno (2000) na Itaacutelia e na Greacutecia tal praacutetica clientelista

institucionalizou-se de forma generalizada O acesso a essas redes informais subsidiadas

pelos poderes puacuteblicos constitui um instrumento importante de apropriaccedilatildeo de recursos

puacuteblicos e de privileacutegios (corrupccedilatildeo)

A existecircncia de tais praacuteticas poliacuteticas a exemplo do Brasil revela a presenccedila

de niacuteveis primaacuterios de socializaccedilatildeo e a reproduccedilatildeo de uma cultura poliacutetica contraacuteria agrave

formaccedilatildeo de sujeitos criacuteticos e conscientes Nesses paiacuteses ainda satildeo muito baixas e

limitadas as referecircncias aos direitos de cidadania social Ademais o predomiacutenio de

interesses particularistas eou grupais provocam nos cidadatildeos uma percepccedilatildeo distorcida

dos princiacutepios da democracia com igualdade positiva da cidadania ampliada e da

solidariedade na perspectiva dos direitos sociais Por apresentarem um caraacuteter micro

(apenas no seio das famiacutelias dos grupos e das redes informais) tais praacuteticas produzem uma

baixa efetividade na provisatildeo social puacuteblica e nos serviccedilos de proteccedilatildeo social requisitos

essenciais para a im plementaccedilatildeo de uma poliacutetica familiar de natureza puacuteblica

Em siacutentese a prevalecircncia de interesses corporativistas nessas sociedades explica

a fragmentaccedilatildeo de seus sistemas de proteccedilatildeo social em detrimento de uma provisatildeo puacuteblica

189

e universal na prestaccedilatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social Observa-se entretanto que a

tendecircncia de enfatizar a famiacutelia e o lar como principal instacircncia produtora e distribuidora de

bem-estar ao cidadatildeo ocorre com maior visibilidade na Espanha

Segundo dados baseados em estudos do Conselho Superior de Investigaccedilatildeo

Cientiacutefica (CSIC) (apud MORENO 2000) 76 dos espanhoacuteis consideram a famiacutelia muito

importante e 23 bastante importante na produccedilatildeo de intercacircmbios eou transferecircncias

interfamiliares que satildeo tanto de natureza material quanto imaterial (niacuteveis afetivos

transmissatildeo de atitudes conhecimento percepccedilotildees e valores de auto-ajuda e ajuda muacutetua)

Esse papel central atribuiacutedo agrave famiacutelia e agrave mulher configura-se como uma visatildeo social e uma

cultura que distingue visiacutevelmente as sociedades mediterracircneas Trata-se de um fator

determinante no conjunto de poliacuteticas de bem-estar e dos regimes da Europa do Sul Apesar

de reconhecer que nem tudo pode ser quantificado Moreno (2000) afirma que a

incorporaccedilatildeo dos cuidados prestados pelas famiacutelias e em particular pelas supermulheres

(supermujer del mediterracircneo) aos filhos pais irmatildeos maridos eou companheiros na

contabilidade nacional pode distorcer os iacutendices e dados contaacutebeis relativos agrave melhoria dos

niacuteveis de produccedilatildeo e de renda dos chamados paiacuteses latinos

De forma contraditoacuteria tal niacutevel de dedicaccedilatildeo e cuidado das mulheres em

relaccedilatildeo aos membros da famiacutelia natildeo tem se traduzido em respeito a elas e reconhecimento

de sua atuaccedilatildeo nem mesmo reduzido ou impedido o avanccedilo da violecircncia domeacutestica que

atinge sobretudo as mulheres Ao contraacuterio conforme demonstra a pesquisa realizada na

Espanha em 2004 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica no periacuteodo entre 1999 e 2003

tendo adotado como paracircmetro o nuacutemero de chamadas telefocircnicas (24 horas) dirigidas ao

Instituto Aragoacutenecircs da MulherComunidade Autocircnoma de Aragoacuten em relaccedilatildeo aos maus

tratos fiacutesicos e psicoloacutegicos agressatildeo sexual e outros constata-se que a violecircncia

domeacutestica em relaccedilatildeo agraves mulheres aumentou como revela a tabela 6

Tabela 6 Chamadas ao telefone ndash 24 horas do Instituto Aragoacutenecircs da Mulher

1999 2000 2001 2002 2003

Maus tratos fiacutesicos 344 408 764 1346 1609

Maus tratos psicoloacutegicos 105 134 225 376 468

Agressatildeo sexual 16 15 24 39 27

Informaccedilatildeo geral 281 410 486 629 1035

Outros 205 233 295 485 395

TOTAL 951 1200 1794 2875 3534

Fonte Pesquisa Continua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004

190

Indiscutiacutevelmente a escalada progressiva de violecircncia domeacutestica em relaccedilatildeo agrave

mulher espanhola revela a prevalecircncia de uma cultura e um perfil de sociedades ainda

conservadoras e machistas nesta regiacirco com clara hierarquia de poder nas relaccedilocirces

familiares cujos valores interesses e condiccedilotildees masculinos se soprepotildeem aos femininos

O papel da supermujer no regime latino da Europa do Sul eacute tatildeo destacado que

estudos realizados nas uacuteltimas deacutecadas (MORENO 2000 p 101) ressaltam o aumento dos

niacuteveis de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina nos cursos de educaccedilatildeo formal e como

consequecircncia maior incorporaccedilatildeo das mulheres ao mercado de trabalho com a reduccedilatildeo do seu

papel de cuidadoras sociais nos espaccedilos failiares (hogares) Percebe-se que a crescente

participaccedilatildeo da mulher no setor produtivo somada aos demais desafios colocados agrave

necessidade de expansatildeo familiar nesses paiacuteses (crescimento demograacutefico negativo na regiatildeo)

coloca como uma grande incoacutegnita o desenvolvimento futuro do modelo de bem-estar

latinomediterracircneo Atualmente as mulheres da Europa do Sul representantes da geraccedilatildeo mais

jovem tecircm destacado como prioridade o alcance de niacuteveis de independecircncia econocircmica por si

mesmas buscando superar sua subordinaccedilatildeo material e financeira aos companheiros

Nesse sentido como tendecircncia e projeccedilatildeo futura a repercussatildeo dessa recente

atitude feminina poderaacute traduzir-se em uma progressiva desinstitucionalizaccedilatildeo da

microsolidariedade familiar e ateacute do proacuteprio casamento formalizado como instituiccedilatildeo

dominante Em que pese ser ainda uma incoacutegnita ateacute porque haacute poucos estudos com

validaccedilatildeo empiacuterica eacute previsiacutevel que tais mudanccedilas de valores e de atitudes produziratildeo

grande impacto no perfil e na estrutura do regime latino de bem-estar da Europa do Sul No

entanto ocorre um fato curioso na regiatildeo De um lado a manifestaccedilatildeo clara das jovens

mulheres mediterracircneas de buscar sua independecircncia financeira e sua incorporaccedilatildeo ao

mercado de trabalho de outro natildeo obstante as dificuldades estruturais para constituir e

criar uma famiacutelia (desemprego alto custo de vida e outros) o desejo da maternidade

contrasta com a ausecircncia de renuacutencia dessas mulheres aos seus anseios maternais

Diante do exposto constata-se que a busca por uma maior europeizaccedilatildeo do

ponto de vista econocircmico na Regiatildeo Sul da Europa natildeo se traduz em maior europeizaccedilatildeo do

ponto de vista social com o objetivo de adotar um marco estatutaacuterio de direitos na

formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e de um maior grau de convergecircncia das poliacuteticas sociais a

partir dos princiacutepios de cidadania igualitaacuteria e de justiccedila redistributiva Na literatura

especiacutefica no entanto ressalta-se como o faz Moreno (2001 p 112) que em geral ldquoos

europeus possuem valores atitudes de respeito pelos direitos humanos conhecimentos e

191

percepccedilotildees muito voltados para a dimensatildeo social comunitaacuteria compartilhando um alto grau

de apoio e de solidariedade cidadatilde pelo bem-estar social de seus cidadatildeosrdquo

Nesse sentido entende-se o argumento de Moreno (2000) de que natildeo existe

um Estado de Bem-estar europeu mas diversos Estados de Bem-estar o que torna viaacutevel a

comparaccedilatildeo das caracteriacutesticas de um dos modelos existentes (modelo latino) com o

modelo de proteccedilatildeo social desenvolvido no Brasil

CAPIacuteTULO VI

A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL

OS PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA

MIacuteNIMA EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI)

61 A emergecircncia do debate

No contexto de expansatildeo do Estado de Bem-estar europeu importantes

proposiccedilotildees perpassaram o debate sobre os dispositivos eou mecanismos de

transferecircncias de renda que deveriam prevalecer no periacuteodo glorioso apoacutes a Segunda

Guerra Mundial Defendia-se jaacute agravequela eacutepoca a importacircncia de uma renda miacutenima

incondicional apoiada no princiacutepio da gratuidade No acircmbito internacional as

primeiras ideacuteias de uma renda miacutenima vinculada agraves poliacuteticas de bem-estar jaacute estavam

presentes nas reformas sociais posteriores a 1945 e sempre estiveram associadas agraves

ideacuteias de Beveridge de Keynes e ao conceito de cidadania elaborado por TH

Marshall fundamentadas no conceito de igualdade justiccedila social e cidadania ampliada

Para Baldwin (1992 p 21) ldquoainda que se admitisse diferenccedilas de classe e riqueza o

Estado garantia a cada um um certo niacutevel miacutenimo independente do destino da

biologia e da sociedaderdquo

Na Ameacuterica Latina e em especial no Brasil os primeiros debates e as

primeiras experiecircncias de renda miacutenima surgiram em fins dos anos 1980 e iniacutecio dos 1990

no contexto dos programas de ajustes macro-econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal As

propostas de programas denominados transferecircncia de renda eou de renda miacutenima foram

implantados como antiacutedotos aos efeitos do referido ajuste econocircmico No entanto soacute em

meados da deacutecada de 1990 apoacutes a experiecircncia do Meacutexico tais programas ganharam maior

visibilidade e foram tomados como referecircncia pelos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina

incluindo o Brasil

A tabela 7 destaca as caracteriacutesticas principais dos sistemas de renda miacutenima

da Europa do Sul ressaltando os criteacuterios e as condiccedilotildees de acesso aos benefiacutecios

prestaccedilotildees desde a primeira experiecircncia em 1988 (Franccedila) bem como os requisitos e as

193

exigecircncias de condiccedilotildees de acesso Esses sistemas tecircm em comum a exigecircncia de

vinculaccedilatildeo do benefiacuteciaacuterio agrave inserccedilatildeo ao trabalho como condicionalidade

Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul

Ano Espanha

Greacutecia Itaacutelia Portugal

EU-11ii

EU-15

PIB percapita (

em Euros) 2001 162 120 210 119 268 232

Gasto social ( PIB) 1999 200 255 253 29 270 276

Pobreza antes

de transferecircncias sociaisi

1998 25 23 23 27 274 26

Pobreza depois

de transferecircncias sociais 1998 19 22 20 20 138 18

Distribuiccedilatildeo da renda (8020) 1998 68 65 59 72 44 54

Indiviacuteduos em lares de desempregados 2000 51 42 50 12 37 45

Taxa de desemprego geral 2000 141 111 105 41 58 82

Taxa de desemprego juvenil 2000 262 296 308 89 113 162

Taxa de ocupaccedilatildeo feminina 2000 403 412 603 403 603 540

Eficaacutecia do governoIV

2001 157 065 068 091 162 144

Controle da corrupccedilatildeoV

2001 145 073 063 121 169 151

Notas i Excluiacuteda as pensocirces ii Relaccedilatildeo entre os percentuais de renda da quinta parte mais rica e da mais pobre iii Meacutedia dos paiacuteses europeus excluiacutedos Espanha Greacutecia Itaacutelia e Portugal iv Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que combina percepccedilocirces da qualidade da oferta de serviccedilos puacuteblicos de pressocirces poliacuteticas e da credibilidade do empenho do governo em determinadas poliacuteticas puacuteblicas v Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que mede a percepccedilatildeo de abusos cometidos pelos funcionaacuterios puacuteblicos ou poliacuteticos em proveito proacuteprio Fonte Moreno 2002 p 19 Elaboraccedilatildeo de Moreno utilizando dados de CEC (2002) y Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten (2002)

Vale destacar que em relaccedilatildeo aos modelos de renda miacutenima na Europa do Sul

aspectos centrais como a unidade de caacutelculo a procedecircncia dos recursos os criteacuterios

adotados e os meacutetodos utilizados para determinar o valor econocircmico das prestaccedilotildees sociais

variam muito de paiacutes para paiacutes Assim o valor e a atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees sociais

vinculadas agraves rendas miacutenimas nessa regiatildeo quando natildeo se faz por decreto sofrem

variaccedilotildees conforme as caracteriacutesticas da regiatildeo eou com base na evoluccedilatildeo do iacutendice de

preccedilos ao consumidor (IPC) como eacute o caso da Franccedila onde o caacutelculo eacute feito com base na

unidade familiar e satildeo considerados os recursos de toda natureza Em outros paiacuteses a

exemplo da Itaacutelia toma-se a unidade de caacutelculo segundo o valor da pensatildeo miacutenima

baseada no nuacutemero de famiacutelias e de pessoas que vivem sob o mesmo teto Nesse paiacutes satildeo

consideradas para efeito de recursos todas as rendas da famiacutelia com exceccedilacirco da renda

moradia subsiacutedios escolares e renda trabalho

No caso especiacutefico da Espanha o meacutetodo que determina o valor da

prestaccedilatildeo da renda miacutenima varia de acordo com os criteacuterios estabelecidos e a realidade

apresentada pelas comunidades autocircnomas (CCAA) A atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees

194

sociais eacute feita com base em um ajuste anual e segundo a variaccedilatildeo da pensatildeo miacutenima

Na Espanha satildeo considerados os recursos provenientes de todas as rendas da famiacutelia

com exceccedilatildeo do subsiacutedio de moradia

A tabela 8 apresenta a renda minima per capita e o custo do programa (percentual

em relaccedilatildeo ao PIB) Entretanto vale ressaltar que o custo e o acesso aos programas de renda

miacutenima variam conforme o nuacutemero de indiviacuteduos beneficiaacuterios presentes na famiacutelia e na

comunidade como se pode observar nas informaccedilotildees contidas na tabela

Tabela 8 Europa do Sul Programas de Rendas Miacutenimas (2000)

Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal

Renda miacutenima por indiviacuteduo (mensais) 286ordf 148b

268 125

Renda miacutenima por casal e 2 filhos 386ordf 444 660 374

Nuacutemero de beneficiaacuterios (milhares)

202 700 86c

418

Nuacutemero de beneficiaacuterios ( populaccedilatildeo)

05 64 36c

42

Custo do programa (milhotildees anuais) 210 269 110d

284

Custo do programa ( PIB) 023 023 022e

025

Notas a Importacircncia da prestaccedilatildeo em Catalunha As restantes cifras no caso da Espanha referem-se ao conjunto dos programas autocircnomos de rendas miacutenimas b Todas as cifras no caso da Greacutecia onde natildeo existe nenhum programa de renda miacutenima satildeo estimativas resultantes de um exerciacutecio de simulaccedilatildeo efetuado por Matsaganis et al 2001 c Nnuacutemero de beneficiaacuterios (e porcentagem da populaccedilatildeo envolvida) nos 39 municiacutepios que participaram na primeira fase de experimentaccedilatildeo do experimento de reddito miacutenimo drsquoinserimento d Metade do custo do programa nos 39 municiacutepios experimentais durante o periacuteodo de dois anos (1999-2000) e Estimativas realizadas em 2001( PIB) se o programa havia sido generalizado em toda a Itaacutelia Fonte Moreno 2002 p 20 Informe final FIPOSC

Nos itens renda miacutenima por casal seguro desemprego prestaccedilatildeo contributiva e

natildeo-contributiva os dados evidenciam como os benefiacutecios em geral satildeo regulados com

riacutegidos criteacuterios em todos os sistemas da regiatildeo Os niacuteveis variam de acordo com as faixas

de renda e de salaacuterios e prevalece o modelo distributivo (tabela 9)

195

Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002)

Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal

Seguro desemprego (niacutevel miacutenimo) 442ordf 265ordf g

390

Subsiacutedio desemprego (assistencial) 332ordf 150b

nd 312d

Pensacirco miacutenima contributiva (70 anos) 386ordfd

474ac

516h

190

Pensacirco miacutenima natildeo-contributiva (70 anos) 259d

156ad

516h

138

Subsiacutedio familiar (1 filho de 7 anos) 24 nde

nde

26

Subsiacutedio familiar (3 filhos de 10 7 e 4 anos) 73 141f

110i

92

Notas As quantidades sacirco mensais (em euros) As prestaccedilocirces sacirco pagas em doze vezes ao ano a nacirco ser que se indique de outra maneira Em casos especiacuteficos os niacuteveis podem variar para o trabalhador individual ou a famiacutelia de acordo aos niacuteveis de renda ou de salaacuterio a Pago quatorze vezes ao ano b Somente disponiacutevel aos trabalhadores de mais de 45 anos c Incluiacutedo um suplemento de solidaridade para os pensionistas d Niacutevel para os beneficiaacuterios sem familiares dependentes e Natildeo existe um programa geral Haacute subsiacutedios contributivos para as famiacutelias com trabalhadoras dependentes f Sogravemente disponiacutevel para famiacutelias com um terceiro filho menor de 6 anos g O seguro ordinaacuterio de desemprego corresponde a 40 do salaacuterio de referecircncia (sem niacutevel miacutenimo) h Pago em treze vezes ao ano Incluiacuteda sogravemente a prestaccedilatildeo por famiacutelia numerosa Excluiacutedos os subsiacutedios contributivos Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo proacutepria dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)

No conjunto desses dados confirma-se a existecircncia de traccedilos comuns que se

relacionam para a demarcaccedilatildeo de um modelo particular na Europa do Sul Especificando-

se a Espanha percebe-se que nela prevalecem os criteacuterios de complementariedade e de

subsidiariedade presentes nos demais paiacuteses sul-europeus As comunidades deixam claro e

de forma expliacutecita a incompatibilidade do benefiacutecio com qualquer outro seja de que

natureza for conforme demonstra o quadro 14

Quadro 14 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Subsidiariedade complementariedade e

incompatibilidades

Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades

Andaluzia De recursos econocircmicos de unidade familiar

Com qualquer pensatildeo ou prestaccedilatildeo contributiva ou natildeo-contributiva de qualquer dos membros da unidade familiar

Aragoacuten De qualquer outro recurso tipo de recurso ou prestaccedilocirces

De qualquer outro ingresso de recurso ou prestaccedilotildees Das medidas de inserccedilatildeo social Apoio ao desenvolvimento pessoal e social Educacccedilatildeo e formaccedilatildeo Incorporaccedilacirco ao trabalho

Canaacuterias De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com pensocirces puacuteblicas exceto prestaccedilocirces familiares da seguridade social Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios por desemprego Com prestaccedilotildees alimentiacutecias de parentes obrigados

196

Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades

Castilha-La Mancha

De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente

De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente

Com pensotildees contributivas nacirco contributivas ou assistenciais por invalidez ou jubilaccedilatildeo do sistema puacuteblico de pensotildees Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios de desemprego por quantia igual ou superior ao recurso miacutenimo de solidariedade

Cataluntildeha De recursos econocircmicos da unidade

Caracteriacutestica geral Com prestaccedilotildees puacuteblicas superiores agrave renda miacutenima Com inexistecircncia de prestaccedilotildees desemprego por haver causado baixa voluntaacuteria na empresa Com situaccedilocirces transitoacuterias de falta de emprego por demissatildeo regulaccedilatildeo de emprego ou similares se o solicitante estaacute pendente de receber uma indenizaccedilatildeo superior agrave renda miacutenima Com pensotildees alimentiacutecias do cocircnjuge obrigado

Madri De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com o internamento em centros residenciais salvo se a RMI facilita a desistitucionalizaccedilatildeo Com ajudas autocircnomas natildeo perioacutedicas nem permanentes

Pais Basco De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente

De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente

Comunidade Valenciana

De recursos econocircmicos da unidade familiar

Com qualquier tipo de pensacirco ou ajuda puacuteblica cuja finalidade seja atender as necessidades de subsistecircncia

Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)

Um traccedilo comum e uma forte caracteriacutestica dos regimes de renda miacutenima

regulados pelas comunidades autocircnomas (CCAAs) na Espanha eacute o grau de vinculaccedilatildeo das

medidas e criteacuterios de inserccedilatildeo com as prestaccedilotildees econocircmicas O quadro 15 evidencia

como todas as comunidades utilizam um instrumento juriacutedico proacuteprio como mecanismo de

controle sobre os acordos firmados entre o beneficiaacuterio e os governos regionais

197

Quadro 15 Espanha ndash renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de

inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas

Condiccedilatildeo inicial para a concesatildeo da

RMI

Condiccedilatildeo para a conservaccedilatildeo da

RMI

Obrigaccedilatildeo dos beneficiaacuterios da

RMI Instrumento juriacutedico

Andaluziacutea

Compromisso de inserccedilatildeo

Aragoacuten Acordo de inserccedilatildeo

Canaacuterias

Programa de integraccedilatildeo

Castilha-la mancha Acordo de inserccedilatildeo

Cataluntildeha Convecircnio de inserccedilatildeo

Madri Contrato de integraccedilatildeo

Pais Basco Convecircnio de inserccedilatildeo

C Valenciana Documento de inserccedilatildeo

Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)

O perfil geral dos sistemas de proteccedilatildeo social desenvolvidos no Sul da Europa

e em particular o modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) da Espanha guarda estreita

relaccedilatildeo com o sistema de proteccedilatildeo social brasileiro e revelam contradiccedilotildees e ambiguumlidades

Em vista disso para efeitos deste estudo destacam-se trecircs situaccedilotildees que

evidenciam tendecircncias comuns entre os dois modelos A primeira jaacute citada diz

respeito ao tratamento e agrave grande visibilidade dada nos anos recentes agrave assistecircncia

social natildeo tanto como poliacutetica concretizadora de cidadania mas como estrateacutegia de

consecuccedilatildeo de accedilotildees sociais plurais ou mistas que desobrigam o Estado de seu papel de

garante de direitos A segunda situaccedilatildeo natildeo menos forte decorre da primeira e refere-

se ao pouco conhecimento existente sobre a natureza e o alcance dos objetivos da

assistecircncia social tanto no Brasil quanto na Europa do SulEspanha e ainda de sua

efetividade para reduzir a pobreza e os iacutendices de desigualdade social eou para

alcanccedilar outros fins similares Essa realidade eacute confirmada por Gough (1997) quanto agrave

direccedilatildeo tomada pela assistecircncia social na Europa do Sul em uma pesquisa54

coordenada por ele envolvendo um grupo de cientistas sociais sobre a assistecircncia

realizada em 24 paiacuteses da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento

Economico (OCDE) nos anos 1990 Os dados baacutesicos e conclusivos desse estudo

foram publicados em livro (1996) e em outro informe cientiacutefico de acircmbito nacional

nos quais satildeo comparadas e contrastadas as peculiaridades da assistecircncia em cada paiacutes

do sul europeu A terceira situaccedilatildeo confirma como uma forte tendecircncia o fato de a

54 Trata-se de um estudo investigativo realizado por Gough (1997) e por pesquisadores da Unidade de Investigaccedilatildeo de Poliacutetica Social da Universidade de York nos anos 1990 que abrange a totalidade dos programas de assistecircncia social desenvolvidos em 24 paiacuteses membros da OCDE

198

assistecircncia social ser assumida cada vez mais pela igreja pela comunidade e pela

famiacutelia (que se apresentam como titulares da provisatildeo social privada) com perda

gradativa do protagonismo do Estado

A tabela 10 elaborada por Ian Gough (1997) evidencia a meacutedia das rendas

mensais disponiacuteveis com assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul com destaque para

os gastos soacutecio-assistenciais efetuados pela Itaacutelia (paiacutes reconhecido pela implementaccedilatildeo de

progranmas de assitecircncia social) em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses mediterracircneos

Tabela 10 Europa do Sul ndash rendas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com assistecircncia social

1992

Paiacutes Idade de solteiro 35

Idade do casal 35

Casal + 1 filho com idade de 7 anos

Solteiro + 1 filho com idade de 7 anos

Idade de solteiro 68

Greacutecia 48 48 52 60 60

Itaacutelia

(388)

(705)

(833)

(666)

388

Portugal 251 251 270 270 124

Espanha 312 358 417 377 208

Media CE 12 368 531 627 524 378 Fonte Ian Gough (1997)

A tabela 11 (Gough 1997 ) demonstra o gasto social total de cada paiacutes europeu (em relaccedilatildeo

ao PIB nacional) com destaque para a Sueacutecia e a Dinamarca paiacuteses que sempre investiram

na funccedilatildeo do Estado como instacircncia organizadora e reguladora de poliacuteticas puacuteblicas de bem-

estar social

Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992

Dinamarca

314

Greacutecia 193

Espanha 225

Franccedila 292

Itaacutelia 256

Portugal 176

Reino Unido 272

UE-12 271

Sueacutecia 376

Suiacuteccedila 181

Notas 1991 1990

Fonte (GOUGH 1997 )

Tudo isso acontece em um contexto em que a nova pobreza cria novos riscos e

inseguranccedilas sociais (ROOM apud GOUGH 1997) Um outro aspecto a destacar jaacute

199

caracterizado como tendecircncia atual eacute que a seguridade puacuteblica estaacute transformndo-se em

seguro privado revelando a ausecircncia de uma cultura de direitos tanto na Europa do Sul

como no Brasil como um traccedilo do avanccedilo da ofensiva neoliberal

Atualmente tanto em acircmbito nacional (Brasil) como internacional (Europa)

assiste-se ao desmoronamento e fragilizaccedilatildeo da cidadania social especialmente onde a

presenccedila do Estado nunca foi decisiva O aspecto mais grave natildeo estaacute na perda de seu

protagonismo mas no desmantelamento de direitos sociais jaacute conquistados e na sua

substituiccedilatildeo pela sociedade sem que ela conte com autonomia eou prerrogativa legal e

legiacutetima para prover como dever de cidadania bens e serviccedilos sociais Ademais o

mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e dada a diversidade de modelos de bem-estar e de

sistemas de provisatildeo social no proacuteprio contexto europeu percebe-se a inexistecircncia de um

marco regulatoacuterio regional eou ateacute mesmo nacional no campo da assistecircncia social em

que pesem os dispositivos legais presentes nas constituiccedilotildees desses paiacuteses

Portanto os paiacuteses da Europa do Sul segundo Gough (1997) natildeo satildeo os uacutenicos

que carecem de um projeto de assistecircncia social integrada de um compromisso social

puacuteblico ou de um sistema de seguridade social extenso mas eacute neles que essa tradicional

tendecircncia se confirma ainda mais Estudos como o de Gough (1997)55 muito contribuem

para o avanccedilo da ideacuteia sobre a necessidade de construccedilatildeo de uma rede de seguridade social

puacuteblica baacutesica no sul europeu e no Brasil que extrapole as intervenccedilotildees locais a exemplo

da experiecircncia e da tradiccedilatildeo dos paiacuteses noacuterdicos (Noruega Finlacircndia Dinamarca Sueacutecia

Islacircndia) em relaccedilatildeo agrave garantia de empregos e de provisatildeo universal de bem-estar O

grande diferencial eacute que nesses paiacuteses constata Gough (1997) existem marcos

regulatoacuterios nacionais Jaacute no Sul da Europa Ferrera (apud GOUGH 1997) identifica

quatro fatores de caraacuteter soacutecio-estrutural somados aos poliacutetico-institucionais que explicam

o atraso da assistecircncia social a saber o niacutevel de desenvolvimento soacutecio-econocircmico as

estruturas do espaccedilo familiar as caracteriacutesticas do mercado de trabalho o fenocircmeno das

migraccedilotildees Tambeacutem as subvenccedilotildees estatais a poliacuteticas assistenciais ainda satildeo muito baixas

nessa regiatildeo56

Em relaccedilatildeo ao fenocircmeno das migraccedilotildees na atualidade o quadro inverteu-se nos

paiacuteses da Europa do Sul que de exportadores passaram agrave condiccedilatildeo de importadores de

55 Gough (1997) analisa um aspecto socialmente relevante da poliacutetica social na Europa do Sul qual seja a provisatildeo de uma rede de seguridade e de renda nacional atraveacutes dos programas de assistecircncia social 56 Para Gough (1997) nos paiacuteses da Europa do Sul em sua grande maioria a porcentagem de gasto social puacuteblico (financiamento) com a assistecircncia social estaacute abaixo da meacutedia do conjunto de paiacuteses membros da Uniatildeo Europeacuteia

200

populaccedilatildeo Os movimentos migratoacuterios tecircm gerado novas demandas (e novos desafios) agraves

agecircncias estatais puacuteblicas eou privadasvoluntaacuterias No entanto argumenta Gough (1997

p 422) a capacidade de articulaccedilatildeo de peticcedilotildees para uma cobertura estatal sistemaacutetica eacute

miacutenima ateacute porque como jaacute salientado nesses paiacuteses o Estado-naccedilatildeo sempre teve papel

miacutenimo e muito restrito Natildeo haacute portanto mobilizaccedilatildeo poliacutetica ampla (de baixo para cima)

desses segmentos capaz de alterar para melhor o grau de proteccedilatildeo social O clientelismo

tornou-se uma via alternativa que redefine e domina o atual sistema e bloqueia as possiacuteveis

reformas aleacutem da inexistecircncia de um marco legal mais geral57 Por outro lado

ldquoidentificam-se algumas pressotildees provenientes da Uniatildeo Europeacuteia em favor de uma

melhora na provisatildeo social que vatildeo se configurando como uma estrateacutegia de combate agrave

exclusatildeo socialrdquo (GOUGH 1997 p 406) Sob a ofensiva neoliberal ateacute mesmo na Europa

do Norte cresce a insatisfaccedilatildeo popular face agrave tendecircncia estatal de reformular a rede oficial

de seguridade social existente agrave medida que os mercados de trabalho se distanciam do

ideal assumido nos programas claacutessicos de seguridade social contributiva e redistributiva

Por fim Gough (1997) identifica trecircs caracteriacutesticas poliacutetico-institucionais

comuns aos paiacuteses da Europa do Sul que a seu ver podem explicar a ausecircncia de uma rede

de seguridade puacuteblica oficial eou de um regime institucionalizado de assistecircncia social

nessa regiatildeo Satildeo elas a) a regiatildeo herdou um regime de bem-estar conservador-

corporativista segundo enfoque de Esping-Andersen (1990) b) os direitos sociais natildeo

estatildeo enraizados numa cultura poliacutetica aberta e universalista mas fechada e particularizada

e ainda muito influenciada pela loacutegica do familismo e das relaccedilotildees patratildeo-cliente como

uma constante histoacuterica e c) a terceira explicaccedilatildeo estaacute centrada nos antecedentes

histoacutericos natildeo-institucionalizados e no desenvolvimento recente dos programas de renda

miacutenima de inserccedilatildeo

Percebe-se com base na peculiaridade da assistecircncia social da Europa do Sul

porque Moreno (2000 p 67) fala das ldquoEuropas de bem-estarrdquo ao analisar ldquoas realidades

culturais institucionais e soacutecio-econocircmicas dos Estados de Bem-estar europeusrdquo e porque

existem vaacuterias tipologias de Estados de Bem-estar elaboradas por Wilenski e Lebraux

(1965)Titmus (1974) e Korpi e Esping-Andersen (1984) visando diferenciar modelos

distintos de poliacutetica social

57 Na Espanha os programas assistenciais diferem muito entre si Ateacute pouco tempo (1960) a ajuda aos pobres era de responsabilidade dos municiacutepios e da Igreja A partir de 1970 deu-se iniacutecio agrave provisatildeo de renda miacutenima Atualmente ainda haacute variaccedilotildees ateacute mesmo em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso aos programas de renda eou de inserccedilatildeo (RMI)_ salaacuterio miacutenimo Em algumas comunidades autocircnomas (CCAA) natildeo se exige o requisito de nacionalidade jaacute que os referidos programas satildeo descentralizados

201

Estudos fundamentados empiricamente (ver quadro 20 elaborado por

MORENO 2002) confirmam a deduccedilatildeo de Gough (1997) a respeito da necessidade de

reformulaccedilatildeo do sistema de seguridade social na Europa do Sul dada a ausecircncia de uma

rede de proteccedilatildeo universal e de um marco regulatoacuterio nacional Como exemplo faz-se

necessaacuterio que o governo central (Estado) intervenha de forma mais direta nas CCAA com

maiores recursos financeiros padronizando miacutenimamente os requisitos exigidos aos

beneficiaacuterios dos programas sociais No periacuteodo de 1998 a 2001 os indicadores sociais da

Espanha referentes agrave renda percapita (16 em 2001) e ao gasto social em relaccedilatildeo ao PIB

(20 em 1999) revelam-se superiores quando comparados aos demais paiacuteses do sul da

Europa Contudo e inferiores em relaccedilatildeo aos indicadores da Uniatildeo Europeacuteia

Diante desse quadro constata-se tambeacutem que na Europa do Sul o maior

desafio colocado no campo da provisatildeo social puacuteblica eacute o de estabelecer oficialmente um

programa de renda miacutenima financiado pelo Estado que esteja fundamentado numa

cidadania social ampliada que possibilite uma renda baacutesica na perspectiva dos direitos

sociais e que consolide um sistema nacional de seguridade social puacuteblico e de provisatildeo

universal de bem-estar Tambeacutem o referido desafio consiste em ampliar e incrementar as

accedilotildees do Estado nas demais poliacuteticas puacuteblicas o que exigiraacute sem duacutevida a criaccedilatildeo de um

marco regulatoacuterio nacional

Essas medidas teratildeo de levar em conta as mudanccedilas recentes sofridas pelos

regimes de bem-estar da Europa em geral tal como procede Moreno (2004)58 na anaacutelise

sobre as caracteriacutesticas e os traccedilos comuns desses regimes de bem-estar europeus Em sua

reflexatildeo Moreno (2004) sinaliza as tentativas neoliberais de reestruturaccedilatildeo desses regimes

pela Uniatildeo Europeacuteia (UE) que em geral satildeo de restriccedilotildees claras agrave cidadania social

Argumenta o autor que as respostas dos paiacuteses europeus agraves propostas de contenccedilatildeo de

gasto social (puacuteblico) eou de modernizaccedilatildeo desses regimes de bem-estar estatildeo

condicionadas pelas caracteriacutesticas proacuteprias de cada paiacutes por diferentes configuraccedilotildees

pelos traccedilos especiacuteficos e pelo niacutevel de adesatildeo de cada um deles agraves orientaccedilotildees neoliberais

Estar-se-ia portanto caminhando em direccedilatildeo agrave latinizaccedilatildeo dos modelos de bem-estar

europeus Decerto que natildeo

Moreno (2004) avalia que as propostas neoliberais constituem uma regressatildeo

das poliacuteticas institucionalizadas tornando-as menos generosas mas culturalmente

58 Conferecircncia de Luis Moreno no II Seminaacuterio Internacional de Poliacutetica Social Brasiacutelia SERUnB em novembro de 2004

202

latinas Identifica como principais fatores de mudanccedilas que alimentam a pressatildeo

neoliberal para restringir o papel do Estado a) as condiccedilotildees soacutecio-demograacuteficas desses

paiacuteses (baixa taxa de natalidade) b) o alto iacutendice de desemprego c) a recusa pela classe

meacutedia do pagamento de impostos altos acompanhada de denuacutencia de ausecircncia de

serviccedilos sociais compatiacuteveis com a carga tributaacuteria cobrada d) as estrateacutegias neoliberais

para expansatildeo de seu ideaacuterio com argumentos sobre a necessaacuteria remercantilizaccedilatildeo e

privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais e sobre os efeitos perversos da cultura da dependecircncia

(ideacuteia que coloca as proacuteprias viacutetimas da pobreza como principais protagonistas de sua

sub-cidadania) e) o novo discurso da direita favoraacutevel ao monetarismo com reduccedilatildeo do

gasto social e dos financiamentos puacuteblicos tendo em vista maior competitividade dos

mercados privados com ataques expliacutecitos ao sistema puacuteblico de pensotildees com indicaccedilatildeo

sobre a necessidade de reformas e modificaccedilatildeo dos pactos de solidariedade estatal f) os

discursos sobre a necessidade de novas lutas da direita europeacuteia promovendo a ruptura

com os pactos de nacionalidade (Estado-Naccedilatildeo) com claras propostas de mudanccedilas de

paradigmas econocircmicos (a exemplo da tese de que a doutrina keynesiana teve dimensatildeo

nacional e por isso natildeo se universalizou)

Ainda sobre as estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas neoliberais que se

configuram como tendecircncias gerais e reforccedilam o caraacuteter natildeo-institucionalizado da

assistecircncia no modelo latino da Europa do sul e do Brasil Moreno (2004) destaca como

questatildeo central e como novos traccedilos aspectos sociais que a seu ver satildeo resultantes de um

processo em curso denominado economia poacutes-industrial que natildeo mais reconhece o

trabalho como campo simboacutelico e como categoria fundante das relaccedilotildees sociais e

econocircmicas Ele se refere a esses aspectos como a) expansatildeo de serviccedilos privados

lucrativos b) incremento do nuacutemero de pessoas dependentes desses serviccedilos (por exemplo

pensionistas) c) mudanccedilas no mercado de trabalho com maior participaccedilatildeo feminina d)

aumento significativo da exclusatildeo social (reduccedilatildeo dos postos de trabalho para

trabalhadores de menor niacutevel de qualificaccedilatildeo profissional e) incremento do termo

flexibilizaccedilatildeo em substituiccedilatildeo ao de seguridade social (seguranccedila e proteccedilatildeo social

puacuteblicas) e f) estiacutemulo e transferecircncia de responsabilidades do Estado pela provisatildeo social

agraves famiacutelias e em particular agraves mulheres como cuidadoras sociais

Diante desse quadro geral de clara regressatildeo das poliacuteticas de bem-estar o

referido autor aponta algumas alternativas possiacuteveis especialmente para os paiacuteses da

Europa do Sul a) estiacutemulo agraves poliacuteticas de igualdade de gecircnero nos mercados de

203

trabalho b) criaccedilatildeo de estrateacutegias com vista a equilibrar o trabalho remunerado no

espaccedilo familiar entre seus membros retirando o foco e a sobrecarga da figura da

supermujer59 c) garantia de cursos de capacitaccedilatildeo e de formaccedilatildeo continuada para

emprego estaacutevel d) fortalecimento das redes (ou malhas) de seguridade social

garantindo cobertura de apoio puacuteblico para situaccedilotildees de vulnerabilidade social

(invalidez doenccedilas aposentadorias incapacidades) Ressalta contudo que os governos

neoliberais europeus natildeo estatildeo dispostos a se sacrificar em favor de um maior

incremento de gasto social puacuteblico em relaccedilatildeo ao PIB nacional muito menos em prol

de uma maior cobertura social com o fortalecimento das redes de seguridade social

Sem duacutevida a identificaccedilatildeo e a relaccedilatildeo que vecircm sendo estabelecida entre

paradigmas de proteccedilatildeo social latino-europeu e brasileiro com os regimes conservadores

ou corporativos europeus revela aspectos que podem ser compartilhados tais como o eixo

poliacutetico que garante hierarquias e status a prevalecircncia da loacutegica trabalhista na qual a

famiacutelia e nela a mulher exerce o papel de provedora de bem-estar social informal e

voluntaacuterio ao passo que os homens mantecircm a funccedilatildeo de provedores mediante emprego no

mercado formal

Entretanto o paradiacutegma de proteccedilatildeo social brasileiro distingue-se do europeu

por seu caraacuteter mais excludente tendo em vista o baixo potencial redistributivo das

poliacuteticas sociais brasileiras especialmente da sauacutede assistecircncia social previdecircncia e

59 Por supermujer Moreno (2003 p 5)) refere-se ldquoa um tipo de mulher mediterracircnea (com idade entre 40 e 59 anos) que tem sido capaz de conciliar seu trabalho natildeo remunerado no lar (hogar) com suas cada vez maiores e mais exigentes atividades profissionais no mercado de trabalho formalrdquo A seu ver estas supermujeres constituem-se no mais eficaz ldquoamortecedor socialrdquo na Europa Meridional (do Sul) contra a ofensiva neoliberal dos anos 1980 e 1990 agrave medida que as atividades extras desenvolvidas por elas tecircm sido cruciais tanto para manter a coesatildeo social das sociedades mediterracircneas como para um maior crescimento econocircmico Como dado ilustrativo Moreno (2003 p 5) informa que no periacuteodo 1975-1995 todos os paiacuteses mediterracircneos dobraram os percentuais do crescimento do gasto puacuteblico em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) alcanccedilando os seguintes pontos percentuais respectivamente Espanha (131) Greacutecia (151) Itaacutelia (113) e Portugal (102) Essas taxas contrastam com a meacutedia de 53 pontos percentuais em toda a EU no mesmo periacuteodo No contexto do recente processo de europeizaccedilatildeo a dupla jornada da supermujer manifesta-se como um orgulho cultural por esses paiacuteses de perfil conservador O papel ambivalente (de contiacutenuas mudanccedilas de jornada de trabalho) da mulher mediterracircnea reflete atitudes de um familismo ambivalente (SARACENO 1995 apud MORENO 2003) Por familismo ambivalente entende-se a difiacutecil conciliaccedilatildeo entre prioridades profissionais e afetivo-familiares (dupla jornada) As duas dimensotildees correspondem a um universo de valores que se apresentam em aparente dicotomia que as supermujeres meridionais tecircm conseguido combinar natildeo sem grande esforccedilo sendo capazes de completar jornadas interminaacuteveis de trabalho durante grande parte de suas vidas A ausecircncia do trabalho domeacutestico compartilhado pelos outros membros da famiacutelia tem implicado em maiores sacrifiacutecios e longas horas de exigente dedicaccedilatildeo da mulher dentro e fora de casa Eacute indiscutiacutevel que dadas as caracteriacutesticas do nexo famiacutelia trabalho e bem-estar a posiccedilatildeo das mulheres nos paiacuteses da Europa do Sul tornou-se mais complexa nas uacuteltimas deacutecadas com o incremento de todo tipo de responsabilidades profissionais e familiares com o agravante de que na estrutura social familiar na Europa do Sul compete agrave mulher cumprir funccedilotildees reprodutivas e as conciliar com o trabalho domeacutestico natildeo-remunerado

204

educaccedilatildeo Esta caracteriacutestica impediu ao longo do tempo a criaccedilatildeo e consequumlentemente a

expansatildeo da cobertura de uma proteccedilatildeo social puacuteblica e de qualidade reforccedilando a

tradicional distribuiccedilatildeo desigual de renda e alto grau de concentraccedilatildeo de renda e de poder

Os altos iacutendices de subemprego o descaso com as accedilotildees de sauacutede preventiva aleacutem do

acentuado grau de mercantilizaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede e de educaccedilatildeo e do caraacuteter

assistencialista e compensatoacuterio da assistecircncia social confirmam essa cultura poliacutetica

brasileira Confirmando as incompletudes histoacutericas e os contrastes sociais a distribuiccedilatildeo

de renda no Brasil nunca se deu em bases igualitaacuterias e redistributivas o que aprofundou o

fosso entre ricos e pobres

No caso especiacutefico dos paiacuteses da Europa do Sul e tomando como referecircncia as

diferentes tipologias de modelos de bem-estar excludente bem como estrateacutegias de

distribuiccedilatildeo de bem-estar nessa regiatildeo a literatura especiacutefica identifica estruturas

diferenciadas tais como puacuteblica familiarinformal privada plural ou mista Como

caracteriacutestica comum em relaccedilatildeo ao perfil familiar e assistencialista da regiatildeo Sul da

Europa indicadores sociais revelam um modelo de proteccedilatildeo social limitado agrave assistecircncia

social informal voluntaacuteria comercial eou mercantil No caso particular da proteccedilatildeo social

no Brasil haacute que se destacar em relaccedilatildeo aos gastos sociais e agrave distribuiccedilatildeo de bem-estar a

identificaccedilatildeo ateacute os anos 1980 de reduzidos niacuteveis de gasto social e uma grande

heterogeneidade eacutetnico-cultural baixa cobertura de seguro social e ainda a prevalecircncia de

um modelo econocircmico agro-exportador e de uma cultura poliacutetica clientelista e fisiologista

e populista Aleacutem disso eacute consensual em diferentes estudos sobre a poliacutetica social

brasileira que ela foi mais efetiva nos periacuteodos de ditadura do que de democracia Como

funcionava como instrumento de legitimaccedilatildeo do regime de exceccedilatildeo cerceador de direitos

individuais (civis e poliacuteticos) ela natildeo fazia parte do estatuto da cidadania

Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento de um sistema de bem-estar

como direito social ainda mais tardio do que na Europa do Sul Como marca do seu caraacuteter

conservador destaca-se ainda a estreita vinculaccedilatildeo da proteccedilatildeo social brasileira ao

mercado formal de trabalho haja vista o modelo corporativo adotado pelo regime

ditatorial particularmente nos anos 1930-1945 durante o governo de Getuacutelio Vargas

muito assemelhado ao modelo contratualisa de seguro social de Otto Von Bismarck

(Alemanha) Ressalta-se tambeacutem no regime brasileiro a acentuada diversidade e

heterogeneidade territorial (local e regional) e de desenvolvimento soacutecio-econocircmico Essa

diversidade somada agrave grande dimensatildeo geograacutefica brasileira contribuiu para a

205

consolidaccedilatildeo de uma cultura poliacutetica que combinou patrimonialismo clientelismo e

corporativismo Essa eacute a razatildeo das primeiras experiecircncias isoladas de proteccedilatildeo social no

Brasil60 pouco se universalizarem em que pesem suas semelhanccedilas com os regimes

conservadores europeus especialmente com os da Europa do Sul

Diferentemente desses paiacuteses o panorama social brasileiro sempre revelou

assustadores iacutendices ultrapassando 30 da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza conforme

demonstra a tabela 11 elaborada por Jannuzzi (2001) sobre indicadores sociais da maior

importacircncia de paiacuteses como Nigeacuteria Meacutexico Sueacutecia EUA quando comparados aos

indicadores do Brasil em pleno seacuteculo XX

Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX

Indicador Social Nigeacuteria Brasil Meacutexico Sueacutecia EUA

Taxa de crescimento demograacutefico (aa) 25 13 16 02 09

Proporccedilatildeo de 65 + anos () 30 49 45 174 125

Taxa de mortalidade infantil (pmil) 112 36 28 4 7

Esperanccedila de vida ao nascer 501 670 723 787 768

Crianccedilas nascidas com deacuteficit de peso () 16 8 7 5 7

Taxa de analfabetismo () 389 155 92 lt 10 lt 10

Taxa de escolarizaccedilatildeo primaacuteria () 930 971 999 999 999

Taxa de escolarizaccedilatildeo secundaacuteria () 295 654 661 999 963

Gasto educaccedilatildeo + sauacutede ( PIB)

09

65

77

155

119

Taxa de participaccedilatildeo masculina ()

862

841

817

714

701

Taxa de participaccedilatildeo feminina ()

480

440

384

629

582

Taxa de desemprego ()

ndash

78

30

82

46

Percentual de pobres (linha Bco Mundial) 702 51 179 ndash ndash

Percentual de pobres (linha oficial) () 430 174 101 46 141

Iacutendice de Gini ndash renda individual 045 059 050 025 040

Apropriaccedilatildeo de renda 20 + pobres () 44 25 36 96 52

IDH (Iacutendice de Desenvolvimento Humano) 0430 0747 0784 0926 0929

PIB per capita (doacutelar PPC) 795 6625 7704 20659 29605

Fonte Januzzi 2001 p 126_ Anuaacuterios e Banco de dados do PNUD UNESCO OIT UNICEF UNFPA e Banco Mundial Nota Segundo o autor os indicadores natildeo satildeo necessariamente comparaacuteveis Obs seleccedilatildeo feita pela proacutepria autora de alguns indicadores sociais relacionados pelo autor

Januzzi (2001) contribui para as anaacutelises sobre as funccedilotildees das poliacuteticas sociais

ao apresentar dados referentes aos estaacutegios de transiccedilatildeo demograacutefica que demandam

poliacuteticas socias eficazes ao explicitar as principais carecircncias e necessidades baacutesicas que

60 No Brasil a primeira lei reguladora das relaccedilotildees sociais vinculada agrave proteccedilatildeo social ocorreu em 1919 ndash Lei de Acidentes de Trabalho ndash e foi restrita a algumas categorias profissionais De conformidade com a Lei Eloy Chaves (1924) foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo inicialmente restritas aos ferroviaacuterios e logo em seguida estendidas a outras categorias (portuaacuterias estivadores etc)

206

deveratildeo ser atendidas por tais poliacuteticas bem como ao distinguir a linha da indigecircncia

(pobreza absoluta) da linha da pobreza (relativa) pois no Brasil a pobreza se caracteriza

por uma condiccedilatildeo humana que impede qualquer possibilidade de autonomia organizaccedilatildeo e

de participaccedilatildeo poliacutetica e social dos setores empobrecidos nas instacircncias decisoacuterias

tornando esses segmentos vulneraacuteveis agrave cooptaccedilatildeo por parte das elites (locais e regionais)

Natildeo se pode esquecer o caraacuteter repressivo e autoritaacuterio dos regimes de exceccedilatildeo que

prevaleceram no Brasil entre os anos 1937-1945 e entre 1964-1985

O quadro 16 sobre os estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica revela a importacircncia

da cobertura das poliacuteticas sociais em todos os ciclos vitais da existecircncia humana

Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais

Estaacutegio Ecircnfase da Poliacutetica Social

Preacute-transicional Altas taxas de natalidade Populaccedilatildeo muito jovem Baixa taxa de urbanizaccedilatildeo

Atendimento materno-infantil Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego

Transiccedilatildeo iniciada Diminuiccedilatildeo das taxas de natalidade Urbanizaccedilatildeo intensa Populaccedilatildeo jovem

Atendimento materno-infantil Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria

Transiccedilatildeo plena Desaceleraccedilatildeo acentuada da taxa de natalidade Aumento da populaccedilatildeo em idade ativa Alta urbanizaccedilatildeo

Emprego Educaccedilatildeo superior e secundaacuteria Sauacutede de adultos e materno-infantil Habitaccedilatildeo

Transiccedilatildeo completa Taxa de natalidade muito baixa Envelhecimento Elevada urbanizaccedilatildeo

Sauacutede de adultos e idosos Previdecircncia social Assistecircncia social Emprego

Fonte Jannuzzi 2001 p 67

Januzzi (2001) faz um estudo interessante sobre as polecircmicas em relaccedilatildeo agrave

definiccedilatildeo dos criteacuterios normativos para definiccedilatildeo dos iacutendices de privaccedilatildeo e dos niacuteveis de

carecircncia Ademais entende a pobreza como um fenocircmeno estrutural de carecircncias muacuteltiplas Para

esta tese interessa sua anaacutelise sobre o indicador da linha de pobreza baseado em princiacutepio natildeo-

monetaacuterio ainda que seja considerado o mais sujeito a variaccedilotildees conjunturais e tambeacutem por ser

um indicador complementar que busca dimensionar o percentual de pessoas e famiacutelias privadas

de renda miacutenima indispensaacutevel agrave exigecircncia de niacuteveis de qualidade de bem-estar como as que

demandam programas de transferecircncia de renda (a exemplo do Programa Bolsa

Famiacutelia_PBF_no Brasil e programas de inserccedilatildeo eou de renda miacutenima de natureza similar na

207

Europa do Sul) que se materializam em poliacuteticas sociais dirigidas a grupos em situaccedilatildeo de

vulnerabilidade social questatildeo tematizada por esse estudo Trata-se de indicadores baseados no

estado de carecircncias muacuteltiplas ou de necessidades baacutesicas insatisfeitas em diversas dimensotildees

analiacuteticas e que tecircm seu uso vinculado agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas sociais tais como educaccedilatildeo

sauacutede habitaccedilatildeo emprego e outras O uso desses indicadores ao atuar com base em um amplo

campo de informaccedilotildees (Estados municiacutepios etc) permite uma visacirco estrutural da questatildeo aleacutem

de focalizar com precisatildeo os paracircmetros baacutesicos da realidade social e os programas sociais

necessaacuterios redirecionando-os ao puacuteblico-alvo em situaccedilatildeo de carecircncias insatisfeitas eou de

pobreza em seus muacuteltilplos aspectos seja absoluta (estado de privaccedilatildeo mais elevado) ou relativa

