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Universidade de Brasiacutelia ndash UnB
Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH
Departamento de Serviccedilo Social ndash SER
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social
Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar
prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica
Doutoranda Maria Joseacute de Faria Viana
Orientadora Profa Dra Potyara A P Pereira
Brasiacutelia 2007
i
Universidade de Brasiacutelia ndash UnB
Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH
Departamento de Serviccedilo Social ndash SER
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social
Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar
prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica
MARIA JOSEacute DE FARIA VIANA
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Poliacutetica Social
Orientadora Profa Dra Potyara A P Pereira
Brasiacutelia 2007
ii
Universidade de Brasiacutelia ndash UnB
Instituto de Ciecircncias Humanas ndash IH
Departamento de Serviccedilo Social ndash SER
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Poliacutetica Social
TESE DE DOUTORADO
Assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar
prevalecircncia da proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica
Doutoranda Maria Joseacute de Faria Viana
Orientadora Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira
Co-Orientador Prof Dr Manuel Gomes Herrera
Banca Examinadora Profa Dra Denise Birche Bomtempo (UnB)
Profa Dra Fernanda A da Fonseca Sobral (UnB)
Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira (UnB)
Profa Dra Rosa Helena Stein (UnB)
Profa Dra Sandra de Faria (UCG)
Suplente Profa Dra Marlene Teixeira (UnB)
Brasiacutelia 2007
iii
iv
A Deus por permitir-me chegar ao final dessa rica experiecircncia mais
enriquecida como pessoa e como profissional
Agrave memoacuteria de meus pais Lydio e Lourdes pela humildade e carinhosa
lembranccedila
Ao Hildo pela presenccedila solidaacuteria e amorosa e pelo estiacutemulo constante no
decorrer dessa caminhada
A Mocircnica e Rogeacuterio Eduardo e Deacutebora Vanessa e Wilson filhos queridos jaacute
adultos que apoacutes dividirem espaccedilo e tempo juntos saiacuteram em busca da construccedilatildeo de sua
proacutepria felicidade confirmando Fernando Pessoa para quem o valor das relaccedilotildees
humanas natildeo estaacute no tempo que elas duram mas na intensidade em que acontecem
Aos queridos Joatildeo Vitor Pedro Luis Eduardo e Maria Fernanda adoraacuteveis
netos e neta (e aos demais netinhos e netinhas que por certo viratildeo) por me permitirem
nesse momento reeditar o que tenho de melhor meus melhores afetos emoccedilotildees e
sentimentos e por me devolverem ao mundo maacutegico da infacircncia com suas fantasias
brincadeiras verdades e pureza de sentimentos Com eles reaprendi a brincar de esperanccedila
de passado de presente e de futuro a falar a mais pura das linguagens a indagaccedilatildeo
constante a busca do novo e sobretudo da Feacute na vida e no ser humano
Aos demais familiares e amigos que se somaram comigo nessa caminhada o
carinho e o muito obrigado pelo respeito que demonstraram ao meu jeito de ser de sonhar
e de realizar meus projetos e escolhas pessoais e profissionais
v
AGRADECIMENTOS
Agrave Profa Dra Potyara Amazoneida P Pereira pela orientaccedilatildeo segura e
competente demonstrando notaacutevel lucidez compromisso eacutetico e respeito humano O olhar
atento a tudo assumindo comigo todos os desafios inerentes agrave produccedilatildeo desta tese ganha
significado nesse momento em especial pela motivaccedilatildeo para que eu realizasse o Estaacutegio de
Complementaccedilatildeo de Estudos (CAPESPDEE) na Espanha
Agraves professoras membros das duas bancas examinadoras (de qualificaccedilatildeo e de
defesa) Doutoras Denise Bomtempo Fernanda Sobral Ivanete Boschetti Maria
Auxiliadora Marlene Teixeira Potyara A P Pereira Rosa H Stein e Sandra de Faria
pelas reflexotildees e sugestotildees feitas a esta tese
Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo (Cursos de Doutorado e Mestrado em Poliacutetica
Social) do Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia ndash SERUnB por
intermeacutedio de sua Coordenadora Profa Dra Ivanete Boschetti e a todo o corpo docente
em especial aos professores das disciplinas cursadas pelo compromisso demonstrado ao
que fazem
Aos colegas da primeira turma do curso de Doutorado em Poliacutetica Social do
Departamento de Serviccedilo Social da Universidade de Brasiacutelia-SERUnB Paulo Quernes e
Raquel Gomes M Pires pela especial convivecircncia e pela descoberta juntos de como eacute
aacuterido (por vezes duro) mas extremamente gratificante o caminho da ciecircncia Aos demais
estudantes dos cursos de graduaccedilatildeo mestrado e doutorado do SERUnB o meu abraccedilo na
pessoa do colega Joselito Pacheco pelas descobertas e fecundos debates na busca de
superaccedilatildeo dos desafios que se interpotildeem aos processos de construccedilatildeo do saber de
amadurecimento intelectual e sobretudo ao exerciacutecio da alteridade como valor maior
Agrave Coordenaccedilatildeo de Programas de Capacitaccedilatildeo de Ensino Superior Ministeacuterio da
Educaccedilatildeo ndash CAPESMEC na pessoa de sua Coordenadora Geral Profa Dra Maria Luiza
Lombas por seu empenho aos encaminhamentos para realizaccedilatildeo do Estaacutegio de Doutorado
na Espanha pelo Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior ndash PDEE no
periacuteodo de junho de 2006 a outubro de 2006 realizado pela Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica
e Sociologia na cidade de Granada
Ao Professor Doutor Manuel Herrera Goacutemez (co-orientador) professor e
pesquisador na Faculdade de Ciecircncia Poliacutetica e Sociologia de Granada meus
vi
agradecimentos pela acolhida naquele paiacutes e pela vasta referecircncia bibliograacutefica indicada
para a pesquisa o que muito contribuiu para qualificar a tese em sua fundamentaccedilatildeo
teoacuterico-empiacuterica
Agrave Universidade Catoacutelica de Goiaacutes nas pessoas do magniacutefico Reitor Prof Dr
Wolmir T Amado pelo apoio institucional na concessatildeo e manutenccedilatildeo da Licenccedila de Poacutes-
Graduaccedilatildeo e da Proacute-Reitora de Extensatildeo e Poliacutetica Estudantil Profa Dra Sandra de Faria
pela atitude eacutetica e solidaacuteria e pela clareza de suas observaccedilotildees sobre este trabalho assim
como agraves colegas professoras Eleuza Bilemjian e Walderez L Miguel por se empenharem
na defesa da realizaccedilatildeo do Estaacutegio na Espanha como complementaccedilatildeo dos estudos dessa
tese ressaltando sua importacircncia para a UCG e para o SERNUPESC
Aos professores colegas docentes alunos do curso de graduaccedilacirco e
funcionaacuterios administrativos do Departamento de Serviccedilo Social da UCG representados
nas pessoas das professoras Walderez Miguel Sandra de Faria Regina Sueli Acircngela de
Matos Lacerda Carmem Regina Eleuza Bilemjian Omariacute Ludovico Marilene A Coelho
Darci Terezinha Coelho Maria Aparecida CVaz Maria Conceiccedilatildeo Vera Luacutecia e Leniacute e
dos funcionaacuterios Diana Luiz Carlos Raquel e Eacuterica os meus agradecimentos pela torcida
e pelo apoio recebido
Aos funcionaacuterios da secretaria do SERUnB nas pessoas de Domingas e
Rafael pelo respeito apoio e atenccedilatildeo demonstrados durante o curso de doutorado
Aos beneficiaacuterios da assistecircncia social e dos programas de transferecircncia de
renda no Brasil e de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo na Europa do Sul os quais apesar do
precaacuterio reconhecimento de sua cidadania plena e pela ausecircncia de vocalizaccedilatildeo em face do
silecircncio a que estatildeo submetidos pelas relaccedilotildees de poder e de classe merecem o meu
respeito
Agrave amiga e profissional Luzia por assumir comigo mais esse desafio no
aprendizado da relaccedilatildeo homem-maacutequina com destacada paciecircncia e disponibilidade
Agraves amigas e profissionais Izabel e Dona Maria pelo compromisso que sempre
demonstraram ao que fazem os meus agradecimentos por terem contribuiacutedo com
dedicaccedilatildeo e trabalho durante esses anos para a realizaccedilatildeo de projetos de estudo e de
trabalho como este que nesse momento concluo
Agrave professora Darci Costa pela revisatildeo criteriosa e qualificada
vii
RESUMO
Nesta tese objetiva-se compreender a loacutegica do pensamento liberal em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social no contexto do chamado pluralismo de bem-estar difundido como uma modalidade de proteccedilatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica em substituiccedilatildeo agraves poliacuteticas do Estado do Bem-estar (Estado Social) Busca-se apreender as tendecircncias em curso da assistecircncia social por entender que a orientaccedilatildeo neoliberal que rege essa poliacutetica mudou substancialmente o seu significado e conteuacutedo destituindo-a de sua dimensatildeo puacuteblica e do seu status de cidadania Apesar disso a assistecircncia social tornou-se uma questatildeo central no debate sobre os sistemas de proteccedilatildeo social contemporacircneos em virtude da grande visibilidade que vem apresentando como resposta agrave inseguranccedila social causada pelo domiacutenio neoliberal a partir dos anos 1970 A revalorizaccedilatildeo do voluntariado e do mercado assim como a criaccedilatildeo de redes de proteccedilatildeo social e de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI na Europa) eou de transferecircncia de renda (Bolsa Famiacutelia no Brasil) surgem como alternativas agrave lideranccedila do Estado no efetivo combate agrave pobreza ampliada presente no mundo em uma perspectiva focalizada e residual Este estudo elegeu como unidade de anaacutelise empiacuterica o Sul da Europa e o Brasil como integrantes de um modelo latino de proteccedilatildeo social cujas peculiaridades favorecem a realizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de feiccedilatildeo neoliberal Entende-se a pobreza e a desigualdade social como fenocircmenos estruturais e de classe que resultam de uma brutal concentraccedilatildeo de renda e de riqueza que natildeo eacute considerada pelo neoliberalismo Nesse sentido esta tese trata dos complexos processos de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas sociais e de seus efeitos no contexto de expansatildeo da ofensiva neoliberal a saber desmonte dos direitos de cidadania social desestatizaccedilatildeo desregulaccedilatildeo econocircmica e social mercantilizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais flexibilizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho privatizaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico e de bens e serviccedilos sociais Depreende-se que tais processos tecircm produzido uma grande fratura social fragilizando ainda mais nos contextos estudados (Europa do Sul e Brasil) a democracia e a cidadania Tecircm provocado ainda disparidades sociais em benefiacutecio do crescimento econocircmico e do fortalecimento do grande capital Por fim tendo como horizonte os direitos sociais e a concepccedilatildeo de que a principal funccedilatildeo das poliacuteticas sociais eacute a de concretizar esses direitos compreende-se que a assistecircncia social vem sendo usada de forma deturpada porque essa modalidade de poliacutetica social possui conotaccedilatildeo eacutetica e ciacutevica que contra-indica o seu uso como mera reparaccedilatildeo dos danos sociais criados pelo regime neoliberal pois ela incorpora o conceito de democracia igualitaacuteria e se fundamenta em princiacutepios universais e redistributivos
viii
ABSTRACT
In this thesis we aim to understand the logic of the liberal thinking in relation with the social assistance in the context called welfare pluralism disseminated as a way of plural or mixed but not public social protection in the place of policies of Welfare State (Social State) There is a big worry in this social protection with the current tendencies of social assistance to understand that the neoliberal orientation that rules this policy changes substantially its modern meanings and contents being out of its public dimension and status of citizenship In spite of this the social assistance became a central point in the debate about the contemporary Systems of Social Protection because of the great visibility that has been shown as a response to the social insecurity caused by the liberal dominance since the 1970acutes The re-evaluation of the volunteers and the market as well as the creation of the Nets of Social Protection and the Programs of Minimum Income for Insertion (MIIEurope) and or the Income Transference (Bolsa FamiacuteliaBrazil) come out as alternatives to the State leadership on the effective combat to the worldwide amplified poverty in a focused and residual perspective This study elected as empirical analysis unit Brazil and the south of Europe as components of a Latin Model of social protection whose peculiarities favor the presence of pluralism in well-being of neoliberal characteristic and it understands poverty and social inequality as strutuctural and class phenomena that result from a enormous income and wealth concentration that is not taken into account by the neoliberalism In this sense this thesis deals with the complex processes of reestructuration of the social policies and their effects in the context of expansion of the neoliberal offensive as follows the dismantling of the rights of citizenship desestatization economical and social deregulation mercantilization of social policies flexibilization of work relations privatization of public patrimony of goods and of social services We understand that such processes have been producing a big social break weakening even more in the studied contexts (Brazil and south of Europe) the democracy and citizenship Such processes have also been causing social disparities in the alleged reason for economical growth and strengthening of the big capital Finally considering the social rights and the conception that the main function of the social policies is to characterize these rights for this thesis the social assistance has been used in a mistaken way This misconception happens because this modality of social policy has an ethical and civical meaning that counter-indicates its usage as a mere repair of social damages created by the neoliberal regime because it in bodies the concept of egalitarian democracy and is founded in universal and distributive principles
ix
REacuteSUMEacute
Le but de la preacutesente thegravese est de comprendre la logique de la penseacutee libeacuterale em ce qui concerne lrsquoassistance sociale dans le contexte de ce qursquoon appelle le pluralisme de bien-ecirctre diffuseacute comme une modaliteacute de protection sociale plurielle ou mixte mais non publique em remplacement des politiques de lrsquoEacutetat du bien-ecirctre (Eacutetat social) Elle cherche agrave appreacutehender les tendances actuelles de lrsquoassistance sociale pour comprendre que lrsquoorientation neacuteo-libeacuterale qui reacutegit cette politique a changeacute substantiellement de sens et de contenu lui enlevant sa dimension publique et son statut de citoyenneteacute Malgreacute cela lrsquoassistance sociale est devenue une question centrale dans le deacutebat sur les systegravemes contemporains de protection sociale en vertu de la grande visibiliteacute qursquoelle preacutesente comme reacuteponse agrave lrsquoinseacutecuriteacute sociale provoqueacutee par la domination neacuteo-libeacuterale agrave partir des anneacutees 1970 La revalorisation du beacuteneacutevolat et du marcheacute tout comme la creacuteation de reacuteseaux de protection sociale et de programmes de revenu minimum drsquoinsertion (RMI em Europe) etou de transfert de revenu (Bourse Famille au Breacutesil) apparaissent comme des alternatives agrave la position dominante de lrsquoEacutetat dans le combat effectif contre la pauvreteacute eacutelargie preacutesente dans le monde dans une perspective focaliseacutee et reacutesiduelle La preacutesente eacutetude a choisi comme uniteacute drsquoanalyse empirique lrsquoEurope meacuteridionale et le Breacutesil en tant que faisant partie drsquoun modegravele latin de protection sociale dont les particulariteacutes favorisent la reacutealisation du pluralisme de bien-ecirctre de type neacuteo-libeacuteral La pauvreteacute et lrsquoineacutegaliteacute sociale sont consideacutereacutees comme des pheacutenomegravenes structuraux et de classe qui reacutesultent drsquoune concentration brutale de revenus et de richesse qui nrsquoest pas consideacutereacutee par le neacuteolibeacuteralisme Dans ce sens la preacutesente thegravese aborde les processus complexes de restructuration des politiques sociales et leurs effets dans le contexte de lrsquoexpansion de lrsquooffensive neacuteo-libeacuterale crsquoest-agrave-dire le deacutemantegravelement des droits de citoyenneteacute sociale la deacuteseacutetatisation la deacutereacutegulation eacuteconomique et sociale la commercialisation des politiques sociales la flexibilisation des relations de travail la privatisation du patrimoine public et des biens et services sociaux La conclusion est que de pareils processus ont produit une grande fracture sociale fragilisant encore davantage dans les contextes eacutetudieacutes (Europe meacuteridionale et Breacutesil) la deacutemocratie et la citoyenneteacute Ils ont aussi provoqueacute des dispariteacutes sociales au beacuteneacutefice de la croissance eacuteconomique et du renforcement du grand capital Enfin sur la toile de fond des droits sociaux et de la conception suivant laquelle la principale fonction des politiques sociales est de concreacutetiser ces droits on comprend que lrsquoassistance sociale est utiliseacutee drsquoune maniegravere pervertie Cette modaliteacute de politique sociale possegravede une connotation eacutethique et civique incompatible avec son utilisation comme simple reacuteparation des dommages sociaux creacuteeacutes par le reacutegime neacuteo-libeacuteral vu qursquoelle incorpore le concept de deacutemocratie eacutegalitaire et se fonde sur des principes universels et de redistribution
x
SUMAacuteRIO
Resumo vi
Abstract vii
Reacutesumeacute viii
Lista de Quadros xiii
Lista de Tabelas xv
Lista de Figuras xvii
Lista de Siglas xviii
INTRODUCcedilAtildeO 21
Metodologia meacutetodo e procedimentos 33
PRIMEIRA PARTE
CAPIacuteTULO I
REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO DAS CATEGORIAS DE
ANAacuteLISE 39
11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho 39
12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria
recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade 44
13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias 50
14 Sobre a cidadania a democracia ampliada e a liberdade positiva 55
15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democracia ampliada 57
16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo
de direitos 59
17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social 61
18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal 64
19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos)
defendidos pelos neoliberais 65
xi
CAPIacuteTULO II
O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR 70
21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo
apoacutes a Segunda Guerra Mundial 70
22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social
fundamentos da seguridade social apoacutes a Segunda Guerra Mundial 81
23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social 89
24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do
modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita 91
CAPIacuteTULO III
PLURALISMO DE BEM-ESTAR ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E
TENDEcircNCIAS 94
31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal 94
32 Neoliberalismo pluralismo de bem-estar e emergecircncia da chamada
sociedade de bem-estar 102
33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves eferecircncias
aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social 108
CAPIacuteTULO IV
CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA
PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS 113
41Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os setores
natildeo-oficiais informal voluntaacuterio comercial ou mercantil 113
411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar 113
42 Setores natildeo-oficiais 117
421 Setor informal 117
422 Setor voluntaacuterio 118
423 Setor mercantil ou comercial 124
43 Nexo assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um
retorno ao conservadorismo 128
xii
44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de
praacuteticas tuteladoras e assistencialistas 129
45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da
provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria 131
SEGUNDA PARTE
CAPIacuteTULO V
MODELO LATINO 138
51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino 138
52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e
no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos 160
521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo 161
522 O papel da famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro 179
53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas 183
CAPIacuteTULO VI
A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL OS
PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA MIacuteNIMA
EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI) 192
61 A emergecircncia do debate 192
CAPIacuteTULO VII
PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE RENDA
MIacuteNIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA ESTRATEacuteGIA
ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL 219
71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais 219
72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e
primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997)
Itaacutelia (1998) e Greacutecia 112
73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional 115
xiii
74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial
latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (Estado e Comunidades Autocircnomas
ndash CCAA) informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil 219
75 A experiecircncia da Itaacutelia 242
76 A experiecircncia de Portugal 245
77 A experiecircncia da Greacutecia 248
78 Siacutentese das principais caracteriacutesticas das poliacuteticas de provisatildeo social miacutenima
nos paiacuteses do Sul da Europa em uma perspectiva comparada 250
79 A experiecircncia do Brasil com programas de transferecircncia direta de renda miacutenima 253
710 Configuraccedilatildeo do principal programa de transferecircncia de renda no Brasil
ndash Bolsa Famiacutelia 258
711 Programa Bolsa Famiacutelia estrateacutegias gasto socialfinanciamento perspectivas e
tendecircncias 262
CAPIacuteTULO VIII
ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA AMEacuteRICA LATINA E NO BRASIL PROMESSA
DE DEMOCRACIA E DE CIDADANIA INCONCLUSAS 269
81 Implicaccedilotildees natildeo-redistributivas do pluralismo de bem-estar 269
82 Brasil uma realidade latina peculiar 274
83 Brasil a experiecircncia das poliacuteticas sociais brasileiras em dois periacuteodos
histoacutericos 1930-1988 e 1989-2001 282
831 Caracteriacutesticas particularidades e paracircmetros organizadores 282
84 A adesatildeo dos governos agraves orientaccedilotildees neoliberais tidas como plurais 283
85 As poliacuteticas sociais apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal brasileira
avanccedilos e retrocessos 295
86 A abordagem pluralista de bem-estar no Brasil paradoxos e particularidades 299
87 Tendecircncias em curso proposta de um novo formato de poliacutetica social brasileira
sob o influxo do pluralismo de bem-estar 305
88 Balanccedilo do padratildeo de bem-estar na Europa do SulEspanha e no Brasil 311
CONCLUSAtildeO 323
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 333
xiv
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no
periacuteodo 1883-1915 71
Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no
periacuteodo 1883-1915 72
Quadro 3 Principias leis sobre seguros sociais aprovadas desde 1941 ateacute
princiacutepios de 1970 em onze paiacuteses europeus 74
Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus 84
Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva
pluralista de Evers y Olk (1996) 106
Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados 135
Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar 144
Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus 146
Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares) 148
Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi Y G
Esping-Andersen (1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas 151
Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase no emprego e na redistribuiccedilatildeo
social 156
Quadro 12 Caracteriacutesticas dos estados de bem-estar em relaccedilacirco ao papel da
famiacutelia do mercado e do Estado 163
Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares 170
Quadro 14 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo subsidiariedade
complementariedade e incompatibilidades 194
Quadro 15 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de
inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas 196
Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais 205
Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender 207
Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza 207
Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e
famiacutelia) 229
xv
Quadro 20 Espanha renda miacutenima de inserccedilatildeo requisitos mais comuns exigidos
aos beneficiaacuterios 232
Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha 237
Quadro 22 Alguns dos principais iacutendices de preccedilos e de custo de vida 254
Quadro 23 Criteacuterios de elegibilidade e valores de benefiacutecios para famiacutelias
integrantes do Programa Bolsa Famiacutelia (PBF) 255
Quadro 24 Programa de transferecircncia de renda - Fome Zero - relaccedilatildeo de criteacuterio de
acesso condicionalidade e valor dos benefiacutecios 259
xvi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de
15-64 anos na Uniatildeo Europeacuteia-UE -1960-1995 133
Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em )
ndash Espanha 1970 1981 e 1991 172
Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares 173
Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos ndash 2000 180
Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragon -
Espanha - 2004 185
Tabela 6 Chamadas ao telefone 24 horas do Instituto Aragonecircs da Mulher 188
Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul 192
Tabela 8 Europa do Sul programas de rendas miacutenimas (2000) 193
Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002) 194
Tabela 10 Europa do Sul rendas ndash metas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com
assistecircncia social 1992 197
Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992 197
Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX 204
Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha () 225
Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 anos
(valores absolutos e relativos) 230
Tabela 15 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005
ndashsupressatildeo do gasto da aacuterea 1- prestaccedilotildees econocircmicas 233
Tabela 16 Espanha orccedilamento de gastos da seguridade social ndash supressatildeo do
creacutedito de pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo 234
Tabela 17 Espanha pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado
do sistema siacutenteses por entidades 235
Tabela 18 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(1) 236
Tabela 19 Espanha programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria(2) 236
Tabela 20 Recurso aragonecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash renda
miacutenima 240
Tabela 21 Investimentos MDS ndash consolidado geral ndash resumo do paiacutes 263
xvii
Tabela 22 Relatoacuterio comparativo de poliacuteticas sociais ndash 2002 a 2005 (principais
programas e accedilotildees) 264
Tabela 23 Percentuais de crianccedilas fora da escola de acordo com a classificaccedilatildeo dos
municiacutepios ndash 2000 298
Tabela 24 Populaccedilatildeo estrangeira na Comunidade Autocircnoma ndash CCAA de Aragoacuten
(CCAA) e Espanha 314
Tabela 25 Recursos para estrangeiros ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten 314
xviii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Triacircngulo de bem-estar 1 98
Figura 2 Triacircngulo de bem-estar 2 99
Figura 3 Triacircngulo de bem-estar 3 99
Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares 164
Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares 170
Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma
incapacidade por grupos de idade 175
Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia
pessoal e horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador 176
Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de
longa duraccedilatildeo 178
Figura 9 Proporccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino 179
Figura 10 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do
gasto da aacuterea 1 prestaccedilotildees econocircmicas 233
Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash distribuiccedilatildeo percentual do
gasto de pensotildees 234
Figura 12 BPC_ Pessoas beneficiadas 266
Figura 13 BPC_ Investimento anual 266
Figura 14 Piracircmide de populaccedilatildeo estrangeira revisatildeo do padratildeo municipal em 1ordm
de janeiro de 2003 315
xix
LISTA DE SIGLAS
ADH Atlas de Desenvolvimento Humano
BIRD Banco Internacional para Reconstruccedilatildeo e Desenvolvimento (Banco Mundial)
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BPC Benefiacutecio de Prestaccedilatildeo Continuada (LOAS)
CREA Centro de Referecircncia da Assistecircncia Social
CadUacutenico Cadastro Uacutenico dos Programas Sociais do Governo Federal
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
CCAA Comunidades Autocircnomas (Espanha)
CEPAL Comissatildeo Econocircmica para Ameacuterica Latina e Caribe
CLT Consolidaccedilatildeo das Leis de Trabalho
CNSS Conselho Nacional de Serviccedilo Social
CNAS Conselho Nacional de Assistecircncia Social
CGPBF Conselho Gestor do Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)
CSIC Conselho Superior de Investigaccedilatildeo Cientiacutefica (Espanha)
CE Comissacirco Europeacuteia
CAPs Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo
DRU Desvinculaccedilatildeo da Receita da Uniatildeo
DIEESE Departamento Intersindical de Estatiacutestica e Estudos Soacutecio-econocircmicos
EU Uniatildeo Europeacuteia
FIPE Fundaccedilatildeo Nacional de Pesquisas Econocircmicas
FINSOCIAL Fundo Social de Investimento
FMI Fundo Monetaacuterio Internacional
IESAM Instituto de Estudos Sociais Avanccedilados de Madri
IASS Instituto Aragonecircs de Serviccedilos Sociais (Governo de AragoacutenEspanha)
IEIE Instituto de Estudos da Integraccedilacirco Europeacuteia
INPC Iacutendice Nacional de Preccedilos ao Consumidor
IPH Iacutendice de Pobreza Humana (PNUD)
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
INPS Instituto Nacional de Previdecircncia Social
INAMPS Instituto Nacional de Assistecircncia Meacutedica e Previdecircncia Social
IAPAS Instituto de Aposentadoria e Pensocirces da Assistecircncia Social
xx
ICV Iacutendice de Custo de Vida
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
LOAS Lei Orgacircnica da Assistecircncia Social
LDO Lei Diretrizes Orccedilamentaacuterias
LOPS Lei Orgacircnica da Previdecircncia Social (1960)
MDS Ministeacuterio de Desenvolvimento Social e Combate agrave Fome
MEC Ministeacuterio de Educaccedilatildeo e Cultura
MTSS Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) (Espanha)
MTAS Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (Espanha)
MPAS Ministeacuterio de Previdecircncia e Assistecircncia Social (Brasil)
MPs Medidas Provisoacuterias
NOB Norma Operacional Baacutesica
NIS Nuacutemero de Identificaccedilatildeo Social
OCDE Organizaccedilatildeo Para Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico
ONU Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
OSFL Organizaccedilotildees Sem Fins Lucrativos
OIT Organizaccedilatildeo Internacional do Trabalho
PED Plano Estrateacutegico de Desenvolvimento
PDEE Programa de Desenvolvimento de Estaacutegio no Exterior (CAPES)
PNUD Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento
PBF Programa Bolsa Famiacutelia (MDS)
PETI Programa de Erradicaccedilatildeo do Trabalho Infantil (MDS)
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelio
PISPASEP Programas de Integraccedilatildeo Social
RMG Rendimento Miacutenimo Garantido (Europa do Sul)
RMI Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Europa do Sul) Revenue Minimum dacuteInsertion (RMI na Franccedila) Renta Miacutenima de Insercioacuten (RMI na Espanha) Reddito Miacutenimo di Inserimento(RMI na Itaacutelia) e Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo(RMI em Portugal) Renda Miacutenima (RM no Brasil_ Programas deTransferecircncia de Renda)
RB Renda Baacutesica
PIB Produto Interno Bruto
SAS Secretaria Nacional de Assistecircncia Social (MTAS)
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
SUAS Sistema Uacutenico de Assistecircncia Social
xxi
SINE Sistema Nacional de Emprego
SFH Sistema Financeiro de Habitaccedilatildeo
UPC Unidade de Poliacuteticas Comparadas (Espanha)
INTRODUCcedilAtildeO
Analisa-se nesta tese uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada
pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) 1 surgida na Europa
no final dos anos 1970 como alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano
fordistabeveridgiano que vigorou entre 1945 e 1975 nas sociedades capitalistas
industrializadas do Ocidente Nesta anaacutelise privilegiam-se as implicaccedilotildees do pluralismo de
bem-estar para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos no mundo
capitalista incluindo o Brasil Tendo em vista esse privilegiamento parte-se da recente
discussatildeo sobre a crise do Estado Social2 de estilo keynesianofordistabeveridigano a partir
do final dos anos 1970 por entender que a identificaccedilatildeo dos fatores que desencadearam a
alegada crise bem como das estrateacutegias utilizadas para o seu enfrentamento ultrapassou os
paiacuteses capitalistas centrais repercutindo no Brasil
Entende-se que o debate sobre a expansatildeo do pluralismo de bem-estar em escala
mundial ganha relevacircncia por reeditar-se com ele praacuteticas assistenciais liberais e
conservadoras que afrontam os direitos sociais dos cidadatildeos conquistados no seacuteculo XX
Nesse debate faz-se necessaacuterio identificar com antecedecircncia a relaccedilatildeo entre Estado
sociedade (incluindo o mercado) e poliacuteticas de assistecircncia social no acircmbito de duas
experiecircncias divergentes de proteccedilatildeo social quais sejam a do Estado Social jaacute mencionadoe
a do pluralismo de bem-estar de estilo poacutes-keynesianobeveredigianofordista contrapondo
criticamente suas respectivas caracteriacutesticas puacuteblica de um lado e plural ou mista de outro
lado A suposiccedilatildeo impliacutecita nessa confrontaccedilatildeo eacute a de que por se tratar de um fenocircmeno
1 Em tese o pluralismo de bem-estar ou bem-estar misto consiste em uma accedilatildeo compartilhada entre as trecircs esferas da sociedade moderna ndash Estado mercado e instituiccedilotildees natildeo-governamentais e natildeo-mercantis da sociedade No pluralismo neoliberal satildeo estabelecidas uma divisatildeo de responsabilidades nas esferas do bem-estar e uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre essas trecircs esferas com ecircnfase ao papel da sociedade civil jaacute que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e o Estado eacute destituiacutedo de seu papel de provedor e de regulador das relaccedilotildees sociais 2 O termo Estado social utilizado neste estudo constitui sinocircnimo do Estado de Bem-estar estabelecido apoacutes a Segunda Guerra Mundial que na liacutengua inglesa eacute denominado Welfare State Dentre as diferentes denominaccedilotildees do Estado de Bem-estar destacam-se trecircs Welfare State (na lingua inglesa) Estado de Providecircncia (na liacutengua francesa e no portuguecircs de Portugal) e Estado Social (na liacutengua alematilde) Nesta tese para evitar repeticcedilotildees semacircnticas ora eacute usado o termo Estado Social ora Estado de Bem-estar
23
mundial antigo e ubiacutequo a assistecircncia social de natureza puacuteblica associada ao Estado
Social agora subestimado requer tematizaccedilotildees cientiacuteficas
O recorte temporal dessa confrontaccedilatildeo privilegia dois periacuteodos histoacutericos o
primeiro situa-se dos anos 1940 aos 1970 quando o Estado Social se consolidou na
Inglaterra com o nome de Welfare State e como a primeira experiecircncia de seguridade
social desatrelada em parte do mercado O outro refere-se ao periacuteodo entre os anos 1970
ateacute os dias atuais quando esse modelo de Estado foi perdendo a sua natureza puacuteblica e sua
relativa autonomia da loacutegica mercantil
Entende-se tambeacutem como relevante nesta anaacutelise a explicitaccedilatildeo de categorias-
chave que demandam aprofundamento teoacuterico por estarem presentes no debate
contemporacircneo da assistecircncia social como relaccedilatildeo entre Estado e sociedade poliacutetica
social no contexto da poliacutetica puacuteblica (abarcando a questatildeo da pobreza e da
desigualdade) e direitos sociais associados agrave categoria trabalho Vale ainda destacar o
tratamento dessas categorias em paiacuteses3 com particularidades latinas no contexto europeu
ndash que com o Brasil constituiacuteram unidades de anaacutelise desta tese ndash os quais parafraseando
Abrahamson (1992) pautam-se por um modelo latino de fraca institucionalidade no
campo do bem-estar social
A anaacutelise do modelo latino que se efetuou para detectar a influecircncia do
pluralismo de bem-estar em um ambiente europeu que lhe eacute culturalmente favoraacutevel
tornou defensaacutevel a inclusatildeo do Brasil pelas afinidades que esse paiacutes da Ameacuterica Latina
manteacutem com o modelo a comeccedilar pela referecircncia latina que o classifica De fato vale
enfatizar tanto o Brasil como os paiacuteses que compotildeem o modelo latino dentre os quais
para efeitos deste estudo particulariza-se a Espanha desenvolvem um sistema de bem-
estar desfalcado de uma efetiva presenccedila do Estado destacando o protagonismo das
famiacutelias e de setores natildeo-oficiais da sociedade como espaccedilos privados primaacuterios de
provisatildeo social Haacute tambeacutem nessa provisatildeo a participaccedilatildeo influente da religiatildeo com seus
valores e adoccedilatildeo de soluccedilotildees conservadoras e tradicionais em combinaccedilatildeo com medidas
residuais de proteccedilatildeo social estatal
Como pano de fundo da anaacutelise do padratildeo latino de assistecircncia social adotado
no Sul da Europa e no Brasil figuram as dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como termos
3 Os paiacuteses do Sul da Europa (tambeacutem denominada Europa Mediterracircnea eou Meridional) satildeo Franccedila (em parte) Portugal Itaacutelia (em parte) Greacutecia e Espanha e esta uacuteltima constituiu unidade de anaacutelise privilegiada deste estudo Essa comparaccedilatildeo eacute possiacutevel pelas similaridades latinas do regime de bem-estar adotado por esses paiacuteses e pelo Brasil o qual eacute protagonizado por segmentos informais e voluntaacuterios da sociedade civil (igreja famiacutelia e organizaccedilotildees voluntaacuterias) e natildeo pelo Estado
24
opostos da avaliaccedilatildeo da tendecircncia de fortalecimento da dimensatildeo plural em relaccedilatildeo agrave
puacuteblica no pluralismo de bem-estar Esta constataccedilatildeo revelou o caraacuteter histoacuterico da poliacutetica
de assistecircncia social e como tal a sua existecircncia como fenocircmeno complexo que conteacutem
particularidades e caracteriacutesticas proacuteprias em sua relaccedilatildeo com o regime de proteccedilatildeo social
adotado nos paiacuteses em que se realiza bem como com as demais poliacuteticas soacutecio-
econocircmicas mesmo que tratada por um veio particular como se faz neste trabalho
Para fins de esclarecimento eacute vaacutelido ressaltar que o pluralismo de bem-estar
sempre foi endoacutegeno ao capitalismo pois o Estado Social nunca abdicou da sua relaccedilatildeo
com o mercado e com os setores voluntaacuterios da sociedade Na atualidade essa
caracteriacutestica confere ao pluralismo de bem-estar caraacuteter inovador pois assim como os
demais processos soacutecio-econocircmicos ele foi absorvido pelo neoliberalismo Com isso o
antigo protagonismo do Estado Social em suas tradicionais relaccedilotildees com o mercado e com
os setores natildeo-mercantis da sociedade foi sendo esvaziado em nome de uma paridade
entre essas trecircs instacircncias4 e essa paridade natildeo aconteceu porque o referido protagonismo
foi transferido para o mercado
Diante dessa reorientaccedilatildeo entende-se como relevante o estudo aprofundado
dos processos complexos que vatildeo se configurando como mudanccedila radical no padratildeo
puacuteblico de assistecircncia social conquistado pela classe trabalhadora desde finais do seacuteculo
XIX para um padratildeo plural que em verdade escamoteia um crescente processo de
privatizaccedilatildeo da provisatildeo social A anaacutelise do discurso e da praacutetica dos defensores do
pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal bem como das novas orientaccedilotildees
(privatistas e voluntaristas) da assistecircncia social potildeem em evidecircncia a centralidade e
atualidade deste estudo
Busca-se de fato reiterar que o conceito de bem-estar plural ou de pluralismo
de bem-estar com o objetivo de agregar muacuteltiplos setores e atores de forma paritaacuteria natildeo eacute
novo e nem surgiu ao acaso Sua feiccedilatildeo atual tem raiacutezes histoacutericas e eacute fruto de demandas
decorrentes das dificuldades enfrentadas pelo Estado Social nos fins dos anos 1970 de
cumprir seu papel provedor em um contexto de perda de centralidade da doutrina
econocircmica keynesiana-fordista e do modelo beveridgiano de seguridade social que lhe
servia de suporte doutrinaacuterio e poliacutetico O novo aparece efetivamente natildeo no conceito de
4 Modelo triangular tripartite apresentado por Peter Abrahanson (1995 ab) com a triacuteade Estado (dotado de poder) mercado (dotado de dinheiro) e sociedade (dotada de solidariedade) Em tese essas dimensotildees constituem o espaccedilo puacuteblico e o espaccedilo privado e devem relacionar-se por meio de trocas e de complementaridade de seus recursos especiacuteficos Daiacute a necessidade de distingui-las em relaccedilatildeo agrave sua concepccedilatildeo constituiccedilatildeo e funccedilatildeo conforme o autor
25
pluralismo de bem-estar mas no uso que dele se faz para justificar a desregulamentaccedilatildeo da
proteccedilatildeo social e a desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia como poliacutetica puacuteblica para a
instituiccedilatildeo de uma assistecircncia social informal voluntarista ancorada na comunidade local
e na famiacutelia e especialmente na mulher como cuidadora social por excelecircncia
Esse enfoque justifica-se pela necessidade de destacar e combater a ecircnfase
dada pelos defensores do pluralismo de bem-estar a uma assistecircncia social como antiacutetese
da cidadania social Em decorrecircncia torna-se importante submeter agrave criacutetica sistemaacutetica os
conceitos e os argumentos neoliberais utilizados para justificar essa inversatildeo histoacuterica em
razatildeo do visiacutevel aumento da pobreza e da desigualdade social sob a ingerecircncia do
pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal e agrave incapacidade do mercado de promover
inclusatildeo social
Assim a proposta neoliberal de pluralismo de bem-estar tal qual se apresenta
na atualidade eacute problematizada por privilegiar a atuaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais informal
voluntaacuterio e mercantil ou comercial (Johnson 1990) em detrimento do papel do Estado na
proteccedilatildeo social puacuteblica
Ademais este estudo identificou mediante revisatildeo bibliograacutefica uma baixa
produccedilatildeo cientiacutefica sobre o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar como uma proposta
poliacutetica particular Por isso entende-se que o trato desse tema mesmo sem a pretensatildeo de
esgotaacute-lo poderaacute fornecer elementos de compreensatildeo do atual fenocircmeno de desvinculaccedilatildeo
da assistecircncia social dos direitos de cidadania Ademais o debate sobre o processo de
apropriaccedilatildeo neoliberal da noccedilatildeo de pluralismo de bem-estar certamente poderaacute qualificar e
aprofundar o exame contemporacircneo da assistecircncia social
No entanto a recusa ao pluralismo de bem-estar de corte neoliberal natildeo
significa a defesa do estatismo mas sim resgatar a centralidade do Estado como instatildencia
puacuteblica insubstituiacutevel como garantidora dos direitos sociais Portanto na perspectiva deste
estudo o pluralismo de bem-estar tal como se apresenta precisa ser repensado por duas
principais razotildees a primeira por natildeo ter uma dimensatildeo puacuteblica universalizadora e de
inclusatildeo social e a segunda por expressar o retorno de praacuteticas arcaicas e conservadoras
que por si soacute natildeo tecircm poder para concretizar direitos de cidadania
O debate sobre a perda da funccedilatildeo do Estado eacute revelador das contradiccedilotildees
inerentes ao sistema capitalista que perpassam a proacutepria histoacuteria do capitalismo avanccedilado
ganhando dimensotildees diferenciadas tanto na fase de consolidaccedilatildeo do Estado Social quanto
no de sua propalada crise Ganha entatildeo realce a concepccedilatildeo puacuteblica e universal dos direitos
26
sociais cuja garantia se fundamenta em princiacutepios de cidadania ampliada justiccedila
redistributiva e equidade social A cidadania ampliada constitui-se dos direitos individuais
(civis e poliacuteticos) mas natildeo se limita a eles pois incorpora tambeacutem os direitos sociais
O conceito de liberdade positiva com igualdade5 que embasa os direitos
sociais estaacute em contraposiccedilatildeo com a concepccedilatildeo neoliberal de liberdade negativa e de
cidadania restrita fundamentada tatildeo somente na garantia de direitos individuais (civis e
poliacuteticos) Dessa contraposiccedilatildeo surgem significativas diferenciaccedilotildees dentre as quais duas
se destacam Uma refere-se agrave ecircnfase dada agrave dimensatildeo plural ou mista em detrimento da
dimensatildeo puacuteblica assegurada pelo Estado pelo estabelecimento dos direitos sociais e de sua
materializaccedilatildeo pelas poliacuteticas sociais puacuteblicas A outra diz respeito agrave concepccedilatildeo de
miacutenimos sociais em detrimento da concepccedilatildeo de satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas
e de sua necessaacuteria vinculaccedilatildeo com a cidadania ampliada
O debate sobre a necessaacuteria adequaccedilatildeo entre poliacuteticas sociais (incluindo a
assistecircncia) e necessidades baacutesicas encontra em Doyal e Gough (apud PEREIRA
2000) uma profiacutecua reflexatildeo Referenciada em tais autores Pereira (2000) rejeita a
noccedilatildeo de miacutenimos (difundida pelos neoliberais) como criteacuterio de definiccedilatildeo de
poliacuteticas de satisfaccedilatildeo de necessidades baacutesicas e opta pela noccedilatildeo de baacutesicos por
entender que esse conceito ldquopermite a inferecircncia de que niacuteveis superiores e