(com base na renda pe rcapita em relaccedilatildeo ao PIB nacional)

Nessa perspectiva a proporccedilatildeo de pobres corresponde agrave parcela da populaccedilatildeo

que natildeo dispotildee de produtos rendimentos suficientes e por conseguinte de niacuteveis

adequados de bem-estar por absoluta falta de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos

sociais puacuteblicos necessaacuterios para responder agraves suas carecircncias que se resolveriam com

poliacuteticas sociais puacuteblicas de caraacuteter inclusivo universalizador e redistributivo Esse

conjunto de carecircncias e de necessidades baacutesicas condicionam essas famiacutelias a uma renda

familiar percapita inferior ao custo de uma cesta baacutesica condiccedilatildeo que as coloca na linha

de indigecircncia Esse indicador tem sido muito utilizado por institutos de pesquisa como

pelo Comissatildeo Econocircmica para a Ameacuterica Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo Programa

das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) O PNUD propotildee o iacutendice de

pobreza humana (IPH) para medir o grau de pobreza e de privaccedilatildeo de meios e recursos

baacutesicos de sobrevivecircncia humana e assim dar maior visibilidade agrave questatildeo da pobreza

Em paiacuteses considerados em desenvolvimento como o Brasil e que apresentam padrotildees

normativos de privaccedilatildeo menos elevados em relaccedilatildeo aos paiacuteses desenvolvidos o caacutelculo

do IPH eacute feito com base da combinaccedilatildeo entre os seguintes fatores risco de mortalidade

apoacutes os quarenta anos (privaccedilatildeo de longevidade) taxa de analfabetismo e do indicador-

siacutentese de iacutendices de sobrevivecircncia acesso a serviccedilos baacutesicos de sauacutede agrave aacutegua potaacutevel e

niacuteveis de desnutriccedilatildeo Segundo Januzzi (2001 p 125) ldquoa proposiccedilatildeo do IPH representou

um avanccedilo toacuterico-conceitual importante para o PNUD no tratamento da questatildeo do

desenvolvimento socialrdquo

O quadro 17 apresenta necessidades e estado de carecircncias a serem atendidas e

confirma as necessidades baacutesicas defendidas por Gough (2000) tais como sauacutede e

autonomia sem as quais a nenhum ser humano eacute possiacutevel viver com dignidade

208

Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender

Acesso a oportunidades de desenvolvimento educacional Acesso a serviccedilos de sauacutede Acesso a oportunidades de trabalho regular Acesso a rendimentos suficientes Acesso agrave habitaccedilatildeo satisfatoacuteria Acesso a serviccedilos urbanos

Fonte Jannuzzi 2001 p 105

No quadro 18 Jannuzzi (2001 p 103) analisa a linha de indigecircncia e a linha

de pobreza respectivamente em relaccedilatildeo ao custo de uma cesta baacutesica de alimentos e ao

custo de alguns produtos e serviccedilos puacuteblicos considerados essenciais (despesas com

alimentos transporte remeacutedios material escolar vestuaacuterio etc) cuja ausecircncia de consumo

produz efeito direto sobre os niacuteveis de carecircncia dos cidadatildeos No Brasil em geral a cesta

baacutesica de alimentos eacute composta de trinta a cinquumlenta resumidos itens que fazem parte da

dieta habitual da populaccedilatildeo desde que atenda ao valor caloacuterico diaacuterio per capita

estabelecido pelo padratildeo normativo do paiacutes

Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza

Linha de Indigecircncia = custo de uma cesta de alimentos que perfaz os requerimentos de consumo individual ao longo de um mecircs

Linha de Pobreza = custo da cesta de alimentos da linha de indigecircncia + custos de transporte coletivo remeacutedios material escolar aluguel etc

Fonte Jannuzzi 2001 p 103

Esses itens selecionados em variedade e em quantidade de alimentos

tais como cereais leguminosas peixes carnes lactiacutenios e outros indicam de

forma mais visiacutevel o grau de severidade da pobreza eou da linha de indigecircncia isto

eacute ldquoquatildeo pobres satildeo os pobres e qual a distatildencia da renda meacutedia dos mesmos em

relaccedilatildeo agraves linhas normativas estabelecidas no paiacutes (hiato de pobreza)rdquo (JANNUZZI

2001 p 103) No Brasil o padratildeo normativo estabelecido para a alimentaccedilatildeo diaacuteria

dos brasileiros eacute de cerca de 2300 calorias ao dia e o valor atual do salaacuterio miacutenimo

(R$ 38000 em marccedilo de 2007) apresenta um poder de compra equivalente agrave

aquisiccedilatildeo de duas cestas baacutesicas sem contudo atender agraves exigecircncias de parcela

significativa da populaccedilatildeo brasileira na superaccedilatildeo de suas necessidades baacutesicas Os

indicadores sociais do paiacutes confirmam essa linha de pobreza e esse niacutevel de

insuficiecircncia de renda

209

Vale destacar a anaacutelise de Pereira (2000) em que se ressalta o estudo das

Comissotildees de Salaacuterio Miacutenimo instituiacutedas pela Lei nordm 185 de 14 de janeiro de 1936

regulamentada pelo Decreto-Lei nuacutemero 399 de 30 de abril de 1938 para desenvolver

pesquisas sobre as necessidades normais do trabalhador brasileiro Desses estudos

resultou o seguinte conceito de salaacuterio miacutenimo ldquoeacute a remuneraccedilatildeo miacutenima devida a todo

trabalhador adulto sem distinccedilatildeo de sexo por dia normal de serviccedilo e capaz de satisfazer

em determinada eacutepoca na regiatildeo do paiacutes as suas necessidades normais de alimentaccedilatildeo

habitaccedilatildeo vestuaacuterio higiene e transporterdquo (In RETRATO DO BRASIL 1984 apud

PEREIRA 2000 p 131)

Apesar de parecer uma medida avanccedilada tal conceito continha restriccedilotildees agraves

necessidades individuais e sociais do trabalhador como educaccedilatildeo e lazer aleacutem de natildeo

incluir sua famiacutelia Aacute eacutepoca tomou-se como referecircncia para definiccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo

o modus vivendi de segmentos de trabalhadores que apresentavam os niacuteveis salariais mais

baixos do paiacutes Considerando como referecircncia os valores atuais do salaacuterio miacutenimo

brasileiro apoacutes mais de cinco deacutecadas (R$ 38000 em 2007) os mesmos criteacuterios e

paracircmetros utilizados confirmam o baixo padratildeo normativo historicamente estabelecido

pelos gonvernos brasileiros ao definir o valor do salaacuterio miacutenimo nacional Diante de tais

constataccedilotildees fica clara a histoacuterica ausecircncia no Brasil de uma cultura de direitos e a

prevalecircncia na concepccedilatildeo e na accedilatildeo de seus governantes do princiacutepio restririvo e residual

de clara orientaccedilatildeo liberal (liberalismo claacutessico) segundo o qual no campo da proteccedilatildeo

social puacuteblica (quando esta ocorre) a referida proteccedilatildeo tem que ser miacutenima para natildeo

competir com o pior salaacuterio

Observa-se no Brasil a superposiccedilatildeo da economia sobre o social a heranccedila de

uma cultura poliacutetica autoritaacuteria com grande concentraccedilatildeo de poder no governo central

excluindo os trabalhadores das organizaccedilotildees e estruturas de representaccedilatildeo e do controle das

instituiccedilotildees sociais internacionalizando a economia brasileira e liberando a entrada de

capitais e financiamentos internacionais

CAPIacuteTULO VII

PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE

RENDA MINIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA

ESTRATEacuteGIA ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL

71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais

O debate sobre a vinculaccedilatildeo dos miacutenimos sociais agrave ideacuteia de cobertura dos

niacuteveis de subsistecircncia tem sua origem no iniacutecio do capitalismo A instituiccedilatildeo de uma

poliacutetica de ingresso de miacutenimos sociais para atender agraves necessidades dos segmentos mais

pobres nas sociedades capitalistas ocidentais natildeo eacute nova O debate contemporacircneo sobre o

tema enfatiza aspectos teoacutericos econocircmicos e poliacuteticos e apresenta uma diversidade de

concepccedilotildees posiccedilotildees poliacutetico-ideoloacutegicas bem como propostas alternativas de inserccedilatildeo

social que estatildeo longe de se caracterizarem como consensuais As experiecircncias de renda

miacutenima sempre se fundamentaram no princiacutepio da subsidiariedade (a proteccedilatildeo social

puacuteblica tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio) e em uma concepccedilatildeo de

pobreza absoluta restrita a uma abordagem de ajuda social de cunho religioso caritativo e

assistencialista (a exemplo das Leis dos Pobres na Inglaterra no seacuteculo XVI) Com o

agravamento e complexidade do quadro social mediante o surgimento de fenocircmenos

excludentes proacuteprios do capitalismo tais como o recrudescimento do desemprego o

aumento da pobreza e do quadro de desigualdades sociais os crescentes contrastes

culturais sociais e econocircmicos as experiecircncias ancoradas na ideacuteia de um aporte miacutenimo

social (sistema de renda miacutenima de subsistecircncia) ganharam destaque e foram sendo

institucionalizadas mediante a concepccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos muito

embora o acesso a esses bens e serviccedilos sempre esteve condicionado agrave ideacuteia de contrato

social eou de inserccedilatildeo ao trabalho Com as mudanccedilas soacutecio-histoacutericas ocorridas no mundo

capitalista contemporatildeneo iniciou-se o debate sobre as diferentes formas de inserccedilacirco social

e ao mundo do trabalho com condicionalidades

No cenaacuterio atual com base nos princiacutepios do ideaacuterio liberal (na atualidade

ideaacuterio neoliberal) a proteccedilatildeo social puacuteblica nos dias atuais tambeacutem tem que ser miacutenima

211

para natildeo competir com o pior salaacuterio Ou seja o princiacutepio da subsidiariedade como

estrateacutegia neoliberal de resticcedilatildeo agrave cidadania social e a um padratildeo digno de vida continua

atualiacutessimo Haacute vaacuterias formas neoliberais de garantir proteccedilatildeo social Entre estas uma que

se tornou generalizada eacute a transferecircncia de renda jaacute abordada no capiacutetulo anterior

Entretanto apesar de sua generalizaccedilatildeo haacute uma variedade de recursos e meios para se

efetivar a provisatildeo dos miacutenimos sociais de inserccedilatildeo aos cidadatildeos que natildeo podem obtecirc-los

por seu proacuteprio esforccedilo Essas formas e meios de povisatildeo variam de paiacutes para paiacutes Quando

referidos a padrotildees baacutesicos de proteccedilatildeo social trata-se de uma forma peculiar de construir

uma rede de proteccedilatildeo social (e natildeo uma seguridade social puacuteblica e universal) oferecendo

um suporte material aos pobres e excluiacutedos (do processo produtivo) para que se sintam

integrantes dos ciacuterculos (ou relaccedilotildees) sociais na vida cotidiana Necessaacuterio se faz portanto

qualificar conceitualmente essas distintas formas de provisatildeo social miacutenima

a) Renda miacutenima garantida (RMG) ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI)

A Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (RMI) ou Renda Miacutenima Garantida (RMG) eacute um

conceito utilizado pelos paiacuteses da Europa do Sul Refere-se a um subsiacutedio ou prestaccedilatildeo

econocircmica com caraacuteter regular sujeito as condicionalidades (cumprimento de certas condiccedilotildees)

Segundo Moreno (2003 p 6) ldquosu cuantia monetaria refleja de una parte el nivel de generosidad

y solidariedad de la ciudadania a fin de combatir situaciones de pobreza y de outra las reales

posibilidades de que el beneficiario pueda superar com holgura su estado de precariedad y

abandonar en su caso su estado de exclusioacutenrdquo Como diferenciaccedilatildeo substantiva renda miacutenima

garantida ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) natildeo tecircm o mesmo significado que a renda baacutesica

(RB) uma vez que guardam distinccedilotildees A renda miacutenima garantida (ou de inserccedilatildeo social ndash RMI)

se traduz na garantia de acesso ao miacutenimo vital (ateacute que o cidadatildeo possa fazecirc-lo sem necessidade

do Estado) Por princiacutepio privilegia a inserccedilatildeo social como mecanismo para combater a exclusatildeo

social As primeiras RMIs foram concebidas como uma poliacutetica de reinserccedilatildeo social e

profissional e medida assistencial ateacute porque mesmo nas sociedades capitalistas a loacutegica de

obtenccedilatildeo de renda sempre esteve vinculada apenas a uma atividade produtiva Daiacute a exigecircncia

nessas sociedades do estabelecimento de condicionalidades ou contrapartidas vinculando

indiretamente essa medida assistencial e esse dispositivo ao trabalho

Contudo sob a ingerecircncia neoliberal a renda miacutenima eacute entendida como uma

ajuda iacutenfima residual e focalizada na pobreza extrema A questatildeo que se coloca a partir

212

dessa constataccedilatildeo eacute se o padratildeo de renda miacutenima (garantida ou de inserccedilatildeo social)

contemporacircneo liberta ou natildeo o pobre da pobreza E mais qual a sua relaccedilatildeo de

correspondecircncia com os direitos sociais assegurados por poliacuteticas puacuteblicas

No periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial atribuiu-se ao termo renda miacutenima

(garantida eou de inserccedilatildeo) a ideacuteia de integraccedilatildeo ao mercado de trabalho (acesso a um trabalho

estaacutevel) dos cidadatildeos excluiacutedos desse mercado aos quais era oferecido um suporte material na

forma de prestaccedilatildeo econocircmica ou seja uma transferecircncia monetaacuteria do Estado para os

indiviacuteduos e famiacutelias objetivando garantir sua subsistecircncia como direito de cidadania social

Nesse sentido as RMIs sempre buscaram combinar alocaccedilatildeo financeira com inserccedilatildeo social e

profissional sem descuidar da autonomia dos usuaacuterios como cidadatildeos

Castel (1989) considerou o dispositivo de renda miacutenima como um esforccedilo do Estado

Social keynesianobeveridgiano de dar respostas agraves novas formas de inseguridade e de

precariedade agraves quais as poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder

Entretanto ao analisar o futuro do sistema de proteccedilatildeo social contemporacircneo afirma que ldquouma

brecha se abriu na intersecccedilatildeo da assistecircncia e dos seguros sociaisrdquo (1989 p 53) prevalecendo

estes uacuteltimos em detrimento da contribuiccedilatildeo para a cidadania da primeira Ainda sobre a anaacutelise

e projeccedilotildees feitas por Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) os programas de renda miacutenima

(RMI) poderiam a seu ver ldquoser a legitimidade da remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo

corresponde necessariamente a um trabalhordquo Com base nessa perspectiva uma outra questatildeo

que se apresenta no debate sobre a RMI eacute ela poderaacute evoluir na direccedilatildeo da dissociaccedilatildeo entre

renda e trabalho afirmando-se como direito sem condiccedilotildees (BOSCHETTI 1997 p 36) Em

outras palavras em tempos de ingerecircncia neoliberal como fica a relaccedilatildeo da assistecircncia social

com a cidadania Em que pesem as contradiccedilotildees que permeiam o debate sobre as RMIs nesta

tese entende-se que em princiacutepio natildeo haacute oposiccedilatildeo entre os binocircmios trabalho e assistecircncia

social o que implica reconhecer o direito a um rendimento miacutenimo condiacutegno O que preocupa eacute

a desvaloizaccedilatildeo atual dos direitos sociais perante os direitos individuais o que configura uma

restriccedilatildeo da cidadania que se pretendia ampliar tambeacutem com a contribuiccedilatildeo da assistecircncia social

com seu reconhecimento como poliacutetica puacuteblica

b) Renda baacutesica (Rb)

Diferindo da renda miacutenima a Renda Baacutesica (RB) eacute entendida como um

rendimento suficiente (capaz de garantir vida diacutegna) incondicional (independente de outras

213

rendas) individual e universal (para todos) proporcionada sem gerar constrangimentos por

estar vinculada agrave liberdade positiva agrave justiccedila social redistributiva e aos direitos de cidadania

Natildeo se trata portanto de um subsiacutedio governamental vinculado a uma atividade laboral

obrigatoacuteria (workfare) Desde os anos 1980 haacute um debate nos paiacuteses industrializados em

defesa da renda baacutesica para todos ateacute mesmo como alternativa aos modelos de proteccedilatildeo social

existentes sendo vinculada ao estatuto da cidadania Trata-se portanto a renda baacutesica de um

mecanismo de redistribuiccedilatildeo regular de recursos financeiros para satisfazer necessidades

sociais baacutesicas sem qualquer exigecircncia de contrapartida portanto como direito

Constitui sem duacutevida uma medida polecircmica que agrupa distintas posiccedilotildees a

favor eou contra Muitos defensores da RB passaram a justificaacute-la e a explicaacute-la como

resultante da perda da centralidade do trabalho assalariado nas sociedades poacutes-industriais

Para Draibe (1993) com o surgimento da proposta de renda baacutesica houve um

deslocamento e uma mudanccedila da concepccedilatildeo de justiccedila social e do ideaacuterio de uma justiccedila

comutativa (a cada um de acordo com sua contribuiccedilatildeo) para a concepccedilatildeo e o ideaacuterio de

uma justiccedila redistributiva (a cada um o direito de participar da riqueza produzida

independente do qual tenha sido a contribuiccedilatildeo) Sobre essa questatildeo Gough (2003) faz um

alerta a los partidarios del ingresso baacutesico no sentido de que natildeo desconsiderem a

existecircncia de alternativas que satildeo fiscais e poliacuteticamente factiacuteveis inclusive agrave luz da

liberdade positiva no trato dessa questatildeo

Por fim os estudiosos e defensores da renda baacutesica propotildeem que esta seja

financiada por via fiscal (impostos) e que natildeo esteja sujeita a outra condiccedilatildeo que a da

cidadania independe de outras possiacuteveis fontes de renda eou de trabalho (VAN PARIJS

apud MORENO 2003) Ainda segundo Moreno (2003 p 6) ldquocon la puesta en vigor de tal

renta se produciria una desmercantilizacioacuten plena ya que la percepcioacuten del subsiacutedio seria

independiente de la actividad laboral remunerada o no remuneradardquo

72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e

primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997

Itaacutelia (1998) e Greacutecia

Ao final dos anos 1990 os programas de renda miacutenima converteram-se nos

paiacuteses europeus e especialmente na regiatildeo da Europa do Sul no emblema das mudanccedilas

214

(policy shift) e da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais A implementaccedilatildeo desses Programas o

perfil da assistecircncia social e as primeiras experiecircncias de provisatildeo miacutenima vivenciadas por

esses paiacuteses caracterizam-se como processos que dentre outros revelam semelhanccedilas e

diferenccedilas em relaccedilatildeo ao desenho das poliacuteticas sociais de combate agrave pobreza aos objetivos

formulados agrave ecircnfase dada agrave famiacutelia (familismo) aos caminhos adotados e agraves configuraccedilotildees

institucionais Trata-se de um perfil de Regime de Bem-estar cujas raiacutezes estiveram

fincadas na ocupaccedilatildeo formal (assalariados) mediante poliacuteticas sociais contributivas no

princiacutepio da seguridade social puacuteblica e universal e no apoio da famiacutelia extensa

As motivaccedilotildees surgiram a partir de mudanccedilas poliacuteticas significativas ocorridas

nos sistemas de proteccedilatildeo social europeus ateacute entatildeo desenvolvidos acrescidas do

surgimento de novas tendecircncias regionais e locais Desapareceram haacutebitos e normas nos

quais se sustentavam a relaccedilatildeo ocupacional dos assalariados e a relaccedilatildeo familiar das

pessoas dependentes (crianccedilas idosos e portadores de necessidades especiais) nos

sistemas tradicionais de proteccedilatildeo social Multiplicaram-se nesses paiacuteses novas carreiras

profissionais e foram introduzidas novas formas de organizaccedilacirco familiar Essas mudanccedilas

transformaram-se em condicionantes para a reavaliaccedilatildeo das redes de proteccedilatildeo social

existentes bem como das poliacuteticas adotadas na perspectiva de criaccedilatildeo de novas accedilotildees

estrateacutegias nessa aacuterea (SARACENO 2003)

As RMIs como estrateacutegia neoliberal de poliacutetica social de combate agrave pobreza e

agrave exclusacirco social natildeo podem ser substituiacutedas pelos serviccedilos eou accedilotildees soacutecio-assistenciais

garantidos por poliacuteticas de caraacuteter universalista fundadas na concepccedilatildeo de direitos sociais

e de assistecircncia social como poliacutetica de seguridade social puacuteblica Conveacutem lembrar que

para os neoliberais eacute o mercado e natildeo o Estado o espaccedilo da racionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo

social e portanto de resoluccedilatildeo dos problemas e das dificuldades econocircmicas e sociais

apresentadas pelos cidadatildeos Nessa perspectiva os serviccedilos sociais deveratildeo seguir a

disciplina do mercado e do jogo da livre concorrecircncia e natildeo criteacuterios puacuteblicos e unversais

Com base na perspectiva monetarista e no princiacutepio da subsidiaridade

(subsiacutedio decrescente) os neoliberais propocircem o imposto de renda negativo eou o imposto

negativo sobre a renda (INR) com o argumento de estimular o indiviacuteduo ao trabalho e de

eliminar a pobreza com pouco custo administrativo e financeirio mediante a substituiccedilatildeo

de todos os programas assistenciais puacuteblicos O INR eacute aplicado mediante uma teacutecnica

fiscal em que se garante recursos miacutenimos de subsistecircncia na forma de subsiacutedios aos

cidadatildeos que natildeo dispotildeem de nenhuma renda Esse imposto (INR) prevecirc o pagamento de

215

um subsiacutedio estatal cujo valor eacute fixado abaixo de um determinado limite de renda miacutenima

previamente declarado Esse subsiacutedio estatal vai decrescendo agrave medida que se elevam as

rendas do indiviacuteduo e vai se invertendo ateacute se converter em pagamento correspondente ao

imposto sobre a renda bruta do cidadatildeo Essa eacute a interpretaccedilatildeo neoliberal de renda miacutenima

que natildeo rompe com a loacutegica e os interesses do mercado Dito em outros termos ao Estado

(neoliberal) compete oferecer ao cidadatildeo pobre (em situaccedilatildeo de pobreza extrema) uma

porcentagem diferenciada entre a renda miacutenima estabelecida e a renda percebida por ele

(subiacutedio) para dispor de um fundo especial para transferecircncia monetaacuteria a todos os

cidadatildeos e assim ampliar sua capacidade de consumo Nessa perspectiva trata-se as

RMI de uma prestaccedilatildeo econocircmico-financeira assistencial de caraacuteter diferencial e

subsidiaacuterio ou seja um subsiacutedio baseado em uma perspectiva compensatoacuteria emergencial

e precaacuteria e em uma modalidade de cobertura social (mediante o repasse de ingressos

miacutenimos) de caraacuteter indenizatoacuterio

No limite as RMI objetivam amenizar as condiccedilotildees de subsistecircncia dos

cidadatildeos no enfrentamento de situaccedilotildees de risco pessoal e social tornando suas vidas

mais suportaacuteveis e menos conflitivas Portanto satildeo accedilotildees poliacuteticamente necessaacuterias mas

insuficientes no trato da questatildeo social Ademais o fato de os programas de renda

miacutenima eou de transferecircncia de renda se configurarem como uma estrateacutegia poliacutetica de

combate agrave pobreza e de estarem vinculados agrave aacuterea da assistecircncia social puacuteblica como uma

accedilatildeo complementar eou suplementar natildeo os legitima como programas autocircnomos e

substitutos das poliacuteticas puacuteblicas nem de serviccedilos assistenciais sob o risco de

reproduzirem a precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida tornando-se armadilhas da pobreza

Falta-lhes a configuraccedilatildeo inclusiva emancipartoacuteria e universalizadora para que de fato

cumpram a funccedilatildeo de promover a efetiva afirmaccedilatildeo e garantia dos padrotildees baacutesicos de

cidadania e assim natildeo se tornem mecanismos reprodutores dos efeitos excludentes de

uma sub-cidadania

As ambiguumlidades e limitaccedilotildees apresentadas por esses programas satildeo

encontradas em seu proacuteprio formato em seus conteuacutedos em suas praacuteticas efetivas e em

especial na ausecircncia de articulaccedilatildeo com poliacuteticas puacuteblicas de caraacuteter universalizador a

exemplo das poliacuteticas puacuteblicas de emprego educaccedilatildeo e sauacutede Ademais dependem da

vontade poliacutetica dos governantes e da benevolecircncia dos oacutergatildeos puacuteblicos agrave medida que satildeo

programas sustentados por instituiccedilotildees vinculadas ao sistema de proteccedilatildeo social puacuteblica

Daiacute seu uso poliacutetico clientelista e personalista

216

A questatildeo central que evidencia sua insuficiecircncia estaacute sobretudo em natildeo se

fazerem acompanhar de uma poliacutetica eficaz de redistribuiccedilatildeo de renda Daiacute a afirmaccedilatildeo de

que as RMIs natildeo conferem status de cidadania social aos seus beneficiaacuterios e nem

garantem padrotildees baacutesicos de cidadania pelo fato de reconhecerem apenas o direito de

inserccedilatildeo social eou ao trabalho a ser estabelecido com base na polecircmica loacutegica da

contrapartida Dito em outros termos o acesso ao benefiacutecio eou ao recebimento da

prestaccedilatildeo econocircmica estaacute sempre condicionado ao requisito da inserccedilatildeo que por sua vez

torna-se um elemento restritivo agrave cidadania desses segmentos

Interesssa agrave presente tese a identificaccedilatildeo das novas tendecircncias das marcas

poliacutetico-institucionais das questotildees pendentes e suas implicaccedilotildees para o futuro das poliacuteticas

sociais especialmente da assitecircncia social sob o impacto e pressotildees do pluralismo de bem-

estar de orientaccedilatildeo neolibertal que preconiza a flexibilizaccedilatildeo dos direitos de cidadania sob

o argumento da eficiecircncia econocircmica Portanto as trajetoacuterias de tais poliacuteticas de renda

miacutenima em suas partcularidades no contexto dos cinco paiacuteses da Europa do Sul constituem

o objeto da anaacutelise que segue

73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional

O ecircxito da Franccedila com a introduccedilatildeo da renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenue

minimum dacuteinsertion (RMI)) em 1988 desencadeou a adoccedilatildeo de programas similares

pelos paiacuteses da Europa do Sul O mesmo ocorreu no Paiacutes Vasco na Espanha em 1988

com a introduccedilatildeo do Plan de Lucha contra a Pobreza o qual serviu de estiacutemulo e referecircncia

para os demais programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo implementados em quase todas as

Comunidades Autocircnomas espanholas (ARRIBA apud MORENO 2000) Em 1996 um

programa piloto foi implementado em Portugal o qual passou a ser efetivado em 1997 A

Itaacutelia implantou um programa experimental em diversoas municiacutepios no periacuteodo de 1998 a

2002 Apenas a Greacutecia continua sendo o uacutenico paiacutes dessa Regiatildeo sem um programa de

renda miacutenima muito embora tenha ganhado relevacircncia neste paiacutes o debate puacuteblico sobre a

necessidade de revisatildeo e do fortalecimento da malha de Seguridade Social

A Franccedila se destacou na Europa do Sul por seu pioneirismo na

implementaccedilatildeo do primeiro Programa de Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Revenue

Minimum dacuteInsertion- RMI) em dezembro de 1988 Desde sua origem o RMI francecircs

217

apresentou uma perspectiva inovadora medinte a garantia de um duplo direito ou

seja o direito a uma renda miacutenima e o direito agrave inserccedilatildeo de seus beneficiaacuterios ao

mundo do trabalho e ao da sociedade A proposta francesa contrapocircs-se agrave ideacuteia

uacutenicamente econocircmica da pobreza reconhecendo-a como um fenocircmeno

multidimencional A assistecircncia social francessa eacute prestada aos segmentos

pauperizados estaacute vinculada agrave ideacuteia de seguro social e eacute entendida como um direito

universal O RMI francecircs garante aos seus beneficiaacuterios o direito a uma renda miacutenima

mensal agrave assistecircncia meacutedica ao auxilio moradia e ao direito a medidas de inserccedilatildeo

social e profissional Tal iniciativa provocou vaacuterios debates sobre o conteuacutedo e o

significado dessa nova modalidade de poliacutetica social de combate agrave pobreza

A caracteriacutestica baacutesica do RMI francecircs eacute privilegiar a inserccedilatildeo social como

dimensatildeo para combater a exclusatildeo social Nesse sentido caracteriza-se como um amplo

programa de renda miacutenima destinado seletivamente agrave populaccedilatildeo considerada pobre

(BOSCHETTI 1997) Foi concebido como uma poliacutetica de (re)inserccedilatildeo social e

profissional aleacutem de uma medida de aliacutevio da pobreza

A relaccedilatildeo entre trabalho assistecircncia e renda miacutenima surge no contexto desse

debate nos anos 1980 como um objeto privilegiado de anaacutelise para se pensar o futuro dos

sistemas de proteccedilatildeo social dos paiacuteses capitalistas desenvolvidos ateacute mesmo porque a base

dos sistemas de preteccedilao social nesses paiacuteses eacute a relaccedilatildeo entre assistecircncia e seguros sociais

- uma ideacuteia (de seguros sociais) que poderaacute romper com a loacutegica da dependecircncia e da

incapacidade como criteacuterios de acesso agrave proteccedilatildeo social

No entanto o sistema de proteccedilatildeo social francecircs entendido como articulaccedilatildeo entre

os binocircmios Estado Providecircncia e seguridade social seguro e assistecircncia social tambeacutem natildeo

forneceu resposta satisfatoacuteria agrave questatildeo da pobreza A ideacuteia de seguros prevaleceu em

contextos em que o desemprego era residual e o salaacuterio estaacutevel A partir dos anos 1980 com o

aumento do desemprego e o crescimento da precariedade das relaccedilotildees de trabalho foram

desvendadas novas expressotildees da pobreza como fenocircmeno estrutural que natildeo eram cobertas

pelo binocircmio assistecircncia e seguros sociais O RMI francecircs caracterizou-se como uma tentativa

de corrigir um desequiliacutebrio produzido pela modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica representado pela

existecircncia de cidadatildeos aptos para o trabalho mas natildeo inseridos no processo produtivo Nesta

perspectiva o RMI significaria uma extensatildeo do direito agrave assistecircncia aos cidadatildeos pobres

aptos para o trabalho mas que estavam excluiacutedos da assistecircncia social e do seguro social pela

condiccedilatildeo de natildeo acesso ao trabalho estaacutevel e formal

218

Em 1989 o governo francecircs criou o dispositivo denominado inserccedilatildeo social e

profissional como contrapartida agrave alocaccedilatildeo financeira e como negaccedilatildeo da ideacuteia de

prestaccedilatildeo de assistecircncia de caraacuteter suplementar ainda que com definiccedilatildeo de normas e

exigecircncias contraditoacuterias com o objetivo de impedir a acomodaccedilatildeo do beneficiaacuterio Havia

uma grande preocupaccedilatildeo dos parlamentares franceses com a concessatildeo de uma renda

miacutenima sem condicionalidades ou contrapartidas Assim a Lei do RMI ao vincular o

acesso ao direito social agrave cidadania salarial introduziu o dever da sociedade de se engajar

na busca de um emprego para os beneficiaacuterios por meio da conhecida poliacutetica de ativaccedilatildeo

voltada para a inserccedilatildeo dos excluiacutedos no mercado de trabalho

Analistas reconhecem as dificuldades em manter um salaacuterio e uma proteccedilatildeo

social vinculados a um salaacuterio estaacutevel A questatildeo central desencadeada pela experiecircncia da

Franccedila centrou-se na possibilidade de o RMI instituir uma nova ordem social baseada na

ruptura entre o econocircmico e o social (BOSCHETTI 1997) Mesmo tratando-se de uma

sociedade que reforccedila a inserccedilacirco profissional como possibilidade de acesso a um trabalho

estaacutevel como o melhor caminho para uma integraccedilatildeo social a questao eacute se na conjuntura

atual ainda eacute possiacutevel pensar em termos de poliacuteticas de pleno emprego e idealizar um

sistema de proteccedilatildeo social nos padrotildees do segundo poacutes-guerra Diante dessa questatildeo a

experiecircncia do RMI francecircs tanto pode significar o estabelecimento de uma nova ordem

social no sentido de transformar o modelo poliacutetico de regulaccedilatildeo social e a loacutegica

precedente de proteccedilatildeo social como se apresentar como indicador de que profundas

mudanccedilas estatildeo ocorrendo na ordem capitalista mundial

Para Milano (1998) e Euzeacuteby (1991) (apud BOSCHETTI 1997) o RMI eacute um

componente evolutivo do sistema de proteccedilatildeo social que se inscreve na continuidade das

poliacuteticas de luta contra a pobreza absoluta e relativa Nesta oacutetica (apud BOSCHETTI

1997) o RMI eacute um programa de renda miacutenima de caraacuteter complementar que tem como

referecircncia baacutesica a solidariedade social o que o caracteriza como uma alocaccedilatildeo

compensatoacuteria generalizada que complementa a renda dos beneficiaacuterios elevando-a a um

patamar miacutenimo Comparativamente o RMI francecircs se distingue dos de outros paiacuteses na

medida em que enquanto para estes paiacuteses os RMI caracterizam-se como uma prestaccedilatildeo de

assistecircncia social destinada agrave subsistecircncia dos indiviacuteduos na Franccedila o programa de renda

miacutenima de inserccedilatildeo se inscreve mais na perspectiva de luta contra a exclusatildeo social

mediante a inserccedilatildeo profissional dos beneficiaacuterios (BOSCHETTI1997) Portanto o que o

distingue dos demais eacute a concepccedilatildeo de inserccedilatildeo que o norteia tendo em vista o alcance de

219

uma autonomia social e profissional que somente se consolidaria com o trabalho A

particularidade dessa proposta reside ainda no fato de possibilitar uma participaccedilatildeo direta

do beneficiaacuterio mediante a assinatura de um termo de contrato ou convecircnio em que este

faz uma declaraccedilatildeo expliacutecita de comprometimento pessoal para com seu proacuteprio processo

de inserccedilatildeo social ou laboral Uma distinccedilatildeo importante do RMI francecircs em relaccedilatildeo ao

espanhol eacute que este estabelece a necessidade de um plano de accedilatildeo personalizado de

inserccedilatildeo social denominado termo de contrato ou convecircnio (anterior ao recebimento da

prestaccedilatildeo) diferentemente da experiecircncia francesa que supotildee um recebimento perioacutedico

apoacutes a busca de medida para inserccedilatildeo (AGUILAR et alii apud STEIN 2005 p 229)

Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 37) para quem o RMI natildeo pode ser

interpretado simplesmente como um novo dispositivo setorial o situa no campo das

transformaccedilotildees da proteccedilatildeo social Considera assim que o RMI francecircs representa um

esforccedilo de resposta agraves novas formas de inseguridade e de precariedade face agraves quais as

poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder Nesse sentido o RMI natildeo eacute

nem uma extensatildeo da assistecircncia nem a instituiccedilatildeo de mais um seguro social Revela

sobretudo que a loacutegica assistecircnciaseguros sociais como base do sistema de proteccedilatildeo

social puacuteblico estaacute sofrendo um profundo processo de transformaccedilatildeo o que pode indicar

uma inversatildeo dessa loacutegica com mudanccedilas significativas nas relaccedilotildees do trabalho

Esta concepccedilatildeo de Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) deixa como reflexatildeo a

possibilidade de os programas de renda miacutenima virem a se constituir numa forma legiacutetima de

remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo corresponde necessariamente a remuneraccedilatildeo do

trabalho No campo dos direitos o RMI francecircs ao romper com o complexo

assistecircnciaseguros sociais e com a loacutegica da relaccedilatildeo entre renda e trabalho e propor uma

inserccedilatildeo social garante o acesso dos beneficiaacuterios aos direitos sociais dos quais estavam

excluiacutedos Indiscutivelmente trata-se de uma proposta inovadora se considerada num contexto

capitalista de esgotamento do paradigma do trabalho no campo das relaccedilotildees sociais e de

ameaccedila de reduccedilatildeo eou extinccedilatildeo dos direitos sociais

Comparativamente e como contraponto ao RMI francecircs a perspectiva

neoliberal (EUA) ao propor um subsiacutedio estatal baseado em um patamar miacutenimo de

subsistecircncia a exemplo do imposto de renda negativo (IRN) que tranfere uma prestaccedilatildeo

econocircmica agrave populaccedilatildeo com base na renda e em possiacuteveis isenccedilotildees fiscais apresenta-se

natildeo apenas como uma alternativa substitutiva dos serviccedilos sociais puacuteblicos baseados no

modelo de regulaccedilatildeo keynesiano mas como um estiacutemulo ao consumo de mercado (por

220

serviccedilos sociais privados) e portanto de desestiacutemulo agrave demanda por bens e serviccedilos

puacuteblicos garantidos no acircmbito do Estado mediante poliacuteticas universais Essa proposta

neoliberal torna ainda mais complexa e incessiacutevel qualquer accedilacirco estrateacutegica voltada para

uma proteccedilatildeo social de caraacuteter progressivo Tambeacutem confirma a premissa com a qual esse

estudo se identifica de que somente um pacto social fundamentado no princiacutepio da

redistributividade ofereceraacute as reais condiccedilotildees para se efetivar uma justa e equacircnime

proteccedilatildeo social puacuteblica

74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial

latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (EstadoComunidades Autocircnomas)

informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil

A trajetoacuteria das poliacuteticas de assistecircncia social e dos programas de renda miacutenima

na Espanha apresenta como jaacute salientado uma peculiaridade Trata-se da experiecircncia

pioneira das Comunidades Autocircnomas com forte influecircncia da Igreja e da famiacutelia no

modelo de provisatildeo social reconhecidos como agentes sociais privados provedores de

bem-estar A literatura especializada informa que durante o franquismo os programas de

assistecircncia social eram muito escassos Com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Democraacutetica

espanhola de 1978 e nova legislaccedilatildeo regulamentaram-se e institucionalizaram-se a

assistecircncia social e os serviccedilos sociais Apoacutes constatarem crescimento acentuado da

pobreza no paiacutes as comunidades autocircnomas passaram a reivindicar a definiccedilatildeo de serviccedilos

da competecircncia do Estado em seus Estatutos de Autonomia Foram definidas de forma

clara com base em determinaccedilotildees constitucionais as competecircncias que deveriam ficar

com o Estado central ou seja a legislaccedilatildeo baacutesica e a seguridade social

Entre os anos de 1982 e 1993 (periacuteodo de 11 anos) e apoacutes a promulgaccedilatildeo das

Leis Autocircnomas (Leyes Autonoacutemicas) foram estabelecidas as primeiras medidas

vinculadas aos sistemas regionais de serviccedilos sociais de acesso universal aos cidadatildeos No

bojo de tais mudanccedilas os programas de assistecircncia social passaram a ser da competecircncia

exclusiva das 17 Comunidades Autocircnomas (CCAA) na Espanha Em 1988

generalizaram-se alguns componentes essenciais da malha de Seguridade Social da

Espanha quais sejam a) pensotildees natildeo contributivas para seguros de aposentadoria e de

invalidez b) prestaccedilotildees por filho sob a responsabilidade (a cargo) das famiacutelias de baixa

221

renda Entretanto o uso geneacuterico do termo renda miacutenima de inserccedilatildeo mascara um

panorama muito desigual no paiacutes com distintas realidades soacutecio-econotildemicas diferentes

desenhos institucionais dos programas de provisatildeo miacutenima em relaccedilatildeo agraves

condicionalidades exigidas em cada CCAA

Segundo Moreno (2003) o Pacto de Toledo firmado em 1995 consolidou-se

como um marco histoacuterico na luta contra a pobreza no Estado espanhol e um grande acordo

social entre partidos e sindicatos Possibilitou o desenvolvimento e a implantaccedilatildeo de

poliacuteticas sociais com acentuado caraacuteter progressista o que produziu amplas repercuccedilocirces

para o sistema de proteccedilatildeo social espanhol na perspectiva redistributiva tais como

propostas de financimento diferenciado das prestaccedilotildees contributivas (a atenccedilatildeo e a garantia

universal agrave sauacutede serviccedilos sociais baacutesicos e as prestaccedilocirces de assistecircncia social ficaram sob

a responsabilidade da fiscalizaccedilatildeo geral do Estado) As prestaccedilotildees natildeo-contributivas

ficariam sob a responsabilidade da seguridade social e se criaria um Fundo de Reserva

financiado com aportaccedilotildees do superaacutevit primaacuterio

Portanto a partir da Nova Constituiccedilatildeo de 1978 do Pacto de Toledo (1995) e

do acordo firmado entre a Administraccedilatildeo Central e as Comunidades Autocircnomas (CCAAs)

iniciado em 1988 (Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas de

Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees) todas as comunidades autocircnomas implementaram

programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) Nesse contexto situa-se a regulaccedilatildeo feita

pelas distintas Comunidades Autocircnomas (CCAA) agrave prestaccedilatildeo de renda miacutenima

considerada por alguns estudiosos um salaacuterio social o que para Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez ( 2000 p 432) tese com a qual esse estudo concorda ldquotrata-se de uma

denominaccedilatildeo improacutepria e polecircmica visto que o termo salaacuterio constitui uma remuneraccedilatildeo

especiacutefica do trabalho e por isso natildeo pode ser em uma prestaccedilatildeo assistencial peculiarrdquo

Afirmam ainda que ldquoo conceito de renda miacutenima natildeo pode estar vinculado agrave ideacuteia de um

recurso substitutivo de um salaacuterio pelo fato de que se trata de uma medida situada fora do

sistema produtivordquo

O modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) adotado na Europa do Sul em

especial pelos governos francecircs italiano portuguecircs e espanhol segue a modalidade de

poliacutetica social denominada de focalizaccedilatildeo eou discriminaccedilatildeo positiva (identificaccedilatildeo de

quem precisa para melhor atendecirc-lo) por assentar-se na ideacuteia de suplementaccedilatildeo de renda

como mecanismo necessaacuterio agrave reduccedilatildeo da condiccedilatildeo de pobreza mediante a

complementaccedilatildeo da renda individual eou familiar sob condicionalidades e criteacuterios de

222

elegibilidade Essa modalidade de renda miacutenima vincula o valor do subsiacutedio econocircmico a

determinadas exigecircncias de praacuteticas de integraccedilatildeo eou de inserccedilatildeo ao mundo do trabalho

Portanto eacute importante destacar que essa proposta natildeo gera o direito de acesso ao benefiacutecio

de forma automaacutetica e gratuita pois exige contrapartidas Todos os subsiacutedios sejam eles

na forma de uma renda substituta de inserccedilatildeo eou de imposto de renda negativo tecircm em

comum a transferecircncia de determinado valor na forma de prestaccedilatildeo econocircmica tendo em

vista possibilitar a cobertura de necessidades individuais eou sociais dos cidadatildeos

mediante condicionalidades

Em 1988 com base em um acordo firmado entre o governo central da

Espanha as comunidades autocircnomas (acircmbito regional) e os governos locais foi

elaborado o jaacute citado Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas

de Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees Locais (Plan concertado para el desarollo de

prestaciones baacutesicas de serviacutecios sociales de las corporaciones locales) Nesse acordo

articulou-se a cooperaccedilatildeo administrativa necessaacuteria entre os trecircs niacuteveis de governo na

provisatildeo da rede de serviccedilos primaacuterios e de assistecircncia social que contemplavam as

seguintes necessidades baacutesicas de acesso aos recursos sociais de convivecircncia pessoal

de integraccedilatildeo social e de solidariedde social (STIEacuteN Y ARRIOLA 1998 p 335) A

Carta Comunitaacuteria dos Direitos Sociais dos Trabalhadores de 1999 (La Carta

Comunitaacuteria de los Derechos Sociales de los Trabajadores de 1999) estabeleceu que

ldquoas pessoas que estatildeo excluiacutedas do mercado de trabalho seja por natildeo terem podido

ascender a ele seja por natildeo terem podido se reinserir no mesmo e que natildeo disponham de

meios de subsistecircncia devem beneficiar-se de prestaccedilotildees e de recursos suficientes

adaptados a sua situaccedilatildeo pessoalrdquo (artigo 10) Em 1989 o programa de renda miacutenima

espanhol inspirou-se nas linhas mestras do RMI francecircs concretizando a primeira

experiecircncia piloto no Paiacutes Vasco seguida posteriormente pela regiatildeo da Catalunha

(Gerona Leacuterida Tarragona e Barcelona) que inovou ao incluir os sindicatos mais

representativos agrave administraccedilatildeo central e agraves entidades sociais que passaram a contribuir

com uma nova configuraccedilatildeo poliacutetica do Programa Interdepartamental de Renda Miacutenima

de Inserccedilatildeo (PIRMI) do governo da Catalunha Em sentido similar a Comissatildeo das

Comunidades Europeacuteias (La Comisioacuten de las Comunidades Europeacuteas) determinou em

1992 aos Estados membros que estabelecessem uma quantia de recursos e prestaccedilotildees

suficientes para se viver conforme padratildeo de dignidade humana especialmente dirigida agraves

pessoas excluiacutedas do mercado de trabalho

223

Portanto a partir dessa data conforme afirmam Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez (2000 p 432 ) estudiosos da assistecircncia social e dos serviccedilos sociais na

Espanha havia chegado o momento de se constituir naquele paiacutesldquouma nova e singular

prestaccedilatildeo social pois ainda que estando fora do sistema de prestaccedilotildees econocircmicas

garantidas regularmente pela seguridade social puacuteblica sua proposta apresentava certas

conotaccedilotildees de direito subjetivo proacuteprias dessas natildeo se constituindo predicado dessa a

tiacutepica discriminaccedilatildeo atribuiacuteda histoacutericamente agrave assitecircncia social fora do Estadordquo

As regulaccedilotildees das comunidades autocircnomas natildeo se datildeo de maneira uniforme

apesar de apresentarem determinadas caracteriacutesticas comuns Ademais nacirco haacute na Espanha

a definiccedilatildeo clara de um modelo uacutenico de financiamento das RMI nem um uacutenico padratildeo

de renda miacutenima adotado como referecircncia nacional muito embora hajam sistemas

juriacutedicos puacuteblicos que regulamentam os serviccedilos sociais e concedem autonomia agraves

comunidades autocircnomas espanholas para legislar planejar e gestionar seus programas de

renda miacutenima e os seviccedilos soacutecio-assistenciais Na Espanha o financiamento dos serviccedilos

sociais se faz de maneira bastante diversificada mas tambeacutem interrelacionada Ao setor

puacuteblico compete a maior parte dos gastos sociais seja mediante a transferecircncia de

prestaccedilotildees econocircmicas diretas eou de serviccedilos ou mediante subvenccedilotildees concedidas ao

setor privado Por prestaccedilotildees sociais econocircmicas a sociedade espanhola entende todas as

transferecircncias em dinheiro ou em espeacutecie outorgadas agraves famiacutelias pelas Administraccedilotildees

puacuteblicas Correspondem ainda agraves ajudas a fundo perdido repassadas pelo setor puacuteblico a

entidades privadas sem fins lucrativos que prestam serviccedilos sociais agrave populaccedilatildeo

Na Espanha o Estado tem sido historicamente a principal fonte de

financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais Para Alonso Seco e Gonzalo

Gonzaacutelez (2000 p 608) ldquoum aspecto a destacar eacute o incremento progressivo que tem

experimentado o financiamento puacuteblico na Espanha nos uacuteltimos anos seja para financiar

serviccedilos puacuteblicos seja para subsidiar as accedilotildees do setor privadordquo

A complexidade que envolve o estudo do padratildeo e das caracteriacutesticas do

financiamento de poliacuteticas sociais exige que se leve em conta trecircs indicadores

considerados essenciais por Fagnani (1998 p123) ao analisar a avaliaccedilatildeo do ponto de

vista do gasto e financiamento das poliacuteticas puacuteblicas brasileiras Satildeo eles a direccedilatildeo do

gasto social (destinaccedilatildeo dos recursos) a magnitude dos gastos e dos recursos financeiros

(compatibilidade entre recursos e carecircncias sociais) e ainda a natureza das fontes de

financiamento (recursos fiscaistaxas e impostos recursos auto-sustentados eou

224

adicionais e contribuiccedilotildees sociais) Quando se trata do alcance do potencial

redistributivo da poliacutetica social e do valor das prestaccedilotildees econocircmicas destinadas ao

financiamento de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo haacute que se acresecentar as

distintas concepccedilotildees de renda miacutenima de inserccedilatildeo e ainda a anaacutelise da articulaccedilatildeo

existente (ou natildeo)entre poliacutetica puacuteblica e setores privados No caso especiacutefico das

Comunidades Autocircnomas da Espanha (CCAAs) acrescenta-se a observatildencia dos

criteacuterios de descentralizaccedilatildeo do caraacuteter e da condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas e

ainda o processo de consolidaccedilatildeo dos orccedilamentos puacuteblicos como eacute o caso das distintas

Administraccedilotildees puacuteblicas ao apresentarem especificidades setoriais

Seco e Gonzaacutelez (2000 p 606) ao analisarem o sistema de financiamento na

Espanha afirmam que ldquobasta uma simples olhada na histoacuteria para comprovar que a

condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas de atenccedilatildeo primaacuteria guarda estreita

correspondecircncia com o caraacuteter privado ou puacuteblico do financiamento dos serviccedilos siociais

que sacirco prestadosrdquo No entanto argumentam que agrave medida que a accedilatildeo social eacute assumida

como obrigaccedilatildeo proacutepria do Estado (ou da proviacutencia da localidademuniciacutepio como no

caso da experiecircncia das comunidades autocircnomas ) haacute que destinar recursos puacuteblicos

pois na opiniatildeo desses autores ldquoeacute impensaacutevel uma obrigaccedilatildeo puacuteblica de serviccedilos sociais

livre de compromissos econocircmicosrdquo (SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 606)

A organizaccedilatildeo dos sistemas econocircmicos de provisatildeo de recursos e de gastos

puacuteblicos na Espanha realiza-se mediante a elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico que

assume um caraacuteter vinculante agraves distintas Administraccedilotildees puacuteblicas agrave medida que eacute

exigido dessas de forma imperativa a elaboraccedilatildeo de seu proacuteprio orccedilamento A

assistecircncia e os serviccedilos sociais satildeo financiados por distintas Administraccedilotildees puacuteblicas

(Uniatildeo Europeacuteia Administraccedilatildeo do Estado das Comunidades Autocircnomas e de

Corporaccedilotildees locais) sem prejuiacutezo da colaboraccedilotildeao da iniciativa privada em situaccedilotildees

relevantes e da participaccedilatildeo dos beneficiaacuterios dos serviccedilos exigida como

condicionalidade ao acesso do benefiacutecio (SECO GONZAacuteLEZ 2000) A exemplo do

Brasil na Espanha haacute uma diversidade de fontes de procedecircncia dos recursos como

taxas e impostos contribuiccedilotildees especiais subvenccedilotildees condicionadas cotizaccedilotildees e

outros Os recursos advindos da Uniatildeo Europeacuteia satildeo obtidos mediante contribuiccedilotildees

diretas dos Estados membros Os do Estado (governo central) mediante cotizaccedilotildees

obrigatoacuterias Ademais as Comunidades Autocircnomas e as Corporaccedilotildees locais tambeacutem tecircm

autoridade constitucional para exigir o pagamento de tributos (Constituiccedilatildeo espanhola

225

art 1332 ) sem prejuizo das participaccedilotildees em tributos do Estado (SECO GONZAacuteLEZ

2000 p 607) No entanto apesar de os programas sociais e dentre eles os de renda

miacutenima de inserccedilatildeo terem uma dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria consignada no Orccedilamento geral do

governo central os recursos disponibilizados natildeo tecircm sido suficientes para atender agraves

reais demandas e necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo Esse fato tem gerado grandes

debates e frequumlentes demandas por mais recursos financeiros apresentadas pelas

comunidades autocircnomas ao governo espanhol As comunidades autocircnomas apesar de

ostentarem o tiacutetulo juriacutedico (Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais) de competecircncia

exclusiva sobre o financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais tecircm argumentado

que o Estado deve colocar agrave sua disposiccedilatildeo os recursos de accedilatildeo social de que dispotildee para

que promovam a gestatildeo direta desses recursos na aacuterea da assistecircncia Com base nos

preceitos e disposiccedilotildees das Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais (a exemplo de Aragoacuten

arts 40 e 44 Paiacutes Vasco arts 28 a 33 Andaluzia arts 27 a 30 e outros) compete agraves

comunidades autocircnomas (e agraves Corporaccedilotildees locais) a obrigaccedilatildeo de consignar anualmente

em seus orccedilamentos as dotaccedilotildees precisas para estabelecer e manter os serviccedilos sociais

que legalmente tecircm atribuiacutedos assim como para fomentar a iniciativa das Corporaccedilotildees

locais pertencentes agrave sua demarcaccedilatildeo territorial

Na opiniatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 616) na Espanha ldquoos serviccedilos

sociais tecircm um peso relativamente inferior em relaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees econocircmicas e dentre

essas agraves pensotildees assistenciaisrdquo A afirmaccedilatildeo desses autores de que ldquoo gasto puacuteblico com

serviccedilos soacutecio-assistenciais tem evoluiacutedo no sentido de intensificar as transferecircncias

correntes desses serviccedilos em espeacutecie em detrimento das tradicionais prestaccedilotildees sociaisrdquo

(SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 616) evidencia o incremento dado pela Administraccedilatildeo

puacuteblica central nas uacuteltimas deacutecadas aos programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo em

atenccedilatildeo agraves orientaccedilotildees neoliberais

Em consequumlecircncia ao condicionar a provisatildeo das prestaccedilotildees econotildemicas aos

processos de inserccedilatildeo social eou no trabalho as iniciativas de renda miacutenima e de

serviccedilos assistenciais tecircm se consolidado como accedilotildees sociais limitadas focalizadoras e

insuficientes no trato agrave pobreza e agrave garantia das necessidades baacutesicas e de bem-estar da

populaccedilatildeo Ademais ateacute duas deacutecadas atraacutes os recursos disponibilizados pelo Estado

Social espanhol estavam limitados agrave seguridade social contributiva Dentre as vaacuterias

razotildees que passaram a justificar na atualidade a necessidade de ampliaccedilatildeo do gasto

puacuteblico com serviccedilos sociais mediante um maior financiamento das medidas soacutecio-

226

assistenciais eacute citado o aumento da pobreza relativa (renda percapita em relaccedilatildeo ao PIB

nacional) Com base na afirmaccedilatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 607) ldquoO aumento da

pobreza relativa eacute um importante fator a ser levado em conta pois os serviccedilos sociais tecircm

por objeto a atenccedilatildeo aos mais desfavorecidos (pobreza absoluta)rdquo Para esse autores os

governos que corresponderam aos exerciacutecios no periacuteodo de 1972 a 1988 foram os que

empreenderam os maiores esforccedilos na aacuterea social com aumento das transferecircncias de

prestaccedilotildees econocircmicas e das dotaccedilotildees orccedilametaacuterias Esse periacuteodo coincide com

mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e no perfil da gestatildeo puacuteblica Outras razotildees apontadas aleacutem

do aumento da pobreza (relativa e absoluta) referem-se agraves mudanccedilas demograacuteficas por

produzirem o envelhecimento da populaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de desemprego ao se firmar

como um fator socioloacutegico estruturante e incompatiacutevel com o bem-estar social e por

uacuteltimo a incidecircncia dos fenocircmenos migratoacuterios em especial o da imigraccedilatildeo um

fenocircmeno de difiacutecil previsatildeo mas com grande repercussatildeo no campo da proteccedilatildeo social

(sauacutede habitaccedilatildeo moradia e serviccedilos sociais)

Mesmo assim o processo de regulaccedilatildeo e administraccedilatildeo econocircmica na Espanha

apresenta caracteriacutesticas singulares principalmente em relaccedilatildeo agrave descentralizaccedilatildeo

territorial do gasto puacuteblico como pode ser visto na tabela 13 abaixo

Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha ()

19811

1984 1987 1990 1992 1997 19992

Central 873 756 726 662 630 595 54

Autocircnomo 30 122 146 205 232 269 33

Local 97 121 128 133 138 136 13

1 Generalizaccedilatildeo do processo autocircnomo 2 Estimaccedilotildees governamentais Fonte Ministeacuterio de Administraccedilotildees Puacuteblicas (MAP 1997) Elaboraccedilatildeo de Moreno (Internet 2001)

No geral as prestaccedilotildees de renda miacutenima tecircm correspondido a diferentes

concepccedilotildees e finalidades nos paiacuteses europeus haja vista a diversidade de denominaccedilotildees

atribuiacutedas a essas prestaccedilotildees pelas CCAAs espanholas para designar uma prestaccedilatildeo de

conteuacutedo baacutesico similar Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 433) ldquoalgumas

CCAAs ressaltam seu caraacuteter miacutenimo tais como Ingresso Miacutenimo de Inserccedilatildeo (Astuacuterias

Cantaacutebria Castilha e Leacuteon Muacutercia Paiacutes Vasco e La Roja) Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo

(Catalunha) Ingresso Miacutenimo de Solidariedade (Andaluzia Castilha La Mancha) Ajuda

Econocircmica Baacutesica (Ilhas Canaacuterias) e Renda Baacutesica (Navarra) Outras adotam

227

denominaccedilotildees que natildeo ressaltam o caraacuteter miacutenimo e sim a ideacuteia de inserccedilatildeo tais como

Ingresso Madrilhenho de Integraccedilatildeo (Madri) Ingresso Aragonecircs de Integraccedilatildeo (Aragoacuten)

Suporte Transitoacuterio Comunitaacuterio (Baleares) Ajuda Ordinaacuteria para a Integraccedilatildeo em

Situaccedilatildeo de Emergecircncuia Social (Estremadura) O nome de Prestaccedilatildeo Econocircmica

Regulada adotado pela Comunidade Autocircnoma Valenciana natildeo se refere nem agrave ideacuteia de

renda miacutenima nem agrave ideacuteia de inserccedilatildeo ldquoEm sua regulaccedilatildeo diferentemente das demais as

prestaccedilotildees satildeo consideradas subvenccedilotildees para pessoas sem meios de subsistecircnciardquo

(ALONSO SECO GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 436) Tais prestaccedilotildees recebem

ainda de alguns autores a denominaccedilatildeo de concessatildeo universal e de outros de renda de

cidadania eou de renda de existecircncia

No entanto para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez ( 2000 p 433) ldquotodas elas

podem englobar-se em dois grandes grupos a) renda miacutenima garantida (RMG)

considerada como renda ou subsiacutedio que permite o acesso a miacutenimos aceitaacuteveis de vida

de caraacuteter generalizado e independente a que todo cidadatildeo tem direito sem condiccedilotildees ou

exigecircncias de contrapartida b) renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) entendida como uma

prestaccedilatildeo econocircmica orientada tambeacutem a satisfazer necessidades humanas essenciais mas

vinculada estritamente agrave integraccedilatildeo no trabalho ou social das pessoas subsidiadas de

maneira que uma vez integrado o cidadatildeo deixa de receber a prestaccedilatildeordquo

A maior parte das naccedilotildees europeacuteias tem optado pelo segundo modelo de renda

miacutenima Dentre elas a Espanha que recebeu o influxo direto da lei francesa de 1998

segundo a qual a renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenu minimum drsquonsertion) ldquoeacute um subsiacutedio

que tem por objetivo cobrir as lacunas de um sistema de proteccedilatildeo social desenvolvido e

diversificado conferindo um novo direito agravequelas pessoas que natildeo o tem estabelecido por

outro sistema de proteccedilatildeo mais vantajoso mas condicionado a assinatura pelo

beneficiaacuterio de um contrato de inserccedilatildeordquo (lei francesa de 1998 p 430-431) Esta inserccedilatildeo

eacute concebida em sentido amplo e inclui tanto medidas de integraccedilatildeo profissional (formaccedilatildeo

profissional emprego eventual emprego protegido) como pessoal e social Essa

regulaccedilatildeo feita por todas as comunidades autocircnomas eacute coincidente ao estabelecer que a

prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ldquotem por finalidade garantir recursos miacutenimos de

subsistecircncia agraves unidades familiaresrdquo (lei de 1998 p 431) mediante situaccedilotildees de

necessidade ou carecircncia de recursos sempre que natildeo podem ser atendidas mediante

prestaccedilotildees de outros sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social dentre os quais as pensotildees da

seguridade social as prestaccedilotildees por desemprego e outros tipos de pensotildees puacuteblicas

228

Uma das caracteriacutesticas baacutesicas da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima

adotada pelos paiacuteses da Europa do sul em especial pela Espanha eacute sua vinculaccedilatildeo com

outras prestaccedilotildees de natureza natildeo econocircmica que tendem aacute inserccedilatildeo pessoal laboral eou

social de seus beneficiaacuterios o que confirma a finalidade transitoacuteria e conjuntural desse

benefiacutecio econocircmico assistencial Essa vinculaccedilatildeo da renda miacutenima agraves medidas de

inserccedilatildeo encontra-se contemplada em todos os ordenamentos autocircnomos da Espanha

Outra criteacuterio comum presente em todas as regulamentaccedilotildees das CCAAs como condiccedilatildeo

para se ter acesso agrave renda miacutenima diz respeito agrave vinculaccedilatildeo indissociaacutevel do conceito de

renda miacutenima agrave concepccedilatildeo de unidade familiar Esse conceito ganha relevacircncia quando se

trata de definir o valor das prestaccedilotildees para satisfazer as necessidades de subsistecircncia dos

membros dessa unidade Como exemplo o ordenamento da Comunidade de Aragoacuten (Lei

11993 de fevereiro artigo 5) tem uma concepccedilatildeo de nuacutecleo baacutesico da unidade familiar

que eacute comum agraves demais CCAAs ainda que o benefiacutecio de prestaccedilatildeo econocircmica de renda

miacutenima receba distintas denominaccedilotildees ldquonuacutecleo de convivecircncia composto por uma soacute

pessoa ou por duas ou mais vinculadas por matrimocircnio ou por outra forma de relaccedilatildeo

estaacutevel anaacuteloga agrave conjugal por adoccedilatildeo acolhimento ou por parentesco de consanguinidade

(ateacute o quarto grau) ou por afinidade (ateacute o segundo grau) conforme demanda e vinculaccedilatildeo

com o solicitanterdquo (ALONSO SECO GONZALO GONZAgraveLEZ 2000 P 450) A regra

geral baacutesica aplicada por todas as CCAAs eacute que os recursos totais da unidade familiar natildeo

devem ultrapassar o valor da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima A caracteriacutestica

essencial da renda miacutenima de inserccedilatildeo eacute a comprovaccedilatildeo mediante a apresentaccedilatildeo de

documentos junto agrave Administraccedilatildeo central que cpmprovem a necessidade de assitecircncia

(ausecircncia ou insuficiecircncia de recursos) dos membros daquela unidade familiar Trata-se

das mesmas normas e comprovaccedilotildees exigidas pelas pensotildees natildeo-contributivas da

seguridade social puacuteblica poreacutem bem mais severas pois diferentemente dessas agrave medida

que a unidade familiar passa a receber recursos superiores ao valor da prestaccedilatildeo o recurso

assistencial eacute extinto imediatamente Nesses termos a perda de qualquer um dos requisitos

exigidos para a concessatildeo da renda eacute motivo de suspensatildeo do benefiacutecio Portanto a

transitoriedade ou temporalidade eacute caracteriacutestica baacutesica dessa prestaccedilatildeo o que a distingue

de outras pensotildees assistenciais vitaliacutecias Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p

452) ldquotodos os Ordenamentos Autocircnomos destacam que ainda que a renda miacutenima de

inserccedilatildeo seja perioacutedica provisoacuteria e de caraacuteter trasitoacuterio sua finalidade natildeo eacute manter a

pessoa em estado de indigecircncia e passividade prolongando com escassos subsiacutedios sua

229

situaccedilatildeo de marginalizaccedilatildeordquo Vecirc-se nessa afirmaccedilatildeo o receio de que se perpetue a cultura

da dependecircncia entre os usuaacuterios tatildeo difundida e defendida pelos neoliberai Como

expressa a Lei de 22 de maio de 1998 do Paiacutes Vasco ldquoa renda miacutenima configura-se como

um direito subsidiaacuterio e complementar de todo tipo de recursos e prestaccedilotildees sociais de

conteuacutedo econocircmico previstos na legislaccedilatildeo vigente () e se define como uma prestaccedilatildeo

perioacutedica de natureza econocircmica dirigida a cobrir as necessidades daquelas pessoas que

carecem de recursos econocircmicos suficientes para fazer frente aos gastos baacutesicos para a

sobrevivecircnciardquo (Lei Paiacutes Vasco de 1998)

Como jaacute afirmado na Espanha ainda prevalece a concepccedilatildeo de prestaccedilatildeo

assistencial de natureza subsidiaacuteria e complementar destinada a minimizar estados

severos de carecircncia e situaccedilotildees graves de necessidade econocircmica apesar de ser tambeacutem

visiacutevel a tendecircncia de adoccedilatildeo do programa de renda miacutenima que ldquotem por objetivo

possibilitar a saiacuteda da situaccedilatildeo de marginalidade em que se encontram seus perceptoresrdquo

(Lei Paiacutes Vasco de 1998) Com base na afirmaccedilatildeo de Clerc (apud ALONSO SECO

GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 433) ldquovivemos em sociedades ricas nas que o trabalho

eacute escasso e portanto resulta necessaacuterio repartir esta riqueza de maneira diferente agrave mera

remuneraccedilatildeo dos fatores de produccedilatildeo jaacute que um nuacutemero crescente de pessoas se acham

excluiacutedas do jogo econocircmico e natildeo recebem rendas procedentes de sua atividaderdquo A

prestaccedilatildeo econotildemica tem um caraacuteter temporal ainda que persista a situaccedilatildeo de

marginalidade e de exclusatildeo social Constituem grupos e segmentos da populaccedilatildeo

atendida por esta prestaccedilatildeo assistencial famiacutelias pobres ou pessoas em situaccedilatildeo de

exclusatildeo social como idosos tendo como termo de comparaccedilatildeo a situaccedilatildeo de inclusatildeo

institucional em que famiacutelia e filhos satildeo pouco requisitados

Dois fatores se destacam como agravantes da exclusatildeo social desses

segmentos o primeiro refere-se agraves quantias escassas que satildeo repassadas aos idosos

pobres como subsiacutedio miacutenimo em atenccedilatildeo agrave sua sobrevivecircncia portanto natildeo suficientes

para atender suas necessidades baacutesicas O segundo fator eacute revelador do papel que se

espera dos filhos e das famiacutelias dos idosos no sentido de prover-lhes atenccedilatildeo e cuidados

necessaacuterios como accedilatildeo complementar de um sistema de provisatildeo social em que

predomina um modelo assistencial de reconhecida natureza familista de caraacuteter

ambivalente Dito em outros termos a loacutegica de provisatildeo social prevalecente na Espanha

centrada nos cuidados familiares contrapotildee-se a um modelo puacuteblico de proteccedilatildeo social

eou de seguridade social puacuteblica efetivada no acircmbito do Estado destinada agrave cobertura

230

dos riscos pessoais e sociais inerentes a situaccedilotildees de vulnerabilidade social a exemplo do

processo de envelhecimento

Como confirmaccedilatildeo dessa realidade social dos idosos na Espanha eacute que o

quadro 19 retrata a inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e sua

relaccedilatildeo com suas famiacutelias) tal qual eacute entendida tomando como referecircncia os sistemas de

cobertura de riscos na velhice com base em situaccedilotildees de renda miacutenima e de pensotildees

(contributivas e natildeo-contributivas) desse segmento

O referido quadro revela de um lado situaccedilotildees de renda de prestaccedilotildees

contributivas e as possibilidades reais de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos

aspectos considerados definidores de inclusatildeo social desse segmentoDe outro revela as

situaccedilotildees de ausecircncia eou de escassez de renda e de prestaccedilotildees natildeo-contributivas bem

como a impossibilidade de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos que de fato

caracterizam as situaccedilotildees de exclusatildeo social em que vivem os idosos nesse paiacutes

Ressalta-se diante do exposto a importacircncia e o peso atribuiacutedo na Espanha agrave

provisatildeo social privada entregue aos cuidados familiares ateacute mesmo quando se trata de

definir os criteacuterios de acesso e o momento da necessaacuteria interversatildeo puacuteblica estatal (ainda

que residual e complementar) pois o Estado interveacutem na aacuterea social de forma residual ou

seja somente apoacutes o natildeo-cumprimento pela famiacutelia de seu papel de cuidadora social e de

promotora do bem-estar de seus membros

Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e famiacutelia)

Inserccedilatildeo Social

Inclusacirco Exclusacirco

Sistemas de cobertura de

riscos na velhice

Rendas familiares de origem ou adquiridas ao longo da vida laboral ou mediante poupanccedila

Pensocirces contributivas garantidas (baseadas no seguro laboral) que proporcionam estabilidade econocircmica e seguranccedila

Famiacutelias dos filhos insuficiente atenccedilatildeo aos pais por falta de meios e condiccedilotildees favoraacuteveis

Escassa renda familiar unida agrave dificuldade de acumular poupanccedila ao longo da vida laboral

Pensotildees natildeo contributivas subsiacutedios miacutenimos inseguranccedila e quantiacutea escassa

Famiacutelias dos filhos provecircem de atenccedilatildeo e cuidados

Coletivo IOEacute y CIMOP (1998 apud Bayer Lorente y Garcia) In Moreno (2004)

Registra-se que haacute casos especiacuteficos que se deve levar em conta de pessoas

idosas e pobres com idade superior a 65 anos que natildeo podem receber a pensatildeo puacuteblica

natildeo contributiva do governo nem tampouco a renda miacutenima de inserccedilatildeo por natildeo

cumprirem a exigecircncia legal de comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia preacutevia no paiacutes

Isso significa dizer que em funccedilatildeo dessas condicionalidades impostas haacute na Espanha um

231

contingente de idosos pobres que natildeo eacute socialmente amparado pelo sistema puacuteblico de

seguridade social pelo fato desses cidadatildeos natildeo figurarem nas estatiacutesticas

governamentais como legiacutetimo grupo beneficiaacuterio dos programas de renda miacutenima

apesar de contraditoacuteriamente pertencerem ao segmento para o qual eacute dirigida a

prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ou seja de pobreza extrema Portanto entende-se

que o requisito legal que tem como exigecircncia a comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia

preacutevia a um segmento que se encontra na condiccedilatildeo de vulnerabilidade social (condiccedilatildeo

de vida que limita seu acesso ao trabalho) aleacutem de fortalecer o perfil focalizador dos

programas de renda miacutenima configura-se como um criteacuterio excludente

A tabela 14 demonstra com base no conjunto da populaccedilatildeo espanhola

calculada em 1999 os nuacutemeros e os percentuais relativos agraves pessoas consideradas

incapacitadas inclusive para o trabalho adotando como criteacuterios a idade e o sexo No total

prevalece nas duas faixas etaacuterias um nuacutemero maior de mulheres consideradas

incapacitadas Tambeacutem e proporcionalmente os percentuais femininos se sobrepotildeem aos

masculinos tanto entre a populaccedilatildeo idosa de 65 a 79 anos quanto na acima de 80 anos o

que evidencia um maior contingente populacional feminino neste paiacutes bem como um

maior grau de longevidade como caracteriacutestica desse grupo social

Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 antildeos (Valores

absolutos e horizontais)

65 a79 anos Mais de 80 anos

Total Incapacitados de

incapacitados por sexo

Total Incapacitados de

Incapacitados por sexo

Homens

2241487

502396

225

468319

231413

49

Mulheres

2812998

818137

29

911720

520706

57

Total 5054485 1320533 26 1380039 752119 54

Fonte Populaccedilatildeo nacional de direito calculada em 15 de maio de 1999 por idade e sexo INE (2002) Elaboraccedilatildeo proacutepia de Bayer Lorente y Garcia Moreno (2004)

Tambeacutem fazem parte do grupo de cidadatildeos considerados incapacitados e que

demandam medidas de inserccedilatildeo social pessoas com enfermidades crocircnicas com

drogodependecircnciaalcoolismo desempregados adultos eou demandantes do primeiro

emprego que tecircm grandes dificuldades de acesso ao trabalho

No geral em seu desenho poliacutetico-institucional os programas autocircnomos de

renda miacutenima de inserccedilatildeo espanhoacuteis apresentam duas situaccedilotildees de ambiguumlidade a) de

232

um lado satildeo inovadores por terem sido desenhados projetados e colocados em praacutetica

pelas proacuteprias Comunidades Autocircnomas tornando-se atuaccedilotildees positivas e b) de outro

carcaterizam-se por serem extremamente seletivos e por vezes excludentes na medida

em que haacute escassez de recursos financeiros puacuteblicos provenientes do governo central e

o fechamento da malha de seguridade ao natildeo possibilitarem o acesso de pessoas natildeo

elegiacuteveis em outros programas sociais (MORENO 2000 p 6-7) Apoacutes revisatildeo

bibligraacutefica feita por esse estudo com base em abundante literatura especializada sobre

renda miacutenima constatou-se que as prestaccedilotildees econocircmicas ainda assumem na Espanha

grande importatildencia no conjunto da accedilatildeo social pois percebe-se como tendecircncia um

esforccedilo em incrementar as prestaccedilotildees monetaacuterias assistenciais nesse paiacutes

Com base em recentes estimativas do Ministeacuterio de Trabajo e Assuntos

Sociales os beneficiaacuterios individuais do RMI superaram os 200000 cidadatildeos previstos

no ano 2000 (ARRIBA MORENO 2002) Isso significa que em 2002 as dezessete

(17) comunidades autocircnomas espanholas dispunham de algum tipo de atuaccedilatildeo em

relaccedilatildeo ao programa de renda miacutenima E isso se deu apesar das contradiccedilotildees presentes

nesse processo e agraves dificuldades poliacuteticas e operacionais influenciadas pelas propostas

recentes de teor neoliberal que tecircm incentivado poliacuteticas de ativaccedilatildeo para inserccedilatildeo dos

beneficiaacuterios no mercado de trabalho e a adoccedilatildeo de criteacuterios mais restritos de acesso

aos subsiacutedios assistenciais bem como o estabelecimento de miacutenimos vitais

(sobrevivecircncia bioloacutegica) e ajudas familiares na forma de isenccedilatildeo fiscal

Em suma constituem principais prestaccedilotildees econocircmicas assistenciais de renda

miacutenima na Espanha a) prestaccedilotildees suplementares da seguridade social (um complemento

dos miacutenimos de pensotildees da seguridade social baseado na elevaccedilatildeo da quantidade a

receber ateacute um miacutenimo legalmente estabelecido alcanccedilando o total de 30 mediante

comprovaccedilatildeo de recursos) b) prestaccedilotildees familiares de seguridade social destinadas agraves

familias necessitadas que tecircm trecircs ou mais filhos sob sua responsabilidade O ajuste dos

subsiacutedios se daacute de acordo com o tamanho dos hogares e se realiza de acordo com escalas

de equivalecircncia c) rendas miacutenimas de inserccedilatildeo como programas natildeo contributivos

sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de recursos e de responsabilidade das Comunidades Autocircnomas

As prestaccedilotildees econocircmicas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) constituem a

uacuteltima instacircncia inovadora e peculiar disponiacutevel introduzida pelos sistemas autocircnomos

espanhoacuteis Conforme demonstrado no quadro 20 os programas de renda miacutenima na

Espanha diferem dentro das proacuteprias comunidades autocircnomas em relaccedilatildeo ao valor da

233

RMI ao seu alcance cobertura social e aos criteacuterios e requisitos de inserccedilatildeo mais comuns

exigidos aos beneficiaacuterios

Quadro 20 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Requisitos mais comuns exigidos aos

beneficiaacuterios

Idade do titular da unidade familiar

Residecircncia preacutevia na CA

Nivel de ingressos

Constituicao de hogar

independente

Sem parentes obrigado a

prestar alimentos

Carecer de emprego

Aragoacuten entre 18e 65 anos menores de idade com menores ou deficiente dependente

1 ano antes Inferiores agrave RMI

Canaacuterias entre 25e 65 antildeos emigrantes canaacuterios retornados maiores de 65 anos menores de 25 com menores ou deficiente dependente

3 anos salvo para emigrantes canaacuterios retornados e refugiados

Inferiores agrave RMI

Sim Inscrito como demandante de empleo salvo estudiantes en centros puacuteblicos

Catalunha entre 25 y 65 antildeos menores de 25 em situaccedilatildeo de desamparo ou com menores ou deficiente dependente

1 ano antes ou 4 anos nos uacuteltimos 5 anos

Inferiores agrave RMI

1 ano antes Sim

Galiacutecia entre 25 e 65 antildeos menores de 25 anos com menores ou deficiente dependente 18 anos com tutelados pela xunta ou oacuterfacircos absolutos

1 ano antes salvo emigrantes galegos retornados e beneficiaacuterios de IMI em outra CAutoacutenoma 5 anos para extrangeiros nacirco europeus

Inferiores agrave RMI

1 ano antes Sim

Madriacute entre 25 e 65 anos maiores de 64 com menores dependentes menores de 25 com menores dependentes

1 ano antes Inferiores agrave RMI

Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)

O gasto social puacuteblico total agregado agraves rendas miacutenimas de inserccedilatildeo nas

comunidades autocircnomas alcanccedilou em 2001 mdash 033 do PIB nacional o que demonstra

que as comunidades regionais espanholas foram capazes ainda que natildeo de forma precaacuteria

e natildeo suficiente de integrar assistecircncia e serviccedilos sociais em uma rede primaacuteria regional e

local considerando que boa parte dos programas sofre com problemas de financiamento

A seguir apresenta-se uma outra sequumlecircncia de tabelas e figuras que demonstram o

fluxo de gastos relativos ao orccedilamento total bem como a distribuiccedilatildeo do percentual de gastos

234

com a seguridade social para o Ano 2005 na Espanha em relaccedilatildeo agraves prestaccedilocirces econocircmicas

com as devidas supressotildees por classes e modalidades de pensatildeo

Tabela 15 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005 ndash

Supressatildeo do gasto da aacuterea 1 - Prestaccedilotildees econocircmicas

Rrubricas Milhotildees de euros de participaccedilatildeo

Pensotildees 70768 879

- Contributivas 68905 856

- Nacirco contributivas1

1863 23

Incapacidade temporal 5925 74

Maternidade e risco durante a gravidez 1235 15

Prestaccedilocirces familiares 932 12

Outras prestaccedilocirces econocircmicas 476 06

Total prestaccedilotildees econocircmicas 79336 986

Outras transferecircncias correntes 448 05

Gastos de gestatildeo de prestaccedilotildees econocircmicas

647

08

57 01

Total de gastos da aacuterea de prestaccedilotildees econocircmicas 80488 1000

Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudos

Fonte Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (2005)

Figura 10 Espanha ndash Sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do

gasto da aacuterea 1 Prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas

Nas figuras 10 e 11 eacute flagrante o volume de recursos finaceiros destinados agraves

pensotildees no que se refere agraves prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas (37

do gasto social geral com a seguridade social) na Espanha em 2005

235

Tabela 16 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social ndash Supressatildeo do creacutedito de

pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo

RUBRICAS Milhotildees de euros de partic

Invalidez 9223 130 - Contributivas 8363 118

- Nacirco contributivas 860 12

Jubilaccedilacirco 46365 655 - Contributivas 45361 641

- Nacirco contributivas 1004 14

Viuvez 13979 198

Orfandade 997 14

Em favor de pensotildees para o ano 2005 204 03

Total de creacutedito de pensotildees para o ano 2005 70768 1000

A importacircncia total das pensocirces nacirco contributivas nacirco inclui os 133 milhocirces de euros correspondentes ao Paiacutes Vasco (105 milhocirces) e Navarra (28 milhocirces) que figuram como transferecircncias ao Estado dentro da Aacuterea de Prestaccedilocirces Econocircmicas Considerando a citada importacircncia e o montante total de latildes PNCs a quantia eleva a 1996 milhocirces de euros Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudios

Fonte Madrid Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais-MTAS (2005)

Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do gasto

de pensotildees (contributivas e natildeo-contributivas)

236

Tabela 17 Espanha Pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado do

sistema siacutenteses por entidades

Recursos (Em euros)

Entidades Pressuposto 2004 Pressuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004

Importatildencia Partic Importacircncia

Partic Absoluta

Tesouraria Geral da Seguridade Social

7705843970 9349 8467281162 9379 761437183 988

Muacutetuas de AT e EP 816756188 991 859158903 952 42602715 522

Total Recursos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943

Eliminaccedilocirces por consolidaccedilatildeo 280013087 340 298357451 330 18344364 655

Pressuposto consolidado 8242587080 10000 9028282614 10000 785695534 953

Gastos

(En miles de euros)

Entidades Pressuposto 2004 Presuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004

Importe Partic

Importe Partic

Absoluta

Instituto Nacional da Seguridade Social

6883475935 8351 7407535314 8205 524059379 761

Instituto Nacional de Gestatildeo Sanitaacuteria

16623151 020 18671602 021 2048451 1232

Instituto de Maiores Serviccedilos Sociais

244549830 297 240148963 266 -4400867 -180

Instituto Social da Marina 145980157 177 152043684 168 6063527 415

Tesouraria Geral da Seguridade Social

415214906 504 648881599 719 233666693 5628

Soma 7705843979 9349 8467281162 9379 761437183 988 Muacutetuas de AT y EP 816756188 991 859358903 952 42602715 522

Total Gastos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943

Como indicam os dados acima (tabela 17) a natureza descentralizada do

regime de bem-estar espanhol natildeo exacerbou tanto as diferenccedilas comunais como era de se

esperar O que se percebe como perspectiva futura eacute que as comunidades autocircnomas estatildeo

propensas a requerer o co-financiamento do governo central para manter os seus

respectivos programas e os serviccedilos sociais Por enquanto os programas autocircnomos de

renda miacutenima de inserccedilatildeo satildeo um fato e sua implementaccedilatildeo contribuiu para a legitimaccedilatildeo

poliacutetica das CCAAs que se viram favorecidas pelo crescimento de recursos orccedilamentaacuterios

O Plan nacional de accioacuten para la inclusioacuten social del reino de Espantildea de

2001 ndash 2003 tem se constituiacutedo numa boa oportunidade para se avaliar a coordenaccedilatildeo

intergovernamental agrave medida que oferece um quadro sinteacutetico da situaccedilatildeo da luta contra a

pobreza na Espanha Resta saber se as proacuteximas accedilotildees sociais coordenadas pela Uniatildeo

Europeacuteia-EU seratildeo fontes de novas ideacuteias servindo de inspiraccedilatildeo para se otimizar os

esforccedilos de todos os atores e instituiccedilotildees implicadas no processo

237

Segundo dados do MTAS (2005) a Espanha desenvolve um conjunto de

programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria (serviccedilos sociais gerais) e secundaacuteria

(especializado) muito semelhante aos que satildeo adotados no Brasil para os quais satildeo

destinados recursos financeiros com controle das comunidades autocircnomas sobre recursos

em geral gastos e gestatildeo das prestaccedilocirces econocircmicas contributivas (64) e natildeo

contributivas (118) conforme demonstram as tabelas 18 e 19 a seguir

Tabela 18 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(1) (Em euros)

Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila

Importacircncia (Valor)

Importacircncia (valor)

Absoluta

1 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas contributivas

7178139324 956 7714207983 958 536068659 75

2 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas nacirco contributivas

297114787 40 297359975 37 245188 01

3 Administraccedilatildeo e serviccedilos gerais de prestaccedilotildees econocircmicas

35918943 05 37506209 05 1587266 44

TOTAL 7511173054 1000 8049074167 1000

537901113 72

Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos

Tabela 19 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(2) (Em euros)

Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila

Importacircncia (valor) Importacircncia

(valor) Absoluta

1 Atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede 86716965 639 89770725 643 3053760 35

2 Atenccedilatildeo especializada 39809780 293 41188273 295 1378493 35

3 Medicina mariacutetima 1881295 14 2176934 16 295639 157

4 Administraccedilatildeo serviccedilos gerais da assistecircncia sanitaacuteria

2584009 19 1821859 13 - 762150 -295

5 Formaccedilatildeo de pessoal sanitaacuterio 10476 00 16974 00 6498 620

6 Transferecircncias agraves CCAA pelos serviccedilos sanitaacuterios asumidos

4679800 34 4679800 34 000 00

TOTAL 133682325 1000 139654565 1000

3972240 29

Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos

A exemplo do processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democracia no Brasil

a formaccedilatildeo poliacutetica e o processo de modernizaccedilatildeo na Espanha tem conhecido vaacuterios

caminhos com retrocessos e avanccedilos e vivenciado ciclos e conjunturas bem distintas com

crises poliacuteticas regimes ditatoriais conforme demonstra o quadro 21

238

Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha

Objetivos pendentes na histoacuteria recente da Espanha Dificuldades atrasos

- Desenvolvimento econocircmicoindustrializaccedilatildeo - Funcionamento de um sistema democraacutetico estaacutevel (com primaziacutea do poder civil) - Articulaccedilacirco regionalnacional - Modernizaccedilatildeo - Europeizaccedilatildeoocidentalizaccedilatildeo - Impulso de poliacuteticas sociais

- Recursos na revoluccedilatildeo burguesa - Dificuldades na revoluccedilatildeo industrial - Carecircncias na construccedilatildeo do Estado de Bem-estar

Intenccedilocirces histoacutericas Resultados Causas Elementos subjacentes

Pri

mei

ro C

iclo

Accedilacirco 1 Regime de

Restauraccedilatildeo (18751923)

- Democracia censitaacuteria e limitada em suas primeiras etapas

- Sistema conveniado ldquode turnosrdquo (pessoas astutas) no Governo (com caciquismos e corrupccedilocirces poliacuteticas desprestiacutegio dos poliacuteticos etc)

- Debilidade socioloacutegica da classe burguesa para fazer ldquosua revoluccedilacircordquo e ausecircncia de uma autecircntica vontade democratizadora

- Predomiacutenio do poder militar (conectado ao poder oligaacuterquico sobre o poder civil debilidade da burguesia modernizadora e ausecircncia de un projeto integrador entre os secores populares)

Reaccedilacirco - Ditadura do General

Primo de Rivera (1923-1930)

- Ditadura do General Berenguer (1930-1931)

- Repressacirco - Processo de industrializaccedilatildeo nas

deacutecadas de 1910 e 1920 - Isolamento - Crise poliacutetica econocircmica e social

Seg

undo

Cic

lo

Acccedilacirco 1 II Repuacuteblica (1931-

1936)

- Democratizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo do sufraacutegio (direito de votar)

- Intento de modernizaccedilatildeo - Progressiva dualizaccedilatildeo social e

poliacutetica

- Fracasso de uma alianccedila ldquoreformistardquo entre as classes meacutedias e a classe trabalhadora

Reaccedilacirco - Guerra civil (1936-

1939) - Ditadura do General

Franco (1939-1975) - Goverrno continuista

de Arias Navarro (1975-1976)

- Repressacirco - Isolamento internacional - Processo de industrializaccedilatildeo

limitado durante os finais dos anos sesenta

- Desarticulaccedilatildeo social e poliacutetica - Crise poliacutetica econocircmica e social

Ter

cero

Cic

lo

Accedilatildeo Transiccedilatildeo democraacutetica 1ordf fase Governos de UCD (SuaacuterezCalvo Sotelo) (1976-1982)

- Consenso democraacutetico (Constitucioacuten de 1978)

- Falta de impulso econocircmico poliacutetico e social

- Intentona golpista do 23-F - Crise de UCD

- Crise moral social y poliacutetica (carecircncia de projeto) da burguesia e as classes meacutedias (desarticulaccedilatildeo da direita)

- Predomiacutenio do poder civil mal grado de articulaccedilatildeo social

- Deslizamento ateacute uma polarizaccedilatildeo poliacutetica

2ordf fase Governos PSOE (1982-1996)

Reaccedilatildeo A ruptura do consenso poliacutetico

- Hegemonia socialista estabilizaccedilatildeo democraacutetica

- Saneamento econocircmico e posterior crescimento com altos e baixos

- Desenvolvimento autocircnomo - Incorporaccedilatildeo agrave Europa - Modernizaccedilatildeo social - Poliacuteticas Socias

- Pacto social pela modernizaccedilatildeo (classes trabalhadoras e classes meacutedias)

3ordf fase Governos do PP (1996-2004)

- Convergecircncia econocircmica com os paiacuteses da Uniacirco Europeacuteia

- Incorporaccedilatildeo ao Euro - Dualizaccedilatildeo na poliacutetica

internacional - Clima de irritaccedilatildeotensacirco

- Crise del PSOE e bipolarizaccedilatildeo poliacutetica

- Crise de diaacutelogo social

- Recuperaccedilatildeo do PSOE

- Maior presenccedila e peso nos cenaacuterios internacionais

- Tensocirces trabalhistas - Tensocirces naionalistas e

questionamento do marco constitucional

Fonte Manuel Herrera Goacutemez amp Antocircnio Requeno et alii Madri 2004 p 238

239

Por fim este estudo elegeu a Regiatildeo de Aragoacuten uma das Comunidades

Autocircnomas da Espanha para uma observaccedilatildeo in loco sobre o desenvolvimento de seaos

serviccedilos sociais e agrave assistecircncia social em geral A opccedilatildeo pela Regiatildeo de Aragoacuten como

locus investigativo de programas operacionais das poliacuteticas de bem-estar se deu por

sua representatividade cultural demograacutefica e pelo quadro de demandas sociais

apresentado Foram realizadas visitas a Casas de Acolhida (Casas de Acogida) que se

caracterizam como Unidades de Atendimento direto aos segmentos da poliacutetica de

assistecircncia social (idosos crianccedilas e adolescentes mulheres e pessoas portadoras de

necessidades especiais) previamente agendadas com os respectivos coordenadores

Destaca-se a visita agrave Casa de Acogida denominada Residencia y Centro de Dia

Ramareda destinada ao atendimento a idosos Nessa Unidade a atenccedilatildeo esteve voltada

para aspectos considerados relevantes tais como nuacutemeros de internos e usuaacuterios custo

de funcionamento por vagas meacutedia de idade (homem e mulher) pensatildeo miacutenima

contributiva condicionalidades e contrapartidas financeiras dos pensionistas

aposentados pensatildeo natildeo contributiva tipos de habitaccedilotildees pagamento dos

internosmecircs pagamento dos usuaacuterios do Centro de dia e outros

Outras Unidades da Administraccedilatildeo Regional visitadas confirmaram a relativa

autonomia do poder local eou regional apresentado pelo Instituto Aragoacuteneacutes de Servicios

Sociales-IASSGobierno de Aragoacuten (Normativas Regionales y Locales Guias de

Recursos Sociales de la Regioacuten de Aragoacuten Leys de Accioacuten social (1987) Insercioacuten y

normatizacioacuten social (1993) Presupuestos (1993) Decreto de miacutenimos (1992) como

tambeacutem por outros Oacutergatildeos Puacuteblicos tais como Departamento de Sanidad Consumo y

Bienestar SocialGobierno de Aragoacuten Departamento de Servicios Sociales y Familia

(Recursos Financeros Cobertura de Plazas Centros y Residencias Poblaciones

empadronadase outros)

Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 467) qualquer conclusatildeo a

que se chegue sobre as comunidades autocircnomas espanholas precisa ser formulada com

cautela em razatildeo da imprecisatildeo terminoloacutegica e conceitual existente sobre as mesmas e

sobre a diversidade de conteuacutedos apresentados ao definirem criteacuterios destinados ao

financiamento do ingresso de inserccedilatildeo eou prestaccedilatildeo econocircmica Contudo quando a

renda econocircmica de inserccedilatildeo se encontra regulada em lei a questatildeo torna-se menos

problemaacutetica do ponto de vista formal No entanto a exigecircncia dessa regulaccedilatildeo natildeo

impede a existecircncia de discordacircncias sobre os criteacuterios para concessatildeo da renda miacutenima

240

entre o que determinam a Lei Geral Orccedilamentaacuteria da Comunidade Autocircnoma (CCAA) a

Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo e ainda as Leis de Serviccedilos Sociais eou de Accedilatildeo Social

Um outro aspecto ressaltado por esses autores eacute que os ordenamentos autocircnomos ao

repassarem um benefiacutecio social na forma de uma prestaccedilatildeo de natureza puacuteblica natildeo tecircm

a intenccedilatildeo de substituir a tradicional obrigaccedilatildeo privada que tecircm a famiacutelia de atender aos

seus familiares ascendentes e descendentes

Ao realizarem um estudo sobre a realidade de cada Comunidade Seco e

Gonzaacutelez (2000 p 469) destacam algumas perticularidedes sobre a Comunidade de

Aragoacuten onde existe uma regulaccedilatildeo legal poreacutem natildeo suficientemente extensa e

regulamentada tanto em relaccedilatildeo aos tipos de prestaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso quanto

aos requisitos e aos procedimentos de concessatildeo o que impede na visatildeo desses autores

uma atuaccedilatildeo mais autocircnoma por parte da Aministraccedilatildeo Regional A Lei de Orccedilamentos

da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten homologada em dezembro de 1999 (artigo 41)

ao regular o Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo apresenta as seguintes caracteriacutesticas em

relaccedilatildeo aos benefiacutecios e serviccedilos sociais caraacuteter pessoal e intransferiacutevel (que se outorga

agrave prestaccedilatildeo econocircmica) caraacuteter subsidiaacuterio e complementar dos benefiacutecios (artigo 16) e

a exigecircncia de que qualquer alteraccedilatildeo proposta sobre o valor da prestaccedilatildeo econocircmica

deveraacute realizar-se mediante a observacircncia dos criteacuterios de regulaccedilatildeo contidos na Lei

Geral de Orccedilamentos da referida Comunidade Essa medida demonstra interesse do

governo central em manter coerecircncia com a pretensatildeo dos legisladores Contudo natildeo tem

forccedila poliacutetica para neutralizar as discordacircncias entre as duas esfersas de governo Aleacutem

das caracteriacutesticas apresentadas a Lei de Orccedilamentos da Comunidade de Aragoacuten

contempla a exigecircncia de empadronamiento (registro de moradia mediante

recensiamento) e a comprovaccedilatildeo de residecircncia do transeute eou estrangeiro no paiacutes por

um periacuteodo preacutevio de um ano

Como exemplo das frequumlentes discordacircncias existentes sobre os criteacuterios de

concessatildeo da renda miacutenima entre as distintass legislaccedilotildees ( Lei Geral Orccedilamentaacuteria da

Comunidade Autocircnoma (CCAA) Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo eou Leis de Serviccedilos

Sociais eou de Accedilatildeo Social) a uacuteltima exigecircncia feita pela Lei de Orccedilamentos da

Comunidade de Aragoacuten estaacute em discordacircncia com a Lei de Serviccedilos Sociais de Aragoacuten

pois essa lei determina genericamente que os transeuntesestrangeiros pobres satildeo

beneficiaacuterios titulares incondicionalmente ( portanto sem condicionalidade restritiva)

do direito agraves prestaccedilotildees econocircmicas previstas na referida Lei natildeo tendo portanto a

241

exigecircncia de registro (empadronamiento) nem a comprovaccedilatildeo de residecircncia preacutevia de

um ano A idade maacutexima exigida ao titular da unidade familiar como requerente da

prestaccedilatildeo assistencial se situa entre vinte e cinco e sessenta e cinco anos admitindo-se

tambeacutem menores de vinte e cinco anos eou maiores de sessenta e cinco quando esses

cidadatildeos apresentam um hogar familiar eou tecircm filhos menores eou pessoas que

portam alguma deficiecircncia que os deixa em situccedilatildeo de dependecircncia O limite da idade de

sessenta e cinco anos para receber a renda miacutenima eacute justificado por sua finalidade de

reinserccedilatildeo soacutecio-laboral e pelo fato de ser esta idade (65 anos) a idade estabelecida

como teto para todos os cidadatildeos adquirirem o direito de receberem as prestaccedilotildees natildeo-

contributivas de aposentadoria puacuteblica eou de incapacidade permanente

Em siacutenyese a Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten desenvolve um programa de

renda miacutenima de inserccedilatildeo caracterizado como sendo de ajudas assistenciais

complementares e regulamentadas conforme demonstra a tabela a seguir referente ao

nuacutemero de beneficiaacuterios e aos recursos financeiros (gasto anual em euros) repassados no

ano de 2004 agraves regiotildees de Huesca Zaragoza e Teruel que compotildeem a Comunidade

Autocircnoma de Aragoacuten com destaque para a Regiatildeo de Zaragoza tanto em relaccedilatildeo ao

montante de recursos financeiros como ao nuacutemero de beneficiaacuterios

Tabela 20 Recurso Aragoacutenecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash Renda Miacutenima

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Beneficiaacuterios 219 78 1406 1703

Beneficiaacuterios por 10000 habitantes 104 56 160 138

Valor meacutedio anual (em euros) 1864 1810 1931 1917

Gasto anual (em euros) 4082 1412 27147 32641

Fonte Pesquisa Contiacutenua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004 Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia

Importante destacar sobre esse programa espanhol especiacutefico que na Lei

reguladora do Ingreso Aragonecircs de Inserccedilatildeo com base em seu regulamento diz-se que

sua concessatildeo teraacute lugar a fundo perdido expressatildeo que em linguagem usual

assemelha-se agrave ideacuteia de subvenccedilatildeo social do Estado ou seja em sentido estrito

significa que o beneficiaacuterio natildeo estaacute obrigado a restituir o beneficio recebido o que

constitui uma contratendecircncia incipiente agrave tendecircncia pouco institucionalizada da

assistecircncia social espanhola Esta caracteriacutestica eacute a mais comum das prestaccedilotildees

econocircmicas utilizadas no acircmbito da assistecircncia social entre as Comunuidades

242

Autocircnomas-CCAA na Espanha a qual exige uma inserccedilatildeo legal suficientemente

regulamentada Em setembro de 2005 periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa desenvolvida

por esta tese o valor mensal correspondente ao referido Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo

estava fixado em trezentos e vinte e quatro euros (em torno de R$ 97200 reais

cacircmbiodia) com efeito retroativo a janeiro de 2005 Comparativamente o valor da

prestaccedilatildeo econocircmica fixado como renda miacutenima pela Comunidade Autocircnoma de

Aragoacuten eacute significativamente superide renda miacutenima unificado brasileiro Bolsa Famiacutelia

(em torno de R$12000 ) no mesmo periacuteodo ateacute mesmo quando comparado ao jaacute

citado valor atual do salaacuterio miacutenimo do paiacutes em vigecircncia Em Aragoacuten o pagamento

das referidas subvenccedilotildees fica a cargo dos programas e oacutergatildeos que gestionam os

creacuteditos em mateacuteria de sauacutede e de bem-estar com base na dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de seus

organismos autocircnomos (Diputacioacuten General de Aragoacuten Comunidad Autoacutenoma de

AragonTesoreriacutea y Patrimocircnio) Curioso observar que agrave mesma ocasiatildeo enquanto o

salaacuterio miacutenimo espanhol destinado aos profissionais estava fixado em torno de 680

euros (R$204000 reais em valores aproximados) o salaacuterio miacutenimo brasileiro estava

calculado em R$32000

As Leis Orccedilamentaacuterias da Comunidade Autocircnoma da Regiatildeo de Aragoacuten

consideram ampliaacuteveis os creacuteditos destinados a financiar o chamado ingresso Aragoacutenecircs

de Inserccedilatildeo (Lei de 1998 de Orccedilamentos Gerais da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

para 1999 Artigo 41) Nesse caso a modificaccedilatildeo da quantia da prestaccedilatildeo somente

podereaacute realizar-se mediante aprovaccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria natildeo podendo ficar abaixo

do Orccedilamento Geral previsto pela administraccedilatildeo local eou regional Sendo assim

apesar de seu valor financeiro ser superior ao do benefiacutecio brasileiro entende-se que o

caraacuteter pessoal intransferiacutevel subsidiaacuterio e complementar que se outorga agrave prestaccedilatildeo

econocircmica a aproxima mais da categoria dos chamados direitos de personalidade

(direitos civis) do que propriamente de um bem puacuteblico comum eou de um benefiacutecio

social com status de direito social entendido como instrumento justificador da

atividade intervencionista do Estado social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas

como resposta agraves necessifdades baacutesicas da populaccedilatildeo

243

75 A experiecircncia da Itaacutelia

Somente a partir da segunda metade dos anos 1990 temas considerados

marginais como pobreza e exclusatildeo social despetaram interesse e passaram a compor a

agenda dos governos e os debates poliacuteticos na Itaacutelia Atores poliacuteticos e agentes sociais

fizeram um diagnoacutestico da assistecircncia social italiana e indicaram como principais

problemas nesse campo a) alta fragmentaccedilatildeo das accedilotildees assistenciais b) preferecircncia por

programas de transferecircncia monetaacuteria (renda miacutenima) em substituiccedilatildeo aos serviccedilos sociais

c) marcada diferenciaccedilatildeo territorial (Norte e Sul) d) ausecircncia de uma malha de seguridade

social como uma uacuteltima rede de proteccedilatildeo social As pensotildees por invalidez ainda hoje

requerem uma biografia trabalhista de no miacutenimo 5 anos Segundo avaliaccedilatildeo de Ferrera

(1996 apud MORENO 2000) ateacute 1984 as pensotildees por invalidez foram operadas na Itaacutelia

como rendas miacutenimas transformando-se em algumas Regiotildees como moedas de troca nas

relaccedilotildees clientelistas entre poliacuteticos e eleitores

Durante anos a concentraccedilatildeo de recursos em prestaccedilotildees de caraacuteter contributivo

(eou categoacuterico) gerou vazios na malha de seguridade social italiana voltada para pessoas

de renda baixa Esta situaccedilatildeo comeccedilou a mudar na metade dos anos 1990 Ateacute 1998 os

residentes em alguns municiacutepios incluiacutedos no Programa Experimental natildeo tinham acesso a

nenhuma forma de ajuda econocircmica de natureza puacuteblica nem mesmo em caso de aguda

situaccedilatildeo de necessidade

Em 1997 a competecircncia da assistecircncia social foi descentralizada para os

governos regionais e locais Agrave administraccedilatildeo central competia a definiccedilatildeo das grandes

diretrizes reguladas por uma Lei maior que soacute foi promulgada no ano de 2000 Contudo

durante esse periacuteodo (1998 a 2002) as leis regionais italianas promoveram uma grande

discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos municiacutepios A partir daiacute algumas minicipalidades tomaram a

iniciativa de implementar programas de renda miacutenima de caraacuteter local introduzindo uma

prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo de recursos que ficou conhecida inicialmente como renta

miacutenimo vitale

No acircmbito nacional a assistecircncia social italiana atende a categorias especiacuteficas

tais como velhice e incapacidades diversas No entanto os programas assistenciais

italianos tecircm apresentado um papel bastante modesto a exemplo da destinaccedilatildeo de apenas

64 do total do gasto social nacional no ano 2000 As accedilotildees da assistecircncia social incluem

a) pensotildees por invalidez (pensione di inbilitaacute civile) as quais se caracterizam como

244

prestaccedilotildees natildeo-contributivas compatiacuteveis com a atividade trabalhista e sujeitas a uma

estrita comprovaccedilatildeo de recursos e renda pelo beneficiaacuterio b) pensatildeo social que se refere a

um subsiacutedio miacutenimo concedido mediante preacutevia comprovaccedilatildeo de recursos destinados

agravequeles cidadatildeos maiores de 65 anos que natildeo adquiriram ao longo da vida o direito a uma

pensatildeo contributiva A partir da Reforma de 1995 o novo regime ampliou os niacuteveis de

cobertura passando a incluir tambeacutem as pesssoas com parcos recursos ou com

contribuiccedilotildees insuficientes c) subsiacutedio de cuidados (indennitagrave) dirigido agravequelas pessoas

que necessitam de atenccedilatildeo permanente por natildeo serem autocircnomas Este subsiacutedio eacute

condicionado agrave realizaccedilatildeo de uma consulta meacutedica mas natildeo agrave comprovaccedilatildeo de recursos

Com o passar do tempo foi se consolidando como uma fonte de ajuda aos coletivos de

anciatildeos mais necessitados pois em geral na Itaacutelia os grupos de renda baixa satildeo

potencialmente elegiacuteveis para diversos subsiacutedios sociais natildeo-contributivos Eacute o caso do

subsiacutedio familiar (nucleo familiare) que se refere a uma prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo

de recursos para assalariados ativos ou aposentados com responsabilidade familiar O

niacutevel deste benefiacutecio estaacute diretamente relacionado agraves dimensotildees da famiacutelia e eacute

inversamente proporcional agrave renda familiar Os complementos de pensotildees (integrazioni al

miacutenimo) satildeo concedidos aos que percebem prestaccedilotildees abaixo do miacutenimo legalmente

estabelecido e requerem uma biografia trabalhista contributiva de no miacutenimo 15 anos dos

solicitantes que tambeacutem satildeo sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de necessidade