concertados de satisfaccedilatildeo de necessidades devem ser perseguidosrdquo (PEREIRA 2000
p 181) Recusa portanto a equiparaccedilatildeo do baacutesico com a visatildeo restrita de pobreza
vinculada agrave sobrevivecircncia bioloacutegica ao tempo em que postula a formulaccedilatildeo de um
ldquoconceito objetivo e universal de necessidades humanas baacutesicasrdquo (2000 p 181) que
leve em conta simultaneamente a dimensatildeo natural (bioloacutegica) e a social dos seres
humanos Resulta entatildeo uma compreensatildeo antiliberal das necessidades baacutesicas por
vinculaacute-las agrave cidadania e por requerer a ldquotransformaccedilatildeo das necessidades humanas em
questotildees de direitordquo (p 181)
5 Define-se como liberdade positiva a possibilidade de os direitos de cidadania serem assegurados pelo Estado e afianccedilados constitucionalmente A discussatildeo sobre democracia e cidadania ampliada remete agrave defesa da legalidade positiva do Estado tanto por seu grau de universalidade como pela articulaccedilatildeo de tais conceitos entre si Trata-se do reconhecimento do Estado como garantia de cidadania das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais O conceito de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica quando vinculado ao conceito de liberdade positiva para todos porque os direitos sociais diferentemente dos direitos individuais (civis e poliacuteticos) constituem um terceiro e decisivo niacutevel de cidadania e tecircm como perspectiva a igualdade e a justiccedila redistributiva Por isso exigem atitudes positivas e ativas do Estado no atendimento de necessidades sociais O conceito de liberdade negativa postulado pelos neoliberais contrapotildee-se ao de liberdade positiva Rechaccedila o princiacutepio da igualdade de condiccedilotildees de acesso e a capacidade interventiva e de regulaccedilatildeo do Estado no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas e dos direitos sociais Natildeo reconhece a positividade dos direitos sociais nem o Estado como garantia de cidadania
27
Esse requerimento estava impliacutecito na discussatildeo iniciada na Europa apoacutes a
Segunda Guerra Mundial sob influecircncia do pensamento social-democrata em um contexto
de crise do sistema capitalista liberal a partir da grande depressatildeo econocircmica de 1929
Alargou-se dessa forma o domiacutenio das poliacuteticas econocircmicas ateacute entatildeo baseadas na oferta
na acumulaccedilatildeo e na reproduccedilatildeo ampliada do capital para dar espaccedilo agraves poliacuteticas soacutecio-
econocircmicas provedoras de bens e serviccedilos como direitos sociais Tal alargamento fez que a
legislaccedilatildeo social se tornasse pela primeira vez na histoacuteria um paradigma de seguridade
com uma perspectiva puacuteblica e universalizadora A nova concepccedilatildeo de seguridade
vinculada agrave ideacuteia de seguranccedila social tornou-se um requisito central da dinacircmica e da
forma pela qual se constituiacuteram as chamadas instituiccedilotildees de bem-estar Um outro aspecto
nesse contexto de mudanccedilas diz respeito agraves modificaccedilocirces e reestruturaccedilatildeo das relaccedilotildees
sociais tornando-se mais complexas e democraacuteticas agrave medida que passaram a privilegiar a
relaccedilatildeo entre Estado economia e sociedade um pressuposto essencial agrave construccedilatildeo de
esferas puacuteblicas
Com a crise desse padratildeo de intervenccedilatildeo social puacuteblico nos anos 1970 uma
das consequumlecircncias mais notaacuteveis e presentes nos discursos neoliberais em ascensatildeo
traduziu-se na substituiccedilatildeo do termo puacuteblico pelo vago plural ou misto (VIANA 2003)
Em relaccedilatildeo agrave assistecircncia social nunca se falou tanto como atualmente em assistecircncia aos
pobres poliacuteticas de bem-estar provisatildeo social de bens e serviccedilos participaccedilatildeo e
descentralizaccedilatildeo accedilotildees sociais voluntaacuterias informais e solidaacuterias e outras expressotildees
correlatas Diante do exposto cabem as seguintes indagaccedilotildees trata-se esse resgate da
assistecircncia do retorno dos pilares econocircmicos e da base conceitual do Estado de Bem-estar
Social (padratildeo beveridgiano e keynesiano-fordista) sob um novo enfoque Ou se trata do
retorno das velhas foacutermulas de prestaccedilatildeo de benefiacutecios sociais como compensaccedilatildeo agraves
mazelas sociais causadas pelo predomiacutenio da loacutegica mercantil
Seja qual for a resposta agraves duas indagaccedilotildees o que estaacute em pauta natildeo eacute uma
ideologia irracional Ao contraacuterio trata-se de uma ideologia eivada de racionalidade
instrumental (weberiana) e de clara intencionalidade Para Pereira (2004) o retorno da
assistecircncia social muito mais como resposta agrave segunda questatildeo revela ldquoum paradoxo
tiacutepico da atualidade que eacute quanto mais insustentaacutevel essa poliacutetica parece ser mais ela eacute
demandadardquo (p 142)
Associada a essa constataccedilatildeo uma questatildeo de partida eacute natildeo seria esse debate
revelador da ausecircncia de alternativas concretas e de propostas de poliacuteticas puacuteblicas
28
concretizadoras de direitos sociais universais no atendimento das necessidades baacutesicas dos
cidadatildeos Se assim o for natildeo deve causar espanto o crescimento da pobreza e da
desigualdade social visto que a privatizaccedilatildeo e o esvaziamento das esferas puacuteblicas
impostos pela ofensiva neoliberal natildeo conduzem ao equacionamento desse dilema
Com base na problemaacutetica contida na pergunta de partida constitui objetivo
geral desta tese analisar no contexto da realidade da proteccedilatildeo social contemporacircneandash
destacando a brasileira e a sul europeacuteia que compotildeem o modelo latino ndash como a proposta
original de pluralismo de bem-estar iniciada na Europa a partir do final dos anos 1970 foi
apreendida e utilizada por uma nova direita em sua versatildeo neoliberal
Os objetivos especiacuteficos satildeo os que se seguem
a) analisar em que medida o modelo latino adotado pelos paiacuteses do sul da Europa e pelo
Brasil facilitou a penetraccedilatildeo e aclimataccedilatildeo do pluralismo de bem-estar de corte
neoliberal nesses paiacuteses
b) verificar no caso brasileiro como estatildeo sendo articuladas (se eacute que o estatildeo) as
discussotildees sobre os efeitos da tendecircncia pluralista atual no campo da poliacutetica de
assistecircncia social
c) fazer um balanccedilo do perfil atual da poliacutetica de assistecircncia social sul europeacuteia e
brasileira em virtude das constantes investidas neoliberais de desmonte dos direitos
sociais previstos nas legislaccedilotildees e planos de accedilatildeo social desses contextos
Para efeitos analiacuteticos a presente tese estaacute organizada de modo a contemplar
dois grandes eixos interligados em si um teoacuterico e outro metodoloacutegico O primeiro
identifica-se com a dimensatildeo substantiva da anaacutelise e como tal baseia-se nas
determinaccedilotildees estruturais e histoacutericas do objeto de estudo Nessa dimensatildeo satildeo
explicitados os pressupostos baacutesicos que fundamentam as divergentes perspectivas
neoliberal e social-democrata bem como as categorias analiacuteticas (principais e secundaacuterias)
que lhes satildeo particulares Entende-se que tal explicitaccedilatildeo deve resultar do enfrentamento
da razatildeo criacutetica com o real em uma perspectiva de classe social para captar o objeto na
histoacuteria problematizaacute-lo e trazecirc-lo para o plano teoacuterico como realidade concreta pensada
(MARX apud KOSIK 1976)
No segundo eixo adota-se o meacutetodo histoacuterico-estrutural que ao buscar
dialeticamente a compreensatildeo do fenocircmeno estudado considera tanto os fatores
29
estruturais que o determinam quanto a sua histoacuteria construiacuteda pelos sujeitos Trata-se de
um desafio que esta investigaccedilatildeo enfrentou sem prescindir da natureza racional do meacutetodo
que a informa Ainda neste eixo satildeo contemplados aspectos operacionais da pesquisa
identificados com procedimentos metodoloacutegicos necessaacuterios agrave aplicaccedilatildeo adequada do
meacutetodo assim como satildeo utilizados instrumentos e teacutecnicas de coleta de dados e
informaccedilotildees particularmente em fontes indiretas
Com base nesses eixos procurou-se compreender as principais relaccedilotildees
constantes do objeto de interesse da pesquisa quais sejam
a) a relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica em um contexto capitalista neoliberal com base
na atuaccedilatildeo de trecircs atores ndash Estado mercado e setores natildeo- mercantis da sociedade ndash
no campo da poliacutetica de assistecircncia social e do modelo de bem-estar latino
b) a histoacuterica relaccedilatildeo entre direitos sociais e poliacutetica social puacuteblica nas sociedades
capitalistas
c) a relaccedilatildeo entre a concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico assegurada pelo Estado e a de bem-
estar plural ou misto desenvolvida pela sociedade (muacuteltiplos setores e atores) por
meio de um conjunto de accedilotildees assistenciais informais e voluntaacuterias
d) a relaccedilatildeo entre padratildeo de bem-estar puacuteblico princiacutepios de cidadania ampliada
democracia igualitaacuteria e justiccedila redistributiva vis-agrave-vis o pluralismo de bem-estar de
corte neoliberal residual e focalizado na pobreza absoluta
Desse conjunto de relaccedilotildees configura-se o objeto de interesse analiacutetico deste
estudo _ uma modalidade de intervenccedilatildeo social denominada pluralismo de bem-estar ou
bem-estar misto (welfare pluralism ou mix) surgida no final dos anos 1970 como
alternativa ao padratildeo de bem-estar keynesiano fordista beveridgiano que vigorou entre
1945 e 1975 nas sociedades capitalistas industrializadas do Ocidente e suas implicaccedilotildees
para a poliacutetica de assistecircncia social desenvolvida nos uacuteltimos trinta anos em paiacuteses que
adotaram o modelo latino incluindo o Brasil
Em outros termos interessa particularmente a esta tese o estudo do regime de
bem-estar denominado latino que caracteriza a proteccedilatildeo social dos paiacuteses europeus da
Regiatildeo Sul ou da Europa Mediterracircnea (Espanha Franccedila Portugal Itaacutelia e Greacutecia)
centrado na famiacutelia e nas pequenas comunidades a partir dos anos 1980 e pelo Brasil
durante os governos apoacutes a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 (Joseacute
30
Sarney Fernando Collor Fernando Henrique Cardoso e Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva) bem
como a sua relaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar neoliberal Entretanto como a unidade
de anaacutelise privilegiada da pesquisa natildeo satildeo propriamente os paiacuteses do Sul da Europa mas o
modelo latino que adotam ndash que se assemelha ao sistema de proteccedilatildeo social brasileiro ndash
elegeu-se no interior desse modelo a assistecircncia social para conhecer a sua abrangecircncia
tanto no Brasil como nos paiacuteses latinos
Dessa forma foi possiacutevel chegar agrave seguinte suposiccedilatildeo ou hipoacutetese haacute indiacutecios
de que tal pluralismo pretende de fato criar aleacutem da retraccedilatildeo do papel do Estado
garantidor de direitos um novo campo de sociabilidade Nesse modelo haacute a primazia do
mercado como forccedila central simboacutelica em um agregado de atores e setores de bem-estar
sem identidade de classe e status e amalgamados em uma rede aparentemente indistinta de
proteccedilatildeo plural por oposiccedilatildeo agrave proteccedilatildeo puacuteblica
O desdobramento dessa suposiccedilatildeo sugere que a proposta pluralista de bem-
estar de vieacutes neoliberal ao preconizar a substituiccedilatildeo da dimensatildeo puacuteblica da poliacutetica
social pela dimensatildeo plural ou mista expressa mais do que a privatizaccedilatildeo dessa poliacutetica
Expressa sobretudo um duro golpe no princiacutepio da redistributividade (como criteacuterio de
justiccedila e equumlidade social) assim como na democracia igualitaacuteria por restringir o campo
dos direitos de cidadania
Agregaccedilatildeo de setores e atores sociais no sistema pluralista de bem-estar
neoliberal natildeo garante a qualidade da provisatildeo social De fato estaacute por traacutes da aparente
distribuiccedilatildeo do poder do Estado na provisatildeo de bens e serviccedilos sociais para o mercado e
setores natildeo-mercantis da sociedade o fortalecimento da divisatildeo entre economia e poliacutetica e
sobretudo a indeterminaccedilatildeo de responsabilidades puacuteblicas perante demandas e
necessidades sociais Com essa indeterminaccedilatildeo em consequumlecircncia ocorre o aumento das
desigualdades sociais e da expansatildeo do conflito de classes aleacutem do crescimento assustador
dos iacutendices de pobreza (absoluta e relativa) em escala mundial
Supotildee-se assim que vaacuterias ideacuteias e estrateacutegias ocultam as razotildees pluralistas
neoliberais em suas tendecircncias e manifestaccedilotildees contemporacircneas No entanto o pouco que se
percebe eacute suficiente para supor que elas colocam em cheque perspectivas futuras de cidadania
ampliada e de democracia igualitaacuteria para a humanidade aleacutem de criar um sentimento de
frustraccedilatildeo em relaccedilatildeo agraves promessas feitas pela ordem capitalista agrave modernidade
Com base nessa suposiccedilatildeo e seu desdobramento pretende-se mais
especificamente identificar
31
a) as tendecircncias mais recorrentes da poliacutetica de assistecircncia social materializada em
programas de transferecircncia de renda (Brasil) eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo
(Europa do SulEspanha) tidos como a principal novidade de atendimento agraves
necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo
b) o caraacuteter plural ou misto do comprometimento do Estado com a distribuiccedilatildeo de
benefiacutecios residuais ao passo que um amplo leque de provisatildeo assistencial fica agrave
mercecirc de iniciativas privadas envolvendo ateacute mesmo o setor empresarial
c) a efetividade do pluralismo de bem-estar em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo dos iacutendices de pobreza
e de desigualdade social nos dois contextos territoriais estudados
d) a dinacircmica de reproduccedilatildeo desse padratildeo de bem-estar as justificativas para a manutenccedilatildeo
desse padratildeo bem como as formas de apoio recebido dos poderes puacuteblicos
Em sua estruturaccedilatildeo a presente tese estaacute dividida em duas partes A primeira trata
da configuraccedilatildeo histoacuterica do Estado de Bem-estar da sua propalada crise e da emergecircncia do
pluralismo de bem-estar e da assistecircncia social plural ou mista Compotildee-se de quatro capiacutetulos
O primeiro conteacutem a base teoacuterica que referencia a tese e nele estatildeo explicitadas categorias
analiacuteticas-chave para a fundamentaccedilatildeo dos argumentos e reflexotildees desenvolvidos
O segundo capiacutetulo trata do Estado de Bem-estar e de suas principais
caracteriacutesticas no contexto europeu de 1945-1975 bem como da emergecircncia de uma
suposta crise desse modelo de Estado justificado por um discurso que utiliza a ideologia
pluralista de bem-estar
O terceiro analisa a origem concepccedilatildeo significado estrateacutegias e terminologia
relativas ao fenocircmeno do pluralismo de bem-estar dando realce aos seus antecedentes
histoacutericos e ao pioneirismo de sua primeira proposta imediatamente apoacutes o teacutermino da
Segunda Guerra Mundial Trata tambeacutem da concepccedilatildeo neoliberal de pluralismo de bem-
estar desde a sua divulgaccedilatildeo pela nova direita europeacuteia no final dos anos 1970 como
alternativa agrave chamada crise do Estado de Bem-estar O periacuteodo de crise eacute marcado pelo
debate sobre pobreza desigualdade e exclusatildeo social na Uniatildeo Europeacuteia e pela reproduccedilatildeo
de uma ideologia antiestatal com clara inversatildeo de protagonismos no processo de provisatildeo
social Dentre os vaacuterios aspectos analisados destacam-se o esvaziamento da esfera
puacuteblica a perda de conquistas histoacutericas no campo da democracia e dos direitos de
cidadania e a defesa de mecanismos natildeo convencionais de bem-estar como as chamadas
redes de proteccedilatildeo social como estrateacutegia de enfrentamento da pobreza
32
Nessa abordagem satildeo realccedilados os efeitos que o pluralismo de bem-estar vem
silenciosamente promovendo em escala mundial A absorccedilacirco pelo neoliberalismo em
virtude da coincidecircncia de seus objetivos de quebra da centralidade do Estado na provisatildeo
social justifica o seu estudo articulado Sabe-se que os adjetivos plural ou misto natildeo
expressam a noccedilatildeo de puacuteblico e puacuteblico natildeo significa necessariamente estatal Com o uso
do termo pluralismo difunde-se uma ideologia centrada em uma subjetividade abstrata
cuja particularidade natildeo remete agrave universalidade e agrave autonomia dos sujeitos Ao contraacuterio
a perspectiva colocada eacute de heteronomia com sujeitos despolitizados e por isso passivos e
fragilizados em seu poder de decisatildeo Em vista disso o uso das categorias plural e mista
(poreacutem natildeo puacuteblica) termina por impor novos padrotildees de controle social No limite
assiste-se agrave privatizaccedilatildeo do puacuteblico com clara tentativa de pluralizar o privado Tal arranjo
perpassa todas as esferas da vida social ndash econocircmicas poliacuteticas culturais ndash alterando
significativamente o cotidiano das pessoas
Diante do exposto o quarto capiacutetulo analisa a trajetoacuteria da assistecircncia social no
contexto do pluralismo de bem-estar problematizando a dimensatildeo plural ou mista em
detrimento da dimensatildeo puacuteblica A proposta plural ou mista eacute analisada em seu significado
neoliberal adepto do incremento do protagonismo dos setores natildeo oficiais ndash informal
voluntaacuterio e comercialmercantil ndash em substituiccedilatildeo agrave lideranccedila do Estado e como processo
de desinstitucionalizaccedilatildeo da poliacutetica de assistecircncia social Nessa problematizaccedilatildeo destaca-
se o discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar entendido como uma
reediccedilatildeo de praacuteticas conservadoras e assistencialistas bem como a participaccedilatildeo da famiacutelia
contemporacircnea (e nela da mulher) na provisatildeo social Na afirmaccedilatildeo de Rose (apud
MISHRA 1994) de que nas sociedades mistas as famiacutelias tecircm una multiplicidade de
meios para manter seu bem-estar percebe-se a ecircnfase dada pelos neoliberais agrave
transferecircncia de responsabilidades do Estado para a famiacutelia e em especial para a mulher
A segunda parte compotildee-se de trecircs capiacutetulos ndash cinco seis e sete O capiacutetulo
cinco tem como foco o modelo latino sua contextualizaccedilatildeo em diferentes tipologias de
Estados e regimes de bem-estar o seu perfil assim como as caracteriacutesticas e as tendecircncias
da assistecircncia social na Europa do Sul com destaque agrave Espanha6 e ao Brasil no bojo desse
6 Neste estudo optou-se por dar ecircnfase agrave Espanha com maior nuacutemero de dados empiacutericos bem como maior detalhamento do sistema de proteccedilatildeo social desse paiacutes em que pese a obtenccedilatildeo de dados da realidade social dos demais paiacuteses da Europa do Sul Essa opccedilatildeo deve a quatro razotildees a primeira pela grande convergecircncia valorativa e pelo histoacuterico intercacircmbio eacutetnico e cultural (pelo processo de imigraccedilatildeo) entre espanhoacuteis e brasileiros a segunda por exigecircncia metodoloacutegica de estabelecer um recorte no universo da pesquisa em virtude da exiguumlidade de tempo para conclusacirco deste estudo a terceira por uma motivaccedilatildeo pessoal em
33
modelo Satildeo tambeacutem enfatizadas praacuteticas terminologias e significados bem como
contrastes e particularidades regionais latinas (econocircmicas histoacutericas e culturais) na
configuraccedilatildeo geral dos programas de renda miacutenima eou de inserccedilatildeo nesses dois contextos
O sexto capiacutetulo ressalta a dimensatildeo plural ou mista das poliacuteticas de bem-estar
implementadas nas duas regiotildees contraposta agrave dimensatildeo puacuteblica Trata-se aleacutem disso da
ausecircncia de redistribuiccedilatildeo de renda nos dois contextos estudados e do fenocircmeno da
apartaccedilatildeo social no Brasil
As experiecircncias da Espanha e do Brasil com programas de transferecircncia de renda
eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) de que trata o capiacutetulo seis ressaltam o padratildeo de
renda miacutenima em curso bem como a concepccedilatildeo a configuraccedilatildeo e a reestruturaccedilatildeo de tais
programas sob influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal Esta parte do estudo
identifica os traccedilos caracteriacutesticas e a tendecircncia contemporacircnea da assistecircncia social na Europa
do Sul e no Brasil a partir dos anos 1980 especificamente no periacuteodo apoacutes o
estabelecimentodo do padratildeo de bem-estar beveridgiano keynesiano-fordista mediante a
demarcaccedilatildeo de diferenccedilas contrastes e semelhanccedilas existentes No caso especiacutefico do Brasil eacute
analisado o fato paradoxal de a seguridade social (conforme consta na Constituiccedilatildeo Federal de
1988) pautar-se tanto pelo padratildeo de proteccedilatildeo social beveridgiano (modelo de bem-estar inglecircs
adotado apoacutes a Segunda Guerra Mundial) como pelo padratildeo profissional bismarckiano
(modelo alematildeo de 1883-1889) Outro fato curioso eacute que o Brasil parece conviver
harmonicamente com accedilotildees pluralistas (informais desinstitucionalizadas e voluntaacuterias) com
clara orientaccedilatildeo neoliberal e com propostas social-democraacuteticas previstas na Lei Maior
(assistecircncia social institucionalizada) O estudo constata que com tais estrateacutegias o receituaacuterio
neoliberal de inspiraccedilatildeo plural reeditou antigos procedimentos de auto-ajuda e de ajuda
muacutetua ao propor o trabalho voluntaacuterio com base na solidariedade Como jaacute salientado
surgiram alternativas de accedilotildees assistenciais agrave sociedade em substituiccedilatildeo agraves funccedilotildees de
provisatildeo e regulaccedilatildeo do Estado Percebe-se entretanto que a ecircnfase dada agrave sociedade como
principal agente de bem-estar com a conotaccedilatildeo positiva de participaccedilatildeo efetiva constitui uma
estrateacutegia de reduccedilatildeo da accedilatildeo estatal na aacuterea de bem-estar e portanto da reduccedilatildeo dos gastos
puacuteblicos em nome de uma suposta descentralizaccedilatildeo do poder
aperfeiccediloar o idioma espanhol (castelhano) e pela curiosidade cientiacutefica de conhecer in loco (Programa de Estaacutegio no ExteriorCAPESPDEE) o processo de implementaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar na Espanha especialmente dos chamados programas de renda miacutenima e inserccedilatildeo com ecircnfase agrave descentralizaccedilatildeo das accedilotildees (com autonomia das Comunidades Autocircnomas_CCAA) no campo da assistecircncia social E por uacuteltimo a quarta razatildeo deve-se agraves semelhanccedilas percebidas entre os modelos de proteccedilatildeo social espanhol e o brasileiro no que se refere agrave forte presenccedila dos setores privados na provisatildeo social tendo como destaque a famiacutelia e nela a mulher como cuidadora social
34
No caso brasileiro os fatos revelam que sob a eacutegide do pluralismo de bem-
estar ocorreu a subordinaccedilatildeo dos criteacuterios de justiccedila social e do exerciacutecio da democracia e
da cidadania aos princiacutepios da maximizaccedilatildeo da eficiecircncia do mercado econocircmico e da
retraccedilatildeo do papel do Estado como garante de direitos Fez-se aiacute um breve retrospecto do
perfil histoacuterico da proteccedilatildeo social nos periacuteodos anterior e posterior agrave promulgaccedilatildeo da
Constituiccedilatildeo Federal brasileira de 1988 (1930 a 1988 e 1989 a 2006) e do caraacuteter
conservador desse padratildeo de bem-estar em suas caracteriacutesticas particularidades e
paracircmetros organizadores
No seacutetimo e uacuteltimo capiacutetulo satildeo analisadas as principais semelhanccedilas e
diferenccedilas encontradas na implementaccedilatildeo da assistecircncia socialprogramas de renda miacutenima
de inserccedilatildeo (Europa do Sul) eou de transferecircncia de renda (Brasil) bem como o padratildeo de
assistecircncia social desenvolvido nessas duas regiotildees ndash Europa do Sul e Brasil Nesse
capiacutetulo a ecircnfase maior eacute dada agraves tendecircncias mais gerais que caracterizam e informam
essas duas realidades na contemporaneidade
O conjunto dessas consideraccedilotildees remete ao cerne da problemaacutetica investigada
por esta tese a saber a dimensatildeo da influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho
neoliberal sobre a relaccedilatildeo entre Estado sociedade e poliacutetica social e em particular sobre a
efetividade de um sistema de proteccedilatildeo social subsidiado por uma poliacutetica de assistecircncia
social esvaziada de seu conteuacutedo puacuteblico
Metodologia meacutetodo e procedimentos
Nesta tese parte-se da premissa de que um processo investigativo natildeo se
reduz a um conjunto de teacutecnicas e instrumentos e nem se define por ele mas pelo
meacutetodo que o orienta o qual por sua vez se referencia em pressupostos ou estatutos
epistemoloacutegicos determinados Como jaacute indicado o meacutetodo adotado eacute o relacional
dialeacutetico articulador das dimensotildees histoacuterico-estruturais referenciado na loacutegica
igualmente dialeacutetica embora tenha como criteacuterio de verdade a realidade que deve ser
decifrada e interpretada porque a premissa desta tese eacute a de que a realidade social natildeo
se reduz ao campo da empiria (empirismo positivista) e nem eacute de fato o que aparenta
ser Dessa afirmaccedilatildeo decorre que o ato de pesquisar carece de meacutetodo que ultrapasse o
uso de teacutecnicas e procedimentos tanto para imprimir marcas de racionalidade e
35
ordenaccedilatildeo nos argumentos quanto para garantir o espiacuterito criacutetico contra generalizaccedilotildees
apressadas e credulidades ideoloacutegicas dogmaacuteticas
Como uma linha auxiliar de anaacutelise no acircmbito do meacutetodo histoacuterico-estrutural
fez-se uso da comparaccedilatildeo da praacutetica da assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul
(particularmente na Espanha) tendo como denominador comum o modelo latino de
proteccedilatildeo social Contudo natildeo se quer dizer que se estaacute utilizando o meacutetodo comparado em
suas postulaccedilotildees claacutessicas e em suas prescriccedilotildees normativas que estabelecem como
paracircmetros da anaacutelise da poliacutetica social as seguintes variaacuteveis indagativas por que ocorreu
tal poliacutetica Por quem foi implementada A favor de quem Com que meios A
comparaccedilatildeo realizada visou simplesmente cotejar os aspectos convergentes e divergentes
entre os paiacuteses da Europa do Sul e o Brasil em relaccedilatildeo ao modelo latino adsorvido pelo
pluralismo de bem-estar
Os aspectos convergentes satildeo os que se seguem
a) adoccedilatildeo de um modelo latino com ecircnfase ao papel da igreja da famiacutelia e da
comunidade inclusive de vizinhanccedila
b) implementaccedilatildeo de programas com caracteriacutesticas de geraccedilatildeo eou transferecircncia de
renda de inserccedilatildeo mediante a implementaccedilatildeo de estrateacutegias pluralistas que
reponsabilizam o Estado quase tatildeo somente no tocante ao repasse de recursos
financeiros diretamente aos pobres
c) criaccedilatildeo de redes assistenciais em que os setores voluntaacuterio e informal de proteccedilatildeo
social ganham relevacircncia como os principais provedores ou cuidadores
As divergecircncias referem-se aos seguintes aspectos
a) proximidade dos paiacuteses do Sul da Europa com realidades nacionais europeacuteias
distintas das vivenciadas por esses paiacuteses e pelo Brasil
b) implementaccedilatildeo por esses paiacuteses de poliacuteticas sociais com caracteriacutesticas que se
constituem em princiacutepios diretrizes e objetivos ainda a serem alcanccedilados pelo
Brasil como por exemplo participaccedilatildeo social mais direta nos niacuteveis de governo
regional e local em particular nessa perspectiva ressalta-se a experiecircncia da
Espanha com as Comunidades Autocircnomas (CCAA) que se traduz em empenho
institucional pela descentralizaccedilatildeo no estabelecimento de sistemas regionais e
36
locais de serviccedilos sociais e de assistecircncia social na implantaccedilatildeo de programas de
renda miacutenima de inserccedilatildeo (com protagonismo das comunidades)
desenvolvimento da chamada rede de proteccedilatildeo social e de serviccedilos sociais de
base e sua vinculaccedilatildeo com os programas de renda miacutenima como resposta
estrateacutegica agrave proposta do pluralismo de bem-estar neoliberal e finalmente
combinaccedilatildeo dos princiacutepios de seletividade e universalismo dentre outros
Como recorte eou delimitaccedilatildeo da pesquisa natildeo se pretendeu analisar a
realidade territorial desses paiacuteses europeus mas estabelecer os traccedilos e tendecircncias
atuais dos modelos pluralistas de bem-estar adotados por entender que eles tecircm uma
tradiccedilatildeo cultural mais latina com significativa presenccedila e participaccedilatildeo da famiacutelia e de
comunidades na provisatildeo social privada e na descentralizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais
Quanto agraves provaacuteveis caracteriacutesticas e semelhanccedilas destacam-se os programas de
transferecircncia de renda eou de renda miacutenima de inserccedilatildeo vinculados agrave proposta de
redes de proteccedilatildeo social bem como as accedilotildees de bem-estar que se configuram como
um aporte assistencial agraves comunidades
Investigaram-se portanto por meio da perspectiva comparada as
tendecircncias pluralistas contemporacircneas na poliacutetica de assistecircncia social mediante
aproximaccedilotildees sucessivas agrave realidade dos paiacuteses do Sul da Europa e do Brasil tal qual
ela se apresenta atualmente considerando as particularidades regionais Nessa
comparaccedilatildeo natildeo se pretendeu analisar programas especiacuteficos mas sobretudo
identificar elementosvariaacuteveis (dados empiacutericos) que informam as tendecircncias
convergentes das duas realidades mediadas pelo modelo latino Satildeo essas tendecircncias
que valem a pena serem realccediladas pois as divergentes apesar de sua inegaacutevel
importacircncia para a comparaccedilatildeo jaacute satildeo por demais conhecidas
Em relaccedilatildeo ao Brasil o recorte temporal deu-se em dois periacuteodos o
primeiro de caraacuteter remissivo dos anos 1930 (no governo de Getuacutelio Vargas) ateacute os
anos 1980 O segundo privilegiou os marcos da Constituiccedilatildeo Federal brasileira de
1988 e em particular as gestotildees dos governos posteriores por ser esse momento
histoacuterico coincidente com o iniacutecio da investida neoliberal no Brasil e
paradoxalmente com a elevaccedilatildeo da assistecircncia social como direito social nos marcos
da referida Carta Magna
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Portanto em siacutentese o estudo comparado7 teve como grande divisor de
aacuteguas de um lado as poliacuteticas de proteccedilatildeo social implementadas e fundamentadas na
concepccedilatildeo de bem-estar puacuteblico e de uma assistecircncia social institucionalizada
preconizada pelo Estado de Bem-estar keynesiano de 1945 ateacute meados dos anos 1970
e de outro as poliacuteticas sociais fundamentadas na concepccedilatildeo de bem-estar misto ou
plural de corte neoliberal defendida pelos pluralistas de bem-estar que postulam uma
assistecircncia social desinstitucionalizada voluntaacuteria e solidaacuteria e portanto sem a tutela
do Estado a partir dos anos 1970
A decisatildeo metodoloacutegica instrumental desta tese requereu a utilizaccedilatildeo de
categorias-meio relacionadas entre si e consideradas centrais agrave explicitaccedilatildeo das categorias
substantivas (teoacutericas) Dentre essas categorias-meio destacam-se duas contradiccedilatildeo e leis
do movimento histoacuterico
Utilizou-se a categoria contradiccedilatildeo por conter o princiacutepio explicativo das
relaccedilotildees dialeacuteticas que se pretende analisar jaacute que implica movimento histoacuterico e se
constitui como essecircncia mesma das coisas isto eacute a contradiccedilatildeo estaacute inscrita nos conflitos
de interesses de classes determinados pela relaccedilatildeo antagocircnica entre capital e trabalho
Assim a anaacutelise da poliacutetica social no capitalismo coloca o pesquisador diante de um
aspecto inerente agrave sua essecircncia e formaccedilatildeo qual seja ser um fenocircmeno resultante da
relaccedilatildeo contraditoacuteria entre capital e trabalho A poliacutetica social e no caso especiacutefico deste
estudo a assistecircncia social sacirco por natureza contraditoacuterias pois podem ao mesmo tempo
serem positivas e negativas em relaccedilatildeo ao trabalho e ao capital dependendo da correlaccedilatildeo
de forccedilas em presenccedila
7 Para maior aprofundamento sobre o meacutetodo comparativo (sua formalizaccedilatildeo e novas orientaccedilotildees em razatildeo da crise do meacutetodo claacutessico bem como sua relaccedilatildeo com a histoacuteria e a cultura recurso de anaacutelise estrateacutegico e outros) foram consultados BADIE Bertrand y HERMET Guy (1990) Meacutexico Sobre poliacutetica social comparada (seu sentido niacuteveis de comparaccedilatildeo perspectivas comparativas e as diversas dimensotildees da comparaccedilatildeo) foram pesquisados BRACHO Carmen FERRER Jorge Garcecircs (coord) Madrid 1998 e Landwerlin (1998) Para Landwerlin (1998) uma das linhas mais promissoras e qualificadas de comparaccedilatildeo tem sido o estudo dos fatores determinantes do crescimento do gasto social em relaccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) nacional A seu ver a anaacutelise comparada dos efeitos ou do impacto das poliacuteticas sociais concretas deve realizar-se com base na modificaccedilatildeo das condiccedilotildees sociais reais de vida e de trabalho de seus beneficiaacuterios levando em conta todas as caracteriacutesticas locais e regionais que contribuem para a definiccedilatildeo de tais condiccedilotildees Para tanto Landwerlin (1998) destaca a importacircncia de esclarecer a natureza e as condiccedilotildees que determinam a poliacutetica que se pretende avaliar Neste caso pode-se analisar o impacto em termos do valor relativo em relaccedilatildeo ao PIB ou agrave renda per capita disponiacutevel e em relaccedilatildeo ao umbral de pobreza Trata-se de uma perspectiva analiacutetica que se interessa mais pelo papel desempenhado pelos atores poliacuteticos eou pelas estruturas poliacuteticas envolvidas no processo de regulaccedilatildeo e provisatildeo social e natildeo tanto pelo conteuacutedo concreto das poliacuteticas sociais Eacute o que os anglo-saxocircnicos denominam de policy content analysis Desse ponto de vista Landwerlin (1998) reafirma que ldquoo que se tem que analisar natildeo eacute tanto o que o Estado faz ou gasta senatildeo o que consegue fazer com o que tem ou gastardquo (p 141)
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As leis (econocircmicas e poliacuteticas) do movimento histoacuterico compreendem a loacutegica
que governa a sociedade capitalista cujos acontecimentos sociais tecircm vinculaccedilatildeo estreita
com as condiccedilotildees concretas e mutaacuteveis de desenvolvimento dessa sociedade Nessas leis
natildeo haacute sobreposiccedilatildeo e independecircncia das condiccedilotildees estruturais em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees
poliacuteticas ou vice-versa mas a articulaccedilatildeo de ambas em uma unidade de contraacuterios
Portanto a escolha do meacutetodo histoacuterico-estrutural justifica-se pela noccedilatildeo de totalidade
dinacircmica e relacional que ele evoca e pelas possibilidades reais e concretas que oferece
para a apreensatildeo do objeto no seu movimento e contradiccedilotildees
Para a anaacutelise fez-se uso de dados obtidos em planos projetos relatoacuterios (de
execuccedilatildeo e de avaliaccedilatildeo) de fundaccedilotildees institutos eou organizaccedilotildees governamentais e natildeo-
governamentais (ONGs) responsaacuteveis por sua formulaccedilatildeo e tambeacutem de informaccedilotildees
prestadas por representantes dessas agecircncias em acircmbito nacional e internacional Como
procedimentos do estudo comparado investigaram-se aspectos e indicadores soacutecio-
econocircmicos disponiacuteveis sobre a assistecircncia social relativos ao seu processo de formaccedilatildeo e
de desenvolvimento no acircmbito do pluralismo de bem-estar tendo como paracircmetro o
modelo latino Foram colhidos dados oficiais nas home pages dos paiacuteses selecionados
incluindo o Brasil e em documentos oficiais legislaccedilotildees relatoacuterios censos materiais de
divulgaccedilatildeo institucional na imprensa na literatura especializada bem como relatoacuterios e
documentos de diversos organismos multilaterais (Banco Mundial BID e outros) e de
outros oacutergatildeos internacionais (Comissatildeo Especial para Pesquisa na Ameacuterica Latina_
(Cepal) Instituto de Pesquisa Aplicada_ (IPEA) Programa das Naccedilotildees Unidas para o
Desenvolvimento_ (PNUD) Fez-se uso tambeacutem de dados contidos em relatoacuterios de
conferecircncias atas de reuniotildees anais de congressos seminaacuterios eou encontros (nacionais e
interenacionais) referentes agrave poliacutetica de assistecircncia social Foram realizados ainda
contatos e intercacircmbios com pesquisadoresinvestigadores sociais cuja aacuterea de interesse eacute o
pluralismo de bem-estar eou a poliacutetica de assistecircncia social
Por fim apoacutes a qualificaccedilatildeo do projeto de tese fez-se pesquisa tambeacutem na
Espanha por meio de um estaacutegio de doutoramento no exterior e deu-se iniacutecio agrave elaboraccedilatildeo
da tese Os dados foram analisados em suas formas quantitativa e qualitativa procurando
identificar as atuais tendecircncias tensotildees antagonismos eou reciprocidades entre as
dimensotildees puacuteblica e plural ou mista como elementos constitutivos e constituintes da
concepccedilatildeo e desenvolvimento da poliacutetica de assistecircncia social nos dois territoacuterios
estudados e que estatildeo sob a eacutegide do pluralismo de bem-estar
PRIMEIRA PARTE
CAPIacuteTULO I
REFEREcircNCIAS TEOacuteRICAS E EXPLICITACcedilAtildeO
DAS CATEGORIAS DE ANAacuteLISE
11 Sobre a relaccedilatildeo substantiva entre Estado sociedade e a categoria trabalho
Na busca de maior aprofundamento das complexas relaccedilotildees entre Estado e
sociedade que engendram as poliacuteticas sociais e consequumlentemente a poliacutetica de
assistecircncia social capitalista contemporacircnea adotou-se nesta tese como referecircncia teoacuterico-
analiacutetica a concepccedilatildeo de Estado ampliado de Gramsci (1991) do qual o Estado de Bem-
estar natildeo deixa de ser um traccedilo significativo Essa escolha ocorre e se justifica por duas
razotildees a primeira porque o sistema conceitual gramsciano prima pela originalidade
complexidade e por um grau de universalidade que interessa a este estudo a segunda por
considerar que a concepccedilatildeo de Estado de Gramsci aleacutem de sua indiscutiacutevel atualidade
apresenta novos elementos para a compreensatildeo da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade
fornecendo aportes instigantes para a teoria poliacutetica moderna Sabe-se que Gramsci (1991)
atribui consideraacutevel importacircncia ao conceito de sociedade civil interpretando-o como um
complexo das superestruturas ideoloacutegicas que se estende por toda a vida social e que
compocirce o acircmbito do Estado ampliando-o Na perspectiva dialeacutetico-gramisciana o Estado
torna-se uma siacutentese contraditoacuteria e dinacircmica entre sociedade poliacutetica e sociedade civil
Trata-se da concepccedilatildeo de Estado e de sociedade com a qual esta tese se identifica embora
se saiba que Estado e sociedade civil tecircm conteuacutedos proacuteprios
Para Gramsci (1991) a sociedade civil eacute o lugar e o momento de vinculaccedilatildeo entre
determinadas condiccedilotildees objetivas configurando-se como uma totalidade histoacuterica o que lhe
confere forccedila organizativa e possibilidades concretas de dar direccedilatildeo poliacutetica eacutetica moral
cultural e intelectual aos processos sociais e histoacutericos A teoria gramsciana torna-se
revolucionaacuteria ao afirmar que o poder estatal contemporacircneo natildeo se esgota nos aparelhos
coercitivos e repressivos do Estado mas define-se pelo conjunto da sociedade civil Assim a
estrutura (base econocircmica da produccedilatildeo das relaccedilotildees sociais) e a superestrutura (reflexo do
conjunto das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo nos campos juriacutedico poliacutetico e ideoloacutegico) formam
41
o que denomina de bloco histoacuterico A superestrutura constitui-se de duas esferas essenciais a
sociedade poliacutetica (relativa ao Estado) e a sociedade civil (considerada a maior esfera puacuteblica
da superestrutura) Portanto o Estado na concepccedilatildeo de Gramsci (1991) apesar de sua
centralidade natildeo tem uma medida em si mesmo Como criaccedilatildeo da sociedade eacute essa esfera que
lhe daacute a medida e a profundidade de seus limites (OLIVEIRA 1995)8
A distinccedilatildeo gramsciana entre sociedade poliacutetica (Estado) e sociedade civil eacute o
lugar teoacuterico em que se evidencia uma nova concepccedilatildeo de Estado que inclui a sociedade
civil Ressalta-se como contraponto criacutetico agrave concepccedilatildeo de Estado neoliberal
fundamentado no liberalismo claacutessico que a ampliaccedilatildeo das funccedilotildees do Estado combatida
por essa ideologia eacute percebida como um exagero de intervenccedilatildeo social e econocircmica9 A
expectativa que os neoliberais tecircm da sociedade tambeacutem natildeo eacute a de uma esfera autocircnoma e
atuante como forccedila organizada capaz de apresentar demandas sociais ao nuacutecleo do poder
estatal e de exercer o controle democraacutetico sobre suas accedilotildees Os neoliberais como
legiacutetimos representantes da nova direita (fusatildeo de neoliberais e neoconservadores)
esperam dessa instacircncia a sua subordinaccedilatildeo aos interesses do capital e um retorno ao
conservadorismo mediante praacuteticas sociais assistencialistas voluntaacuterias de auto-ajuda e de
ajuda muacutetua em substituiccedilatildeo ao papel dos governos Portanto ao tomar o estatuto teoacuterico-
analiacutetico gramsciano como referecircncia esta tese destaca tambeacutem a centralidade e a
vinculaccedilatildeo existente entre os demais conceitos que fundamentam esse pensamento tais
como hegemonia (elaboraccedilatildeo de um sistema de recursos ideoloacutegicos e poliacuteticos que se
constroacutei se conquista e se traduz em capacidade de direccedilatildeo de uma determinada classe)
cultura (que extrapola a simples aquisiccedilatildeo de conhecimento como possibilidade de
conquista de uma consciecircncia social e poliacutetica superior de uma nova posiccedilatildeo na histoacuteria
na perspectiva de classe social) e o de catarse (como momento eacutetico-poliacutetico e de praacutexis
social) Esses conceitos constituem-se na siacutentese de um projeto de sociedade e em
elementos essenciais na construccedilatildeo de um novo bloco histoacuterico
Para Gramsci (1991) eacute por meio do momento cataacutertico que o homem (ser
social) afirma sua liberdade em face das estruturas econocircmico-sociais injustas revelando
que embora condicionado por essas estruturas eacute capaz de novas iniciativas mudando o
curso da histoacuteria Nesse sentido a vida social e material eacute considerada produto da accedilatildeo dos
8 Transcriccedilotildees de aulas proferidas do Dr Prof Francisco de Oliveira em cursos da poacutes-graduaccedilatildeo (Mestrado e Doutorado) em Serviccedilo Social da Pontifiacutecia Universidade de Satildeo Paulo (PUC-SP) em 1995 9 Segundo Oliveira (1995) intervenccedilatildeo eacute um termo neoliberal que pressupotildee uma relaccedilatildeo de exterioridade entre Estado e economia A proposta de recuo do Estado para a condiccedilatildeo de Estado miacutenimo restrito busca nacirco prejudicar os interesses dos grupos dominantes
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homens na busca de transformaccedilatildeo do real sem contudo deixar de levar em conta as
condiccedilotildees histoacutericas objetivas determinadas e contraditoacuterias que expressam o que Marx
(1983) chama de unidade de contraacuterios Este estudo entende a relaccedilatildeo entre Estado e
sociedade na perspectiva criacutetica e de totalidade constituiacuteda de muacuteltiplas determinaccedilotildees ou
seja uma relaccedilatildeo de contraacuterios (e natildeo como opostos no sentido de ruptura) que se opotildeem
dialeticamente mas mantecircm estreita interdependecircncia e relaccedilatildeo de reciprocidade
materializada no campo das relaccedilotildees sociais (IANNI 1986) Eacute o que Marx (1983)
denomina de unidade na diversidade Portanto eacute importante perceber que o poder do
Estado natildeo se esgota em sua representaccedilatildeo poliacutetica nem mesmo na atuaccedilatildeo das instituiccedilotildees
que o compotildeem muito embora o poder poliacutetico seja condiccedilatildeo de existecircncia do Estado
Ocorre um grande equiacutevoco conceitual histoacuterico e poliacutetico que se tornou
recorrente no discurso neoliberal a exemplo da posiccedilatildeo assumida pelos defensores da
proposta de bem-estar plural ou mista que propotildeem a autonomizaccedilatildeo e segmentaccedilatildeo dos
chamados setores natildeo-oficiais que compotildeem a sociedade civil desvinculando-os do
Estado Pela oacutetica dialeacutetica na perspectiva gramsciana tais setores deveriam ser vistos
em sua constituiccedilatildeo como instacircncias que atuam e se realizam em totalidades abertas e
necessaacuterias ainda que diferenciadas e contraditoacuterias ampliando a accedilatildeo do Estado Haacute
necessidade portanto de recusar todo mecanismo estrateacutegico e ateacute mesmo teorizaccedilotildees
que tendam a negar as possibilidades reais de emancipaccedilatildeo poliacutetica da sociedade do jugo
do capital a exemplo da justificativa neoliberal que com o argumento de assegurar
autonomia a um agregado de bem-estar propotildee a transferecircncia da provisatildeo social de
responsabilidade governamental para tais setores Assim aleacutem de sobrecarregar parcelas
sociedade com atribuiccedilotildees e responsabilidades que natildeo lhes dizem respeito tais
propostas limitam o campo da esfera puacuteblica e da construccedilatildeo de uma sociabilidade
ampliada por meio de uma provisatildeo social plural poreacutem natildeo puacuteblica e portanto
informal e desinstitucionalizada restrita a microesferas de relaccedilotildees espontacircneas
(familiares grupais eou individuais)
Uma outra categoria substantiva agrave problematizaccedilatildeo do objeto deste estudo eacute a
categoria trabalho fundamentada em Marx (1983) Ao trataacute-la haacute que indagar o que eacute