Em 1997 o Informe Onofri propocircs uma foacutermula na qual se basearam e

continuam sendo baseadas as sucessivas reformas da assistecircncia social na Itaacutelia Em

siacutentese esse Informe enfatizou a necessidade de se promulgar uma Lei nacional de

assistecircncia social e de se introduzir um programa de renda miacutenima natildeo contributivo eou

natildeo categoacuterico Recomendou tambeacutem a eliminaccedilatildeo de alguns programas assistenciais e o

estabelecimento de mecanismos para determinar a situaccedilatildeo econocircmica dos demandantes de

tais programas Assim foram levadas a cabo algumas inovaccedilotildees significativas mediante a

criaccedilatildeo de um conjunto de regras para avaliar as solicitaccedilotildees sujeitas agrave comprovaccedilatildeo de

recursos Foi introduzido a partir de 1998 o Indicador da Situaccedilatildeo Econocircmica (ISA)

(Indicatore della Situazione Econocircmica (ISA) aplicado para subsidiar famiacutelias numerosas

(com 3 ou mais filhos) e a maternidade

No ano de 2000 uma nova Lei nordm328 produziu reformas significativas no

contexto institucional da assistecircncia social italiana Foram estabelecidas as condiccedilotildees

ecriteacuterios de acesso aos benefiacutecios as linhas gerais de atuaccedilatildeo e os princiacutepios de

245

descentralizaccedilatildeo e solidariedade assim como as diretrizes gerais para as atuaccedilotildees

administrativas A experiecircncia das rendas miacutenimas na Itaacutelia comeccedilou de fato em 1998 A

Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo-RMI (Reddito Miacutenimo di Inserimento (RMI))) inclui um

componente monetaacuterio e outro de ativaccedilatildeo (MORENO 2000) O direito agrave ajuda econocircmica

eacute condicionado agrave participaccedilatildeo em programas de inserccedilatildeo trabalhista e social sendo que o

niacutevel dessa ajuda fica determinado e eacute calculado pela diferenccedila entre o recurso miacutenimo

garantido ajustado agraves dimensotildees da famiacutelia e os recursos de que dispotildee o beneficiaacuterio

Na Itaacutelia a maior parte dos benefiacuteciaacuterios reside na Regiatildeo Sul A Lei orccedilamentaacuteria

de 2001 prorrogou a vigecircncia do chamado Programa piloto elaborado em caraacuteter experimental

por dois anos e elevou o nuacutemero de municiacutepios elegiacuteveis para um total de 306 Ao final de 2003

o governo italiano natildeo se dispunha a prorrogar a vigecircncia dos fundos para a continuaccedilatildeo do

experimento do RMI O informe de avaliaccedilatildeo da primeira fase do Programa piloto destacou

aspectos positivos do RMI italiano visto que com ele se rompeu com uma larga tradiccedilatildeo de

atuaccedilotildees contributivas demonstrando sua eficaacutecia como poliacutetica contra a pobreza Outro aspecto

avaliado positivamente refere-se agraves novas accedilotildees de inserccedilatildeo e de revitalizaccedilatildeo social dos

beneficiaacuterios a exemplo das condicionalidades e medidas tomadas contra o abandono escolar

Tambeacutem se produziu uma otimizaccedilatildeo administrativa com a definiccedilatildeo de novas

responsabilidades diretas na gestatildeo dos programas

Em relaccedilatildeo aos aspectos menos destacados eou negativos as criacuteticas recaiacuteram

sobre a dificuldade de fazer face agraves pressotildees locais no sentido de se definir novos criteacuterios

de seleccedilatildeo dos beneficiaacuterios ou de se dotar o programa de um caraacuteter diferenciado do

benefiacutecio assistencial do passado61 Em 2001 o informe de avaliaccedilatildeo realizou uma

estimativa do custo do RMI em acircmbito nacional no valor de 22 a 30 milhotildees de Euros o

que correspondeu em torno de 018 a 024 do PIB nacional Em relaccedilatildeo aos padrotildees

anteriores as cifras foram consideradas altas mas de forma alguma suficientes quando

comparadas agraves necessidades da populaccedilatildeo e a outras poliacuteticas de bem-estar

Ademais haacute o risco de uma sobrecarga funcional transformar um programa

como o RMI com caracteriacutesticas de uacuteltima instacircncia em um programa que passa a

significar a uacutenica opccedilatildeo disponiacutevelrdquo dos cidadatildeos para se obter um miacutenimo de recursos em

caso de necessidade o que na opiniatildeo desta tese tem muito a ver com o Brasil

61 Na avaliaccedilatildeo de Moreno (2000) um estudioso de rendas miacutenimas da Regiatildeo Sul da Europa em especial da Itaacutelia os contiacutenuos obstaacuteculos parecem bloquear a implantaccedilatildeo nesse paiacutes do Programa de Renda Miacutenima (RMI) tais como fraacutegeis capacidades administrativas locais e peculiares condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas do sul italiano o que destoa a seu ver de outros programas similares em que o RMI eacute exigente quanto agrave capacidade administrativo- institucional e quanto agraves habilidades gerenciais

246

Moreno (2000) avalia ainda que a localizaccedilatildeo institucional mais apropriada

para o RMI italiano deveria ser o niacutevel baacutesico dos programas de transferecircncias monetaacuterias

ou seja destinados aos desempregados e agraves famiacutelias com filhos eou a outros dependentes

sob sua responsabilidade Da mesma forma o mesmo autor acredita que o correto

funcionamento da funccedilatildeo de inserccedilatildeo deste Programa requer um sistema articulado de

poliacuteticas ativas para o mercado de trabalho e de serviccedilos sociais de apoio agraves famiacutelias Mas

o Plano de Accedilatildeo Nacional Para a Inclusatildeo de 2001 natildeo demonstra de forma clara como o

RMI italiano deveraacute ser redesenhado em seus objetivos concretos

Na verdade os uacuteltimos governos de centro direita natildeo tecircm se mostrado

dispostos agrave generalizaccedilatildeo de programas de RMI em toda a Itaacutelia O governo Berlusconi

deixou que as regiotildees decidissem sobre esse assunto abstendo-se de estabelecer diretrizes

nacionais ou de comprometer-se com a facilitaccedilatildeo de recursos financeiros em que pese o

Pacto de Itaacutelia assinado no veratildeo de 2002 prever a implantaccedilatildeo de uma renda de uacuteltima

instacircncia como parte importante de uma ampla reforma do sistema de proteccedilatildeo social que

tudo indica natildeo foi levado a cabo

76 A experiecircncia de Portugal

Portugal integrou-se agrave Comunidade Europeacuteia em 1986 pondo fim a um longo

periacuteodo de atrasos Ateacute meados dos anos 1980 pesquisas revelam que natildeo existia nenhuma

cobertura social universal nem mesmo um sistema puacuteblico de sauacutede portuguecircs O Estado

assume um rosto economicamente ruralista e ideologicamente medievel (VIEGAS apud

RODRIGUES STOER 1993 p 23) pondo restriccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e procurando eliminar

a participaccedilatildeo da sociedade O Estado reiteram Rodrigues e Stoer (1993) delega agrave Igreja

Catoacutelica que constituiacutea um elo entre a sociedade civil e o poder puacuteblico as funccedilotildees de

provisatildeo social ldquoA Repuacuteblica corporativa portuguesa que se instituiu considerava a famiacutelia a

ceacutelula da sociedade e a fonte de conservaccedilatildeo e desenvolvimento da raccedila como base primeira

da educaccedilatildeo da disciplina da harmonia social e o fundamento de toda ordem poliacuteticardquo

(VIEGAS apud RODRIGUES STOER 1993 p 23) Assim apesar de a revoluccedilatildeo

democraacutetica de 1974 ter se constituiacutedo um processo de ruptura com o regime ditatorial e

possibilitado a criaccedilatildeo pela primeira vez de oacutergatildeos autaacuterquicos eleitos por sufraacutegio universal e

direto - dando forccedila ao poder local - recursos limitados impediram a implementaccedilatildeo eficiente

247

de poliacuteticas puacuteblicas Em consequumlecircncia as accedilotildees de combate agrave pobreza foram escassas e a

assistecircncia social portuguesa permaneceu marginal e fragmentada

Em 1984 a proteccedilatildeo social de Portugal reorganizou-se O governo socialista

que se formou depois das eleiccedilotildees introduziu experimentalmente o rendimento miacutenimo

garantido (RMG) em 1996 e extendeu sua cobertura nacional a partir de 1997 O RMG

portuguecircs eacute descrito pela literatura especiacutefica como um contrato que facilita uma ajuda

monetaacuteria como prestaccedilatildeo natildeo contributiva a fim de garantir um padratildeo miacutenimo de vida

ao contraacuterio de um compromisso para participar em um programa de inserccedilatildeo eou de

integraccedilatildeo social

Em 1984 uma lei nacional estabeleceu as bases da seguridade social

(seguranccedila social como eacute chamada) com base nas diretrizes constitucionais O regime

geral passou a proporcionar as prestaccedilotildees contributivas aos trabalhadores e suas famiacutelias

enquanto o regime natildeo contributivo e a assistecircncia social se ocupavam das intervenccedilotildees

natildeo incluiacutedas no regime contributivo

Portugal recebeu um grande impulso com sua participaccedilatildeo no II Programa

Europeu Contra a Pobreza o qual favoreceu os projetos de intervenccedilatildeo e de investigaccedilatildeo

orientados para grupos especiacuteficos (MORENO et alii 2003) A ecircnfase dada agrave

participaccedilatildeo social fortaleceu o desenvolvimento da autonomia das autarquias locais que

segundo Rodrigues e Stoer (idem) foi decisivamente mais forte do que em qualquer

outro paiacutes europeu Mas como dizem os proacuteprios autores isso natildeo foi suficiente para

garantir de fato um poder local Posteriormente a poliacutetica contra a pobreza em Portugal

se apoiou em maior medida no chamado enfoque territorial integrado Em 2000 quando

a legislaccedilatildeo sobre a seguridade social foi revisada o niacutevel de composiccedilatildeo do gasto social

protuguecircs se aproximava da meacutedia europeacuteia A nova lei tinha como objetivo elevar as

prestaccedilotildees mediante o reforccedilo do fundo para as pensotildees puacuteblicas e a inclusatildeo no

orccedilamento nacional dos gastos da assistecircncia social A Lei pretendia ativar natildeo soacute os

indiviacuteduos mas tambeacutem as instituiccedilotildees pois defendia um enfoque individualizado e

orientado agraves condiccedilotildees dos cidadatildeos e suas necessidades Indiscutivelmente o progrma

de renda miacutenima portuguecircs (rendimento miacutenimo garantido (RMG)) converteu-se no

emblema da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais O tema da pobreza ocupou um lugar de

destaque na agenda poliacutetica do governo

O caraacuteter inovador do RMG portuguecircs estaacute no fato de a oferta de assistecircncia

econocircmica ter se combinado com a participaccedilatildeo em uma seacuterie de atividades de inserccedilatildeo

248

trabalhista educativa de formaccedilatildeo profissional de acsesso aos serviccedilos de sauacutede e outros

Satildeo beneficiaacuterios desse programa todos os residentes legais em situaccedilatildeo de evidente

estado de necessidade com idade miacutenima de 18 anos exceto mulheres gestantes ou

cuidadores de pessoas idosas O RMG portuguecircs eacute calculado com base na diferenccedila

monetaacuteria entre a renda liquida avaliada por beneficiaacuterio e a quantidade garantida para

cada tipo de famiacutelia e eacute subsidiaacuterio de outras provisotildees sociais Os trabalhadores sociais

locais avaliam as condiccedilotildees materiais dos potenciais beneficiaacuterios e na eventualidade de

diferenccedilas substanciais entre a renda declarada e a renda real percebida o RMG eacute

cancelado O trabalhador social com base na solicitaccedilatildeo do RMG emite um informe

individual que deve conter uma descriccedilao dos problemas confrontados na famiacutelia bem

como propotildee um plano de inserccedilatildeo mediante um acordo firmado entre trabalhador social

(como representaccedilatildeo do comitecirc local de supervisatildeo) e os membros da famiacutelia O usufruto

da prestaccedilatildeo eacute condicionado agrave participaccedilatildeo no plano de inserccedilatildeo e todo o processo possui

efeito legalmente vinculante

Ao final de 2001 752000 pessoas ou seja 75 da populaccedilatildeo portuguesa haviam

participado do programa O gasto total do RMG alcanccedilou a cifra de 284 milhotildees de euros

(025 do PIB nacional) no ano de 2000 caindo para 235 milhotildees de euros (019 do PIB

nacional) em 2001 Contudo o valor das prestaccedilotildees eacute baixo e o programa enfrenta escassez de

recursos humanos para a necessaacuteria supervisatildeo do complexo processo de inserccedilatildeo Haacute uma

pesada carga para um nuacutemero limitado de trabalhadores sociais

Em 2002 o RMG portuguecircs converteu-se em tema de debate poliacutetico Apesar

da sua extinccedilatildeo natildeo ter sido aventada foram utilizados argumentos tais como a

necessidade de reduzir o gasto puacuteblico A coalizatildeo de centro-direita que havia criticado

duramente o programa RMG ganhou as eleiccedilotildees Poreacutem o novo governo aceitou o

principio do direito universal contido na renda miacutenima e rebatizou o programa de

Rendimento Social da Inserccedilatildeo ndash RSI de acordo com a Lei promulgada em 2003 O

objetivo foi o de enfatizar a dimensatildeo de inserccedilatildeo social Atualmente Portugal destaca-se

como o uacutenico paiacutes da Regiatildeo Sul da Europa que tem um padratildeo nacional de renda miacutenima

fixado pelo governo independentemente das diferenccedilas regionais como expressatildeo de uma

medida unificada no acircmbito do modelo de proteccedilatildeo social daquele paiacutes

249

77 A experiecircncia da Greacutecia

Na Greacutecia natildeo haacute um programa oficial de renda miacutenima regulamentado em

lei como nos demais paiacuteses que compotildeem a Europa do Sul

A vitoacuteria do Partido Socialista em 1971 e a restauraccedilatildeo da democracia na

Greacutecia em 1974 propiciaram um periacuteodo de expansatildeo do Estado de Bem-estar A partir

daiacute um incremento sem precedentes do gasto social foi a resposta agraves expectativas de

amplos setores da populaccedilatildeo apoacutes deacutecadas de discriminaccedilatildeo poliacutetica A entrada da Greacutecia

na Comunidade Europeacuteia deu-se em 1980 Contudo o elevado e crescente niacutevel de gasto

social que tem aproximado a Greacutecia da meacutedia europeacuteia contrasta com uma deacutebil atuaccedilatildeo

referente agraves medidas de transferecircncias sociais para reduzir a pobreza Esta aparente

contradiccedilatildeo eacute atribuiacuteda pelos estudiosos agrave natureza proacutepria do sistema de proteccedilatildeo social

grego um sistema contributivo de seguridade social que se encaixa bem no modelo

bismarckiano com ecircnfase nas carreiras profissionais Na realidade o Estado de Bem-estar

grego sempre colocou ecircnfase maior nas poliacuteticas contributivas (aposentadorias pensotildees)

destinando uma provisatildeo social pequena para a cobertura de riscos sociais natildeo securitaacuterios

e natildeo contributivos Sendo assim os serviccedilos sociais puacuteblicos e incondicionais

permanecem em um estaacutegio inicial de desenvolvimento Natildeo admira pois que as pensotildees

representem a maior parte das transferecircncias sociais e as poliacuteticas dirigidas agraves famiacutelias

pobres com filhos aos portadores de necessidades especiais (incapacitados) aos

desempregados e outros grupos em situaccedilatildeo de pobreza tecircm sido desenvolvidas em menor

escala_o que coloca a assistecircncia social grega e suas prestaccedilotildees em uma posiccedilatildeo marginal

Portanto a Greacutecia apresenta uma estrutura de proteccedilatildeo social natildeo regular carente de

coerecircncia e com graves lacunas nos criteacuterios de cobertura social Os ambientes familiares

parecem ser inelegiacuteveis para os programas sociais existentes uma vez que natildeo se ajustam

ao perfil requerido pelos legisladores e nem cumprem os requisitos estabelecidos ainda

que estes sejam bastante restritos Tambeacutem a malha de seguridade social puacuteblica destinada

aos cidadatildeos adultos eacute fragmentaacuteria Os segmentos com uma histoacuteria de vida laboral

contributiva suficiente dispotildeem de pensatildeo miacutenima fornecida mediante preacutevia

comprovaccedilatildeo de recursos Os camponeses e pessoas com baixa renda e sem outros direitos

sociais garantidos recebem pensotildees natildeo contributivas No entanto dada a grande

fragmentaccedilatildeo e a cobertura incompleta do sistema de proteccedilatildeo social grego eacute possiacutevel

afirmar que natildeo existe um programa de renda miacutenima garantida na Greacutecia o que segundo

250

Moreno (2000 p 9) gera uma situaccedilatildeo insoacutelita com a combinaccedilatildeo de uma gasto elevado

em pensotildees (13 do PIB) e ao mesmo tempo uma alta porcentagem de pobres idosos que

correspondem a 35 dos adultos com mais de 65 anos O seguro desemprego eacute de caraacuteter

contributivo e por um periacuteodo de tempo limitado (12 meses) As restritas prestaccedilotildees

assistenciais de renda miacutenima satildeo transferidas e dirigidas somente agraves famiacutelias pobres com

trecircs ou mais filhos As prestaccedilotildees por invalidez variam segundo o grau e o estado da

invalidez (existem 10 categorias de beneficiaacuterios e 22 de subsiacutedios nessa aacuterea)

Em 2001 os dados revelavam que o conjunto das prestaccedilotildees natildeo contributivas

somou 163 de todo o gasto da seguridade social enquanto as prestaccedilotildees sujeitas agrave

comprovaccedilatildeo de renda alcanccedilaram apenas 47 O modelo de proteccedilatildeo social grego segue

sendo um sistema que aleacutem de dominado por prestaccedilotildees de caraacuteter contributivo possui

rigorosos criteacuterios de seletividade (targting) e poliacuteticas focalizadas O Plano de Accedilatildeo

Nacional para Inclusatildeo Social elaborado em 2002 descartou a opccedilatildeo dos programas de

renda miacutenima ao mesmo tempo em que reiterou a ajuda assistencial para desempregados

por um periacuteodo de 12 meses

Em termos gerais aleacutem da ausecircncia de vontade poliacutetica dos governantes e da

inexistecircncia da prestaccedilatildeo de uma provisatildeo social de craacuteter universal a oposiccedilatildeo agrave

introduccedilatildeo de um programa de renda miacutenima voltado agrave superaccedilatildeo das necessidades

sociais baacutesicas da populaccedilatildeo eacute o elemento ressaltado como fator impeditivo da formaccedilatildeo

de uma rede de seguranccedila social puacuteblica contra a pobreza A existecircncia dessa situaccedilatildeo

apesar das dificuldades administrativas na implementaccedilatildeo de programas dessa natureza

tem implicaccedilotildees nas previsotildees orccedilamentaacuterias para o financiamento da aacuterea social A

simulaccedilatildeo do custo das transferecircncias de um programa nacional de renda miacutenima feita

pelo governo em 2000 ficou em torno de apenas 269 milhotildees de euros (EU 279

milhones) ou seja o correspondente a 023 do PIB nacional (MORENO 2000)

Indiscutivelmente um percentual de gasto social bem inferior aos apresentados por

outros paiacuteses da regiatildeo como Itaacutelia Portugal e Espanha no mesmo periacuteodo

Comparativamente na Itaacutelia em 2001 foi realizada uma estimativa de custo do RMI no

valor de 20 a 30 milhotildees de euros o que correspondeu em torno de 024 do PIB

nacional em Portugal em 2000 o gasto total do RMG alcanccedilou a cifra de 284 milhotildees

de euros (025 do PIB nacional) e na Espanha em 2001 o gasto social puacuteblico total

agregado agraves rendas miacutenimas de inserccedilatildeo nas Comunidades Autocircnomas alcanccedilou 033

do PIB nacional

251

78 Siacutentese das principais caracteriacutesticas das poliacuteticas de provisatildeo social miacutenima nos

paiacuteses do Sul da Europa em uma perspectiva comparada

Destacam-se como carcteriacutesticas similares dos paiacuteses que compotildeem a Regiatildeo

Sul da Europa (FERRERA 1995)

a) a origem comum de seus Estados de Bem-estar (modelo beveridgiano e keynesiano-

fordista)

b) os desafios internos (lento e tardio crescimento econocircmico somado a elevados iacutendices

de desemprego e de desigualdade social o que ocasionou o aumento dos iacutendices de

pobreza) e os externos (situaccedilotildees e pressotildees enfrentadas por esses paiacuteses com o

processo de unificaccedilatildeo econocircmica e monetaacuteria europeacuteia)

c) as caracteriacutesticas poliacutetico-institucionais dos Estados de Bem-estar latinos em sua

forma de fazer poliacutetica com forte tendecircncia a manipulaccedilotildees e cooptaccedilotildees junto agrave

classe trabalhadora a exemplo da cultura poliacutetica e da praacutetica dos governantes

brasileiros no trato das poliacuteticas sociais brasileiras de natureza assistencialista e

clientelista

d) a prevalecircncia da ideacuteia de provisatildeo social mediante o repasse de bens e serviccedilos sociais

garantidos no acircmbito do setor privado (plural ou mistoinformalfamiliar voluntaacuterio

eou comercial) em contraste agrave defesa de uma seguridade social puacuteblica

asseguradora de direitos sociais afianccedilados constitucionalmente e garantidos no

acircmbito do Estado por intermeacutedio da implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e

universalizadoras

Nessa regiatildeo haacute situaccedilotildees contraditoacuterias e ambiacuteguas na medida em que de um

lado defendem um discurso universalista e de outro privilegiam o status ocupacional dos

demandantes de proteccedilatildeo social e condicionam os programas de combate agrave pobreza (a

exemplo dos de renda miacutenima de inserccedilatildeo) a riacutegidos criteacuterios de condicionalidades

Ademais os direitos sociais e as poliacuteticas puacuteblicas natildeo aparecem como fundamento de uma

cultura poliacutetica inclusiva e garantidora de cidadania social que tem no Estado o garante de

direitos Ainda assim eacute possiacutevel afirmar que existem redes (eou malhas) de seguridade

social na Europa do Sul A grande maioria dos paiacuteses que compotildeem esta regiatildeo realizou a

seu modo e conforme circunstacircncias poliacuteticas e conjunturais uma experiecircncia de proteccedilatildeo

252

social com caraacuteter de uacuteltima instacircncia no dizer de Moreno (2000) ao adotarem programas

de combate agrave pobreza como provisatildeo social miacutenima (programas de renda miacutenima (RMI))

Com base no exposto aleacutem das similitudes os paiacuteses da Europa do Sul revelam diferenccedilas

e particularidades tanto em relaccedilatildeo ao desenho institucional das poliacuteticas contra a pobreza

como em relaccedilatildeo agraves configuraccedilotildees institucionais dentro das quais tais poliacuteticas operam e

se desenvolvem (MORENO 2000 p 16 e 17) Em relaccedilatildeo ao sistema de manutenccedilatildeo de

renda miacutenima de inserccedilatildeo as dualidades natildeo satildeo poucas haja vista que essa regiatildeo

caracteriza-se pela inexistecircncia de um sistema de renda miacutenima unificado (com exceccedilatildeo

de Portugal) em acircmbito nacional

Trata-se de sistemas com acentuado caraacuteter dual que tendem agrave polarizaccedilatildeo e ao

tratamento diferenciado entre os segmentos sociais no sentido de fortalecer de um lado totais

garantias a um grupo de beneficiaacuterios (prestaccedilotildees generosas e pensotildees elevadas) e de outro

prestaccedilocirces menores que caracterizam uma sub-proteccedilatildeo transferidas a um grande contingente

de trabalhadores e cidadatildeos em condiccedilotildees de vida precaacuterias como jovens desempregados

trabalhadores em situaccedilatildeo irregular eou situados na economia informal Eacute nesse contexto que

o papel da famiacutelia ganha funcionalidade e centralidade nessa regiatildeo (mesmo desvinculada de

uma poliacutetica familiar de proteccedilatildeo social a essa mesma famiacutelia) na medida em que essa

instacircncia se interpotildee entre a escassez de medidas sociais puacuteblicas a fragilidade da proteccedilatildeo

social puacuteblica a ausecircncia de mecanismos de superaccedilatildeo das desigualdades territoriais e as

limitaccedilotildees do modelo de manutenccedilatildeo de renda miacutenima de inserccedilatildeo Essas particularidades

somadas agrave baixa cobertura social dos programas sociais nos referidos paiacuteses os distinguem dos

demais paiacuteses europeus mas tambeacutem os tornam semelhantes agrave realidade brasileira que tambeacutem

natildeo tem um uacutenico padratildeo de renda miacutenima nacional apesar de possuir uma seguridade social

puacuteblica e institucionalizada com poliacuteticas sociais unificadas a exemplo do Sistema Uacutenico de

Sauacutede (SUS) e da recente unificaccedilatildeo da assitecircncia mediante a implantaccedilatildeo do Sistema Uacutenico

de Assistecircncia Social (SUAS) Satildeo sistemas regulamentados em Leis e progrmas de

transferecircncia de renda afianccedilados constitucionalmente e implementados em acircmbito nacional

pelo Estado brasileiro

Por fim vale mencionar que no geral apesar do processo de implementaccedilatildeo

de programas de renda miacutenima ter ocorrido na Europa do Sul em ritmos e caminhos

diversos comparado ao que existia antes produziram-se ao longo dos anos 1990

inovaccedilotildees significativas e positivas no campo do bem-estar nesses paiacuteses a saber

253

a) como traccedilo peculiar assiste-se a um paradoxo de um lado o decliacutenio da tradicional

disponibilidade das famiacutelias para responder agrave provisatildeo social e agraves necessidades sociais

de seus membros e de outro uma crescente demanda por proteccedilatildeo social puacuteblica

formalizada no acircmbito do Estado

b) o custo fiscal para fortalecer as redes de seguridade social revela-se modesto apesar

do discurso recorrente sobre a necessidade de reduzir a tributaccedilatildeo e o gasto social

puacuteblico

c) todos os paiacuteses tecircm sido beneficiados com incentivos e recursos financeiros da Uniatildeo

Europeacuteia

d) as poliacuteticas de bem-estar implementadas por estes paiacuteses objetivam corrigir

desequiliacutebrios histoacutericos de seus regimes de bem-estar

e) os programas de renda miacutenima desenvolvidos nessa regiatildeo caracterizam-se por

prestaccedilotildees monetaacuterias de caraacuteter assistencial subsidiaacuterio complementar e de inserccedilatildeo

social e ao trabalho

No entanto apesar dos aspectos positivos assinalados a proteccedilatildeo social sul

europeacuteia apresenta fragilidades por possuir baixa institucionalidade e limitada legitimidade

poliacutetica junto agrave populaccedilatildeo Em suma satildeo traccedilos definidores do chamado regime de bem-

estar latino

a) poliacuteticas e programas sociais de caraacuteter voluntaacuterio e informal com prevalecircncia de

perfil seletivo focalizador e distributivo

b) os hogares (ambientes familiares) caracterizam-se como instacircncias privadas

amortizadoras de conflitos sociais e como uacuteltimas redes de proteccedilatildeo e de seguranccedila do

cidadatildeo

c) problemas de natureza administrativa e de gerenciamento institucional (ineficiecircncia

administrativa morosidade das instituiccedilotildees governamentais e ausecircncia de autonomia

poliacutetica para atender necessidades baacutesicas dos cidadatildeos aleacutem de persistente fraude

fiscal como traccedilo cultural)

d) papel marginal ocupado pela assistecircncia social (embora estrateacutegico como uacuteltima

instacircncia) e o caraacuteter fragmentaacuterio de seus programas

e) ausecircncia de programas de renda miacutenima eficazes no sentido de se guiarem por

princiacutepios puacuteblicos e universais e de seguirem princiacutepios redistributivos

254

f) exigecircncia de comprovaccedilatildeo de recursos (means testing) e do estado de necessidade ou

situaccedilatildeo de pobreza aos beneficiaacuterios da proteccedilatildeo social como condiccedilatildeo para o acesso

agrave prestaccedilatildeo (princiacutepio meritocraacutetico)

g) dificuldades operacionais e estrateacutegicas de identificaccedilatildeo dos reais beneficiaacuterios da

assistecircncia social e de um justa definiccedilatildeo de criteacuterios de elegibilidade

79 A experiecircncia do Brasil com programas de transferecircncia direta de renda miacutenima

No Brasil a experiecircncia concreta com programas de transferecircncia de renda

voltados para cidadatildeos pobres natildeo inseridos no mercado formal de trabalho eacute recente

aliaacutes mais recente do que as experiecircncias sul europeacuteias Natildeo se pode dizer que o salaacuterio

miacutenimo instituiacutedo no paiacutes em 1940 faccedila parte dessa modalidade de provisatildeo posto que

ele eacute uma remuneraccedilatildeo do trabalho regulado pelo Estado No entanto o Estado brasileiro

ao fixar o salaacuterio miacutenimo em 1940 determinou um padratildeo miacutenimo de ganho mensal como

referecircncia para o trabalhador Egrave inegaacutevel que nas uacuteltimas deacutecadas ele tem sido o

paracircmetro definidor dos niacuteveis de pobreza e de indigecircncia bem como dos valores

monetaacuterios a serem socialmente transferidos

O quadro 22 revela os diversos iacutendices de custo de vida e de preccedilos ao

consumidor disponiacuteveis no paiacutes Trata-se de paracircmetros definidores dos principais iacutendices

de preccedilos e de custo de vida (INPC ICV IPC e ICB) produzidos por diferentes

instituiccedilotildees brasileiras de credibilidade reconhecida como IBGE DIEESE-SP FIPE-USP e

PROCON-SP que utilizam metodologias distintas O quadro toma por base o Estado de

Satildeo Paulo uma das regiotildees metropolitanas mais desenvolvidas do paiacutes com destaque para

os iacutendices de custo de vida de preccedilos ao consumidor e de variaccedilatildeo da cesta baacutesica de

alimentos que estatildeo entre as infortmaccedilotildees soacutecio-econocircmicas mais amplamente divulgadas

no paiacutes (JANNUZZI 2001 p 107)

255

Quadro 22 Alguns dos principais iacutendices de preccedilos e de custo de vida

Instituiccedilatildeo Iacutendice Caracteriacutesticas

IBGE INPC Mede a variaccedilatildeo meacutedia de preccedilos da cesta de produtos e serviccedilos das famiacutelias com renda entre 1 e 8 salaacuterios miacutenimos residentes nas Regiotildees Metropolitanas

DIEESE-SP ICV Estrutura de despesas de famiacutelias com renda entre 1 a 30 salaacuterios miacutenimos residentes no Municiacutepio de Satildeo Paulo

FIPE-USP IPC Estrutura de despesas de famiacutelias com renda entre 1 a 20 salaacuterios miacutenimos residentes no Municiacutepio de Satildeo Paulo

PROCON-SP ICB Variaccedilatildeo meacutedia de preccedilos de alimentos e produtos de higiene e limpeza no Municiacutepio de Satildeo Paulo

Fonte Paulo de M Jannuzzi 2001 p 107

Para se ter uma ideacuteia da recorrecircncia ao salaacuterio miacutenimo como paracircmetro

definidor da pobreza no Brasil ldquoo governo federal considera como pobre o grupo

populacional com renda de ateacute meio salaacutero miacutenimo domiciliar percapita enquanto os

indigentes (ou muito pobres) satildeo o grupo com renda de ateacute um quarto do salaacuterio miacutenimo

domiciliar percapitardquo (IPEARadar Social 2005 p 60) Da mesma forma o governo

entende o principal programa unificado de transferecircncia de renda em curso no paiacutes_ O

Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) bem como o Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC)

portanto um programa social e um benefiacutecio constitcional que tecircm no salaacuterio miacutenimo a

sua referecircncia O BPC que estaacute voltado para idosos (a partir de 65 anos) e para pessoas

portadoras de necessidades especiais muito pobres (com renda percapita familar de ateacute frac14

do salaacuterio miacutenimo) incapacitadas para o trabalho e que estejam fora da cobertura

previdenciaacuteria eacute o que possui o mais alto valor monetaacuterio correspondendo a um salaacuterio

miacutenimo mensal (R$ 38000 ndash trezentos e cinquumlenta reais em abril 2007) definido na

Constituiccedilatildeo Federal de 1988

Jaacute o Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) um programa de transferecircncia de renda

com condicionalidades e que integra o Programa Fome Zero pauta-se por uma escala que

varia de quinze reais a noventa e cinco reais mensais tendo como criteacuterio de elegibilidade

famiacutelias com renda mensal percapita que varia de sessenta reais a cento e vinte reais

quando satildeo considerados em situaccedilatildeo de pobreza relativa e com renda mensal percapita de

ateacute sessenta reais quando sacirco considerados em situccedilatildeo de extrema pobreza (pobreza

absoluta) conforme a Lei nordm 10836 de 9 de janeiro de 2004 e o Decreto nordm 5749 de 11 de

abril de 2006

Em relaccedilatildeo ao criteacuterio de elegibilidade e agrave definiccedilatildeo do valor a ser distribuido

o Programa Bolsa Famiacutelia define com clareza esses elementos conforme o quadro abaixo

no qual satildeo levadas em consideraaccedilatildeo as situaccedilotildees de pobreza e de extrema pobreza Esses

valores dos benefiacutecios satildeo repassados para as famiacutelias integrantes do PBF

256

Quadro 23 Criteacuterios de elegibilidade e valores de benefiacutecios para famiacutelias integrantes do

Programa Bolsa Famiacutelia - PBF

Criteacuterio de Elegibilidade

Ocorrecircncia de

crianccedilasadolescentes 0-15 anos gestantes

e nutrizes

Quantidade

e tipo de Benefiacutecios

Valores do Benefiacutecio

(R$) Situaccedilatildeo das

famiacutelias Renda mensal

per capita

Situaccedilatildeo de pobreza

De R$ 6001 a R$ 12000

1 Membro (1) Variaacutevel 1500 2 Membros

(2) Variaacutevel

3000

3 ou + Membros (3) Variaacutevel 4500

Situaccedilatildeo de extrema pobreza

Ateacute R$ 6000

Sem ocorrecircncia Baacutesico 5000 1 Membro Baacutesico + (1) Variaacutevel 6500

2 Membros Baacutesico + (2) Variaacutevel 8000

3 ou + Membros Baacutesico + (3) Variaacutevel 9500

Fonte Programa Bolsa Famiacutelia ndash Guia do Gestor Ano 2006 ndash MDS ndash Brasiacutelia-DF

Disponiacutevel no site httpwwwmdsgovbrbolsafamiliao ndash programa ndash bolsa ndash familiabeneficios-e-contrapartidas

O problema da utilizaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo como paracircmetro de proteccedilatildeo social

miacutenima no Brasil eacute que o seu poder de compra foi corroiacutedo por um processo histoacuterico de

arrocho salarial ficando cada vez mais fraco desde sua criaccedilatildeo em 1940 quando foi

calculado junto a categorias que apresentavam agravequela eacutepoca as piores e mais precaacuterias

condiccedilotildees de vida e trabalho conforme jaacute foi mencionado nessa tese Atualmente apesar do

poder de compra do salaacuterio miacutenimo corresponder em valores atuais (abril de 2007) agrave

aquisiccedilatildeo de duas cestas baacutesicas de alimentos seu poder de compra continua defasado em

relaccedilacirco agrave renda percapita e ao custo de vida do paiacutes o que continua excluindo e penalizando os

segmentos mais empobrecidos da populaccedilatildeo brasileira Dessa constataccedilatildeo se depreende que

em termos de poder de compra o valor de sessenta reais a cento e vinte reais mensais (pobreza

relativa) distribuiacutedos pelo Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) estaacute muito aqueacutem de satisfazer as

necessidades baacutesicas do puacuteblico-alvo de programas dessa natureza caracterizando-se como

uma quantia monetaacuteria repassada pelo Estado como complementaccedilatildeo ainda deficitaacuteria agrave renda

mensal dessas famiacutelias na superaccedilatildeo de suas reais necessidades Ao contraacuterio da ideacuteia

reproduzida pelo censo comum esses valores por si soacute natildeo tecircm forccedila econocircmica eou poliacutetica

para criar eou fortalecer uma cultura de dependecircncia eou de desestiacutemulo ao trabalho nesses

segmentos conforme divulgam a grande miacutedia e demais setores neoliberais representantes da

nova direita O que de fato estaacute ocorrendo eacute um alto iacutendice de desemprego de caraacuteter

estrututral e um mercado com baixiacutessimo potencial de oferta de trabalho o que tem levado a

um cenaacuterio de quase total ausecircncia de possibilidades de trabalho e portanto de aumento de

renda de um nuacutemero expressivo de famiacutelias cujos membros encontram-se desempregados ou

em empregos de baixa qualificaccedilatildeo eou remuneraccedilatildeo

257

Ademais a ausecircncia de condiccedilotildees de acesso a bens e serviccedilos sociais de

qualidade e de oportunidades de trabalho ou a oferta de trabalhos precaacuterios eacute uma questatildeo

estrutural que demanda poliacuteticas puacuteblicas redistributivas Essa realidade eacute bem diferente da

posiccedilatildeo recorrente de se estigmatizar esses segmentos culpabilizando-os pelo proacuteprio

insucesso ou por sua ineacutercia eou vocaccedilatildeo para o oacutecio Esta eacute sem duacutevida mais uma

expressatildeo do processo de vitimizaccedilatildeo a que essas famiacutelias vecircm sendo submetidas para

justificar a ausecircncia de compromisso eacutetico e ciacutevico do Estado e da sociedade na

viabilizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas universalizadoras e de bem-estar que certamente

resgatariam aleacutem da cidadania autonomia e o poder de vocalizaccedilatildeo a dignidade humana

desses cidadatildeos

Contudo nem soacute de renda monetaacuteria se constitui a poliacutetica social Outros

elementos como serviccedilos sociais puacuteblicos de qualidade extrapolam a renda seja como

salaacuterio seja como provisatildeo assistencial No que diz respeito ao salaacuterio miacutenimo vale fazer

uma pequena digressatildeo histoacuterica que ajuda a entender a demora brasileira em instituir

programas de transferecircncia de renda que natildeo estivessem relacionados com o trabalho a

sobrevivecircncia bioloacutegica eou com a contribuiccedilatildeo previdenciaacuteria

Ao pautar-se por uma concepccedilatildeo profissional de seguranccedila social ao estilo

bismarckiano o entatildeo Presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas criou em 1940 o salaacuterio

miacutenimo como base de subsistecircncia sem qualquer vinculaccedilatildeo agrave ideacuteia de seguranccedila e ou de

proteccedilatildeo social puacuteblica ao trabalhador Com isso entendia estar constitucionalmente

garantido agrave populaccedilatildeo econocircmicamente ativa o direito de viver por meio da sua

participaccedilatildeo no mercado de trabalho Sendo assim o trabalho era visto como meio para

sobreviver e natildeo como espaccedilo de socializaccedilatildeo e de produccedilatildeo de bens e serviccedilos gerados

socialmente para o bem estar de todos

Percebe-se portanto que enquanto na Europa o Estado de Bem estar sob a

eacutegide do modelo beveridgiano e keynesiano-fordista construiacutea e aplicava conceitos de

poliacuteticas sociais puacuteblicas e universalizadoras associadas ao pleno emprego no Brasil

tomava-se o caminho inverso Getuacutelio Vargas estendia o escopo da legislaccedilatildeo trabalhista

criada nos anos 1930 sob pressatildeo da classe trabalhadora mas sem avanccedilar como fez

Beveridge na Inglaterra para aleacutem dos limites laborais

Tais atitudes demonstram que o Estado brasileiro reconhecia financiava e

afianccedilava o direito ao trabalho dos capacitados para tal (cidadatildeos inseridos no mercado de

trabalho) zelando minimanente pela sua possibilidade de comprar alimentaccedilatildeo vestuaacuterio

258

higiene e transporte Mas extrapolando tais medidas nada estava planejado e

institucionalizado em relaccedilatildeo ao bem estar dos cidadatildeos natildeo inseridos no mercado de

trabalho Dessa forma ainda que tais iniciativas do governo de Getuacutelio tenham se

caracterizado como as primeiras experiecircncias brasileiras na aacuterea trabalhista e da

previdecircncia social a sua contribuiccedilatildeo para os atuais programas de transferecircncia de renda

reside na estipulaccedilatildeo de uma referecircncia monetaacuteria nominal Mas paradoxalmente dada agrave

perda real do poder de compra do salaacuterio miacutenimo atual (R$ 38000 em abril de 2007) a

sua referecircncia mais ajuda a focalizar essas tranferecircncias do que ampliaacute-las

Para Sposati (1997 p 111) a ausecircncia de um princiacutepio universal sobre quais

necessidades devem ser cobertas pelo salaacuterio miacutenimo quantas pessoas deve responder e

sobretudo qual padratildeo de qualidade deve ser afianccedilado terminou por desvincular o salaacuterio

miacutenimo de sua efetiva finalidade Sposati entende que no contexto do debate sobre

programas de renda miacutenima eacute importante ter presente as relaccedilotildees de complementaridade

eou de substituiccedilatildeo ao salaacuterio miacutenimo que a renda miacutenima possa significar uma vez que

nenhuma proposta de renda miacutenima deve fragilizar o salaacuterio baacutesico mas sim fortalececirc-lo

(1997 p 112) Paradoxalmente em 2007 o salaacuterio miacutenimo continua sendo o primeiro

fator de pobreza da populaccedilatildeo brasileira pelo fato de natildeo se constituir ainda em uma

forma de renda miacutenima justa e universal capaz de promover a cobertura das necessidades

baacutesicas (e natildeo miacutenimas ) do cidadatildeo e de sua famiacutelia fundamentada em princiacutepios de

equumlidade e de justiccedila social redistributiva

Sobre os programas de transferecircncia de renda brasileiros Silva (2002 p 362))

informa que a categorizaccedilatildeo feita desses programas de abrangecircncia federal confirma a

modalidade neoliberal prevalente de poliacutetica social assistencial adotada no paiacutes A autora

situa o debate sobre os programas de transferecircncia de renda no contexto de hegemonia da

ofensiva neoliberal e do desmonte do sistema de proteccedilatildeo social brasileiro com retraccedilatildeo do

Estado no campo da provisatildeo social puacuteblica Nessa perspectiva tais programas passaram a

integrar a agenda puacuteblica a partir de 1991 e se concretizaram como proposta a partir de

1995 (governo Fernando H Cardoso) mas a sua grande expansatildeo se deu a partir de 2001

Silva (2002) privilegiou em seu estudo dentre outros aspectos a dimensatildeo qualitativa e

quantitativa dos seguintes programas federais de caraacuteter permanente Benefiacutecio de

Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) Programa de Erradicaccedilatildeo do Trabalho Infantil (PETI) Bolsa-

Escola Bolsa-Alimentaccedilatildeo Agente Jovem Auxiacutelio Gaacutes e Previdecircncia Rural Ao final sua

pesquisa confirma a prevalecircncia de uma modalidade problemaacutetica de poliacutetica social

259

brasileira com a qual essa tese se identifica ou seja natildeo redistributiva com funccedilatildeo

meramente complementar e compensatoacuteria e sem um efetivo controle democraacutetico

710 Configuraccedilatildeo do principal programa de transferecircncia de renda no Brasil ndash O

Bolsa Famiacutelia (PBF)

Com base em dados do MDS (2005) e IPEA (2003) a unificaccedilacirco dos

programas de transferecircncia de renda brasileiros se deu no dia 12 de junho de 2003 pelo

entatildeo Presidente da Repuacuteblica Luis Inaacutecio Lula da Silva tendo em vista uma nova

integraccedilatildeo federativa O discurso justificador do governo federal para a unificaccedilatildeo de tais

programas foi o de evitar a fragmentaccedilatildeo das poliacuteticas sociais e de construir uma poliacutetica

de transferecircncia de renda com participaccedilatildeo direta dos governos de Estados e municiacutepios O

Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) (denominaccedilatildeo dada ao programa unificado) foi lanccedilado em

20 de outrubro de 2003 com clara definiccedilatildeo de divisatildeo de responsabilidades entre a Uniatildeo

e os governos estaduais e municipais Constituem princiacutepios norteadores do PBF a

descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa o controle democraacutetico e a intersetorialidade na

perspectiva de uma gestatildeo compartilhada

Segundo documentos do MDS (2005) a intersetorialidade entendida como a

interaccedilatildeo entre as poliacuteticas de assistecircncia social sauacutede e educaccedilatildeo busca superar o vieacutes

setorial das poliacuteticas sociais com o objetivo de consolidar uma estrateacutegia de inclusatildeo

social Na definiccedilatildeo das competecircncias essas aacutereas tecircm um papel ativo e participativo na

gestatildeo em particular no cumprimento das condicionalidades do programa (tambeacutem

denominadas contrapartidas sociais) como tambeacutem no controle democraacutetico (articulaccedilatildeo

com os conselhos setoriais e de direitos) A descentralizaccedilatildeo estaacute vinculada ao mecanismo

de repasse dos recursos financeiros diretamente aos beneficiaacuterios Aos Estados reservou-se

o papel de coordenadores do PBF no acircmbito dos municiacutepios garantindo apoio teacutecnico ao

programa Aos municiacutepios coube o cadastramento das famiacutelias a aacuterdua funccedilatildeo de

identificaccedilatildeo dos segmentos que se enquadram no perfil do referido programa aleacutem da

garantia da oferta de serviccedilos sociais baacutesicos (assistecircncia sauacutede e educaccedilatildeo) considerados

complementares ao PBF

Por princiacutepio o controle democraacutetico constitui o exerciacutecio por excelecircncia da

democracia direta realizada pela sociedade civil com vista a acompanhar e exigir

260

satisfaccedilotildees do poder estatal a respeito da conduccedilatildeo das poliacuteticas que lhe competem

administar Uma das principais esferas puacuteblicas de controle democraacutetico satildeo os conselhos

gestores de composiccedilatildeo paritaacuteria e deliberativa organizados em torno das vaacuterias poliacuteticas

puacuteblicas em accedilatildeo Portanto os conselhos deveratildeo exercer fiscalizaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo do

programa desde que assegurem a intersetorialidade entre representantes de agecircncias

governamentais e natildeo-governamentais Por fim em relaccedilatildeo aos criteacuterios de acesso agraves

condicionalidades e ao valor (baacutesico e variaacutevel) dos benefiacutecios dos programas de

transferecircncia de renda ver quadro abaixo

Quadro 24 Programas Transferecircncia de Renda ndash Fome Zero ndash MDS ndash Relaccedilatildeo de criteacuterio

de acesso condicionalidade e valor dos benefiacutecios

Benefiacutecios Criteacuterio de acesso Condicionalidades Valor benefiacutecio

Bolsa Famiacutelia (2003)

Benefiacutecio baacutesico famiacutelias com renda per capita de ateacute R$ 5000

Benefiacutecio variaacutevel famiacutelias que tenham em sua composiccedilatildeo gestantes nutrizes crianccedilas entre zero e doze anos e adolescentes ateacute quinze anos cuja renda per capita seja de ateacute R$ 10000

Matriacutecula e frequumlecircncia miacutenima de 85 da carga horaacuteria escolar de todas as crianccedilas de 6 a 15 anos

Participaccedilatildeo processo educa-cional e programas de sauacutede exame preacute-natal acompanha-mento nutricional e de sauacutede

Benefiacutecio baacutesico R$ 5000

Benefiacutecio variaacutevel no valor de R$ 1500 por beneficiaacuterio ateacute o limite de R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Cartatildeo Alimentaccedilatildeo (2003)

Pessoa ou famiacutelia com renda familiar mensal per capita de ateacute meio salaacuterio miacutenimo

Participaccedilatildeo das famiacutelias benefi-ciadas em atividades comunitaacuterias e educativas

R$ 5000

Bolsa Alimentaccedilatildeo (1990)

Crianccedilas ateacute 6 anos gestantes e matildees no periacuteodo de amamentaccedilatildeo ateacute seis meses em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Famiacutelia se compromete a realizar uma Agenda de Compromissos em sauacutede que consiste em accedilotildees baacutesicas como preacute-natal vacinaccedilatildeo acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil e atividades educativas em sauacutede e nutriccedilatildeo

De R$ 1500 a R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Bolsa Escola (2001)

Crianccedilas de 6 a 15 anos em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Matriacutecula e frequumlecircncia miacutenima de 85 da carga horaacuteria escolar de todas as crianccedilas de 6 a 15 anos

De R$ 1500 a R$ 4500 (ateacute o limite de trecircs crianccedilas)

Auxiacutelio Gaacutes (2002)

Famiacutelias com renda mensal per capitatilde de meio salaacuterio miacutenimo

R$ 750 ao mecircs por famiacutelia pago bimestralmente em parcelas de R$ 1500

PETI (1995)

Crianccedilas de 7 a 15 anos envolvidas com trabalho insalubre penoso ou degradante em famiacutelias com ateacute meio salaacuterio miacutenimo per capita

Frequumlecircncia miacutenima de 75 na escola e na jornada ampliada

Natildeo retorno ao trabalhos dos filhos menores de 16 anos

Participaccedilatildeo das famiacutelias nas accedilotildees soacutecio-educativas e de ampliaccedilatildeo de geraccedilatildeo de renda

R$ 2500 por crianccedila na aacuterea rural e R$ 4000 na aacuterea urbana

Agente Jovem (2001)

Jovens de 15 a 17 anos residentes em comunidades de baixa renda cuja renda familiar per capita seja de ateacute meio salaacuterio miacutenimo

Frequumlecircncia miacutenima de 75 nas atividades de ensino e capacitaccedilatildeo teoacuterico-praacutetica

R$ 6500 por mecircs

BPC

Idosos a partir de 67 anos e

1 salaacuterio miacutenimo

261

Benefiacutecios Criteacuterio de acesso Condicionalidades Valor benefiacutecio

(1995) portadores de deficiecircncia com renda per capita inferior a um quarto do salaacuterio miacutenimo

Benefiacutecio criado no Governo Lula Fonte Ministeacuterio de Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome-MDS 2004

Para o MDSPBF (2005) as condicionalidades satildeo compromissos sociais

assumidos pelas famiacutelias beneficiaacuterias do PBF estando vinculadas aos seguintes objetivos

certificar o compromisso e responsabilidade das famiacutelias atendidas aumentar a autonomia

dessas famiacutelias na perspectiva da inclusatildeo social e ampliar as suas possibilidades de

geraccedilatildeo de renda No discurso oficial tais condicionalidades representam ainda a

ampliaccedilatildeo do acesso dos cidadatildeos aos seus direitos sociais baacutesicos e agrave prestaccedilatildeo de deveres

ciacutevicos A concessatildeo dos benefiacutecios condicionados agrave renda como eacute o caso do Bolsa

Famiacutelia (BPC) estaacute vinculada a accedilotildees obrigatoacuterias acompanhadas pelos Ministeacuterios da

Sauacutede e da Educaccedilatildeo Em relaccedilatildeo agrave sauacutede as referidas condicionalidades (ou

contrapartidas sociais) do PBF consistem em a) frequecircncia miacutenima de 85 da carga

horaacuteria escolar (crianccedilas e adolescentes de 6 a 15 anos) b) acompanhamento na aacuterea de

sauacutede do estado nutricional da gestante (cartatildeo da gestante) bem como da participaccedilatildeo em

atividades de educaccedilatildeo alimentar aleitamento exame preacute-natal e outros Em relaccedilatildeo agrave

educaccedilatildeo (Portaria MECMDS nordm 3789 de 17 de novembro de 2004) eacute exigido o

comprovante de matriacutecula de crianccedilas e adolescentes de 6 a 15 anos na escola mediante a

garantia de frequumlecircncia miacutenima de 85 das aulas a cada mecircs

Entretanto na percepccedilatildeo desta tese a ideacuteia de que as condicionalidades

representam garantia de acesso a direitos constrasta com a concepccedilatildeo de bens e serviccedilos

sociais como bens puacuteblicos que deveriam estar agrave disposiccedilatildeo de todos Isso porque

entende-se que eacute exatamente a ausecircncia da garantia de direitos sociais baacutesicos que coloca

essa populaccedilatildeo beneficiaacuteria na condiccedilatildeo de puacuteblico-alvo de programas sociais ainda que

residuais seletivos e focalizadores Portanto na verdade a existecircncia desses programas

revela a enorme diacutevida social histoacuterica do Estado brasileiro para com esses segmentos (que

deve ser resgatada com urgecircncia) para quem todas as poliacuteticas sociais jaacute falharam

restando tal como vem acontecendo na maior parte do mundo os mecanismos de

transferecircncias diretas de renda

Em relaccedilatildeo agrave gestatildeo do PBF foi defindo como gestor principal um oacutergatildeo

colegiado de caraacuteter deliberativo inicialmente vinculado ao Gabinete da Presidecircncia da