mais importante a produccedilatildeo material que expressa a materialidade do trabalho ou a
reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais de produccedilatildeo A ideacuteia de trabalho neste estudo eacute uma
categoria fundante do ser social que cria e recria profundas mudanccedilas nas relaccedilotildees sociais e
de produccedilatildeo Para Marx (1983) o trabalho natildeo se limita agrave sua finalidade imediata de
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produccedilatildeo de bens materiais mas estaacute no campo da sociabilidade humana e por isso eacute
determinado pelas relaccedilotildees sociais possibilitando sobretudo o desenvolvimento das
capacidades humanas das forccedilas produtivas e das relaccedilotildees sociais Trabalho para Marx
(1983) eacute tanto o processo como o produto do trabalho produtivo
As forccedilas sociais no capitalismo buscam dominar e transformar o significado
das coisas e dos processos materiais mistificando-as ou coisificando-as bem como
restringindo a ideacuteia de trabalho agrave produccedilatildeo de bens e serviccedilos necessaacuterios agrave reproduccedilatildeo
material da existecircncia As reflexotildees de Antunes (2000) sobre a categoria trabalho e as
determinaccedilotildees histoacutericas do modo de produccedilatildeo capitalista tambeacutem baseadas em Marx
(1983) remetem agrave necessidade de que seja reelaborada essa categoria inserindo-a no
contexto dos processos contraditoacuterios das poliacuteticas sociais e em particular da assistecircncia
como fenocircmeno mundial objeto de medidas neoliberais e de mudanccedilas econocircmicas
sociais e poliacuteticas em curso na sociedade contemporacircnea
Ao discorrer sobre o processo de fetichizaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre mercadoria e
trabalho e ao referir-se agrave problemaacutetica do trabalho nos dias atuais Antunes (1995) afirma
que a vontade do trabalhador se encontra subordinada agrave necessidade do trabalho e de seu
produto que natildeo lhe pertencendo torna-se estranho a ele A seu ver na ordem burguesa
a relaccedilatildeo capital e trabalho passa a ser fetichizada pelo capital para conferir-lhe
continuidade e certo grau de normalidade O autor entende que tais reflexotildees em um
sistema capitalista de produccedilatildeo confirmam a vinculaccedilatildeo dos novos processos de trabalho
agrave loacutegica imposta pelo capital ao trabalho Com essa perspectiva um aspecto relevante eacute a
identificaccedilatildeo da vinculaccedilatildeo dos processos de trabalho agraves funccedilotildees e agraves novas
configuraccedilotildees do Estado contemporacircneo em sua relaccedilatildeo com a sociedade uma vez que
tais processos se situam no contexto da acumulaccedilatildeo capitalista A categoria trabalho deve
ser apreendida como constituinte e constitutiva das relaccedilotildees sociais e de produccedilatildeo e
como elemento indissociaacutevel da relaccedilatildeo Estado e sociedade que engendra poliacuteticas
inclusive a social Em decorrecircncia haacute que analisar a categoria trabalho em sua condiccedilatildeo
material mas tambeacutem em sua forma social uma vez que no capitalismo os processos de
mistificaccedilatildeo fetichizaccedilatildeo e reificaccedilatildeo do trabalho acabam sobrepondo-se agrave otimizaccedilatildeo
da satisfaccedilatildeo das necessidades sociais baacutesicas e se subordinando aos criteacuterios de gestatildeo
econocircmica estrateacutegica e gerencial Nesses processos natildeo se percebe o trabalho como
possibilidade de emancipaccedilatildeo de sujeitos livres eou como componente da construccedilatildeo de
sua identidade nem como uma categoria que envolva processos de sua objetivaccedilatildeo
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entendida como forma materializada de uma determinada ideologia e de subjetivaccedilatildeo da
realidade Enfim natildeo se percebe o trabalho com status de via de acesso a condiccedilotildees de
uma vida diacutegna e humanizada e que supera os limites de acesso a oportunidades
oferecidas pelo mercado
Na perspectiva neoliberal a vinculaccedilatildeo do trabalho com as poliacuteticas sociais
expressa-se de diversas maneiras por intervenccedilotildees privatistas nas esferas puacuteblicas por
medidas restritivas de direitos sociais (previdenciaacuterios educacionais de sauacutede de
assistecircncia baacutesica dentre outros) por reduccedilatildeo de jornadas e postos de trabalho
incrementando programas de transferecircncia de renda como uacutenica alternativa ao
enfrentamento da pobreza absoluta e promovendo reformas sociais e trabalhistas para
atender ao princiacutepio da flexibilizaccedilatildeo do mercado para citar algumas vias
No contexto da relaccedilatildeo Estado e sociedade a proposta pluralista de bem-estar
neoliberal estaacute vinculada a uma economia capitalista cuja loacutegica privilegia o atendimento
das demandas do capital em detrimento da satisfaccedilatildeo de necessidades sociais Com essa
compreensatildeo entende-se a justificativa dada agrave centralidade do trabalho pelo Estado de
Bem-estar apoacutes o teacutermino da Segunda Guerra Mundial como valor essencial do sistema e
coacutedigo de sociabilidade visto que o Estado de Bem-estar (ou Social) embora
comprometido com a cidadania tambeacutem era parte integral do sistema capitalista
Com o Estado keynesiano-fordista o trabalho ganhou centralidade ao
estruturar as poliacuteticas sociais e econocircmicas assim como as estrateacutegias de pleno emprego
Tornou-se aleacutem disso um campo simboacutelico passando a nomear natildeo soacute o trabalho mas
tambeacutem o lugar do natildeo-trabalho No campo da sociabilidade a centralidade do trabalho
deu sentido agrave convivecircncia e passou a justificar a ampliaccedilatildeo da cidadania da participaccedilatildeo
social da inclusatildeo social No campo da cidadania social universalizou os direitos sociais e
estruturou a relaccedilatildeo entre poliacutetica social e trabalho em outras bases isto eacute como instacircncias
distintas mas natildeo excludentes situadas no campo do conflito social entre classes
A respeito da relaccedilatildeo entre Estado Social e trabalho Oliveira (1995) apresenta
uma reflexatildeo profiacutecua Ele argumenta que inegavelmente um dos grandes trunfos do
Estado de Bem-estar foi a legitimaccedilatildeo da centralidade do trabalho Contudo o maior fator
de ecircxito desse resgate do trabalho foi a abrangecircncia e a universalizaccedilatildeo alcanccedilados pelas
poliacuteticas de bem-estar keynesianas que por estarem fortemente reguladas e
regulamentadas pelo Estado tornaram-se universais agrave medida que se irradiaram para outros
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setores da vida social extrapolando ateacute mesmo as relaccedilotildees de trabalho10 Com a expansatildeo e
o grau de universalidade as poliacuteticas sociais alcanccedilaram a perspectiva puacuteblica e a
cidadania social Por conseguinte natildeo foi por acaso que os representantes da nova direita
(neoliberais e neoconservadores)11 criticaram de forma contundente os processos de
universalizaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo do Estado Social pois as poliacuteticas de pleno emprego e de
seguridade social ao assumirem caraacuteter de poliacuteticas demandadas pela cidadania social
transformaram-se em direitos e ultrapassaram as funccedilotildees do Estado capitalista Para
Oliveira (1995) esse foi o diferencial que imprimiu ecircxito agraves poliacuteticas de bem-estar apoacutes o
teacutermino da Segunda Guerra Mundial
Em siacutentese este estudo entende como maior ecircxito do Estado Social a criaccedilatildeo
de possibilidades reais e concretas de otimizar a satisfaccedilatildeo de necessidades sociais na
forma de acesso a bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos Vale destacar ainda
que as noccedilotildees de participaccedilatildeo de descentralizaccedilatildeo e de pactos plurais ou mistos (a famosa
economia mista apoacutes 1945) jaacute estavam presentes na concepccedilatildeo e na praacutetica do Estado
Social Portanto ao contraacuterio do que se pensa nem a ideacuteia de pluralismo nem as diretrizes
de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo satildeo criaccedilotildees exclusivas e muito menos prerrogativa
dos neoliberais O novo repita-se eacute o desmonte dos direitos de cidadania social que
constituiacuteam a base ampliada para as crescentes funccedilotildees do Estado tambeacutem ampliado o
qual sob o atual domiacutenio do mercado novamente procura tornar-se restrito
12 Sobre a categoria contradiccedilatildeo associada agraves leis do movimento uma necessaacuteria
recorrecircncia agrave concepccedilatildeo marxista de Estado e sociedade
Para entendimento das leis de movimento com base nas formulaccedilotildees de Marx
(1983) torna-se mister retomar o nuacutecleo da teoria poliacutetica marxiana isto eacute o caraacuteter
contraditoacuterio do Estado capitalista em sua dinacircmica proacutepria No entanto esse mesmo tipo
de Estado absorve pressotildees e demandas por poliacuteticas sociais demandadas por classes
10 Em relaccedilatildeo agrave categoria trabalho associada agrave poliacutetica haacute que ressaltar que na Europa Ocidental diferentemente do Brasil o trabalho sempre teve uma grande centralidade na estruturaccedilatildeo da sociedade como elemento estruturante de sua formaccedilatildeo social e poliacutetica 11 Os direitistas franceses usaram como exemplo para fundamentar sua criacutetica ao Estado de Bem-estar a questatildeo da migraccedilatildeo nos paiacuteses europeus Argumentavam sobre o ocircnus que recaiacutea sobre o Estado de Bem-estar o fato de os imigrantes ingressarem na Franccedila assim como em outros paiacuteses para exercerem um trabalho e serem beneficiados pelas mesmas medidas de seguridade social de caraacuteter universal usufruiacutedos pelos habitantes nacionais
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antagocircnicas movidas por interesses diferenciados e que expressam nessa relaccedilatildeo a
tensatildeo histoacuterica entre capital e trabalho Nessa perspectiva a poliacutetica social reflete um
conjunto de relaccedilotildees que expressam tanto as lutas de classes que demandam ao Estado
alteraccedilotildees nas condiccedilotildees materiais de produccedilatildeo quanto de grupos que o pressionam para
obtenccedilatildeo de vantagens na acumulaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da riqueza produzida (produto social)
Vecirc-se que em seu antagonismo e em sua dualidade a poliacutetica social estaacute a serviccedilo do
trabalho mas tambeacutem do capital Portanto por estar inserida em uma estrutura de relaccedilotildees
contraditoacuterias a anaacutelise das leis de movimento no campo das poliacuteticas sociais exige a
superaccedilatildeo de um quadro teoacuterico e metodoloacutegico simplista eou linear destituiacutedo de uma
anaacutelise criacutetica que toma suas consequumlecircncias como causas ou que concebe o Estado a
serviccedilo de uma uacutenica classe (burguesia) ou ainda que incorra no equiacutevoco teoacuterico de
confundir o seu processo de formaccedilatildeo com os seus efeitos Dada a complexidade dessa
questatildeo de acordo com a mesma linha teoacuterica encontra-se uma pluralidade de enfoques
com diferentes abordagens Torna-se mister diferenciaacute-las ainda que natildeo se tenha a
pretensatildeo de fazecirc-lo de forma exaustiva
Sabe-se que a criacutetica marxista ao Estado Social natildeo eacute uniacutevoca O Estado Social
foi objeto de severas criacuteticas e de opiniotildees divergentes de marxistas e liberais como a que
ocorreu nos anos 1970 Em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo do Estado haacute vaacuterias teorias de orientaccedilatildeo
marxista Marx (1983) criticou as tendecircncias reformistas de sua eacutepoca o que serviu de
marco conceitual para alguns teoacutericos que no seacuteculo XX tambeacutem criticaram o conceito de
Estado Social As criacuteticas formuladas nos anos 1960 pelos marxistas Miliband (1980)
Agnoli (1971) Baran e Sweezy (1973) guiaram-se pela claacutessica tese marxista que
considerou o Estado como um mero instrumento da classe dominante Nos anos 1970
OrsquoConnor (1981) centrou suas criacuteticas nas tendecircncias contraditoacuterias do Estado Social
diferenciando-se dos primeiros por manter o debate sobre as funccedilotildees e a natureza do
Estado capitalista O estudo de Lara (1991) sobre a formaccedilatildeo do Estado Social distingue e
classifica essas duas abordagens a primeira eacute a criacutetica marxista tradicional (anos 1960) e
a segunda a criacutetica marxista moderna (anos 1970) embora argumente que toda a intenccedilatildeo
de classificar algo possui um valor meramente didaacutetico e orientador
Os teoacutericos marxistas que mais se ocupam recentemente da anaacutelise do Estado
distinguem duas categorias baacutesicas a) teorias que privilegiam a causalidade econocircmica de
intervenccedilatildeo estatal como exigecircncia do processo de acumulaccedilatildeo capitalista e b) teorias que
interrelacionam as causas econocircmicas com as de caraacuteter social e poliacutetico Miliband (1980)
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um representante da interpretaccedilatildeo marxista tradicional afirma que as poliacuteticas de reformas
natildeo supotildeem modificaccedilatildeo nas estruturas do Estado capitalista pelo fato de esse Estado ter
perpetuado seu caraacuteter classista A criacutetica de Miliband (1980) ao Estado Social tem origem
em uma concepccedilatildeo economicista das classes sociais em que o Estado na sociedade
capitalista ao fazer parte da classe econocircmica dominante atua tambeacutem no plano poliacutetico
Nessa perspectiva as funccedilotildees do Estado estatildeo sempre determinadas pelas estruturas de
classe natildeo havendo portanto nenhuma possibilidade de um compromisso firmado entre
capital e trabalho
No entanto em que pesem as poliacuteticas reformistas possuiacuterem grandes
limitaccedilotildees natildeo se pode desconsiderar eou relativizar as transformaccedilotildees sociais ocorridas
no Estado contemporacircneo e seus efeitos e consequumlecircncias A tese de Miliband (1980) foi
objeto de uma intensa polecircmica com Poulantzas (1980) para quem as relaccedilotildees de classe
natildeo satildeo necessariamente a base das relaccedilotildees de poder assim como as relaccedilotildees de poder
natildeo satildeo a base das relaccedilotildees de classe Miliband (1980) sustenta que existem casos em que
uma classe social pode ser econocircmicamente dominante sem que a seu ver o seja no plano
poliacutetico Para a corrente marxista tradicional o Estado de Bem-estar foi uma estrateacutegia
utizada pelo capitalismo para amortecer os antagonismos de classe criados pela expansatildeo
do capital Para Agnoli (1971) as poliacuteticas sociais natildeo supotildeem uma renovaccedilatildeo ou reforma
das estruturas capitalistas Marcuse (1985) na busca de um novo sujeito revolucionaacuterio
observou que o crescimento econocircmico e o progresso tecnoloacutegico haviam transformado a
luta de classes e as possibilidades de mudanccedila social Essas posiccedilotildees que natildeo constituem
objeto de anaacutelise desta tese comprovam que o debate sobre economia capitalista e sua
relaccedilatildeo com o Estado distanciou-se das relaccedilotildees existentes na eacutepoca de Marx bem como
existe parcialidade no enfoque tradicional e instrumentalista de Miliband (1980) em sua
anaacutelise sobre o papel do Estado
Baran e Sweezy (1973) com um enfoque mais econocircmico que o de Miliband e
fazendo eco agraves poliacuteticas keynesianas explicam o intervencionismo estatal como uma
consequumlecircncia do problema da geraccedilatildeo e absorccedilatildeo do excedente Nesse caso o capitalismo
monopolista caracteriza-se por uma tendecircncia de incrementar o excedente sem gerar
mecanismos de absorccedilatildeo da demanda Os autores entendem por conseguinte o sistema
econocircmico capitalista como contraditoacuterio pois produz mais do que permite sua
capacidade embora seja deficitaacuterio para criar a suficiente demanda que permita a total
utilizaccedilatildeo de sua capacidade produtiva Inspirando-se no enfoque keynesiano Baran e
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Sweezy (1973) explicam a intervenccedilatildeo estatal no capitalismo monopolista como
mecanismo gerador da demanda efetiva ou seja o Estado converte-se em criador da
demanda transferindo o poder de compra ou comprando diretamente bens e serviccedilos
sociais Nessa perspectiva o grande inimigo do sistema capitalista eacute a depressatildeo
econocircmica (crise relacionada com a quebra do riacutetmo de crescimento) e natildeo os gastos
sociais estatais uma vez que a viabilidade do sistema econocircmico depende desse uacuteltimo
Em siacutentese a intervenccedilatildeo do Estado na economia eacute uma necessidade imposta pelo sistema
capitalista e os gastos estatais satildeo funcionais ao sistema como meio de gerar demanda
agregada com a ressalva de que em nenhum caso essa demanda pode ter um objetivo
social por natildeo poder enfrentar os interesses privados Assim os autores negam todo o
caraacuteter social do Estado no capitalismo avanccedilado ou melhor reconhecem que ele exerce
certas funccedilotildees sociais ainda que natildeo as considerem relevantes Nessa perspectiva o
Estado limita-se a servir aos interesses do capital natildeo se constituindo em uma instacircncia de
mediaccedilatildeo entre interesses de classes sociais distintas A proacutepria realidade soacutecio-econocircmica
e poliacutetica tem colocado em evidecircncia a fragilidade e as limitaccedilotildees das teorias de Baran e
Sweezy (1973) Do ponto de vista da histoacuteria ao contraacuterio do que previram a crise dos
anos 1970 ocorreu natildeo pelo problema de absorccedilatildeo do excedente mas pela sua geraccedilatildeo
demandando ateacute mesmo a necessidade de reduccedilatildeo de gastos sociais
As teorias elaboradas nos anos 1970 na perspectiva marxista oferecem novas
formulaccedilotildees sobre as funccedilotildees e a natureza do Estado Social na sociedade contemporacircnea e
reconhecem em uacuteltima instacircncia que ele possui uma dimensatildeo social (e natildeo soacute
econocircmica) e tratam de explicar o motivo desse fenocircmeno As aportaccedilotildees de Miliband
(1980) e as de Baran e Sweezy (1973) foram elaboradas em um contexto de crescimento
econocircmico e as teorias que se fundamentam nas contradiccedilotildees do Estado Social tecircm como
fundo a crise econocircmica que se iniciou nos anos 1970 OrsquoConnor (1981) como
representante da criacutetica marxista tradicional introduziu novos elementos do enfoque
marxista para a explicaccedilatildeo da natureza e funccedilotildees do Estado Atribui ao Estado a funccedilatildeo de
acumulaccedilatildeo para criar condiccedilotildees de rentabilidade privada Distanciando-se de Miliband
(1980) e de Baran e Sweezy (1973) defende a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo poliacutetica do Estado
por meio da busca de conciliaccedilatildeo dos interesses entre capital e trabalho A seu ver a essas
duas funccedilotildees estatais correspondem respectivamente a dois tipos de gastos estatais os de
capital social que podem ser destinados ao consumo social e os gastos sociais Para
OrsquoConnor (1981) o crescimento das atividades do setor estatal eacute causa e efeito da
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expansatildeo do capitalismo monopolista Nesse sentido a socializaccedilatildeo dos custos eacute necessaacuteria
para a acumulaccedilatildeo do capital e a causa principal do crescimento econocircmico eacute a expansatildeo
do setor estatal que coloca agrave disposiccedilatildeo do capital privado os bens e serviccedilos sociais que
satildeo fundamentais ao seu desenvolvimento por meio dos gastos de capital social De
acordo com OrsquoConnor (1981) a capacidade produtiva do capital monopolista tende a
crescer mais raacutepido que a demanda e o consumo Por isso ele afirma que ainda que os
gastos estatais contribuam para harmonizar as relaccedilotildees entre capital e trabalho sua
finalidade eacute a de servir sempre agrave funccedilatildeo de acumulaccedilatildeo Em relaccedilatildeo aos trabalhadores
cria-se a ilusatildeo de seguranccedila econocircmica e o Estado na fase de capital monopolista natildeo soacute
se limita a proteger as condiccedilotildees de acumulaccedilatildeo mas participa tambeacutem da criaccedilatildeo dessas
condiccedilotildees o que afeta a sua natureza estatal Por fim OacuteConnor (1981) diferencia a funccedilatildeo
de acumulaccedilatildeo da funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado funccedilotildees consideradas por ele como
contraditoacuterias A contradiccedilatildeo resulta da socializaccedilatildeo dos custos de produccedilatildeo e da
apropriaccedilatildeo privada do excedente e o mais importante dela deriva a crise fiscal o que
inviabiliza a seu ver o Estado Social Percebe-se que a criacutetica marxista tem analisado em
profusatildeo (seja na perspectiva mais poliacutetico-ideoloacutegica seja na de cunho mais econocircmico) o
caraacuteter contraditoacuterio das funccedilotildees do Estado capitalista
A anaacutelise das contradiccedilotildees do Estado Social revela que nem toda atividade
estatal eacute funcional ao sistema capitalista Nesse sentido uma formulaccedilatildeo niacutetida eacute a que
realiza Gough (1982) para quem a natureza do Estado Social serve ao mesmo tempo
para a acumulaccedilatildeo do capital e como salaacuterio social Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado
que defende tanto os interesses da classe capitalista como os interesses da classe
trabalhadora Por outro lado a crise de rentabilidade do capital natildeo eacute a uacutenica causa que
explica a origem do Estado Social uma vez que se deve acrescentar o elemento da luta
de classes Nesse contexto Gough (1982) sustenta que a atividade estatal possui limites
estruturais o que natildeo impede que realize certas reformas Para Lara (1991) percebe-se
nessa anaacutelise de Gough tambeacutem um estudioso de inspiraccedilatildeo marxista (a seu ver mais
proacuteximo das ideacuteias criacuteticas do marxismo moderno) natildeo apenas o reconhecimento de que
o Estado Social eacute uma forma de compromisso que satisfaz interesses heterogecircneos Em
siacutentese para Gough (1982) o Estado Social eacute um elemento eficaz e imprescindiacutevel para
reduzir o conflito entre capital e trabalho Segundo Lara (1991) essas ideacuteias longe de
encerrar esse debate indicam uma aproximaccedilatildeo com as teses dos apologistas do Estado
Social apoacutes 1945
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Como sustenta OrsquoConnor (1982) a diferenccedila entre diferentes enfoques eacute que
alguns negam que o Estado das sociedades avanccediladas realize funccedilotildees de legitimaccedilatildeo
poliacutetica e outros a exemplo de uma parte consideraacutevel dos estudos elaborados a partir dos
anos 1970 reconhecem que o Estado Social se impotildee pelas necessidades derivadas da
evoluccedilatildeo do capitalismo e tambeacutem pela necessidade de satisfazer uma seacuterie de demandas
sociais Em resumo o Estado Social obedece tanto a causas econocircmicas como sociais e
poliacuteticas Portanto a funccedilatildeo de legitimaccedilatildeo do Estado natildeo eacute em essecircncia disfuncional ao
sistema econocircmico ou seja a disfuncionalidade dos gastos de legitimaccedilatildeo manifesta-se
quando natildeo haacute crescimento econocircmico
Contudo de um lado a chamada criacutetica marxista moderna sobre as
contradiccedilotildees do capitalismo natildeo encontrou respaldo na eacutepoca da consolidaccedilatildeo do
Estado Social e de outro a situaccedilatildeo mudou muito diante da crise econocircmica que se
desencadeou a partir de 1973 No entanto a criacutetica marxista apesar do esforccedilo
realizado para destacar as contradiccedilotildees do Estado Social natildeo conseguiu desenvolver
eou apresentar uma nova soluccedilatildeo A tese ou intento eurocomunista (como terceira via)
entre o modelo do socialismo real e a social democracia natildeo avanccedilou poliacuteticamente
como se esperava Como assinala Perry Anderson (1995) ao estudar a evoluccedilatildeo do
marxismo ocidental nas deacutecadas de 19701980 falta uma estrateacutegia que permita superar
a ordem capitalista
Diante de tantas polecircmicas natildeo se trata de aderir ao movimento pendular das
chamadas ciecircncias poacutes-modernas que ganharam espaccedilo nos meios intelectuais a partir dos
anos 1990 ainda como vestiacutegio da marcante influecircncia do estruturalismo de Althusser dos
anos 1960 e 197012 Assistiu-se nesse periacuteodo agrave trajetoacuteria das referidas ciecircncias
ancoradas no estruturalismo e sua posterior migraccedilatildeo para o irracionalismo poacutes-moderno
que se apresentou como alternativa agrave superaccedilatildeo do natildeo-reconhecimento pelo
estruturalismo do indiviacuteduo como sujeito da histoacuteria Portanto com o estruturalismo
houve a dissoluccedilatildeo do singular na totalidade das estruturas como propocircs Levy Strauss
Com o poacutes-modernismo haacute a fragmentaccedilatildeo da totalidade no singular Postula-se o natildeo-
debate o natildeo-confronto de ideacuteias e se propotildeem concessotildees e concordacircncias de forma
benevolente com a ausecircncia de indagaccedilotildees teoacutericas e epistemoloacutegicas Nesse sentido o
12 As concepccedilotildees estruturalistas de Althusser (ausecircncia do sujeito) e de Passeron e Bourdieu perderam o poder de forccedila intelectual e ideoloacutegica por natildeo conseguirem ldquoexplicar a relaccedilatildeo ativa dos homens com sua proacutepria histoacuterica e por natildeo poderem reconhecer nos homens os demiurgos de sua proacutepria existecircnciardquo A visatildeo de histoacuteria para esses autores ficou restrita a uma histoacuteria de estruturas conduzindo agrave ldquomorte do sujeitordquo (LESSA 1999 p 171)
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singular eacute fetichizado e reificado e as categorias universais passam a ser percebidas como
meros produtos da abstraccedilatildeo da subjetividade
Em contraposiccedilatildeo eacute exatamente a problematizaccedilatildeo do caraacuteter ambiacuteguo e
contraditoacuterio do Estado capitalista que interessa a este estudo Assim entende-se que a
compreensatildeo das tendecircncias objetivas que caracterizaram as poliacuteticas macroeconocircmicas
implantadas na Europa do Sul e no Brasil a partir dos anos 1970 de caraacuteter concentrador e
excludente eacute fundamental para entender a loacutegica privatista que passou a orientar os sistemas
de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social das poliacuteticas sociais (europeacuteias e brasileiras) nesse
contexto A identificaccedilatildeo dessas tendecircncias eacute imprescindiacutevel para avaliar a importacircncia da
dimensatildeo poliacutetica na formaccedilatildeo e gestatildeo das poliacuteticas sociais puacuteblicas contemporacircneas
articulada agrave dimensatildeo econocircmica especialmente no caso das poliacuteticas sociais desenvolvidas
na Europa do Sul e no Brasil marcadamente residuais e destituiacutedas do enfoque
redistributivista
13 Sobre a poliacutetica social concepccedilotildees abordagens teoacutericas e ideologias
A temaacutetica de poliacutetica social tem encontrado resistecircncias intelectuais ao
seu aprofundamento analiacutetico Ateacute mesmo o Estado Social apesar de seu papel
decisivo na organizaccedilatildeo da sociedade industrial recebeu um tratamento teoacuterico pouco
consistente tanto pelos liberais que negavam ou subestimavam sua capacidade de
persistecircncia histoacuterica como pelos marxistas que acreditavam na tese da
transitoriedade do Estado Ao lado dessas restriccedilotildees de ordem teoacuterica somavam-se
outras de conteuacutedo poliacutetico e ideoloacutegico a dos liberais por defenderem como soluccedilatildeo
aos problemas sociais o laissez-faire e a liberdade do mercado e por fazerem
oposiccedilatildeo ideoloacutegica agrave regulaccedilatildeo econocircmica e social do Estado e a dos marxistas por
verem no Estado Social um fator de desmobilizaccedilatildeo da classe trabalhadora e
portanto do arrefecimento da luta de classes Entretanto foram as proacuteprias
transformaccedilotildees decorrentes da revoluccedilatildeo industrial do avanccedilo tecnoloacutegico e do
aumento da populaccedilatildeo que criaram as condiccedilotildees estruturais para o desenvolvimento
do Estado Social a partir do final do seacuteculo XIX
Todavia nesta tese resgata-se e atualiza-se a discussatildeo centrada na distinccedilatildeo
claacutessica de enfoques entre liberais e marxistas acerca das poliacuteticas sociais contemporacircneas
52
dentre as quais a assistecircncia social Para tanto destacam-se duas perspectivas analiacuteticas
renovadas uma neoliberal protagonizada por uma nova direita constituiacuteda da fusatildeo dos
neoliberais com os neoconservadores outra neomarxista cuja principal posiccedilatildeo eacute a de natildeo
mais considerar a poliacutetica social como uma arma capitalista contra o socialismo mas como
um fenocircmeno contraditoacuterio que tanto pode estar a serviccedilo do capital como do trabalho e
por isso pode constituir uma mediaccedilatildeo estrateacutegica favoraacutevel agraves conquistas sociais das
classes subalternas
Com base nessa perspectiva neomarxista destacam-se os estudos de Pereira (1996
1998 2000 a 2003) os quais revelam grande preocupaccedilatildeo em construir um referencial criacutetico e
analiacutetico que qualifique e explicite o status teoacuterico da poliacutetica social no campo das Ciecircncias
Sociais Vale mencionar sua reflexatildeo (2000) sobre necessidades humanas13 em que busca
contrapor essa categoria agraves demandas e exigecircncias do capital baseada na teoria das
necessidades humanas de Doyal e Gough (1994) autores contemporatildeneos (filoacutesofo e
economista inglecircs respectivamente) que sustentam ser possiacutevel elaborar uma teoria coerente e
rigorosa sobre as necessidades humanas de forma a apontar para alternativas concretas ao
neoliberalismo e ao conservadorismo poliacutetico fenocircmenos histoacutericos reeditados pelas
sociedades capitalistas Argumentam que natildeo obstante a existecircncia de tais fenocircmenos foi-se
gerando nas sociedades contemporacircneas um concenso moral sobre certas necessidades baacutesicas
indispensaacuteveis ao desenvolvimento de uma existecircncia humana digna por eles definidas como
sendo a sauacutede fiacutesica e a autonomia mental
Pereira constroacutei ainda argumentos acerca da relaccedilatildeo contraditoacuteria entre
Estado e sociedade economia e poliacutetica igualdade e liberdade capitalismo e bem-estar
social para nessa realidade complexa contextualizar a poliacutetica social A tensatildeo
permanente entre capital e trabalho constitui o conflito maior nas sociedades capitalistas
Dessa tensatildeo resulta em uacuteltima instacircncia a poliacutetica social mediada por tensotildees entre
classes sociais na defesa de seus interesses particulares de suas ideologias e de seus
projetos societaacuterios Eacute por isso que o campo da poliacutetica social eacute considerado por Pereira
(2000) uma arena de conflitos em que se confrontam concepccedilotildees e teorias competitivas
sobre direitos (individuais versus sociais) liberdade (negativa versus positiva) igualdade
(substantiva versus formal) ou seja um amplo leque de confrontaccedilotildees que fazem parte da
essecircncia contraditoacuteria do Estado da sociedade e das poliacuteticas em suas diferentes
13 Ver em obra de Pereira (2000) maior qualificaccedilatildeo e aprofundamento dessa categoria histoacuterico-analiacutetica fundamentada na teoria das necessidades humanas de Gough e Doyal (1994)
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configuraccedilotildees Conclui a autora que satildeo as tensotildees contraditoacuterias que funcionam como
motor das mudanccedilas incluindo as que perseguem a perspectiva progressista com a qual
este estudo se identifica
A concepccedilatildeo segundo a qual a poliacutetica social eacute personificada na poliacutetica de
assistecircncia social eacute tratada neste estudo No entanto para esse tratamento acercar-se
melhor da complexidade dessa poliacutetica conveacutem estar ciente de seu conteuacutedo polecircmico isto
eacute estar aberto agraves indagaccedilotildees a respeito de sua natureza e da sua existecircncia ontoloacutegica
Com efeito satildeo vaacuterias as perguntas a respeito do que eacute a poliacutetica social eacute uma
disciplina um campo de accedilatildeo um meacutetodo uma estrateacutegia poliacutetica Qual o seu objeto Para
Alcock (1992) um profiacutecuo estudioso da poliacutetica social ela eacute tudo isso Eacute uma disciplina das
Ciecircncias Sociais embora seja bastante diferente das demais que compotildeem esse ramo do
conhecimento em virtude de sua iacutendole interdisciplinar que a faz permeaacutevel a todas as
especializaccedilotildees Ela tambeacutem eacute um caminho metoacutedico mediante o qual se obteacutem conhecimento
e se praticam accedilotildees Aleacutem disso eacute um campo para o qual confluem disciplinas conexas e se
imbricam conhecimento e accedilotildees de procedecircncias variadas Por fim eacute uma estateacutegia de accedilatildeo
coletiva que visa concretizar direitos sociais Por isso o seu objeto diz Alcock (1992) eacute ela
mesma pois como disciplina os seus estudos voltam-se para o conhecimento de si mesma de
suas accedilotildees e de suas diferentes configuraccedilotildees sem falar da forte conotaccedilatildeo poliacutetica de que
tanto o seu estudo quanto a sua accedilatildeo se revestem O certo eacute que se trata de uma temaacutetica que
envolve questotildees do acircmbito do Direito da Sociologia da Ciecircncia Poliacutetica da Administraccedilatildeo
do Serviccedilo Social da Economia e de outros ramos do conhecimento Permeia a aacuterea da sauacutede
da assistecircncia social da educaccedilatildeo da previdecircncia da habitaccedilatildeo do emprego e renda e se
envolve com demandas e necessidades de grupos sociais particulares como idosos crianccedilas e
adolescentes mulheres famiacutelia pessoas com deficiecircncia etc Portanto natildeo se trata a poliacutetica
social de um campo teoacuterico monoliacutetico exclusivo de uma uacutenica aacuterea de conhecimento e muito
menos de um fenocircmeno recente e localizado Sua longevidade e seu caraacuteter ubiacutequo atestam a
dificuldade de suprimi-la ao tempo em que explicam as manipulaccedilotildees a que se vecirc sujeita
No contexto da relaccedilatildeo entre Estado e sociedade capitalista a poliacutetica social
expressa-se como um conjunto de accedilotildees e de estrateacutegias para atender a demandas variadas que
podem romper o cerco das desigualdades sociais e da naturalizaccedilatildeo das necessidades humanas
mas que tambeacutem podem perpetuaacute-las Essa eacute a razatildeo da importacircncia do sentido poliacutetico da
poliacutetica social expresso no seu comprometimento com o interesse puacuteblico O campo da
poliacutetica social envolve ainda aspectos eacuteticos e ciacutevicos em um contexto de relaccedilotildees de poder
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Eacute importante que se diga que as funccedilotildees dessas duas esferas ndash Estado e sociedade ndash na
produccedilatildeo das poliacuteticas sociais satildeo distintas embora complementares ateacute porque a sociedade
tambeacutem provecirc recursos e oferece serviccedilos sociais (provisatildeo social privada plural ou mista)
Contudo a poliacutetica social natildeo tem poder para concretizar direitos sociais Para tanto o Estado
recebe da sociedade uma delegaccedilatildeo para regulaacute-la e concretizar esses direitos fazendo uso de
suas prerrogativas como portador de poder coercitivo com competecircncia juriacutedico-formal para
fazer cumprir a lei Somente com esse reconhecimento e essa accedilatildeo regulatoacuteria e juriacutedico-
formal a poliacutetica social adquire o status de poliacutetica puacuteblica
A expressatildeo poliacutetica puacuteblica da qual a poliacutetica social eacute uma espeacutecie eacute um
termo recente na literatura das Ciecircncias Sociais Sua emergecircncia deu-se no final dos anos
1970 e diz respeito ao Estado em accedilatildeo (MENY TOENIG 1992) mediante uma posiccedilatildeo
ativa e positiva em relaccedilatildeo agraves demandas e necessidades sociais com as quais se defronta A
accedilatildeo poliacutetica do Estado eacute concretizadora de direitos sociais e reguladora das relaccedilotildees
sociais Trata-se de uma accedilatildeo que por ser puacuteblica (voltada para todos e comprometendo
todos) e natildeo meramente estatal (o nuacutecleo duro do poder estatal ou o bloco no poder) tem
como principal missatildeo zelar pelo interesse puacuteblico e prover a sociedade de bens puacuteblicos
como direitos devidos (PEREIRA 2000) Um bem puacuteblico para merecer esta qualificaccedilatildeo
e ser regulado por uma poliacutetica deve antes de tudo ser assumido por uma autoridade
puacuteblica Aleacutem disso deve possuir as seguintes caracteriacutesticas
a) ser indivisiacutevel isto eacute deve ser consumido por inteiro por todos os membros de uma comunidade Eacute o que se chama de consumo natildeo rival porque todos devem acessaacute-lo de forma gratuita uma vez que ele eacute pago pelo cidadatildeo-contribuinte b) natildeo pode ser oferecido com base na loacutegica do mercado c) deve estar disponiacutevel jaacute que cada consumidor potencial tem direito a ele E estaacute presente nessas caracteriacutesticas o caraacuteter universal do conceito de puacuteblico (PEREIRA 2006)
A poliacutetica puacuteblica de assistecircncia social eacute uma das mais adequadas ao perfil de
bem puacuteblico jaacute que de regra ela se guia pelo princiacutepio da gratuidade e embora possa ser
exercida por instituiccedilotildees privadas elas devem ser reguladas pela autoridade puacuteblica
responsaacutevel pela poliacutetica e pela garantia do direito a ela correspondente
Portanto ao tratar com poliacutetica puacuteblica haacute que se atentar para as diferenccedilas entre
o que eacute puacuteblico o que eacute coletivo e o que eacute plural ou misto (a exemplo da proposta pluralista
de bem-estar neoliberal) Ser puacuteblico como jaacute visto natildeo significa ser governamental e nem
implica necessariamente ser coletivo plural ou misto e a reciacuteproca eacute verdadeira A condiccedilatildeo
para uma accedilatildeo ser puacuteblica eacute ser universal tanto na sua oferta quanto no seu usufruto Nessa
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perspectiva o seu caraacuteter puacuteblico natildeo eacute dado pelo tamanho do agregado ou do coletivo que
lhe demanda atenccedilatildeo e nem pela pluralidade de atores mas porque aleacutem de ter caraacuteter
imperativo isto eacute de ser amparada legalmente (ter na sua retaguarda legislaccedilotildees incluindo
constituiccedilotildees federais) ela se guia pelos princiacutepios da soberania popular do bem-comum
tendo no seu horizonte a justiccedila social (PEREIRA 2001)
Portanto quando qualificada como intervenccedilatildeo de caraacuteter puacuteblico a poliacutetica
social visa a superaccedilatildeo das necessidades baacutesicas e vitais dos cidadatildeos e por isso afeta
diretamente sua qualidade de vida e seu bem-estar pois se baseia nos princiacutepios da inclusatildeo
social da igualdade de direitos e da universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais O
campo de tais poliacuteticas comporta oferta e usufruto de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos
entendidos como direitos bem como transferecirccia de renda eou de recursos financeiros
Quando assumem caraacuteter meramente distributivo (poliacuteticas contributivas) afetam
diretamente o indiviacuteduo trabalhador que encontra-se no mercado de trabalho formal
(mediante contrato social) Quando assumem caraacuteter redistributivo atingem seu grau maior
de universalizaccedilatildeo como um bem de interesse puacuteblico no sentido de se destinarem a todos
(trabalhadores no mercado formal cidadatildeos aptos ao trabalho mas desempregados e
cidadatildeos natildeo aptos ao trabalho) Por isso as poliacuteticas puacuteblicas atingem a totalidade dos
cidadatildeos conferindo-lhes tambeacutem poder de vocalizaccedilatildeo e emancipaccedilatildeo poliacutetica
Sabe-se que a lei por si soacute natildeo tem condiccedilotildees operacionais para materializar
direitos nela previstos sobretudo no tocante aos direitos sociais Tal materializaccedilatildeo daacute-se por
intermeacutedio das diferentes poliacuteticas puacuteblicas que decorrem da relaccedilatildeo de antagonismo e
reciprocidade ao mesmo tempo entre Estado e sociedade Nessa relaccedilatildeo um dos grandes
papeacuteis da sociedade consiste em exercer o controle democraacutetico sobre os atos e decisotildees
governamentais Essa eacute a verdadeira tarefa ciacutevica da sociedade no campo dos direitos de
cidadania social
Diante do exposto vecirc-se que o escopo da poliacutetica social eacute amplo e complexo
Extrapola os limites de uma disciplina (Sociologia Ciecircncia Poliacutetica Economia Serviccedilo
Social e outras) embora tambeacutem o seja Eacute tambeacutem um campo de atuaccedilatildeo e intervenccedilatildeo
interdisciplinar (apesar de natildeo ser uma profissatildeo) que congrega e se impotildee a todas as
disciplinas que tenham como objetivo a atenccedilatildeo a legiacutetimas demandas e necessidades
sociais Apesar de seu traccedilo interventivo e de seu conteuacutedo multidisciplinar pretende ser
saber cientiacutefico particular uma vez que sua accedilatildeo requer pesquisas e referecircncias teoacuterico-
conceituais bem definidos assim como indicadores sociais e econocircmicos de qualidade
56
Aleacutem disso ela possui uma dimensatildeo eacutetica que pelo menos em tese a obriga a
comprometer-se com o combate agraves iniquumlidades sociais Eacute por essa noccedilatildeo de poliacutetica social
e consequumlentemente de poliacutetica de assistecircncia social que este estudo se guia
14 Sobre a cidadaniademocracia ampliadas e liberdade positiva
Ao aprofundar os conceitos de cidadania e de democracia associados ao
conceito de liberdade positiva optou-se por adotar como referecircncia as perspectivas
ampliadas desses conceitos muitas das quais estatildeo previstas na Constituiccedilatildeo Federal
brasileira de 1988 (BRASIL 1988) Trata-se sem duacutevida de uma perspectiva otimista
mas natildeo isenta de posiccedilatildeo criacutetica e compromissada com os desafios contemporacircneos
Tal perspectiva exige a construccedilatildeo de uma linguagem social e poliacutetica que estabelece
horizontes possiacuteveis a complexas e inconclusas questotildees atuais Entende-se que a
histoacuteria pode ser reescrita mesmo que para isso se tenha que romper com poderes e
legados arcaicos revisitando a cultura as tradiccedilotildees e a literatura produzidas no proacuteprio
sistema capitalista em busca da conformaccedilatildeo de um Estado e de uma sociedade civil
que sejam capazes de organizar esses conceitos em outras bases de respeito agrave
dignidade e agrave humanidade dos cidadatildeos Uma boa estrateacutegia consiste em repensar as
condiccedilotildees de alteraccedilatildeo do lugar da pobreza e da desigualdade e suas implicaccedilotildees natildeo
mais como um efeito natural do atraso cultural eou da condiccedilatildeo de
subdesenvolvimento dos que as padecem A associaccedilatildeo da pobreza e da desigualdade
ao atraso soacutecio-econocircmico e cultural conduziu a cidadania ateacute mesmo no Brasil para o
campo de uma representaccedilatildeo simboacutelica que se impregnou no imaginaacuterio coletivo como
uma condiccedilatildeo inferior e subalterna (YAZBEK 1996)
As consequumlecircncias dessa representaccedilatildeo simboacutelica eacute bem retratada por Telles
(2001 p 9)
tenta-se aiacute desenhar os contornos de um horizonte simboacutelico que projeta a pobreza em uma espeacutecie de paisagem que incomoda a todos mas que tal como a natureza se estrutura fora e por fora da trama das relaccedilotildees sociais ndash um mundo sem autores e sem responsabilidades que parece transcorrer ao largo de um espaccedilo propriamente poliacutetico no qual os dramas da existecircncia satildeo ou podem ser figurados como questotildees que exigem o julgamento eacutetico a deliberaccedilatildeo poliacutetica e a accedilatildeo responsaacutevel
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Sem duacutevida argumenta Telles (2001) ao referir-se ao Brasil haacute muito para
se fazer em relaccedilatildeo agrave ldquosempre adiada superaccedilatildeo das vaacuterias incompletudes de sua histoacuteriardquo
(p 9) Sabe-se que para o mercado globalizado a pobreza entendida como a mais
perversa dessas incompletudes eacute vista como consequumlecircncia natural da modernidade No
entanto eacute preciso indagar a quem interessa essa modernidade que promove a
desconstruccedilatildeo dos direitos e das conquistas sociais deteriora as condiccedilotildees de vida e
trabalho de milhotildees de brasileiros e ainda tenta arrancar da histoacuteria qualquer
possibilidade de sua reformulaccedilatildeo Haacute que se concordar com Telles (2001) que reflete
sobre as questotildees apresentadas na conjugaccedilatildeo entre os legados da histoacuteria e os processos
em curso e que remetem a complexas relaccedilotildees entre o mundo social e o universo puacuteblico
dos direitos
E se essa questatildeo importa eacute porque eacute nesse lapso entre o mundo social e o universo puacuteblicondashproblema das mediaccedilotildees reais e simboacutelicasndashque se inscrevem os dilemas de uma cidadania ainda a ser conquistada e reinventada nos termos que o mundo contemporacircneo estaacute a exigirrdquo (TELLES 2001 p 11)
Segundo Paoli (apud YAZBEK 2001 p 133) ldquoa loacutegica contemporacircnea de
reproduccedilatildeo do capital subordinada a um mercado sem limites e sem fronteiras sociais
vem produzindo o caminho da irresponsabilidade globalrdquo construindo uma trama social
contiacutenua na qual ldquorompe-se com as regulaccedilotildees que bem ou mal ordenavam a
desigualdade constitutiva do capitalismordquo
Com estas digressotildees o que se quer realccedilar nesta tese eacute a ideacuteia de democracia e
cidadania ampliadas vinculada agrave concepccedilatildeo de homem como ser social e poliacutetico que deve
ser dotado de autonomia de poder de liberdade e de capacidade para tomar decisatildeo e fazer
escolhas Esta percepccedilatildeo remete aos conceitos de liberdade com igualdade e de justiccedila
redistributiva tanto por seu grau de universalidade como pela relaccedilatildeo de muacutetua
alimentaccedilatildeo de tais conceitos Na busca de superaccedilatildeo dos desafios agrave efetivaccedilatildeo da
cidadania e da democracia com justiccedila e equumlidade haacute que se levar em conta o caraacuteter
abrangente e transformador dessas categorias
A ideacuteia defendida neste trabalho eacute a de que categorias como justiccedila liberdade e
igualdade se associam a conquistas histoacutericas e a processos de construccedilatildeo permanente da
democracia e da cidadania Por isso demandam protagonismo dos cidadatildeos envolvidos na
consolidaccedilatildeo dos princiacutepios igualitaacuterios e democraacuteticos de largo espectro incluindo a vida
econocircmica e social
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Essa reflexatildeo parte do pressuposto de que a cidadania e a democracia natildeo se
sustentam em sociedades marcadas pela injusticcedila pobreza e desigualdade social o que
estaacute de acordo com o pensamento de Boroacuten (1999) para quem a democracia como
forma de organizaccedilatildeo do poder social no espaccedilo puacuteblico eacute inseparaacutevel da estrutura
econocircmico-social sobre a qual esse poder repousa Claro que essa perspectiva se choca
com a estrutura antidemocraacutetica da sociedade capitalista que define limites
intransponiacuteveis para a efetivaccedilatildeo da cidadania e da democracia cujo funcionamento se
torna incompatiacutevel com a loacutegica e os princiacutepios que orientam o mercado Nem por isso
deixa de basear-se no princiacutepio de que as pretensotildees de liberdade positiva (natildeo soacute de
escolha mas tambeacutem de accedilatildeo e de criacutetica) como igualdade e justiccedila satildeo inerentes a uma
ordem social e econocircmica democraacutetica e cidadatilde que se quer ver instituiacuteda Trata-se de
uma ordem na qual a democracia e a cidadania ampliadas sejam produto de todo o
desenvolvimento da civilizaccedilatildeo ocidental e na qual igualdade e liberdade ganhem
significado comum constituindo duas faces da mesma moeda Natildeo se trata portanto da
liberdade negativa negadora da participaccedilatildeo ativa do Estado no processo de satisfaccedilatildeo
de necessidades sociais (como entendem e defendem os neoliberais) mas da liberdade
positiva que nos termos de Plant (2002) exige e compromete o Estado nesse tipo de
participaccedilatildeo Em outras palavras trata-se de uma ordem democraacutetica em que o conceito
de igualdade soacute ganha significaccedilatildeo puacuteblica ao ser vinculado ao conceito de liberdade
positiva para todos
15 Sobre a justiccedila redistributiva e a equumlidade no contexto da democraia ampliada
Uma democracia ampliada e includente pressupotildee natildeo soacute a igualdade de
oportunidades mas tambeacutem de condiccedilotildees mediante a criaccedilatildeo de mecanismos eficazes de
democratizaccedilatildeo do acesso dos cidadatildeos a bens serviccedilos e direitos Somente a participaccedilatildeo
ativa na vida social permite a ampliaccedilatildeo da democracia e a praacutetica da justiccedila redistributiva
pautada na equumlidade (prover com mais a quem mais precisa) Trata-se assim da justiccedila
redistributiva do valor justificador da cidadania e da democracia Em um contexto de
mercado regido pela liberdade negativa tal justiccedila torna-se algo externo e alheio A
liberdade igualitaacuteria que postula direitos sociais universais eacute ao contraacuterio um requisito
essencial agrave instauraccedilatildeo da justiccedila redistributiva ou justiccedila social e ao fortalecimento dos
direitos individuais (civis e poliacuteticos) Eacute fato empiacuterico que o crescente processo de
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concentraccedilatildeo de renda compromete o funcionamento de regimes democraacuteticos Portanto a
construccedilatildeo de sociedades mais igualitaacuterias eacute providecircncia baacutesica para a instituiccedilatildeo de
relaccedilotildees sociais mais justas o que estaacute longe de ser observado em sociedades capitalistas
especialmente naquelas em que as iniquumlidades sociais prevalecem sobre a eqidade No
entanto mesmo nelas conquistas democraacuteticas satildeo possiacuteveis
Segundo Vieira (2001 p 227) ldquoa histoacuteria brasileira recente registra a
ocorrecircncia de ilhas democraacuteticasrdquo caracterizadas pela conquista e expansatildeo dos direitos de
cidadania com o protagonismo de setores da sociedade civil e de uma concepccedilatildeo de
dimensatildeo puacuteblica que extrapola a estatal Tambeacutem na Europa as mudanccedilas ocorridas na
conjuntura dos anos 1940 produziram aleacutem de uma significativa expansatildeo da cidadania
dos direitos universais e de poliacuteticas de pleno emprego uma democratizaccedilatildeo dos serviccedilos
sociais que influenciaram a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade As expectativas otimistas em
relaccedilatildeo agrave igualdade social pretendida apoacutes a Segunda Guerra Mundial foram motivadas
por crescente intervenccedilatildeo estatal nos mercados e por redefiniccedilotildees da relaccedilatildeo entre Estado e
cidadatildeos que resultaram em um crescente processo de socializaccedilatildeo de demandas
(BOROacuteN 1999) agrave medida que exigecircncias e necessidades sociais baacutesicas antes
consideradas privadas tornaram-se puacuteblicas Nesse contexto o debate sobre a provisatildeo
social estatal levou a uma radical redefiniccedilatildeo do papel dos Estados nacionais como
instacircncias reguladoras da provisatildeo social puacuteblica
No entanto esse processo inscreve-se em uma arena de conflitos As
conquistas histoacutericas no campo da democracia que superam o aspecto juriacutedico-formal satildeo
obras de histoacutericas lutas contra a dominaccedilatildeo do capital sobre o trabalho As contradiccedilotildees e
evidecircncias que o tema da incompatibilidade entre capitalismo cidadania democracia e
justiccedila social apresenta satildeo tatildeo complexas que natildeo comportam qualquer tentativa de
anaacutelise simplificadora Haacute que se analisar os nexos as muacuteltiplas determinaccedilotildees e as
mediaccedilotildees entre essas instacircncias Entende-se que somente por essa perspectiva a questatildeo
da pobreza e da desigualdade social tem possibilidades concretas de serem enfrentadas
Quando essa perspectiva ganhar materialidade histoacuterica certamente a pobreza e a
desigualdade teratildeo como meta possiacutevel a cidadania e a democracia Ainda mais importante
eacute que teraacute sido redefinido o lugar que essa perspectiva deveraacute ocupar no horizonte da
sociedade natildeo mais divorciada do real eou desvinculada da conquista da justiccedila e dos
direitos mas reconstruiacuteda social eacutetica e politicamente Pode-se afirmar que a praacutetica da
cidadania se faz agrave medida que representa as necessidades sociais no centro da dinacircmica
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poliacutetica moral e eacutetica da sociedade A construccedilatildeo dessa utopia somente seraacute possiacutevel por
meio das accedilotildees de sociedades criacuteticas atuantes e politizadas que tenham clareza de sua
forccedila poliacutetica e de seu papel histoacuterico
O certo eacute que as projeccedilotildees otimistas do liberalismo claacutessico anunciadas pelo
neoliberalismo em relaccedilatildeo ao desaparecimento futuro das desigualdades econocircmicas e
sociais da servidatildeo do trabalho assalariado da ameaccedila da fome e da reduccedilatildeo das distacircncias
entre ricos e pobres que segundo os neoliberais se diluiram com o passar do tempo natildeo se
concretizaram Em decorrecircncia uma indagaccedilatildeo impotildee-se vale a pena sacrificar a
cidadania e a democracia em favor da liberdade individual negativa e em defesa de um
modelo econocircmico que rompe com valores eacuteticos e sacrifica a dignidade humana
16 Sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana no marco do princiacutepio da universalizaccedilatildeo
de direitos
Este estudo buscou nos postulados da teoria marxista o suporte teoacuterico
considerado essencial agrave compreensatildeo da real contribuiccedilatildeo da emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana
no marco da universalizaccedilatildeo do princiacutepio de direitos Em A questatildeo judaica Marx (2002)
postula como necessaacuteria a emancipaccedilatildeo do homem aleacutem de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica embora
reconheccedila tambeacutem a sua importacircncia quando buscam identificar quem era o cidadatildeo burguecircs
no contexto alematildeo do seacuteculo XIX Para ele (2002) o homem faz parte do mundo da natureza
mas tambeacutem eacute um ser histoacuterico e social por isso ao nascer ele se torna herdeiro de todo o
patrimocircnio cultural da humanidade Eacute mediante a evoluccedilatildeo consequumlente desse seu pensamento
que Marx afirma na sua obra O capital (1983) que somente o reencontro com sua humanidade
perdida permitiraacute ao homem construir a ponte que o levaraacute do reino da necessidade ao reino da
liberdade (2002)14
Para Marx (2002 p 24-25) a emancipaccedilatildeo poliacutetica representa um grande
progresso e se refere a ela como ldquouma emancipaccedilatildeo real e praacuteticardquo Contudo a seu
14 Ao criticar as teses de Bruno Bauer (teoacutelogo alematildeo) sobre a antiacutetese entre judaiacutesmo e cristianismo em um contexto de debate sobre a emancipaccedilatildeo poliacutetica dos judeus em sua obra A questatildeo judaica Marx (2002) identificou na antiacutetese (ressaltada por Bauer) entre religiatildeo e Estado as contradiccedilotildees e equiacutevocos desse teoacutelogo Sobre o fato de Bauer indagar a que emancipaccedilatildeo os judeus alematildees aspiravam Marx (2002 p 17) argumenta que ldquonatildeo se trata de investigar apenas quem haacute de se emancipar e quem deve ser emancipado A criacutetica tem que indagar aleacutem disso outra coisa de que espeacutecie de emancipaccedilatildeo se trata apenas poliacutetica ou tambeacutem humana e quais as condiccedilotildees impliacutecitas da emancipaccedilatildeo a que se postulardquo
61
ver esse tipo de emancipaccedilatildeo natildeo implica necessariamente emancipaccedilatildeo humana
Esse eacute o seu limite
Na sociedade burguesa liberdade poliacutetica traduz-se no direito que o indiviacuteduo
tem de fazer tudo tendo como limite a formalidade da lei Trata-se de uma liberdade
individual (conteuacutedo dos direitos individuais) que constitui o fundamento da sociedade
burguesa isto eacute o direito de o indiviacuteduo desfrutar e dispor das conquistas individuais como
lhe conveacutem sem atender aos interesses coletivos dos demais homens Eacute o direito
denominado por Marx de interesse pessoal A sociedade burguesa a seu ver ldquofaz que todo
homem encontre noutros homens natildeo a realizaccedilatildeo de sua liberdade mas ao contraacuterio a
limitaccedilatildeo delardquo (Marx 2002 p 36) Na perspectiva da liberdade individual burguesa a
emancipaccedilatildeo poliacutetica torna-se a expressatildeo tatildeo somente da garantia dos direitos do homem
individual dissociado da vida em comunidade e de qualquer possibilidade de
universalizaccedilatildeo do acesso aos bens serviccedilos e agrave riqueza produzida socialmente Por isso
Marx (2002 p 42) eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquona maioria das vezes a emancipaccedilatildeo
poliacutetica eacute a reduccedilatildeo do mundo humano e das relaccedilotildees ao proacuteprio homem burguecircsrdquo
Adverte ademais que o problema real estaacute na relaccedilatildeo estabelecida entre emancipaccedilatildeo
poliacutetica e emancipaccedilatildeo humana afirmando que ldquoa emancipaccedilatildeo poliacutetica natildeo eacute o modo
radical e isento de contradiccedilotildees da emancipaccedilatildeo humanardquo (2002 p 20) O conteuacutedo da
participaccedilatildeo poliacutetica eacute a participaccedilatildeo do cidadatildeo na comunidade poliacutetica e no Estado uma
vez que a seu ver os direitos humanos tanto se inserem na categoria de liberdade poliacutetica
(dimensatildeo puacuteblica) como na categoria dos direitos civis (dimensatildeo privada) Por isso para
Marx (2002 p 42) ldquona base da emancipaccedilatildeo humana estatildeo as seguintes condiccedilotildees a
primeira quando o homem individual real recuperar em si o cidadatildeo abstrato e se
converter em um ser geneacuterico em seu trabalho individual e em suas relaccedilotildees a segunda
quando o homem tiver reconhecido e organizado suas proacuteprias forccedilas como forccedilas sociais
e a terceira quando o homem jaacute natildeo mais conseguir separar de si a forccedila social sob a
forma de forccedila poliacuteticardquo Diante do exposto torna-se mais compreensiacutevel o alerta que
Marx (2002) faz para que natildeo sejam confundidos meios poliacuteticos de emancipaccedilatildeo com
meios humanos de emancipaccedilatildeo por tratar-se no limite de questotildees pertinentes natildeo
opostas mas fundamentalmente diferentes embora inter-relacionadas
Indiscutivelmente o princiacutepio da universalizaccedilatildeo dos direitos eacute o que melhor
contempla o conceito marxiano de emancipaccedilatildeo humana que extrapola a emancipaccedilatildeo
poliacutetica do cidadatildeo a qual tem maior afinidade com o conceito de focalizaccedilatildeo neoliberal
62
tratado no proacuteximo item A emancipaccedilatildeo humana refere-se agrave universalizaccedilatildeo de um
princiacutepio com possibilidades concretas de natildeo discriminar estigmatizar e excluir cidadatildeos
pobres e de natildeo estabelecer criteacuterios de menor elegibilidade15 para a sua proteccedilatildeo Pereira
(2003 p 1) argumenta que ldquohaacute uma razatildeo histoacuterica fundamental para a adoccedilatildeo desse
princiacutepio que eacute o objetivo democraacutetico de natildeo discriminar cidadatildeos no seu acesso a bens e
serviccedilos que por serem puacuteblicos satildeo indivisiacuteveis e deveriam estar agrave disposiccedilatildeo de todosrdquo
Nesse sentido a seu ver a seletividade em vez de constituir um mecanismo de reduccedilatildeo de
gastos poderia ser uma medida que implicasse a identificaccedilatildeo de quem mais precisa para
melhor entendecirc-lo isto eacute o que ficou conhecido como discriminaccedilatildeo positiva
17 Sobre a focalizaccedilatildeo da poliacutetica social
Segundo Pereira (2003 p 1) ldquono centro do debate sobre a poliacutetica social estaacute a
velha questatildeo da antinomia entre os princiacutepios e objetivos universais e seletivosrdquo Do
enfrentamento dessa questatildeo podem resultar tendecircncias agrave universalidade e agrave
progressividade ou agrave seletividade focalizaccedilatildeo e residualidade no atendimento de
necessidades sociais
Contrapondo-se agrave universalizaccedilatildeo da poliacutetica social a focalizaccedilatildeo na pobreza
extrema afirma-se como principal medida neoliberal de racionalizaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos
e natildeo de atendimento eficiente e eficaz aos necessitados Por buscar atender aos mais
pobres dentre os pobres ou cidadatildeos em situaccedilatildeo de carecircncia extrema tal princiacutepio passa a
ser justificador da minimizaccedilatildeo do papel do Estado e do caraacuteter residual de suas accedilotildees na
aacuterea social ou em outros termos a aplicaccedilatildeo desse princiacutepio obedece mais agrave relaccedilatildeo
custo-benefiacutecio dos programas voltados para a pobreza do que agrave sua efetividade
Conforme Pereira (2003) no bojo desse procedimento retornam viacutecios arcaicos a
exemplo dos testes de meio (means tested) ou comprovaccedilotildees constrangedoras de pobreza da
fraudemania (mania de perceber fraude no trato com os pobres) das contrapartidas imperativas
e dos estigmas criados pelas discriminaccedilotildees negativas Esses procedimentos tecircm o objetivo
claro de excluir e reduzir ao maacuteximo as demandas por assistecircncia social ao focalizarem a
15 Com base em princiacutepio liberal a Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social _LOAS (Lei ndeg 8742 Brasil sancionada em 7 de dezembro de 1993) determina em seu artigo 20 (benefiacutecio de prestaccedilatildeo continuada_ BPC) e artigo 21 (benefiacutecios eventuais) que os beneficios sejam destinados a famiacutelias eou segmentos cuja renda mensal percapita seja inferior a frac14 do salaacuterio miacutenimo ou seja a Lei determina que um benefiacutecio social natildeo pode competir com o pior salaacuterio
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atenccedilatildeo nos miseraacuteveis o que afronta o princiacutepio da universalidade que defende a extensatildeo da
cidadania Por fim haacute que ressaltar a irracionalidade poliacutetica da focalizaccedilatildeo por fazer
aumentar a pobreza e as desigualdades sociais ao deixar no desamparo setores sociais
vulneraacuteveis que deixaram de ser focalizados
Diante dessas constataccedilotildees vale reconhecer que a questatildeo crucial da pobreza e
da desigualdade remete agrave questatildeo da redistribuiccedilatildeo de renda e de poder poliacutetico No Brasil
mesmo em conjunturas econocircmicas mais favoraacuteveis de acumulaccedilatildeo de riquezas a
distribuiccedilatildeo de renda piorou ou se manteve no mesmo patamar de anos anteriores Esse
dado confirma que o crescimento econocircmico sem justiccedila social e sem redistribuiccedilatildeo de
renda e poder natildeo reduz os iacutendices de pobreza e de desigualdade social ndash princiacutepio que os
neoliberais se recusam a incorporar em suas agendas Percebe-se tambeacutem que o fator
econocircmico embora seja referecircncia necessaacuteria eacute de teor instrumental teacutecnico e autoritaacuterio
porque imposto de cima para baixo Outros fatores ndash histoacutericos poliacuteticos eacuteticos e morais ndash
tecircm que ser levados em conta quando se trata de garantir direitos e qualidade de vida
humanos Por traacutes das medidas tecnicistas e instrumentais e dos esquemas focalistas de
proteccedilatildeo social estaacute a estrateacutegia do natildeo-enfrentamento de problemas estruturais gerados
historicamente pela ausecircncia de criteacuterios redistributivistas de poliacuteticas soacutecio-econocircmicas
Nesse quadro de incongruecircncias neoliberais cabe ressaltar efeitos perversos da
aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo a saber a) baixa efetividade e caraacuteter regressivo
(natildeo progressivo) das poliacuteticas sociais que se expressa na ausecircncia de prioridade poliacutetica e
de propostas inovadoras ndash que requerem poliacuteticas estruturais universalizadoras e
redistributivas ndash e nas justificativas de ausecircncia de recursos financeiros b) o
prevalecimento do pressuposto de que a estabilidade econocircmica eacute preacute-requisito da poliacutetica
social quando se sabe que o combate agrave pobreza e agrave desigualdade social natildeo pode estar
vinculado apenas ao volume agregado de recursos financeiros c) a ausecircncia da concepccedilatildeo
de que deve prevalecer uma cidadania articulada aos conceitos de justiccedila social
redistributiva liberdade positiva e igualdade de oportunidades e de condiccedilotildees Essas
questotildees natildeo podem ser reduzidas unicamente a programas econocircmicos de geraccedilatildeo de
emprego e renda eou a programas de transferecircncia de renda que se fundamentam na ideacuteia
de que cabe agrave economia determinar a cidadania Natildeo eacute possiacutevel equalizar oportunidades e
promover condiccedilotildees igualitaacuterias (falaacutecias do mercado) sem enfrentar a questatildeo da
redistribuiccedilatildeo de renda e de poder que tambeacutem depende do controle democraacutetico da
sociedade sobre atos e accedilotildees dos governos
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Portanto a aplicaccedilatildeo do princiacutepio da focalizaccedilatildeo na poliacutetica social torna-se
problemaacutetica por ater-se agrave funccedilatildeo distributiva dessa poliacutetica vinculada aos resultados de
uma poliacutetica econocircmica geradora de crescimento e por isso poupadora de recursos em
favor dos interesses do mercado Em decorrecircncia a distribuiccedilatildeo atinge apenas as sobras
orccedilamentaacuterias sem levar em conta a cidadania e a possibilidade de os pobres constituiacuterem-
se sujeitos de sua emancipaccedilatildeo poliacutetica e humana Esta eacute a razatildeo pela qual os neoliberais
natildeo enfrentam os compromissos redistributivos de renda e poder optando por satisfazer
apenas o direito agrave sobrevivecircncia mediante uma cidadania tutelada Assim com a
focalizaccedilatildeo natildeo se produz em condiccedilotildees igualitaacuterias de acesso a bens serviccedilos e direitos o
que conduz a uma realidade definida por Hobsbawm (1994) como barbaacuterie social
Atualmente apesar da defesa da globalizaccedilatildeo de direitos da economia do
desenvolvimento o que mais se globaliza sob a ingerecircncia neoliberal eacute a miseacuteria humana
reforccedilada por uma distribuiccedilatildeo injusta de recursos de condiccedilotildees de acesso e de
oportunidades que aumenta a pobreza e as desigualdades sociais natildeo soacute entre os paiacuteses
mas no interior de cada paiacutes Tanto o chamado localismo globalizado (padronizaccedilatildeo de
haacutebitos e costumes processo de massificaccedilatildeo de consumo) quanto o globalismo localizado
(extrativismo ecoloacutegico sob regulaccedilatildeo do capital internacional por exemplo na Amazocircnia)
satildeo expressotildees das relaccedilotildees de poder impostos pela globalizaccedilatildeo neoliberal hegemocircnica
mediante o chamado colonialismo cultural e epistemoloacutegico Nesse contexto a relaccedilatildeo do
Estado com a sociedade civil tem sido manipulada pelas agecircncias internacionais O atual
discurso valorizado eacute o de cunho econocircmico A fala valorizadora do social como
mediaccedilatildeo do direito quando expressa institucionalmente pelo Estado eacute minimizada
Experiecircncias comunitaacuterias foram institucionalizadas e suas lideranccedilas cooptadas com
salaacuterios altiacutessimos As ONGs de um modo geral assumiram o lugar dos movimentos
sociais16 e atuam livremente sem um efetivo controle democraacutetico da sociedade
Acentuou-se a precarizaccedilatildeo das relaccedilotildees de trabalho no campo com grande mobilizaccedilatildeo
para as aacutereas urbanas eou para os assentamentos agriacutecolas Os espaccedilos privados foram
invadidos gerando desagregaccedilatildeo familiar aumento do traacutefico e consumo de drogas (liacutecitas
e natildeo-liacutecitas) redefiniccedilatildeo eou desconstruccedilatildeo dos papeacuteis na ordem familiar deteriorizaccedilatildeo
de valores eacuteticos e morais aumento da violecircncia em suas muacuteltiplas expressotildees Uma
opressatildeo generalizada e difusa tornou-se cotidiana com a prevalecircncia de processos de
16 Ver em obra de Montantildeo (2002) anaacutelise criacutetica sobre o papel histoacuterico e a relaccedilatildeo estabelecida entre os movimentos sociais e as ONGs no Brasil a partir dos anos 19701980 em que pese o trabalho seacuterio de muitas ONGs que ainda atuam na perspectiva dos direitos sociais
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alienaccedilatildeo social e poliacutetica (heteronomia) Todas essas polecircmicas apresentam de forma
impliacutecita ou expliacutecita a ideacuteia de que os princiacutepios focalizadores neoliberais ao se
contraporem aos princiacutepios universalistas colocam como imperativo o enfrentamento do
espectro da concentraccedilatildeo de renda e de poder pela via da justiccedila redistributiva
18 Sobre a assistecircncia social na perspectiva neoliberal
Em consonacircncia com o princiacutepio da focalizaccedilatildeo aos neoliberais interessa no
que diz respeito agrave assistecircncia social o exerciacutecio da filantropia do voluntariado e da accedilatildeo
solidaacuteria como um dever moral (eou religioso) e natildeo ciacutevico natildeo como dever do Estado
Interessa-lhes tambeacutem a assistecircncia social informal e voluntaacuteria plural ou mista poreacutem
natildeo puacuteblica17 no trato da pobreza como um contraponto agrave assistecircncia puacuteblica Sua
exigecircncia eacute de que essas accedilotildees sociais natildeo transformem o Estado em refeacutem dos pobres
Nesses termos natildeo haacute lugar para a cidadania ampliada a democracia igualitaacuteria a justiccedila
redistributiva e a dimensatildeo puacuteblica da vida social Ademais como jaacute salientado as
poliacuteticas sociais subordinam-se agraves poliacuteticas econocircmicas O discurso passa a ser de ajustes
estruturais deacuteficit fiscal cortes em investimentos sociais crescimento do superaacutevit
primaacuterio dentre outros No reordenamento do capital internacional que redirecionou a
intervenccedilatildeo do Estado para o acircmbito da produccedilatildeo e do setor privado (perspectiva privatista
e minimalista) e minou as bases dos sistemas de proteccedilatildeo social puacuteblicos as questotildees de
conteuacutedo social foram transformadas em administrativas e passaram a ser tratadas
teacutecnicamente Conforme Telles (1998 p 15) ldquoa pobreza foi deslocada para o lugar da natildeo-
poliacuteticardquo o que significa ser considerada um fenocircmeno fora do mundo puacuteblico dissociado
dos foacuteruns democraacuteticos de representaccedilatildeo de negociaccedilatildeo da sociedade civil e de
mecanismos de controle democraacutetico Sem duacutevida a perspectiva neoliberal da natildeo-
cidadania destituiacuteda de caraacuteter puacuteblico estabelece em outras bases as relaccedilotildees entre
Estado e sociedade e entre as esferas puacuteblica e privada nas quais satildeo desconsideradas a
cidadania e a democracia ampliadas como condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave realizaccedilatildeo da justiccedila
social ou redistributiva
Com efeito no processo de esvaziamento e de privatizaccedilatildeo dos espaccedilos
puacuteblicos a relaccedilatildeo entre Estado e sociedade retorna aos padrotildees conservadores de
17 Ver Viana (2003) A assistecircncia social no contexto do pluralismo de bem-estar desinstitucionalizaccedilatildeo e conservadorismo Revista Ser Social Brasiacutelia n 12 p59-86 janeiro a junho de 2003
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dependecircncia e tutela o que significa romper com a relaccedilatildeo baseada em antagonismos eacute
verdade mas tambeacutem em reciprocidades dada a natureza contraditoacuteria dessa relaccedilatildeo
(IANNI 1986) Natildeo eacute difiacutecil perceber nas propostas regressivas e reducionistas
neoliberais a total indiferenccedila pelas poliacuteticas puacuteblicas concretizadoras de direitos de
cidadania social das quais a assistecircncia faz parte Em compensaccedilatildeo tais poliacuteticas passam a
ser administradas de forma residual e focalizada ou seja como compensaccedilatildeo dos
problemas criados pelo o mercado ou pelas limitaccedilotildees de uma proteccedilatildeo plural ou mista
poreacutem natildeo puacuteblica
19 Sobre a liberdade negativa e os direitos individuais (civis e poliacuteticos) defendidos
pelos neoliberais
Eacute exatamente como contraponto agrave ideacuteia progressista de cidadania ampliada
construiacuteda por cidadatildeos livres e emancipados do ponto de vista poliacutetico e humano que os
neoliberais postulam uma autonomia fundada no princiacutepio de liberdade negativa isto eacute
sem regulaccedilatildeo social 18 Por isso rechaccedilam a intervenccedilatildeo estatal como instacircncia legal e
legiacutetima de garantia de direitos Nesse sentido o conceito de liberdade restringe-se agrave sua
dimensatildeo juriacutedico-formal associada ao impeacuterio da lei ou melhor de acordo com a
perspectiva neoliberal natildeo eacute possiacutevel outra liberdade que natildeo seja a limitada pelas normas
legais que compotildeem o ordenamento juriacutedico de um paiacutes A noccedilatildeo de direito e de lei
portanto baseia-se em um marco normativo e em uma concepccedilatildeo de liberdade que protege
acima de tudo as esferas individuais de interferecircncias puacuteblicas
Sabe-se que Hayek (1990) foi o principal adepto dessa concepccedilatildeo de liberdade e
seus argumentos alicerccedilaram o ideaacuterio neoliberal Para esse autor o cerne do direito e
portanto da liberdade individual eacute o direito agrave propriedade privada e logicamente da liberdade
incondicional do mercado (PISOacuteN 1998) Em sua concepccedilatildeo no contexto do capitalismo os
conceitos de liberdade individual e de propriedade privada mantecircm estreita ligaccedilatildeo e devem ser
entendidos como elementos baacutesicos de uma sociedade de mercado livre Nesse sentido a
18 Nas democracias ocidentais os chamados direitos individuais ndash civis e poliacuteticos ndash satildeo reconhecidos como direitos de liberdade negativa (sob influecircncia de Kant) e como tal dispensam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado na esfera privada Os direitos individuais favorecem a liberdade de mercado e por isso satildeo aceitos pelos neoliberais Em contrapartida os direitos sociais satildeo reconhecidos como direitos de liberdade positiva e como tal reivindicam a intervenccedilatildeo e regulaccedilatildeo do Estado por intermeacutedio das poliacuteticas puacuteblicas Portanto em uma concepccedilatildeo progressista e dialeacutetica haacute uma inter-relaccedilatildeo entre todos os direitos natildeo havendo direitos sociais sem a garantia dos direitos individuais e vice-versa
67
liberdade na perspectiva liberal-burguesa natildeo eacute senatildeo o desfrute sem coaccedilatildeo de bens e
riquezas dos quais o indiviacuteduo eacute proprietaacuterio legal Essas ideacuteias tiveram (e ainda tecircm) notaacutevel
influecircncia sobre a criacutetica dos neoliberais ao Estado Social aos direitos sociais e agraves poliacuteticas
puacuteblicas Para Nozick (apud PISOacuteN 1998) neoliberal influente contemporacircneo de Hayek o
ponto de partida de sua teoria eacute uma vigorosa defesa dos direitos individuais (civis e poliacuteticos)
tidos como de caraacuteter inviolaacutevel e absoluto Em seus argumentos ele insiste no
reconhecimento legal do direito individual baacutesico agrave propriedade e o vincula a uma concepccedilatildeo
de justiccedila cujos princiacutepios devem estar a seu ver relacionados agraves leis e agrave eficaacutecia do mercado
Pisoacuten (1998) ao trazer para o debate a polecircmica posiccedilatildeo desses dois autores neoliberais afirma
tratar-se de uma teoria dos direitos que vincula uma determinada concepccedilatildeo de justiccedila agrave
supremacia do mercado Hayek (1990) e Nozick (apud PISOacuteN 1998) rechaccedilam a vigecircncia dos
direitos sociais por entenderem que eles implicam intromissatildeo intoleraacutevel do Estado na
economia e na liberdade individual elementos que constituem os fundamentos do liberalismo
claacutessico e da democracia de mercado Tambeacutem as poliacuteticas redistributivas satildeo alvo de duras
criacuteticas desses dois teoacutericos pois tais poliacuteticas justificam os direitos sociais e se inspiram em
princiacutepios de liberdade e justiccedila social com igualdade e equidade Para esses autores a poliacutetica
de distribuiccedilatildeo possiacutevel e mais justa a ser feita deve ser determinada pelos criteacuterios privatistas
do mercado e somente essa instacircncia (mercado) tem o mecanismo de distribuiccedilatildeo mais justo e
eficaz e portanto eacute identificado com uma suposta justiccedila individual (natildeo-redistributiva) Na
formulaccedilatildeo desses neoliberais haacute que deixar o mercado atuar livremente sem que o Estado
dite regras agrave economia Como questatildeo de fundo no panorama geral do pensamento neoliberal
os ataques aos direitos sociais e agraves poliacuteticas sociais puacuteblicas natildeo satildeo mais do que um corolaacuterio
de seu rechaccedilo ao Estado Social (PISOacuteN 1998)
Nessa perspectiva os direitos sociais como instrumentos justificadores da
atividade intervencionista do Estado Social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas satildeo
tambeacutem vistos como os impulsionadores das pressotildees que a burocracia estatal exerce
contra os cidadatildeos em suas liberdades individuais Hayek (apud PISOacuteN 1998)
argumenta ainda com expressiva ironia que a justiccedila social invocada para justificar a
atuaccedilatildeo intervencionista e positiva do Estado de Bem-estar natildeo eacute senatildeo uma mera
supersticcedilatildeo pseudo-religiosa constituindo-se em uma ameaccedila aos valores individuais
essenciais a seu ver agrave civilizaccedilatildeo e agrave modernidade Em vista disso afirma
categoricamente que a justiccedila social eacute uma fraude por pretender alterar os desiacutegnios do
que ele denomina de ordem espontacircnea (relaccedilatildeo entre sociedade e mercado) da vida social
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Para ele essa ordem espontacircnea eacute resultado de um processo evolutivo cujos efeitos (como
a pobreza e a desigualdade social) satildeo uma consequumlecircncia natural do livre jogo das forccedilas
mercantis e portanto inerentes ao dinamismo da vida em sociedade Por conseguinte
argumenta que os direitos sociais satildeo produto de um engano porque a crenccedila na existecircncia
de algo vago que se chama justiccedila social a seu ver constitui uma ameaccedila permanente agrave
liberdade individual Assim tanto Hayek (1990) como Nozick (apud PISOacuteN 1998)
reafirmam seu descompromisso com a democracia e a cidadania ampliadas chegando a
ponto de afirmar ndash em uma clara distorccedilatildeo do conceito de justiccedila social redistributiva ndash
que quando o Estado interveacutem em favor de interesses outros que natildeo os do mercado aiacute
sim eacute que se comete um ato de injusticcedila Ao expor esses argumentos os referidos autores
objetivam chamar a atenccedilatildeo para a centralidade de um debate histoacuterico e contemporacircneo
mas nem sempre expliacutecito que tem como questatildeo central as restriccedilotildees impostas agrave extensatildeo
da democracia e da cidadania social mediante o natildeo-reconhecimento dos direitos sociais
como direitos genuiacutenos Esses argumentos estatildeo fundamentados em outra loacutegica a que vecirc
na intervenccedilatildeo do Estado um caminho para a servidatildeo dos indiviacuteduos e do mercado tendo
em Hayek (1990) o seu mentor e precursor (PISOacuteN 1998)
Outro argumento neoliberal eacute o de que a garantia de bens e serviccedilos sociais
mediante poliacuteticas puacuteblicas afianccediladas pelo Estado impede o crescimento da economia e
por extensatildeo o processo de acumulaccedilatildeo de riqueza eacute tambeacutem defensor da tese naturalista
de que as desigualdades sociais quando natildeo excessivas ou intoleraacuteveis tornam-se uacuteteis ao
crescimento da economia beneficiando a todos (PEREIRA 2001) Ainda segundo Hayek
(1990) as desigualdades sociais permitem de um lado uma taxa de poupanccedila maior pois
satildeo as classes mais abastadas que de fato poupam incentivando assim a expansatildeo dos
investimentos e tornando esse mecanismo de seleccedilatildeo natural gerador de maior crescimento
econocircmico E por outro lado as desigualdades sociais cumprem a seu ver o papel de
estimular os pobres a trabalhar mais e melhor Para os neolberais a loacutegica dos direitos natildeo
se contrapotildee agrave loacutegica do mercado e nem se mostra tatildeo perniciosa por confiscar a riqueza
dos mais afortunados aleacutem de evitar o prolongamento da cultura da dependecircncia dos
pobres agrave proteccedilatildeo social puacuteblica
Em contraposiccedilatildeo a esses argumentos entende-se nesta tese que a relaccedilatildeo
direta dos direitos sociais com a satisfaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas cujo
atendimento remete ao compromisso e agrave responsabilidade do Estado pela implementaccedilatildeo
de poliacuteticas puacuteblicas deve ser debatida e reconhecida como central e relevante Pereira
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(2001) ao comentar Pisoacuten (1998) afirma que ao privilegiar os direitos sociais no conjunto
da cidadania e reconhecer as necessidades humanas como ponto de partida e de chegada de
um efetivo comprometimento puacuteblico Pisoacuten (1998) reconhece que os direitos sociais
extrapolam um constructo normativo abstrato (aspecto legal) e rejeita o individualismo
bem como o sentido negativo impliacutecito no conceito neoliberal de liberdade Para Pereira
(2001 p 242-243)
os direitos sociais natildeo devem visar apenas agrave prestaccedilatildeo de benefiacutecios e serviccedilos como dever do Estado e direito de creacutedito do cidadatildeo mas principalmente agrave remoccedilatildeo de obstaacuteculos ao exerciacutecio concreto da liberdade dotando-se dessa forma a liberdade formal e abstrata (contida nas leis) de sentido material
Com efeito Pisoacuten (1998)19 argumenta que os direitos sociais remetem ao que
ele denomina de liberdade real que se traduz na capacidade de accedilatildeo do Estado Social de
atender agraves necessidades dos cidadatildeos tendo em vista o seu bem-estar Para ele sem a
satisfaccedilatildeo das necessidades reais dos homens natildeo haacute liberdade e nem o exerciacutecio de uma
cidadania social de forma substantiva e ampliada
O certo eacute que a estrateacutegia utilizada pelos neoliberais de criar uma nova
mentalidade cultural e poliacutetica contraacuteria agrave cultura dos direitos deu resultados e ganhou
adesotildees porque penetrou fundo no chatildeo das crenccedilas populares em busca de um consenso
Sem duacutevida com essa estrateacutegia efetivou-se uma combinaccedilatildeo perfeita entre crenccedilas e senso
comum com teorias e ideologias defensoras da eficiecircncia e eficaacutecia dos interesses do capital
Parafraseando Gramsci (apud BOROacuteN 1999 p 11) ldquotais teorias e ideologias adquiriram a
solidez das crenccedilas populares travando com ecircxito uma batalha pela hegemonia no seio da
sociedade civilrdquo Concretizaram-se assim ganhando materialidade histoacuterica o que Gramsci
chamou de ldquoproposiccedilatildeo da filosofia da praacutexis como sendo aquela que sustenta que as crenccedilas
populares tecircm a validade das forccedilas materiaisrdquo (apud BOROacuteN 1999 p 11)
O pensamento criacutetico de Gramsci demonstra atualidade e compromissao com
os desafios da modernidade e ganha maior visibilidade histoacuterica no estaacutegio atual de
desenvolvimento do capitalismo essencialmente marcado por processos de exclusatildeo
social antagonismos de classes e de desigualdades sociais em que se estimula o
19 Pison (1998) apresenta uma argumentaccedilatildeo consistente sobre os direitos sociais e por isso tornou-se objeto de interesse deste estudo natildeo obstante esse autor adotar algumas posiccedilotildees teoacutericas polecircmicas que do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico tendem a uma abordagem funcionalista gerando uma tensatildeo teoacuterica em particular na anaacutelise que faz sobre os fenocircmenos sociais que natildeo satildeo analisados como resultantes das contradiccedilotildees de uma determinada loacutegica (capitalista) e portanto natildeo implicam rupturas radicais
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dinamismo da economia em detrimento do desenvolvimento social Nesse contexto cria-
se um quadro aparente e ilusoacuterio de ascensatildeo social entre as classes sociais pauperizadas
excluiacutedas dos processos garantidores da cidadania social Sobre o emprego da expressatildeo
catarse (cartasis) e do conceito de filosofia da praacutexis categorias reconhecidas como
siacutentese de seu projeto Gramsci (1995 p 53) argumenta
A estrtuura da forccedila exterior que subjuga o homem assimilando-o e o tornando passivo transforma-se em meio de liberdade em instrumento para criar um nova forma eacutetico-poliacutetica em fonte de novas iniciativas A fixaccedilatildeo do momento cataacutertico torna-se assim toda a filosofia da praacutexis o processo cataacutertico coincide com a cadeia de siacutenteses que resultam do desenvolvimento dialeacutetico
Assim estrategicamente o ideaacuterio neoliberal foi sendo absorvido e
incorporado agraves crenccedilas populares ganhando tambeacutem a adesatildeo de governantes e de
segmentos expressivos da sociedade civil Em consequumlecircncia dessa estrateacutegia de
esvaziamento das esferas puacuteblicas e de destituiccedilatildeo de direitos haacute sociedades cada vez mais
passivas injustas pobres e desiguais
CAPIacuteTULO II
O ESTADO SOCIAL RUMO AO PLURALISMO DE BEM-ESTAR
21 Traccedilos do Estado Social no contexto europeu das origens ao periacuteodo apoacutes a
Segunda Guerra Mundial
Haacute uma variedade de experiecircncias de proteccedilatildeo social e de formas de bem-estar
implementadas nos paiacuteses do Ocidente com padrotildees e alcances diferenciados bem como
explicaccedilotildees soacutecio-econocircmicas e poliacuteticas diversas A ideacuteia de que o Estado de Bem-estar ndash
Welfare State20 ndash eacute um fenocircmeno britacircnico uniacutevoco e exclusivo se mostrou um equiacutevoco
Confirmou-se na histoacuteria que dada a sua gecircnese capitalista e a diversidade poliacutetico-
econocircmica e soacutecio-cultural existente nos diversos paiacuteses haacute diferentes configuraccedilotildees de
Estado de Bem-estar que foram se consolidando com caracteriacutesticas proacuteprias
A primeira experiecircncia de Estado de Bem-estar surgiu na Europa nos fins do
seacuteculo XIX no contexto de afirmaccedilatildeo da sociedade industrial capitalista na Inglaterra e se
consolidou no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra nos anos 1940 O Welfare State portanto natildeo
se constituiu em uma instituiccedilatildeo tipicamente britacircnica embora tenha sido criado naquele paiacutes
em circunstacircncias uacutenicas Sua evoluccedilatildeo deu-se mediante um processo contiacutenuo ganhando
gradativamente a adesatildeo de outros paiacuteses da Europa e posteriormente dos EUA Para
Marshall (apud JOHNSON 1990) o Estado de Bem-estar natildeo chegou de suacutebito Muitos de
seus benefiacutecios e serviccedilos desenvolveram-se ao longo de extensos periacuteodos Suas bases e
princiacutepios foram sendo construiacutedos no decorrer de seis deacutecadas anteriores agrave Segunda Guerra
Mundial Constatou-se que suas causas foram tanto econocircmicas quanto sociais e poliacuteticas
em que pese em sua gecircnese terem prevalecido razotildees de iacutendole poliacutetica (LARA 1991) Na
verdade de 1883 (final do seacuteculo XIX) ateacute 1915 conforme o que aponta a Legislaccedilatildeo social
do periacuteodo o Estado Social natildeo foi mais que um experimento
Egrave interessante constatar que no processo de formaccedilatildeo do Estado Social no
seacuteculo XIX haacute registros informando a existecircncia de reflexotildees teoacutericas a respeito de injusticcedilas
20 Para Marshall (1963 apud Johnson 1990 p 18) o Estado de Bem-Estar britacircnico (Welfare State) foi tambeacutem o produto de uma explosatildeo de forccedilas que fruto da histoacuteria fez surgir a excepcional experiecircncia britacircnica na guerra e na transiccedilatildeo a um estado de paz
72
sociais decorrentes da ordem liberal (liberalismo claacutessico influenciado por Locke) No
periacuteodo denominado de entreguerras (1914-1940) deu-se iniacutecio a algumas tiacutemidas reformas
sociais impulsionadas pelos trabalhadores diretamente ou em colaboraccedilatildeo com outras forccedilas
poliacuteticas emergentes da Revoluccedilatildeo Industrial Isso porque ainda natildeo se havia formado um
suficiente consenso sobre a necessidade de um Estado Social ateacute porque as circunstacircncias
poliacuteticas e econocircmicas ainda natildeo permitiam sua viabilidade Poucos consideravam que a
intervenccedilatildeo estatal fosse economicamente conveniente e viaacutevel
De fato quando se observam os seguros sociais existentes ateacute 1915 em paiacuteses
da Europa dentre os quais alguns da Europa do Sul (Itaacutelia Franccedila) jaacute se percebe uma
flexibilidade na Legislaccedilatildeo que regulava as subvenccedilotildees vinculadas aos seguros de caraacuteter
voluntaacuterio Tambeacutem no campo dos seguros contra acidentes de trabalho jaacute se percebiam
criteacuterios mais flexiacuteveis sobre o envolvimento e a responsabilidade civil das empresas
industriais (Franccedila e Sueacutecia) especialmente em relaccedilatildeo ao trabalhador acidentado com
ampliaccedilatildeo desse seguro trabalhista de caraacuteter obrigatoacuterio para algumas categorias (Reino
Unido) Contudo havia condicionalidades claras sobre o perfil dos trabalhadores que
faziam jus agrave obrigatoriedade do seguro (Alemanha Itaacutelia e Suiacuteccedila) e apenas nestes paiacuteses
esse seguro tinha caraacuteter obrigatoacuterio Jaacute em relaccedilatildeo ao seguro desemprego com exceccedilatildeo do
Reino Unido havia prevalecircncia de uma prestaccedilatildeo ainda natildeo assegurada aos trabalhadores
Ainda no citado periacuteodo (1915) Suiacuteccedila (37) e Reino Unido (363) satildeo paiacuteses que se
destacam em relaccedilatildeo aos iacutendices relativos agrave populaccedilatildeo assegurada como demonstram os
quadros 1 e 2 a seguir
Quadro 1 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros voluntaacuterios estabelecidos no periacuteodo
1883-191521
Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho
Seguros de enfermidade
Seguros de velhice
Seguros de desemprego
da populaccedilatildeo assegurada
em 1915
Franccedila 1898 reconhecimento da responsabilidade civil
1898 aprovaccedillatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio
1895
aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio
() 115
Itaacutelia () 1886
aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio
1898
aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo ao seguro voluntaacuterio
() 48
Sueacutecia 1901
reconhecimento da responsabilidade civil de
1891
aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do
() () 108
21 NR Originalmente os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos de ALBER Dalla Caritaacute allo Stato Sociale e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 apud LARA (1991pp 270-274) Taduccedilatildeo livre da autora desta tese
73
Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho
Seguros de enfermidade
Seguros de velhice
Seguros de desemprego
da populaccedilatildeo assegurada
em 1915
determinadas empresas industriais
seguro voluntaacuterio
Reino Unido 1897 a
Workmenrsquos
Compensation-Act reconheceu os seguros para determinadas empresas O trabalhador acidentado teria direito ao seguro sem apresentar prova de negligecircncia 1906 a Workmenrsquos Compesation-Act ampliou este seguro a profissocirces ateacute entatildeo excluiacutedas desse benefiacutecio
() () () 363
Suiccedila () 1911
aprovaccedilatildeo da subvenccedilatildeo do seguro voluntaacuterio
() () 370
() Prestaccedilatildeo nacirco assegurada () O seguro contra esta contingecircncia eacute de caraacutecter obrigatoacuterio
Quadro 2 Resumo das caracteriacutesticas dos seguros obrigatoacuterios estabelecidos no periacuteodo
1883-191522
Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho
Seguros de enfermidade
Seguros de velhice
Seguro de desemprego
Populaccedilatildeo assegurada em 1915
Alemanha 1884 Implantaccedilatildeo da obrigatoriedade para os trabalhadores e empregados de empresas selecionadas que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda
1883
o
seguro cobria trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado nIacutevel de renda 1911extensatildeo do seguro aos trabalhadores agriacutecolas
1889Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda
() 428
Itaacutelia 1902
Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para os trabalhadores da induacutestria com limites de renda
1901 O seguro cobria trabalhadores da induacutestria que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda
1911 Implantaccedilatildeo de obrigatoriedade para trabalhadores e empregados que natildeo superassem um determinado niacutevel de renda
()
Sueacutecia () () 1913 A prestaccedilatildeo de serviccedilos agrave velhice possuia um caraacuteter assistencial
() 108
Suiccedila 1911
Estabelecimento de obrigatoriedade em determinadas empresas
() () () 370
22 Fonte Os dados que figuram nesse quadro foram recolhidos por Lara (1991 p 270-274) de ALBER Dalla Caridade do Estado Social e de KOHOLER y ZACHER Um seacuteculo de seguridade social 1881-1981 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese
74
Paiacutes Seguros contra
acidentes de trabalho Seguros de
enfermidade Seguros de
velhice Seguro de
desemprego
Populaccedilatildeo assegurada em 1915
industriais
Reino Unido () 1911