262

Repuacuteblica e ao MDS denominado Conselho Gestor do Programa Bolsa Famiacutelia- CGPBF

A finalidade principal desse oacutergatildeo por sua proacutepria natureza eacute formular e integrar as

poliacuteticas puacuteblicas definir diretrizes normas e procedimentos mais gerais sobre a

implementaccedilatildeo do programa Quanto ao iacutetem transferecircncia do beneficio o Brasil inovou ao

utilizar o cartatildeo eletrocircnico enquanto os demais paiacuteses ainda fazem a entrega desse tipo de

beneficio (transferecircncia de renda) em espeacutecie

No acircmbito financeiro o agente operador do programa eacute a Caixa Econocircmica

Federal que tem como principais responsabilidades emitir o referido Cartatildeo atribuir a cada

pessoa da famiacutelia cadastrada um nuacutemero de identificaccedilatildeo social-NIS notificar o titular sobre

sua concessatildeo e proceder a entrega do mesmo Uma das exigecircncias eacute de que seja entregue

prioritariamente agrave mulher (chefe de famiacutelia) ou em seu impedimento ou ausecircncia a outro

membro responsaacutevel pela famiacutelia e ainda divulgar o calendaacuterio de pagamento do benefiacutecio

No acircmbito das trecircs esferas o responsaacutevel pelo acompanhamento das famiacutelias e pela

operacionalizaccedilatildeo do programa eacute o municiacutepio apoacutes a coleta de dados das famiacutelias de baixa

renda (carcteriacutesticas do domiciacutelio composiccedilatildeo familiar qualificaccedilatildeo profissional e escolar dos

membros da famiacutelia rendimentos e despasas familiares) em formulaacuterio especiacutefico para esta

finalidade O MDS disponibiliza na Internet (wwwmdsgovbr) a relaccedilatildeo das famiacutelias em

situaccedilatildeo de descumprimento das condicionalidades As sanccedilotildees estabelecidas pelo PBF satildeo

gradativas isto eacute evoluem de uma advertecircncia inicial ateacute chegar a um possiacutevel bloqueio eou

cancelamento do benefiacutecio

Como criteacuterios de acesso ao cartatildeo magneacutetico foram priorizados inicialmente

os municiacutepios com ateacute 30000 habitantes localizados na regiatildeo nordeste bem como

famiacutelias que natildeo recebiam nenhum outro beneficio social do Governo Federal Os

beneficiaacuterios satildeo inscritos no Cadastro Uacutenico dos Programas Sociais do Governo federal

(CadUacutenico) com base no Decreto nordm 3877 de 24 de julho de 2001 e conforme criteacuterios de

elegibilidade vatildeo sendo integrados ao programa de forma gradual e progressiva O

CadUacutenico conteacutem informaccedilotildees que podem ser acessadas pelos governos municipais

estaduais e federal para se obter o diagnoacutestico soacutecio-econocircmico das famiacutelias cadastradas

Devem cadastrar-se as famiacutelias com renda mensal de ateacute meio salaacuterio miacutenimo por pessoa

263

711 Programa Bolsa Famiacutelia estrateacutegias gasto social financiamento perspectivas e

tendecircncias

Desde a implantaccedilao do PBF percebe-se por parte do governo federal um

esforccedilo em ampliar as metas de cobertura social do programa estabelecidas em 114 milhotildees de

famiacutelias ateacute o final de 2006 Indiscutivelmente trata-se do programa social de maior

prioridade do governo federal Com base em dados fornecidos pelo MDS (2004) para o

alcance dessas metas o apoio financeiro do BID e do Banco Mundial tem sido fundamental

(apud STEIN 2005 p 332)62 pois como admite o proacuteprio Banco (2003) ldquoseu papel em

apoiar as principais reformas de poliacuteticas e investimentos inovadores e eficientes com o

objetivo de aumentar o bem-estar dos brasileiros em particular dos pobres natildeo se restringe aos

empreacutestimosrdquo Em junho de 2004 o Banco Mundial aprovou um empreacutestimo no valor de US

5722 milhotildees para o periacuteodo 20042006 e outro no valor de US5022 milhotildees para o periacuteodo

20072008 Segundo o proacuteprio Banco tais empreacutestimos representam somente 04 do PIB

nacional e menos de 4 do financiamento externo

Quanto aos recursos do Orccedilamento Federal (destino montante) referentes a

despesas realizadas com os Programas de Transferecircncia de Renda MiacutenimaMinisteacuterio do

Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome (MDS) os mesmos estatildeo dimensionados

conforme a tabela 21 a seguir que demonstra o montante de recursos financeiros e

investimentos feitos pelo MDS junto aos programas de geraccedilatildeo de trabalho e de

transferecircncia de renda (tambeacutem denominados programas complementares (PBF) Bolsa

Escola Bolsa Alimentaccedilatildeo Cartatildeo Alimentaccedilatildeo e Auxiacutelio Gaacutes) e os recursos repassados

aos programas de assistecircncia social (denominados remanescentes) em todo o paiacutes no ano

de 2005 (26 Estados 5563 municiacutepios e DF) com destaque para os recursos destinados

ao Bolsa Famiacutelia aacuterea de prioridade do governo federal com 71 de famiacutelias pobres

atendidas atingindo a cifra de $71 bilhocirces (dado atualizado em outubro de 2005)

62 Ver tese de doutorado de Stein (2005) sobre a identificaccedilatildeo das caracteriacutesticas especificidades e alcance das poliacuteticas de transferecircncia de renda bem como o caraacuteter assumido por essas poliacuteticas no contexto da proteccedilatildeo social e das poliacuteticas de combate agrave pobreza no Continente Latino Americano e no Europeu O estudo de Stein (idem) trata do processo de reestruturaccedilatildeo do Estado capitalista e do papel das poliacuteticas sociais na garantia dos direitos sociais Em uma perspectiva comparativa analisa como tendecircncia contemporacircnea mundial o tratamento dado agrave assistecircncia social descolado da concepccedilatildeo de direito Stein chama a atenccedilatildeo para o desafio de se continuar na luta em defesa dessa poliacutetica social como direito de cidadania

Tabela

Fonte DispBalanccedilo MDS 2006

os principais

Tabela

21 Investimentos MDS

Fonte Disponiacutevel no site Balanccedilo MDS 2006 -

A tabela

os principais programas e

Investimentos MDS

oniacutevel no site httpwwwmdsgovbrascomhot

Programas Sociais

abela

22 apresenta

rogramas e accedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

Investimentos MDS

httpwwwmdsgovbrascomhotProgramas Sociais

apresenta

um relatoacuterio

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

httpwwwmdsgovbrascomhot

ndash sitebalanco

elatoacuterio comparativo de

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

sitebalanco

ndash mdsgeralhtm

omparativo de p

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

mdsgeralhtm

poliacuteticas sociais contendo

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

264

ociais contendo

ccedilotildees sociais desenvolvidas no periacuteodo de 2002 a 2005

264

ociais contendo

Tabela

Fonte Balanccedilo MDS 2005 Disponiacutev

verifica

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Tabela

22 Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Balanccedilo MDS 2005 Disponiacutevel no site httpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

verifica-se que no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Balanccedilo MDS 2005 - Programas Sociaishttpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

Programas e Accedilotildees)

Programas Sociais

httpwwwmdsgovbrascomhot

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais

httpwwwmdsgovbrascomhot

ndash sitebalanco

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

Relatoacuterio Comparativo de Poliacuteticas Sociais ndash 2002 a 2005 (Principais

sitebalanco

ndash mdscomparativohtm

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

no acircmbito do Programa Fome Zero (programa guarda

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

2002 a 2005 (Principais

mdscomparativohtm

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

guarda-chuva

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

265

2002 a 2005 (Principais

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

chuva que abriga

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

265

2002 a 2005 (Principais

Do ponto de vista do gasto social do governo brasileiro com a aacuterea social

que abriga

dentre outros o Bolsa Famiacutelia) quando comparado agrave dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria dos anos de

266

2003 a 2005 o crescimento dos recursos ficou na ordem de 113 ficando a maior parte

dos recursos localizada no Bolsa Famiacutelia Isso equivale dizer que tais recursos

representaram nos uacuteltimos anos no conjunto do financiamento destinado aos programas

sociais pelo Governo Federal percentuais que correspondem ao valor de 5722 em

2003 6117 em 2004 e 5427 em 2005 (idem) Tais indicadores demonstram a

prioridade dada pelos governos brasileiros na uacuteltima deacutecada agraves poliacuteticas de transferecircncia

de renda vistas como a principal (e uacutenica) estrateacutegia de combate agrave pobreza A corrida para

se atingir metas quantitativas torna-se ainda mais preocupante quando se avalia o grande

apelo e o potencial eleitoral que essas poliacuteticas tecircm

Com base em documento do MDSSAS-PNASNOBSUAS (2005) se

comparados os gastos puacuteblicos com a assistecircncia social brasileira em relaccedilatildeo ao PIB

(medido a preccedilos de mercado pelo IBGE) nota-se uma miacutenima ampliaccedilatildeo da

participaccedilatildeo nessa aacuterea Em 2002 o PIB nacional foi de R$1364028 milhatildeo dos quais

apenas 074 referem-se agrave aacuterea da assistecircncia Enquanto isso constata-se que a

seguridade social brasileira participa com 79 dos recursos do Orccedilamento Geral da

Uniatildeo ou seja haacute uma altiacutessima concentraccedilatildeo de recursos da Uniatildeo repassados agrave

seguridade social que se alojam na previdecircncia social Em 2003 foram gastos apenas

081 do PIB com a poliacutetica de assistecircncia social Pesquisa realizada por Boschetti

(apud STEIN 2005 p 335) revela que os recursos destinados agrave previdecircncia equivalem a

5820 (dos quais 5428 referem-se agrave previdecircncia social baacutesica) os destinados agrave sauacutede

equivalem a 1481 e no acircmbito da assistecircncia social o orccedilamento destinado a esta

poliacutetica restringe-se a 588 do total de recursos da seguridade social Importante

destacar que tais recursos da assistecircncia social satildeo distribuiacutedos da seguinte forma 253

para o BPC (1995) 217 para o Bolsa Famiacutelia 080 para o beneficio Renda Mensal

Vitaliacutecia (RMV) e o restante 048 para outras accedilotildees sociais incluindo os programas

PETI (1995) e Agente Jovem (2001)

Nas duas figuras a seguir 12 e 13 em uma perspectiva comparada vale

destacar a escalada progressiva da cobertura dada pelo governo federal ao financiamento

do Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) considerando a natildeo exigecircncia de

condicionalidades o nuacutemero de pessoas beneficiadas (figura 12) e o investimento anual

em milhotildees de R$ (figura 13) no periacuteodo de 1995 a 2003

267

Fonte MDS - Anaacutelise comparativa dos programas de proteccedilatildeo socialBPC 1995-2003

Figura 12 BPC ndash Pessoas beneficiadas (posiccedilatildeo no mecircs de referecircncia)

(1) Total de pessoas beneficiadas em dezembro de cada ano () Entre 96 e 2001 os dados foram obtidos junto agrave Gerecircncia do BPC no proacuteprio Ministeacuterio do Desenvolvimento Social () Para 2002 e 2003 dados extraiacutedos de relatoacuterio de Evoluccedilatildeo do Orccedilamento e Execuccedilatildeo 1997-2003 do Fundo Nacional de Assistecircncia Social

Fonte MDS - Anaacutelise Comparativa de Programas de Proteccedilatildeo SocialBPC 1995-2003

Figura 13 BPC ndash Investimento Anual (em milhotildees de R$)

(1) Investimento realizado durante o ano de referecircncia para atendimento agraves pessoas que receberam o benefiacutecio-valores expressos em R$ correntes () Entre 96 e 2001 os dados foram obtidos junto agrave Gerecircncia do BPC no proacuteprio Ministeacuterio do Desenvolvimento Social () Para 2002 e 2003 dados extraiacutedos de relatoacuterio de Evoluccedilatildeo do Orccedilamento e Execuccedilatildeo 1997-2003 do Fundo Nacional de Assistecircncia Social Fonte MDS - Anaacutelise comparativa dos programas de proteccedilatildeo socialBPC 1995-2003

00017234

76973113420

153312

200147

269402

353961

450568

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Figura 13 _ BPC - Investimento Anual(em milhotildees de R$)

268

Com base no Balanccedilo MDSBPC de 2006 sobre os programas sociais a

expansatildeo da cobertura do BPC continua uma vez que em 2004 foram atendidas 21

milhotildees de pessoas e realizado um gasto de R$76 bilhotildees Em 2005 o atendimento e o

gasto saltaram respectivamente para 27 milhotildees de pessoas e R$ 85 bilhotildees Atualmente

(2007) os gastos atingem o patamar de R$ 11 bilhocirces

A distribuiccedilatildeo de tais recursos financeiros no acircmbito da seguridade social

conforme analisa Boschetti (apud STEIN 2005) favorece a poliacutetica macro econocircmica

brasileira na medida em que parte desses recursos eacute apropriada pelo executivo nacional

por meio da chamada Desvinculaccedilatildeo da Receita da Uniatildeo (DRU) criada pela Emenda

Constitucional ndeg 27 de 2000 que autoriza a desvinculaccedilatildeo de oacutergatildeo ou Fundo de 20 da

arrecadaccedilatildeo de impostos e contribuiccedilotildees sociais da Uniatildeo podendo ser utilizada fora do

acircmbito da seguridade social Ocorre que historicamente os governos brasileiros sempre

transferiram recursos da seguridade social para atender interesses financeiros no acircmbito da

economia Somente no ano de 2004 na execuccedilatildeo do Orccedilamento da Seguridade Social

foram retidos pelo Tesouro Nacional e transferidos para a esfera financeira R$ 425

bilhotildees (BOSCHETTI apud STEIN 2005) O estudo de Boschetti comprova ainda que o

superaacutevit gerado pela seguridade social (pois ao contraacuterio do que eacute oficilmente divulgado

ela eacute superavitaacuteria e natildeo deficitaacuteria) tem possibilitado aos uacuteltimos governos brasileiros o

incremento de acordos internacionais com organismos multilaterais (a exemplo do FMI)

em detrimento da ampliaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo dos recursos arrecadados e direcionados para

atividades fins na aacuterea social Como avaliaccedilatildeo das tendecircncias verificadas nos programas

brasileiros de transferacircncia de renda percebe-se que a aacuterea social natildeo deve ficar

condicionada agrave implementaccedilatildeo de poliacuteticas restritas e focalizadas e que a erradicaccedilatildeo da

pobreza no Brasil passa necessariamente pela discussatildeo e implementaccedilatildeo de mecanismos

redistributivos e por mudanccedilas estrateacutegicas na conduccedilatildeo da poliacutetica econocircmica Trata-se de

compatibilizar crescimento econocircmico com desenvolvimento social Ademais os nuacutemeros

revelam que o repasse de recursos para os programas de transferecircncia de renda se restringe

e eacute direcionado a um puacuteblico-alvo em condiccedilotildees severas de pobreza (pobreza absoluta)

Daiacute a prioridade dada ao atendimento agraves suas necessidades miacutenimas de sobrevivecircncia e

natildeo aacutes suas necessidades baacutesicas mediante o repasse de serviccedilos puacuteblicos de qualidade O

criteacuterio de elegibilidade utilizado pelo PBF (corte de pobreza com base na renda percapita

familiar) o torna distinto dos demais programas eou benefiacutecios na medida em que a linha

de pobreza anteriormente fixada em ateacute meio salaacuterio miacutenimo nacional tem caraacuteter

269

restritivo O criteacuterio adotado pelo PBF estabelece como limite de atendimento o valor

fixado em cinquumlenta (para o acesso ao beneficio baacutesico o que equivale a 1666 do atual

salaacuterio miacutenimo) e cento e vinte reais (para o acesso ao beneficio variaacutevel o que equivale a

3333 do salaacuterio miacutenimo) Portanto na melhor das hipoacuteteses tais beneficios natildeo

alcanccedilam sequer as famiacutelias com renda percapita de meio salaacuterio miacutenimo Nesse sentido

as famiacutelias brasileiras que se encontram na faixa de pobreza relativa (nesse caso especiacutefico

com renda familiar percapita acima de meio salaacuterio miacutenimo) teratildeo seu atendimento

adiado ateacute que as famiacutelias situadas na pobreza absoluta sejam atendidas com poliacuteticas

emergenciais e compensatoacuterias

Msmo assim dados obtidos em pesquisas recentes como os apresentados

Rocircmulo Paes (apud STEIN 2005 p 338) em Seminaacuterio Internacional revelam impacto

positivo do PBF em especial no acircmbito da educaccedilatildeo e do combate agrave fome a saber a) mais

de 75 das famiacutelias beneficiadas gasta mais do que 75 do beneficio com alimentaccedilatildeo b)

em 89 das famiacutelias as crianccedilas frequumlentam a escola todos os dias da semana e em 7

das famiacutelias essa frequumlecircncia foi de 4 dias c) 98 das crianccedilas entre 7 e 15 anos de idade

de famiacutelias beneficiadas encontram-se matriculados na rede escolar sendo 962 em

estabelecimentos da rede puacuteblica d) em 76 das referidas famiacutelias o dinheiro do

beneficio eacute administradogasto por uma mulher e) o valor meacutedio do beneficio recebido

proporciona um acreacutescimo de 212 na renda familiar

Contudo apesar dos dados apresentados por essa pesquisa e dos dados do

PNAD (2004) confirmarem de forma positiva uma pequena reduccedilatildeo nos iacutendices de

desigualdade social mediante um recuo de 0554 (2003) para 0547 (2004) do Iacutendice de

Gini (que mede o grau de desigualdade de renda no paiacutes) entre 2003 e 2005 haacute que se

ultrapassar no Brasil o caraacuteter focalizador e restritivo das poliacuteticas de transferecircncia de

renda e de combate agrave pobreza tornando-as objeto de poliacuteticas puacuteblicas e universalizadoras

(para todos) bem como sua constituiccedilatildeo e identificaccedilatildeo como uacutenica possibilidade (e natildeo

uma dentre outras) de garantia da cidadania social baacutesica das famiacutelias beneficiaacuterias

CAPIacuteTULO VIII

ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA AMEacuteRICA LATINA E NO BRASIL

PROMESSA DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS

81 Implicaccedilotildees natildeo redistributivas do pluralismo de bem-estar

Ao se refletir sobre as implicaccedilotildees sociais do neoliberalismo considera-se

pertinente adotar o enfoque redistributivista (KLIKSBERG 2001) como referecircncia

na anaacutelise de importantes mecanismos de reproduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade

gerados por este modelo soacutecioeconocircmico tais com inflaccedilatildeo desemprego restriccedilotildees

de acesso a poliacuteticas sociais estruturais (sauacutede educaccedilatildeo assistecircncia e outras) e o

escasso efeito redistributivo nos investimentos e gastos sociais Partindo do

pressuposto de que a reduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade constitui natildeo soacute um

imperativo poliacutetico mas tambeacutem moral e ciacutevico o enfoque redistributivista

pressupotildee que no processo de enfrentamento de problemas sociais estruturais

mudanccedilas de mentalidade e de cultura poliacutetica deveratildeo ocorrer sobretudo na defesa

de poliacuteticas ativas de perfil progressivo e redistributivista como contraponto ao

receituaacuterio neolberal Fica claro o reconhecimento dos limites do economicismo no

trato dessas questotildees visto que as diferenccedilas de renda satildeo consideradas apenas um

dos aspectos dos fenocircmenos da pobreza e da desigualdade Haacute que se encarar os

gastos sociais puacuteblicos natildeo como mera despesa mas como investimento social que

poderaacute trazer elevada taxa de retorno econocircmico tal como procedem desde os anos

1990 os paiacuteses escandinavos no enfrentamento das mazelas causadas pelo

neoliberalismo (ESPING-ANDERSEN 1995) Tais gastos devem estabelecer um

contraponto ao fosso que vem se aprofundando entre ricos e pobres especialmente na

Ameacuterica Latina e no Brasil em que de um lado um setor moderno e dinacircmico da

economia coexiste naturalmente com outro atrasado e estagnado comprometendo

seriamente a convivecircncia democraacutetica entre os cidadatildeos Tal situaccedilatildeo poreacutem natildeo

constitui uma fatalidade histoacuterica ou uma forccedila inexoraacutevel (sem possibilidade de

retorno) no entendimento desta tese e de vaacuterios pesquisadores Daiacute a importacircncia de

271

se evitar anaacutelises simplistas e fatalistas diante da complexidade dessa situaccedilatildeo ateacute

porque como diz Kliksberg (2001) a pobreza real na Ameacuterica Latina eacute maior do que

a informada por pesquisas convencionais63 Trata-se segundo esse autor de um caso

anti-exemplar produtor de desajustes muacuteltiplos a partir de sucessivos efeitos

recessivos Em vista disso recomenda-se aos paiacuteses latino-americanos um modelo de

desenvolvimento compartilhado que envolva de forma efetiva a participaccedilatildeo das

comunidades carentes no planejamento e na implementaccedilatildeo de programas sociais

descentralizando-os para regiotildees e municiacutepios Ao priorizar os temas sociais no

debate poliacutetico associando-os agrave busca da equumlidade social e da democracia na

Ameacuterica Latina Kliksberg (2001) propotildee medidas como reforma do Estado

(administrativa e previdenciaacuteria) qualificaccedilatildeo da gestatildeo social puacuteblica e

enfrentamento do desenvolvimento dual (incluindo as disparidades regionais tambeacutem

comuns em paiacuteses europeus como a Itaacutelia) Inclui tambeacutem nessas disparidades o

desequiliacutebrio entre de um lado a riqueza dos recursos naturais de mateacuterias-primas

estrateacutegicas de fontes de energia baratas de capacidade de produccedilatildeo agro-pecuaacuteria e

outras potencialidades existentes na Ameacuterica Latina e no Brasil e de outro a

desumana situaccedilatildeo de penuacuteria e pobreza que afeta diretamente a otimizaccedilatildeo das

necessidades baacutesicas das populaccedilotildees desses paiacuteses Para Kliksberg (2001) haacute que se

utilizar um enfoque apropriado agrave formulaccedilatildeo de indagaccedilotildees cruciais sobre a estrutura

e a evoluccedilatildeo desses fenocircmenos para entatildeo se construir uma base de ideacuteias coletivas

sobre como enfrentaacute-los para aleacutem das variaacuteveis econocircmicas Ou melhor um enfoque

muacuteltiplo redistributivista que inclui as dimensotildees poliacutetica e social e as articula agraves

relaccedilotildees de poder e de economia em suas dimensotildees qualitativa e quantitativa Dessa

feita a anaacutelise dos processos poliacuteticos das lutas sociais do efeito das poliacuteticas

sociais estruturais da capacidade da sociedade civil de exercer o efetivo controle

63 Kliksberg (2001) chama a atenccedilatildeo para estudos recentes que apontam para a necessidade de se reexaminar eou ampliar os modelos de anaacutelise de desenvolvimento das economias latino-americanas Isso porque os prognoacutesticos apresentados mostraram-se faliacuteveis e com seacuterias limitaccedilotildees ao serem confrontados com a realidade Por isso tais modelos de anaacutelise devem ser questionados e revistos em sua validade histoacuterica Segundo ele estudos sobre pobreza desigualdade e crescimento ou sobre o papel da equidade no desenvolvimento sustentaacutevel natildeo tecircm ocupado os debates nacionais como um tema central em sua relevacircncia social mesmo diante da magnitude e dos impactos negativos da crescente desigualdade social Indiscutivelmente diante do nuacutemero de pobres na Ameacuterica Latina (proacuteximo a 50 da populaccedilatildeo) a pretensa distribuiccedilatildeo de renda natildeo tem correspondido agrave produccedilatildeo e ao niacutevel de desenvolvimento dessa regiatildeo considerada a terra mais desigual do mundo Isso revela que busca da equumlidade natildeo compotildee a agenda nacional desses paiacuteses de forma prioritaacuteria Para esse autor as respostas para as causas desse fenocircmeno demandam acuradas pesquisas contiacutenuas e trabalhos cientiacuteficos seacuterios para se formular propostas geradoras de poliacuteticas puacuteblicas de qualidade e de maior alcance social

272

democraacutetico satildeo aspectos substantivos a serem incorporados no diagnoacutestico sobre a

realidade social Aleacutem disso eacute preciso redefinir a base de mediccedilatildeo da pobreza64 bem

como rechaccedilar a ideacuteia de que o desenvolvimento social seria consequecircncia natural e

automaacutetica do desenvolvimento econocircmico O desenvolvimento econocircmico eacute

imprescindiacutevel para viabilizar o social mas tambeacutem este eacute decisivo para que possa

haver crescimento sustentado

Os argumentos de Salama (1999) tambeacutem vatildeo nessa direccedilatildeo quando ao

analisar os fatores econocircmicos e sociais associados agrave pobreza na Ameacuterica Latina afirma

que ldquodiminuir a pobreza e as desigualdades e recuperar o crescimento poderia resultar de

uma intervenccedilatildeo do Estado mais consequumlente e menos burocraacutetica lanccedilando matildeo ao

mesmo tempo de uma poliacutetica redistributiva de rendardquo (1999 p 183) Aleacutem disso ao

compartilhar da ideacuteia de que as medidas econocircmicas natildeo satildeo suficientes para justificar uma

poliacutetica de redistribuiccedilatildeo de renda Salama afirma que tal poliacutetica pautada em valores de

ordem eacutetica deve vir em primeiro lugar Sendo assim postula uma progressatildeo de renda

diferenciada a partir de medidas redistributivas apresentando trecircs argumentos principais a

saber a) que a retomada do crescimento econocircmico por si soacute natildeo interfere na diminuiccedilatildeo

da pobreza de forma significativa b) que o fraacutegil crescimento na Ameacuterica Latina eacute

resultado de um processo excludente em que a pobreza e as desigualdades sociais

tornaram-se questotildees profundas e complexas c) que a dinacircmica do regime de acumulaccedilatildeo

adotada nas economias latino-americanas e a inserccedilatildeo internacional dessas economias a

partir de recomendaccedilotildees neoliberais aleacutem de gerar crises financeiras ampliaram a pobreza

e a desigualdade e produziram um crescimento desordenado com efeitos profundamente

negativos sobre as condiccedilotildees de vida e de trabalho da populaccedilatildeo

Desses argumentos se conclui que estruturas sociais injustas e desiguais como

a latinoamericana e a brasileira obstruem a participaccedilatildeo dos pobres criam dificuldades

estruturais aos paiacuteses limitam o desenvolvimento econocircmico-social e criam tensotildees

profundas na sociedade como um todo65 Particularmente a esse respeito Ravallion (apud

64 Com base na anaacutelise se Kliksberg (2001) haacute que se rever com reservas a base de mediccedilatildeo utilizada em modelos econocircmicos de anaacutelises convencionais Esta literatura emprega duas definiccedilotildees para a linha de pobreza de forma mais geral Para avaliar a pobreza extrema Kliksberg toma como referecircncia as pessoas que recebem menos de um doacutelar diaacuterio e para avaliar a pobreza moderada (ou relativa) as que recebem menos de dois salaacuterios diaacuterios Os autores dessas anaacutelises argumentam que esse padratildeo facilita a comparaccedilatildeo da pobreza entre paiacuteses mas admitem que ele pode natildeo contemplar outros segmentos pobres Nesse sentido argumentam a favor da aplicaccedilatildeo de linhas nacionais especiacuteficas de pobreza em paiacuteses que apresentam altas estimativas de pobreza (Ameacuterica Latina e Caribe) 65 Ver anaacutelises de Kliksberg (1994 2001) e de Salama (1999 2002) referentes agraves dificuldades estruturais vivenciadas na Ameacuterica Latina criadas a partir do crescimento desordenado da pobreza e da desigualdade

273

KLIKSBERG 2001 p 21) enfatiza que ldquoa flexibilidade da pobreza ante o crescimento se

reduz quando a desigualdade eacute maiorrdquo Assim a possibilidade de as melhorias no

crescimento reduzirem efetivamente a pobreza depende diretamente do grau de

desigualdade66 Todos esses aspectos segundo o autor (2001 p 24) ldquocriam incertezas na

sociedade elevados graus de tensatildeo e tendecircncias agrave instabilidade poliacutetica e socialrdquo ao que

Kliksberg acrescenta ldquoser a equumlidade um meio de produzir ampliaccedilatildeo de mercados

internos reduccedilatildeo das distacircncias de remuneraccedilatildeo entre campo e cidade e produtividade do

trabalhordquo Perseguir a equumlidade portanto significa colocar em praacutetica ciacuterculos virtuosos

em campos estrateacutegicos para um efetivo desenvolvimento econocircmico-social fato que tem

sido comprovado na histoacuteria mundial e desmentido o mito de que em sociedades

desiguais poliacuteticas redistributivas desencorajam o investimento e prejudicam o

crescimento econocircmico Em verdade o quadro geral referente agrave realidade soacutecio-econocircmica

dos paiacuteses (centrais e perifeacutericos) demonstra que as sociedades que optaram por fortalecer

e melhorar a equumlidade social e por consolidar a democracia igualitaacuteria tiveram melhores

resultados econocircmicos sociais e poliacuteticos ainda que a longo prazo Calcado nessas

evidecircncias Kliksberg (2001) propotildee vias democraacuteticas eou linhas de trabalho e accedilatildeo que

considera centrais agraves accedilotildees estrateacutegicas de combate agrave pobreza e agrave desigualdade sugerindo

que as mesmas sejam incluiacutedas nas agendas puacuteblicas e nas constituiccedilotildees nacionais como

prioridade absoluta e como questatildeo de Estado pois a sua ausecircncia somada agrave natildeo

destinaccedilatildeo de recursos adequados constitui violaccedilatildeo agraves necessidades e aos direitos

humanos baacutesicos

Dentre as vias estrateacutegicas democraacuteticas apontadas este estudo ressalta trecircs

em particular A primeira apoacuteia-se na ideacuteia de que aplicar recursos para uma nutriccedilatildeo

adequada uma educaccedilatildeo qualificada uma boa sauacutede puacuteblica e para fomentar a cultura

popular eacute um investimento social (e natildeo um gasto social eou desvio de recursos do setor

socialnesse continente 66 Partindo dessas constataccedilotildees Kliksberg (2001p 21-25) enumera sete hipoacuteteses estrateacutegicas que a seu ver comprovam que investir na justiccedila com equidade social daacute resultados positivos Tais hipoacuteteses podem ser assim resumidas a) as possibilidades de melhorar o problema da pobreza satildeo muito diferentes em sociedades com altos niacuteveis de desigualdade em relaccedilatildeo a contextos em que haacute pouca desigualdade b) a reduccedilatildeo das desigualdades criam condiccedilotildees propiacutecias para um aumento significativo do investimento na formaccedilatildeo do capital humano c) uma estrateacutegia de melhoria da equidade pode influenciar favoravelmente as taxas de poupanccedilas nacionais d) a melhoria da equidade tem efeitos positivos sobre as possibilidades de desenvolvimento tecnoloacutegico baseado no conhecimento acumulado e) a melhor equidade cria tambeacutem condiccedilotildees favoraacuteveis ao fortalecimento e ao desenvolvimento do capital social f) os altos niacuteveis de desigualdade afetam duramente a tatildeo almejada governabilidade nas sociedades democraacuteticas gerando desconfianccedila e baixa credibilidade nos governos perda de legitimidade das instituiccedilotildees representativas do poder puacuteblico limitaccedilotildees ao respaldo social e reduccedilatildeo nas expectativas para as mudanccedilas necessaacuterias deixando pouca margem de manobra poliacutetica aos governos para as inovaccedilotildees

274

produtivo) com possibilidade de significativas taxas de retorno social A segunda reside na

ecircnfase dada ao papel e agrave funccedilatildeo histoacuterica do Estado mediante a efetiva implementaccedilatildeo de

poliacuteticas puacuteblicas Neste caso a questatildeo central natildeo estaacute no tamanho do Estado mas na sua

capacidade institucional de atender o interesse puacuteblico Ao Estado compete portanto

como dever ciacutevico e moral praticar uma ativa poliacutetica de investimentos na aacuterea social

particularmente em sociedades marcadas por deacuteficits sociais e promover poliacutetica de

arrecadaccedilatildeo fiscal justa e progressiva (natildeo regressiva) Fontes fiscais informam que na

Ameacuterica Latina apenas um terccedilo da arrecadaccedilatildeo fiscal provecircm de impostos diretos com

destinaccedilatildeo especiacutefica e dois terccedilos provecircm dos impostos indiretos o que configura um

modelo de regressividade fiscal na medida em que natildeo redistribui renda e natildeo altera os

iacutendices de desigualdade social Na Europa Ocidental a situaccedilatildeo eacute inversa Quase dois

terccedilos da arrecadaccedilatildeo fiscal provecircm de impostos diretos retidos progressivamente dos

contribuintes segundo seu patrimocircnio e rendimentos e apenas um terccedilo provecircm de

impostos indiretos Por fim a terceira via democraacutetica fundamenta-se na poliacutetica de

trabalho eou de emprego que natildeo pode ser tratada com medida meramente teacutecnica

(criteacuterios de crescimento do PIB) mas como estrateacutegia criativa que promova um

crescimento ldquode baixo para cimardquo

Constata-se assim o quanto processos agudos de polarizaccedilatildeo social aleacutem de

instituiacuterem um perfil de sociedade dual (aacutereas de modernidade convivendo naturalmente

com aacutereas de atraso) produzem profundas injusticcedilas e segregaccedilotildees Em decorrecircncia desse

processo a pobreza na Ameacuterica latina e no Brasil tem sido reproduzida de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo como se cumprisse um destino proacuteprio ou uma tendecircncia irreversiacutevel Para

enfrentar esse problema as poliacuteticas sociais puacuteblicas tecircm uma funccedilatildeo mediadora desde

que sejam efetivamente puacuteblicas e portanto incluam os segmentos apauperizados

Ademais observa-se que a presenccedila do binocircmio pobrezadesigualdade no

debate contemporacircneo evidencia dualismos paradoxos contradiccedilotildees e incompletudes

eacuteticas e ciacutevicas Tal afirmaccedilatildeo se aplicada ao caso brasileiro tem como jaacute analisado

raiacutezes antigas Como bem detectou Roberto Schwarz (apud TELLES 2001) no Brasil do

seacuteculo XIX ldquoos dualismos disparates e contrastes somados agrave experiecircncia de desconcerto

de uma sociedade que queria ser moderna cosmopolitana e civilizada jaacute conviviam

placidamente com a realidade da violecircncia do arbiacutetrio da iniquidade e com uma pobreza

desmedidardquo Jaacute agravequela eacutepoca a pobreza e a desigualdade social como expressatildeo da

ausecircncia de democracia e de cidadania ampliada jaacute se constituiacuteam traccedilos de uma sociedade

275

em que as relaccedilotildees de favor e de tutela definiam o padratildeo de sociabilidade (num contexto

da escravidatildeo) Atualmente o contexto histoacuterico eacute outro mas a incompletude histoacuterica da

democracia e da cidadania seja como causa ou consequecircncia da desigualdade social natildeo eacute

ineacutedita e continua a apresentar o mesmo desconcerto entre pobreza e modernidade apesar

de ser atravessada por outras mediaccedilotildees tais como desemprego estrutural aumento da

violecircncia associada ao narcotraacutefico tensotildees desencadeadas pelo processo de globalizaccedilatildeo e

do avanccedilo tecnoloacutegico (2001 p 11)

Essas questotildees redefiniram-se ao longo do seacuteculo XX e iniacutecio do seacuteculo XXI mas

possuem as mesmas determinaccedilotildees no rastro do desenvolvimento capitalista Egrave nesse processo

de desenvolvimento exitoso que o Brasil no seacuteculo XXI natildeo obstante ser uma proacutespera

economia mundial continua a merecer o constrangedor tiacutetulo de paiacutes campeatildeo de concentraccedilatildeo

de renda e de riqueza Eacute esta particularidade que situa o Brasil na categoria de paiacutes injusto

aleacutem de ser desigual particularidade esta que merece ser destacada visto que ela natildeo encontra

similar nos paiacuteses sul-europeus que com ele partilham do modelo latino

82 Brasil uma realidade latina peculiar

Iacutendices e dados estatiacutesticos disponiacuteveis confirmam a premissa de que a

ausecircncia de redistribuiccedilatildeo de renda no Brasil historicamente foi e continua sendo um

processo marcado por injusticcedilas Com base nas leis capitalistas se natildeo houver uma efetiva

intervenccedilatildeo externa paradoxalmente quanto mais as forccedilas produtivas se desenvolverem

tanto maior seraacute a produccedilatildeo de riqueza construiacuteda pelo trabalho coletivo e maior seraacute sua

concentraccedilatildeo pelo capital E essa concentraccedilatildeo de riqueza acabaraacute por naturalizar o

apartheid social ou os mecanismos de uma sociedade dual Tal situaccedilatildeo eacute reveladora

tambeacutem do paciacutefico conviacutevio da sociedade brasileira com discrepacircncias e disparidades natildeo

soacute de classes mas de segmentos gecircnero cidades regiotildees A dualidade da sociedade

brasileira revela de um lado situaccedilotildees subhumanas e de outro altas taxas de

concentraccedilatildeo de renda com acentuados niacuteveis de qualidade de vida e de desenvolvimento

humano para alguns segmentos O fenocircmeno da apartaccedilatildeo social eacute agravado pela

existecircncia de uma histoacuterica cultura poliacutetica fisiologista patrimonialista e conservadora que

rechaccedila um padratildeo de civilidade (aqui entendido como padratildeo de conviacutevio e de

sociabilidade humana) em bases democraacuteticas No Brasil dados empiacutericos recentes

276

(IBGE 2002) comprovam que as tendecircncias agrave concentraccedilatildeo da riqueza tornaram-se tanto

ou mais pronunciadas do que as de renda

Pesquisa do IBGE divulgada em junho de 2003 referente aos dados relativos a

2001 e compilados na Siacutentese de Indicadores Sociais de 2002 confirma uma acentuada

desigualdade regional em todos os iacutendices analisados Segundo informaccedilotildees do presidente

deste instituto (2002) os dados revelam que do ponto de vista dos indicadores sociais

(sauacutede educaccedilatildeo) o paiacutes conseguiu avanccedilar com alguma evoluccedilatildeo mas no geral

permanece estaacutevel no seu padratildeo de desigualdade socialrdquo A pesquisa registra ainda

variaccedilotildees de rendimentos regionais dramaacuteticas em relaccedilatildeo aos iacutendices de distribuiccedilatildeo de

renda e salaacuterio dos trabalhadores ativos (com carteira assinada) e em relaccedilatildeo agraves taxas e

contribuiccedilotildees sociais para a Previdecircncia Social entre aposentados eou inativos O

rendimento meacutedio dos mais ricos da populaccedilatildeo ocupada ficou em R$ 274430 em 2001

enquanto a dos mais pobres atingiu apenas R$ 14985 No geral a metade (501) dos

trabalhadores ativos abordados pelos pesquisadores do IBGE ganham menos de meio a

dois salaacuterios miacutenimos A pesquisa mostra no entanto que natildeo houve mudanccedilas

significativas no indicador de concentraccedilatildeo de renda do paiacutes em relaccedilatildeo aos anos de 1990

uma vez que em 2001 133 da renda total foi apropriada pelo 1 mais ricos da

populaccedilatildeo enquanto 148 foram para os 50 mais pobres Natildeo houve variaccedilatildeo tambeacutem

no chamado Iacutendice de Gini que mede a desigualdade social (criteacuterio utilizado quanto mais

proacuteximo de 1 mais desigual eacute o paiacutes) O indicador meacutedio nacional (Gini) em 2001

ficou em 0566 Por esse criteacuterio a regiatildeo menos desigual eacute a Sul com o indicador de

0527 e no Nordeste mais uma vez registrou-se o pior indicador 0576

Portanto a realidade social e econocircmica brasileira baseada em dados e em

fatos reais natildeo deixa duacutevidas Natildeo se trata aqui de ausecircncia de paradiacutegmas ou de um

erro estrateacutegico Ao contraacuterio trata-se de uma estrateacutegia marcada por uma racionalidade

instrumental que privilegia os indicadores econocircmicos sobre os sociais Trata-se de um

movimento intriacutenseco ao atual ciclo econocircmico e poliacutetico do capital mundial (nacional e

internacional) preconizado pela nova direita (neoliberais e neoconservadores) que

ganhou a adesatildeo dos governos brasileiros das uacuteltimas deacutecadas Eacute nesse contexto de novas

orientaccedilotildees econocircmicas e de apropriaccedilatildeo dos lucros que se situa a discussatildeo da pobreza

e da desigualdade social fenocircmenos aqui entendidos como accedilotildees suficientes para a

reproduccedilatildeo do padratildeo miacutenimo de satisfaccedilatildeo de necessidades de sobrevivecircncia social Eacute

curioso observar como ateacute mesmo o valor do salaacuterio miacutenimo no Brasil jaacute se transformou

277

num eniacutegma natildeo soacute moral e eacutetico mas tambeacutem matemaacutetico visto que eacute difiacutecil entender

como as famiacutelias que o recebem conseguem sobreviver A questatildeo da redistribuiccedilatildeo de

renda no Brasil e sua estreita vinculaccedilatildeo com o fenocircmeno da apartaccedilatildeo social natildeo eacute um

tema ameno Trata-se de um tema complexo e polecircmico que causa desconforto pela

injusticcedila que produz Ateacute mesmo porque aceitar padrotildees miacutenimos como referecircncia de

civilidade significa agir com indiferenccedila diante de um padratildeo de vida indiacutegno de

milhares de famiacutelias

Entretanto a reaccedilatildeo puacuteblica contra essa indiferenccedila expressa na aceitaccedilatildeo

incondicional e acriacutetica dos programas de transferecircncia de renda de aceitaccedilatildeo internacional

ainda eacute incipiente no contexto brasileiro Efetivamente aqui ainda natildeo se tem clara a

definiccedilatildeo de um padratildeo de renda baacutesica que possa dar iniacutecio a um processo de reduccedilatildeo da

desigualdade social sem ferir direitos e estigmatizar a populaccedilatildeo assistida pois para o

imaginaacuterio coletivo brasileiro natildeo haacute outro mecanismo que assegure renda que natildeo seja

vinculado diretamente ao trabalho eou a uma atividade produtiva Ocorre que

particularmente no Brasil natildeo haacute trabalho para todos nem arremedos de poliacuteticas de pleno

emprego Hoje 50 dos cidadatildeos brasileiros estatildeo no mercado informal em decorrecircncia do

desemprego estrutural E nesse caso como atender aos cidadatildeos aptos ao trabalho mas que

estatildeo fora do mercado Outro agravante eacute que no contexto da loacutegica neoliberal que elege a

liberdade de mercado como fundamento da ordem social capitalista inaugura-se um novo

padratildeo de acumulaccedilatildeo uma nova foacutermula de organizaccedilatildeo do trabalho e um novo modelo de

produccedilatildeo voltada para novos mercados que repudiam a proteccedilatildeo social puacuteblica Portanto haacute

que se refletir com cuidado sobre as tendecircncias em curso e o significado do novo

ordenamento poliacutetico que estaacute sendo colocado entre capital trabalho e Estado quando se

sabe que tal ordenamento estaacute assentado explicitamente no princiacutepio de igualdade

meritocraacutetica em que com base na retoacuterica neoliberal as oportunidades estatildeo disponiacuteveis

para serem alccediladas no mercado conforme a competecircncia o meacuterito e o esforccedilo de cada um

Com efeito para a retoacuterica neoliberal as desigualdades sociais satildeo decorrecircncias

naturais das diferenccedilas individuais da incapacidade de uns em ter acesso agraves oportunidades

oferecidas pelo mercado e pela dinacircmica proacutepria das forccedilas produtivas do capital que conta

com competecircncias distintas Portanto contrapor-se a esse ideaacuterio significa reconhecer e

afirmar o Estado como garante de direitos e como uacutenica instacircncia com prerrogativa e poder

juriacutedico-formal para garantir benefiacutecios e serviccedilos sociais como bens puacuteblicos Em siacutentese

significa reconhecer de puacuteblico primeiro a funccedilatildeo reguladora do Estado como gestor do

278

desenvolvimento econocircmico e social e como esfera garantidora de direitos sociais (para aleacutem

da atribuiccedilatildeo de mero provedor de bens e serviccedilos) segundo a necessidade de se defender a

autonomia a dignidade e a cidadania como atributos de todo cidadatildeo independente do status

quo e da cultura na qual estaacute inserido terceiro reconhecer a dimensatildeo puacuteblica e

universalizadora das poliacuteticas sociais no sentido de garantir que a nenhum cidadatildeo brasileiro

seja permitido viver em condiccedilotildees subhumanas sem qualquer proteccedilatildeo social e econocircmica

e por fim promover a necessaacuteria ruptura com uma tradiccedilatildeo histoacuterica de relaccedilotildees sociais

conservadoras e de praacuteticas poliacuteticas assentadas em uma cultura de bases patrimonialistas e

clientelistas Trata-se portanto de uma decisatildeo de caraacuteter moral e ciacutevico alicerccedilada em uma

eacutetica social e em uma concepccedilatildeo de inclusatildeo que tambeacutem abarque as demandas e

necessidades de gecircnero de etnias de raccedila de idade dentre outras

O dilema brasileiro de lidar com uma sociedade profundamente dual eacute o de

como fazer para materializar a defesa da democratizaccedilatildeo do acesso aos bens e serviccedilos

como direito de todos em um mundo dominado pelo neoliberalismo em que as formas de

exploraccedilatildeo em vigecircncia ndash ao contraacuterio da exploraccedilatildeo direta como a que ocorreu na

dialeacutetica do senhor e do escravo nas sociedades escravista e feudal ndash satildeo mediatizadas por

argumentos que agora se pautam pelos conceitos de ldquoliberdade participaccedilatildeo e

solidariedaderdquo (PEREIRA 2000 p 95)

Nessas circunstacircncias como redistribuir renda de forma justa e igualitaacuteria

Trata-se sem duacutevida de uma iniciativa desafiadora face agrave retoacuterica hegemocircnica neoliberal

que preconiza a combinaccedilatildeo entre a concepccedilatildeo liberal claacutessica de igualdade de

oportunidades (mas natildeo substantiva de condiccedilotildees de acesso) e o princiacutepio tambeacutem claacutessico

de liberdade negativa (que nega a intervenccedilatildeo do Estado nas esferas individuais) Tudo

isso eacute reforccedilado com posturas de naturalizaccedilatildeo de processos sociais que denunciam o

aprofundamento estrutural da pobreza e da desigualdade no Brasil contemporacircneo que estaacute

a requerer medidas transformadoras aleacutem da mera distribuiccedilatildeo de renda Diante desses

fatos cabe indagar que razatildeo (ou desrazatildeo) move as sociedades em pleno seacuteculo XXI a

aceitarem conviver com uma fratura natildeo inoacutecua entre fortes e fracos vencidos e

vencedores e de manutenccedilatildeo de privileacutegios em detrimento dos direitos de cidadania sob a

retoacuterica neoliberal Retoacuterica essa que de forma reiterada enfatiza o financiamento do

capital agrave custa do trabalho e por extensatildeo a corrupccedilatildeo os desmandos poliacuteticos e a injusta

concentraccedilatildeo de renda No Brasil parece natildeo ter importacircncia que tudo isso ocorra no

acircmbito das discussotildees referentes agraves injusticcedilas sociais praticadas pelo mundo globalizado

279

da indefiniccedilatildeo de uma renda baacutesica justa e de paracircmetros mais democraacuteticos para o salaacuterio

miacutenimo nacional em relaccedilatildeo ao processo de redistribuiccedilatildeo de renda

Sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar que enfatiza a importacircncia da parceria

entre puacuteblico e privado ndash mas onde o privado (mercantil e natildeo mercantil) ganha notoriedade

ndash acentua-se na sociedade brasileira a distacircncia entre os enunciados legais e a realidade

nacional a exemplo do que vem acontecendo em acircmbito internacional Veja-se a rebeliatildeo

dos estudantes franceses em 2006 contra o governo que visando diminuir o peso das

responsabilidades sociais do Estado Providecircncia editou a lei do Contrato do Primeiro

Emprego (CPE) de acordo com a qual as empresas que contratassem jovens com menos de

26 anos poderiam demiti-los sem aviso preacutevio ou pagamentos de indenizaccedilotildees dentro de um

prazo de ateacute dois anos Tal reivindicaccedilatildeo natildeo deixa de expressar um flagrante repuacutedio de

parcela da sociedade agrave desregulamentaccedilatildeo do trabalho e de direitos sociais adquiridos bem

como uma clara demonstraccedilatildeo da inseguranccedila gerada pela falta de proteccedilatildeo social puacuteblica

num ambiente em que prevalece workfare sobre welfare Em relaccedilatildeo a essa prevalecircncia haacute

que se destacar que estaacute em curso desde os anos 1980 a mudanccedila do conceito de Estado de

Bem-estar (Welfare State) para o de Estado de trabalho (Workfare State) A grande

estrateacutegia neoliberal eacute de primar pelo incentivo agraves chamadas poliacuteticas ativas de trabalho que

nem sempre liberam o pobre da pobreza e da inseguranccedila social Pelo contraacuterio criam no

proacuteprio campo do trabalho dualismos que conforme Esping-Andersen (1995) separam

trabalhadores precarizados com baixos salaacuterios e sem proteccedilatildeo trabalhista (como vem

acontecendo nos Estados Unidos) de trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho

e protegidos socialmente Trata-se de uma tendecircncia em discussatildeo no chamado Primeiro

Mundo e que ainda natildeo encontrou devido equacionamento (GORZ 2004) Com efeito o

desemprego estrutural estaacute dando lugar a uma ampla variedade de programas de trabalho que

funcionam como contrapartida ou como preccedilo a pagar pelo desempregado que recebe

subsiacutedio social dos governos Colocado em outros termos a ideacuteia de manutenccedilatildeo de um

niacutevel miacutenimo de renda aos cidadatildeos desempregados ou desocupados estaacute condicionada agrave

obrigaccedilatildeo de prestaccedilotildees laborais (natildeo importa se sejam vis) Nessa poliacutetica a garantia de

direitos sociais natildeo estaacute mais em pauta visto que o objetivo a ser perseguido eacute a integraccedilatildeo

de segmentos sociais excluiacutedos agrave vida ativa em defesa do princiacutepio da coesatildeo social

Conforme Abrahamson (1997 p 77) nessas poliacuteticas ativas de trabalho

la novedad maacutes reciente haacute sido el fortalecimento de la forma especiacutefica de aplicar las poliacuteticas activas relativas al mercado laboral en los sistemas de

280

asistencia social Al contrario de lo que ocurre em los sistemas de seguridad social la activacioacuten en materia de asistencia social no es una opcioacuten o um derecho es una obligacioacuten

Essa situaccedilatildeo natildeo deixa de reproduzir ndash guardadas as devidas proporccedilotildees e

momentos histoacutericosndashas velhas e conservadoras formas disciplinares e punitivas das Poor

Laws (Leis dos Pobres) inglesas no auge da industrializaccedilatildeo pois como elas as

condicionalidade impostas para se fazer jus aos benefiacutecios puacuteblicos provocavam estigmas

constrangimentos e inseguranccedilas aos beneficiaacuterios

Para Bresson (apud STEIN 2005 p 173) a concepccedilatildeo de workfare coexiste com

uma concepccedilatildeo poacutes-fordista de renda de subsistecircncia incondicional que deveria preencher

a funccedilatildeo de indenizaccedilatildeo por desemprego total ou parcial A seu ver

a renda de subsistecircncia permite acelerar formidavelmente a desregulaccedilatildeo a precarizaccedilatildeo a flexibilizaccedilatildeo da relaccedilatildeo salarial substituindo-a por uma relaccedilatildeo comercial A renda contiacutenua por um trabalho descontiacutenuo revela assim suas armadilhas