O seguro
cobria aos trabalhadores que nacirco superassem um determinado niacutevel de renda
1908
neste ano
aprovou-se a Old Age Pension Act O seguro estava condicionado a um determinado niacutevel de renda e era financiado pelo Estado
1911 criaccedilatildeo do seguro de desemprego para determinadas induacutestrias
360
() Prestaccedilacirco nacirco - assegurada () O seguro contra essa contingecircncia eacute de caraacuteter voluntaacuterio
Ademais a cobertura social estava limitada a alguns segmentos sociais Ateacute
mesmo a incipiente legislaccedilatildeo social alematilde que inaugurou o primeiro sistema de
seguridade social sob o governo de Bismarck em 1883 se deveu mais agrave iniciativa da elite
econocircmica no poder motivada pelo desejo de legitimaccedilatildeo poliacutetica ante a mobilizaccedilatildeo da
classe trabalhadora do que ao propoacutesito de correccedilatildeo das injusticcedilas sociais eou de garantias
de direitos sociais
Naquele contexto as circunstacircncias sociais criadas pelo capitalismo exigiam
medidas de estabilidade poliacutetica tanto que estudos informam que se produziu uma
abundante legislaccedilatildeo trabalhista em todos os paiacuteses da Europa ao final do seacuteculo XIX e
iniacutecio do seacuteculo XX O objetivo de tal legislaccedilatildeo era facilitar a conciliaccedilatildeo dos
conflitos gerados pela relaccedilatildeo capital e trabalho garantindo de um lado a expansatildeo do
capitalismo e de outro a melhoria do status do trabalhador As causas portanto eram
de natureza poliacutetica
A legislaccedilatildeo social existente em grande parte dos paiacuteses europeus a partir dos
anos 1940 ateacute os anos 1970 (LARA 1991) revela preocupaccedilotildees do Estado Social com a
extensatildeo da provisatildeo social na perspectiva de uma seguridade social puacuteblica que requer a
implantaccedilatildeo dos seguros sociais obrigatoacuterios acidentes de trabalho enfermidade velhice
desemprego como demonstra o quadro 3
75
Quadro 3 Principais leis sobre seguros sociais aprovadas desde l941 ateacute princiacutepios de
1970 em onze paiacuteses europeus23
Paiacutes Seguros contra acidentes de trabalho
Seguros de enfermidade
Seguros de velhice
Seguros de desemprego
Aacuteustria 1952 estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para trabalhadores autocircnomos Ficaram entatildeo cobertos todos os trabalhadores
1941
extensatildeo da
assistecircncia obrigatoacuteria aos familiares dos trabalhadores assegurados 1966 estabelecimento do seguro para trabalhadores autocircnomos da induacutestria
1957
estabelecimento
de seguro para os trabalhadores autocircnomos na induacutestria e comeacutercio 1970 extensatildeo da cobertura do seguro para os agricultores
1949
extensatildeo do
seguro aos agricultores
Dinamarca () 1971
implantaccedilatildeo de um seguro nacional
1956 a
Lei de Seguro Nacional estabeleceu uma pensatildeo universal 1964 introduccedilatildeo de pensotildees complementares em razatildeo do salaacuterio
Franccedila 1946
estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores dependentes
1942
estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os assalariados sem limite de renda Em 1961 ampliou-se a cobertura desse seguro aos agricultores e em 1966 aos trabalhadores autocircnomos natildeo agriacutecolas
1942
aboliccediloes de limitaccedilocirces de renda 1948 Ampliaccedilatildeo do seguro aos profissionais liberais e a outros trabalhadores autocircnomos 1952 extensatildeo do seguro aos agricultores
Pelo Decreto de 1959 o Estado sancionou o acordo negociado pelos trabalhadores e empresaacuterios sobre o seguro de desemprego A Lei de 1967 reconheceu efeitos legais a esse sistema
Itaacutelia 1956
estabelecimento do seguro para determinadas categorias de trabalhadores autocircnomos
1943
estabelecimento do seguro obrigatoacuterio para os trabalhadores e empregados da induacutestria
1954 ampliaccedilatildeo do seguro aos agricultores
1959
supressatildeo de limites de rendas para os trabalhadores e empregados
1949
extensatildeo do seguro aos agricultores
Reino Unido 1946
implantaccedilatildeo da seguridade obrigatoacuteria generalizada
1946
implantaccedilatildeo do seguro nacional
1946 implantaccedilatildeo do seguro nacional 1957 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em proporccedilatildeo agrave renda
1946
implantaccedilatildeo de uma pensatildeo uniforme 1966 introduccedilatildeo de subsiacutedios suplementares em funccedilatildeo do salaacuterio
Sueacutecia () 1955
introduccedilatildeo do seguro nacional
1946
ntroduccedilatildeo da pensatildeo universal uniforme 1959 introduccedilatildeo de pensocirces suplementares e obrigatoacuterias agrave baacutesica em relaccedilatildeo agrave renda
Fonte LARA 1991 p 270 - 274
Poreacutem foi no periacuteodo apoacutes o final da Segunda Guerra Mundial que o Welfare
State se consolidou com a ampliaccedilatildeo da provisatildeo estatal e extensatildeo dos serviccedilos sociais
Desde entatildeo a ideacuteia de um Estado socialmente intervencionista passou a ganhar adeptos e
adquirir expressatildeo real Ganhou visibilidade a ideacuteia de que os conceitos de liberdade e de
23 Obs Dados originais de ALBER Dalla Careitagrave e de quadros comparativos dos regimes de seguridade social Ministeacuterio de Trabalho e Seguridade Social (MTSS) Madri 1982 Traduccedilatildeo livre da autora desta tese
76
democracia liberal natildeo passavam de uma ficccedilatildeo se natildeo estivessem apoiados no conceito de
igualdade material e natildeo apenas de oportunidade ou perante a lei Tambeacutem foi ganhando
legitimidade a ideacuteia de que as injusticcedilas sociais poderiam ser corrigidas no marco mesmo
do modo de produccedilatildeo capitalista Para tanto tornava-se imprescindiacutevel a intervenccedilatildeo do
Estado na economia
O ecircxito do Estado Social passou a depender do consenso que alcanccedilava
progressivamente Segundo Lara (1991) foi necessaacuterio esperar os anos posteriores a
1940 para que as poliacuteticas sociais superassem a fase experimental e tivessem
resultados mais concretos em conexatildeo com as poliacuteticas econocircmicas (p 439) A
satisfaccedilatildeo das demandas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial deve-se
portanto a uma conjuntura econocircmica especial e particularmente agraves medidas sociais
adotadas para evitar uma crise maior do capitalismo Assim eacute possiacutevel afirmar que as
origens do Estado Social foram sendo determinadas natildeo tanto por circunstacircncias
econocircmicas mas muito mais por exigecircncias poliacuteticas Nesse periacuteodo os seguros sociais
(antes voluntaacuterios) evoluiacuteram tornando-se obrigatoacuterios e estenderam sua cobertura
social na medida que foram suprimidos os limites que condicionavam o acesso a eles
As diretrizes do Informe Beveridge de 194224 ancoradas nas teorias econocircmicas
keynesianas a partir de 1930 tiveram importacircncia essencial como motor das
mudanccedilas assim como o crescimento do poder de pressatildeo poliacutetica e da organizaccedilatildeo da
classe trabalhadora A partir dos anos 1940 o Estado Social adquiriu caraacuteter especiacutefico
e se diferenciou substantivamente do Estado Liberal Indiscutivelmente a teoria
econocircmica de Keynes constituiu elemento essencial para a consolidaccedilatildeo do Estado
Social porquanto justificou e propiciou a ampliaccedilatildeo do seu intervencionismo Baseadas
nas ideacuteias de Keynes e Beveridge as poliacuteticas sociais superaram o lugar secundaacuterio que
ateacute entatildeo se encontravam E para chegar agrave significaccedilatildeo que alcanccedilaram depois da
Segunda Guerra Mundial foi imprescindiacutevel que se alterassem os criteacuterios econocircmicos
e sociais ateacute entatildeo vigentes
24 Beveridge ao elaborar seu plano apresentado ao Parlamento Britacircnico em novembro de 1942 criou um suporte teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do Sistema de Seguridade Social inglecircs Agrave eacutepoca (1941) Beveridge recebeu nomeaccedilatildeo do governo britacircnico para presidir a Comissatildeo Interministerial de Seguro Social e Serviccedilos Afins Realizou um diagnoacutestico da situaccedilatildeo social britacircnica concluindo que a superaccedilatildeo da condiccedilatildeo de miseacuteria e de pobreza passava pela redistribuiccedilatildeo da renda e por uma melhor adequaccedilatildeo desta agraves necessidades das famiacutelias Daiacute que no acircmbito das poliacuteticas de seguro obrigatoacuterio buscou-se ampliar a cobertura de riscos aumentar as taxas de benefiacutecios bem como estender o seu alcance aos segmentos excluiacutedos a partir de transferecircncias redistributivas de rendas pela via fiscal Rompeu-se assim com a versatildeo de seguridade social identificada como padratildeo ocupacional bismarckiano cujo acesso agrave renda estava condicionada agrave contribuiccedilatildeo direta pelo trabalhador
77
Keynes defendia medidas orientadas agrave redistribuiccedilatildeo dos recursos financeiros
de forma a aumentar a propensatildeo ao consumo que por sua vez iriam favorecer o
crescimento do capital A ideacuteia de que a crise econocircmica poderia superar-se mediante a
reativaccedilatildeo da demanda por consumo permitiu compatibilizar a ideacuteia de bem-estar social
com os princiacutepios da acumulaccedilatildeo capitalista A convicccedilatildeo de Keynes sobre a incapacidade
dos mecanismos auto-reguladores do mercado para resolverem a crise foram as razotildees que
o induziram a formular suas propostas de poliacuteticas macroeconocircmicas inspiradas em
princiacutepios intervencionistas Tais propostas influenciaram o desenvolvimento dos serviccedilos
sociais puacuteblicos favorecendo a capacidade de consumo
Em 1942 o Informe Beveridge apresentou novas teacutecnicas baseadas em sistemas
de seguridade social que implicaram diferenccedilas qualitativas em relaccedilatildeo aos seguros sociais
existentes ateacute entatildeo Beveridge promoveu uma ruptura decisiva com a ideologia liberal
(liberalismo claacutessico) ao responsabilizar diretamente o Estado Social pela seguranccedila e
proteccedilatildeo social dos cidadatildeos baseando-se na solidariedade coletiva de forma que a satisfaccedilatildeo
das necessidades sociais passou a recair sobre toda a parte ativa da populaccedilatildeo ou seja a
coletividade se apresentou como a responsaacutevel pelo bem-estar de todos
A esse respeito tornou-se ceacutelebre a afirmaccedilatildeo de Winston Churchill ao
referir-se ao Informe Beveridge (1942) ldquoun seguro nacional obrigatorio para todas las
clases y para todos los propoacutesitos desde la cuna hasta la sepulturardquo (TIMMINS 2001 p
66) O plano de Beveridge superou o conceito dominante de seguros sociais tanto porque
se tratava de um projeto completo de seguros e benefiacutecios como pela ampliaccedilatildeo da
cobertura social que previu Ele definiu e organizou o seguro social obrigatoacuterio com um
miacutenimo de recursos financeiros que o Estado deveria garantir a todas as pessoas e
propocircs a criaccedilatildeo de mecanismos que tendessem agrave universalidade colocando em praacutetica
direitos contidos nos textos constitucionais A partir de entatildeo a tendecircncia agrave
universalizaccedilatildeo de acesso aos bens e serviccedilos sociais passou a ser um traccedilo comum de
todos os sistemas de seguridade social europeus ateacute mesmo naqueles paiacuteses que natildeo
implantaram o modelo anglo-saxatildeo
Foram essas as razotildees que passaram a justificar e a marcar o iniacutecio de uma
nova etapa na evoluccedilatildeo do Estado Social Haacute que se destacar ainda como um dos
elementos centrais dessa evoluccedilatildeo a necessidade de coordenaccedilatildeo do crescimento
econocircmico com o desenvolvimento social ndash um difiacutecil desafio que se estende agrave
contemporaneidade Naquela conjuntura chegou-se agrave conclusatildeo de que o crescimento
78
econocircmico era interdependente do desenvolvimento social Um outro traccedilo inovador desse
periacuteodo que deriva da coordenaccedilatildeo do crescimento econocircmico com os objetivos sociais eacute
que as poliacuteticas sociais adquiriram caraacuteter geneacuterico e natildeo setorial como se apresentavam
no periacuteodo em que o Estado Social natildeo passava de um experimento Desde entatildeo passou-
se a determinar a garantia de um miacutenimo de renda como direito e natildeo mais como
benemerecircncia ou caridade puacuteblica ou privada Foi esse marco soacutecio-econocircmico que
propiciou a extensatildeo qualitativa e quantitativa dos gastos sociais Na deacutecada de 1960 o
crescimento econocircmico do capitalismo foi contiacutenuo e salvo escassas exceccedilotildees as taxas
relativas demonstram que os gastos sociais cresceram a um ritmo superior ao do PIB
nacional Daiacute poder-se afirmar que os fundamentos sobre os quais se assenta a extensatildeo
das poliacuteticas sociais a partir da Segunda Guerra Mundial satildeo tatildeo distintos dos conceitos
de benemerecircncia quanto de poliacuteticas liberais Aleacutem disso as duas grandes guerras
demonstraram que a inseguranccedila econocircmica era um risco coletivo que ameaccedilava a
cidadania social e afetava a todas as classes sociais
Para Lara (1991) o Estado Social apresentou-se como uma via intermediaacuteria entre
o liberalismo econocircmico claacutessico o comunismo e a social democracia As poliacuteticas elaboradas
apoacutes a Segunda Guerra Mundial programaram dentre seus objetivos o crescimento
econocircmico e o bem-estar como meio de obtenccedilatildeo da estabilidade poliacutetica e social
No entanto nos anos de 1970 as poliacuteticas macroeconocircmicas de orientaccedilatildeo
keynesiana comeccedilaram a perder a eficaacutecia e em consequumlecircncia comeccedilou-se a justificar a
necessidade de reprogramaccedilatildeo dos fundamentos econocircmicos sobre os quais estava
assentado o Estado Social No bojo dessa justificaccedilatildeo destacam-se as criacuteticas da nova
direita europeacuteia ao Estado Social Aprofundou-se a anaacutelise do processo de transiccedilatildeo do
Estado de Bem-estar puacuteblico para a concepccedilatildeo de sociedade de bem-estar com destaque
para as perdas de conquistas histoacutericas no campo da democracia e da cidadania e para
mudanccedilas substantivas ocorridas no padratildeo de bem-estar Sem duacutevida a possiacutevel
superaccedilatildeo do Estado Social especialmente em relaccedilatildeo agrave preservaccedilatildeo do compromisso entre
capitalismo e bem-estar social gerou um grande dilema por tratar-se de dois princiacutepios
que tanto histoacuterica como teoricamente se mostraram irreconciliaacuteveis Foi precisamente
nesse aspecto que as teorias neoliberais e as de orientaccedilatildeo marxista centraram duras
criacuteticas ao Estado Social Para os neoliberais a liberdade do mercado eacute incompatiacutevel com a
intervenccedilatildeo econocircmica do Estado Social e para os marxistas o Estado natildeo pode satisfazer
ao mesmo tempo as exigecircncias de acumulaccedilatildeo do capital e as que derivam das funccedilotildees de
79
sua legitimaccedilatildeo poliacutetica ndash produzir bem-estar No entender dos representantes da corrente
marxista da qual OacuteConnor (1981) eacute um expressivo porta-voz as duas funccedilotildees satildeo
incompatiacuteveis e contraditoacuterias uma vez que os gastos estatais tendem a crescer mais
depressa que os meios para financiaacute-los _ o que conduz necessariamente a uma crise fiscal
A tensatildeo existente entre igualdade e liberdade incluiacuteda na relaccedilatildeo entre
capitalismo e bem-estar vincula o Estado Social a conceitos como Estado de Direito e
democracia o que sem duacutevida apreseta algumas dificuldades de ordem teoacuterico-conceitual
porque tais conceitos satildeo distintos e seguem diferentes princiacutepios teoacutericos Era de esperar-
se portanto que como se trata de um produto da sociedade capitalista vivenciado por
economias nacionais em estaacutegios diferenciados haveria desacordo em relaccedilatildeo agraves
estrateacutegias e aos procedimentos teacutecnicos e poliacuteticos mais adequados agrave consolidaccedilatildeo de um
sistema de provisatildeo social puacuteblica de bem-estar voltado para o atendimento das
necessidades sociais baacutesicas Natildeo causa admiraccedilacirco que o Estado de Bem-estar tenha
estabelecido um pacto social entre empresaacuterios e trabalhadores mediado pelo Estado ndash o
chamado grande compromisso corporativo apoacutes a Guerra
Em que pese a complexidade das mediaccedilotildees histoacutericas e das determinaccedilotildees
soacutecio-culturais que cercam essa questatildeo ressalta-se de forma resumida trecircs linhas baacutesicas
que conforme Mishra (1995 se tornaram consensuais e que caracterizaram o Estado de
Bem-estar a primeira refere-se agrave introduccedilatildeo e agrave ampliaccedilatildeo de uma seacuterie de serviccedilos sociais
universais nos quais se incluem a seguridade social e serviccedilos de sauacutede educaccedilatildeo
habitaccedilatildeo emprego e de assistecircncia social voltados para situaccedilotildees de vulnerabilidade
social a segunda diz respeito agrave criaccedilatildeo e manutenccedilatildeo de poliacuteticas de pleno emprego sob a
forma de investimentos puacuteblicos para garantir trabalho intensivo plena ocupaccedilatildeo e
propensatildeo ao consumo como dinamizadores da economia e a terceira tem a ver com a
implementaccedilatildeo de um programa de nacionalizaccedilatildeo que previa a democratizaccedilatildeo das
relaccedilotildees sociais mediante o envolvimento do Estado capitalista nos processos de provisatildeo
social e de regulamentaccedilatildeo por meio de medidas fiscais e de leis trabalhistas As trecircs
linhas mencionadas requeriam governos intervencionistas ou seja a aplicaccedilatildeo do princiacutepio
da liberdade positiva contraacuterio ao da liberdade negativa professada pelos liberais
As referecircncias teoacutericas e poliacutetico-estrateacutegicas do Welfare State apoacutes a Segunda
Guerra Mundial foram as produccedilotildees intelectuais de John Maynard Keynes William
Beveridge e Thomas Henry Marshall combinadas com princiacutepios do fabianismo25 Do
25 Os fabianos (membros da Fabian Society inglesa) eram social-democratas defensores do Estado de Bem-
80
ponto de vista econocircmico a doutrina keynesiana apresentou um modelo de regulaccedilatildeo
econocircmico-social que encontrou justificativa em uma nova ideacuteia de seguranccedila de
existecircncia A princiacutepio Keynes propunha um niacutevel de atividade econocircmica deliberada
mediante investimentos sociais (governamentais) puacuteblicos ainda que temporaacuterios ateacute o
retorno e fortalecimento da economia do poacutes-guerra Apoiado no keynesianismo criou-se
um Sistema de Seguridade Social como direito do cidadatildeo e dever do Estado inaugurando
uma nova ideacuteia de organizaccedilatildeo de seguridade puacuteblica Na Inglaterra Beveridge ao
elaborar em 1942 o plano que recebeu o seu nome Plano Beveridge criou um suporte
teoacuterico-doutrinaacuterio considerado a pedra angular do sistema de seguridade social inglecircs26 e
esse sistema mostrou-se capaz de combinar a pressatildeo estrutural por maior acumulaccedilatildeo
capitalista com demandas sociais legiacutetimas que passaram a se configurar como demandas
por bem-estar
No rastro do keynesianismo Thomas Henry Marshall (1965) baseado em
fundamentos socioloacutegicos e juriacutedicos instituiu na Europa na deacutecada de 1940 uma concepccedilatildeo
ampliada e trifacetada de cidadania ao incorporar a esse conceito ateacute entatildeo restrito aos direitos
individuais (civis e poliacuteticos) os direitos sociais a serem concretizados por poliacuteticas sociais
puacuteblicas Essa concepccedilatildeo serviu efetivamente de base conceitual e poliacutetica ao Estado de Bem-
estar ao se contrapocircr ao ideaacuterio conservador defendido pelos defensores do liberalismo claacutessico
Para Moreno (2003 p 2 ) ldquoMarshall observava como crucial para a consolidaccedilatildeo da
cidadania social o desenvolvimento de poliacuteticas sociais puacuteblicas as quais representavam a
manifestaccedilatildeo tangiacutevel da existecircncia de uma comunidade poliacutetica ou de uma repuacuteblica de
cidadatildeos livres e solidaacuterios entre sirdquo Para Marshall (apud Moreno 2003 p 2 ) ldquoos efeitos das
poliacuteticas sociais possibilitariam comunidades mais coesas e um enriquecimenrto da vida
civilizadardquo Na anaacutelise de Moreno (2003 p 7) ldquoas ideacuteias marshallianas tecircm sido uacuteteis agrave tarefa
dos cientistas sociais por conciliar o empiacuterico e o normativordquo
A posiccedilatildeo adotada por esse estudo sobre a tese marshalliana eacute de que apesar da
teoria de Marshall reconhecidamente de corte funcionalista (manutenccedilatildeo do status quo e a
estar e propunham reformas econocircmicas e sociais como condiccedilatildeo para melhoria de vida dos pobres O reformismo fabiano dominou os estudos acadecircmicos e influenciou o desenvolvimento das poliacuteticas sociais reais em vaacuterios paiacuteses europeus de 1945 a 1965 no periacuteodo de 20 anos Para Mishra (1984) faltou ao fabianismo uma teoria articulada (tanto normativa como positiva) do Estado de Bem-estar no contexto do final do crescimento econocircmico e do descreacutedito das teorias de Keynes quando estas entraram em colapso 26 Trata-se da principal iniciativa de instauraccedilatildeo e organizaccedilatildeo de sistemas de proteccedilatildeo social do mundo ocidental moderno ao promover mudanccedilas significativas na concepccedilatildeo metodoloacutegica e nas praacuteticas de bem-estar social Do ponto de vista de uma proteccedilatildeo social puacuteblica o modelo beveridgiano mostrou-se mais completo em relaccedilatildeo ao modelo alematildeo bismarckiano do seacuteculo XIX na medida em que incluiu na provisatildeo social tambeacutem os que estavam fora do mercado formal de trabalho
81
ecircnfase dada agraves anaacutelises normativas em detrimento de uma visatildeo igualitaacuteria da cidadania social)
limitar-se agrave defesa da ldquoigualdade de oportunidadesrdquo como conquista de todos os cidadatildeos para o
desenvolvimento de suas potencialidades vitais (e natildeo ter incluiacutedo a dimensatildeo ldquoigualdade de
condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos puacuteblicosrdquo) seu estudo identificaccedilatildeo e incorporaccedilatildeo dos
direitos sociais ao conceito de cidadania ampliada (com a qual essa tese se identifica) constitui
sua contribuiccedilatildeo mais substantiva do ponto de vista ciacutevico e eacutetico-poliacutetico Indiscutiacutevemente um
suporte legitimador dessa concepccedilatildeo e uma importante ferramenta teoacuterica para a consolidaccedilatildeo do
Estado de Bem-estar no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial
Com efeito T H Marshall (abreviaccedilatildeo que seraacute utilizada pela presente tese)
entendeu a cidadania como um sistema de direitos civis (surgidos no seacuteculo XVIII) poliacuteticos
(surgidos no seacuteculo XIX) e sociais (surgidos no seacuteculo XX) construiacutedo no decorrer dos
uacuteltimos trecircs seacuteculos Para ele a cidadania traduz-se no exerciacutecio dos direitos e natildeo nos direitos
em si mesmos
Segundo Johnson (1990 p 20-21)
como resposta agrave democracia de massas o Estado de Bem-estar pode ser visto como algo que surge das demandas por maior igualdade e pelo reconhecimento dos direitos sociais aos serviccedilos de bem-estar e agrave seguranccedila econocircmica Como resposta ao desenvolvimento do capitalismo o Estado de Bem-estar pode ser interpretado por marxistas e outros autores como um intento de fazer frente agraves contradiccedilotildees e aos problemas do sistema capitalista contribuindo tanto para a acumulaccedilatildeo do capital como para a sua legitimaccedilatildeo
Assim haacute um denominador comum entre as diferentes expressotildees desse
Estado agrave medida que todos os governos que a ele aderiram buscaram combinar a
provisatildeo puacuteblica estatal e os serviccedilos de financiamento como direito social com uma
economia de mercado
Mas enquanto isso acontecia intelectuais criacuteticos do Estado de Bem-estar e
governos identificados com o retorno dos princiacutepios econocircmicos do liberalismo (em sua
versatildeo mais ortodoxa ndash Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos da
Ameacuterica_EUA) deram iniacutecio a uma ofensiva histoacuterica a essa concepccedilatildeo de bem-estar
Pretendia-se com essa ofensiva promover o desmonte do edifiacutecio de proteccedilatildeo social que
dava sustentaccedilatildeo ao Estado de Bem-estar e aos fundamentos teoacuterico-conceituais do sistema
de seguridade social construiacutedos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Os liberais negavam
sobretudo o reconhecimento e a legitimidade da garantia de bens e serviccedilos sociais
entendidos como direitos sociais pela via da accedilatildeo positiva do Estado mediante poliacuteticas
82
puacuteblicas (para todos) Nesse contexto os trecircs paracircmetros de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica mdash
keynesiano beveridgiano e marshalliano (de T H Marshall) mdash comeccedilaram a sofrer
restriccedilotildees e abalos em seus pilares
Era o iniacutecio da afirmaccedilatildeo de uma nova ideologia fundamentada na loacutegica de
mercado que estrategicamente foi se contrapondo agrave loacutegica dos direitos A partir de entacirco
operaram-se grandes mudanccedilas no padratildeo de respostas agraves necessidades sociais27
particularmente nos paiacuteses perifeacutericos como a perda de direitos de cidadania (bens e
serviccedilos sociais) a precarizaccedilatildeo desses serviccedilos sociais a focalizaccedilatildeo das poliacuteticas sociais
na pobreza absoluta e segundo Yasbek (1995) a remercantilizaccedilatildeo e refilantropizaccedilatildeo da
questatildeo social
22 Explicitaccedilatildeo do padratildeo keynesiano beveridgiano de seguridade social fundamentos
da Seguridade Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial
As profundas transformaccedilotildees societaacuterias revelam-se atualmente de forma
mais acentuada quanto ao padratildeo capitalista de acumulaccedilatildeo aos processos de trabalho e agraves
funccedilotildees poderes e praacuteticas do Estado na sua relaccedilatildeo com a sociedade civil Como jaacute
indicado desde fins dos anos 1970 a economia internacional foi atingida por
desequiliacutebrios macroeconocircmicos financeiros e de produtividade que passaram a
configurar uma crise do capitalismo e natildeo propriamente do Estado de Bem-estar Os
impactos dessa crise ainda satildeo sentidos de forma diferenciada em cada paiacutes conforme
suas particularidades histoacutericas culturais e poliacuteticas Os desafios e riscos sociais ganharam
novas formas histoacutericas em decorrecircncia das mudanccedilas ocorridas na relaccedilatildeo capital e
trabalho nos processos produtivos e na relaccedilatildeo Estado versus sociedademercado e
poliacuteticas sociais que fazendo um retrospecto apresentavam a seguinte configuraccedilatildeo o
sistema de regulaccedilatildeo social capitalista que se consolidou no segundo apoacutes a Segunda
Guerra Mundial e prevaleceu ateacute a deacutecada de 1970 caracterizou-se por um tipo de relaccedilatildeo
entre Estado e sociedade capital e trabalho ateacute entatildeo inexistente agrave medida que elevou a
proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito de cidadania colocando-a no contexto de seguridade
social de caraacuteter puacuteblico e universal
27 Para maior aprofundamento da relaccedilatildeo entre o chamado trceiro setor e questatildeo social ver obra de Montantildeo (2002)
83
O modelo beveridgiano de proteccedilatildeo social que de forma pioneira se instalou
nos anos 1940 estava apoiado em quatro aacutereas programaacuteticas seguro social (baseado em
contribuiccedilotildees sociais) benefiacutecios suplementares (natildeo-contributivos) subvenccedilotildees
familiares (natildeo-contributivas) e isenccedilotildees fiscais (destinadas aos grupos de alta renda) O
Estado de Bem-estar passou a realizar accedilotildees e medidas sociais voltadas para o interesse
puacuteblico graccedilas a uma regulaccedilatildeo ampliada e coletivamente consentida De acordo com
Pereira (2000 p 112-113) a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo foi
materializada nas poliacuteticas de manutenccedilatildeo (ou transferecircncia) de renda de proteccedilatildeo ao
trabalho e na garantia ao acesso e usufruto dos bens e serviccedilos sociais universais como
sauacutede e educaccedilatildeo
As quatro aacutereas programaacuteticas do modelo beveridgiano citadas passaram a
incorporar tanto elementos do seguro previstos no modelo bismarckiano quanto de
assistecircncia social ausente no modelo alematildeo o que confirma a complexidade e a
preocupaccedilatildeo jaacute naquele contexto com a complementaridade entre seguro e assistecircncia
conforme Boschetti (2001 p 38) Com base no modelo beveridgiano que tinha como
suporte a poliacutetica econocircmica keynesiana o financiamento das medidas de bem-estar
deveria se dar mediante a contribuiccedilatildeo social por meio de impostos Com o modelo foram
criadas as bases (conceituais e operacionais) da primeira rede universal de proteccedilatildeo e de
seguridade social Beveridge (representante do fabianismo inglecircs) e Keynes (economista
inglecircs) incentivaram e promoveram de forma substantiva a) poliacuteticas de pleno emprego b)
ampliaccedilatildeo do conceito de cidadania (com a inclusatildeo dos direitos sociais) c) criaccedilatildeo e
extensatildeo de uma legislaccedilatildeo social e d) institucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como um
meio de superaccedilatildeo da pobreza absoluta Esse modelo ao adotar o universalismo como
princiacutepio de redistribuiccedilatildeo de bem-estar fez que o setor estatal passasse a financiar as
poliacuteticas de bem-estar mediante poliacuteticas fiscais de arrecadaccedilatildeo de recursos Portanto
aleacutem de promover a extensatildeo e a universalizaccedilatildeo dos direitos de cidadania o setor puacuteblico
passou a financiar a produccedilatildeo real do bem-estar Nesse sentido Beveridge e Keynes deram
ampla justificativa agrave intervenccedilatildeo estatal tanto na esfera econocircmica quanto na social
Defendiam a necessidade de ser assegurada uma ampla cobertura e o mais igualitaacuteria
possiacutevel Daiacute a ecircnfase aos serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos)
Para Abrahamson (1995 p 121) o modelo beveridgiano e keynesiano que
tambeacutem se associou ao regime de produccedilatildeo fordista e organizaccedilatildeo taylorista28 recebeu
28 Nos anos 1920 apoacutes a Primeira Grande Guerra implantou-se nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) e
84
influecircncias do projeto social democrata de Estado de Bem-estar europeu que adotou como
pressuposto a ideacuteia de uma sociedade estatizada e altamente organizada (contraacuteria
portanto agrave ideacuteia neoliberal de uma sociedade plural e desestatizada) Para este autor tanto
Beveridge como Keynes cuja influecircncia nos anos 1950 estendeu-se aleacutem da Gratilde-
Bretanha estavam convencidos de que o Estado de Bem-estar natildeo constituiacutea nenhuma
ameaccedila ao capitalismo Entretanto contraditoriamente a histoacuteria registra que essa
intervenccedilatildeo estatal acabou se tornando de um lado contraacuteria e ameaccediladora aos princiacutepios
capitalistas de economia de mercado e de outro lado necessaacuteria e desejaacutevel para assegurar
a realizaccedilatildeo dos propoacutesitos puacuteblicos do Estado Em outras palavras tornou-se necessaacuteria
para garantir aos trabalhadores bens e serviccedilos sociais categorizados como direitos o que
resultou no crescimento do prestiacutegio dos governos no periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra
Mundial ateacute o final dos anos 1970
apoacutes em escala mundial um modelo revolucionaacuterio de organizaccedilatildeo cientiacutefica do trabalho denominado taylorismo Com o avanccedilo da industrializaccedilatildeo e com a crise de superproduccedilatildeo em 1929 este modelo passou a ser incorporado ao sistema das maacutequinas de produccedilatildeo industrial gerando um novo modelo operacional denominado Fordismo que impocircs um processo acelerado de produtividade no trabalho adaptando-o continuamente ao consumo de massas Esta foi a saiacuteda encontrada pelo capital para superaccedilatildeo da primeira grande recessatildeo crise econocircmica que se prolongou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX Na chamada era taylorista-fordista (de grandes corporaccedilotildees internacionais como a GM Ford Shell IBM e outras) buscou-se combinar a produccedilatildeo em seacuterie com o crescimento econocircmico pela via do processo crescente de industrializaccedilatildeo que assumiu um papel determinante em que a proacutepria produccedilatildeo puxava o crescimento econocircmico consumando assim a comercializaccedilatildeo competitiva Ao teacutermino da deacutecada de 1960 e iniacutecio da 1970 (contexto de crises petroliacuteferas de 1973 e 1979) ocorreu uma nova crise do capital seguida de uma desaceleraccedilatildeo geral da acumulaccedilatildeo com queda real nos ganhos de produtividade Surgiu o fenocircmeno do chamado desemprego estrutural que dentre outros fatores expressa o decliacutenio do modelo taylorista-fordista que se caracterizou como um processo produtivo de regulaccedilatildeo entre capital (sistema produtivo) e processos de trabalho (Antunes 2000) Esse modelo que predominou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX privilegiou o desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegicoinformacional Nesse periacuteodo as conquistas teacutecnico-cientiacuteficas reduziram o tempo e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo das mercadorias Seguiu-se ao decliacutenio do modelo taylorista-fordista o paradiacutegma econocircmico capitalista da acumulaccedilatildeo flexiacutevel Surgiu o fenocircmeno de produccedilatildeo baseada na expansatildeo comercial mundializada assentada em fluxos financeiros internacionais Estavam dadas as condiccedilotildees reais e objetivas para a implantaccedilatildeo da proposta econotildemica neoliberalNos anos 1970 entrou em crise o sistema fordista-keynesiano que deu sustentaccedilatildeo econocircmica ao Estado de Bem-estar social apoacutes a Segunda Guerra Mundialndash 1945 a 1975 e se consolidou como paradiacutegma do desenvolvimento capitalista e de poliacuteticas universais de pleno emprego Como decorrecircncia assiste-se atualmente a uma gradativa flexibilizaccedilatildeo no campo dos direitos do trabalho com imposiccedilatildeo de padrotildees internacionais de conduta poliacutetica e econocircmico-financeira tendo em vista a globalizaccedilatildeo e a mundializaccedilatildeo da economia Instala-se a arena (globalizada) do livre comeacutercio fragilizando ainda mais os Estados-Naccedilatildeo Cresceu a liberaccedilatildeo econocircmica com investimentos de capitais produtivos (privados e estatais) e de capital especulativo volaacutetil (dinheiro) que passou a girar no mundo dos mercados financeiros (juros cacircmbios bolsas de valores) Assiste-se a processos de perda de direitos de cidadania e de transferecircncia de responsabilidades e de recursos para o setor privado (terceirizaccedilatildeo) como tambeacutem a passagem de um sistema regulatoacuterio puacuteblico para um sistema desregulamentado de natureza privada
Enfatiza-se o conceito de terrritorialidade em que os marcos regulatoacuterios dos Estados-Naccedilatildeo satildeo substituiacutedos por novas articulaccedilotildees (tres esferas de governo) a exemplo da retomada das redes de proteccedilatildeo socialprogramas de renda miacutenima de perfil local eou global com novas estrateacutegias e condicionalidades entre o regime de proteccedilatildeo social e a inserccedilatildeo dos beneficiaacuterios desses programas no mundo do trabalho (workfare ndash poliacuteticas ativas como expressatildeo de novas formas de emprego)
85
Foi assim que o Estado de Bem-estar visto como uma forma particular de
regulaccedilatildeo social29 difundiu princiacutepios econocircmicos e sociais que passaram a orientar vaacuterias
iniciativas de intervenccedilatildeo puacuteblica no capitalismo
Sua organizaccedilatildeo poliacutetica portanto eacute resultante de vaacuterios fatores e ideologias
com variaccedilotildees de paiacutes para paiacutes a exemplo do que demonstra quadro 4 isto eacute
caracteriacutesticas bastante distintas entre os regimes de bem-estar europeus em relaccedilatildeo aos
objetivos natureza dos serviccedilos fontes de financiamento dentre outras rubricas
Quadro 4 Caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus
Modelos
Caracteriacutesticas Anglo-Saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo
Ideologia Cidadania Corporativismo Igualitarismo Autonomia vital
Objetivos Capacitaccedilatildeo individual
Manutenccedilatildeo de renda Rede de serviccedilos sociais
Combinaccedilatildeo de recursos
Financiamento
Impostos
Cotizaccedilotildees laborais
Impostos
Misto
Subsiacutedios Tanto alzado (niacuteveis baixos)
Contributivos (niacuteveis baixos)
Tanto alzado (niacuteveis baixos)
Contributivos (niacuteveis baixos)
Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar
Provisatildeo Mistoquase mercados
MistoONGs Puacuteblico Mistodescentralizado
Mercado de trabalho Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal
Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho parcial
Feminizaccedilatildeo Trabalho puacuteblico
Familismo ambivalente
Pobreza Cultura dependecircncia Cultura integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial
Fonte Moreno (2001 p 28)
Contudo muitas vezes esse caraacuteter multifuncional torna tais regimes instacircncias
contraditoacuterias com capacidades particulares de responder simultaneamente agraves tensotildees que
permeiam o variado campo das poliacuteticas sociais Eacute por isso que se diz que natildeo haacute um
modelo uniacutevoco de Estado de Bem-estar
Todavia em que pese a diversidade das formas nacionais de posicionamento
diante de demandas e necessidades sociais eacute indiscutiacutevel a influecircncia em todas elas da
poliacutetica econocircmica keynesiana e do Plano Beveridge A contribuiccedilatildeo de Keynes deu-se em
dois niacuteveis social e poliacutetico de um lado e econocircmico de outro A discussatildeo iniciada no
final dos anos 1930 sobre os rumos da economia e dos problemas criados pela
incapacidade da doutrina liberal de equacionaacute-los criou a base teoacuterico-conceitual do
Estado de Bem-estar Instituiu-se naquela conjuntura uma nova forma de regulaccedilatildeo soacutecio-
29 Diversas classificaccedilotildees (tipologias) do Estado de Bem-estar podem ser encontradas em diferentes autores como Titmus (1974) e Esping-Andersen (1991) Therborn (1989) Draibe (1990) Fleury (1994) Pereira (1994 2000) dentre outros
86
poliacutetica e econocircmica do sistema capitalista que vigorou do iniacutecio dos anos 1940 ateacute o final
dos anos 1970 periacuteodo denominado pela literatura especiacutefica de os trinta anos gloriosos
O auge de seu ecircxito ocorreu nos anos 1950 e 1960 A regulaccedilatildeo keynesiana objetivou
atenuar as incertezas do capitalismo criando as condiccedilotildees para aumentar sua
previsibilidade vista como criteacuterio essencial agrave manutenccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e
econocircmicas Para Oliveira (1998) natildeo era preocupaccedilatildeo de Keynes a erradicaccedilatildeo da
estrutura social e econocircmica capitalista Ele estava empenhado em construir um padratildeo de
bem-estar com previsibilidade tal que pudesse controlar as formas do conflito social
engendrado pelo proacuteprio sistema e agia assim por saber que o capital natildeo tinha por
princiacutepio a praacutetica de arriscar-se no mercado com recursos proacuteprios Daiacute sua preocupaccedilatildeo
em reduzir ao miacutenimo os niacuteveis de incerteza do mercado definindo continuamente
estrateacutegias para a obtenccedilatildeo de um razoaacutevel niacutevel de previsibilidade
Nesse sentido o Estado de Bem-estar constituiu-se de um lado em uma
forma de regulaccedilatildeo sociopoliacutetica da ordem capitalista fundamentada no paradigma da
seguridade social e de outro passou a regular os proacuteprios mecanismos do sistema ao
colocar limites agrave sua expansatildeo Em siacutentese eacute possiacutevel afirmar que o Estado de Bem-estar
estruturou uma arena de conflitos como afirmado anteriormente pautada em um
conjunto de regras que conferiu agrave poliacutetica econocircmica keynesiana do periacuteodo apoacutes a
Segunda Guerra Mundial a capacidade de tornar-se previsiacutevel Nessa perspectiva sem
deixar de ser um Estado capitalista o Estado de Bem-estar ganhou legitimidade e
autonomia para instituir e aplicar poliacuteticas sociais puacuteblicas e universais aleacutem de
construir pactos entre sindicatos empresaacuterios e partidos Assim por esses meios
instituiacuteram-se as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre diferentes sujeitos sociais mas sem que o
Estado perdesse o seu protagonismo no processo de regulaccedilatildeo social
A ideacuteia de cooperaccedilatildeo entre Estado mercado e setores natildeo-mercantis da
sociedade (que posteriormente se constituiu na gecircnese da ideacuteia original da proposta de
pluralismo de bem-estar) preconizada pelo pacto keynesiano se deu portanto como
resultado de uma articulaccedilatildeo poliacutetica e estrateacutegica e de uma redefiniccedilatildeo do lugar do Estado
mdash agora altamente intervencionista mdash na economia o que constituiu mudanccedila substancial
no campo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas Dito em outros termos ao mesmo tempo em
que o Estado de Bem-estar criava mecanismos de garantia de poliacuteticas de pleno emprego e
de um seguro social puacuteblico e universal ele assegurava sua funcionalidade e compromisso
em relaccedilatildeo ao processo de crescimento das economias de mercado pela via da socializaccedilatildeo
87
do consumo tendo em vista uma sociedade mais igualitaacuteria Em consonacircncia com essa
tendecircncia Keynes estimulava a criaccedilatildeo de medidas macroeconocircmicas tais como o
investimento puacuteblico a imposiccedilatildeo de condiccedilotildees contratuais a regulaccedilatildeo do mercado a
redistribuiccedilatildeo de renda o combate agrave pobreza Para Pereira (2001 p 33) a ascensatildeo da
proteccedilatildeo social agrave condiccedilatildeo de direito do cidadatildeo e dever do Estado ldquorepresentou
inegavelmente um aperfeiccediloamento poliacutetico-institucional de monta no acircmbito da
regulaccedilatildeo estatalrdquo muito embora ressalta ldquotal ascensatildeo natildeo tenha se dado por cima ou
por fora dos conflitos de classerdquo Paradoxalmente com a institucionalizaccedilatildeo e a
desmercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho efetivada pelo Estado de Bem-estar parte do custo
dessa forccedila de trabalho passou a ser financiada com recursos puacuteblicos (OLIVEIRA 1998)
o que significa dizer que a forccedila de trabalho ao ser desmercadorizada tornou-se um custo
puacuteblico que passou a ser socializado por todos Nesse sentido o recurso puacuteblico passou a
funcionar como redutor das incertezas do mercado_risco que o capital privado natildeo corre
preferindo transferi-lo para o setor puacuteblico Assim para Oliveira (1998) sob a influecircncia
keynesiana o estado de incertezas ganhou previsibilidade mediante macro-regulaccedilotildees que
caracterizaram o chamado pacto macro corporativo o que evidencia a presenccedila da ideacuteia
pioneira de cooperaccedilatildeo entre classes e de pluralidade de atores nas formulaccedilotildees teoacutericas de
Keynes_ ideacuteia que mais tarde foi incorporada pela nova direita para justificar a proposta
de pluralismo de bem-estar sob orientaccedilatildeo neoliberal temaacutetica a ser abordada mais adiante
A proposta inicial de Keynes era de que o Estado deveria intervir na economia
apenas topicamente Visto como um elemento estrutural do sistema o Estado a seu ver
deveria movimentar-se estrategicamente na conjuntura apenas o suficiente para manter a
economia ativada Keynes sempre defendeu o nuacutecleo do investimento como motor da
economia capitalista Para ele a permanente intervenccedilatildeo estatal tornaria o Estado
prisioneiro da racionalidade privada No entanto a histoacuteria registra que a adesatildeo agrave sua
teoria extrapolou a proposta inicial O diferencial de seu pensamento econocircmico
caracterizou-se portanto por deslocar a centralidade da oferta para a demanda (tanto geral
como especiacutefica) ao contraacuterio do que propunham os neoclaacutessicos monetaristas30
Ainda conforme Oliveira (1998) a moeda para Keynes era considerada uma
relaccedilatildeo e natildeo apenas mercadoria Essa concepccedilatildeo de Keynes orientou uma poliacutetica
econocircmica e monetaacuteria considerada ativa que imprimiu centralidade ao papel do Estado e
30 Os monetaristas trabalham com a teoria quantitativa da moeda isto eacute deve existir no mercado uma quantidade de moeda proporcional agrave quantidade de mercadoria que estaacute em circulaccedilatildeo buscando uma correspondecircncia direta entre moeda e mercadoria
88
deu visibilidade agraves poliacuteticas sociais inaugurando uma mudanccedila substancial inovadora e
radical no paradigma liberal capitalista A literatura especializada reconhece que a teoria
keynesiana fez o tracircnsito do contrato mercantil31 que regulava as relaccedilotildees sociais e
econocircmicas para o contrato de seguridade social como direito Considera-se assim que
Keynes promoveu um desbloqueio na concepccedilatildeo monetarista liberal vigente ateacute entatildeo
Com isso construiacuteram-se possibilidades concretas de se efetivar poliacuteticas sociais puacuteblicas
Tais instrumentos eou conjunto de accedilotildees uma vez regulados pelo Estado passaram a ser
justificados como tentativas de adequar demandas sociais agraves necessidades da populaccedilatildeo32
Este eacute sem duacutevida o dado inovador e a maior contribuiccedilatildeo de Keynes como fundamento
econocircmico e social do Estado de Bem- estar
O sistema keynesiano ao transitar estrategicamente da oferta para a demanda
fez que as decisotildees sobre o que fazer com os recursos do orccedilamento nacional deixasse de
ser privadas para se tornarem puacuteblicas o que natildeo significa que todas as demandas sociais
fossem atendidas eou que todas incorporaram a dimensatildeo puacuteblica Naquele contexto a
articulaccedilatildeo entre Estado economia mercadosociedade remete a um outro niacutevel de relaccedilatildeo
entre sindicatos patronato classes sociais e partidos poliacuteticos e essa articulaccedilatildeo reforccedila a
proposiccedilatildeo do modelo de intervenccedilatildeo sociopoliacutetica adotado pelo Estado de Bem-estar no
periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra na Europa Este novo desenho de intervenccedilatildeo estatal
proposto para a provisatildeo de bem-estar tornou-se um fator de mudanccedila como parte
constitutiva tambeacutem da forma como o sistema passou a alimentar a experiecircncia do
chamado pacto keynesiano ou pacto macrocorporativo o que demonstra que ao buscar
reconstruir niacuteveis de previsibilidade do sistema Keynes o fez sob novas bases De acordo
com Oliveira (1998) foi menos de uma questatildeo ideoloacutegica do que de um requerimento de
um lado para sair da crise capitalista de 1930 e de outro para instituir uma nova forma de
regulaccedilatildeo social tendo em vista a retomada do crescimento econocircmico com garantias