Assim os programas de inserccedilatildeo centrados na ativaccedilatildeo do trabalho mediados

por uma assistecircncia que na verdade desassiste repotildeem as linhas divisoacuterias entre pobres

merecedores e natildeo merecedores ao mesmo tempo em repotildeem a concepccedilatildeo liberal-

conservadora de que a pobreza eacute um problema de iacutendole pessoal e individual Daiacute a

prevalecircncia de teses que enfatizam a responsabilidade dos indiviacuteduos pelo seu proacuteprio

bem-estar considerando inclusive as poliacuteticas de transferecircncia de renda como

paternalismo Esta loacutegica do workfare eacute a loacutegica do natildeo reconhecimento da cidadania por

estar vinculada ao natildeo-trabalho e por isso contrapotildee-se agrave loacutegica do welfare que de acordo

com Esping-Andersen (1994) reconhece a cidadania social exatamente pela sua

desvinculaccedilatildeo com trabalho subjugado aos ditames do capital Por fim trata-se o

workfare de uma nova medida ou de um novo mecanismo disciplinador do trabalho

precaacuterio (ou das condiccedilotildees precaacuterias de trabalho) Enfim de mais uma medida

estigmatizadora e de controle social dos segmentos excluiacutedos pelas elites no poder

Em tempos neoliberais percebe-se nessas tendecircncias a fragilidade da

democracia e da cidadania contemporacircneas Natildeo se trata mais de confundir provisatildeo social

(que de fato a sociedade tambeacutem pode fazer) com o conceito de seguridade eou de

proteccedilatildeo social como poliacutetica puacuteblica universal que somente se concretiza sob a garantia

do Estado e que expressa um bem puacuteblico como direito de todos Trata-se o conceito de

281

seguridade ou de proteccedilatildeo social de uma prerrogativa e de uma funccedilatildeo exclusiva do

Estado como parte constituinte e constitutiva da natureza intriacutenseca da esfera puacuteblica Esse

debate remete agraves diferentes formas de inserccedilatildeo na vida social como estrateacutegias de

pertencimento dos cidadatildeos

Ao comentar o jaacute referido desconcerto da pobreza no Brasil contemporacircneo do

final do seacuteculo XX e iniacutecio do XXI Telles (2001p 13)) afirma que ele ldquodiz respeito a

uma pobreza desmedida que faz reativar velhos dualismos nas imagens de um atraso que

ata o paiacutes agraves raiacutezes de seu passado e resiste tal como a forccedila da natureza agrave potecircncia

civilizadora do progressordquo Na base desta afirmaccedilatildeo reside a jaacute mencionada situaccedilatildeo

paradoxal entre a dinacircmica empreendida pela sociedade brasileira que se fez moderna a

partir dos anos 1980 e a comprovaccedilatildeo empiacuterica (IBGE 20012002) da prevalecente

pobreza desmedida67 que expressa um espetaacuteculo jamais visto na histoacuteria latino-americana

e brasileira Isto eacute de uma pobreza nos termos de Telles (2001 p 15) que ldquojaacute ultrapassou

as fronteiras da vida civilizada e do bom sensordquo num paiacutes que a rigor natildeo eacute pobre Eacute nesse

cenaacuterio de iniquumlidades e injusticcedilas sociais que a pobreza brasileira se tornou um eniacutegma

pois ao mesmo tempo em que desafia inteligecircncias por natildeo conseguir traduzir direitos de

cidadania proclamados na Constituiccedilatildeo apresenta-se como um dilema e uma ameaccedila agrave

democracia igualitaacuteria

A figuraccedilatildeo da pobreza tal como aparece na sociedade brasileira corresponde

a uma concepccedilatildeo de Estado e de sociedade em que os direitos natildeo fazem parte das regras

que organizam a vida social Por isso eacute importante destacar o que este estudo entende por

pobreza absoluta e pobreza relativa A condiccedilatildeo de pobreza absoluta eacute caracterizada por

uma privaccedilatildeo severa das necessidades humanas baacutesicas A caracterizaccedilatildeo da pobreza

relativa implica levar em conta a trajetoacuteria histoacuterica as caracteriacutesticas e os valores da

sociedade onde se manifesta No geral a pobreza relativa eacute calculada com base na renda

per capita do paiacutes e em relaccedilatildeo ao PIB nacional

No Brasil a pobreza aparece despojada da dimensatildeo eacutetica e o debate eacute

dissociado da noccedilatildeo de liberdade de igualdade e de justiccedila social porque aqui a

cidadania eacute definida como privileacutegio de classe E aiacute estaacute o fundamento do enigma no dizer

de Telles (2001) a pobreza brasileira contemporacircnea potildee em foco a tradiccedilatildeo conservadora

patriarcal e autoritaacuteria da sociedade O eniacutegma continua na medida em que ela persiste

como desafio social em diferentes conjunturas poliacuteticas sociais e econocircmicas A ideacuteia que

67 O registro recente de indicadores sociais do IBGE (20012002) confirma essa incivilidade

282

prevalece como consciecircncia puacuteblica acerca da sua existecircncia eacute a de atraso cultural como

um pesado tributo do passado que precisa ser superado com a modernidade O que nunca

existiu no Brasil (se existiu natildeo foi suficiente) foi uma cultura poliacutetica capaz de construir

uma opiniatildeo puacuteblica criacutetica no sentido de colocar o combate agrave pobreza e agrave desigualdade

social no horizonte da cidadania e da democracia Trata-se portanto de um grande desafio

na medida em que materializar essa ideacuteia implica questionar a forte e injusta estrutura de

poder e de privileacutegios (e natildeo de direitos) Por isso natildeo basta fazer o que Schwarz jaacute

sagazmente observara que no Brasil ldquoa pobreza eacute notada e eacute registrada mas a anotaccedilatildeo

natildeo justifica e o real natildeo se constitui como referecircncia cognitiva e valorativardquo (apud

TELLES 2001 p 20)

Por isso diz Telles (2001)

eacute essa a matriz da incivilidade que atravessa de ponta a ponta a vida social brasileira () incivilidade que se ancora num imaginaacuterio persistente que fixa a pobreza como marca da inferioridade modo de ser que descredencia indiviacuteduos para o exerciacutecio de seus direitos (p 21)

Assim o problema do que eacute justo ou injusto sequer eacute colocado em debate

assim como natildeo se constroacutei uma figura moderna do cidadatildeo E segundo Santos (1979)

isso induz tambeacutem a uma noccedilatildeo de cidadania dissociada de valores eacuteticos e de liberdade

poliacutetica porque estaacute mais vinculada ao pertencimento corporativo do indiviacuteduo ou seja ao

lugar que ele ocupa no processo produtivo Daiacute seu conceito de cidadania regulada ao

afirmar que a carteira de trabalho mais do que uma evidecircncia trabalhista transformou-se

em uma certidatildeo de nascimento ciacutevico Isso explica porque no Brasil os benefiacutecios sociais

garantidos pelo Estado continuam vinculados ao valor das contribuiccedilotildees fixadas a partir da

renda adquirida por meio do trabalho Isso significa dizer tambeacutem que o acesso aos direitos

sociais na praacutetica dissocia-se de uma condiccedilatildeo inerente de cidadania Um outro paradoxo

presente na sociedade brasileira eacute o de que a proacutepria lei que garante a todos proteccedilatildeo

social termina por consagrar desigualdades e anular os efeitos redistributivos das

poliacuteticas sociais (DRAIBE 1990) Assim a mesma lei que promete igualdade legitima e

universaliza direitos repotildee hierarquias introduzindo segmentaccedilotildees e ainda destituindo os

indiviacuteduos de suas titularidades ciacutevicas Contudo eacute exatamente essa tensatildeo entre

ldquofiguraccedilatildeo puacuteblica da pobreza e a cidadaniardquo que oferece na compreensatildeo de Telles

(2001 p 58 a possibilidade de se problematizar a destituiccedilatildeo de direitos aqui perpetrados

Isso quer dizer que a questatildeo da pobreza e da desigualdade social na Ameacuterica Latina e

283

particularmente no Brasil poderaacute ser portadora da possibilidade de ser alccedilada a horizontes

democraacuteticos caso seja conduzida no sentido de reverter o referido padratildeo cultural de

incivilidade brasileira (2001) e de recriar no discurso oficial uma nova linguagem puacuteblica

dos direitos de cidadania E mais caso o sistema tributaacuterio brasileiro deixe de ser

regressivo e portanto de onerar mais as classes menos abastadas

Contemporaneamente segundo dados da FIPE a proporccedilatildeo eacute de 10 dos

cidadatildeos ricos que tecircm acesso (ou para usar sua expressatildeo dos que amealham) a 34 do

total de benefiacutecios sociais contra 60 do total dos pobres em face dos mesmos

percentuais de benefiacutecios Como fator agravante e ao mesmo tempo justificador dessa

defasagem eacute bom lembrar que o paradigma econocircmico orientador desse modelo assim

como do modelo previdenciaacuterio de capitalizaccedilatildeo (que incentiva a previdecircncia privada e

promove a privatizaccedilatildeo gradativa da previdecircncia) passou a ser o modelo monetarista de

Hayek e natildeo mais o keynesiano-fordista de proteccedilatildeo social

Vecirc-se assim que sob o domiacutenio neoliberal reeditam-se no Brasil velhas

praacuteticas sociais que com o pretexto de pluralizar as poliacuteticas sociais privilegiam a auto-

ajuda a ajuda muacutetua e accedilotildees voluntaacuterias em detrimento da participaccedilatildeo efetiva do Estado

como garante de direitos E consequentemente a resistecircncia neoliberal a uma justa

redistribuiccedilatildeo de renda acaba acentuando os processos de apartaccedilatildeo social e de histoacutericas

desigualdades sociais Isso porque a definiccedilatildeo de um padratildeo societaacuterio de civilidade eacute

incompatiacutevel com os princiacutepios de residualidade regressividade focalizaccedilatildeo e seletividade

que passaram a presidir as relaccedilotildees entre Estado e sociedade civil sob orientaccedilatildeo neoliberal

Donde resulta a necessidade de se ter claro que natildeo se pode separar democracia social de

democracia poliacutetica e muito menos confundi-las com supremacia econocircmica

83 Brasil A Experiecircncia das Poliacuteticas Sociais em dois periacuteodos histoacutericos 1930- 1988

e 1989-2001

831 Caracteriacutesticas particularidades e paracircmetros organizadores

Chamam a atenccedilatildeo significativas mudanccedilas ocorridas contemporaneamente na

proteccedilatildeo social brasileira as quais passaram a se configurar como tendecircncias que devem

ser explicitadas Draibe (1990) ao tomar a tipologia de Ascoli (1984 p 10) como

284

referecircncia afirma que a proteccedilatildeo social no Brasil apresenta-se no geral ateacute o final dos

anos 1980 com um perfil ldquomeritocraacutetico-particularista de conotaccedilatildeo corporativistardquo A

autora chega a esse perfil apoacutes identificar paracircmetros que denomina de organizadores das

poliacuteticas de bem-estar considerados por ela como importantes tais como os binocircmios

seguranccedilainseguranccedila social universalismoseletividade eou particularismos

redistribuiccedilatildeocriteacuterios meritocraacuteticos dentre outros

Para ela o modelo de bem-estar brasileiro apresentou ateacute os anos 1980

tendecircncias pouco universalizantes e portanto natildeo redistributivas Esse quadro se agrava

com a sua organizaccedilatildeo segundo padratildeo residual e compensatoacuterio o que explica o baixo

desempenho de tais poliacuteticas na alteraccedilatildeo dos iacutendices de pobreza e de desigualdade social

No Brasil historicamente foi-se estruturando um padratildeo de proteccedilatildeo social marcado por

um modelo de desenvolvimento econocircmico capitalista dependente tardio que sempre

refletiu e ao mesmo tempo foi (e continua sendo) condicionado por processos poliacuteticos e

econocircmicos gerados pela influecircncia das economias dos paiacuteses centrais Daiacute a histoacuterica

cultura de dependecircncia do Brasil em relaccedilatildeo a esses paiacuteses tambeacutem no campo da proteccedilatildeo

social ndash haja vista a tardia incorporaccedilatildeo do sistema de seguridade social na Carta Magna

como a de 1988

Sabe-se que soacute em 1930 sob o governo de Getuacutelio Vargas o Estado brasileiro

passou a administar poliacuteticas sociais Poreacutem as accedilotildees do Estado se limitavam a gestotildees

emergenciais e ao aliacutevio de necessidades sociais baacutesicas dos trabalhadores dos grandes

centros urbanos As reivindicaccedilotildees desses segmentos eram atendidas de forma residual e

fragmentada Natildeo se discutia um miacutenimo de renda como provisatildeo social para aleacutem dos

setores trabalhistas (PEREIRA 2003) Entre 1937-1945 sob um regime ditatorial (por sinal

um fato recorrente na Ameacuterica Latina e no Brasil) cresceu o nuacutemero de operaacuterios

assalariados e ampliou-se a consciecircncia dos trabalhadores de que era preciso lutar pelos seus

direitos Houve um Pacto entre as elites na construccedilatildeo de um embriatildeo do modelo de

proteccedilatildeo social Foram tomadas iniciativas isoladas no campo da previdecircncia social e dos

seguros sociais e instituiacutedas leis trabalhistas o salaacuterio miacutenimo feacuterias remuneradas jornada

de trabalho de 08 horas diaacuterias proteccedilatildeo ao trabalho da mulher e do menor dentre outras

Em 1943 essas leis foram reunidas na Consolidaccedilatildeo das Leis Trabalhistas (CLT) sendo

antes criado dentre outros o Ministeacuterio do Trabalho e o Conselho Nacional de Serviccedilo

Social (CNSS em 1938) com o objetivo deste uacuteltimo de fiscalizar as accedilotildees da assistecircncia

social em instituiccedilotildees privadas Em que pesem essas iniciativas e inovaccedilotildees no campo do

285

trabalho e da proteccedilatildeo social o modelo getulista corporativista de perfil populista

caracterizou-se por implementar uma poliacutetica trabalhista restrita privilegiando algumas

categorias profissionais e segmentos sociais em detrimento de outros As concessotildees

trabalhistas foram feitas mais como controle social das greves e movimentos operaacuterios

implementando um sistema de seguro social (e natildeo de seguridade social puacuteblica na

perspectiva de direitos) mediante a criaccedilatildeo dos Institutos de Aposentadoria e Pensatildeo da

Previdecircncia Social (IAPs) em substituiccedilatildeo agraves Caixas de Aposentadoria e de Pensatildeo (CAPs)

antes de caraacuteter privado Vargas buscava a adesatildeo das massas e o atrelamento dos sindicatos

dos trabalhadores ao Estado pela via da cooptaccedilatildeo controle das eleiccedilotildees e das financcedilas da

troca de favores e de outras atividades em que o executivo buscava a legitimaccedilatildeo do Estado

e de seu governo junto aos segmentos sociais mais pobres (1937-1945)

Do ponto de vista da proteccedilatildeo social cumpre caracterizar esse primeiro arranjo

de proteccedilatildeo social brasileiro como centralizador limitado tutelador fragmentado

corporativista paternalista personalista e desigual (na distribuiccedilatildeo de seguros e benefiacutecios

sociais) com prevalecircncia da loacutegica contratualista Enfim um modelo marcadamente

populista com ausecircncia de garantias de direitos de cidadania Nele assistecircncia e cidadania

eram vistos como sinocircnimos de tutela do Estado e de benemerecircncia Fazia-se a junccedilatildeo de

obras de caridade e de filantropia com accedilotildees clientelistas de primeiras damas Em 1942

criou-se a Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia ndash LBA para atender agraves famiacutelias dos pracinhas

que participaram na Segunda Guerra Mundial

De 1945 a 1964 o paiacutes contou com a gestatildeo dos governos Dutra (1945) (as

diretrizes poliacuteticas de seu governo sofreram forte influecircncia da conjuntura internacional do

segundo poacutes-guerra) Juscelino Kubitscheck (eleito em 1955-1960 que criou o Plano de

Metas ndash 50 anos em 5) - um governo marcado pela liberdade democraacutetica e por diversas

realizaccedilotildees administrativas e grandes obras puacuteblicas agrave custa de empreacutestimos e

investimentos estrangeiros com significativo aumento da diacutevida externa e dos gastos

puacuteblicos Jacircnio Quadros (com apenas 07 meses de duraccedilatildeo) que defendeu uma poliacutetica

externa independente tomou medidas que surpreenderam os grupos que o apoiaram e natildeo

contou com as forccedilas poliacuteticas organizadas dos trabalhadores para se manter no poder

terminando por renunciar Joatildeo Goulart (Jango) que adotou uma linha de governo

nacionalista formalizou uma estrateacutegia soacutecio-econocircmica por meio do Plano Trienal de

Desenvolvimento Econocircmico e Social e anunciou um conjunto de medidas poliacuteticas que

ficaram conhecidas como reformas de base agraacuteria urbana educacional eleitoral e

286

tributaacuteria Do ponto de vista de medidas no campo da proteccedilatildeo social Joacirco Goulart criou o

deacutecimo-terceiro salaacuterio o salaacuterio famiacutelia para o trabalhador urbano e promulgou a Lei

Orgacircnica da Previdecircncia Social (LOPS) em 1960 visando a unificaccedilatildeo e a universalizaccedilatildeo

dos benefiacutecios e serviccedilos sociais prestados pelos antigos Institutos de Aposentadoria e

Pensatildeo (IAPs) em um uacutenico organismo (INPS) bem como a padronizaccedilatildeo da qualidade da

assistecircncia meacutedica com a criaccedilatildeo de um novo Coacutedigo Sanitaacuterio Inegavelmente o governo

de Jango apresentou propostas e medidas mais progressistas no campo das poliacuteticas sociais

em relaccedilatildeo aos anteriores sem contudo associaacute-los agrave cidadania

No periacuteodo de 1964 a 1985 prevaleceu o segundo arranjo de proteccedilatildeo social

que se pode denominar tecnocraacutetico-empresarial-milita assistencialista tambeacutem

ditatorial Nele houve modificaccedilatildeo na concepccedilatildeo e conteuacutedo do Estado que deixou de ser

uma organizaccedilatildeo populista para tornar-se tecnocraacutetica e centralizadora (PEREIRA 2004)

A presenccedila conservadora do bloco militar no poder acentuou as desigualdades sociais

Vigoraram medidas de censura e repressatildeo com ausecircncia de direitos civis e poliacuteticos e de

eleiccedilotildees diretas Adotaram-se em nome de uma Poliacutetica de Seguranccedila Nacional medidas

violentas contra os opositores do regime (torturas exiacutelios mortes) Prevaleceu tambeacutem

um restrito pacto de dominaccedilatildeo entre civis e militares (PEREIRA 2004) com ausecircncia de

participaccedilatildeo do povo nos processos decisoacuterios da naccedilatildeo Em 1966 foi criado o Instituto

Nacional de Previdecircncia Social (INPS) Nesse periacuteodo a poliacutetica social era vista como

decorrecircncia natural do desenvolvimento econocircmico ou como um complemento da

economia Em contrapartida fez-se a mais profunda mudanccedila nas relaccedilotildees trabalhistas

com extinccedilatildeo da estabilidade no trabalho e esvaziamento do poder de pressatildeo dos

sindicatos e de suas funccedilotildees (Governo Castelo Branco ndash 1964-1966) O Governo de Costa

e Silva (1967-1969) reafirmou o modelo autoritaacuterio criou o Plano Estrateacutegico de

Desenvolvimento (PED) e a poliacutetica social continuou a serviccedilo da rentabilidade

econocircmica sem qualquer preocupaccedilatildeo com o atendimento das necessidades sociais

baacutesicas Na verdade as poliacuteticas sociais continuaram a ser utilizadas como formas

estrateacutegicas de controle do Estado sobre a sociedade civil

Em 1971 apesar do arrocho salarial ampliou-se a cobertura social da

Previdecircncia No periacuteodo entre 1970-1973 intensificaram-se as medidas repressivas aos

direitos civis e poliacuteticos e o uso dos instrumentos de exceccedilatildeo (Ato Institucional nordm 5 ndash AI-5

e outros) pelos militares Este periacuteodo foi considerado o da gestatildeo de governo mais

autoritaacuteria do regime militar (governo Meacutedici)

287

Entre 1974 e 1979 o governo de Geisel deu iniacutecio agrave abertura poliacutetica A deacutecada

de 1970 foi marcada por grandes mobilizaccedilotildees da sociedade civil Em 1974 foi criado o

Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) com incorporaccedilatildeo da LBA

(Fundaccedilatildeo do Bem-estar do Menor (Funabem)) e (Central de Medicamentos (CEME))

Nesse ano (1974) instituiu-se como medida previdenciaacuteria a renda mensal vitaliacutecia no

valor de um salaacuterio miacutenimo para idosos pobres com mais de 70 anos e pessoas invaacutelidas

para o trabalho (com miacutenimo de 01 ano de contribuiccedilatildeo para a previdecircncia) Em 1977 o

Sistema Previdenciaacuterio foi unificado no SINPAS que incorporou os Institutos Instituto

Nacional de Previdecircncia Social (INPS) Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica e de

Prevdecircncia Social (INAMPS) e Instituto de Aposentadoria Pensocirces e Assistecircncia Social-

IAPAS Foi ainda regulamentada a previdecircncia privada Nesse contexto predominava um

modelo desigual a classe meacutedia usufruiacutea os Planos de Sauacutede os ricos tinham atendimento

no setor privado os pagantes da previdecircncia tinham assegurados os benefiacutecios e os seguros

sociais e os pobres continuavam dependendo da caridade e da filantropia E mais o Brasil

natildeo chegou a transformar-se na potecircncia econocircmica emergente como predendia Geisel

Entre 1980-1985 o governo Figueiredo deu continuidade agrave abertura poliacutetica

Houve avanccedilos em relaccedilatildeo aos direitos civis e poliacuteticos tais como a anistia aos presos

poliacuteticos em 1979 com restituiccedilatildeo dos direitos civis e poliacuteticos aos cidadatildeos cassados pelo

regime militar eleiccedilatildeo para governadores (1982) ampla campanha popular pela Diretas Jaacute

(eleiccedilotildees diretas para a Presidecircncia da Repuacuteblica) e convocaccedilatildeo da Assembleacuteia Nacional

Constituinte (1986) Contudo no campo das poliacuteticas sociais houve retrocesso com

reduccedilatildeo e contenccedilatildeo dos gastos sociais e medidas anti-sociais como nas aacutereas de

assistecircncia meacutedica e previdenciaacuteria e na aacuterea de habitaccedilatildeo

A elevaccedilatildeo do deacuteficit puacuteblico e o endividamento externo seguidos de grave

crise fiscal do Estado redundaram em um desgastante processo de negociaccedilatildeo

corporativista entre Estado e sociedade civil com grande relutacircncia do governo militar em

facilitar a passagem de um regime de exceccedilatildeo para um regime de direitos Contudo foram

crescentes as pressotildees da sociedade civil incluindo setores das camadas populares

reivindicando a ampliaccedilatildeo da democracia e da cidadania com melhorias concretas nas suas

condiccedilotildees de vida haja vista o aumento do desemprego e da pobreza a queda real dos

salaacuterios o aumento da diacutevida puacuteblica e da inflaccedilatildeo

Ressalta-se neste estudo a percepccedilatildeo de como o sistema de proteccedilatildeo social

brasileiro em sua construccedilatildeo e trajetoacuteria histoacuterica sempre buscou suplementar-se por

288

mecanismos assistenciais compensatoacuterios como substitutivos da ideacuteia de miacutenimos sociais

antes mesmo da implementaccedilatildeo das primeiras experiecircncias com programas de

transferecircncia de renda miacutenima Chama atenccedilatildeo esse aspecto suplementar como uma praacutetica

poliacutetica utilizada desde os primeiros anos da deacutecada de 1980 sob o impacto da crise

econocircmica (DRAIBE1990) Assim ldquomais que universalizar-se ou caminhar na direccedilatildeo

dos miacutenimos sociais garantidos a toda a cidadania o sistema brasileiro de proteccedilatildeo social

avanccedilou na trilha de suplementar-se por mecanismos assistenciaisrdquo (Draibe 1990 p 10-

11) com programas variados no acircmbito de um Estado fragilizado

Os programas de distribuiccedilatildeo gratuita de bens e serviccedilos sociais

(suplementaccedilatildeo alimentar de renda creches e outros) natildeo garantiram condiccedilotildees miacutenimas

no sentido de atenccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas dos segmentos mais carentes Esses

programas sempre operaram de forma precaacuteria descontiacutenua pois nem sempre eram

avaliados e institucionalizados carecendo de planejamento e melhor definiccedilatildeo

Considerados como a face pobre da poliacutetica social tenderam sempre a se tornar campo

feacutertil para praacuteticas assistencialistas e tuteladoras com conotaccedilatildeo corporativista

caracteriacutesticas que sempre marcaram os sistemas de proteccedilatildeo de base meritocraacutetico-

particularista como o brasileiro O caraacuteter clientelista contudo sempre foi o que mais

afetou as poliacuteticas sociais nacionais pois deu-se de diversas formas A literatura especiacutefica

faz vaacuterias referecircncias no passado (aposentadorias) agraves relaccedilotildees de notoacuterios privileacutegios na

alocaccedilatildeo de recursos (criteacuterios de partilha no proacuteprio movimento de expansatildeo do sistema

na distribuiccedilatildeo de benefiacutecios sociais em periacuteodos eleitorais e outros)

A partir dos anos 1970 e apoacutes a abertura do sistema poliacutetico brasileiro apoacutes

1985 cresceu muito a dimensatildeo clientelista no espaccedilo das poliacuteticas sociais extrapolando o

campo previdenciaacuterio Nas aacutereas da educaccedilatildeo habitaccedilatildeo sauacutede a dimensatildeo corporativista

e clientelista ganhou importacircncia junto a setores e categorias identificados com os criteacuterios

adotados pelo sistema previdenciaacuterio (meacutedicos parameacutedicos etc)68 Nesse contexto o

sistema previdenciaacuterio expandiu-se de forma acelerada incorporando outras categorias

(profissionais liberais autocircnomos empregados domeacutesticos e outros)69

68 Nos aos 1970 abriu-se o atendimento de urgecircncia a toda a populaccedilatildeo pela via da chamada medicina previdenciaacuteria com recursos das contribuiccedilotildees previdenciaacuterias em detrimento de serviccedilos de atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede que deveriam ser prestados pelo Ministeacuterio da Sauacutede e pelas Secretarias estaduais e municipais de forma gratuita e financiada com recursos de origem fiscal (Draibe 1990 p 12) 69 Por volta de 1985 foi estimado em cerca de 25 milhotildees o nuacutemero de segurados que com seus dependentes fazia com que a clientela previdenciaacuteria atingisse a casa dos 100 milhotildees de brasileiros (Draibe 1990 p 12)

289

Entretanto apoacutes vaacuterias tentativas de estabilizaccedilatildeo econocircmica no decorrer dos

anos 1970 (deacutecada marcada pela grande crise do modelo keynesiano de proteccedilatildeo social nos

paiacuteses capitalistas centrais) o Brasil chegou a conviver em 198370 com uma inflaccedilatildeo de

211 e uma diacutevida externa que saltou de 435 bilhotildees de doacutelares em 1979 para 100

bilhotildees de doacutelares em 1984 (FIORI apud STEIN 2005 p 124) Contudo paralelamente a

esse quadro de instabilidade poliacutetica econocircmica e social internacional no Brasil havia sido

gestado nos anos 1980 um amplo movimento social e poliacutetico em defesa da

democratizaccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e da modernizaccedilatildeo das instituiccedilotildees econocircmicas

Estava em curso o processo de instalaccedilatildeo da Assembleacuteia Nacional Constituinte para a

elaboraccedilatildeo da nova Constituiccedilatildeo Federal em 1988 (em vigecircncia) e a gestatildeo da crise por

meio das poliacuteticas econocircmicas da chamada Nova Repuacuteblica (pacto de transiccedilatildeo de um

regime poliacutetico de exceccedilatildeo para um regime democraacutetico) Do ponto de vista econocircmico eacute

possiacutevel afirmar que naquele contexto o Brasil marchava na contramatildeo do ideaacuterio

neoliberal agrave medida que a economia brasileira revelava iacutendices positivos ateacute se fazer a

opccedilatildeo pelos empreacutestimos externos junto aos organismos multilaterais com altas taxas de

juros flutuantes Nesse contexto segundo Pereira (2000 p 153) a Constituiccedilatildeo foi

rotulada pelas forccedilas conservadoras ldquoora como inviaacutevel por remar contra a corrente

neoliberal dominante ora de inconsequumlente por conter nas palavras de efeito de Roberto

Campos ldquopropostas suecas com recursos moccedilambicanosrdquo Com base em tais argumentos e

a partir de tais roacutetulos eacute que se desenvolveu a tese neoliberal da ingovernabilidade e da

restriccedilatildeo aos excessivos direitos sociais

Sabe-se que na Europa ao final dos anos 1980 a adesatildeo ao neoliberalismo se

deu pela socialdemocracia No Brasil quem reproduziu a conversatildeo de forccedilas de centro-

esquerda para a retoacuterica neoliberal foi o governo de Fernando Henrique Cardoso

(FHC1995-2002) Este governo na opiniatildeo de Sader (2003 p 106) conseguiu

redirecionar o consenso nacional e mobilizar a opiniatildeo puacuteblica contra o Estado Social

(estatismo) e contra seu papel de instacircncia implementadora e reguladora das relaccedilotildees

sociais e econocircmicas (regulacionismo) FHC implementou com rigor no primeiro ano de

seu primeiro mandato como presidente da Repuacuteblica as primeiras poliacuteticas de ajuste fiscal

como eixo das estrateacutegias de ajuste estrutural neoliberal Tais poliacuteticas jaacute haviam sido

70 Nesse contexto de mudanccedilas estruturais (periacuteodo de 1986 a 1989) o Brasil experimentou trecircs Planos heterodoxos baseados nas poliacuteticas pactuadas com o FMI quais sejam Plano Cruzado (1986) Plano Bresser (1987) e Plano Veratildeo (1989) Os PPS foram concebidos como programas emergenciais de combate agrave fome ao desemprego e agrave miseacuteria

290

formuladas em 1990 no governo Collor mas foram interrompidas em 1992 com o

impeachment deste presidente

Contudo ao contraacuterio do que os neoliberais defendiam o modelo econocircmico

proposto assentado em poliacuteticas de ajuste fiscal natildeo gerou no Brasil e nem na Ameacuterica

Latina a prometida estabilidade e natildeo produziu o desenvolvimento econocircmico anunciado

Em consequumlecircncia natildeo conseguiu aliviar a situaccedilatildeo de pobreza e de desigualdade social

Hoje apesar da expansatildeo no nuacutemero de segurados previdenciaacuterios e de seus dependentes

bem como a ampliaccedilatildeo dos serviccedilos sociais e programas de transferecircncia de renda as

intenccedilotildees redistributivas das poliacuteticas sociais brasileiras ainda satildeo uma promessa Mesmo

assim pode-se dizer que houve avanccedilos sociais significativos a partir da promulgaccedilatildeo da

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 assim sintetizados

a) defesa de monopoacutelios estatais como petroacuteleo setor de comunicaccedilotildees etc

b) incorporaccedilatildeo na agenda puacuteblica de termos e conceitos como direitos sociais e

democracia direta Uma grande inovaccedilatildeo foi a inclusatildeo do conceito de seguridade

social ateacute entatildeo inexistente no paiacutes como um complexo poliacutetico-institucional que

compreende direitos universais como direito do cidadatildeo e dever do Estado e pela

primeira vez vinculou-se o conceito de seguridade social agrave cidadania

independentemente da condiccedilatildeo salarial do trabalhador

c) criaccedilatildeo de um Pacto Federativo com ecircnfase nos princiacutepios da descentralizaccedilatildeo e da

municipalizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais no controle democraacutetico eem um modelo de

gestatildeo participativa com maior transparecircncia em relaccedilatildeo aos mecanismos de

financiamento e de gasto social Indiscutivelmente estava em debate a definiccedilatildeo de

princiacutepios claros tanto para essas dimensotildees eou eixos programaacuteticos das poliacuteticas

sociais (gestatildeo controle democraacutetico e financiamento) quanto para a reestruturaccedilatildeo

qualificaccedilatildeo e democratizaccedilatildeo dessa aacuterea em um sentido mais amplo com maior

comprometimento do Estado e da sociedade civil

d) ecircnfase aos princiacutepios de inclusatildeo social e de universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e

serviccedilos sociais como direitos bem como agraves propostas de expansatildeo da cobertura de

atendimento dos programas na aacuterea social Tambeacutem foram debatidos os princiacutepios da

equidade (justiccedila redistributiva) e o afrouxamento do viacutenculo contributivo como

condiccedilatildeo e exigecircncia de acesso aos direitos sociai No campo do financiamento foi

incorporado o debate sobre o caraacuteter redistributivo das poliacuteticas sociais mediante uma

291

poliacutetica social compatiacutevel com o niacutevel soacutecio-econocircmico dos contribuintes (variaccedilatildeo

dos percentuais com base na renda) Essa discussatildeo foi incluiacuteda como ponto de pauta

na proposta de reforma da previdecircncia e continua sendo objeto de grandes polecircmicas

e) ampliaccedilatildeo do niacutevel de consciecircncia da classe trabalhadora a respeito dos seus direitos

constituindo o embriatildeo de uma nova cultura poliacutetica no paiacutes

f) garantia da relaccedilatildeo entre direito e poliacutetica social e o entendimento desta como

instrumento prestador de bens e serviccedilos sociais de qualidade categorizados como

direitos sociais tendo em vista o atendimento das necessidades sociais baacutesicas dos

cidadatildeos

g) inclusatildeo do debate sobre a recuperaccedilatildeo de patamares miacutenimos que deveriam atender

agraves necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo bem como sobre a redefiniccedilatildeo dos valores

referentes aos seguros e benefiacutecios sociais repassados agora com amparo em lei aos

segmentos em situaccedilatildeo de vulnerabilidade social (risco pessoal eou social) Buscou-

se instituir tambeacutem uma tardia poliacutetica de renda miacutenima ou de transferecircncia de renda

h) inclusatildeo pela primeira vez na histoacuteria poliacutetica do paiacutes da assistecircncia social (como

proposta de satisfaccedilatildeo de miacutenimos sociais em atenccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas) na

condiccedilatildeo de poliacutetica puacuteblica componente integral do sistema de seguridade social A

assistecircncia social ganhou assim o status de poliacutetica social puacuteblica organizada em

sistema descentralizado e participativo recebendo portanto nova configuraccedilatildeo

conceitual e poliacutetico-institucional

i) unificaccedilatildeo da aacuterea da sauacutede por estar ligada agrave proteccedilatildeo e agrave manutenccedilatildeo da vida em

que pese o aprofundamento nessa aacuterea do processo de privatizaccedilatildeo Passou-se dessa

forma a garantir o acesso puacuteblico universal gratuito e igualitaacuterio mediante uma rede

de serviccedilos (Sistema Uacutenico de Sauacutede - SUS) de forma integrada descentralizada

regionalizada e municipalizada O SUS foi considerado a proposta que melhor

incorporou o princiacutepio da universalizaccedilatildeo

j) a previdecircncia social foi rediscutida e assumiu novo perfil em relaccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo

dos seguros e benefiacutecios previdenciaacuterios Promoveram-se significativos avanccedilos em

relaccedilatildeo ao debate sobre o criteacuterio de progressividade da poliacutetica tendo como fonte

principal de recursos contribuiccedilotildees progressivas diretas e com destinaccedilatildeo especiacutefica

Aleacutem disso foram tomadas iniciativas democraacuteticas tais como

292

a) a equalizaccedilatildeo e igualizaccedilatildeo dos direitos entre trabalhadores urbanos e rurais

b) definiccedilatildeo de criteacuterios de seletividade positiva com inclusatildeo na seguridade social de

segmentos populacionais de baixa renda

c) ampliaccedilatildeo do periacuteodo de licenccedila maternidade (de 90 para 120 dias)

d) proteccedilatildeo social pela via do seguro desemprego garantido pelo Estado

e) redefiniccedilatildeo das fontes e das bases de financiamento das poliacuteticas sociais com a

criaccedilatildeo de fundos especiais

Eacute com base em tais medidas e inovaccedilotildees democraacuteticas que se afirma que o

primeiro Sistema de Seguridade Social brasileiro apesar de abarcar apenas as poliacuteticas de

sauacutede previdecircncia e assistecircncia social e seus beneficiaacuterios constituiu-se em um conjunto

integrado de proteccedilatildeo social puacuteblica instituindo tanto do ponto de vista conceitual quanto

do arranjo institucional significativas inovaccedilotildees na experiecircncia brasileira de bem-estar

(PEREIRA 2004) Tais inovaccedilotildees definiram o perfil da Constituiccedilatildeo Federal vigente

promulgada em 1988 que passou a ser reconhecido como sendo democraacutetico e

universalista De fato trata-se da primeira Constituiccedilatildeo brasileira que recebeu a

denominaccedilatildeo de Constituiccedilatildeo Cidadatilde por conter mecanismos de ampliaccedilatildeo da democracia

e da cidadania

No entanto apesar das mudanccedilas e conquistas sociais mencionadas alguns

entraves agrave sua realizaccedilatildeo herdados do padratildeo de proteccedilatildeo social que antecedeu a Constituiccedilatildeo

ainda se fazem presentes a saber o burocraacutetico ndash organizacional o padratildeo de financiamento

do gasto social e a privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais Em relaccedilatildeo ao burocraacutetico-organizacional

o modelo brasileiro foi marcado pela fragmentaccedilatildeo institucional tecnocratismo e

burocratismo Tudo isso gerou a conhecida e debatida superposiccedilatildeo de competecircncias

paralelismo nas accedilotildees desvios de alvos dos programas sociais descontinuidade e instabilidade

desses programas demoras no processo de alocaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de recursos e distanciamento

entre formuladores e executores de poliacuteticas e os seus beneficiaacuterios Todos esses efeitos

negativos somados ao uso clienteliacutestico da maacutequina estatal conferiu alto grau de ineficiecircncia e

ineficaacutecia na organizaccedilatildeo dos programas sociais desenvolvidos nesse periacuteodo

Em relaccedilatildeo ao financiamento das poliacuteticas sociais ressalte-se o caraacuteter

extremamente regressivo da arrecadaccedilatildeo dos recursos e do gasto social tanto do ponto de

vista da natureza das fontes de financiamento (de origem fiscal de contribuiccedilotildees

previdenciaacuterios do patrimonial tais como o FGTS PIS PASEP ou oriundos da Loteria

293

Esportiva e dos Fundos especiais) quanto da alocaccedilatildeo e aplicabilidade desses recursos em

contextos de total ausecircncia de mecanismos de controle e avaliaccedilatildeo Isso sem falar da

centralizaccedilatildeo poliacutetica e financeira desses recursos nos acircmbitos estadual e federal em

detrimento de uma efetiva aplicaccedilatildeo dos mesmos pelos governos municipais e da

prevalecircncia do priciacutepio do auto-financiamento dos investimentos sociais como forma

peculiar de privatizaccedilatildeo Essas distorccedilotildees acentuaram a dificuldade de superaccedilatildeo do caraacuteter

retroacutegrado das poliacuteticas sociais brasileiras

Por fim no que se refere agrave privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais houve franca

abertura de espaccedilos para a penetraccedilatildeo de interesses privados mercantis e o proporcional

crescimento da iniciativa privada natildeo mercantil na oferta de bens e serviccedilos sociais agrave

populaccedilatildeo Em consequumlecircncia assistiu-se ao afastamento e agrave diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo

estatal como garante de direitos

Assim a partir do final dos anos 1980 o Brasil passou a conviver com dois

modelos de proteccedilatildeo social Um portador de significativas inovaccedilotildees na aacuterea social com

perspectivas de inclusatildeo social dos trabalhadores assegurada e afianccedilada constitucionalmente

apesar do baixo caraacuteter redistributivo das poliacuteticas sociais E outro minado pela presenccedila de

praacuteticas arcaicas e conservadoras que teimam em natildeo associar a assistecircncia social ao estatuto

da cidadania Isso colocou um grande desafio agrave naccedilatildeo que perdura ateacute hoje De um lado

setores progressistas passaram a defender a promulgaccedilatildeo de uma nova Constituiccedilatildeo propondo

a reformulaccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social maior responsabilidade do Estado na regulaccedilatildeo

financiamento e provisatildeo de poliacuteticas sociais ampliaccedilatildeo do caraacuteter distributivo da seguridade

social como contraponto ao seguro social de caraacuteter contributivo maior controle exercido pela

sociedade sobre o Estado aleacutem de atenccedilatildeo especial a temas trabalhistas (como a extensatildeo do

FGTS a todos os trabalhadores feacuterias remuneradas com mais 13 do salaacuterio licenccedila

paternidade e outros) Mas de outro setores conservadores identificados com a retoacuterica

neoliberal passaram a criticar a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e a defender uma ldquocontra-

reforma conservadorardquo (FAGNANI 1996 p 86) Eacute o que seraacute visto a seguir ressaltando-se a

adesatildeo do proacuteprio Executivo nacional

294

84 A adesatildeo dos governos apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituinte agraves orientaccedilotildees

neoliberais tidas como plurais

Os anos 1980 e 1990 e mais recentemente o iniacutecio dos anos 2000 foram

marcados por forte adesatildeo dos governos brasileiros agraves orientaccedilotildees neoliberais tanto na aacuterea

econocircmica como na social Apesar dos avanccedilos constitucionais de feiccedilatildeo social-democrata

o primeiro governo civil de Joseacute Sarney no periacuteodo de 1985 a 1990 promoveu uma

transiccedilatildeo poliacutetica ainda presa aos velhos estilos de fazer poliacutetica e inibidora da verdadeira

democracia ou seja com Sarney houve mudanccedilas de governo e natildeo de regime no dizer de

Pereira (2004) Dentre as principais iniciativas desse governo destacam-se o Plano

Cruzado (controle da inflaccedilatildeo por meio de reforma monetaacuteria ndash cruzeiro e cruzado_ e

tentativa de desindexaccedilatildeo da economia) o Plano de Metas (articulaccedilatildeo entre crescimento e

combate agrave pobreza) o Plano Nacional de Reforma Agraacuteria a instituiccedilatildeo do seguro-

desemprego e programas de prioridades sociais sob o slogan Tudo pelo Social Contudo

desconsiderava-se a proposta de seguridade social (de estilo beveridgiano) que buscava

extrapolar o acircmbito do seguro sugerindo com a inclusatildeo da assistecircncia social como

direito uma vertente natildeo contratual e natildeo contributiva de proteccedilatildeo social

independentemente da capacidade de contribuiccedilatildeo do assistido

Portanto todas essas iniciativas natildeo ganharam logo materialidade sendo alvos

de sucessivas criacuteticas dos neoliberais mediante expliacutecitas estrateacutegias de desqualificaccedilatildeo dos

textos originais das leis que passaram a regulamentar as poliacuteticas sociais como direitos

Deu-se iniacutecio assim em acircmbito nacional agrave contra-reforma conservadora iniciada em

1987 no governo Sarney e reforccedilada a partir de 1990 pelos governos Collor (1990-1992)

e Fernando Henrique Cardoso (1994-1997 e 1998-2001) A estrateacutegia utilizada foi a de

grande pressatildeo e oposiccedilatildeo aos avanccedilos constitucionais com uso de expedientes que

visavam retardar a regulamentaccedilatildeo de vaacuterios dispositivos da Lei Maior especialmente os

referentes agrave seguridade social Aos neoliberais interessava sobretudo esvaziar o poder

regulador do Estado na defesa do livre funcionamento das forccedilas do mercado

A proposta neoliberal ganhou legitimidade poliacutetica e institucional na chamada

era Collor (1990-1992) quando foram tomadas as primeiras medidas de restriccedilatildeo aos

direitos sociais e agraves poliacuteticas sociais com o objetivo claro de esvaziaacute-las em sua dimensatildeo

puacuteblica (para todos) Reduziram-se as funccedilotildees sociais estatais em favor da ingerecircncia

privada (mercantil e natildeo mercantil) nos assuntos sociais puacuteblicos num momento dominado

295

por altiacutessimos iacutendices de inflaccedilatildeo Com o empeachmant de Collor assumiu o governo

Itamar Franco (1993) que buscou controlar a inflaccedilatildeo com o Plano Real e promoveu a

liberaccedilatildeo de recursos previdenciaacuterios Nesse governo foi aprovada a (Lei Orgacircnica da

Assistecircncia Social (LOAS)) em 1993 antes vetada integralmente pelo governo Collor

Entre 1995-1997 o governo Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro

mandato deu iniacutecio agraves reformas estruturais de vieacutes neoliberal mdash financeira e trabalhista mdash

fortalecendo o chamado livre comeacutercio de integraccedilatildeo regional que envolveria blocos

econocircmicos latino-americanos a exemplo do Mercosul (1992) Cardoso contribuiu para o

avanccedilo da ofensiva neoliberal no Brasil criando as condiccedilotildees para as reformas

constitucionais com fins liberalizantes e mercadoloacutegicos Atendeu-se nesse periacuteodo com

rigor ao princiacutepio neoliberal de menos Estado e mais mercado em detrimento de um

regime de proteccedilatildeo social de natureza puacuteblica Elegeu-se como prioridade a poliacutetica

econocircmica restringindo significativamente o escopo da poliacutetica social Privilegiou-se a

estabilizaccedilatildeo da moeda e promoveu-se a privatizaccedilatildeo sistemaacutetica de bens patrimoniais

puacuteblicos (estatais) de uma forma sem igual na histoacuteria do paiacutes A partir de entatildeo o

mercado foi considerado instacircncia legiacutetima de regulaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais O

desemprego estrutural ganhou visibilidade como consequumlecircncia natural das sociedades

modernas industrializadas e da abertura aos produtos estrangeiros

Uma marca dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso que se reelegeu

em 1998 para um periacuteodo de mais quatro anos foi o alinhamento do executivo nacional

com o Fundo Monetaacuterio Internacional (FMI) e a da regulaccedilatildeo estatal da economia (Estado

miacutenimo) Na aacuterea social foi implementado o Programa Comunidade Solidaacuteria (final

deacutecada 1990) cujo proacuteprio nome explicita a adesatildeo do governo ao pluralismo de bem-

estar ao privilegiar o princiacutepio da solidariedade bem como o setor informal e voluntaacuterio

no trato da problemaacutetica social apresentada pelas pequenas comunidades denominadas

preferencialmente de micro-regiotildees com prevalecircncia de segmentos situados na pobreza

extrema (absoluta) Trata-se o programa comunidade solidaacuteria de um programa residual e

focalizador em que o Estado somente interveacutem apoacutes a constataccedilatildeo (quando esta existe) de

que as referidas comunidades natildeo conseguem mais autofinanciar as accedilotildees plurais ou

mistas poreacutem natildeo puacuteblicas que deveriam empreender

Fernando Henrique Cardoso terminou o segundo governo com os pleitos

liberalizantes em alta legitimados pelos crescentes processos de privatizaccedilatildeo e de

internacionalizaccedilatildeo da economia Os avanccedilos constitucionais que implicavam maior

296

regulaccedilatildeo estatal continuaram (e continuam) sendo colocados em cheque pelos neoliberais

O clamor agora passou a ser a desestatizaccedilatildeo a desregulamentaccedilatildeo econocircmica e social a

privatizaccedilatildeo do patrimocircnio e dos serviccedilos puacuteblicos a flexibilizaccedilatildeo do trabalho (leia-se

das garantias trabalhistas) e da produccedilatildeo Assiste-se atualmente a uma luta desigual De

um lado posicionam-se as elites econocircmicas e empresariais de notaacutevel influecircncia no

governo na miacutedia e nos ciacuterculos poliacuteticos e intelectuais conservadores atacando a

Constituiccedilatildeo federal E de outro resistem a classe trabalhadora e os cidadatildeos

desempregados mas percebendo-se cada vez mais esvaziados em seus recursos poliacuteticos

estrateacutegicos e organizativos

Como consequumlecircncia das medidas contra reformistas adotadas por esses governos

assistiu-se ao retorno de uma praacutetica assistencialista pulverizada descontiacutenua objeto de

manipulaccedilatildeo clientelista e fisiologista agrave paralizaccedilatildeo retrocesso e esvaziamento de vaacuterias

propostas de reformas (das relaccedilotildees trabalhistas das diretrizes gerais formuladas no campo da

educaccedilatildeo do sistema financeiro de habitaccedilatildeo e outras) e como consequumlecircncia agrave contiacutenua e

severa reduccedilatildeo orccedilamentaacuteria (cortes no orccedilamento geral da seguridade social) e ao desmonte

dos direitos sociais com flagrante descaracterizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais ndash em especial da

assistecircncia social e das leis que as regulamenta Sem duacutevida um contexto de regressatildeo poliacutetica

e de fragilizaccedilatildeo da democracia e da cidadania ampliadas pretendidas um campo feacutertil para a

afirmaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo do ideaacuterio neoliberal com sua proposta antiestatal e de negaccedilatildeo dos

direitos de cidadania social E mais FHC desconsiderou a Lei Orgacircnica da Assistecircncia Social

que regulamenta os arts 203 e 204 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobrepondo a ela e agraves suas

orientaccedilotildees poliacuteticas o programa comunidade solidaacuteria jaacute referido

85 As poliacuteticas sociais apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal brasileira

avanccedilos e retrocessos

Como jaacute mencionado com a Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988

inaugurou-se no paiacutes um movimento de ampliaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo de direitos sociais

bem como de expansatildeo da cobertura de serviccedilos nas aacutereas de sauacutede (atendimento de

urgecircncia e de serviccedilos baacutesicos) educaccedilatildeo baacutesica e assistecircncia social (programas de

transferecircncia de renda) No entanto essa expansatildeo deve ser analisada como argumenta

Draibe (1990)

297

Na aacuterea de assistecircncia os chamados programas de transferecircncia eou de

complementaccedilatildeo de renda foram inicialmente reduzidos aleacutem de se guiarem por um

criteacuterio de elegibilidade extremamente excludente Hoje poreacutem tanto o programa Bolsa

Famiacutelia como o Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (BPC) (benefiacutecio constitucional) para

idosos e pesssoas com deficiecircncia pobres satildeo consideradas accedilotildees de massa com cobertura

consideraacutevel tendo inclusive impactos positivos na diminuiccedilatildeo da pobreza absoluta Mas

o seu grande desafio consiste em libertar da pobreza extrema as pessoas atendidas visto

serem programas focalizados

Na aacuterea de educaccedilatildeo baacutesica a expansatildeo da rede escolar e a plena cobertura nas

zonas urbanas para crianccedilas de ateacute 07 anos matriculadas no 1ordm grau foi significativa (90

das crianccedilas ateacute 07 anos tecircm hoje oportunidade de se matricular) Entretanto a taxa de

escolarizaccedilatildeo relativa agrave educaccedilatildeo no 1ordm grau ainda eacute baixa e pouco significativa quando

relacionada ao ciclo baacutesico (faixa etaacuteria de 07 a 14 anos) apoacutes a primeira seacuterie uma vez

que apresenta altas taxas de evasatildeo e repetecircncia (em torno de 50 ao final da 1ordf seacuterie)

Estudos revelam a estreita relaccedilatildeo entre o analfabetismo o mau desempenho escolar a

baixa escolaridade e as condiccedilotildees de renda (baixos niacuteveis) das famiacutelias dessas crianccedilas e

jovens Em torno de 70 pertencem a famiacutelias com rendimento per capita mensal de ateacute

meio salaacuterio miacutenimo (FUNDAP apud DRAIBE 1990 p 19)

Esses dados mostram como o Brasil estaacute longe de ter garantido o ensino baacutesico

como direito agraves famiacutelias brasileiras de baixa renda Tambeacutem na educaccedilatildeo secundaacuteria puacuteblica

e gratuita (que constitui competecircncia dos Estados) a cobertura ainda eacute muito reduzida

Draibe (1990 p 19) chama atenccedilatildeo para o fato de que ldquoem termos de eficiecircncia pedagoacutegica

e de qualidade de ensino as redes baacutesica e secundaacuteria puacuteblicas satildeo em geral as que

apresentam os piores indicadores o que abriu amplo espaccedilo para a rede privadardquo

Por fim argumenta

o ensino de terceiro grau de melhor qualidade do paiacutes tem beneficiado sobretudo e principalmente a estudantes de famiacutelias de renda meacutedia e alta oriundos de escolas baacutesicas e secundaacuterias privadas nas quais melhor se qualificam para disputar vagas nos concursos vestibulares (DRAIBE 1990 p 19)

Na aacuterea de sauacutede puacuteblica satildeo conhecidas as distorccedilotildees do modelo preconizado

pelo SUS O caraacuteter universal do direito agrave sauacutede vem sendo realizado em maacutes condiccedilotildees e

de forma precaacuteria As accedilotildees de sauacutede puacuteblica continuam privilegiando a assistecircncia meacutedica

de natureza ambulatorial e hospitalar apoiada prioritariamente em recursos oriundos da

298

previdecircncia social e fortemente baseada na compra de serviccedilos Na deacutecada de 1990 tais

accedilotildees correspondiam a 70 dos atos meacutedicos do sistema em geral (idem p 20) enquanto

somente 15 dos recursos puacuteblicos eram aplicados em accedilotildees de natureza preventiva e

85 em medicina curativa Esses dados por si soacute satildeo reveladores da incapacidade do

sistema de sauacutede brasileiro de garantir melhorias nos indicadores sociais mais importantes

como mortalidade precoce maior longevidade com qualidade de vida apesar da

ampliaccedilatildeo nos anos recentes da perspectiva de vida dos brasileiros (em torno de 72 anos)

Contudo esta ampliaccedilatildeo convive com baixa qualidade de vida pois muitos brasileiros

chegam agrave faixa aos 70 anos com muitas limitaccedilotildees de sauacutede e dependecircncia de medicaccedilatildeo

(diabetes problemas cardio-vasculares pressatildeo alta obesidade e outros)

Indiscutivelmente diferentes e peculiares formas de privatizaccedilatildeo ainda

prevalecem nas poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede assistecircncia social previdecircncia e educaccedilatildeo Isso

daacute uma ideacuteia por inexpressiva que seja de como o gasto puacuteblico e os recursos destinados

agraves poliacuteticas sociais vecircm sendo administrados no Brasil e da fragilidade dos mecanismos

redistributivos internos assim como dos esquemas de transferecircncias de recursos

financeiros para aacutereas sociais baacutesicas Aleacutem disso no campo da previdecircncia ldquoa cobertura

dessa poliacutetica limita o seu potencial redistributivo devido basicamente a trecircs fatores

expressiva concentraccedilatildeo das contribuiccedilotildees nos niacuteveis inferiores da escala salarial

insuficiente tributaccedilatildeo da grande massa que constitui os setores de maior potencial

contributivo e significativo percentual da populaccedilatildeo que contribui e natildeo eacute abrangida pela

previdecircnciardquo (Draibe 1990 p 21)

Tomando como referecircncia o documento do MDSSAS-PNUDNOBSUAS em

2004 entre as famiacutelias brasileiras com crianccedilas adolescentes e jovens 363 tinham

rendimento per capita familiar de ateacute frac12 salaacuterio miacutenimo e 626 ateacute 1 salaacuterio miacutenimo

Entre as crianccedilas de 7 a 14 anos de idade faixa etaacuteria correspondente ao ensino

fundamental a desigualdade era menor entre ricos e pobres

Entre as crianccedilas de famiacutelias mais pobres a taxa de escolarizaccedilatildeo era de 932

e entre as mais ricas de 997 Por outro acircngulo de anaacutelise morar em municiacutepios com ateacute

100000 habitantes se tem mais chance de ter crianccedilas de 7 a 14 anos fora da escola (entre

7 e 8) do que morar nos grandes municiacutepios ou metroacutepoles onde o percentual varia

entre 2 e 4

299

Tabela 23 de Crianccedilas fora da escola de acordo com a classificaccedilatildeo dos municiacutepios - 2000

Classificaccedilatildeo dos municiacutepios Total de municiacutepios

Total 7 a 14 anos

Total fora da escola

de crianccedilas de 7 a 14 anos fora da escola

Pequenos I (ateacute 20000 hab) Pequenos II (de 20001 a 50000 hab)

Meacutedios (de 50001 a 100000 hab) Grandes (de 100001 a 900000 hab) Metroacutepoles (mais de 900000 hab) TOTAL

4018 964 301 209 15

5507

5910848 5114998 2217452 13379577 4936738 31559613

406220 396220 196212 304955 180217

1483824

687 774 884 227 365 470

Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano 2002 (Apud MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)

Uma variaacutevel considerada importante e que influenciaria a defasagem escolar

seria o rendimento familiar percapita Entre a populaccedilatildeo com 25 anos ou mais a meacutedia de

anos de estudo dos mais pobres era em 2002 de 34 anos e entre os mais ricos de 103

anos de estudo Por outro lado tomando o tamanho dos municiacutepios a defasagem escolar

tambeacutem varia segundo o mesmo indicador sendo maior nos municiacutepios pequenos onde a

meacutedia de anos de estudos fica em 4 anos e nos de grande porte ou metroacutepoles essa meacutedia

sobe para 6 a quase 8 anos de estudos Ou seja aleacutem da renda o tamanho dos municiacutepios

tambeacutem pode interferir no indicador de defasagem escolar

Sobre os efeitos desses aspectos Dain (apud DRAIBE 1990 p 21) ressalta que

ldquoa desigualdade torna antagocircnica a tendecircncia agrave universalizaccedilatildeo e ao direito do contribuinte quando ambos se confrontam na tentativa de ampliar a efetividade da cobertura a partir de um niacutevel insuficiente de recursos e de uma inadequada estrutura de financiamentordquo

Estas satildeo distorccedilotildees do sistema previdenciaacuterio brasileiro responsaacuteveis pelo seu

propalado deacuteficit (que a rigor natildeo deveria existir) bem como pelo natildeo cumprimento dos

objetivos e concepccedilotildees que justificam a sua existecircncia como parte integrante do Sistema de

Seguridade Social Tambeacutem satildeo destaques ndash cujo aprofundamento foge aos objetivos dessa

tese ndash as iniquumlidades e as pronunciadas desigualdades entre trabalhadores urbanos e rurais

(desigualdade esta amenizada com a Reforma da Previdecircncia em 2001) a perversa

distribuiccedilatildeo das aposentadorias (por invalidez e por tempo de serviccedilo) com traccedilos

fortemente regressivos assim como a fragilidade da baixa proteccedilatildeo puacuteblica agraves famiacutelias de

baixa renda (DAIN apud DRAIBE 1990 p 21 e 22)

Um aspecto importante a assinalar no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas eacute que no

Brasil dois fatores importantes tecircm gerado impacto negativo sobre a gestatildeo e o

financiamento das poliacuteticas sociais repercutindo na Assistecircncia Satildeo eles o baixo poder

300

aquisitivo da populaccedilatildeo brasileira gerado pelos baixos salaacuterios o que leva a uma estreita

base contributiva afetando a qualidade dos serviccedilos e o alto grau de concentraccedilatildeo da

riqueza socialmente produzida fazendo com que ldquoa poliacutetica social tenda a se

assistencializar (no sentido de assistencialismo) sobrecarregando os programas sociais e

impedindo a elevaccedilatildeo do patamar de vida da camada da populaccedilatildeo com menor poder

aquisitivordquo (DRAIBE 1990 p 23) Todos esses aspectos ajudam a compreender a forma

residual de organizar a intervenccedilatildeo social do Estado no Brasil na perspectiva neoliberal

que se propotildee pluralista

86 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil paradoxos e particularidades

Jaacute foi dito que o sistema de proteccedilatildeo social brasileiro consolidou-se a partir de

uma concepccedilatildeo patrimonialista e clientelista em particular na relaccedilatildeo puacuteblico-privado

expressando uma visatildeo predominantemente conservadora e com interesses voltados para

demandas externas Segundo Netto (2000) natildeo houve a territorializaccedilatildeo do Estado-Naccedilatildeo

no Brasil O aparato institucional montado aqui diz o referido autor sempre exerceu um

papel heterocircnomo ou seja com baixiacutessimo grau de autonomia nacional em particular no

que se refere agrave regulaccedilatildeo social e agrave formalizaccedilatildeo de garantias dos direitos sociais mesmo

quando se sabe que apenas garantias formais natildeo asseguram a efetividade desses direitos

A questatildeo dos direitos sempre foi tratada pelas elites brasileiras como assunto

superestrutural e ideoloacutegico Nas uacuteltimas deacutecadas a crocircnica crise das poliacuteticas sociais e sua

subordinaccedilatildeo agraves poliacuteticas econocircmicas tornaram-se expressatildeo do caraacuteter regressivo imposto

pela ofensiva neoliberal Daiacute a dificuldade em se construir espaccedilos de pertencimento social

em contextos de subordinaccedilatildeo considerando que uma grande parte dos cidadatildeos brasileiros

estaacute situada abaixo da linha da pobreza eou convivendo com situaccedilotildees-limite No Brasil

sempre prevaleceu a privatizaccedilatildeo do atendimento agraves necessidades sociais em detrimento

da garantia de direitos sociais pois se contrapotildee agrave defesa de direitos pela via das poliacuteticas

puacuteblicas o que requer a reafirmaccedilatildeo da primazia do Estado da participaccedilatildeo ativa da

sociedade e da descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa fortalecendo a construccedilatildeo de

pactos e alianccedilas que expressem accedilotildees coletivas No entanto o que se vecirc satildeo as

necessidades sociais baacutesicas subordinadas agrave loacutegica privatista e a cidadania social reduzida agrave

cidadania civil eou poliacutetica Os serviccedilos sociais deixaram de pautar-se por necessidades e

301

direitos sociais O dever legal do Estado passou a ser determinado eou subordinado aos

limites impostos nos orccedilamentos numa total inversatildeo de prioridades Com base nessa

loacutegica restritiva a democracia foi reduzida a princiacutepios mercadoloacutegicos baseados em

criteacuterios financeiros A ecircnfase passou a ser nos circuitos de mercado que privilegiam a

compra e venda desses bens e serviccedilos sociais Os direitos sociais portanto natildeo mais se

expressam como resultado de lutas sociais e conquistas histoacutericas muito menos como

dever do Estado Tanto eacute assim que no Brasil a pobreza assume caracteriacutesticas de

fenocircmeno multimensional e torna-se expressatildeo da ausecircncia de poder do Estado com

perdas significativas dos padrotildees de seguranccedila e de proteccedilatildeo social puacuteblica A perda desses

padrotildees indica uma forte retraccedilatildeo da cidadania cada vez mais vinculada agrave condiccedilatildeo de

dependecircncia e subalternidade agraves leis de mercado A proteccedilatildeo social que historicamente se

pretendeu no Brasil pelo vieacutes assistencialista clientelista e conservador reitera e fortalece

as ideacuteias de favor benesse e privileacutegios e rechaccedila a linguagem dos direitos

Eacute nesse contexto de privatizaccedilatildeo e de fortalecimento de uma cultura avessa aos

direitos que o pluralismo de bem-estar comeccedilou a ganhar adeptos no Brasil apoacutes a adesatildeo

dos governos brasileiros em particular do periacuteodo compreendido entre os anos 1985 E

2002 ndash e de vaacuterios setores da sociedade civil ndash agrave proposta pluralista neoliberal aqui

difundida a partir dos anos 1980 Esta adesatildeo logo apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo de

1988 confirma a postura do Estado brasileiro como a de um Estado forte para o capital e

restrito e relutante para a proteccedilatildeo social ao cidadatildeo pobre No entanto segundo Pereira

(2000) constata-se no Brasil desde o final dos anos 1970 (periacuteodo de governo militar) a

expansatildeo e modernizaccedilatildeo de um conjunto de instituiccedilotildees serviccedilos e formas de intervenccedilatildeo

social voltados para o enfrentamento da desigualdade social Tais medidas receberam tal

atenccedilatildeo por parte do Estado que acreditou-se ter chegado o momento de se efetivar no

paiacutes um novo padratildeo de bem-estar puacuteblico A poliacutetica social finalmente passou a ser

pensada e tratada de forma racional em particular em relaccedilatildeo agraves medidas direcionadas ao

bem-estar das camadas mais pobres Ao ser incorporada agrave maacutequina burocraacutetico-

administrativa do Estado a poliacutetica social ganhou visibilidade poliacutetica e um novo status no

discurso oficial passando a ser considerada um instrumento poliacutetico importante na

superaccedilatildeo das necessidades sociais De forma estrateacutegica argumenta Pereira (2000) o

Estado brasileiro assumiu uma postura mais agressiva no atendimento puacuteblico buscando

atacar os bolsotildees de miseacuteria e de pobreza pela via de grandes projetos sociais com apoio

financeiro externo Inaugurou-se portanto a seu ver um novo pacto social envolvendo o

302

Estado e as massas Para tanto foi alocada consideraacutevel soma de recursos para o setor

social incorporada na rubrica poliacutetica social que passou a compor os orccedilamentos

governamentais71 Mas isso como diz a autora funcionou como um contrapeso agrave ausecircncia

de direitos civis e poliacuteticos ainda cerceados Para Carvalho (2001) em 1974 deu-se iniacutecio

agrave chamada abertura poliacutetica A ecircnfase dada agrave conquista dos direitos encontrou terreno feacutertil

junto agrave populaccedilatildeo As intensas lutas poliacuteticas e a mobilizaccedilatildeo em massa atingiram as bases

institucionais da sociedade e ateacute mesmo setores conservadores aderiram aos movimentos

estudantil operaacuterio eou camponecircs (a exemplo da Igreja Catoacutelica) Demonstrava-se assim

a partir da sociedade civil organizada uma niacutetida preocupaccedilatildeo de se instituir um novo

padratildeo de proteccedilatildeo social que garantisse bem-estar a todos Motivado por essa conjuntura e

pelos ventos da redemocratizaccedilatildeo esse contexto (com destaque para o periacuteodo de 1985 a

1988) caracterizou-se como um momento rico e feacutertil para o debate das poliacuteticas sociais O

conhecimento puacuteblico da situaccedilatildeo social do paiacutes decorrente da maacute distribuiccedilatildeo de renda

despertou na opiniatildeo puacuteblica um grande interesse por temas como democracia cidadania

igualdade e justiccedila social

Entretanto eacute forccediloso reconhecer que a abertura de canais de participaccedilatildeo natildeo

foi suficiente para promover mudanccedilas e avanccedilos significativos que resultassem na

reduccedilatildeo dos iacutendices de miseacuteria e de pobreza no sentido de alterar o quadro de

desigualdades sociais e de se consolidar um pacto social e poliacutetico mais abrangente Se de

um lado a democracia incorporou-se agrave poliacutetica e aumentou o niacutevel de consciecircncia das

massas de outro natildeo possibilitou alteraccedilatildeo na estrutura estratificada e desigual da

sociedade72 Paradoxalmente o paiacutes continuou enfrentando problemas cada vez mais

complexos relacionados ao modelo econocircmico e social vigente altamente concentrador e

excludente No final dos anos 1970 e iniacutecio de 1980 a poliacutetica econocircmica brasileira

71 Agrave ocasiatildeo foram arrecadados recursos por intermeacutedio de Fundos de Participaccedilatildeo como Fundo de Garantia Trabalhista (FGTS) Programa de Integraccedilatildeo Social (PISPASEP) Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) Fundo Rural (FUNRURAL) Dentre as medidas tomadas pelo Estado destacam-se a) criaccedilatildeo do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS) criaccedilatildeo do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento (FAZ) criaccedilatildeo de Programas especiais tais como Sistema Nacional de Emprego (SINE) unificaccedilatildeo do Programa de Integraccedilatildeo Social-PISPASEP reformulaccedilatildeo do Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo (SFH) bem como a vinculaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Nacional de Bem-Estar (FUNABEM) e da Legiatildeo Brasileira de Assistecircncia Social (LBA) ao Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (MPAS) oacutergatildeo responsaacutevel pela poliacutetica de bem-estar do menor e da assistecircncia social (Carvalho 2001) e outros 72 Segundo Carvalho (2001) os cidadatildeos brasileiros podem ser classificados em trecircs niacuteveis a) os que recebem acima de vinte salaacuterios miacutenimos e constituem a maioria da populaccedilatildeo b) os cidadatildeos comuns sujeitos aos rigores da lei Satildeo trabalhadores assalariados com carteira assinada pequenos proprietaacuterios urbanos e rurais Tecircm noccedilatildeo de seus direitos e recebem de dois a vinte salaacuterios miacutenimos e c) os trabalhadores urbanos sem carteira assinada que constituem a grande maioria da populaccedilatildeo marginalizada nas grandes cidades Para esse segmento vale apenas o coacutedigo penal

303

adotada a exemplo de outros paiacuteses seguiu o receituaacuterio ortodoxo do FMI com medidas

de caraacuteter monetarista Era o iniacutecio do desmonte do Estado de Bem-estar keynesiano-

fordista no cenaacuterio internacional e da ascensatildeo da ofensiva neoliberal mediante a

incorporaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo de uma proposta plural ou mista de cunho antiestatizante

Carvalho (2001) ao analisar as consequumlecircncias imediatas dessa nova orientaccedilatildeo

soacutecio-econocircmica mundial afirma que no campo da cidadania apenas uma parcela reduzida

da populaccedilatildeo brasileira foi beneficiada A sociedade brasileira frustrada com os governos

civis poacutes-Constituiccedilatildeo que aderiram agraves exigecircncias macroeconocircmicas do capital

internacional viu decrescer sua crenccedila nos poliacuteticos A corrupccedilatildeo foi acentuada com

esquemas ambiciosos envolvendo altos escalotildees como jamais se viu no paiacutes Com esse

quadro social e poliacutetico cresceram as incertezas e reduziram-se as esperanccedilas De forma

contrastada o Brasil passou a conviver de um lado com uma tecnologia de ponta e iacutendices

de progresso de primeiro mundo (em algumas regiotildees) e de outro com iacutendices de

estagnaccedilatildeo analfabetismo pobreza e fome nunca vistos

Diante disso haacute que se reconhecer que no Brasil apesar dos avanccedilos

democraacuteticos com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 natildeo se viabilizou de

forma substantiva uma poliacutetica puacuteblica de bem-estar e de proteccedilatildeo ao trabalho73 O que se

tem eacute uma poliacutetica de proteccedilatildeo agrave reproduccedilatildeo ampliada do capital em nome de um suposto

crescimento econocircmico sem investimentos na aacuterea social com restriccedilotildees dos direitos

sociais A situaccedilatildeo em que se encontram as poliacuteticas sociais e em particular a assistecircncia

social no Brasil a partir dos anos 1980 eacute paradoxal Essa situaccedilatildeo desvela o antagonismo

histoacuterico-estrutural entre os princiacutepios da focalizaccedilatildeo e da universalizaccedilatildeo bem como a

tensatildeo existente entre uma concepccedilatildeo de Estado de bem-estar neokeynesiano de natureza

puacuteblica e universalizadora e uma concepccedilatildeo neoliberal de Estado de natureza regressiva

focalizadora e privatizante Constata-se ainda como tendecircncia dominante que as

inovaccedilotildees propostas com a Constituiccedilatildeo de 1988 - no que se refere agrave formaccedilatildeo e

73 Os censos brasileiros das deacutecadas de 1980 e 1990 revelam que a riqueza gerada no paiacutes natildeo soacute foi desigualmente distribuiacuteda como tambeacutem natildeo apresentou sinais de correccedilatildeo dessa disparidade aleacutem de natildeo se haver criado medidas eficientes de proteccedilatildeo social Isso mostra que historicamente as poliacuteticas sociais e econocircmicas brasileiras visaram menos a questatildeo da justiccedila social e da equidade e mais a criaccedilatildeo de condiccedilotildees favoraacuteveis agrave eficaacutecia do crescimento econocircmico e do processo de acumulaccedilatildeo e legitimaccedilatildeo do poder poliacutetico estatal Aleacutem do mais o inexpressivo impacto distributivo (ou redistributivo) que se viu assumiu caraacuteter residual natildeo sendo suficiente para alterar os iacutendices de desigualdade social do paiacutes Nesse processo vaacuterias contradiccedilotildees afloram como a que ao mesmo tempo em que o Estado precisa tomar medidas fiscais draacutesticas torna-se impossiacutevel evitar o embate entre os propoacutesitos de uma justiccedila social que implica democratizaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo de um Estado miacutenimo privatista e injusto orientado por uma concepccedilatildeo primaacuteria de justiccedila no trato da questatildeo social

304

implementaccedilatildeo de poliacuteticas sociais puacuteblicas deram-se em grande maioria apenas no

campo do ordenamento juriacutedico-formal A assistecircncia social foi institucionalizada como

poliacutetica social puacuteblica de seguridade social concretizadora de direitos sociais Mas a

proposta pluralista que passou a ser veiculada sob a forma de redes ganhou adesatildeo do

governo central e de vaacuterios setores natildeo-oficiais da sociedade civil chamados a colaborar

na resoluccedilatildeo dos problemas sociais pela via do trabalho assistencial voluntaacuterio e informal

portanto natildeo-institucionalizado Assim fraccedilotildees do empresariado organizaccedilotildees natildeo-

governamentais-ONGs grupos familiares vizinhos e amigos foram chamados a aderir

como de fato ocorreu a esse discurso ideoloacutegico e neoconservador de forte teor neoliberal

Em contrapartida difundiu-se uma cultura antiestatal intensificando esforccedilos para

desqualificar o Estado Social esvaziando-o de sua funccedilatildeo puacuteblica antes mesmo de essa

concepccedilatildeo se consolidar no paiacutes Portanto o recente interesse do Estado brasileiro em

fortalecer a sociedade atendendo agraves orientaccedilotildees neoliberais de uma assistecircncia plural ou

mista tem se traduzido em sobrecarga para a mesma (e natildeo em seu protagonismo poliacutetico)

especialmente para as famiacutelias vizinhos e amigos que compotildeem o chamado setor informal

da proteccedilatildeo social E isso tem relaccedilatildeo com o padratildeo de financiamento e gasto social que

no Brasil apresenta a seguinte performance

A Constituiccedilatildeo brasileira prevecirc que a seguridade social seja financiada por

toda a sociedade de forma direta ou indireta por meio de recursos fiscais provenientes

dos orccedilamentos da Uniatildeo Estados e Municiacutepios e das contribuiccedilotildees sociais Mas

Draibe (1990 p 16) afirma que nesse campo o Brasil sob influecircncia neoliberal

ldquoadotou um padratildeo de financiamento de caraacuteter conservador regressivo por duas

razotildees a primeira porque o Estado brasileiro gasta uma proporccedilatildeo relativamente

pequena em relaccedilatildeo ao que arrecada com impostos e contribuiccedilotildees sociais e a segunda

porque o montante desse gasto torna-se inexpressivo no conjunto do dispecircndio social

Daiacute ser possiacutevel afirmar que o gasto social brasileiro apoiou-se sempre nos fundos

sociais previdenciaacuterios (ancorados na relaccedilatildeo salaacuteriocontribuiccedilatildeo) e em outros

recursos com participaccedilatildeo cada vez mais reduzida dos recursos de origem fiscal

(AZEREDO apud DRAIBE 1990 p 16) Como consequumlecircncia dessa orientaccedilatildeo

Draibe destaca alguns aspectos relevantes tais como

a) Os Fundos previdenciaacuterios oneram sobretudo os assalariados por operarem como

impostos indiretos e por isso natildeo terem uma destinaccedilatildeo especiacutefica Esses impostos

305

satildeo repassados para os preccedilos das mercadorias e arcados segundo os mesmos

caacutelculos pelo conjunto dos consumidores apenando os pobres

b) Por exigirem remuneraccedilatildeo a aplicaccedilatildeo nos Fundos eacute frequumlentemente submetida a

criteacuterios econocircmicos e financeiros de rentabilidade e por estarem apoiados sobre a

massa salarial os recursos desses fundos ficam vulneraacuteveis agraves oscilaccedilotildees da

economia daiacute a reduccedilatildeo de suas receitas que satildeo proporcionalmente diminuiacutedas com a

queda dos niacuteveis de emprego e da meacutedia real de salaacuterios

Outro aspecto a destacar eacute o autofinanciamento dos fundos que se tornou uma

forma de privatizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais a saber

a) historicamente a partir dos anos 1980 usuaacuterios das poliacuteticas sociais brasileiras tenderam a

pagar (ou autofinanciar) pelos serviccedilos puacuteblicos mesmo jaacute tendo contribuiacutedo antes de

forma direta (via imposto direto) ou indireta (via imposto indireto)

b) a reduccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado nos setores sociais somada agrave cobertura de

espaccedilos para a penetraccedilatildeo de interesses privados no aparelho do Estado gerou a

chamada praacutetica do financiamento puacuteblico da produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo privada de bens

e serviccedilos sociais bem como o crescimento do setor privado na oferta desses serviccedilos

Tais serviccedilos passaram a ser procurados e financiados por usuaacuterios com capacidade de

pagamento (em algumas situaccedilotildees ateacute mesmo pela precariedade dos serviccedilos

puacuteblicos) numa flagrante e peculiar forma de privatizaccedilatildeo agrave brasileira Em relaccedilatildeo ao

financiamento e gasto social no campo da assistecircncia social (acircmbito federal ndash

MPASFNAS) pesquisa realizada por Boschetti (2001) ndash periacuteodo 1994-2002 ndash sobre

os entraves e desafios colocados pela dispersatildeo e pulverizaccedilatildeo dos recursos nesta aacuterea

eacute reveladora dos mecanismos utilizados no financiamento dessa poliacutetica

A premissa de que haacute uma tendecircncia no Brasil agrave seletividade e a residualidade

da assistecircncia social eacute confirmada por esse estudo (2001) que indica o quanto a estrutura

orccedilamentaacuteria da Uniatildeo eacute regressiva em relaccedilatildeo aos tributos diretos e indiretos No limite

trata-se da constataccedilatildeo empiacuterica de um processo contraditoacuterio marcado por restriccedilotildees e

recuos pela ausecircncia de uma potencialidade redistributiva mas tambeacutem pardoxalmente

por inovaccedilotildees e avanccedilos no reconhecimento e recomposiccedilatildeo dessa poliacutetica em bases

democraacuteticas e participativas a partir da Constituiccedilatildeo de 1988 como jaacute assinalado

306

87 Tendecircncias em curso proposta de um novo formato de poliacutetica social brasileira

sob o influxo do pluralismo de bem-estar

Do exposto percebe-se como a retoacuterica e as praacuteticas liberais privatizantes e

conservadoras vecircm ganhando espaccedilos no acircmbito do Estado e da sociedade brasileira e

gradativamente de forma sutil vecircm produzindo mudanccedilas na realidade e no imaginaacuterio

coletivo Gradativamente estatildeo sendo alteradas e ampliadas as possibilidades de

participaccedilatildeo e de organizaccedilatildeo da sociedade na provisatildeo plural ou mista dos serviccedilos

sociais a qual vem se firmando como tendecircncia

A influecircncia do neoliberalismo no Brasil em sua roupagem pluralista tem

ditado a adoccedilatildeo de distintos modos de equiliacutebrio entre as accedilotildees do Estado (setor oficial) e

da sociedade civil por meio da accedilatildeo dos setores informal voluntaacuterio e comercial na

produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais Com base nessa constataccedilatildeo pretende-

se discorrer aqui sobre as principais inovaccedilotildees decorrentes desse estilo de fazer poliacutetica

que tecircm se traduzido em tendecircncia a partir dos anos 1980 e afetado a concepccedilatildeo o

desenho institucional e o perfil das poliacuteticas sociais brasileiras tanto do ponto de vista

poliacutetico institucional e social quanto das relaccedilotildees estabelecidas entre o Estado (setor

oficial) e a sociedade

Curiosamente configuram-se hoje como forte tendecircncia no cenaacuterio brasileiro

(seja como proposta liberal ou social-democrata) diretrizes de participaccedilatildeo e de

descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa ancoradas em distintas vertentes tais como

localismo municipalizaccedilatildeo e prefeiturizaccedilatildeo e desconcentraccedilatildeo com vista a um maior

comprometimento com a dinacircmica das pequenas comunidades Todas essas vertentes

demonstram uma forma comum de conceber o espaccedilo poliacutetico e institucional das poliacuteticas

sociais usando os termos acima indicados para fins semelhantes A base da

descentralizaccedilatildeo tem sido associada aos processos de democratizaccedilatildeo a exemplo do que

vem ocorrendo nos paiacuteses capitalistas centrais Mas apesar da intenccedilatildeo a praacutetica revela

que descentralizar municipalizar ou mesmo localizar natildeo significa necessariamente

democratizar Ao contraacuterio haacute registros histoacutericos na Ameacuterica Latina (como no caso

chileno) de que processos ditos descentralizados abriram espaccedilos para formas de poliacuteticas

arbitraacuterias e autoritaacuterias Tambeacutem haacute situaccedilotildees em que a descentralizaccedilatildeo apenas de

responsabilidades e encargos sem repasse dos recursos necessaacuterios tem se constituiacutedo em

mero instrumento justificador da reduccedilatildeo do gasto social puacuteblico Eacute o caso de muitos

307

municiacutepios brasileiros que apresentam uma realidade bastante heterogecircnea em relaccedilatildeo agrave

eficiecircncia (ou deficiecircncia) de recursos financeiros poliacuteticos e humanos

No caso do Brasil a proacutepria Constituiccedilatildeo Federal de 1988 previu mecanismos

de natureza descentralizada capazes de elevar o grau de participaccedilatildeo da sociedade na

implementaccedilatildeo de tais poliacuteticas e na descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa das accedilotildees

encargos e recursos na perspectiva da democracia e da cidadania ampliadas No entanto

na praacutetica destaca-se uma tendecircncia paralela especialmente no acircmbito da assistecircncia

social Trata-se das recentes mudanccedilas ocorridas nas relaccedilotildees entre Estado e sociedade e

dentro desta nos setores informais que conheceram um reordenamento de sua participaccedilatildeo

Tais mudanccedilas expressam uma nova forma do Estado Social se fazer presente na provisatildeo

social ou melhor de se fazer ausente em tudo o que ultrapasse accedilotildees minimalistas bem

como uma nova centralidade atribuiacuteda agrave sociedade civil como substituta da esfera estatal -

em que pese a reconhecida insuficiecircncia dessas organizaccedilotildees (associaccedilotildees de vizinhanccedila

organismos comunitaacuterios organizaccedilotildees informais e voluntaacuterias e de redes de ONGs) na

garantia dos direitos sociais Estas satildeo experiecircncias apresentadas como alternativas

(DRAIBE 1990 p 36) de reordenamento das relaccedilotildees desses setores com o Estado e a

economia sob a forma de autoajuda de ajuda muacutetua de mutirotildees de praacuteticas

comunitaacuterias e familiares de cuidados de crianccedilas idosos enfermos e outros Em

verdade esses setores da sociedade civil estatildeo sendo responsabilizados por essas novas

formas de sociabilidade pela rearticulaccedilatildeo dos espaccedilos e das demandas sociais nas quais

se processam as poliacuteticas sociais bem como pela reorganizaccedilatildeo do tecido social

esgarccedilado pelos efeitos disruptivos das poliacuteticas econocircmicas vigentes de orientaccedilatildeo

neoliberal O surgimento recente das praacuteticas associativistas eacute tambeacutem expressatildeo dessas

mudanccedilas e dessas novas formas de participaccedilatildeo social que desoneram o Estado de

questotildees menores para que o mesmo possa se dedicar a questotildees maiores e substantivas

ligadas agraves poliacuteticas macro econocircmicas

A reduccedilatildeo do comprometimento do Estado aos programas de transferecircncia de

renda ou de renda miacutenima dirigidos agrave populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza extrema eacute outra

tendecircncia que demonstra a quebra do protagonismo do Estado na conduccedilatildeo da poliacutetica

social tal como prevecirc o pluralismo de bem-estar O caso brasileiro eacute exemplar desse modo

assistencial O Brasil ao aderir a essas estrateacutegias tidas como modernas ou de uacuteltima

geraccedilatildeo natildeo obstante os iacutendices de pobreza e de desigualdade social que ostenta consegue

criar situaccedilotildees paradoxais e sui generis como esta de um lado cria uma legislaccedilatildeo de

308

perfil progressista que organiza e regulamenta a aacuterea social propondo um rigoroso

planejamento descentralizado das accedilotildees (e mais recentemente a unificaccedilatildeo dos programas

e accedilotildees no acircmbito da poliacutetica de assistecircncia (SUAS 2004) a exemplo do SUS) e de outro

adere agrave tese minimalista do Estado com ecircnfase no papel do setor privado que para a nova

direita significa preponderacircncia do mercado Se essas tendecircncias e questotildees

permanecessem como um traccedilo nacional por si jaacute seriam regressivas considerando o

tamanho do Brasil e de seus iacutendices de pobreza e de desigualdades Mas ao se espalharem

pelo mundo como produto de decisotildees poliacuteticas eacute de se temer pelo futuro da democracia e

da cidadania em acircmbito planetaacuterio

Nesse contexto de preocupaccedilotildees e perplexidades uma grande polecircmica em

pauta eacute a questatildeo do crescimento econocircmico e do desenvolvimento social com

predomiacutenio do econocircmico sobre o social e portanto sobre os direitos sociais Ou seja no

Brasil a discussatildeo sobre o crescimento econocircmico natildeo se vincula (nem mesmo ao niacutevel da

retoacuterica) com o desenvolvimento social como questatildeo de direitos Dito em outros termos

aqui as resistecircncias poliacuteticas e os debates dominantes natildeo permitem sequer como ponto de

pauta a ideacuteia de que crescimento econocircmico pode (e deve) produzir efeitos redistributivos

gerando melhorias nas condiccedilotildees de vida da populaccedilatildeo como dever do Estado e quebrando

o ciclo perveso da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo (inclusive geracional) da pobreza

Portanto o que estaacute em questatildeo natildeo eacute tanto a crise do Estado capitalista nem de

um determinado modelo de accedilatildeo econocircmica e social estatal A grande questatildeo de fato eacute que

se pretende a substituiccedilatildeo das funccedilotildees do Estado garantidor de direitos pela sociedade

destituiacuteda de tal prerrogativa Essa eacute a questatildeo central posto que nela a justiccedila redistributiva

e direitos sociais parecem prescindir da accedilatildeo estatal e do seu comprometimento ciacutevico Ou

melhor eacute como se fosse possiacutevel a justiccedila e os direitos sociais se constituirem em objeto de

interesse particulares corporativos e egoiacutestas

Em suma no contexto da crise do Estado capitalista que perdura ateacute hoje de

propostas polecircmicas de reforma do Estado e de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas sociais em

bases neoliberais ganha densidade a defesa de reduccedilatildeo do setor puacuteblico amparada no

conceito de privatizaccedilatildeo que em tese significa ldquoum movimento que partindo do Estado

em direccedilatildeo ao setor privado leva agrave reduccedilatildeo das atividades e funccedilotildees anteriormente

exercidas pelo Estado e agrave ampliaccedilatildeo do mercado ndash setor privado (DRAIBE 1990 p 43)

Sobre a privatizaccedilatildeo sabe-se que haacute incontaacuteveis argumentos proacutes e contras

Esses argumentos se desenvolvem segundo orientaccedilotildees poliacutetico-ideoloacutegicas distintas

309

(liberais neoliberais e conservadoresnova direita marxistas social-democratas) Tomando

o argumento mais recorrente ndash o da nova direita - o conceito de privatizaccedilatildeo significa em

sentido estrito a tese antiestatal do Estado miacutenimo com forte reorientaccedilatildeo das accedilotildees do

Estado para o setor privado e com reduccedilatildeo das funccedilotildees do setor puacuteblico Nessa concepccedilatildeo

prevalecem as ideacuteias do natildeo puacuteblico e do natildeo estatal da desregulaccedilatildeo (sem regras fixas) e

da desregulamentaccedilatildeo do mercado e da economia

Eacute proposto assim um novo substrato para as poliacuteticas sociais agora

destituiacutedas de sua dimensatildeo puacuteblica com mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo e

implementaccedilatildeo dos seus chamados eixos (eou dimensotildees) programaacuteticos quais sejam

gestatildeo participativa controle democraacutetico e financiamento puacuteblico A ecircnfase maior dos

neoliberais e neoconservadores (ou da nova direita) eacute dada ao mundo dos interesses

particularistas e aos serviccedilos pessoais e localizados (famiacutelias e pequenas comunidades)

nos quais a relaccedilatildeo interpessoal se daacute de forma direta (sem a mediaccedilatildeo do Estado) e por

isso torna-se mais efetiva Na aacuterea econocircmica eacute fortalecida a doutrina baseada no

pensamento monetarista de Hayek A ideacuteia de privatizaccedilatildeo da economia atinge tambeacutem os

bens e serviccedilos sociais Daiacute a ecircnfase na relaccedilatildeo entre Estado e o setor privado lucrativo

(firmas e empresas que operam no mercado com objetivos lucrativos) entre Estado e setor

privado natildeo-lucrativo onde tambeacutem se inclui o terceiro setor que eacute chamado a colaborar

na produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo desses bens e serviccedilos sociais

O conceito de privatizaccedilatildeo em sentido amplo eacute adotado por algumas correntes

denominadas progressistas natildeo radicais e ou por representantes da social-democracia

ldquoAdotar o conceito de privatizaccedilatildeo nesse sentido significa propor mecanismos que combinam

o financiamento puacuteblico (da produccedilatildeo eou do consumo) com operaccedilotildees de distribuiccedilatildeo que

envolvem o mercadordquo (DRAIBE 1990 p 43) Essas correntes admitem o reforccedilo do natildeo-

puacuteblico do natildeo-estatal do setor privado natildeo-lucrativo (filantroacutepico natildeo-governamental) e

evidenciam a multiplicidade e complexidade dessas proposiccedilotildees e conceitos que mais

dificultam o entendimento do que contribuem Tais proposiccedilotildees fundamentadas na

racionalidade neoliberal admitem a diminuiccedilatildeo do investimento e gasto estatal do papel

produtivo eou distributivo do Estado Nesse caso especiacutefico o conceito de privatizaccedilatildeo tem o

mesmo significado que liberalizaccedilatildeo da economia muito embora natildeo sejam sinocircnimos Isso

porque nesta definiccedilatildeo mais ampla (leia-se menos rigorosa) de privatizaccedilatildeo o setor privado eacute

concebido e defendido num sentido muito mais geral e conservador do que aquele que o

vincula ao setor privado lucrativo em sentido estrito Ou seja sob essa oacutetica em que o setor

310

privado eacute reduzido e visto apenas como natildeo-Estado todas as atividades presentes na sociedade

passam a incorporaacute-lo tais como informais voluntaacuterios domeacutesticos familiares e

associativistas bem como as corporaccedilotildees ou cooperativas e organizaccedilotildees natildeo-govenamentais

isto eacute todo o setor privado natildeo mercantil denominado terceiro setor para alguns e segmentos

autocircnomos da sociedade para outros (DRAIBE 1990 p 43) Essas correntes demonstram ao

adotar tal flexibilidade em relaccedilatildeo agrave concepccedilatildeo de setor privado que natildeo estatildeo preocupadas

com a garantia de poliacuteticas puacuteblicas e muito menos com os direitos sociais Natildeo estatildeo

comprometidas tambeacutem com a ideacuteia de que o direito social soacute se concretiza sob garantia do

Estado pela via de poliacuteticas puacuteblicas com a participaccedilatildeo da sociedade

Percebe-se que nessa perspectiva o binocircmio puacuteblico-privado natildeo conteacutem

nenhuma ideacuteia de complementaridade ou ateacute mesmo de contradiccedilatildeo eou de oposiccedilatildeo por

guiarem-se por princiacutepios distintos As fronteiras entre esss conceitos foram diluiacutedas e aiacute

basta natildeo ser Estado ou natildeo ser governo para ser reconhecido como setor privado

orientando-se conforme as leis de mercado E o mais grave eacute que o termo puacuteblico fica

reduzido agrave dimensatildeo estatal ou governamental Eacute nesse emaranhado de conceitos que passa

a ser justificada a existecircncia do chamado agregado de bem-estar ou seja em que se faz

adesatildeo (impliacutecita ou expliacutecita) ao pluralismo de bem-estar de feiccedilatildeo neoliberal Esta eacute a

questatildeo de fundo desta tese que argumenta que a accedilatildeo plural ou mista natildeo significa accedilatildeo

puacuteblica ndash se se entende por accedilatildeo puacuteblica toda accedilatildeo organizada planejada financiada e

reconhecida pelo Estado e guiada pelo princiacutepio da universalizaccedilatildeo do acesso e usufruto de

bens e serviccedilos sociais Isto eacute uma accedilatildeo para todos na perspectiva da cidadania ampliada

da democracia igualitaacuteria e da justiccedila redistributiva que compromete o Estado na sua

garantia A provisatildeo social pode ser feita tambeacutem pela sociedade civil mas sempre

referenciada a um projeto em que o Estado natildeo tenha que abdicar de seu papel

intransferiacutevel de garante de direitos

Ainda em relaccedilatildeo aos vaacuterios argumentos proacutes e contras ao conceito de

privatizaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea Draibe (1990 p 43) indica muacuteltiplos

mecanismos utilizados na implementaccedilatildeo da privatizaccedilatildeo em sentido amplo Apesar de natildeo

constituir objeto de interesse deste estudo destacam-se dois desses mecanismos para fins

de ilustraccedilatildeo a) a privatizaccedilatildeo em sentido absoluto quando o governo cessa uma atividade

produtiva eou distributiva e a transfere ao setor privado mercantil reduzindo seus ativos e

poder de controle nesse sentido a privatizaccedilatildeo ocorre em todas as dimensotildees ou seja natildeo

haacute financiamento puacuteblico nem para a produccedilatildeo nem para o consumo de bens e serviccedilos

311

sociais b) a privatizaccedilatildeo decorrente da insuficiecircncia (ou falecircncia) das agecircncias puacuteblicas

existentes Quando essa situaccedilatildeo ocorre os demandantes dos serviccedilos dessas agecircncias se

dirigem ao setor privado esse desengajamento do governo que transfere as demandas

puacuteblicas para o setor privado configura-se como uma privatizaccedilatildeo impliacutecita muitas vezes

iniciada com a precarizaccedilatildeo dos serviccedilos depois mediada pela terceirizaccedilatildeo para entatildeo

ser justificada pela necessidade de privatizaccedilatildeo

Esse breve quadro evidencia a centralidade dos mecanismos de privatizaccedilatildeo

face aos novos formatos da poliacutetica social brasileira em tempos neoliberais Esse eacute o retrato

da situaccedilatildeo no Brasil a partir dos anos 1980 onde a partir do debate sobre o conceito de

privatizaccedilatildeo em sentido amplo eacute que passou-se a entender a proliferaccedilatildeo das associaccedilotildees

informais e voluntaacuterias das organizaccedilotildees natildeo-governamentais das redes assistenciais e dos

programas de transferecircncia de renda (ou de renda miacutenima) Essas praacuteticas que natildeo podem

ser confundidas com economia informal (desemprego estrutural) desenvolvidas pelas

famiacutelias vizinhanccedilas e pela comunidade (ajuda muacutetua autoajuda cuidados com crianccedilas e

idosos e outros) tecircm-se desenvolvido sobretudo no acircmbito das poliacuteticas sociais Surgem

no bojo da crise do Estado capitalista e passam a ser justificadas ideologicamente pelos

neoliberais como alternativas democratizantes e socialmente uacuteteis Sabe-se que a crise

econocircmica atual do capitalismo e a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica associada a essa crise produz

alteraccedilotildees nas relaccedilotildees sociais vigentes dentre as quais a reduccedilatildeo eou encurtamento do

espaccedilo do trabalho remunerado74 Natildeo se trata certamente da ideacuteia concebida de tempo

livre como o tempo do lazer e do oacutecio ateacute porque essa realidade ainda estaacute bastante

distante da realidade brasileira

Todos esses fatos revelam que sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar ocorreu

a subordinaccedilatildeo dos criteacuterios de justiccedila social e do exerciacutecio da democracia e da cidadania

aos princiacutepios da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do mercado econocircmico Essa situaccedilatildeo tem

reduzido substancialmente as possibilidades de alteraccedilatildeo da histoacuterica estrutura de

desigualdades sociais do paiacutes pois o Estado brasileiro em mateacuteria de bem-estar social

sempre foi um Estado miacutenimo

Com base nessas constataccedilotildees eacute possiacutevel afirmar que historicamente tanto no

periacuteodo anterior a 1988 como a partir da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo federal de 1988 as

poliacuteticas sociais brasileiras sempre tiveram um perfil bem caracteriacutestico qual seja

74 Ver anaacutelise de Draibe (1990 p 49-50) sobre a relaccedilatildeo entre reduccedilatildeo da jornada de trabalho aumento e uso do tempo livre pela sociedade contemporacircnea e o preenchimento desse tempo do natildeo trabalho com atividades irformais e voluntaacuterias

312

a) elitistas e restritas (natildeo para todos) bem como baseadas em criteacuterios meritocraacuteticos

(meacuterito pessoal e exigecircncia do viacutenculo contributivo) e por isso sem vinculaccedilatildeo com o

princiacutepio da universalizaccedilatildeo da cobertura social

b) natildeo redistributivas agravando ainda mais as desigualdades sociais

c) natildeo avaliadas e natildeo planejadas prevalecendo a ausecircncia da cultura de prestaccedilatildeo de

contas agrave sociedade pelo Estado e da transparecircncia em relaccedilatildeo agraves fontes de recursos e

aos criteacuterios de partilha Ausecircncia de controle democraacutetico pela sociedade civil

d) burocraacuteticas e clientelistas dificultando o acesso aos bens e serviccedilos e aos recursos

pelos legiacutetimos usuaacuterios (favorecimento poliacutetico)

e) residuais com reduzidas responsabilidades do Estado na regulaccedilatildeo no financiamento

e na previsatildeo de poliacuteticas sociais

f) contributivas com prevalecircncia da ideacuteia de contrato e de seguro social previdenciaacuterio

g) tuteladoras e assistencialistas sem qualquer vinculaccedilatildeo com mecanismos de concretizaccedilatildeo

de direitos sociais e com o princiacutepio da inclusatildeo social na cobertura do atendimento

h) uma poliacutetica pobre para pobre com definiccedilatildeo de patamares miacutenimos dos valores dos

benefiacutecios sociais desconectados da concepccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas como

direitos sociais

88 Balanccedilo do padratildeo de bem-estar na Europa do SulEspanha e no Brasil

Tanto o Brasil como os paiacuteses que compotildeem a Regiatildeo Sul da Europa

realizaram de alguma forma e conforme circunstacircncias poliacuteticas e conjunturais

experiecircncias com programas de combate agrave pobreza com caracteriacutestica de provisatildeo social

miacutenima (programas de renda miacutenima (RMI))

Os paiacuteses da Europa do Sul revelam entre si similitudes mas tambeacutem

diferenccedilas tanto em relaccedilatildeo ao desenho institucional das poliacuteticas de provisatildeo social

miacutenima quanto agraves configuraccedilotildees assumidas na sua operacionalizaccedilatildeo e desenvolvimento

(MORENO 2000 p 16 e 17) O mesmo ocorre com o Brasil em relaccedilatildeo a esses paiacuteses ou

seja quando comparadas as duas realidades apresentam de um lado traccedilos distintos a

comeccedilar pelas suas dimensocirces territoriais e de outro guardam semelhanccedilas poliacuteticas e

culturais Isso permite delinear tendecircncias comuns em curso apesar de apenas Portugal ter

instituiacutedo um padratildeo uacutenico de renda miacutenima nacional tais como

313

a) o Estado de Bem-estar do Sul europeu tem alcanccedilado progressivamente um niacutevel

intermediaacuterio de desmercantilizaccedilacirco e de acesso a prestaccedilotildees de serviccedilos sociais ainda

que com comprovaccedilatildeo de meios (means testing)

b) a proteccedilatildeo social no regime da Europa do Sul segue sendo dependente da famiacutelia

como produtora de bem-estar (familismo) natildeo obstante as grandes mudanccedilas

ocorridas nos hogares a partir da inserccedilatildeo da mulher no mercado de trabalho

c) na Europa do Sul o trabalho natildeo remunerado das supermjeres tem contribuiacutedo para

um crescimento econocircmico sustentaacutevel e para maior expansatildeo do gasto puacuteblico em

outras aacutereas

d) o papel cambiante da mulher mediterracircnea reflete a realidade de um familismo

ambivalente dificuldades para renunciar agrave maternidade manter niacuteveis adequados

de autonomia pessoal e profissional e para participar como ator relevante nas lutas

por maior apoio do Estado e por poliacuteticas que levem em conta a igualdade de

gecircneros nos hogares e contra a discriminaccedilatildeo social (MORENO apud

SARACENO 1995)

e) um efeito perverso nas praacuteticas de microsolidariedade familiar mediterracircnea eacute a

limitada intervenccedilatildeo social puacuteblica (passiva e exiacutegua) junto agraves famiacutelias impedindo

assim que mulheresmatildees trabalhadoras contem com poliacuteticas familiares eficazes O

fenocircmeno da supermujer mediterracircnea eacute transversal agraves classes sociais A dupla

jornada de trabalho feminino (dentro e fora do lar) tem proliferado em toda escala

social Idealmente um cenaacuterio desejaacutevel seria a implantaccedilatildeo de uma renda baacutesica de

cidadania (VAN PARIJIS 1992) que facilitasse a tomada de decisotildees das mulheres a

respeito do trabalho remunerado e natildeo remunerado (GOUGH 2000)

f) a participaccedilatildeo da mulher na provisatildeo de cuidados no acircmbito dos hogares

monoparentales tem protagonizado mudanccedilas de caraacuteter estruturante no regime de

proteccedilatildeo social contribuindo para seu desenvolvimento econocircmico em um contexto

de restriccedilotildees neoliberais e de contenccedilatildeo do gasto social puacuteblico

g) no modelo de bem-estar Sul europeu o elo conceitual entre bem-estar social capacidades

e necessidades humanas segue sendo entendido e estabelecido como fundamento moral

da satisfaccedilatildeo vital dos cidadatildeos produzida pelo potencial da mulher apesar do contexto

de forte transiccedilatildeo cultural e demograacutefica (MORENO 2003)

h) a transiccedilatildeo demograacutefica na Europa do Sul tem reforccedilado o papel central da famiacutelia

apesar da adoccedilatildeo de estilos de vida mais individualistas entre os mais jovens O

314

matrimocircnio segue sendo a forma institucional preferida por homens e mulheres para

criar uma famiacutelia

i) tendecircncia agrave busca de qualificaccedilatildeo por meio do estudo de niacutevel superior pela geraccedilatildeo

de mulheres mais jovens e a uma maior participaccedilatildeo laboral feminina com gradativa

reduccedilatildeo dos membros familiares sob os cuidados das mulheres A expectativa eacute que

tais mudanccedilas resultem em expansatildeo dos serviccedilos sociais e das poliacuteticas puacuteblicas o

que permitiraacute o reconhecimento de um direito social desvinculado do conceito de

cidadania salarial pelo governo central constituindo-se no marco histoacuterico fundador

de uma poliacutetica de direitos um fator de extensatildeo da cidadania social e um vetor de

institucionalizaccedilatildeo de uma poliacutetica de assistecircncia social universal em atenccedilatildeo agraves

necessidades baacutesicas

j) outra forte tendecircncia na Europa do sul tem sido a implementaccedilatildeo de programas de renda

miacutenima de inserccedilatildeo (a exemlplo do RMI francecircs e do RMG em Portugal) com caraacuteter de

poliacutetica de ativaccedilatildeo para incorporaccedilatildeo dos beneficiaacuterios no mercado de trabalho

As anaacutelises revelam novas pautas e mudanccedilas verificadas na Espanha no

contexto de um novo horizonte socioloacutegico em formaccedilatildeo A valorizaccedilatildeo da famiacutelia como

instituiccedilatildeo autocircnoma eacute um fato tal como afirma Ussel (apud MARTINEZ MARTIN