sociais Para financiar a retomada do processo de acumulaccedilatildeo mediante subsiacutedios do
Estado e aumento dos investimentos cada capitalista passou a atuar com um ativo maior
isto eacute aleacutem de seu capital proacuteprio contava com recursos advindos dos fundos puacuteblicos
que por sua vez passaram a remunerar seu proacuteprio capital mediante subsiacutedios
governamentais aplicados agraves taxas de juros
31 Desde Napoleatildeo o contrato mercantil era o regulador baacutesico das relaccedilotildees sociais capitalistas Com os coacutedigos napoleocircnicos o contrato mercantil passou a ser o signo e a forma poliacutetica das relaccedilotildees sociais 32 Para um maior aprofundamento deste conceito ver estudo de Pereira (2000) Tomamos como referecircncia o
referido conceito por sua centralidade eacutetico-poliacutetica no trato das questotildees sobre a construccedilatildeo da democracia igualitaacuteria e da cidadania e pelo niacutevel de aprofundamento e rigor teoacuterico-metodoloacutegico utilizado pela autora
89
Naquele contexto as empresas e os sindicatos ao pactuarem em torno das
taxas de lucro e do salaacuterio e da reduccedilatildeo dos niacuteveis de incerteza do mercado passaram a
orientar tambeacutem os processos de produccedilatildeo e de reproduccedilatildeo do sistema Como resultado
os conflitos de classe passaram a ser ordenados por esse pacto O Estado keynesiano tratou
de controlar de um lado os abusos de poder das classes dominantes sobre o uso da forccedila
de trabalho e de outro de regular a pressatildeo social feita pela classe trabalhadora Em
decorrecircncia as medidas de controle do Estado de bem-estar sobre o conflito de classes natildeo
foram uma simples concessatildeo agraves classes que emergiram naquela conjuntura Tais medidas
aleacutem da regulaccedilatildeo foram tomadas sobretudo porque o Estado capitalista para legitimar-
se como instacircncia de poder regulatoacuterio precisava obter o apoio das classes sociais A esse
fenocircmeno daacute-se o nome de regulaccedilatildeo social e econocircmica processo contraditoacuterio que
contempla interesses de todos os atores em presenccedila conferindo credibilidade e
legitimidade ao pacto keynesiano Oliveira (1998) afirma que a literatura sempre ressalta a
seguridade social do Estado de Bem-estar indiscutivelmente sua conquista mais exitosa e
quase natildeo menciona a seguridade do capital Ocorre diz ele que como contrapartida o
Estado de Bem-estar capitalista em nenhum momento deixou de garantir e dar seguranccedila
ao capital mantendo subsiacutedios agraves taxas de juros geradoras de remuneraccedilatildeo do capital e do
lucro como valor dinheiro e como relaccedilatildeo estruturante econocircmica (e natildeo social) tais como
transaccedilotildees comerciais poliacutetica fiscal subsiacutedios estatais agrave reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho
Esses mecanismos demonstram a histoacuterica voracidade do capital que de um lado faz
concessotildees ateacute onde o processo natildeo ameace a perspectiva de lucro e de outro continua
criando mecanismos de reposiccedilatildeo do valor agregado a essa mercadoria denominada forccedila
de trabalho tendo em vista a constante extraccedilatildeo da mais valia e a acumulaccedilatildeo do capital
Essa estrateacutegia soacutecio-econocircmica e poliacutetica aplicada pelo capitalismo no contexto de
criaccedilatildeo e expansatildeo do Estado de Bem-estar evidencia sobretudo como o capital ateacute
mesmo em um contexto de crise de formulaccedilatildeo de um novo padratildeo de regulaccedilatildeo social
poliacutetica e econocircmica estabeleceu-se de forma combinada e contraditoacuteria atuando ora na
perspectiva de mercadorizaccedilatildeo da forccedila de trabalho ora na perspectiva de
desmercadorizaccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais pela via de poliacuteticas puacuteblicas natildeo-
contributivas
90
23 Anos 1970 ocorrecircncia de uma suposta crise do Estado Social
Natildeo obstante a experiencia exitosa do modelo de Seguridade Social bem como
do padratildeo de regulaccedilatildeo social poliacutetica e econocircmica keynesiano-beveridgiano apoacutes a
Segunda Guerra Mundial iniciou-se em meados dos anos 1970 no interior do sistema
capitalista e em escala mundial um movimento de busca e definiccedilatildeo de estrateacutegias
alternativas agrave denominada crise do Estado de Bem-estar Segundo Johnson (1990 p 16)
em sua profiacutecua anaacutelise sobre o Estado de Bem-estar em transiccedilatildeo e na abordagem criacutetica
que faz agrave teoria e agrave praacutetica do pluralismo de bem-estar naquela deacutecada (anos 1970) jaacute se
divulgava a ideacuteia de que os Estados de Bem-estar estavam experimentando problemas de
proporccedilotildees criacuteticas fruto da sobrecarga dos governos e das dificuldades fiscais e
econocircmicas Este passou a ser o argumento mais recorrente contraacuterio ao Estado de Bem-
estar o que significa que nem mesmo o ecircxito do modelo beveridgiano e keynesiano-
fordista e a difusatildeo de um padratildeo de bem-estar universal e de provisatildeo social para todos
foram capazes de impedir o avanccedilo de uma ideologia antiestatal desqualificadora da
dimensatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar que a partir de entatildeo foi se instalando
A ideologia neoliberal apresentou naquela conjuntura uma nova proposta e um
novo desenho institucional de Estado e uma nova configuraccedilatildeo de poliacuteticas sociais agora
defendidas e reafirmadas em seu caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico Para tanto
tornou-se necessaacuterio instituir uma situaccedilatildeo de crise e natildeo de reestruturaccedilatildeo do Estado Social
ou de Bem-estar A oposiccedilatildeo mais contundente procedeu da chamada esquerda libertaacuteria e da
nova direita (neoconservadores e neoliberais) que passaram a difundir a ideacuteia de sobrecarga
burocraacutetica desse modelo de Estado e como consequumlecircncia de suas fracassadas respostas agraves
necessidades sociais da populaccedilatildeo Tambeacutem o prognoacutestico neoliberal sobre o papel do
Estado era bastante negativo alegava-se que agrave medida que os problemas fiscais e
econocircmicos se tornassem mais seacuterios o Estado de Bem-estar certamente perderia o apoio
puacuteblico e se produziria uma crise de legitimaccedilatildeo social e poliacutetica
Em sua anaacutelise Johnson (1990 p 16) reconhece que em face das evidecircncias
histoacutericas ldquoparecia haver terminado o cocircmodo consenso da deacutecada dos anos cinquumlenta e
sessenta na Europa apoacutes a Segunda Guerra Mundialrdquo Contudo entende prematuro falar
em crise no sentido de uma situaccedilatildeo fora de controle em que os problemas ldquonatildeo tecircm mais
soluccedilatildeo eou natildeo satildeo mais possiacuteveis de contenccedilatildeordquo ndash pois a seu ver ldquohaacute evidecircncias de um
apoio puacuteblico forte e continuado aos princiacutepios norteadores do Estado de Bem-estarrdquo (p
91
16) Para o autor portanto natildeo haacute duacutevidas de que a ideacuteia de crise foi promovida pelos
governos neoliberais e conservadores como meio de recriminar o volume de gasto social
puacuteblico do Estado e de rechaccedilar a proposta de pleno emprego e de bem-estar prevalecente
naquela eacutepoca bem como negar o caraacuteter redistributivista das poliacuteticas sociais Por isso
Johnson (1990) recusa a ideacuteia de crise forjada pela nova direita como tambeacutem natildeo aceita
as explicaccedilotildees desta para a referida crise
O certo eacute que a disposiccedilatildeo de discutir a viabilidade do Estado de Bem-estar a
partir dos anos 1970 deu lugar a um vivo debate natildeo sobre as provaacuteveis soluccedilotildees para os
problemas apresentados mas sobre as possiacuteveis direccedilotildees futuras e sobre o papel do Estado
de Bem-estar nas sociedades capitalistas contemporacircneas avanccediladas (JOHNSON 1990)
Desse debate participaram protagonistas destacados Johnson (1990) menciona a
atuaccedilatildeo dos advogados do pluralismo de bem-estar interessados em justificar a crise como
sendo do Estado de Bem-estar e natildeo do capitalismo de estilo keynesiano e em difundir
dentre outras estrateacutegias utilizadas no enfrentamento das situaccedilotildees decorrentes da referida
crise a ideacuteia de uma provisatildeo social de caraacuteter plural ou misto poreacutem natildeo mais puacuteblico
Partindo dessa constataccedilatildeo tornou-se imperioso neste estudo apreender com
base na anaacutelise de Johnson (1990) e de outros estudiosos da relaccedilatildeo entre Estado
sociedade e poliacutetica social como se deu o processo que desencadeou a referida crise e a
transiccedilatildeo do Estado de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra Mundial para a instituiccedilatildeo de um
pluralismo de bem-estar em que o Estado perdia o protagonismo Tornou-se importante
saber o que de novo estava ocorrendo e quais os princiacutepios norteadores desse paradigma
emergente de poliacutetica social Destaca-se a afirmaccedilatildeo de Johnson (1990) de que os Estados
de Bem-estar tecircm sido sempre pluralistas por terem acomodado uma grande variedade de
provedores de bem-estar o Estado as agecircncias voluntaacuterias os mercados privados e as
redes informais Sem duacutevida tal afirmaccedilatildeo reafirmou a complexidade do objeto desta tese
Desde entatildeo passou-se a trilhar um percurso teoacuterico-analiacutetico que trouxe agrave tona conceitos
debates e opiniotildees em sua maioria contraditoacuterios sobre a temaacutetica da assistecircncia social no
contexto do pluralismo de bem-estar Em particular este estudo busca desvendar os nexos
internos as contradiccedilotildees bem como as mediaccedilotildees histoacuterias e as determinaccedilotildees soacutecio-
culturais e ideopoliacuteticas que permeiam esse fenocircmeno contemporacircneo Indiscutivelmente
traa-se de uma proposiccedilatildeo analiacutetico-investigativa aparentemente simples em face da
racionalidade instrumental e teacutecnico-operativa presente nesse paradiacutegma emergente de
poliacutetica social poreacutem complexa e desafiadora quando se analisa a forma como tem sido
92
apropriado e influenciado a sociedade atual em sua relaccedilatildeo com o Estado no contexto do
chamado capitalismo avanccedilado Eacute tambeacutem de Johnson (1990 p 16) a afirmaccedilatildeo de que ldquoo
debate pluralista nunca se resolveraacute de modo definitivo nas sociedades capitalistasrdquo uma
vez que a seu ver haveraacute sempre um desacordo sobre a forma de equiliacutebrio mais adequada
entre a provisatildeo estatal (ou oficial) a voluntaacuteria a comercial e a informal aleacutem de que tal
equiliacutebrio muda ao longo do tempo e de paiacutes para paiacutes
Tomando como referecircncia essas afirmaccedilotildees de Johnson (1990) fica claro
que o que estaacute em questatildeo natildeo eacute tanto o papel regulador do Estado que deveraacute seguir
sendo a principal fonte de financiamento ainda que na opiniatildeo dos pluralistas de bem-
estar o predomiacutenio do Estado na provisatildeo de bem-estar natildeo deva existir O que de fato
estaacute em questacirco e os pluralistas defendem e reivindicam eacute a diminuiccedilatildeo de seu papel
como esfera oficial e de forma consideraacutevel na regulaccedilatildeo do mercado e na
concretizaccedilatildeo de direitos sociais
24 Sobre desintegraccedilatildeo do consenso apoacutes a Segunda Guerra Mundial falecircncia do
modelo keynesiano-fordista eou uma reorientaccedilatildeo neoliberal agrave direita
No contexto do debate relativo agrave desintegraccedilatildeo do chamado consenso de poacutes-
guerra Peter Abrahamson (1995) questiona se ocorreu a falecircncia do modelo ou uma
reorientaccedilatildeo agrave direita Na sua avaliaccedilatildeo Abrahamson (1995) confirma argumentos de
Johnson (1990) ao afirmar que no iniacutecio dos anos 1970 iniciou-se no interior do sistema
capitalista e em escala mundial um movimento de reorientaccedilatildeo poliacutetico-ideoloacutegica e natildeo
propriamente de crise do Estado de Bem-estar Tal movimento mostrava-se na verdade
contraacuterio ao modelo universalista de proteccedilatildeo puacuteblica implementado pelo Estado de Bem-
estar keynesiano-fordistabeveridgiano Assumiu posicionamentos e medidas concretas
adotados pelos organismos denominados supranacionais tais como a Organizaccedilatildeo para a
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) e a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas
(ONU) com a justificativa de que era necessaacuterio instituir naquela conjuntura uma nova
forma de regulaccedilatildeo soacutecio-econocircmica como reaccedilatildeo agrave suposta crise do Estado de Bem-estar
A proposta substituta da provisatildeo social sob forte influecircncia do ideaacuterio neoliberal
apresentava como eixo central um modelo pluralista de bem-estar a ser concretizado por
uma multiplicidade de setores e atores ndash welfare mix ndash tendo em vista minimizar a
93
intervenccedilatildeo do Estado reservando-lhe apenas a responsabilidade pelo financiamento e por
uma provisatildeo social miacutenima e residual Estava em curso portanto uma forma de regulaccedilatildeo
social baseada em outra loacutegica ndash a de mercado ndash e sob outros princiacutepios distanciados dos
direitos sociais
Os argumentos sobre a suposta crise do Estado de Bem-estar na perspectiva da
criacutetica teoacuterica e ideoloacutegica neoliberal natildeo foram poucos Entende-se que para a
compreenccedilatildeo da dinacircmica que envolve esta alegada crise eacute preciso levar em conta a criacutetica
neoliberal ao Estado de Bem-estar em seus pontos essenciais Tais argumentos estavam
centrados basicamente no desafio de encontrar uma foacutermula para desconstruir a
centralidade do emprego que havia sido colocada como elemento estruturante do Estado
de Bem-estar porque para os neoliberais a universalizaccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar
colocou em alta a importacircncia do lucro visto como criteacuterio ordenador do crescimento
econocircmico Seria portanto necessaacuteria uma geraccedilatildeo de lucro cada vez maior para sustentar
a socializaccedilatildeo da riqueza da forma como estava proposta O lucro mediado pelo mercado
deveria ser privilegiado em detrimento da valorizaccedilatildeo do trabalho e do emprego O mesmo
ocorreu com os binocircmios Estado e famiacutelia e mercado e trabalho que passaram a ser vistos
pelos neoliberais como termos opostos Para os neoliberais a ausecircncia de competitividade
no mercado retiraria do indiviacuteduo a autonomia e a liberdade para decidir sobre seu proacuteprio
futuro jaacute que para essa retoacuterica a autonomia proveacutem do mercado como uacutenica instacircncia
realmente democraacutetica
Com a ofensiva neoliberal o que passou a constituir a nova sociabilidade natildeo
era mais a agregaccedilatildeo do tempo de trabalho mas a agregaccedilatildeo da informaccedilatildeo conforme tese
defendida por Habermas (1987) Essa sempre foi e continua sendo a maior criacutetica dos
neoliberais e dos poacutes-modernos agrave centralidade da categoria trabalho e do Estado como
garante de cidadania O mais curioso dessa criacutetica eacute que a sua matriz natildeo eacute de todo
neoliberal Ela pertence tambeacutem agrave chamada esquerda libertaacuteria que parte dos proacuteprios
fundamentos do sistema capitalista tendo como alvo o produtivismo e o industrialismo
Para Habermas (1987) o que se mede na sociedade poacutes-moderna satildeo unidades de
informaccedilatildeo e natildeo mais unidades de forccedila de trabalho como preconizava Marx A
mercadoria forccedila de trabalho passou a natildeo ser mais mensuraacutevel Como defensor e adepto
das teorias poacutes-modernas Habermas (1987) reconhece que o trabalho de fato ganhou
simbolismo e centralidade no contexto do bem-estar mas perdeu sua forccedila simboacutelica nas
sociedades industriais avanccediladas Com base em tais argumentos cumpre indagar a
94
exemplo de Abrahamson (1995) sobre o que de fato ocorreu uma crise do Estado de bem-
estar conforme insistem os neoliberais ou uma falecircncia do modelo keynesiano-fordista
com clara reorientaccedilatildeo agrave direita Torna-se necessaacuterio reafirmar que de acordo com a
proposta deste estudo ocorreu o segundo fato
CAPIacuteTULO III
PLURALISMO DE BEM-ESTAR
ANTECEDENTES CONSTITUICcedilAtildeO E TENDEcircNCIAS
31 O pioneirismo da primeira proposta e sua capturaccedilatildeo pela ofensiva neoliberal
Para Johnson (1990) o termo pluralismo apresenta uma indeterminaccedilatildeo em
relaccedilatildeo agrave centralidade de uma instacircncia provedora de bem-estar como tambeacutem de imprecisatildeo
operacional no que se refere agraves competecircncias dos atores responsaacuteveis por essa provisatildeo
Contudo ressalta que indeterminaccedilatildeo e imprecisatildeo estatildeo longe de significar uma formulaccedilatildeo
neutra ou inocente A seu ver os pluralistas empreenderam de forma deliberada a
desqualificaccedilatildeo do Estado de Bem-estar por meio de duras criacuteticas tanto em relaccedilatildeo agrave
qualidade e alcance dos serviccedilos prestados quanto ao perfil centralizador desse Estado
Registros histoacutericos informam que em 1982 o Centro Europeu para Pesquisa e
Treinamento do Bem-estar Social de Viena realizou um Seminaacuterio Internacional com o
tiacutetulo Volviendo a la Gente (ABRAHAMSON 1995) o qual tratou especificamente das
estrateacutegias de participaccedilatildeo e de descentralizaccedilatildeo como elementos-chaves da proposta
pluralista de bem-estar Tambeacutem foi dada nesse seminaacuterio ecircnfase agrave necessidade de
promoccedilatildeo da reduccedilatildeo de gasto puacuteblico bem como a substituiccedilatildeo radical da atuaccedilatildeo do
Estado como provedor social por uma atuaccedilatildeo plural ou mista a ser assumida por setores
natildeo-oficiais (JOHNSON 1990) Opiniotildees semelhantes foram expostas em outra reuniatildeo
programada tambeacutem pelo Centro Europeu em 1984 cujos informes confirmavam o
crescimento da adesatildeo entre os paiacuteses (havia treze ali representados) agraves iniciativas sociais
plurais voluntaacuterias e informais como forma de oferecer respostas agraves falhas na atuaccedilatildeo do
Estado de Bem-estar
Em vista disso Johnson (1990) chama a atenccedilatildeo para a necessidade de
questionamento dessa estrateacutegia de esvaziamento progressivo dos espaccedilos puacuteblicos
mediante a institucionalizaccedilatildeo do pluralismo de bem-estar e da desinstitucionalizaccedilatildeo das
poliacuteticas sociais como concretizadoras de direitos identificando as verdadeiras razotildees
desse processo
96
Um aspecto curioso nessa operaccedilatildeo desmonte eacute saber como a discussatildeo sobre o
pluralismo de bem-estar surgiu no marco da defesa dos setores voluntaacuterio informal e
comercial como estrateacutegia poliacutetica que atribui grande centralidade ao papel do mercado Para
Johnson (1990) nessa operaccedilatildeo foram enfatizadas as falhas do Estado de Bem-estar e
ignorados seus ecircxitos Natildeo foram apresentadas provas concretas e nem pesquisas
fundamentadas empiricamente que comprovassem que o Estado de Bem-estar tinha sido um
equiacutevoco eou argumentos convincentes que provassem que a proposta de pluralismo
neoliberal poderia produzir melhores resultados A seu ver era clara a intenccedilatildeo neoliberal de
ruptura com o modelo de bem-estar puacuteblico e universalizador em benefiacutecio de um modelo
plural ou misto de cunho privatista e residual Ademais um outro aspecto a considerar eacute a
ousadia da proposta pluralista de natildeo tentar estabelecer limites ao setor privado (lucrativo e
natildeo-lucrativo) com o argumento de que seria encontrado um equiliacutebrio natural nas relaccedilotildees
entre os mercados sociais e econocircmicos Em outras palavras em uma economia mista de bem-
estar seria o mesmo que buscar encontrar um equiliacutebrio entre ldquoa competitividade do mercado
de empresas privadas e a humanidade do bem-estar socialrdquo (JOHNSON 1990 p 89)
Abrahamson (1995) ao tambeacutem analisar o surgimento do pluralismo de bem-
esta e o momento de sua apropriaccedilatildeo pelos neoliberais antes mesmo das mudanccedilas
ocorridas na Europa do Leste (como a decomposiccedilatildeo da Uniatildeo Sovieacutetica e do estalinismo)
e da construccedilatildeo da chamada integraccedilatildeo econocircmica europeacuteia (atualmente Uniatildeo Europeacuteia)
indica algumas medidas que se configuraram como ingerecircncias das chamadas instituiccedilotildees
poliacuteticas supranacionais (ONU OCDE) sinalizadoras de um novo desafio a adoccedilatildeo de
medidas poliacuteticas e econocircmicas plurais ou mistas relativas ao financiamento agrave regulaccedilatildeo e
agrave realizaccedilatildeo do bem-estar no mundo moderno e em especial na Europa As propostas
segundo ele requisitavam de forma clara uma necessaacuteria revisatildeo do papel do Estado de
Bem-estarem nome da retomada do crescimento econocircmico A seu ver dois fatos
passaram a exigir maior atenccedilatildeo dos analistas O primeiro foi a crise do petroacuteleo em
meados dos anos 1970 que conseguiu interromper a implementaccedilatildeo da primeira fase do
processo de construccedilatildeo e de desenvolvimento do Estado de Bem-estar em alguns paiacuteses da
Europa e o segundo foram as iniciativas e interpretaccedilotildees das instituiccedilotildees supranacionais
(ONU e OCDE e outras) sobre o papel das poliacuteticas sociais a partir dos anos 1970 Ateacute
entatildeo o Estado de Bem-estar era visto como parte integrante do moderno desenvolvimento
capitalista desde a crise de 1930 e natildeo como uma carga econocircmica para o sistema como
passou a ser identificado
97
Baseado em fontes documentais e histoacutericas Abrahamson (1995) afirma que
em 1987 os ministros de assuntos sociais ao serem convocados pela ONU elaboraram
uma agenda com a seguinte denominaccedilatildeo A poliacutetica social em transiccedilatildeo adaptaccedilatildeo agraves
necessidades dos anos 1990 Essa adaptaccedilatildeo como seria previsiacutevel teria caraacuteter plural ou
misto o que destoava da concepccedilatildeo da ONU ateacute entatildeo cujas formulaccedilotildees sobre poliacutetica
social eram bastante geneacutericas No entanto esse procedimento tinha precedentes Em 1981
a OCDE declarou surpreendentemente que o Estado de Bem-estar estava em crise
destacando dois fatores que caracterizavam esse fato O primeiro era uma crise financeira
e o segundo uma crise de legitimidade poliacutetica Esse foi o primeiro argumento neoliberal
utilizado para justificar a jaacute anunciada necessidade de promoccedilatildeo de rdquouma melhor
adequaccedilatildeo na agenda poliacutetica em relaccedilatildeo ao sistema de provisatildeo social na Europa face agraves
necessidades dos anos 1990rdquo (ABRAHANSON 1995 p 115) Em uma segunda reuniatildeo
realizada em Bratislava no veratildeo de 1993 os ministros de assuntos sociais discutiram com
maiores detalhes o desenvolvimento da poliacutetica social33 Segundo Abrahamson (1995 p
114) esta conferecircncia ressaltou a necessidade de obtenccedilatildeo de acordo sobre a aplicaccedilatildeo e a
definiccedilatildeo de alguns padrotildees sociais baacutesicos sem contudo especificar a essecircncia de tais
padrotildees e nem discutir o conteuacutedo do que se resumiu a uma ldquoaplicaccedilatildeo dos princiacutepios-guia
das Naccedilotildees Unidas para o fortalecimento da sociedade civilrdquo
Ainda em 1993 em Copenhague a ONU surpreendeu novamente ao incluir
como ponto de pauta de uma reuniatildeo com representantes mundiais o aprofundamento do
debate sobre o desenvolvimento da poliacutetica social Todas essas estrateacutegias expressam
como faz ver Abrahamson (1995) um duplo sentido de um lado um novo olhar sobre as
poliacuteticas sociais ao atribuir-lhes importante status social e de outro uma clara intenccedilatildeo
desses organismos de romper com as orientaccedilotildees keynesianas e difundir uma nova
orientaccedilatildeo econocircmica o que redundou no monetarismo
Para Abrahamson (1995 p 114) foi no documento da ONU de 199334 que se
empregou o conceito de agregado de bem-estar ou welfare mix para significar ldquoa cooperaccedilatildeo
entre vaacuterios setores sociais na provisatildeo de bem-estar ao cidadatildeo a saber o governo o setor
privado as organizaccedilotildees voluntaacuterias o setor informal a comunidade e a famiacuteliardquo Nesse
documento fica claro um enfoque pluralista diferenciado do anterior (do poacutes-guerra) o qual
sugeria que os governos deveriam sobretudo levar em conta uma correspondecircncia natildeo-
33 Documento da ONU (1993 p 3-4 apud ABRAHANSON 1995) 34 Ver ONU (1993 p 5-6 apud ABRAHANSON 1995 p 114 - 115)
98
convencional entre tais atores sociais como descentralizar a tomada de decisotildees repartindo
responsabilidades intensificar a qualificaccedilatildeo dos envolvidos no trabalho social (tanto
profissional como voluntaacuterio) trabalhar pela flexibilizaccedilatildeo da administraccedilatildeo e da atuaccedilatildeo do
Estado de Bem-estar (isto eacute restriccedilatildeo aos direitos sociais e afrouxamento dos direitos civis) e
por fim assegurar que os trabalhos voluntaacuterio informal e domeacutestico fossem reconhecidos e
valorizados35 Em vista disso tanto o discurso que vinha sendo formulado jaacute haacute algum tempo
(final dos anos 1970) sobre a importacircncia de obter o consenso necessaacuterio ao desenvolvimento
das poliacuteticas de bem-estar em bases pluralistas se concretizou no dizer de Abrahamson sob a
forma de um agregado de bem-estar ou welfare mix Assim instituiu-se em 1989 a concepccedilatildeo
de pluralismo de bem-estar sob a eacutegide neoliberal (ONU 1989)
Tudo isso confirma que a proposta original de pluralismo de bem-estar natildeo
surgiu do nada e muito menos com a nova direita Ela tem raiacutezes histoacutericas muito embora
natildeo tenha se concretizado historicamente Os autores citados afirmam que os diferentes
Estados de Bem-estar na Europa sempre incorporaram a dimensatildeo plural ndash jaacute que
requeriam vaacuterias fontes provedoras _ mas que no iniacutecio dos anos 1980 tal dimensatildeo foi
apropriada pelos neoliberais que lhe imprimiram sua loacutegica privatista antiestatal e
mercadoloacutegica Natildeo por acaso a discussatildeo sobre pluralismo de bem-estar ganhou destaque
no debate contemporacircneo da poliacutetica social
Ao comparar as diferentes tipologias e ocupar-se sobretudo com o estudo de
modelos de bem-estar no interior da sociedade capitalista especialmente do chamado
modelo latino de proteccedilatildeo social caracteriacutestico da Regiatildeo Sul da Europa denominada
Europa do Sul36 o presente estudo constatou que foi no contexto de mudanccedila dos modelos
de bem-estar capitalistas que a nova direita afirmou a existecircncia de uma crise do Estado
de Bem-estar Foi portanto no interior da sociedade capitalista que emergiu e ganhou
proeminecircncia nos ciacuterculos intelectuais nacionais e internacionais o fenocircmeno do
pluralismo de bem-estar sob influecircncia da concepccedilatildeo neoliberal ndash na verdade como
afirma Pereira (2001 p 36) ldquoum liberalismo econocircmico revisitado e adaptado aos tempos
atuais do capitalismo globalizado e da produccedilatildeo flexiacutevelrdquo
Para melhor visualisar a composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar vale reproduzir
os diagramas construiacutedos por Abrahamson (1995) como representaccedilatildeo de um modelo
35 Abrahamson (1995) discorre sobre o trabalho voluntaacuterio e o domeacutestico segundo a oacutetica dos pluralistas de bem-estar neoliberais 36Esta seraacute a denominaccedilatildeo utilizada nesta tese ou seja Europa do Sul ou Regiatildeo Sul da Europa para distinguir essa regiatildeo de outras denominaccedilotildees tais como Europa Mediterracircnea ou Europa Latina
99
triangular tomado como referecircncia e por analogia Conforme Abrahamson (1995) o modelo
triangular foi desenvolvido na metade dos anos 1980 simultaneamente pelo Departamento de
Sociologia da Universidade de Copenhague e pelo Centro Europeu para Pesquisa e Treinamento
do Bem-estar Social de Viena A demonstraccedilatildeo geograacutefica da configuraccedilatildeo do triacircngulo do
bem-estar tomado como referecircncia por Abrahanson (1995) foi desenvolvida no Seminaacuterio
A posiccedilatildeo e participaccedilatildeo dos clientes a questatildeo chave na poliacutetica social avanccedilada em
Helsinque Finlacircndia e correspnde agraves figuras 1 2 e 3
Nessa demonstraccedilatildeo haacute a prevalecircncia de uma matriz triangular que conteacutem no
seu interior trecircs esferas mercado Estado e setores natildeo-mercantis da sociedade das quais
recursos especiacuteficos podem ser obtidos e canalizados de forma conjugada para a proteccedilatildeo
social dependendo da correlaccedilatildeo de forccedilas estabelecida A proposta apresentada pelos
pluralistas de bem-estar ao justificar a composiccedilatildeo do chamado agregado de bem-estar
(muacuteltiplos atores e setores) para atuaccedilatildeo no campo da proteccedilatildeo social se assemelha a essa
configuraccedilatildeo de Abrahanson (1995) conforme demonstram as figuras 1 2 e 3 a seguir
As figuras 1e 2_Triacircngulo de bem-estar plural 1e 2_ indicam com quais
recursos cada esfera deveraacute atuar no campo da provisatildeo social (o mercado com o dinheiro o
Estado com o poder e os setores informais e natildeo-mercantis com a solidariedade)
Um modelo triangular para provisatildeo plural de bem-estar
Fonte Peter Abrahanson 1995
Figura 1 Triacircngulo do bem-estar plural 1
100
Fonte Peter Abrahanson 1995
Figura 2 Triacircngulo do bem-estar plural 2
A figura 3 _Triacircngulo de bem-estar plural 3_ a seguir ressalta a articulaccedilatildeo
que deveraacute existir entre as trecircs esferas com destaque para a relaccedilatildeo vertical estabelecida
entre os setores formal e informal puacuteblico e privado com prevalecircncia da loacutegica de
economia de mercado com mediaccedilatildeo das organizaccedilotildees voluntaacuterias dos grupos de auto-
ajuda e das cooperativas e pequenas iniciativas Essa proposta de provisatildeo social de
caraacuteter plural ou misto eacute apresentada como estrateacutegia de substituiccedilatildeo do papel do Estado
Fonte Peter Abrahanson 1995
Figura 3 Triacircngulo do bem-estar plural 3
101
Nessa composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar o bem-estar do indiviacuteduo
depende da extensatildeo da relaccedilatildeo que ele manteacutem com as trecircs esferas referidas que por sua
vez operam da seguinte forma o mercado assegura o dinheiro o Estado o poder e a
sociedade e setores sociais natildeo-mercantis a solidariedade A diversidade de meios indica
que diferentes loacutegicas estatildeo em jogo e que os recursos seratildeo canalizados e
disponibilizados dependendo da inter-relaccedilatildeo estabelecida entre as esferas
Habermas (apud ABRAHAMSON 1995) para quem o dinheiro e o poder
pertencem ao chamado mundo do sistema e a solidariedade pertence ao mundo da vida
o mundo do sistema coloniza o mundo da vida impedindo-o agrave sua emancipaccedilatildeo Por
isso para que haja a emancipaccedilatildeo a sociedade precisa ser descolonizada e exercer o
controle sobre o Estado Essa reflexatildeo estaacute relacionada agrave anaacutelise da praacutetica das poliacuteticas
sociais na Europa ao final da Segunda Guerra Mundial apontando uma divisatildeo do bem-
estar em que Estado mercado e setores natildeo-mercantis da sociedade tecircm
responsabilidades equiparadas na provisatildeo de bem-estar o que reforccedila a proposta de
pluralismo de bem-estar que para Abrahamson (1995) ganhou corpo no iniacutecio dos anos
1990 De fato diz ele na Europa dos anos 1990 todas as trecircs esferas (Estado mercado e
setores natildeo-mercantis da sociedade) foram ativas na organizaccedilatildeo do bem-estar variando
os niacuteveis de participaccedilatildeo de uma ou de outra para mais ou para menos conforme a
organizaccedilatildeo social poliacutetica e ideoloacutegica de cada paiacutes A sua preocupaccedilatildeo maior poreacutem
eacute com o futuro da poliacutetica social que a seu ver se mostra incerto apresentando
tendecircncias guiadas ora pelo medo ora pela esperanccedila
Abrahamson (1995) entende que a experiecircncia do pluralismo de bem-estar
natildeo eacute independente e nem estaacute desvinculada do contexto poliacutetico no qual foi formulada
Em sua anaacutelise constata a importacircncia crescente do setor voluntaacuterio o qual eacute
enfatizado por autoridades puacuteblicas que preocupadas com a magnitude das questotildees
que tecircm de enfrentar transferem-lhe parte de suas responsabilidades Esse setor por
seu turno adere a essa demanda puacuteblica definindo suas aacutereas de atuaccedilatildeo e seu niacutevel de
envolvimento no contexto do pluralismo de bem-estar Nesse envolvimento o
anonimato eacute garantido e os clientes satildeo classificados por sua condiccedilatildeo soacutecio-
econocircmica com variaccedilotildees nos niacuteveis e formas de atendimento Esse procedimento
amplia-se agrave medida que autoridades assumem publicamente que sozinhas natildeo tecircm
condiccedilotildees de enfrentar certas necessidades e que elas podem ser atendidas pelo setor
voluntaacuterio Trata-se do que o autor denomina de zona cinzenta que vai se
102
estabelecendo entre a vida civil e o sistema de bem-estar puacuteblico e que contribui para o
aparecimento de uma forte tendecircncia agrave dualizaccedilatildeo isto eacute de um sistema de bem-estar
bifurcado em que o mercado mais generoso cuida dos trabalhadores melhor
posicionados na escala social e o Estado fica com os grupos menos privilegiados
economicamente Esse sistema dual conduz agrave existecircncia simultacircnea de dois tipos de
sistemas de bem-estar um privado regido pelo mercado e outro puacuteblico que atende
precariamente aos marginalizados
Abrahamson (1995) conclui sua anaacutelise expressando certo temor de que o futuro
da poliacutetica social na Europa sustente a tendecircncia jaacute iniciada de favorecer crescente
marginalizaccedilatildeo social com diferenciaccedilotildees segregaccedilotildees e polarizaccedilotildees em vez de combatecirc-las
porque o Mercado Comum Europeu tende a reforccedilar uma situaccedilatildeo de crescente competiccedilatildeo
entre as regiotildees o que aliaacutes eacute o seu propoacutesito Como consequumlecircncia estatildeo sendo previstas
migraccedilotildees internas necessidade de definiccedilatildeo de uma renda miacutenima crises entre capital e
trabalho e provisatildeo social precaacuteria que poderatildeo levar a uma temida desordem social Para ele
a direccedilatildeo que tecircm tomado as discussotildees coordenadas pela Comissatildeo da Comunidade
Europeacuteia indica a prevalecircncia ora da poliacutetica social tradicional ora da poliacutetica social dual Seu
estudo revela ainda um aumento expressivo do fenocircmeno da pobreza na Comunidade
Europeacuteia Como tendecircncia ressalta que estatildeo sendo transferidas gradativamente
responsabilidades sociais puacuteblicas para o setor voluntaacuterio e para iniciativas locais da sociedade
civil baseadas na auto-ajuda Assim os pobres e os grupos de risco tendem a ficar
dependentes de redes de solidariedade da sociedade civil ou de governos locais A
solidariedade continua sendo um princiacutepio central do bem-estar misto poreacutem mais estreita
excluindo segmentos pauperizados para os quais o prognoacutestico natildeo eacute favoraacutevel Haacute receio do
fortalecimento de uma sociedade dual e do aumento da pobreza
Para Abrahamson (1995) a Europa dos anos 2000 o futuro baseado no
pluralismo do bem-estar prenuncia perspectivas preocupantes e sombrias A criaccedilatildeo de
meios de integraccedilatildeo de pessoas marginalizadas na vida social normalizada e no trabalho
eou em estrateacutegias de inclusatildeo vem sendo enfatizada mediante a adoccedilatildeo de poliacuteticas
alternativas de desenvolvimento econocircmico e social integrado enfocando a produccedilatildeo
Diante desse panorama natildeo eacute por acaso que Abrahamson (1995) refira-se agrave
dialeacutetica da esperanccedila e do medo como recurso analiacutetico para encerrar sua reflexatildeo ao
mesmo tempo em que sugere poliacuteticas sociais eficazes que dissipem o medo e tornem a
esperanccedila verdadeira
103
Na mesma linha de anaacutelise de Abrahamson mas demonstrando esperanccedila
Goacutemez Herrera (2001) autor espanhol identificado com as estrateacutegias do welfare mix
apresenta vaacuterias modalidades de regulaccedilatildeo social denominadas por ele de traccedilos de uma
regulaccedilatildeo poliacutetica plural que se contrapotildeem ao modelo keynesiano-
fordistabeveridgiano Sobre tal processo de regulaccedilatildeo Goacutemez Herrera (2001 p 77)
enfatiza que ldquoo fluxo combinatoacuterio e relacional do welfare mix deve presidir esse novo
padratildeo de bem-estar em sua forma mais completa e complexardquo Para tanto Goacutemez
(2001) apresenta um quadro classificatoacuterio sobre os quatro setores que ele denomina de
acircmbitos eou esferas de bem-estar inerentes ao welfare mix e que a seu ver devem
estar em constante relaccedilatildeo Satildeo elas a esfera do mercado (organizaccedilotildees sindicais
empresariais e de categoria) a esfera da poliacutetica (atores que atuam em referecircncia ao
Estado) esfera da economia social ou mercado social (atores que atuam nos chamados
setores privado social ou terceiro setor) e por uacuteltimo a esfera das comunidades
primaacuterias (as famiacutelias e as redes espontacircneas e informais da vida cotidiana) Nesse
quadro Goacutemez (2001) justifica o uso como referecircncia do esquema socioloacutegico
apresentado por T Parsons que foi posteriormente reelaborado por Donati (apud
Goacutemez 2001) A seu ver a importacircncia de tal esquema consiste em corroborar com a
tese pluralista de bem-estar na perspectiva neoliberal
32 Neoliberalismo pluralismo de Bem-estar e emergecircncia da chamada sociedade de
bem-estar
Como se depreende das contribuiccedilotildees de Johnson (1990) associadas agraves de
Abrahamson (1995) o pluralismo de bem-estar natildeo estava identificado de forma direta
com o neoliberalismo Portanto ao contraacuterio do que muitos pensam eles natildeo satildeo
sinocircnimos embora tenham sido identificados posteriormente no apogeu do ideaacuterio
neoliberal Johnson (1990) vai aleacutem desse aspecto em sua anaacutelise sobre os fatores que
desencadearam a suposta crise do Estado de Bem-estar e sua relaccedilatildeo com a emergecircncia da
proposta de pluralismo de bem-estar neoliberal Argumenta que ldquoo Estado de Bem-estar
foi em grande medida viacutetima de seu proacuteprio ecircxitordquo (JOHNSON 1990 p 85-87) Para ele
foi ldquoo ecircxito dos serviccedilos sociais estatais e natildeo o seu fracasso que elevou as expectativas
dos beneficiaacuterios e contribuiu para criar a distacircncia entre oferta e demanda confirmando as
104
previsotildees de Keynesrdquo Outra questatildeo polecircmica e complexa eacute a proposta pluralista de bem-
estar ser apresentada como alternativa plural ou mista a uma concepccedilatildeo de Estado
estruturada em princiacutepios puacuteblicos e universais
Ao buscar qualificar os termos neoliberalismo e pluralismo bem como
identificar a emergecircncia de ambos na histoacuteria do capitalismo algumas distinccedilotildees fazem-se
necessaacuterias Tais termos natildeo satildeo sinocircnimos pois embora o neoliberalismo expresse uma
fase de mudanccedilas estruturais na economia capitalista de retomada de centralidade do
mercado e de expansatildeo sob influecircncia do modelo toyotista37 (voltado para a
comercializaccedilatildeo competitiva entre grandes corporaccedilotildees internacionais) a ideacuteia de bem-
estar pluralista inicialmente questionava o protagonismo do Estado sem esvaziar a sua
importacircncia na provisatildeo social
A vinculaccedilatildeo entre pluralismo de bem-estar e neoliberalismo ocorre quando o
neoliberalismo apropria-se da ideacuteia de um bem-estar misto concebida no contexto do
final da Segunda Guerra Mundial A diferenciaccedilatildeo entre esse momento e o anterior reside
na ideacuteia inicial de pluralidade de bem-estar admitir a importacircncia do Estado na provisatildeo
social puacuteblica ao passo que a concepccedilatildeo de bem-estar neoliberal natildeo soacute rechaccedila a
intervenccedilatildeo estatal como a minimiza O certo eacute que o pensamento neoliberal de uma
provisatildeo social mista concebida como um conjunto de atores e setores responsaacuteveis pelo
bem-estar ganhou notaacutevel expressatildeo internacional a partir dos anos 1980 Desde entatildeo a
concepccedilatildeo de uma provisatildeo social plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica no campo do
bem-estar (a nosso ver) foi incluiacuteda nos debates sobre Estado de Bem-estar e da poliacutetica
social especialmente no acircmbito da assistecircncia social Passou-se a reivindicar que tal
concepccedilatildeo passasse a ser identificada com uma pluralidade de fontes setores atores e de
modos de provisatildeo social natildeo-oficiais que deveriam substituir a provisatildeo puacuteblica oficial
feita pelo Estado
Segundo Johnson (1990) para os pluralistas o termo pluralismo de bem-estar
tem uma estreita vinculaccedilatildeo com a economia mista de bem-estar No entanto a seu ver em
sua versatildeo neoliberal o termo apresenta um problema de falta de precisatildeo conceitual que
tem gerado equiacutevocos de interpretaccedilatildeo classificaccedilatildeo bem como controveacutersias e
divergecircncias teoacuterico-conceituais
37 Toyotismo ndash modelo econocircmico capitalista que privilegia um acelerado desenvolvimento cientiacuteficotecnoloacutegico e informacional multiplicador da produtividade e rotatividade do produtomercadoria Provocou profundas mudanccedilas no mundo do trabalho Nele as conquistas teacutecnicas e cientiacuteficas interligam a ciecircncia agrave produccedilatildeo e ao consumo reduzindo a temporalidade e os custos na fabricaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo de mercadorias
105
Finalmente em relaccedilatildeo agraves controveacutersias e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais que
cercam o termo eacute preciso ressaltar que o pluralismo de bem-estar trabalhado nesta tese
difere do pluralismo tratado na Ciecircncia Poliacutetica embora mantenha afinidades com ele Os
cientistas poliacuteticos formulam seus argumentos pluralistas baseados nas ideacuteias de Dahl
(1970 e 1982) seu principal expoente teoacuterico Dahl (1970) centra sua anaacutelise nos
fundamentos do modelo pluralista denominado por ele de pluralismo poliacutetico Sua visatildeo eacute
antielitista e contestadora da centralidade atribuiacuteda ao Estado como poder central
Diferencialmente trata-se de uma visatildeo pluralista centrada no poder poliacutetico de grupos e
natildeo de classes e portanto de um modelo plural contraacuterio agrave visatildeo pioneira de pluralismo
de bem-estar que preconizava a importacircncia da intervenccedilatildeo estatal Os pluralistas
dahlsianos apontam como fator de impedimento ao estabelecimento de relaccedilatildeo paciacutefica
entre os poderes econocircmico e poliacutetico a intervenccedilatildeo deliberada do Estado na economia e na
vida social Trata-se de um aspecto discordante em relaccedilatildeo ao objeto do presente estudo
natildeo apenas por referir-se agrave relaccedilatildeo plural entre diferentes atores e agrave intervenccedilatildeo do Estado
mas sobretudo pela suposta centralidade dada por esse modelo agrave atuaccedilatildeo e agrave capacidade
de regulaccedilatildeo social desses atores Portanto a atuaccedilatildeo do Estado eacute vista por Dahl (1970) de
forma restrita e inexpressiva o que aproxima mais sua proposta do ponto de vista poliacutetico
e conceitual da concepccedilatildeo de pluralismo de bem-estar neoliberal
Percebe-se assim que o termo plural natildeo eacute inoacutecuo Para Oliveira (1998)
natildeo foi por acaso que a ofensiva neoliberal foi mais agressiva em relaccedilatildeo agrave regulaccedilatildeo
estatal a partir dos anos 1970 A estrateacutegica poliacutetica dos pluralistas neoliberais
consistiu em atingir o produto mais central do Estado de Bem-estar qual seja
promover a desmontagem do sistema de seguridade social que assegurava garantias no
acircmbito do trabalho O grande equiacutevoco da teorizaccedilatildeo do chamado pluralismo de bem-
estar liderada pelos neoliberais foi o de desconsiderar o conflito social existente a
histoacuterica relaccedilatildeo entre Estado economia e poliacutetica social e ainda o de entender o
Estado como instacircncia que deveria atuar fora da economia
Um outro importante argumento a ser considerado na anaacutelise do processo de
transferecircncia de responsabilidades sociais para a chamada sociedade de bem-estar eacute que a
ideacuteia de pluralismo de bem-estar neoliberal apesar de conter a noccedilatildeo de vaacuterios ou
muacuteltiplos agentes atuantes (informais voluntaacuterios e comerciaismercantis) expressa
tambeacutem um bem-estar voltado para o fortalecimento de preferecircncias individuais eou
grupais Ao restringir as accedilotildees da assistecircncia e as focalizar na pobreza extrema e transferi-
106
las para um agregado de bem-estar privilegia-se uma atenccedilatildeo miacutenima residual e restrita a
alguns segmentos Portanto natildeo se trata de uma accedilatildeo puacuteblica para todos A presente
anaacutelise procurou fundamentar-se em teorias que expressam um referencial teoacuterico
norteador de uma compreensatildeo de bem-estar puacuteblico colocado a serviccedilo do interesse
comum e vinculado agrave satisfaccedilatildeo de necessidades sociais baacutesicas e natildeo miacutenimas Percebe-
se sobretudo a constataccedilatildeo da prevalecircncia de posiccedilotildees estreitas e unilaterais concordantes
com a estrateacutegia de esvaziamento do poder regulador do Estado mediante o fortalecimento
de uma economia pluralista de bem-estar colocada como alternativa viaacutevel no campo da
provisatildeo social quando se tem claro que o conceito de bem-estar social puacuteblico somente se
efetiva mediante a primazia do Estado na conduccedilatildeo dos processos sociais sob o controle
democraacutetico da sociedade civil
Pereira (2000 p 27) para quem a proteccedilatildeo social natildeo eacute sinocircnimo de tutela
nem de atenccedilatildeo agrave pobreza absoluta enfatiza que a provisatildeo social puacuteblica deve ser
otimizada e vista
como uma poliacutetica em movimento que natildeo se contenta em procurar suprir de forma isolada e estaacutetica nem iacutenfima ou mesmo basicamente privaccedilotildees e carecircncias criacuteticas que por serem ldquomaacuteximasrdquo ou extremas exigem respostas mais complexas e substanciais
Portanto a noccedilatildeo puacuteblica de bem-estar com a qual esta reflexatildeo se
identifica se opotildee a qualquer perspectiva plural ou mista seja familiar eou de
grupos desconectada da dimensatildeo puacuteblica Fora desse entendimento o que se
constata na sociedade contemporacircnea que estaacute em curso uma flagrante despolitizaccedilatildeo
seguida da naturalizaccedilatildeo das necessidades baacutesicas que satildeo relativizadas eou
reduzidas a patamares iacutenfimos de exigecircncias minando as possibilidades de
construccedilatildeo de um novo momento eacutetico-poliacutetico Como estrateacutegia neoliberal de
desmonte das organizaccedilotildees poliacuteticas haacute uma expliacutecita intenccedilatildeo de substituir a
dimensatildeo poliacutetica da vida humana por apelos de auto-ajuda ajuda muacutetua e de
solidariedade esvaziando o pensamento criacutetico sobre as contradiccedilotildees internas desses
processos e restringindo o campo dos direitos A ecircnfase eacute dada aos interesses