2004 p 62) ldquola famiacutelia en Espantildea es el auteacutentico Ministerio de Asuntos Sociales La

famiacutelia es la que presta ayuda em caso de enfermidad es la que ocupa de los hijos del

cuidado de los ancianosrdquo

Particularmente na Espanha os traccedilos e mudanccedilas ocorridas satildeo as que se

seguem

a) modificaccedilatildeo no perfil da populaccedilatildeo com expectativas de um forte incremento na duraccedilatildeo

meacutedia de vida (acima dos 90 anos) como descenso notaacutevel da natalidade inclusive abaixo

das taxas de reproduccedilacirco (no ano de 2000 a taxa de natalidade na Espanha era de 12 em

comparaccedilatildeo a 29 em 1965ndash(GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004) Essa mudanccedila

reproduz tendecircncia observada na Europa como um todo

b) profunda mudanccedila nos arranjos familiares marcando um forte distanciamento

entre o modelo anterior de famiacutelia patriarcal extensa e o modelo nuclear ou

monoparental Neste ao contraacuterio do anterior os filhos contraem matrimocircnio mais

tarde (a partir dos 30 anos)

315

c) substituiccedilatildeo dos antigos processos de emigraccedilatildeo por novas correntes de imigraccedilatildeo que

interferem nas relaccedilotildees sociais ecnocircmicas e culturais no paiacutes Em poucos anos a

Espanha deixou de ser um paiacutes que enviava emigrantes para fora de suas fronteiras

para ser um paiacutes receptor de imigrantes a ponto de o Censo de Populaccedilatildeo de 2001 ter

indicado um nuacutemero de trabalhadores imigrandes fixados na Espanha em torno de

mais de 15 milhotildees de pessoas ndash cifra que em 2003 passou para mais de 26 milhotildees

e em 2005 se aproxima de 5 milhotildees Isso natildeo deixa de gerar uma tensatildeo imigratoacuteria

que vem criando novos problemas econocircmicos e sociais posto que acompanhada de

atitudes racistas e xenoacutefobas entre determinados setores da populaccedilatildeo

O aumento da populaccedilatildeo estrangeira na Espanha (homens e mulheres)

empadronados (registrados mediante censos) em consequecircncia desse processo

imigratoacuterio eacute demonstrado nas tabelas 24 e 25 e na figura 14 (piracircmide populacional) de

2003 a seguir com nuacutemeros relativos agrave Espanha em geral e agraves Regiotildees de Huesca

Teruel e Zaragoza que constituem a Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten A maior

incidecircncia estaacute entre o perfil dos imigrantes (homens e jovens) na faixa etaacuteria de 25 a 29

e de 30 a 34 anos Como Equipamentos Sociais destacam-se os Centros de Informaccedilatildeo

como recursos de acolhida oferecidos com maior frequumlecircncia pelo Poder Puacuteblico espanhol

aos estrangeiros totalizando 43 Centros em toda a Comunidade de Aragoacuten No caso

especiacutefico desta Comunidade espanhola o fluxo migratoacuterio em 2003 correspondia a 62

de sua populaccedilatildeo total

Tabela 24 Populaccedilatildeo estrangeira na comunidade autocircnoma ndash CCAA de Aragoacuten e Espanha

Huesca Terual Zaragoza Aragoacuten Espantildea

Estrangeiros ldquoempadronadosrdquo (registrados) 9678 6016 46202 61896 2664168

Homens 5893 3642 25706 35241 1414750

Mulheres 3785 2374 20496 26655 1249418

estrangeiros sobre a populaccedilatildeo total 46 43 52 50 62

Homens 55 52 59 58 67

Mulheres 36 35 46 43 58

Fonte Revisacirco do Padracirco Municipal Em 1 de janeiro de 2003

316

Tabela 25 Recursos para estrangeiros ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten

Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten

Casas de acolhida 2 - 1 3

Centros de atenccedilatildeo 2 - 1 3

Centros de informaccedilatildeo 11 5 26 42

Centros polivalentes - - 1 1

Residecircncias tuteladas - - 1 1

Total Recursos 15 5 30 50

Fonte Revisatildeo do Padracirco Municipal Em 1 de janeiro de 2003

Fonte Anuaacuterio Social A Caixa 2004 para EspanhaComunidades Autocircnomas-CCAA

Figura 14 Piracircmide de Populaccedilatildeo Estrangeira Revisatildeo do padratildeo Municipal em 01 de

janeiro de 2003

Dados recentes veiculados pela imprensa (Revista Veja 2006) apontam para o

elevado nuacutemero de 56 milhotildees de estrangeiros vivendo em todo o continente europeu nas

uacuteltimas deacutecadas dos quais cerca de 15 (84 milhotildees de imigrantes) se encontram em

situccedilatildeo irregularclandestina No caso especiacutefico da Espanha na uacuteltima deacutecada o nuacutemero

de estrangeiros saltou de 2 para 10 da populaccedilatildeo Somente em 2005 o governo

espanhol tentou regularizar (anistiar e empadronar) via projeto em torno de 600000

imigrantes ilegais numa tentativa de aumentar o volume de impostos arrecadados e

regulamentar as situaccedilotildees de trabalho desses estrangeiros O fluxo migratoacuterio continua

317

aumentando e tornou-se uma questatildeo de Estado em todo o continente europeu ou seja a

Espanha vivencia o paradoxo da imigraccedilatildeo aleacutem do choque cultural que essa situaccedilatildeo

dramaacutetica provoca Ateacute o presente momento a Espanha jaacute recebeu (vindos de botes e

aportando nos balneaacuterios das Ilhas Canaacuterias) 21500 imigrantes todos procedentes do

Continente africano que viajam em torno de 1500 kilocircmetros em mar aberto Agentes da

Cruz Vermelha estimam que outros 3000 morreram em tentativas de travessias ilegais O

governo espanhol tem buscado ajuda junto agrave Uniatildeo Europeacuteia e tomado providecircncias de

transferecircncia desses imigrantes para a Peniacutensula Ibeacuterica

d) a precarizaccedilacirco e crise no trabalho tem afetado de maneira especial os mais jovens as

mulheres e os setores menos qualificados (imigrantes em geral) Tal fenocircmeno

contrasta com a realidade anterior ao se produzir uma estrutura de trabalho dualizada

em que de um lado os imigrantes realizam os trabalhos que os filhos de espanhoacuteis

natildeo querem realizar e o fazem nas piores condiccedilotildees muitas vezes na economia

informal De outro lado os jovens e as mulheres da classe meacutedia espanhola aumentam

as filas de desemprego ateacute o ponto de chegar como em 2002 a atingir o dobro em

relaccedilatildeo ao restante da populaccedilatildeo (adultos de 55 anos)

e) as novas transformaccedilotildees nas estruturas de classe somadas ao peso decrescente das

atividades manuais das classes trabalhadoras (proacuteprias das sociedades

industrializadas) tem produzido uma indefiniccedilatildeo na condiccedilatildeo soacutecio-econocircmica da

classe meacutedia ou seja esta classe estaacute sofrendo tambeacutem os efeitos da exclusatildeo social e

do processo de precarizaccedilacirco nas relaccedilotildees de trabalho

f) configuraccedilatildeo de um tipo de sociedade mais insegura com aumento visiacutevel de sinais de

tensatildeo e de desagregaccedilatildeo social bem como de iacutendices de criminalidade e de violecircncia

devido ao processo de imigraccedilatildeo e choques culturias

g) modificaccedilotildees produzidas nas mentalidades e nas culturas especialmente entre setores

mais jovens da sociedade espanhola Constata-se de um lado grande perda de

influecircncia e de apego agraves concepccedilotildees religiosas e de outro uma crise de absorccedilatildeo de

antigos valores e mentalidades entre jovens da classe meacutedia sobretudo o valor do

trabalho do estudo e da capacidade para poupar (valor destacado nessa sociedade)

assim como a perda gradativa do sentido da autodisciplina e da austeridade Essa crise

de valores combina-se com uma acentuada alteraccedilatildeo nos modelos de referecircncia e de

autoidentificaccedilacirco baacutesica que se traduz na perda de referecircncia de caraacuteter macro a favor

318

de referecircncias de caraacuteter micro (identificaccedilatildeo apenas com pessoas da mesma idade

geraccedilatildeo colegas e outros)

h) reconhecimento nessa Regiatildeo dos quatro elementos que compotildeem o denominado

wellfare mix (Estado mercado redes informais e terceiro setor) como consequumlecircncia e

expressatildeo da interrelaccedilatildeo que existe entre a sociedade civil e o sistema poliacutetico

administrativo O sistema social considera legiacutetimos ldquoos bens relacionais existentes entre

os atores sociais isto eacute as relaccedilotildees que sustentam a interaccedilatildeo entre os diversos elementos

(Estadosetor puacuteblico redes informais famiacutelia e terceiro setor) que conformam o welfare

mixrdquo (ANDERSEN (1993) MORENO (2000) e HERRERA (2001))

i) nos paiacuteses da Europa do Sul a famiacutelia constitui um dos elementos centrais do sistema

de bem estar convertendo-se na principal fonte de provisatildeo social e de solidariedade

constituindo-se em fonte de capital social desses paises e comunidades (MORENO

2000 CEPAL 2000)

j) ldquodentre os paiacuteses do Sul da Europa a Espanha destaca-se por um tratamento mais

assistencialista justificado em parte por uma percepccedilatildeo das consequumlecircncias do

fenocircmeno do envelhecimento e dos problemas que vatildeo gerar cuidados para com os

dependentes Aleacutem disso porque confia na ldquosostenibilidad de la solucioacuten familiarrdquo

como modo de fazer frente aos escassos recursos econocircmicos estatais com os quais

conta a sociedade espanhola para amortizar essa situaccedilatildeordquo (CASADO y LOPEZ

2001 p 74)

Comparados com o Brasil percebe-se que apesar de os paiacuteses do Sul da

Europa terem adotado caminhos de proteccedilatildeo social diversos eacute inegaacutevel que ao longo dos

anos 1990 produziram-se tanto laacute quanto aqui inovaccedilotildees significativas no campo do bem-

estar assim como vaacuterios paradoxos e contradiccedilotildees

ndash Como paradoxo comum assiste-se de um lado as Constituiccedilotildees

nacionais e as Legislaccedilotildees sociais preconizarem uma proteccedilatildeo social formal de bens e

serviccedilos prestados no acircmbito do Estado na perspectiva dos direitos sociais E de outro

uma forte influecircncia da retoacuterica neoliberal com um lento mas contiacutenuo niacutevel de adesatildeo

desses paiacuteses agrave proposta pluralista de bem-estar cujo teor sugere a privatizaccedilatildeo dos

serviccedilos soacutecioassistenciais e a prevalecircncia da assistecircncia social como medida

compensatoacuteria da pobreza

319

ndash No campo do gasto social e do financiamento puacuteblico satildeo conhecidas as

estrateacutegias utilizadas tanto no Brasil como na Europa do Sul para reduzir eou justificar a

natildeo disponibilizaccedilatildeo de recursos financeiros para a aacuterea social O curioso eacute que tanto laacute

como aqui o custo fiscal para fortalecer as malhas de seguridade social eacute modesto e aqueacutem

do desejado (percentual do gasto social em relaccedilatildeo ao PIB) em que pese o reconhecimento

dos governos do aumento da pobreza em seus territoacuterios

ndash Entretanto enquanto na Europa do Sul as poliacuteticas de bem-estar

implementadas objetivam corrigir desequiliacutebrios histoacutericos de seus regimes de bem-estar

ou produzidos por estes em deacutecadas anteriores no Brasil haacute uma diacutevida social acumulada

em deacutecadas e soacute marginalmente ressarcida

ndash Em ambas as realidades as poliacuteticas assistenciais desenvolvidas se configuram

como residuais e com forte tendecircncia agrave informalidade e agrave focalizaccedilatildeo Aleacutem disso os

benefiacutecios oferecidos pelos Programas de Renda Miacutenima nacionais possuem condicionalidades

e caracterizam-se como prestaccedilotildees monetaacuterias de caraacuteter seletivo e focal

ndash Apesar dos aspectos positivos comprovados empiacutericamente dos programas de

transferecircncia de renda como a reduccedilatildeo dos iacutendices de analfabetismo (BrasilBolsa Escola)

cumprimento das condicionalidades exigidas no acircmbito da Educaccedilatildeo e da Sauacutede e do aumento

do percentual da renda familiar em torno de 2002 bem como do controle financeiro do

benefiacutecio continuar sendo feito pelas mulheres (reconhecidas como a pessoa de referecircncia da

unidade familiar) natildeo haacute uma verdadeira poliacutetica familiar na Espanha ou no Brasil nem

mesmo nos paiacuteses industrializados que seja assumida pelos poderes puacuteblicos

ndash Apesar dos Estados de Bem-estar terem se baseado em um modelo

tradicional de estrutura familiar (famiacutelia nuclear) um aspecto comum nos dois contextos

estudados eacute o fato de os Programas de Transferecircncia de Renda (Bolsa FamiacuteliaBrasil) eou

de Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo(RMIEuropa do Sul) apresentarem grande fragilidade em

seu desenho institucional assim como natildeo unacircnime legitimidade junto agrave populaccedilatildeo em

que pese o forte apelo eleitoral

ndash A exigecircncia de comprovaccedilatildeo com equidad y precisioacuten da necessidade dos

recursos (Europa do Sul) e do estado de pobreza dos beneficiaacuterios (Brasil) mediante o uso

dos testes de meios (means testing) como condiccedilatildeo para receber a prestaccedilatildeo econocircmica

confirma o caraacuteter seletivo e estigmatizador desses programas

ndash No caso especiacutefico da famiacutelia Sul europeacuteia especialmente a espanhola os

hogares e os RMIs tecircm se constituiacutedo tradicionalmente em instacircncias amortizadoras dos

320

problemas sociais e satildeo vistos como parte das uacuteltimas redes de proteccedilatildeo e seguranccedila do

cidadatildeo (MORENO 2000) de caraacuteter voluntaacuterio e informal No Brasil diferentemente

tais instacircncias satildeo vistas como praticamente a uacutenica rede de seguranccedila de nova geraccedilatildeo

ndash Do ponto de vista cultural em que pese o familismo expressar-se de forma

mais forte na Europa do Sul tambeacutem no Brasil a Igreja e a famiacutelia sempre tiveram grande

influecircncia e papel destacado na provisatildeo social privada em substituiccedilatildeo ao papel do

Estado o que se configura como forte tendecircncia contemporacircnea (o matrimocircnio segue

sendo nas duas realidades a forma preferida por homens e mulhers para constituirem a

famiacutelia) Portanto a exemplo da Espanha no Brasil tradicionalmente a instituiccedilatildeo

familiar sempre fez parte integrante dos arranjos de proteccedilatildeo social

ndash Tanto o Brasil como os paiacuteses Sul europeus vivenciam situaccedilatildeo de

ambivalecircncia diante do decliacutenio nas novas geraccedilotildees da tradicional disponibilidade das

famiacutelias para responder agrave provisatildeo social e agraves necessidades sociais de seus membros em

um contexto neoliberal de grande motivaccedilatildeo e de retorno ao conservadorismo que delega a

assistecircncia agraves igrejas e agraves famiacutelias

ndash Tambeacutem ambos os contextos enfrentam problemas de natureza

administrativa e de gerenciamento institucional tais como morosidade das instituiccedilotildees

governamentais ausecircncia de autonomia poliacutetica para resolver as necessidades baacutesicas dos

cidadatildeos aleacutem de persistentes niacuteveis de corrupccedilatildeo e de fraude fiscal como traccedilos culturais

confirmando o peso da burocracia estatal

ndash Eacute visiacutevel igualmente em ambos os contextos o papel marginal ocupado

pela assistecircncia social apesar de sua contemporacircnea recorrecircncia o tratamento

discriminatoacuterio dado aos usuaacuterios dessa poliacutetica o caraacuteter fragmentaacuterio de seus programas

bem como a ausecircncia de criteacuterios redistributivos eficazes

ndash Satildeo desafios a serem enfrentados pelos dois contextos dificuldade para

identificar os reais beneficiaacuterios da assistecircncia social para definir criteacuterios de elegibilidade

confiaacuteveis para aleacutem da pobreza extrema

Em siacutentese com base no exposto constata-se como jaacute foi afirmado que tanto

no Brasil como na Espanha apesar das distintas realidades soacutecioeconocircmicas as poliacuteticas

de assistecircncia social mantecircm um perfil bem caracteriacutestico qual seja

321

seletivas e restritas (natildeo para todos) bem como baseadas em criteacuterios

meritocraacuteticos (meacuterito pessoal e exigecircncia de contrapartidas) e por isso

sem vinculaccedilatildeo com o princiacutepio da universalizaccedilatildeo da cobertura social

natildeo redistributivas com risco de manter os benefiaacuterios aprisionados numa

armadilha da pobreza

natildeo planejadas e natildeo avaliadas de forma eficaz prevalecendo a ausecircncia

da cultura de prestaccedilatildeo de contas agrave sociedade pelo Estado e de

transparecircncia em relaccedilatildeo agraves fontes de recursos e aos criteacuterios de partilha E

ausecircncia de controle democraacutetico efetivo pela sociedade civil

burocraacuteticas dificultando o acesso dos usuaacuterios a bens serviccedilos e

recursos

residuais com reduzidas responsabilidades do Estado pela provisatildeo social

e pelo financiamento de poliacuteticas sociais

contratuais com prevalecircncia do seguro social previdenciaacuterio sobre a

assistecircncia social

assistencialistas sem vinculaccedilatildeo direta com mecanismos de concretizaccedilatildeo

de direitos sociais

marcadas pela ausecircncia de patamares miacutenimos dos valores dos benefiacutecios

sociais em acircmbito nacional

No Brasil chamam atenccedilatildeo os seguintes aspectos que extrapolam a assistecircncia

mas que exercem influecircncia sobre ela

ndash a natildeo materializaccedilatildeo do conceito de seguridade social em que a assistecircncia

social deveria funcionar em peacute de igualdade com as poliacuteticas de sauacutede e de previdecircncia

social que com ela compotildeem esse sistema

ndash a realocaccedilatildeo dos recursos do orccedilamento da seguridade social para fins de

pagamento da diacutevida externa

ndash os efeitos produzidos pelas recentes reformas da previdecircncia social

ocorridas no periacuteodo de 1998 a 2002

Reforccedilo da loacutegica do seguro previdenciaacuterio baseado no modelo de

contrato social e de capitalizaccedilatildeo (e natildeo de um sistema de seguridade

social puacuteblica)

322

Reduccedilatildeo do valor dos seguros e dos benefiacutecios previdenciaacuterios

Incentivo agrave privatizaccedilatildeo e expansatildeo dos planos privados (previdecircncia

privada complementar) desobrigando o Estado de bancar uma

Previdecircncia social puacuteblica

ndash dificuldades no acircmbito da sauacutede

escassez de recursos

reduccedilatildeo da qualidade do atendimento

fragilidade dos serviccedilos de atenccedilatildeo baacutesica

ampliaccedilatildeo dos Planos de Sauacutede privados (autofinanciamentoprivatizaccedilatildeo)

ndash dificuldades no acircmbito da assistecircnca social

tendecircncia focalista dos programas projetos e serviccedilos com avanccedilada

utilizaccedilatildeo dos mesmos pela perspectiva pluralista de bem-estar neoliberal

restriccedilatildeo de suas accedilotildees a trecircs segmentos (crianccedilas e adolescentes idosos e

portadores de necessidades especiais em situaccedilatildeo de pobreza absoluta)

criaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Assistecircncia Social (SUAS) tendo como

paracircmetro privilegiado o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) cujas

concepccedilotildees teoacuterico-conceituais pautam-se por fenocircmenos e processos

distintos dos da asistecircncia social

CONCLUSAtildeO

No iniacutecio da elaboraccedilatildeo da presente tese indagava-se sobre o provaacutevel grau de

incidecircncia das variaacuteveis econocircmicas sociais e poliacuteticas na construccedilatildeo consolidaccedilatildeo e

expansatildeo do Estado Social Dentre elas buscou-se identificar e aprofundar as mudanccedilas

produzidas pela teoria keynesino-fordista e pelo padratildeo beveridgiano de seguridade social

bem como a influecircncia do fenocircmeno do pluralismo de bem-estar no contexto europeu poacutes-

beveridgiano e keynesiano-fordista Nesse primeiro momento de anaacutelise identificou-se causas

variadas e hererogecircneas que contribuiacuteram tanto para a formaccedilatildeo do Estado Social quanto para

a desintegraccedilatildeo do consenso do periacuteodo correspondente agrave Segunda Guerra Mundial

Constatou-se ademais que as causas foram tanto econocircmicas como sociais e poliacuteticas apesar

de em sua gecircnese terem prevalecido razotildees de iacutendole poliacutetica (LARA 1991)

Os defensores do Estado Social ao justificaram o intervencionismo estatal

tinham como objetivo corrigir as desigualdades sociais fundamentando-se em soluccedilotildees

coletivas Na verdade estrategicamente o Estado Social pretendeu chegar a um equiliacutebrio

entre liberdade e igualdade respeitando a iniciativa privada e a garantia de um miacutenimo de

renda mediante poliacuteticas de pleno emprego pretensatildeo que resultou como essencial ao

controle da demanda ao se utilizar os gastos puacuteblicos e garantir a provisatildeo universal dos

serviccedilos sociais Por outro lado o Estado Social demonstrou tambeacutem como tendecircncia a

tentativa de compatibilizar o princiacutepio da universalidade do sistema de seguridade social

puacuteblica com os seguros privados De fato o sistema de seguridade proposto por Beveridge

deveria garantir um miacutenimo deixando uma ampla margem que permitisse fomentar a accedilatildeo

particular de cada indiviacuteduo Aleacutem disso em quase todos os paiacuteses nos quais se implantaram

sistemas nacionais com prestaccedilotildees e contribuiccedilotildees uniformes nos anos posteriores agrave Segunda

Guerra Mundial essas caracteriacutesticas foram corrigidas e complementadas por outras

proporcionais agrave renda dos trabalhadores

Estudiosos de diferentes correntes sustentam que a configuraccedilatildeo do Estado

Social muito contribuiu para a estabilidade da democracia uma vez que consideram como

324

fator importante para o surgimento ou consolidaccedilatildeo das democracias a ausecircncia de

desigualdades econocircmicas extremas Por essa perspectiva se de um lado para os

neoliberais natildeo existe outra opccedilatildeo que a economia livre de mercado de outro a formaccedilatildeo

do Estado Social demonstrou que as necessidades de legitimaccedilatildeo poliacutetica natildeo podem

permanecer agrave margem da forma de organizaccedilatildeo poliacutetica e econocircmica que se propotildee em

determinadas conjunturas Com base nesta inferecircncia haacute que se ressaltar que as criacuteticas de

orientaccedilatildeo marxista bem fundamentadas acerca das contradiccedilotildees do Estado Social

capitalista vecircm oferecendo valiosos aportes especializados sobre esta questatildeo Perry

Anderson (1995) ao analisar a evoluccedilatildeo do marxismo ocidental no decorrer das deacutecadas de

1970 e 1980 sinalizou para o esgotamento do modelo neoliberal por produzir tanta

pobreza e desigualdade social apesar de seu reconhecimento sobre as dificuldades para se

definir estrateacutegias concretas que permitam frear a expansatildeo ou ateacute mesmo superar a

hegemonia da ordem capitalista

Esta tese ao tematizar a assistecircncia no contexto do pluraliasmo de bem-estar

neoliberal demonstra uma grande preocupaccedilatildeo com as perspectivas e tendecircncias que

cercam essa poliacutetica Como afirma Pereira (2004) a ideacuteia de bem-estar misto sempre

constituiu um elemento integral e endoacutegeno ao sistema de proteccedilatildeo social capitalista sejam

eles liberais ou social-democratas ou faccedilam parte do capitalismo regulado ou flexiacutevel As

diferenccedilas identificaacuteveis residem na importacircncia atribuiacuteda aos seus componentes e aos

pressupostos teoacutericos ideoloacutegicos e eacuteticos que presidem essa escolha Nesse sentido eacute a

orientaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica que mudaraacute os rumos desse bem-estar plural (ou desse

pluralismo) ainda que sobre a mesma base capitalista Sabe-se que tais rumos mudam de

acordo com a natureza e radicalidade de cada experiecircncia Entretanto o que se quiz aqui

realccedilar foi a intenccedilatildeo do chamado pluralismo de bem-estar de esvaziar o protagonismo do

Estado na poliacutetica social Reafirmou-se tambeacutem a conviccedilatildeo de que uma poliacutetica social soacute

se torna efetivamente uma accedilatildeo de interesse puacuteblico quando voltada para o bem comum e

quando eacute extensiva a todos assegurando assim sua dimensatildeo puacuteblica e universalizadora e

natildeo meramente plural

Como contrapondo agrave convicccedilatildeo neoliberal esta tese buscou compreender a

loacutegica do pensamento liberal conservador em relaccedilatildeo agrave noccedilatildeo de pluralismo de bem-estar

difundida como um modelo plural ou misto que deveraacute atuar em substituiccedilatildeo ao Estado de

Bem-estar Ao se entender que a ideacuteia de bem-estar plural natildeo constitui criteacuterio de

definiccedilatildeo de um sistema de provisatildeo social concretizador de direitos sociais entende-se

325

que tambeacutem natildeo contempla a dimensatildeo puacuteblica e universal agrave medida que os termos plural

misto eou coletivo natildeo refletem a noccedilatildeo de puacuteblico assim como a ideacuteia de puacuteblico natildeo

significa estatal O conceito de puacuteblico engloba outros significados que pelo grau de

universalidade que contecircm estatildeo diretamente a ele vinculados tais como poliacutetica social

direito social necessidades sociais baacutesicas democracia com igualdade positiva justiccedila

social redistributiva com equidade cidadania ampliada Portanto a dimensatildeo puacuteblica

somente eacute garantida mediante a primazia do Estado na regulaccedilatildeo do processo de provisatildeo

social privilegiando as demandas e necessidades sociais como indutores das poliacuteticas

sociais Ademais estas poliacuteticas natildeo podem estar submetidas agrave disponibilidade ou natildeo de

recursos puacuteblicos pois isso as torna refeacutens e dependentes de sobras de orccedilamentos e da

vontade poliacutetica dos governantes Daiacute a ideacuteia de que natildeo se asseguram direitos sociais

apenas com accedilotildees voluntaacuterias de ajuda muacutetua entre grupos de amigos vizinhos

familiares por mais humanitaacuterias e necessaacuterias que essas experiecircncias sejam Em

princiacutepio natildeo eacute essa a funccedilatildeo dessas organizaccedilotildees civis e natildeo-oficiais estejam elas nos

setores voluntaacuterio informal ou mercantil Por seu caraacuteter indefinido e ambiacuteguo ora

privatista ora plural ou misto mas seguramente natildeo puacuteblico elas apenas suprem

temporariamente carecircncias sociais natildeo se orientando por criteacuterios universais de acesso aos

bens e riquezas produzidas socialmente

Na perspectiva de uma abordagem histoacuterica e teoacuterico-criacutetica o que se percebe

eacute que essas instituiccedilotildees ao compactuarem com a loacutegica privatista na atenccedilatildeo agraves

necessidades sociais e ao aceitarem assumir as funccedilotildees que satildeo do Estado tornam-se

funcionais ao sistema capitalista e agrave retoacuterica neoliberal Esta por sua vez naturaliza as

situaccedilocirces de vulnerabilidade social e de pobreza (relativa e absoluta) ora como

contingecircncias inevitaacuteveis da vida humana ora como problema de incompetecircncia

individual portanto restritos a espaccedilos privatistas e natildeo como consequumlecircncia de uma

sociedade estruturada em classes eou como um fenocircmeno social e histoacuterico complexo

determinado por muacuteltiplos fatores

A criacutetica a essa percepccedilatildeo natildeo quer dizer que natildeo se admita um trabalho

conjunto entre os setores natildeo-oficiais e o Estado de forma articulada em uma perspectiva

de complementaridade no sentido eacutetico-poliacutetico do termo ou seja no sentido de se

estabelecer uma relaccedilatildeo que natildeo comporte improvisaccedilotildees e implique definiccedilatildeo de

estrateacutegias claras e objetivas Contudo o estabelecimento dessa relaccedilatildeo complementar

pressupotildee consciecircncia e posicionamento poliacutetico coerentes que natildeo levem agrave acomodaccedilatildeo e

326

agrave perda da capacidade de se indignar frente agraves iniquumlidades sociais problematizando e

apresentando demandas assim como cobrando do Estado o exerciacutecio de sua funccedilatildeo

puacuteblica como um dever constitucional A rigor apesar das posiccedilotildees diferenciadas dos

autores que referenciam esta tese percebe-se uma posiccedilatildeo convergente em relaccedilatildeo agrave

centralidade do papel do Estado como expressatildeo de uma sociedade organizada

politicamente e agrave funccedilatildeo histoacuterica das poliacuteticas sociais puacuteblicas como uma accedilatildeo ativa e

positiva que contempla tambeacutem o Estado A sociedade civil considerada por Gramsci

(1991) como a maior esfera puacuteblica da superestrutura tem um peso poliacutetico extraordinaacuterio

na consolidaccedilatildeo das democracias modernas Esta esfera comparece na relaccedilatildeo com o

Estado de vaacuterias formas mediante a atuaccedilatildeo de muacuteltiplos atores e setores Daiacute sua

importacircncia no sentido de que compete a ela legitimar ou natildeo o poder regulador do

Estado em particular no campo da provisatildeo social puacuteblica promovendo um movimento

contraacuterio agrave ideologia dominante de contra cultura No contexto dessas consideraccedilotildees e

tomando-as como horizonte ciacutevico e democraacutetico haacute que se repensar o papel das poliacuteticas

socais puacuteblicas contemporacircneas no quadro das novas demandas recuperando tambeacutem o

lugar do Estado Social (sem cair no centralismo eou no estatismo) Da mesma forma haacute

que se retomar a forccedila organizativa da sociedade civil (sem cair no voluntarismo) Para

tanto haacute que se recusar as orientaccedilotildees neoliberais baseadas na noccedilatildeo de um Estado

miacutenimo segundo a qual a economia deve prevalecer sobre a poliacutetica e o social Haacute que se

privilegiar questotildees centrais como a defesa intransigente da democratizaccedilatildeo do Estado nos

campos da provisatildeo social e da gestatildeo puacuteblica e do poder de decisatildeo poliacutetica da sociedade

civil e ainda a natildeo privatizaccedilatildeo dos bens e serviccedilos puacuteblicos assim como a ampliaccedilatildeo de

esferas puacuteblicas na otimizaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas (e natildeo

miacutenimas) Afinal sabe-se que uma poliacutetica social se efetiva como puacuteblica quanto mais ela

combina a defesa dos direitos de cidadania com o atendimento agrave satisfaccedilatildeo das

necessidades humanas baacutesicas Isso significa qualificar a vida dos beneficiaacuterios das

poliacuteticas sociais puacuteblicas e promover mudanccedilas substantivas no campo da relaccedilatildeo Estado e

sociedade bem como na superaccedilatildeo das condiccedilotildees aviltantes de pobreza (absoluta e

relativa) e das desigualdades sociais aqui entendidas como expressatildeo da brutal

concentraccedilatildeo de riqueza e de poder poliacutetico tal como acontece na Ameacuterica Latina e

especialmente no Brasil Diante dessa exigecircncia torna-se imprescindiacutevel a criaccedilatildeo e o

respaldo de teorias elaboradas de forma criacutetica e propositiva ancoradas em categorias

histoacuterico-analiacuteticas centrais e em evidecircncias empiacutericas fidedignas tendo em vista a

327

continuidade desse debate em bases cientiacuteficas e democraacuteticas por entender que essas

discussotildees forccedilam o aparecimento de novos entendimentos sobre relaccedilotildees substantivas

dentre outras entre puacuteblico e privado direito e necessidades humanas baacutesicas poliacutetica

social Estado sociedade civil e mercado democracia e cidadania

Este estudo preocupou-se tambeacutem com o processo de desinstitucionalizaccedilatildeo da

assistecircncia social e com a funcionalidade dessa estrateacutegia ao projeto neoliberal O termo

instituiccedilatildeo eacute qualificado em sua evoluccedilatildeo histoacuterica como uma realidade socialmente

construiacuteda como campo de mediaccedilatildeo e como locus de praacuteticas sociais atravessadas por

relaccedilotildees de poder e por tentativas ora de institucionalizar ora de desinstitucionalizar

experiecircncias poliacuteticas e soacutecio-histoacutericas em particular no acircmbito dos direitos e dos serviccedilos

sociais As instituiccedilotildees em sua relaccedilatildeo com o Estado e a sociedade no contexto de uma

ordem econocircmica capitalista hegemocircnica constituem-se em espaccedilos de mediaccedilatildeo (natildeo como

interposiccedilatildeo) das poliacuteticas sociais e dos movimentos sociais para onde satildeo dirigidas

demandas diversificadas Tais instituiccedilotildees acabam legitimando-se como instacircncias

encarregadas de dar respostas concretas agraves questotildees contemporatildeneas Ao se fazer menccedilatildeo agraves

instituiccedilotildees vistas muitas vezes como organizaccedilotildees pretendeu-se mostar que a ideacuteia de que

em sua trajetoacuteria histoacuterica as organizaccedilotildees capitalistas vatildeo atribuindo novos significados agraves

suas accedilotildees e aos seus niacuteveis de intervenccedilatildeo com base nos impactos de novos problemas

sociais Daiacute ser necessaacuterio historicizar o espaccedilo micro em sua relaccedilatildeo com o macro No

contexto do processo de desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como um fenocircmeno

histoacuterico consolidado e poliacutetica puacuteblica de seguridade social o que se quiz destacar foi que

tal desinstitucionalizaccedilatildeo constitui mais uma estrateacutegia conservadora usada para fins de

interesses econocircmicos que se consolida sob a retoacuterica minimalista e da justificativa de

transferecircncia de responsabilidades sociais puacuteblicas do Estado para a sociedade civil sob o

argumento da provisatildeo social plural ou mista

Embora a pobreza seja reconhecida como questatildeo substantiva tratou-se de

qualificar a assistecircncia social como poliacutetica que concretiza direitos de cidadania e

incorpora o conceito de democracia igualitaacuteria aqui entendida como forma de organizaccedilatildeo

do poder social no espaccedilo puacuteblico fundamentado em princiacutepios redistributivos e universais

Entende-se tambeacutem que o conceito de liberdade positiva com igualdade eacute privilegiado no

acircmbito da assistecircncia social ao se postular uma cidadania ampliada (direitos civis poliacuteticos

e sociais) com a participaccedilatildeo decisiva do Estado Eacute nessa perspectiva teoacuterico-analiacutetica que

torna-se necessaacuterio destacar as tendecircncias em curso na configuraccedilatildeo das poliacuteticas sociais

328

de perfil latino em particular da assistecircncia social na perspectiva do pluralismo de bem-

estar A postura de recusa a elas significa resgatar a centralidade do Estado e da

prerrogativa que soacute a ele pertence qual seja de garante dos direitos de cidadania

Preocupa a esta tese as diversas distorccedilotildees ocorridas no sistema de seguridade social e no

modelo de proteccedilatildeo social dominante tanto no Brasil quanto na Europa do Sul quando se

percebe que tem se configurado como expressivas tendecircncias contemporacircneas

Indefiniccedilatildeo e caraacuteter regressivo de um desenho institucional das poliacuteticas

sociais que seja compatiacutevel com a realidade social

Ausecircncia de um marco regulatoacuterio nacional no campo da assistecircncia social

Forte traccedilo de seletividade e residualidade com baixa capacidade para se

produzir impactos concretos no cotidiano da populaccedilao beneficiaacuteria dos

programas sociais

Significativas perdas no campo da proteccedilatildeo social puacuteblica com profunda

retraccedilatildeo da cidadania social

Existecircncia de um Estado Social forte para o capital e restrito e relutante para

a proteccedilatildeo social aos pobres com forte adesatildeo ao discurso neoliberal de teor

ideoloacutegico privatizante e antiestatal

Prevalecircncia de um modelo de provisatildeo social assistencialista clentelista e

limitado de vertente natildeo contratual e natildeo contributiva que tem produzido

mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo e no perfil das poliacuteticas sociais na

Europa do Sul e no Brasil

Retorno de praacuteticas conservadoras e tuteladoras marcadas pela precarizaccedilatildeo

de recursos e pela descontinuidade e improvisaccedilatildeo no acircmbito das poliacuteticas

sociais o que indica a prevalecircncia da dimensatildeo econocircmica sobre a social

A continuidade de um sistema de proteccedilatildeo social na Europa do Sul e no

Brasil gerador de mecanismos natildeo redistributivos e de grande concentraccedilatildeo

da riqueza socialmente produzida

Alinhamento dos executivos nacionais nos dois contextos estudados diante

das exigecircncias dos organismos multilaterais (FMI Banco Mundial e outros)

com propostas de politicas macroeconocircmicas e com pleitos liberalizantes

na perspectiva da privatizaccedilatildeo da economia munidal em acircmbito nacional e

internacional

329

Severa e contiacutenua orientaccedilatildeo para reduccedilatildeo dos recursos orccedilamentaacuterios com

cortes draacutesticos no orccedilamento da seguridade social o que tem se

configurado como uma injusta e inadequada estrutura de gestatildeo controle

democraacutetico e financiamento das poliacuteticas sociais

Reiteraccedilatildeo do lugar de direitos de cidadania pelas elites econocircmicas no campo

das superestruturas poliacutetico-edeoloacutegica Nesse sentido os bens e serviccedilos

sociais deixaram de expressar direitos de cidadania como dever de Estado

Assim se de um lado o final dos anos de 1980 marcou o iniacutecio da adesatildeo dos

governos da Europa do Sul e do Brasil agraves orientaccediloes neoliberais no acircmbito da assistecircncia

social por meio da proposta de pluralismo de bem estar de outro produziu o que vem

sendo denominado de novas estrateacutegias e demandas quais sejam desestatizaccedilatildeo

desregulaccedilatildeo econocircmica e social privatizaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico e dos bens e serviccedilos

puacuteblicos (a exemplo da privatizaccedilatildeo sistemaacutetica de vaacuterios bens patrimoniais

puacuteblicosestatais ocorrida no Brasil produzida pelo governo Cardoso ao final dos anos

1990) flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees de traablho (leia-se perda de garantias de direitos

trabalhistas) O conjunto dessas estrateacutegias neoliberais tem produzido grande fragilidade

nos mecanismos internos redistributivos (quando existem) quando da implementaccedilatildeo de

poliacuteticas sociais e especialmente nos esquemas de provisatildeo e ou transferecircncia de renda

miacutenima o que tem se constituiacutedo num campo feacutertil para a afirmaccedilatildeo do ideaacuterio neoliberal

nas duas realidades analisadas Assiste-se atualmente agrave mercantilizaccedilatildeo das poliacuteticas

sociais no atendimento agraves necessidades miacutenimas de sobrevivecircncia (e natildeo sociais baacutesicas)

em subordinaccedilatildeo agrave loacutegica privatista Trata-se da naturalizaccedilatildeo e banalizaccedilatildeo de processos

complexos transformados em teses minimalistas sobre a participaccedilatildeo do Estado no campo

das poliacuteticas sociais e dos direitos de cidadania em nome da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do

mercado Nesse contexto a cultura assistencialista e tuteladora tem favorecido a aplicaccedilatildeo

dos princiacutepios da subsidiariedade da benemerecircncia e da filantropia em detrimento do

princiacutepio da democracia igualitaacuteria e da justiccedila redistributiva estrateacutegicamente ocultados e

natildeo colocados como pauta das agendas puacuteblicas Eacute nesse sentido que a retoacuterica neoliberal

tem promovido a reificaccedilatildeo (coisificaccedilatildeo) dos princiacutepios da inclusatildeo e da universalizaccedilatildeo

de acesso das funccedilotildees do Estado Social e por extensatildeo do protagonismo das poliacuteticas

puacuteblicas na estensatildeo da cidadania Nessa perspectiva analiacutetica tambeacutem satildeo naturalizados

os fenocircmenos da pobreza e da desigualdade social como consequumlecircncia natural da

330

expansatildeo do capital Tais orientaccedilotildees tecircm provocado o aprofundamento da estrutura

estratificada e desigual dessas sociedades em nome de um suposto crescimento econocircmico

vertical sem investimentos na aacuterea social Como reflexo da ideologia privastista que

penetrou no aparelho do Estado capitalista contemporacircneo situam-se os fenocircmenos da

corrupccedilatildeo generalizada (Brasil) e do clientelismo e do favorecimento poliacutetico (Europa do

Sul) na produccedilatildeo e oferta de bens e serviccedilos sociais Tais fenocircmenos tecircm gerado fortes

dilemas e rupturas no debate sobre os binocircmios estatizaccedilatildeo e privatizaccedilatildeo universalismo e

seletividadefocalizaccedilatildeo mecanismos distributivos de renda e mecanismos redistributivos

crescimento econocircmico e desenvolvimento social

Outra forte tendecircncia presente no mundo contemporaneo referente agrave poliacutetica

socialassistecircncia social sob influecircncia neoliberal eacute a prevalecircncia de um distinto modo de

equiliacutebrio entre as accedilotildees do Estado (setor puacuteblico) e da sociedade civil por meio da accedilatildeo

de setores natildeo oficiais que configura um agregado de bem estar ndash informal voluntaacuterio e

comercialmercantil ndash na provisatildeo de bens e serviccedilos sociais Esses setores tecircm sido

responsabilizados por novas formas de sociabilidade e pela rearticulaccedilatildeo de espaccedilos e

demandas sociais onde se processam as poliacuteticas sociais e portanto fora da histoacuterica

relaccedilatildeo entre Estado e sociedade em uma perspectiva puacuteblica Com base nessas

orientaccedilotildees compete aos proacuteprios cidadatildeos na condiccedilatildeo de usuaacuterios e beneficiaacuterios de

poliacuteticas sociais a criaccedilatildeo de mecanismos e instrumentos para a satisfaccedilatildeo de suas

necessidades baacutesicas

Diante do exposto os efeitos do pluralismo de bem estar satildeo percebidos de

forma intensa e significativa a exemplo das mudanccedilas abaixo relacionadas

A sociedade foi chamada a colaborar na resoluccedilatildeo dos problemas sociais e do

fortalecimento do sistema de proteccedilatildeo social mediante uma provisatildeo social privada

baseada no trabalho assistencial informal e voluntaacuterio e portanto natildeo institucionalizado

As diretrizes da participaccedilatildeo e da descentralizaccedilatildeo secundaacuteria continuam em alta

agora sob nova abordagem e significados Estatildeo ancoradas nas vertentes do localismo

(pequenas comunidades) e de desconcentraccedilatildeoprefeiturizaccedilatildeo em detrimento dos princiacutepios

da municipalizaccedilatildeo e da descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa de caraacuteter puacuteblico

afianccedilados e regulamentados pelas Constituiccedilotildees Federais dos respectivos paiacuteses Daiacute a adesatildeo

dessas duas regiotildees a partir dos anos 1980 a um modelo de assistecircncia social de caraacuteter

plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblicaTanto na Europa do Sul como no Brasil essa dimensatildeo

plural ou mista da assistecircncia social vem ganhando expressatildeo e materialidade histoacuterica Nesse

331

contexto ganha destaque o fenocircmeno do familismo (participaccedilatildeo ativa da famiacutelia na provisatildeo

social privada em substituiccedilatildeo ao papel do Estado) No Brasil ao final dos anos 1990 o

programa federal comunidade solidaacuteria (governo Fernando H Cardoso) marcou o iniacutecio da

adesatildeo do executivo nacional brasileiro agrave proposta pluralista de bem estar no acircmbito da

assistecircncia social Os programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMIEuropa do Sul) e de

transferecircncia de renda (Brasil) nasceram sob o signo da regressividade focalizaccedilatildeo e

descontinuidade de uma poliacutetica social puacuteblica Na aacuterea do financiamento privilegiaram-se

cortes na aacuterea da seguridade social sob a justificativa da necessidade de enxugamento nos

gastos sociais considerados excessivos e geradores do deacuteficit orccedilamentaacuterio No caso particular

do Brasil a assistecircncia social passou a ser vista como um fenocircmeno marginal e transitoacuterio (em

busca de portas de saiacutedas) configurando-se como expressatildeo de uma democracia e de uma

cidadania inconclusas presididas por relaccedilotildees fetichizadas (mistificadas) apesar da assistecircncia

ter alcanccedilado a agenda puacuteblica nos anos 1980 e ter sido ressignificada pela Constituiccedilatildeo

Federal de 1988 Essa condiccedilatildeo de perda de visibilidade do papel estrateacutegico da assistecircncia

social como poliacutetica puacuteblica concretizadora de diretios sociais eacute preocupante por se entender

que a reduccedilatildeo dessa poliacutetica a uma dimensatildeo plural ou mista a identifica e a estigmatiza como

uma accedilatildeo social que continua reiterando o lugar da pobreza agrave medida que se torna sinocircnimo de

amadorismo desprofissionalizaccedilao e ausecircncia de planejamento Esta tese acredita que toda

accedilatildeo puacuteblica para ganhar legitimidade social e poliacutetica tem que se traduzir em uma accedilatildeo

planejada organizada financiada e reconhecida pelo Estado e vista como um bem comum

baseado em accedilatildeo positiva A situaccedilatildeo brasileira torna-se ainda mais paradoxal quando de um

lado o Brasil convive com uma legislaccedilatildeo social de perfil progressista (Consituiccedilatildeo Federal de

1998) que organiza e regulamenta a aacuterea da assistecircncia social (haja vista a recente unificaccedilatildeo

da poliacutetica de assistecircncia social por meio do SUASNOB 2005) e de outro o Executivo

nacional (e por extensatildeo as esferas estaduais e municipais) adere agrave tese minimalista de Estado

atribuindo grande ecircnfase ao mercado (que sabidamente natildeo tem vocaccedilatildeo social) e o qualifica

como instacircncia reguladora das relaccedilotildees sociais e econocircmicas em substituiccedilatildeo ao papel do

Estado Ao Estado capitalista moderno resta seguir as orientaccedilotildees monetaristas de Hayek Eacute

desse modo que se propotildee como substrato da racionalidade neoliberal mudanccedilas

significativas nos princiacutepios orientadores e na dimensatildeo operacional das poliacuteticas sociais

especialmente na implementaccedilatildeo dos seguintes eixos programaacuteticos gestatildeo participativa

controle democraacutetico e financiamento puacuteblico Trata-se indiscutivelmente a estrateacutegia

neoliberal de uma forma regressiva de precarizar a produccedilatildeo e a apropriaccedilatildeo dos bens e

332

serviccedilos sociais pelos beneficiaacuterios de tais programas Como fator agravante desse quadro na

aacuterea do financiamento o montante de gasto social vem se tornando gradativamente

inexpressvo no conjunto de dispecircndio social o que o transforma em um mecanismo restritivo

que aleacutem de fortalecer o processo de desigualdade social onera ainda mais os segmentos

pobres da populaccedilatildeo O caraacuteter regressivo de tais mecanismos se expressa na ausecircncia de um

planejamento proacuteprio e de uma indefiniccedilatildeo poliacutetica agrave medida que natildeo tecircm uma destinaccedilatildeo

especiacutefica operando como impostos indiretos Eacute nesse sentido que eles satildeo submetidos a

criteacuterios financeiros de rentabilidade econocircmica gerando o chamado auto financiamento o que

aprofunda ainda mais o grau de regressividade da assistecircncia social agrave medida que seu

orccedilamento fica vulneraacutevel agraves mudanccedilas poliacuteticas e agraves oscilaccedilotildees da economia de mercado

Assim ao se institucionalizar o autofinanciamento e ao legitimaacute-lo como mais uma estrateacutegia

de privatizaccedilatildeo os cidadatildeos pagam duplamente pelos serviccedilos sociais puacuteblicos (quando os

tecircm) No acircmbito da classe trabalhadora segmento marcado pela presenccedila de um grande

contingente de cidadatildeos desempregados (desemprego estrutural) assiste-se agrave passividade e ao

esvaziamento do poder de pressatildeo poliacutetica e de vocalizaccedilatildeo desses segmentos como mais um

produto da racionalidade privatista Soma-se a esses fatores a grande dificuldade na sociedade

contemporacircnea de se construir espaccedilos de pertencimento social Eacute nesse contexto de regressatildeo

da dimensatildeo poliacutetica e de fragilizaccedilatildeo da democracia igualitaacuteria e da cidadania ampliada que a

ideologia neoliberal rechaccedila a linguagem dos direitos criando um quadro de incertezas que

natildeo pode se traduzir em ausecircncia de esperanccedila e de utopia Haacute que se recuperar a autonomia e

a dignidade perdida de uma grande parcela de cidadatildeos aleacutem do imperativo de se recompor

com urgecircncia o protagonismo das poliacuteticas sociais puacuteblicas apesar do caraacuteter contraditoacuterio e

ambivalente que as caracteriza

Como perspectiva otimista entende-se que apesar das vaacuterias tentativas de se

alterar o perfil do sistema de proteccedilatildeo social nos citados paiacuteses e em particular no Brasil

as mudanccedilas ocorridas natildeo foram suficientes para destruir os pilares do padratildeo de proteccedilatildeo

social inspirados no Estado Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial Apesar da perspectiva

publicizadora da assistecircncia social ainda natildeo ter sido incorporada de forma suficiente pelos

poderes puacuteblicos e pelo imaginaacuterio coletivo continua-se a acreditar nessa poliacutetica puacuteblica

como uma unidade substantiva da seguridade social e como uma das principais estrateacutegias

democraacuteticas para se reverter a cultura assistencialista do paiacutes e para promover o

alargamento da concepccedilatildeo e da praacutetica de assistecircncia social no contexto de polecircmicos e

complexos regimes de bem estar ndash ateacute mesmo por se acreditar na legitimidade que foi

333

conferida a essa poliacutetica pela LOAS (1993) e agora pelo SUASNOB (2005) Afinal

mesmo constando como um iacutetem ausente nos debates de corte econocircmico neoliberal a

ideacuteia de crescimento econocircmico aliada agrave de desenvolvimento social deve ser difundida

como sendo uma proposiccedilatildeo natildeo imcompatiacutevel com poliacuteticas sociais de efeitos

redistributivos Isso significa defender como estrateacutegia relevante um desenvolvimento

econocircmico em bases redistributivas (em que todos ganham) quebrando o ciacuterculo perverso

da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo da pobreza e da desigualdade social pois os princiacutepios da

justiccedila redistributiva e da garantia dos direitos sociais natildeo podem prescindir da accedilatildeo

estatal da co-participaccedilatildeo da sociedade civil nem constituir-se em objeto de interesses

particularistas e corporativistas fortalecidos por interesses privatistas

Enfim natildeo obstante as polecircmicas que cercam essa questatildeo bem como as

contribuiccedilotildees e divergecircncias teoacutericas que envolvem a temaacutetica da assistecircncia social na

perspectiva do pluralismo de bem-estar a vigecircncia da crise do Estado capitalista contemporacircneo

ultrapassa os objetivos da presente tese Outra ressalva a fazer eacute que apesar das deficiecircncias que

afetaram o Estado Social (crise e colapso da doutrina keynesiana) eacute justo reconhecer que no

acircmbito do capitalismo nenhum outro modelo de Estado buscou conciliar de forma tatildeo precisa os

conceitos de liberdade e de igualdade na perspectiva de uma justiccedila redistributiva e de uma

democracia igualitaacuteria Essa ideacuteia segue tendo vigecircncia nas sociedades contemporacircneas Dinte do

exposto torna-se mister reafirmar que a assistecircncia social eacute uma poliacutetica social puacuteblica que natildeo

se restringe ao binocircmio pobrezafome do ponto de vista material mas possui uma dimensatildeo

eacutetico-poliacutetica ideoloacutegica e humana que extrapola a existecircncia de contraditoacuterios fenocircmenos

histoacutericos Embora reconheccedila a pobrezafome como uma questatildeo substantiva trata-se de

qualificar a assistecircncia social como poliacutetica que acima de tudo concretiza direitos de cidadania

Sintetizando Gough (1997) haacute que se defender uma rede de seguridade puacuteblica oficial com uma

cobertura estatal justa e universal um regime institucionalizado de assistecircncia social e um marco

regulatoacuterio nacional na Europa do Sul e no Brasil Eacute nessa perspectiva que se efetivaraacute nessa

regiatildeo e no Brasil uma poliacutetica de assistecircncia social como um sistema de proteccedilatildeo social

puacuteblico porque ancorado em princiacutepios de justiccedila e de redistributividade e em um novo pacto de

cidadania democracia e civilidade Afinal como afirmou Sir William Beveriacutedge em 1942 ndash um

dos artiacutefices do primeiro sistema de seguridade social da Inglaterra e do mundo de forma

universal ndash numa citaccedilatildeo que marca e qualifica a biografia do Estado de Bem-estar apoacutes a

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necesidad Deve ganaacuterselardquo (apud TIMMINS 2001 p 17)

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