corporativos e a uma subjetividade abstrata que aleacutem de ganhar a adesatildeo de sujeitos
despolitizados gera conflitos de identidade ao impor novos padrotildees de estratificaccedilatildeo
social comprometendo a ideacuteia de pertencimento a uma classe social Entende-se que
107
esses sujeitos coletivos ficam fragilizados em sua autonomia entendida como
capacidade de fazer escolhas e de tomar decisotildees poliacuteticas Tudo isso se daacute mediante
uma intencionalidade clara de legitimaccedilatildeo da hegemonia ideoloacutegica do capital
globalizado atravessada pela racionalidade instrumental do mercado
Eacute essa loacutegica que passa a orientar as relaccedilotildees entre Estado sociedade e
mercado como demonstram Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) ao apresentarem
as principais caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista
Para efeito comparativo ao tomar como referecircncia apenas trecircs das instituiccedilotildees
apresentadas por Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) quais sejam Estado
comunidade e sociedade obteacutem-se a configuraccedilatildeo empiacuterica do que foi analisado ateacute o
presente momento ou seja a prevalecircncia da atuaccedilatildeo dos setores natildeo-oficiais da sociedade
civil sobre o setor oficial (Estado) na conduccedilatildeo da provisatildeo social de bens e serviccedilos na
perspectiva pluralista de bem-estar (quadro 5)
Quadro 5 Caracteriacutesticas das quatro instituiccedilotildees de bem-estar na perspectiva pluralista de
Evers e Olk (1996)
Instituiccedilatildeo Mercado Estado Comunidade Sociedade civil
Setor produtor de bem-estar
Mercado Setor puacuteblico Setor informal Famiacutelias
Setores natildeo-lucrativos e intermediaacuterios
Princiacutepio de coordenaccedilatildeo da accedilatildeo
Competiccedilatildeo Hierarquia Responsabilidade pessoal
Voluntariado
Ator coletivo central (lado do suprimento)
Companhia Administraccedilatildeo puacuteblica
Famiacutelia (famiacutelias extensas) vizinhos colegas amigos
Associaccedilotildees comunitaacuterias
Papel complementar da demanda
Consumidor cliente Cidadatildeo com direitos sociais
Membro de uma comunidade
Membro de uma associaccedilatildeo
Regra de dmissatildeo Habilidade para pagar Direitos garantidos legalmente
Atribuiccedilatildeo cooptaccedilatildeo Necessidade
Meio de troca Dinheiro Direito Apreciaccedilatildeo respeito Raciociacutenio argumento comunicaccedilatildeo
Norma central de referecircncia
Liberdade de mercado (de escolha e de oportunidade)
Igualdade Reciprocidade altruiacutesmo
Solidariedade
Outros criteacuterios de validade
Bem-estar Seguridade social puacuteblica
Participaccedilatildeo pessoal Poliacuteticas de ativaccedilatildeo social e poliacutetica
Deficiecircncias centrais Desigualdade negligecircncia em relaccedilatildeo a necessidades de consequumlecircncias natildeo-monetaacuterias
Negligecircncia em relaccedilatildeo agraves necessidades baacutesicas das minorias reduccedilatildeo de liberdade de escolha frustraccedilatildeo dos motivos de auto-ajuda
Reduccedilatildeo da liberdade de escolha por meio da obrigaccedilatildeo moral exclusatildeo dos natildeo-membros
Distribuiccedilatildeo desigual de provisotildees e bens deacuteficit de profissionalizaccedilatildeo eficiecircncia reduzida das estruturas organizacionais e de gerenciamento
Fonte Evers Olk (1996 apud ABRAHANSON 2004)
108
Com base nessa classificaccedilatildeo o Estado apresenta-se como setor produtor de
bem-estar (perspectiva natildeo-liberal e progressista) cujas accedilotildees sociais satildeo
fundamentadas no princiacutepio de coordenaccedilatildeo hieraacuterquica tendo como ator coletivo
central a administraccedilatildeo puacuteblica Nessa perspectiva as situaccedilotildees satildeo problematizadas e
apresentadas na forma de demandas legiacutetimas pelos cidadatildeos cujo acesso (eou regras
de admissatildeo) aos bens e serviccedilos sociais tecircm como suporte direitos garantidos
legalmente A norma central de referecircncia que extrapola a igualdade de oportunidades
eacute sobretudo a igualdade de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos na forma de
direitos sociais O criteacuterio maior de validade no acircmbito do Estado eacute a garantia de uma
seguridade social puacuteblica Por outro lado apresentam-se como setores produtores de
bem-estar aleacutem do mercado o chamado setor informal (famiacutelia vizinhos) o voluntaacuterio
(organizaccedilotildees voluntaacuterias) e como princiacutepio moral baacutesico a responsabilidade
individual (na perspectiva neoliberal) Por fim como norma central para toda a
comunidade destacam-se o altruiacutesmo a reciprocidade e a solidariedade
Todavia Evers y Olk (apud ABRAHAMSON 2004) chamam atenccedilatildeo para
deficiecircncias desses arranjos espontacircneos de proteccedilatildeo social associados agrave solidariedade
como a prevalecircncia da obrigaccedilatildeo moral ou religiosa sobre os direitos ou deveres ciacutevicos o
risco da exclusatildeo dos natildeo-membros das associaccedilotildees voluntaacuterias o deacuteficit de
profissionalizaccedilatildeo dos provedores espontacircneos a distribuiccedilatildeo desigual na provisatildeo de bens
e serviccedilos e por fim a reduzida eficiecircncia das estruturas organizacionais e de
gerenciamento do voluntariado
No contexto dessa percepccedilatildeo neoliberal de bem-estar criou-se uma aparente
unidade poliacutetico-ideoloacutegica que acabou por reforccedilar uma cultura minimalista e antiestatal
de proteccedilatildeo social Objetivava-se assim construir a hegemonia do poder econocircmico e
poliacutetico com base em uma ideologia individualista Trata-se na verdade de um processo
de privatizaccedilatildeo das esferas puacuteblicas cujos pressupostos se universalizaram e foram
ganhando adesotildees Dessa forma foram criadas condiccedilotildees histoacutericas que passaram a
legitimar um processo de construccedilatildeo de um pensamento anti-puacuteblico que se tornou
dominante e acabou por atingir as poliacuteticas sociais Em outros termos o bloco de poder jaacute
tendo tomado posse do Estado e das demais esferas puacuteblicas passou a controlar tambeacutem a
produccedilatildeo e a distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais deslocando a sua responsabilidade
para o acircmbito privado Nesse processo de reproduccedilatildeo e de busca de legitimidade da
ideologia neoliberal daacute-se a passagem natildeo apenas de uma concepccedilatildeo de bem-estar mas
109
de uma objetividade histoacuterica para uma subjetividade abstrata jaacute referida anteriormente
Trata-se portanto de uma estrateacutegia poliacutetica que tem possibilitado com sucesso a criaccedilatildeo
de condiccedilotildees factuais e simboacutelicas para o avanccedilo da retoacuterica neoliberal como paradigma
poliacutetico e econocircmico no mundo contemporacircneo Essa eacute uma questatildeo de fundo para o
entendimento das mudanccedilas poliacuteticas verificadas na contemporaneidade Estaacute em debate
portanto a difusatildeo de uma cultura antiestatal ou estatal minimalista no bojo da
valorizaccedilatildeo de um discurso da solidariedade do voluntariado e da auto-ajuda como formas
de provisatildeo consideradas mais democraacuteticas por serem plurais ou mistas
Diante dos equiacutevocos e polecircmicas que permeiam esse debate busca-se
demarcar as fronteiras entre puacuteblico e privado este uacuteltimo representado pelas accedilotildees dos
setores voluntaacuterio informal e comercialmercantil sob orientaccedilatildeo neoliberal Entende-se
que tais setores podem ser necessaacuterios mas natildeo suficientes para a soluccedilatildeo das graves
tensotildees sociais no mundo contemporacircneo Essas accedilotildees ainda que imbuiacutedas do melhor
espiacuterito humanitaacuterio natildeo se configuram como poliacuteticas sociais puacuteblicas Os bens e serviccedilos
natildeo sendo assumidos financiados e regulamentados em leis como direitos sociais passam
a natildeo depender das relaccedilotildees estabelecidas entre Estado e sociedade A adesatildeo e a
disposiccedilatildeo de segmentos da sociedade civil em aceitar encargos poliacuteticos e sociais
proacuteprios do Estado acabaram por legitimar a sua retirada deste do processo de proteccedilatildeo
social esvaziando a sua intransferiacutevel funccedilatildeo de garante de direitos
33 Limites do pluralismo assistencial na Europa do Sul e no Brasil breves referecircncias
aos programas de manutenccedilatildeo de renda e agraves redes de seguranccedila social
A partir dos anos 1980 e sob inspiraccedilatildeo neoliberal ganharam expressatildeo os
chamados programas de manutenccedilatildeo de renda no bojo de esquemas de assistecircncia social
considerados de nova geraccedilatildeo por desobrigarem o Estado da provisatildeo direta de serviccedilos
sociais e por subsidiarem accedilotildees sociais plurais desenvolvidas por redes ou malhas de
seguranccedila social em quase todo o mundo A Europa e Brasil natildeo poderiam ficar fora dessa
influecircncia natildeo obstante as diferenccedilas regionais e nacionais desses distintos contextos
A manutenccedilatildeo de renda busca assegurar uma transferecircncia monetaacuteria eou um
rendimento miacutenimo do Estado para cidadatildeos impossibilitados de assegurar sua subsistecircncia
com recursos proacuteprios geralmente de forma compensatoacuteria auxiliar e focalizada na
110
pobreza Os seus meios eou dispositivos mais comuns referem-se na maioria das vezes a
prestaccedilotildees sociais na forma de ajuda monetaacuteria ou auxiacutelio financeiro para que os cidadatildeos
pobres possam adquirir diretamente no mercado bens de primeira necessidade A criaccedilatildeo a
arquitetura institucional e o desempenho das referidas redes complementadas por uma
provisatildeo miacutenima e subsidiaacuteria do Estado constitui objeto de interesse e de discussatildeo do
presente estudo por sua direta vinculaccedilatildeo com o pluralismo de bem-estar
No Brasil os atuais programas de transferecircncia eou de manutenccedilatildeo de renda
constituem novidade posto que natildeo faz parte da cultura poliacutetica nacional transferir de
forma sistemaacutetica e como obrigaccedilatildeo dos poderes puacuteblicos recursos monetaacuterios aos
beneficiaacuterios das poliacuteticas sociais Entretanto na cultura poliacutetica brasileira persiste o
funcionamento espontacircneo e informal de uma rede de microssolidariedades que vem
sendo explorada e institucionalizada pelo pluralismo de bem-estar com a ingerecircncia de
organismos multilaterais como o Banco Mundial a exemplo da tradiccedilatildeo solidaacuteria
praticada entre agrupamentos proacuteximos no Sul da Europa que assim como o Brasil
partilham do chamado modelo de bem-estar latino a ser especificado no proacuteximo
capiacutetulo Soacute que na Europa mesmo na Regiatildeo Sul esse novo formato de manutenccedilatildeo de
renda se apresenta como uma uacuteltima estrateacutegia de provisatildeo social em que o governo se vecirc
comprometido ao passo que no Brasil acontece o contraacuterio No contexto atual da
proteccedilatildeo social brasileira tal estrateacutegia apresenta-se como uma inovaccedilatildeo tardia se
comparada com a tradiccedilatildeo europeacuteia em mateacuteria de transferecircnia de renda aos segmentos
sociais desmonetarizados Trata-se de uma peculiaridade brasileira que natildeo se pode
perder de vista ou seja no Brasil esse formato de transfrecircncia e manutenccedilatildeo de renda se
apresenta como a uacutenica estrateacutegia de provisatildeo social
A transferecircncia de renda associada agraves redes plurais de proteccedilatildeo social em
contextos diferentes constitui mateacuteria de interesse do presente estudo visto que com eles
pode-se melhor aquilatar a natildeo-lineariedade de praacuteticas assistenciais que perseguem objetivos
comuns e se guiam pelo mesmo ideaacuterio Atualmente na Europa de larga tradiccedilatildeo no campo do
bem-estar social os chamados excluiacutedos satildeo pessoas ou grupos em situaccedilatildeo de pobreza que
nos anos 1940 se encontravam integradas sob a accedilatildeo dos Estados de Bem-estar mas que
atualmente vecircem-se confrontados com situaccedilotildees de vulnerabilidade econocircmica e social ateacute
entatildeo inexistentes Por outro lado na Ameacuterica Latina e especificamente no Brasil um grande
contingente populacional ainda natildeo teve acesso (ou se teve foi precaacuterio e focalizado na
pobreza absoluta) a qualquer tipo de proteccedilatildeo social mediante sistemas nacionais puacuteblicos
111
garantidos pelo Estado Indicadores sociais e econocircmicos de distribuiccedilatildeo de renda revelam o
agravamento da situaccedilatildeo social na Ameacuterica Latina Por fim dada a complexidade da situaccedilatildeo
sob anaacutelise cabe afirmar que os programas de geraccedilatildeo eou de transferecircncia de renda voltados
agrave atenccedilatildeo agrave pobreza em um e noutro contexto por si soacute natildeo tecircm possibilidade de alterar as suas
determinaccedilotildees estruturais
Como contribuiccedilatildeo a essa reflexatildeo este estudo recorreu a anaacutelises de Mishra
(1995) um autor contemporacircneo estudioso do Estado Providecircncia francecircs que construiu dois
modelos de bem-estar aos quais denomina de Estado de Bem-estar Diferenciado ou Estado
Pluralista de Bem-estar e Estado de Bem-estar Integrado ou Estado Corporativo de Bem-estar
Para o autor ambos podem ser interpretados como variantes do modelo institucional (que daacute
ecircnfase ao papel do Estado como agente na provisatildeoregulaccedilatildeo social e na distribuiccedilatildeo de bem-
estar) Contudo Mishra (1995) define o Estado de Bem-estar Diferenciado (ou Pluralista de
Bem-estar) como um modelo em que o setor de bem-estar social eacute visto no geral como
caracteriacutestico mas natildeo relacionado com os setores econocircmico industrial e puacuteblico No Estado
de Bem-estar Integrado o setor de bem-estar eacute entendido como estreitamente relacionado com
os setores econocircmico industrial e puacuteblico Por isso Mishra (1995) apoacuteia e defende o modelo
de Estado de Bem-estar Integrado eou Corporativo por entender que nele as poliacuteticas sociais e
econocircmicas estatildeo inter-relacionadas e surgem da negociaccedilatildeo e do debate entre empregadores
trabalhadores e o Estado
Segundo Mishra (1995) para a escola de pensamento pluralista neoconservador a
ideacuteia de pluralismo assistencial eacute sinocircnimo de economia mista de assistecircncia social O autor
vincula a perspectiva de sociedade-providecircncia agraves anaacutelises dos autores americanos Rein e
Rainwater (1986) e do inglecircs Richard Rose (1986) identificados com o pluralismo de bem-
estar neoliberal Com base nesses estudos realizados em paiacuteses com prevalecircncia de poliacuteticas
neoconservadoras evidencia-se sobretudo uma alteraccedilatildeo da proeminecircncia do Estado no
sistema geral de bem-estar com uma redistribuiccedilatildeo de funccedilotildees entre os vaacuterios fornecedores de
assistecircncia social Para Mishra (1995) percebe-se quase outra versatildeo da tese da
irreversibilidade (ou retraccedilatildeo) dessa vez natildeo do Estado-Providecircncia que eacute visto como algo
reduzido mas da poliacutetica de assistecircncia social propriamente dita Eacute como se em um dado
momento do desenvolvimento da sociedade industrial capitalista os recursos da assistecircncia
social fossem fixos e praticamente se devia dividir a funccedilatildeo assistencial entre os seus vaacuterios
fornecedores Rein e Rainwater (apud MISHRA 1995) designam esse momento como o
desvanecer das fronteiras setoriais entre as esferas puacuteblica e privada da assistecircncia social e
112
propotildeem uma abordagem holiacutestica para o exame de todas as formas de proteccedilatildeo social
independentemente do setor que as administra financia ou controla Para esses autores a
assistecircncia ocupacional privada natildeo leva necessariamente agrave perversatildeo da redistribuiccedilatildeo eou ao
aumento das desigualdades sociais uma vez que depende muito mais da forma e das causas da
introduccedilatildeo da privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais puacuteblicos Para Rose (1986 apud MISHRA
1995) nas sociedades mistas o bem-estar da sociedade eacute capaz de ser maior se existirem
fontes muacuteltiplas de bem-estar em vez de um uacutenico fornecedor monopolista (Estado) Para os
pluralistas assistenciais pois qualquer anaacutelise avaliativa de proteccedilatildeo social em uma sociedade
deve levar em conta formas de provisatildeo assistencial natildeo-estatais
Com base nas avaliaccedilotildees sobre uma mistura providencial preconizada pelos
pluralistas assistenciais em regimes neoliberais e neoconservadores Mishra (1995) afirma que
as diferentes formas de assistecircncia social natildeo podem ser encaradas como equivalentes
funcionais por basearem-se conforme Pereira (2004) em criteacuterios princiacutepios e em acircmbitos de
accedilatildeo diferentes Natildeo se trata assim de uma simples questatildeo de decidir quem poderaacute fazer o
melhor no acircmbito da produccedilatildeo de serviccedilos sociais nem apenas de uma reestruturaccedilatildeo da
divisatildeo desses serviccedilos no campo da assistecircncia social Eacute importante distinguir entre os meios e
os fins dessa poliacutetica social e essa distinccedilatildeo envolve a noccedilatildeo de direito social e de conflitos de
vaacuterias naturezas que natildeo podem ser ignorados Mishra (1995) ressalta a distacircncia normativa
existente entre a anaacutelise pioneira de Titmuss (1963) sobre a divisatildeo social da assistecircncia social
que se referia agrave proteccedilatildeo estatal fiscal e ocupacional assumida haacute mais de trinta anos como
uma criacutetica ao pluralismo e a proposta de um pluralismo assistencial do Estado-Providecircncia
eou de uma economia mista (PEREIRA 2004) Esta proposta privilegia mudanccedilas na forma
pela qual a assistecircncia social deveraacute ser prestada ou seja de natureza mista descentralizada
natildeo-estatal e plural na qual se identifica um deslocamento da poliacutetica social de um ethos
coletivista38 para uma concepccedilatildeo de Estado possibilitador que valoriza mais os serviccedilos de
financiamento planejamento promoccedilatildeo e regulaccedilatildeo do que a sua produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo
Diz Mishra (1995) que essa proposta contrapotildee-se ao princiacutepio da assistecircncia
social como direito social a um rendimento ou niacutevel de serviccedilo adequado que soacute pode ser
garantido pelo Estado como finalidade puacuteblica devendo constituir-se no meio mais eficaz
38 A ideacuteia central eacute que o setor do Estado natildeo eacute apenas um fornecedor de assistecircncia social eacute tambeacutem a legiacutetima agecircncia reguladora dos valores e atividades societaacuterias Seu papel como fornecedor de bem-estar (que deu origem agrave ideacuteia neoliberal de minimizaccedilatildeo do papel do Estado) deve ser distinto de seu papel como regulador da assistecircncia social (que leva agrave retraccedilatildeo agrave omissatildeo do Estado e agrave perda de direitos sociais) Os argumentos pluralistas tendem a defender o duplo papel do Estado como regulador e fornecedor ao mesmo tempo
113
de distribuiccedilatildeo ou prestaccedilatildeo de bem-estar Decorre entacirco a necessidade de distinguir o que
significam a perda do direito a esses serviccedilos e a privatizaccedilatildeo da oferta desses serviccedilos
Essas consideraccedilotildees confirmam a tese com a qual este estudo se identifica a de
que a provisatildeo da assistecircncia social mediante recursos provenientes de fontes privadas
natildeo confere direito social embora haja recursos financeiros para fazecirc-la Essas
ambiguumlidades e contradiccedilotildees fazem que a natureza e o acircmbito da assistecircncia social em
paiacuteses capitalistas continuem a ser incertos e pouco especiacuteficos Nessa perspectiva Mishra
(1995 p 109) afirma ldquoque os paiacuteses de regimes neoconservadores assistiram a um
deslocamento da poliacutetica institucional para uma dimensatildeo residual juntamente com um
abandono do sistema de prestaccedilatildeo de serviccedilos centralizado ou estatal em favor de um
sistema descentralizado e privatizadordquo De fato haacute uma reorientaccedilatildeo da provisatildeo
assistencial para a direita de acordo com princiacutepios liberais e com a loacutegica do mercado
Em relaccedilatildeo a essas mudanccedilas falta agrave sociedade civil a capacidade de assumir um controle
democraacutetico ativo contrapondo-se agrave privatizaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos e agrave retraccedilatildeo seletiva
da poliacutetica de assistecircncia social mediante a defesa de poliacuteticas sociais puacuteblicas
concretizadoras de direitos sociais
CAPIacuteTULO IV
CARACTERIZACcedilAtildeO DA ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA
PLURALISTA CONCEPCcedilAtildeO ESTRATEacuteGIAS E JUSTIFICATIVAS
41 Componentes baacutesicos do pluralismo de bem-estar o setor oficial (Estado) e os
setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio comercial ou mercantil
Com base na configuraccedilatildeo da assistecircncia social na perspectiva de um bem-estar
plural ou misto tal qual o seu desenho atual apresenta-se a seguir uma siacutentese das
principais caracteriacutesticas desse modelo de provisatildeo soacutecio-assistencial plural para melhor
aquilatar a sua compatibilidade com o modelo latino
411 Caracteriacutesticas da proposta do pluralismo de bem-estar
Haacute uma acentuada valorizaccedilatildeo das estruturas informais e voluntaacuterias da sociedade
como accedilotildees sociais de ajuda muacutetua e de auto-ajuda (entre familiares vizinhos e amigos no campo
da assistecircncia social que devem operar com um baixo grau de regulaccedilatildeo interna e estatal
(JOHNSON 1990) A valorizaccedilatildeo de setores natildeo-oficiais evidencia uma expliacutecita resistecircncia dos
neoliberais ao poder regulador do Estado bem como o estabelecimento de claras estrateacutegias para
reduzir o papel dessa instacircncia na provisatildeo social
Enfatiza-se o poder local (princiacutepio da autogestatildeo) e os mercados privados
como se tais setores fossem suficientemente capacitados para uma participaccedilatildeo efetiva
como agentes de bem-estar Para tanto adota-se o conceito de participaccedilatildeo (ateacute mesmo no
campo da gestatildeo orccedilamentaacuteria e financeira) e de descentralizaccedilatildeo secundaacuteria (que significa
distribuiccedilatildeo de poder mediante maior relaccedilatildeo do governo com as comunidades localidades
eou pequenas aacutereas ndash path system ndash delegando-as agrave gestatildeo de trabalhadores sociais
voluntaacuterios) A estes setores compete aleacutem do exerciacutecio da participaccedilatildeo e da
descentralizaccedilatildeo secundaacuteria identificar problemas sociais alocar recursos e criar redes de
solidariedade informal fortalecendo-as
115
Ocorre significativa mudanccedila no campo da assistecircncia comunitaacuteria Nesse
campo a assistecircncia comunitaacuteria deve ser para a comunidade e na comunidade e eacute vista
como uma provisatildeo informal e voluntaacuteria de benefiacutecios de serviccedilos de gastos sociais
privados (e natildeo puacuteblicos) e de tomadas de decisatildeo com caraacuteter de ajuda apoio e proteccedilatildeo
aos considerando a retraccedilatildeo e a minimizaccedilatildeo do papel do Estado bem como a destituiccedilatildeo de
qualquer reconhecimento e legitimidade das esferas puacuteblicas nesse processo Contudo ldquoa
despeito dessas mudanccedilas compete ao setor informal o papel de proporcionar maior
assistecircncia familiar comunitaacuteria e informal qual seja pessoal domeacutestica auxiliar e de apoio
socialrdquo (JOHNSON 1990 p 130-131)
O papel do Estado eacute minimizada com a justificativa de que deve ficar restrito agrave
provisatildeo de uma infra-estrutura baacutesica e financeira para viabilizar a manutenccedilatildeo e o
desenvolvimento do pluralismo de bem-estar Essa justificativa apoacuteia-se tambeacutem no
entendimento de que o Estado natildeo eacute o uacutenico ator nem a uacutenica fonte de produccedilatildeo de bem-
estar Por isso recomendam-se a desregulamentaccedilatildeo do mercado e a desinstitucionalizaccedilatildeo
das poliacuteticas sociais especialmente da assistecircncia social
Haacute forte tendecircncia agrave expansatildeo dos mercados privados agraves expensas da provisatildeo social
puacuteblica (JOHNSON 1990) Nessa situaccedilatildeo a demanda social sempre se submete agrave oferta de
bens e serviccedilos privados ou recebe respostas residuais seletivas ou focalizadas na pobreza
extrema Nesse processo a ecircnfase dada ao mecanismo do co-financiamento das poliacuteticas sociais
mediante uma economia mista significa que os proacuteprios beneficiaacuterios dos programas deveratildeo
contribuir financeiramente para a implementaccedilatildeo das accedilotildees sociais porque os neoliberais
seguem o princiacutepio de que o que natildeo pesa no bolso natildeo eacute valorizado por quem o recebe A
atualizaccedilatildeo desses princiacutepios e valores liberais tornou-se decisiva para converter a provisatildeo social
em mercadoria e para tornar a ideologia neoliberal hegemocircnica (JOHNSON 1990)
As poliacuteticas sociais ndash e natildeo soacute da assistecircncia ndash tendem a pautar-se pelos
mesmos criteacuterios regressivos (ausecircncia de financiamento proacuteprio de fontes de recursos
com destinaccedilatildeo especiacutefica e de perspectiva de direitos) e da meritocracia (do meacuterito
pessoal) Para Moreno (2000 p 100) ldquoa solidariedade social reduz-se agrave socializaccedilatildeo
primaacuteria e com essa funccedilatildeo deve ser vista como positiva para incrementar o capital social
das comunidadesrdquo Goacutemez Herrera (2001) um defensor do pluralismo de bem-estar
neoliberal apoacuteia essa ideacuteia pois entende que ldquoas redes informais e familiares redefinem o
bem-estar ao largo das linhas de familiaridade que tecircm seus proacuteprios meios finalidades
regras e valoresrdquo (GOacuteMEZ p 77)
116
Haacute forte acento na famiacutelia como componente central do setor informal e
portanto como a principal educadora e prestadora de atenccedilotildees serviccedilos e poliacuteticas de bem-
estar e um agente social da maior importacircncia para assumir a funccedilatildeo de esfera substituta
do Estado no desenvolvimento de redes de apoio seguranccedila e proteccedilatildeo social Nesse
sentido a famiacutelia eacute vista como o elemento crucial nas mudanccedilas estrateacutegicas e na transiccedilatildeo
de um Estado intervencionista para um Estado minimalista
A ecircnfase dada ao familismo como esfera estrateacutegica do novo padratildeo de bem-
estar eacute justificada tambeacutem pela nova direita porque os princiacutepios de bem-estar e da filosofia
social-democrata levaram agrave decadecircncia moral e religiosa a famiacutelia tradicional Para
Saraceno (1995) essa tendecircncia trata-se de uma refamiliarizaccedilatildeo da proteccedilatildeo social na
atualidade com um indiscutiacutevel retorno a valores e praacuteticas conservadores contraditoacuterios e
inadequados agraves novas formas de organizaccedilatildeo e composiccedilatildeo da famiacutelia contemporacircnea
Assim por parte da assistecircncia familiar espera-se ajuda muacutetua entre os parentes e o papel
fundamental de cuidadora social a ser cumprido pela mulher As famiacutelias tambeacutem poderam
contar com o apoio dos membros das comunidades vicinais e dos amigos proacuteximos
Analisando a importacircncia atribuiacuteda por essa loacutegica privatista agraves poliacuteticas
familiares Peele (apud JOHNSON 1990 p 125) afirma que ldquolos conservadores querian
programas destinados a reforzar las relaciones de la familia tradicional y para fortalecer la
autoridad paternardquo isto eacute do patriarcado Esta eacute a orientaccedilatildeo que retorna pelas matildeos dos
pluralistas de bem-estar de filiaccedilatildeo neoliberal orientaccedilatildeo baseada nos padrotildees do
moralismo britacircnico e norte-americano dos anos 1980 segundo o qual a melhor alternativa
para reforccedilar as poliacuteticas familiares consiste em deixar o governo de fora e permitir que as
famiacutelias tomem suas proacuteprias decisotildees Estabeleceu-se assim conforme Mount (apud
JOHNSON 1990 p 125) uma oposiccedilatildeo entre Estado e famiacutelia que iria proporcionar
(como de fato proporcionou) uma boa quantidade de combustiacutevel para a retoacuterica da nova
direita sobre a importacircncia e centralidade do setor informal na provisatildeo social Portanto
com base no exposto observa-se que a modalidade de assistecircncia familiar e comunitaacuteria
executada pelos setores natildeo-oficiais apresenta-se com traccedilos bastante distintos do padratildeo
de bem-estar beveridgiano e keynesiano-fordista tais como prevalecimento da ideologia
neoliberal conservadora que as orienta e as determina perfil primaacuterio dos atores eou
agentes sociais (pessoas comuns da comunidade familiares amigos e parentes) caraacuteter
plural das accedilotildees (em redes assistenciais privadas de auto ajuda eou de ajuda muacutetua) e
desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social atualmente executada em cenaacuterio aberto e
117
comunitaacuterio diferentemente do padratildeo institucionalizado anterior Dessa forma os
cidadatildeos antes considerados sujeitos de direitos tornam-se ao mesmo tempo ldquoativos
produtores distribuidores e consumidores de bens e serviccedilos de bem-estar e em geral de
sua proacutepria proteccedilatildeo social como afirma Goacutemez Herrerardquo (2001 p 71)
Com base nessa argumentaccedilatildeo reforccedila-se com Pereira (2004 p 146) o
entendimento jaacute manifestado de que ldquoa concepccedilatildeo de bem-estar dos neoliberais natildeo eacute
neutra e inocenerdquo Ao contraacuterio o que se percebe eacute que tal concepccedilatildeo conteacutem forte
conotaccedilatildeo valorativa ateacute porque analisa Pereira (2004 p 146)
o bem-estar neoliberal estaacute associado ao meacuterito individual (e natildeo aos direitos de cidadania social) agrave produtividade capitalista livre de controles (e natildeo agrave redistribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos coletivos) e agrave igualdade de oportunidades ndash life chances ndash (DAHRENDORF apud ROMERO 1998) e natildeo agrave igualdade de resultados
Pode-se dizer que o pluralismo de bem-estar neoliberal consiste em uma ideologia
difundida pela nova direita que ganhou forccedila poliacutetica como estrateacutegia reformista tornando-se
um paradigma de provisatildeo social dominante na Europa a partir dos anos 1980 no periacuteodo
posterior agrave suposta crise do Estado de Bem-estar Nas deacutecadas posteriores (poacutes-padratildeo
beveridgiano e keynesiano-fordista) ganhou visibilidade poliacutetica e status de modelo
substitutivo do Estado Social no campo da provisatildeo social (poliacuteticas de bem-estar) e passou a
ser referecircncia nas sociedades capitalistas avanccediladas ditas poacutes-industriais Ao final dos anos
1980 obteve adesatildeo dos governos dos paiacuteses da Europa do SulEuropa Mediterracircnea e do
Brasil e foi nesses contextos que o modelo plural foi adotado de forma peculiar
De fato a centralidade da proposta plural ou mista estaacute na ecircnfase dada agrave
competiccedilatildeo privada agrave auto-dependecircncia agrave auto-ajuda agrave ajuda muacutetua e agraves responsabilidades
comunitaacuterias e familiares para justificar a retirada do Estado da provisatildeo social puacuteblica39
Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) reitera-se que no
pluralismo de bem-estar neoliberal advoga-se a transferecircncia de responsabilidades pela
provisatildeo social do setor oficial (Estado) para trecircs setores natildeo-oficiais ndash assim denominados
pelo autor voluntaacuterio (natildeo lucrativo) informal (espontacircneo) e mercantil ou comercial
(lucrativo)40 A identificaccedilatildeo de cada um desses setores com seus respectivo perfis e funccedilotildees
39 Ver estudo criacutetico e propositivo de Norman Johnson (1990) 40 Com base na classificaccedilatildeo adotada por Johnson (1990) as competecircncias especiacuteficas e a funccedilatildeo social de cada um desses setores continuaraacute sendo objeto de atenccedilatildeo do presente estudo por sua identificaccedilatildeo com o seu objeto de investigaccedilatildeo Este conteuacutedo estaacute referenciado tambeacutem nas anaacutelises de Ian Gough (1979) Mishra (1994) Sarasa (1995 2002) Moreno (2000 2003 e 2004) dentre outros
118
confirma o conteuacutedo da provisatildeo social plural ou mista e a caracteriacutestica baacutesica do
pluralismo de bem-estar jaacute enunciados quais sejam um ideaacuterio que preconiza que a
sociedade e a famiacutelia devem partilhar com o Estado responsabilidades sociais ateacute entatildeo de
natureza puacuteblica em que o Estado era o principal agente regulador das relaccedilotildees sociais e
econocircmicas Daiacute a defesa pelo pluralismo de um agregado de bem-estar constituiacutedo de
instacircncias governamentais e natildeo-governamentais (das mais diversas extraccedilotildees) provedoras e
gestoras de bem-estar com objetivos comuns Neste cenaacuterio de mudanccedilas e de transiccedilatildeo de
padrotildees e paradigmas de proteccedilatildeo social haacute que se atentar para a seguinte advertecircncia de
Mishra (apud PEREIRA 2004) deve-se identificar com os defensores da economia plural
ou mista de bem-estar qual o significado por eles atribuiacutedo aos mecanismos de garantia dos
direitos sociais aos princiacutepios de universalizaccedilatildeo de acesso e de equidade social bem como
agrave distinccedilatildeo feita entre a funccedilatildeo reguladora e subsidiaacuteria do Estado e a funccedilatildeo provedora da
sociedade civil em sua relaccedilatildeo com o Estado porque a seu ver tais distinccedilotildees eou
diferenciaccedilotildees satildeo de caraacuteter substantivo e nunca foram suficientemente explicitadas nos
discursos neoliberais eou sequer constam como conteuacutedo de suas agendas e debates Eacute o que
passaraacute a ser tratado a seguir
42 Setores natildeo-oficiais
421 Setor Informal
Neste setor a assistecircncia caracteriza-se por uma ajuda espontacircnea realizada no
seio da famiacutelia dos grupos de amigos eou de vizinhos Eacute direcionada a pessoas
dependentes que vivem em seus proacuteprios domiciacutelios Trata-se de um apoio primaacuterio
exercido pela via da informalidade No final dos anos 1970 e iniacutecio dos anos 1980
intensificou-se o interesse dos formuladores de poliacuteticas puacuteblicas em fortalecer essas redes
assistenciais informais apesar da ausecircncia de estudos e pesquisas avaliativas sobre a
natureza dos contatos estabelecidos entre apoiadores e apoiados sua efetividade e o
desempenho dos atores sociais Tambeacutem natildeo haacute registros sobre a frequumlecircncia e duraccedilatildeo
desses contatos e apoios bem como de sua intensidade e significaccedilatildeo subjetiva mediante
abordagens qualitativa e quantitativa
119
O termo redes de ajuda tem sido utilizado para descrever uma gama de
atividades assistenciais informais e entendida pelos pluralistas como uma via mais
eficiente e vantajosa do que as accedilotildees sociais formais Esse conceito de rede estaacute
relacionado agrave estrutura de relaccedilatildeo entre grupos de atores e intercacircmbios especiacuteficos bem
como aos papeacuteis que esses atores desempenham Assim os pluralistas estimulam as
iniciativas plurais e coletivas pela via informal para que faccedilam frente agrave provisatildeo de bens e
serviccedilos sociais em caraacuteter de substituiccedilatildeo agrave via oficial protagonizada pelo Estado
422 Setor voluntaacuterio
Segundo Johnson (1990) este setor distingue-se do informal por possuir maior
organizaccedilatildeo chegando a contemplar diferentes graus de formalidade De um lado existem
pequenos grupos estruturados formalmente movidos por sentimentos caritativos De outro
haacute grandes fundaccedilotildees eou institutos que atuam com base na noccedilatildeo de responsabilidade
social (filantropia empresarial por exemplo) motivados por interesses econocircmicos ou
poliacuteticos Para o autor diante da heterogeneidade de atores o termo setor voluntaacuterio ainda
mostra-se vago precisando ser melhor explicitado para que esse setor posa assumir um
papel mais preciso no contexto da proposta do pluralismo de bem-estar
A propoacutesito desse setor Johnson (1990) faz uma distinccedilatildeo entre
organizaccedilotildees voluntaacuterias e trabalhadores voluntaacuterios Para ele uma organizaccedilatildeo
voluntaacuteria autodefine-se como uma entidade natildeo-oficial que deve sua existecircncia natildeo a
uma lei parlamentar mas a uma decisatildeo de um grupo de pessoas de reunir-se tendo em
vista efetivar propostas de ajuda-muacutetua eou cooperativas diversas promover e
proteger seus proacuteprios interesses (sindicatos e associaccedilotildees profissionais) promover
causas de interesses comuns e universais (desarmamento nuclear proteccedilatildeo de meio
ambiente) ou administrar serviccedilos sociais destinados a setores particulares da
populaccedilatildeo (idosos portadores de necessidades especiais e outros) Essas organizaccedilotildees
voluntaacuterias satildeo vistas como personalidades juriacutedicas de direito privado Jaacute os
trabalhadores voluntaacuterios satildeo pessoas que em sua maioria natildeo recebem remuneraccedilatildeo
pelo que fazem ainda que possam ser reembolsados pelos gastos particulares que
realizam no exerciacutecio de sua accedilatildeo voluntaacuteria A questatildeo torna-se polecircmica quando se
constata que o termo voluntaacuterio tem sido utilizado tambeacutem para designar os natildeo-
120
profissionais que recebem uma pequena remuneraccedilatildeo por seus serviccedilos ainda que
modesta Estes trabalhadores voluntaacuterios tecircm sido utilizados tanto pelas instituiccedilotildees
oficiais como pelas organizaccedilotildees voluntaacuterias natildeo-oficiais o que caracteriza aleacutem da
desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social como poliacutetica puacuteblica a
desprofissionalizaccedilatildeo dessa aacuterea que passa a natildeo mais requerer um conhecimento
cientiacutefico e uma habilitaccedilatildeo especiacutefica com formaccedilatildeo de niacutevel superior
Embora o setor voluntaacuterio seja considerado mais organizado e melhor
estruturado que o setor informal ambos tecircm conforme Johnson (1990) uma caracteriacutestica
em comum que eacute o estabelecimento de relaccedilotildees individuais eou grupais de caraacuteter plural ou
misto e natildeo puacuteblicas entre vaacuterios atores que adotam a via da solidariedade como primeira
estrateacutegia de organizaccedilatildeo social Um outro aspecto a considerar eacute que o voluntariado
pressiona por mudanccedilas nas formas de trabalho criando nova relaccedilatildeo trabalhista entre
organizaccedilotildees voluntaacuterias e assalariados voluntaacuterios eou mal remunerados
Assim muda-se radicalmente a relaccedilatildeo estabelecida entre provedores e
receptores do bem-estar em conformidade com uma poderosa ideologia que fortalece a
criaccedilatildeo de culturas separadas de provisatildeo social E a noccedilatildeo de filantropia organizada
reaparece como contraponto moderno e humanista agrave caridade religiosa
Portanto eacute indiscutiacutevel que na proposta pluralista existem intencionalidades e
limites claros sobre a atuaccedilatildeo dos trecircs setores natildeo-oficiais ndash informal voluntaacuterio e
mercantil A participaccedilatildeo local entre amigos familiares e vizinhos eacute restrita porque natildeo
condiz com o exerciacutecio do poder poliacutetico nos contextos nacional e regional e a
participaccedilatildeo no niacutevel local e informal natildeo assegura distribuiccedilatildeo de renda e de riqueza ou
erradicaccedilatildeo das desigualdades de classe status e poder (1990) que o poder tambeacutem estaacute
presente nas organizaccedilotildees voluntaacuterias e que todo poder tem base classista logo natildeo eacute pela
desburocratizaccedilatildeo que este setor se diferencia do Estado Outro aspecto a destacar eacute que a
participaccedilatildeo dos setores informal voluntaacuterio e mercantil na provisatildeo dos serviccedilos sociais
de forma desarticulada leva agrave dispersatildeo do poder poliacutetico desviando as pessoas da accedilatildeo
social e poliacutetica para um processo de despolitizaccedilatildeo
Assim constata-se a fragilidade e provisoriedade dessas iniciativas voluntaacuterias
resultantes de sua proacutepria contradiccedilatildeo entre o que pretendem ser e o que de fato satildeo uma
organizaccedilatildeo com caracteriacutestica burocraacutetica e nem sempre isenta agrave influecircncia do mercado e
ao controle do Estado Aleacutem disso cabe perguntar quem iraacute garantir os direitos sociais
uma vez que tais direitos comprometem o Estado na realizaccedilatildeo e garantia do bem-estar
121
Nessa discussatildeo vale fazer menccedilatildeo ao chamado terceiro setor o qual se situa na esfera
privada natildeo lucrativa A esta tese interessa desmistificar a centralidade dada a esse setor
como alternativa neoliberal agrave accedilatildeo reguladora e provedora do Estado Segundo Montantildeo
(2002) que faz o descortinamento do que chama de falaacutecias do terceiro setor esse termo
chegou ao Brasil cunhado por intelectuais orgacircnicos neoliberais com forte tendecircncia
regressiva no campo da cidadania Surgiu como um conjunto de ideacuteias e orientaccedilotildees no
contexto do Consenso de Washington (1989)41 para a Ameacuterica LatinaBrasil com ecircnfase ao
princiacutepio da regulaccedilatildeo feita pelo mercado sem a primazia do Estado e nos processos de
flexibilizaccedilatildeo dos mercados (nacionais e internacional) das relaccedilotildees de trabalho (perda de
conquistas trabalhistas) na produccedilatildeo (bens e serviccedilos sociais como mercadorias) e nos
investimentos financeiros (capital especulativo) O termo terceiro setor aparentemente
diferencia-se dos demais setores natildeo-oficiais (JOHNSON 1990 ) por apresentar a
particularidade de ter sido proposto por organismos internacionais (BANCO MUNDIAL
FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) BANCO INTERNACIONAL PARA
RECONSTRUCcedilAtildeO E DESENVOLVIMENTO (BIRD) E BANCO INTERAMERICANO
DE DESENVOLVIMENTO (BID)) e outros Trata-se de uma ideacuteia vinculada agraves dos
ajustes econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal como um instrumento poliacutetico estrateacutegico de
flexibilizaccedilatildeo de criteacuterios puacuteblicos e universais na esfera do Estado e de esvaziamento das
41 Trata-se de um conjunto de propostas de reformas econocircmicas e poliacuteticas elaboradas ao final da deacutecada de 1990 para a Ameacuterica Latina (1989) A literatura especiacutefica informa que desde os anos 1970 o FUNDO MONETAacuteRIO INTERNACIONAL (FMI) vinha aplicando foacutermulas em alguns paiacuteses da Ameacuterica Latina com o propoacutesito de induzi-los a um ajuste estrutural neoliberal tendo em vista a superaccedilatildeo da crise econocircmica desses paiacuteses derivada de seu endividamento externo Tais propostas de ajuste inicialmente apresentadas pelo Banco Mundial e pelo FMI como de caraacuteter transitoacuterio e emergencial passaram agrave noccedilatildeo de ajuste estrutura (no decorrer dos anos 1990) termo entendido como um conjunto de poliacuteticas e de reformas estruturais que visavam criar condiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de outra modalidade de desenvolvimento econocircmico e social neste continente O conjunto dessas medidas de corte neoliberal originou-se do chamado Plano Baker (1985) que sugeria iniciativas padronizadas a serem tomadas pelos paiacuteses centrais com vistas agrave estabilizaccedilatildeo monetaacuteria e agraves reformas estruturais nos paiacuteses perifeacutericos e do Plano Brady (1990) que privilegiou a ampliaccedilatildeo das importaccedilotildees e a privatizaccedilatildeo das empresas estatais (FIORITAVARES apud BOSCHETTI SALVADOR 2002) Para Anderson (1995 p 19) ldquoeste continente foi testemunha da primeira experiecircncia neoliberal sistemaacutetica do mundordquo considerando que ela ocorreu na Ameacuterica Latina quase dez anos antes da adesatildeo de Ronald Reagan (EUA) e de Margareth Thatcher (Inglaterra) ao ideaacuterio neoliberal que culminou com a derrubada dos pilares do Estado Social apoacutes a Segunda Guerra Mundial A histoacuteria tem registrado os contrastes e os paradoxos existentes entre a ideologizada e mistificadora retoacuterica neoliberal e os resultados concretos da ortodoxia empregada em suas poliacuteticas macro econocircmicas Em consequumlecircncia tais reformas sugeridas para a Ameacuterica Latina com base no Consenso de Washington (1989) caracterizaram-se muito mais como contra-reformas pois foram orientadas para fins de interesse do grande capital internacional gerando como resultado o aumento das desigualdades sociais e econocircmicas no continente e em particular no Brasil um empobrecimento assustador entre os segmentos pauperizados e da classe meacutedia o esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das instituiccedilotildees democraacuteticas (processo de despolitizaccedilatildeo) acentuado processo de desregulaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos fluxos financeiros aleacutem do encolhimento do Estado Social
122
lutas sociais e trabalhistas Montantildeo (2002) entende o terceiro setor como a versatildeo mais
sofisticada do pluralismo de bem-estar e como um fenocircmeno real do capitalismo neoliberal
ao adotar a estrateacutegia substitutiva (e natildeo complementar) do papel social do Estado No
Brasil por exemplo assistiu-se progressivamente a partir dos anos 1990 o crescimento de
organizaccedilotildees entidades e instituiccedilotildees que apesar da imprecisatildeo conceitual do chamado
terceiro setor recebiam essa denominaccedilatildeo Em sua composiccedilatildeo estatildeo de um lado as
chamadas organizaccedilotildees natildeo-governamentais (ONGs) as organizaccedilotildees sem fins lucrativos
(OSFL) as instituiccedilotildees filantroacutepicas (com certificado do Conselho Nacional de Assistecircncia
Social (CNAS) as chamadas empresas cidadatildes e as fundaccedilotildees empresariais (Fundaccedilatildeo
Bradesco Instituto CIA e outras) que fazem filantropia empresarial e ainda sujeitos
individuais voluntaacuterios ou natildeo42 Por outro lado o terceiro setor envolve (ainda que por
vezes de forma natildeo expliacutecita) um ator que vem se destacando em sua divulgaccedilatildeo e
promoccedilatildeo pelos meios de comunicaccedilatildeo da grande miacutedia Trata-se da institucionalizaccedilatildeo de
um Estado miacutenimo que com as ONGs contribui para o fortalecimento desse setor em dois
planos a) na esfera legal mediante sua regulamentaccedilatildeo legal43 decretos resoluccedilotildees e
Medidas provoisoacuterias (MPs) e b) na esfera financeira pela transferecircncia de recursos (diretos
e indiretos) do setor puacuteblico para a iniciativa privada mediante o que se convencionou
denominar de forma restrita de parceria puacuteblico-privado Nesse processo a intencionalidade
eacute clara o Estado neoliberal promoveu o terceiro setor para justificar a retirada paulatina de
sua responsabilidade no trato de questotildees de cunho social Assim de um lado haacute
instituiccedilotildeesempresasorganizaccedilotildees que assumem a provisatildeo social e de outro o Estado que
financia com recursos puacuteblicos serviccedilos e accedilotildees sociais ainda que destituiacutedos de criteacuterios
puacuteblicos e universais o que obviamente natildeo visa o combate agrave pobreza Para Montantildeo
(2002) trata-se de um grande equiacutevoco pensar que somente a intencionalidade e a
solidariedade de indiviacuteduos e grupos em relaccedilatildeo aos segmentos sociais subalternizados
transformaratildeo uma sociedade desigual A seu ver essa tese ignora que a classe hegemocircnica
tambeacutem estaacute em constante luta criando mecanismos estrateacutegicos e sutis para manipular ou
impedir os processos de transformaccedilatildeo Da mesma forma tambeacutem eacute ingenuidade poliacutetica
pensar que a retirada do Estado do trato de questotildees de caraacuteter social se daacute por ineficiecircncia
42 Leis que regulamentam o terceiro setor a) Lei nordm 9637 de maio de 1998 (BRASIL1998) que qualifica as organizaccedilotildees de direito privado e 2) Lei nordm 9790 de marccedilo de 1999 (BRASIL 1999) que qualifica as pessoas juriacutedicas de direito privado 43 Para melhor compreensatildeo da relaccedilatildeo Estado instituiccedilatildeo poliacutetica social e direito social ver Lei nordm 874293 (LOAS BRASIL 1993) ndash Artigo 3ordm_ ldquoConsideram-se entidades e organizaccedilotildees de Assistecircncia Social aquelas que prestam sem fins lucrativos atendimento e assessoramento aos beneficiaacuterios abrangidos por esta lei bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitosrdquo
123
eou por razotildees financeiras De fato ocorre no campo estrateacutegico do capital uma clara
intencionalidade de promover uma forte ofensiva contra o trabalho pela reestruturaccedilatildeo
produtiva e reforma do Estado em suas dimensotildees fiscal previdenciaacuteria tributaacuteria e poliacutetica
(ANTUNES apud MONTANtildeO 2002) assim como fortalecer a tendecircncia agrave centralizaccedilatildeo do
capital (exploraccedilatildeo capitalista por capitalistas) Diante de flagrante ldquocriserdquo endecircmica do
capital a estrateacutegia consiste em promover a flexibilizaccedilatildeo no mundo do trabalho diminuindo
os custos de produccedilatildeo para acumular mais capital Essa eacute a questatildeo de fundo para os
neoliberais que buscam assim consolidar a privatizaccedilatildeo interna do Estado brasileiro
Identifica-se tambeacutem com Montantildeo (2002) uma problemaacutetica de crise de
identidade em relaccedilatildeo agraves organizaccedilotildees empresas e entidades que compotildeem o terceiro setor
e indaga-se se este setor natildeo seria um construto idealizado que mais confunde do que
esclarece Como estrateacutegia todas essas organizaccedilotildees satildeo artificialmente equalizadas como
tendo origem privada e finalidade puacuteblica natildeo-lucrativa em uma clara tentativa de
homogeneizaccedilatildeo institucional em que se perde a diferenciaccedilatildeo entre elas No entanto haacute
ausecircncia real de consenso sobre a origem composiccedilatildeo e caracteriacutesticas dessas
organizaccedilotildees O certo eacute que com o apoio de Johnson (1990) pode-se inferir que o terceiro
setor mescla vaacuterios sujeitos setores e projetos com atuaccedilotildees e significados sociais
distintos A denominaccedilatildeo de terceiro setor reuacutene no mesmo espaccedilo organizaccedilotildees com
atividades formais eou informais voluntaacuterias eou comerciais e mercantis entidades de
interesses poliacuteticos e econocircmicos variados cidadatildeos comuns poliacuteticas ligadas ao poder
estatal (EstadoONGs) e ainda coletividades da classe trabalhadora capitalista Enfim
uma mescla de atores e setores distintos na sua natureza e finalidade que nem sempre tecircm
como denominador comum o fato de natildeo serem lucrativas
No debate teoacuterico sobre o terceiro setor Montantildeo (2002 p 62) identifica duas
tendecircncias A primeira jaacute referida eacute de natureza liberal conservadora A segunda que ele
denomina de intenccedilatildeo progressista (poacutes-marxista) defende a noccedilatildeo de sociedade civil
como espaccedilo privilegiado de interaccedilatildeo entre indiviacuteduos grupos associaccedilotildees etc Contudo
ambas as tendecircncias estatildeo afinadas com o projeto de desmonte do Estado keynesiano uma
vez que propotildeem a retraccedilatildeo do Estado e defendem a ideacuteia de deixar correr livre o jogo
social poliacutetico e econocircmico assim como deixaacute-lo aberto aos atores sociais (plurais)
Montantildeo (2002 p 87) ressalta ainda a perspectiva de resignaccedilatildeo conservadora dessa
segunda tendecircncia em relaccedilatildeo agraves transformaccedilotildees operadas pelo capital contribuindo
assim para reafirmar e legitimar o aspecto regressivo da contra reforma do Estado e do
124
novo trato das questotildees de cunho social Essa tendecircncia (poacutes-marxista) percebe o Estado
como inimigo da democracia e da liberdade propondo o protagonismo solidaacuterio e
voluntaacuterio44 da sociedade civil em substituiccedilatildeo agraves lutas sociais Dessa forma sob o enfoque
liberal faz-se uma inversatildeo do papel do Estado e tudo que se configura como natildeo-estatal
(mercado e sociedade civil) passa a ser visto de forma autonomizada e como esfera
privada numa evidente segmentaccedilatildeo da realidade social
Na convencional divisatildeo entre Estado mercado e sociedade o terceiro setor
autodefine-se como parte da sociedade e considera-se como puacuteblico poreacutem privado sem
fins lucrativos ou seja um setor alternativo ou uma aacuterea de intersecccedilatildeo entre Estado e
mercado desempenhando funccedilotildees puacuteblicas a partir de espaccedilos privados Com essa
percepccedilatildeo assinala Montantildeo (2002 p 135) o Estado eacute mantido como esfera
exclusivamente puacuteblica o mercado continua sendo visto como esfera exclusivamente
privada e agrave sociedade cabe como uma esfera intermediaacuteria atender solidariamente agraves
demandas e necessidades sociaiso que evidentemente guarda semelhanccedilas com a
composiccedilatildeo do pluralismo de bem-estar O entendimento do terceiro setor poreacutem torna-se
mais complexo quando natildeo se consegue distinguir o caraacuteter puacuteblico ou privado da origem
da atividade desenvolvida e da finalidade das organizaccedilotildees eou entidades
De acordo com Petras (apud MONTANtildeO 2002 p 141) ldquoo terceiro setor
argumenta a favor de um desenvolvimento baseado na comunidade que se daacute por meio da
auto-ajuda da gestatildeo de micro-empresas e da reciprocidade entre pequenos grupos
resgatando uma tendecircncia nitidamente conservadora proacutepria das formas de exploraccedilatildeo de
matildeo-de-obra do seacuteculo XIX que buscavam superar contradiccedilotildees com medidas
integradorasrdquo Nessa perspectiva natildeo se leva em conta que a esfera da sociedade civil eacute
integrante da totalidade social e portanto abarca atividades classistas de lutas poliacutetico-
econocircmicas de interesses de mercado Com base nesses argumentos percebe-se que a
correlaccedilatildeo de forccedilas e de interesses antagocircnicos existentes no campo da poliacutetica social eacute
descartada nas postulaccedilotildees do terceiro setor e todas essas questotildees remetem agrave ideacuteia de uma
total impossibilidade de reconstruccedilatildeo do Estado Social fundamentado em paracircmetros
privatistas
Para Montantildeo (2002) o terceiro setor
44 Os autores dessa tendecircncia referenciam-se em Bobbio (19911992) Habermas (1987) Rosanvallon (1995) e outros
125
natildeo eacute portanto alternativo ao sistema na verdade o terceiro setor coloca-se como diferente do Estado e da empresa privada poreacutem dentro (e sem questionar os fundamentos) do sistema capitalista (p 156)
Em consequumlecircncia diz o mesmo autor
do processo de desarticulaccedilatildeo da responsabilidade social do Estado processam-se certos deslocamentos de lutas sociais para negociaccedilatildeoparceria45 de direitos a serviccedilos sociais para a atividade voluntaacuteriafilantroacutepica da solidariedade socialcompulsoacuteria para a solidariedade voluntaacuteria do acircmbito puacuteblico para o privado da eacutetica para a moral do universalestruturalpermanente para o localfocalizadofortuito (p 200)
423 Setor mercantil ou comercial (lucrativo)
Nesta categoria satildeo normalmente apresentadas trecircs situaccedilotildees possiacuteveis (uma triacuteplice
categorizaccedilatildeo) em relaccedilatildeo agrave provisatildeo de serviccedilos sociais feita pelos mercados privados Na
primeira tais mercados colocam-se no mesmo plano que o sistema puacuteblico que permanece
sendo o provedor principal Na segunda eles satildeo os principais provedores deixando contudo
um importante papel social ao Estado Na terceira os mercados privados satildeo o principal
provedor deixando ao Estado um papel residual Para Johnson (1990) essa classificaccedilatildeo reduz e
simplifica em vaacuterios sentidos o papel do Estado na medida em que trata somente da provisatildeo
social e ignora a importante funccedilatildeo estatal na regulaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e no financiamento e
repasse de subsiacutedios aos demais provedores sociais Um segundo problema dessa triacuteplice
categorizaccedilatildeo conforme Johnson (1990) eacute a dificuldade de explicitar com precisatildeo a exata
linha divisoacuteria entre as atividades puacuteblicas e privadas A partir do momento em que ambas as
instacircncias se encontram inter-relacionadas mediante a incorporaccedilatildeo das praacuteticas do mercado
privado nos serviccedilos do setor puacuteblico essa diferenciaccedilatildeo se torna complexa Aleacutem disso os
mercados privados podem adotar diversas formas de pagamentos A mais comum eacute o pagamento
direto pelos bens e serviccedilos sociais feito pelos consumidores a exemplo da cobertura de sistemas
de seguros privados de sauacutede previdecircncia habitaccedilatildeo Assim na definiccedilatildeo das competecircncias
sociais dos setores puacuteblico e privado existem vaacuterios fatores desde a comparaccedilatildeo dos custos por
45 Para Montantildeo (2002) a parceria colocada nesses termos fica restrita a um processo de transferecircncia da funccedilatildeo social das atividades e recursos puacuteblicos de uma esfera vista como ineficiente burocraacutetica e centralizadora (Estado) para outra supostamente mais eficiente descentralizada democraacutetica e participativa (terceiro setor) Assim a parceria expressa uma forma encoberta de privatizaccedilatildeo promovendo um divoacutercio entre poliacutetica econocircmica e poliacutetica social Portanto a parceria nesses termos natildeo eacute entendida como um exerciacutecio conjunto de controle social democraacutetico sobre as accedilotildees do Estado
126
setor ateacute o niacutevel puramente ideoloacutegico com percepccedilotildees distintas Ateacute mesmo os argumentos
mais pragmaacuteticos e tecnicistas tecircm um elemento ideoloacutegico o que dificulta a identificaccedilatildeo eou
separaccedilatildeo das competecircncias dos distintos setores
Segundo Johnson (1990) a ecircnfase dada aos recursos destinados ao bem-estar
social tem colocado os temas da eficiecircncia e da eficaacutecia proacuteprios da loacutegica mercadoloacutegica
em primeiro plano em detrimento de uma anaacutelise substantiva da qualidade poliacutetica Assim
aqueles que sustentam que a provisatildeo feita por meio do mercado eacute mais eficiente que a
provisatildeo puacuteblica baseiam-se em trecircs aspectos a saber a) comparaccedilatildeo dos custos inter-
setoriais com vantagens para o mercado b) argumentaccedilotildees favoraacuteveis aos benefiacutecios que
resultam da competecircncia do mercado c) afirmaccedilotildees de que a provisatildeo puacuteblica tem
caracteriacutesticas proacuteprias que por si soacute a tornam ineficiente
Em verdade o que se privilegia nessa perspectiva eacute o processo resultante da
participaccedilatildeo de consumidores de serviccedilos no mercado privado Muitos dos que defendem a
provisatildeo dos serviccedilos de bem-estar pela via do mercado estatildeo conscientes de suas
imperfeiccedilotildees mas contra-argumentam que ateacute mesmo os mercados imperfeitos satildeo
superiores agrave provisatildeo puacuteblica O problema dessa concepccedilatildeo eacute que ao aplicar criteacuterios
privatistas de mercado ao sistema de provisatildeo puacuteblica este uacuteltimo resultaraacute deficiente
porque o sistema puacuteblico por sua natureza tem seus proacuteprios criteacuterios como o
compromisso com a justiccedila social e a adesatildeo aos princiacutepios da universalizaccedilatildeo de acesso e
de inclusatildeo social o que natildeo impede evidentemente que se redefinam as prioridades dos
gastos puacuteblicos quando necessaacuterio Na perspectiva democraacutetica a eficiecircncia consiste
exatamente na capacidade de promover a maximizaccedilatildeo dos benefiacutecios e serviccedilos sociais
para o atendimento das necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo (e natildeo agraves demandas eou
preferecircncias de mercado) por meio de competente redistribuiccedilatildeo dos recursos puacuteblicos
com equidade e justiccedila social seguindo quando possiacutevel o princiacutepio da minimizaccedilatildeo dos
custos desses serviccedilos
Essa concepccedilatildeo evidentemente choca-se com criteacuterios distributivos do mercado
que responde exclusivamente agraves preferecircncias e desejos individuais e condicionam essa resposta agrave
capacidade daqueles que podem pagar pelos serviccedilos que procuram Para atender a essa vocaccedilatildeo
os defensores do mercado equiparam o conceito de liberdade de mercado ao de liberdade social e
poliacutetica Ocorre que a liberdade social e poliacutetica requer a criaccedilatildeo pelo Estado de condiccedilotildees
baacutesicas para o seu exerciacutecio e natildeo ao mercado como querem neoliberais e conservadores para
quem a liberdade econocircmica eacute um requisito essencial para a liberdade poliacutetica Em vista disso
127
pergunta-se fazendo coro com Johnson (1990) se a liberdade individual do cidadatildeo depende da
sua capacidade de participar no mercado o que ocorreraacute entatildeo com os que estatildeo excluiacutedos desse
mercado por falta de trabalho e de recursos Neste caso a falta de liberdade poliacutetica eacute maior ateacute
que a ausecircncia de intervenccedilatildeo estatal porque significa tambeacutem ausecircncia de serviccedilos e benefiacutecios
essenciais e de atendimento agraves necessidades humanas baacutesicas Este atendimento constitui
princiacutepio redistributivo essencial a ser adotado por poliacuteticas puacuteblicas A redistribuiccedilatildeo de acordo
com as necessidades sociais tem como resultado um maior grau de igualdade social produzindo
certamente maior grau de bemndashestar Em contrapartida um sistema puramente privado de
mercado certamente teraacute como resultado um maior grau de desigualdade social e os pobres satildeo
os maiores perdedores por natildeo terem recursos proacuteprios para autofinanciar sua provisatildeo social
Por essa razacirco os defensores do mercado pregam a substituiccedilatildeo da distribuiccedilatildeo dos serviccedilos em
espeacutecie pela distribuiccedilatildeo de renda a ser aplicada no mercado privado Contudo suas propostas
em relaccedilatildeo agrave redistribuiccedilatildeo de renda como forma mais indicada de prestaccedilatildeo de bem-estar
revelam-se ambivalentes pois o sistema de mercado depende de contribuiccedilotildees desiguais e natildeo
leva em conta as causas dessa desigualdade e os custos sociais que surgem dos intercacircmbios
tecnoloacutegicos industriais e econocircmicos pela via da privatizaccedilatildeo e natildeo eacute tambeacutem levado em
conta como esses custos sociais recaem de forma pesada sobre os pobres e assalariados
Entretanto em que pesem todas essas consideraccedilotildees eacute crescente nos uacuteltimos
anos o papel do setor comercialmercantil com a exigecircncia de o consumidor participar
diretamente dos custos dos serviccedilos sociais pagando uma parcela dos mesmos com
aumentos proporcionais agrave carga tributaacuteria estipulada pelos governos Segundo Johnson
(1990) esses percentuais sobre serviccedilos tecircm vaacuterias funccedilotildees dentre as quais se destacam a
introduccedilatildeo dos princiacutepios do mercado nos serviccedilos puacuteblicos a reduccedilatildeo dos subsiacutedios estatais
e a difusatildeo da ideacuteia de que a provisatildeo privada eacute relativamente mais atrativa Como
consequumlecircncia recentes estudos concluiacuteram que a participaccedilatildeo dos consumidores de serviccedilos
puacuteblicos nos custos sociais reduziu a demanda por esses serviccedilos fazendo que o setor
puacuteblico se transformasse em um setor residual de bem-estar uma vez que o Estado passou a
se ocupar somente das famiacutelias com necessidades especiais eou de programas sociais
focalizados na pobreza absoluta Evidentemente essa estrateacutegia neoliberal reforccedilou a
terceirizaccedilatildeo e a privatizaccedilatildeo desses serviccedilos fundamentados em um contrato social que
exige contrapartida financeira de todos os cidadatildeos incluindo os mais pobres
Ainda com base em Johnson (1990) entende-se que esse tema envolve tambeacutem
uma questatildeo eacutetico-poliacutetica a saber eacute justa utilizaccedilatildeo de fundos puacuteblicos para apoiar
128
empresas privadas comerciais Nesta questatildeo o que estaacute em jogo eacute a redistribuiccedilatildeo dos
recursos puacuteblicos abrangendo desde o contribuinte ateacute os que oferecem benefiacutecios e serviccedilos
sociais e natildeo simplesmente a discussatildeo a respeito de quem deve prover os serviccedilos de bem-
estar Nessa discussatildeo merecem atenccedilatildeo questotildees referentes agrave forma de financiamento de
um serviccedilo ao grau em que o Estado subsidia a provisatildeo ao balanccedilo entre o financiamento
puacuteblico e o privado e ainda agrave regulaccedilatildeo da quantidade qualidade e o preccedilo dos serviccedilos Os
defensores mais ortodoxos do livre mercado apoiam a substituiccedilatildeo da provisatildeo social estatal
pela privada a reduccedilatildeo do financiamento oficial de serviccedilos sociais ao miacutenimo absoluto e ao
desaparecimento de todas as formas de regulaccedilatildeo estatal que natildeo forem iacutenfimas Ocorre
entretanto que o mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e certamente natildeo faraacute distribuiccedilotildees justas
o que tem induzido os pluralistas de bem-estar que reconhecem no mercado uma fonte
importante de satisfaccedilatildeo de necessidades a reconhecerem suas limitaccedilotildees o seu potencial de
exploraccedilatildeo e por conseguinte a apoiar a ideacuteia de que o Estado deva continuar a ter um
papel regulador por miacutenimo que seja Constata-se nessa posiccedilatildeo estrateacutegica dos pluralistas
uma tentativa de escamotear a tendecircncia de mercantilizaccedilatildeo de tudo o que eacute puacuteblico o que
justifica os cortes nos gastos sociais ajustes fiscais privatizaccedilotildees e outras medidas de
caraacuteter privatista Uma outra questatildeo levantada por Johnson (1990) eacute que para os pluralistas
os mercados privados podem vir a se constituir em ameaccedila para as organizaccedilotildees voluntaacuterias
dada a absorccedilatildeo direta destas organizaccedilotildees voluntaacuterias por esses mercados eou o desvio dos
fundos puacuteblicos para fins estritamente lucrativos contrapondo-se aos valores de altruiacutesmo e
serviccedilo que fundamentam a accedilatildeo caritativa espontacircnea
Por fim ao encerrar a apresentaccedilatildeo dos setores que compotildeem o pluralismo de
bem-estar vale referir que a ousadia do mundo contemporacircneo orientado pelo ideaacuterio
neoliberal torna-se ainda maior quando se percebe que o que estaacute sendo negado eou
ocultado eacute a histoacuteria em sua dimensatildeo totalizadora e como possibilidade concreta de
explicaccedilatildeo da realidade social em seu conjunto Os postulados da poacutes-modernidade que
tambeacutem se expressam na ideacuteia de pluralidade de bem-estar fundamentam-se em um real
multifacetado e mistificado para encobrir e natildeo expressar as contradiccedilotildees e paradoxos
presentes nesses processos O pluralismo de bem-estar apresenta-se assim como uma
categoria esvaziada de significaccedilotildees histoacutericas culturais e poliacuteticas e o desafio maior dos
que natildeo o aceitam onsiste em desmontar e desmistificar o que natildeo eacute explicitado e
combinar modalidades de organizaccedilatildeo e de mediaccedilotildees poliacuteticas capazes de fortalecer a
democracia e a cidadania recuperando a perspectiva de direitos universais
129
43 Assistecircnciagecircnerofamiacuteliamulher na visatildeo neoliberal de bem-estar um retorno
ao conservadorismo
Dada a importacircncia atribuiacuteda agrave famiacutelia e agraves suas relaccedilotildees primaacuterias nos
esquemas de provisatildeo social plural haacute que se dar destaque a essa agecircncia informal de bem-
estar tal como vem fazendo uma ampla literatura internacional Contudo concordando com
Johnson (1990) deve-se reconhecer que haacute atualmente uma grande variedade de famiacutelia
pois estaacute desaparecendo o modelo nuclear como caracteriacutestica baacutesica (adultos casados com
filhos dependentes) Evidecircncias histoacutericas mostram que atualmente a caracteriacutestica
definidora da famiacutelia eacute sua variabilidade
Mesmo assim estudos empiacutericos tecircm revelado o importante papel que vem
sendo atribuiacutedo agrave famiacutelia como fonte de assistecircncia em particular aos anciatildeos enfermos e
portadores de necessidades especiais pois o sistema de apoio muacutetuo eou reciacuteproco no
ambiente familiar ainda eacute bastante significativo Johnson (1990) cita os resultados do
estudo coordenado por Shamas ao afirmar que contrariando os supostos correntes sobre as
mudanccedilas no espaccedilo da famiacutelia e a desintegraccedilatildeo das relaccedilotildees familiares entre as geraccedilotildees
nas sociedades modernas avanccediladas tais mudanccedilas natildeo tecircm sido empiricamente
comprovadas O estudo de Shamas (apud JOHNSON 1990) demonstra que as geraccedilotildees
contemporacircneas mesmo que prefiram viver separadas do nuacutecleo familiar baacutesico ainda
buscam a chamada intimidade a distacircncia mantendo contatos e intercacircmbios constantes
Em decorrecircncia tem havido um interesse crescente na distribuiccedilatildeo de responsabilidade
assistenciais primaacuterias no seio das famiacutelias
Outra conclusatildeo de Shamas (apud JOHNSON 1990) eacute que a assistecircncia
familiar vem sendo preponderantemente ministrada pelas mulheres que passaram a ter uma
dupla atuaccedilatildeo tanto no campo da assistecircncia comunitaacuteria quanto na esfera da assistecircncia
familiar Nesta as esposas cuidam dos seus maridos as matildees de seus filhos e as filhas de
seus pais idosos eou enfermos e de seus irmatildeos incapacitados Eacute crescente tambeacutem a
assistecircncia comunitaacuteria praticada por vizinhas ou voluntaacuterias como atividade informal
Tais investigaccedilotildees demonstram que tem sido mantido o suposto tradicional de que o foco
primaacuterio da atuaccedilatildeo do homem eacute no mercado de trabalho e de atuaccedilatildeo da mulher ainda
que inserida no mercado de trabalho eacute a casa e a famiacutelia
A provisatildeo social familiar eacute colocada em primeiro lugar nos esquemas
informais de solidariedade por apresentar uma base mais forte de vinculaccedilatildeo afetiva Trata-
130
se de assistecircncia de maior confianccedila credibilidade qualidade e que oferece perspectivas
de continuidade Eacute esse conjunto de atividades que tem possibilidade de manter vivo o
setor informal da assistecircncia especialmente quando o Estado natildeo eacute mais o protagonista do
bem-estar A assistecircncia familiar distingue-se em particular por seus agentes sociais que
satildeo pessoas comuns e pelo cenaacuterio aberto e espontacircneo em que eacute produzida
Outra praacutetica dominante observada nos uacuteltimos anos no campo da assistecircncia
social tem sido a reduccedilatildeo do nuacutemero de pessoas residentes em instituiccedilotildees que passam a
serem atendidas no seio de suas famiacutelias ou domiciacutelios Muitos governos aderiram a essa
tendecircncia menos por princiacutepios humanitaacuterios e mais para contribuir com o propoacutesito
dominante de reduccedilatildeo do papel do Estado e de economizar recursos puacuteblicos (Informe da
Comunidade Europeacuteia em 1981 apud JOHNSON 1990) Trata-se neste caso de um
processo denominado de desinstitucionalizaccedilatildeo da assistecircncia social geralmente sob o
argumento de que a institucionalizaccedilatildeo assistencial contrasta com a assistecircncia familiar e
comunitaacuteria em virtude de vaacuterios fatores tais como ruptura com o ambiente familiar e
com as relaccedilotildees interpessoais perda de autonomia de decisatildeo para determinar a proacutepria
rotina rigidez dos regimentos internos humilhaccedilatildeo nos procedimentos de admissatildeo aleacutem
de deterioraccedilatildeo e decadecircncia fiacutesica dos sistemas asilares dentre outros Diante desse
diagnoacutestico Johnson (1990) afirma que governos profissionais acadecircmicos e
administradores passaram a defender a desinstitucionalizaccedilatildeo ainda que a retoacuterica natildeo
tenha sido seguida pela accedilatildeo concreta eou ter sido facilitada pela transferecircncia de recursos
Essa tem sido uma das criacuteticas feitas agrave proposta de transferecircncia de pacientes das
instituiccedilotildees sociais agrave comunidade considerada ainda bastante irregular e insuficiente pois
muitos natildeo tecircm famiacutelia para acolhecirc-los ou se as tecircm os familiares natildeo estatildeo dispostos ou
natildeo sacirco capazes de prestar-lhes a assistecircncia adequada
44 O discurso justificador da assistecircncia comunitaacuteria e familiar reediccedilatildeo de praacuteticas
tuteladoras e assistencialistas
Como foi informado a assistecircncia voluntaacuteria e a informal tambeacutem tecircm
recebido muita atenccedilatildeo pela corrente do pluralismo de bem-estar mas eacute bom que se diga
que a recente ideacuteia de assistecircncia comunitaacuteria natildeo procedeu do Estado nem tampouco de
setores comerciais ou mercantis Trata-se de uma forma de ajuda cotidiana natildeo-oficial que
131
responde por uma ampla gama de atividades sem fins lucrativos surgida mesmo no seio da
sociedade com o aval do Estado O conceito de rede assistencial na opiniatildeo de Johnson
(1990) tem a ver com a estrutura de relaccedilatildeo estabelecida entre os seus atores com papeacuteis e
intercacircmbios especiacuteficos
No setor informal a ecircnfase eacute dada agrave competecircncia privada sob a responsabilidade
de vaacuterios atores em particular da famiacutelia e dentro desta da mulher Conforme pesquisas
empiacutericas os registros da participaccedilatildeo do setor informal estatildeo mais focalizados nos tipos na
frequumlecircncia e na duraccedilatildeo dos contatos entre os atores sociais O desafio diz Johnson (1990)
consiste em construir uma unidade de medida que leve em conta tambeacutem a intensidade desses
contatos e sua significaccedilatildeo subjetiva via abordagem qualitativa
Com base nessas consideraccedilotildees percebe-se que a assistecircncia comunitaacuteria
conforme a visatildeo plural acaba sendo uma assistecircncia familiar articulada em rede primaacuteria
prestada a idosos crianccedilas e portadores de necessidades especiais (ou portadores de
deficiecircncia mental fiacutesica auditiva eou visual) Para Abrahamson (apud JOHNSON 1990
) poreacutem a espontaneidade que move a accedilatildeo desses atores natildeo eacute suficiente para caracterizar
essa assistecircncia comunitaacuteria pois a seu ver ela natildeo tem conotaccedilatildeo altruiacutesta Pelo
contraacuterio a assistecircncia comunitaacuteria nas sociedades industriais modernas eacute volaacutetil e por
isso pouco confiaacutevel o que leva Abrahamson a usar o termo reciprocidade para definir o
que denomina de assistecircncia pela comunidade e natildeo-comunitaacuteria A assistecircncia pela
comunidade efetiva-se porque invariavelmente estaacute ligada a percepccedilotildees de vantagens
reciacuteprocas a curto ou a longo prazos uns ajudam os outros Walker (apud JOHNSON
1990) adota um conceito menos ceacutetico ainda que limitado Trata-se do que ele denomina
de assistecircncia na comunidade a qual se efetiva quando eacute proporcionada informalmente
pelas redes familiares de vizinhos amigos ou voluntaacuterios ou ainda formalmente pelos
serviccedilos sociais puacuteblicos O campo das definiccedilotildees de assistecircncia comunitaacuteria segundo
Johnson (1990 p 100) tem sido ampliado em decorrecircncia do interesse demonstrado pelas
redes assistenciais de ajuda informal e tambeacutem por um maior reconhecimento e
importacircncia dada agrave assistecircncia voluntaacuteria Estudos acadecircmicos indicam como tendecircncia a
possibilidade de ocorrerem distintas estrateacutegias assistenciais conforme distintos grupos
eacutetnicos ou classes sociais
Johnson (1990 p 103) ressalta ainda que caso se pretenda uma assistecircncia
comunitaacuteria exitosa eacute preciso elaborar um plano cuidadoso pois uma ampla gama de
serviccedilos comunitaacuterios natildeo vai custar certamente menos que a assistecircncia oficial e
132
institucionalizada Por isso argumenta que se assistecircncia comunitaacuteria informal significa
promover uma assistecircncia inadequada transferindo o dever do Estado agraves famiacutelias eou
privatizando as financcedilas entatildeo se trata tatildeo e uacutenicamente de uma atenccedilatildeo aos interesses
econocircmicos Esta modalidade de assistecircncia estaacute baseada quase sempre natildeo na comunidade
no sentido territorial do termo mas na famiacutelia (parental) na raccedila ou na religiatildeo
Portanto tais estudos satildeo reveladores de quanto a visatildeo pluralista de bem-estar
neoliberal se distanciou da ideacuteia original de pluralismo de bem-estar puacuteblico e universal
discutida no campo da poliacutetica de assistecircncia social apoacutes 1945 natildeo tendo qualquer
semelhanccedila eou qualquer significado comum A transferecircncia das accedilotildees assistenciais para
o acircmbito da sociedade nessa perspectiva tem expressado sobretudo a transferecircncia natildeo
soacute do protagonismo do Estado mas sobretudo do compromisso eacutetico e do dever puacuteblico
para o setor privado
45 A centralidade do papel da mulher como cuidadora social a feminizaccedilatildeo da
provisatildeo assistencial informal e voluntaacuteria
A divisatildeo de tarefas assistenciais no interior das famiacutelias tem sido apontada
como uma tendecircncia geral dominante como confirma um estudo da Comissatildeo de
Igualdade de Oportunidades realizado em ManchesterGratilde Bretanha em 1982 (apud
JOHNSON 1990 p 106) ldquoa partir do momento em que as atitudes e as praacuteticas dentro da
sociedade continuam colocando sobre as mulheres as responsabilidades primaacuterias para as
funccedilotildees assistenciais a maioria das cuidadoras satildeo mulheresrdquo Este estudo indica ainda
que a maioria das mulheres seratildeo em algum momento de suas vidas cuidadoras em face
das demandas familiares e da tendecircncia de transferecircncia de responsabilidades do Estado
para o setor informal Espera-se que a mulher abandone ou reorganize o tempo de seu
trabalho para cuidar de si mesma eou dos membros da famiacutelia quando eles requerem
atenccedilatildeo especial eou constante Ela ateacute mesmo recebe pressatildeo da sociedade para exercer a
funccedilatildeo de cuidadora assistencial natildeo se esperando que os homens assumam esse papel de
forma reciacuteproca nem para si e muito menos para os familiares
A revisatildeo da literatura especiacutefica realizada por vaacuterios autores46 sobre a
assistecircncia comunitaacuteria informal nas sociedades modernas avanccediladas sustenta que as
46 Ver Parker (1985)Charlesworth (1984) Gilbert (1983) e Thompson (1985) (apud Johnson 1990 p 106-108)
133
mulheres continuam arcando com o ocircnus e a maior parte das responsabilidades
assistenciais com um gasto de tempo diaacuterio nas atividades de provisatildeo bastante
significativo e com os custos dessa assistecircncia Essa tendecircncia que estaacute sendo denominada
de feminizaccedilatildeo da assistecircncia comunitaacuteriafamiliar estaacute presente natildeo soacute nos paiacuteses
avanccedilados da Comunidade Europeacuteia e nos Estados Unidos da Ameacuterica mas jaacute se estendeu
a outras sociedades industrializadas incluindo a Ameacuterica Latina e o Brasil
Gilbert (apud JOHNSON 1990) sustenta que nos EUA em um futuro
previsiacutevel como no passado todas as cargas da assistecircncia familiar estaratildeo nas matildeos das
mulheres Essa tendecircncia confirma-se tambeacutem na Sueacutecia paiacutes em que 80 das mulheres
trabalham fora de casa e existe uma maior igualdade entre os sexos e as mulheres
continuam sendo as fontes principais da assistecircncia familiar e comunitaacuteria Em vista disso
conforme Johnson (1990) eacute difiacutecil prever o impacto causado pela atividade familiar no
acircmbito da sauacutede tanto sobre os que a exercem como sobre quem a recebe A assistecircncia
familiar eacute um trabalho penoso e constante que se daacute durante o dia e tambeacutem agrave noite
especialmente quando voltado para anciotildees e enfermos O esforccedilo fiacutesico contiacutenuo e o sono
interrompido geram desgastes fiacutesicos mentais e emocionais ocasionando na maioria das
vezes problemas seacuterios de sauacutede nas cuidadoras As categorias mais simples desses
problemas e que tecircm maior amplitude entre as mencionadas nos estudos satildeo a depressatildeo e
a ansiedade atribuiacutedas ao estresse contiacutenuo e prolongado Dentre os aspectos negativos
avaliados como responsaacuteveis pelas causas das tensotildees existentes nas famiacutelias que assumem
o ocircnus de algum cuidado especial relativo agrave sauacutede de um de seus membros e que recaem
sobre a mulher destacam-se a) discussotildees intermediadas pela mulher como advogada da
paz b) perda de privacidade de todos os membros da famiacutelia (mulher marido e filhos) c)
deterioraccedilatildeo das relaccedilotildees conjugais (marido e mulher) d) monopoacutelio do parente idoso eou
dos filhos Ainda haacute outras circunstacircncias decorrentes como o aumento de gastos extras o
confinamento em casa que leva ao isolamento social a ausecircncia de alternacircncia entre os
familiares de ajuda agrave mulher e sobretudo o total comprometimento de seu tempo de oacutecio
e lazer Uma outra desvantagem apontada pelas mulheres pesquisadas que se ocupam da
assistecircncia familiar tem sido a dificuldade para encontrar trabalho em tempo integral e ateacute
mesmo parcial e ainda com horaacuterio que seja adequado agrave rotina de quem eacute cuidadora
familiar o que por si soacute coloca a cuidadora em desvantagem em relaccedilatildeo aos colegas de
trabalho e ainda em situaccedilatildeo vulneraacutevel a uma provaacutevel reduccedilatildeo do salaacuterio e de falta de
perspectivas de ascensatildeo funcional De novo as conflituosas demandas da assistecircncia
134
familiar penalizam as mulheres Estudos apontam ademais que muitas acabam
abandonando o trabalho ou optam pelas desvantagens de um tempo parcial diante do
desafio de tentar combinar o trabalho remunerado fora de casa com a assistecircncia familiar
O ciacuterculo vicioso entatildeo se forma ou seja como consequumlecircncia imediata de
qualquer uma das opccedilotildees mencionadas acima ocorre a reduccedilatildeo do orccedilamento familiar o
que vai afetar a todos e reduzir substancialmente a qualidade da assistecircncia prestada pela
impossibilidade de a famiacutelia arcar com os gastos extras necessaacuterios
A seguir a tabela 1 demonstra o percentual de trabalhadoras femininas na faixa
etaacuteria de 15 a 64 anos em toda a Uniatildeo Europeacuteia (UE) no periacuteodo de 1960 a 1995 Os
regimes analisados satildeo anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo (Europa do Sul)
Apesar de os nuacutemeros indicarem um aumento progressivo no periacuteodo analisado a
porcentagem de trabalhadoras da Europa do Sul ainda eacute baixa quando comparada agraves demais
regiotildees mostrando que as mulheres ainda relutam em conciliar as atribuiccedilotildees domeacutesticas
com o trabalho fora de casa A literatura especializada (JOHNSON 1990 ESPING-
ANDERSEN 2004 USSEL 2001) atribui como causa dessa particularidade dos paiacuteses da
Europa do Sul especialmente em relaccedilatildeo agrave Espanha a questatildeo cultural Trata-se de culturas
extremamente conservadoras e arraigadas aos valores tradicionais da famiacutelia e nelas agraves
claras definiccedilotildees em relaccedilatildeo aos distintos papeacuteis do homem e da mulher Em que pesem as
mudanccedilas recentes ocorridas nessas sociedades em relaccedilatildeo ao papel das novas geraccedilotildees
ainda prevalece a ideacuteia de que ao homem compete ser o chefe de famiacutelia e agrave mulher o papel
de dona de casa eou de cuidadora social ateacute mesmo em substituiccedilatildeo ao papel do Estado na
aacuterea de assistecircncia social pela ausecircncia de uma efetiva poliacutetica familiar
Tabela 1 Porcentagens de trabalhadoras no conjunto da populaccedilatildeo feminina de 15-64
anos na Uniatildeo Europeacuteia (EU)_ 1960-1995
Regimes 1960 1974 1995 (1960-1995)
Anglo-Saxatildeo
461
543
660
+199
Continental 421 449 592 +171
Noacuterdico
489 609 725 +236
Mediterracircneo 316 376 490 +174
Fonte OECD-(1997 p 41 apud MORENO 2000 quadro 22)
Johnson (1990) afirma que no terreno conflituoso de demandas por assistecircncia
comunitaacuteria familiar os defensores do pluralismo de bem-estar apoiam-se intensamente no
trabalho natildeo-pago das mulheres natildeo apenas na famiacutelia mas tambeacutem no espaccedilo das organizaccedilotildees
135
voluntaacuterias Em vista disso o setor voluntaacuterio tornou-se tambeacutem um amplo campo para a
participaccedilatildeo feminina a exemplo do setor informal Soma-se a essa tendecircncia a natildeo-
profissionalizaccedilatildeo e a despolitizaccedilatildeo de um nuacutemero significativo de mulheres que liberadas pelos
filhos (jaacute adultos) das atribuiccedilotildees maternas e domeacutesticas aderiram ao trabalho voluntaacuterio
dedicando a ele grande parte de seu tempo Contudo Johnson (1990) argumenta que o setor
informal eacute o que proporciona atualmente a maior assistecircncia comunitaacuteria em relaccedilatildeo a todos os
outros setores juntos (serviccedilos puacuteblicos setor comercial ou mercantil voluntaacuterio e outros)
Percebe-se assim que o aprofundamento do debate sobre o impacto e as
tendecircncias em curso no campo da poliacutetica comunitaacuteria familiar no contexto do pluralismo
de bem-estar informal remete e inclui necessariamente aleacutem da questatildeo da ausecircncia de
centralidade do Estado o debate sobre os direitos das mulheres (a creches ao trabalho
remunerado ao lazer etc) Uma outra questatildeo consiste em avaliar e identificar as
diferentes vias de inter-relaccedilatildeo entre a assistecircncia formal e assistecircncia informal em uma
perspectiva de reciprocidade e complementaridade No limite isso equivale articular a
ajuda informal com as prioridades e os recursos (materiais humanos e financeiros) dos
serviccedilos puacuteblicos formais mediante o incremento de poliacuteticas sociais puacuteblicas executadas
pelo Estado e natildeo como um bem social exclusivo e restrito agrave sociedade via assistecircncia
informal comunitaacuteria Essa perspectiva certamente natildeo contempla a dimensatildeo puacuteblica e
universalizadora e sim a informalidade e a feminizaccedilatildeo da provisatildeo social em nome de
uma suposta solidariedade que natildeo produz cidadania social
Os estudos de Anttonen e Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) tratam dos
futuros alternativos ao bem-estar e afirmam que tatildeo importante quanto a igualdade de
oportunidades e de condiccedilotildees eacute a igualdade de gecircnero o que remete agrave questatildeo das diferenccedilas
sexuais entre homens e mulheres Essas autoras preocupam-se em aprofundar teoricamente
essas questotildees para identificar as opccedilotildees que as mulheres tecircm para ficar fora dessas
responsabilidades soacutecio-familiares comparando-as com o quadro atual de provisatildeo social
estatal Em seu estudo sobre o pluralismo de bem-estar e sobre o que denomina de bem-estar
amigavelmente feminino modelo desenvolvido na Sueacutecia elas fazem uma anaacutelise comparada
desses dois modelos de bem-estar com ecircnfase agrave investigaccedilatildeo sobre o poder poliacutetico presente
nessas duas racionalidades Ao privilegiar as relaccedilotildees de gecircnero (1995 p 3) as autoras
analisam o impacto desses aspectos no desenvolvimento do Estado de Bem-estar Em 1991
percebendo a influecircncia do pluralismo de bem-estar de extraccedilatildeo neoliberal Antonnen y
Sipilatilde (apud ABRAHAMSON 1995) dirigiram o foco de suas investigaccedilotildees para as
136
diferentes maneiras de produccedilatildeo de cuidados existentes O quadro 6 apresenta uma
heterogecircnea classificaccedilatildeo elaborada por essas autoras que inclui oito formas de produccedilatildeo
de cuidados quais sejam voluntaacuteria comercial mercado cinzento seguro social puacuteblico
marginal puacuteblico universal pagamento pelos cuidados e a familista contrastando-as com
as figuras do financiador final do prestador de cuidados do produtor e da forma de
financiamento
Quadro 6 Oito maneiras diferentes de produccedilatildeo de cuidados
Formas de produccedilatildeo de cuidado
Financiador final
Forma de financiamento Produtor Prestador
dos cuidados
Voluntaacuteria Filantropos Doaccedilatildeo Organizaccedilatildeo voluntaacuteria
Voluntaacuterio
Comercial Pessoa de classe alta Pagamento integral Empresa Trabalhadores empregados
Mercado cinza Pessoas de classe meacutedia
Dinheiro em espeacutecie Famiacutelia Trabalhadores pagos
Seguro social Segurados Precircmio Organizaccedilatildeo contratada
Trabalhadores empregados
Puacuteblico marginal Pagadores de impostos
Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados
Puacuteblico universal Pagadores de impostos
Imposto Autoridade local Trabalhadores empregados
Pagamento pelos cuidados
Pagadores de impostos
Imposto Famiacutelia Famiacutelias semipagas
Familista
Famiacutelia
Trabalho
Famiacutelia
Membros natildeo-pagos
Fonte Anttonen Sipilatilde ( apud ABRAHANSON 1995)
Ao selecionarem as oito formas de se produzir cuidados Antonnen e Sipilatilde
(apud ABRAHANSON 1995) resgatam dados interessantes da variedade de situaccedilotildees
remuneradas e natildeo remuneradas existentes no campo dos cuidados assistenciais Em
relaccedilatildeo agrave uacuteltima coluna o estudo das autoras evidencia como o campo de prestaccedilatildeo de
cuidados na perspectiva neoliberal eacute difuso e heterogecircneo (vaacuterios atores e setores) pois
respondem por essa atribuiccedilatildeo tanto os segmentos voluntaacuterios como trabalhadores
empregados trabalhadores pagos famiacutelias semipagas e ainda membros natildeo-pagos o que
dificulta ainda mais a identificaccedilatildeo dessa modalidade de bem-estar bem como o perfil do
prestador de cuidados na perspectiva de gecircnero e dos sujeitos e processos
Diversificadas tambeacutem satildeo as formas de financiamento uma vez que ocorrem
tanto na forma de doaccedilotildees como de pagamento integral dinheiro em espeacutecie imposto e
trabalho podendo ser o produtor de cuidados uma organizaccedilatildeo voluntaacuteria ou uma
empresa a famiacutelia (familismo) a organizaccedilatildeo contratada ou ateacute mesmo a autoridade
137
local Eacute curioso que na forma de produccedilatildeo de cuidados denominada familista em que o
produtor de cuidados eacute a proacutepria famiacutelia a forma de financiamento se daacute mediante o
trabalho nacirco-pago de seus membros e o financiador final eacute tambeacutem a proacutepria famiacutelia que
exime o Estado desse ocircnus
Em siacutentese nessa perspectiva a centralidade da famiacutelia ganha materialidade
pois essa instacircncia cria a forma de financiamento (trabalho) e produz o cuidado ao mesmo
tempo em que o financia
SEGUNDA PARTE
CAPIacuteTULO V
MODELO LATINO
51 Contextualizaccedilatildeo tipoloacutegica do modelo latino
Para analisar e qualificar o modelo latino desenvolvido pelos paiacuteses do Sul da
Europa eacute preciso antes contextualizaacute-lo no acircmbito da tipologia que o contempla dentre
as vaacuterias existentes Trata-se da classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) que seguindo o
exemplo de vaacuterios estudiosos da poliacutetica social com base nos trabalhos de Wilenski e
Lebraux (1965) Titmuss (1974) Korpi e Esping-Andersen (1984) dentre outros apresenta
particularidades que necessitam ser conhecidas visto que contemplam referecircncias regionais
excluiacutedas nas demais tipologias se bem que ainda restritas aos chamados paiacuteses do
primeiro mundo Aleacutem disso a tipologia de Abrahamson (1995) apresenta aspectos
pertinentes a esta tese ao incluir o Sul da Europa e qualificaacute-lo como modelo latino e ao
tratar da assistecircncia social na perspectiva do pluralismo de bem-estar
A primeira tipologia de Estado de Bem-estar surgiu nos anos 1960 e foi elaborada
por Wilenski e Lebraux em 1965 (apud JOHNSON 1990) Distinguiu-se por fundamentar-se
em duas categorias apenas a residual e a institucional Essa classificaccedilatildeo foi feita na Europa
apoiada em estatiacutesticas referentes aos paiacuteses desenvolvidos elaboradas por organismos
internacionais tais como OCDE OIT UE e ONU Sua base de comparaccedilatildeo reside na relaccedilatildeo
entre o montante do gasto social ou de seu ritmo de empenho e o grau de desenvolvimento
econocircmico dos paiacuteses contemplados e a estrutura etaacuteria de sua populaccedilatildeo A perspectiva analiacutetica
dessa classificaccedilatildeo eacute predominantemente econocircmica e o principal fator explicativo do
desenvolvimento da poliacutetica social eacute a industrializaccedilatildeo tanto que os autores ficaram famosos por
sustentar a ideacuteia haacute muito rejeitada de que o gasto social eacute o principal indicador de poliacuteticas
sociais adiantadas ou atrasadas Aliada a essa ideacuteia a industrializaccedilatildeo passou a ser vista como o
principal fator de desenvolvimento e crescimento econocircmico e de evoluccedilatildeo da poliacutetica social
Vinculou-se entatildeo diretamente o desenvolvimento da poliacutetica social agrave loacutegica da industrializaccedilatildeo
e agraves transformaccedilotildees sociais por esta engendradas isso porque a industrializaccedilatildeo estaacute associada a
um crescente processo de urbanizaccedilatildeo e de destruiccedilatildeo das redes tradicionais de proteccedilatildeo social agrave
medida que o desenvolvimento da economia de mercado passou a predominar A ecircnfase agrave
140
industrializaccedilatildeo como um processo irreversiacutevel o qual mais cedo ou mais tarde todos os paiacuteses
experimentariam constitiu o alicerce da teoria da convergecircncia da qual os autores
compartilhavam Por essa teoria a loacutegica da industrializaccedilatildeo movida por imperativos
tecnoloacutegicos levaria ao estabelecimento de mecanismos de proteccedilatildeo social e de poliacuteticas
educativas crescentemente similares o que conduziu agrave crenccedila prevalecente ateacute os finais dos
anos 1970 no fim das ideologias e da luta de classes bem como da lealdade das massas47 com o
concurso das poliacuteticas sociais
Uma vez questionadas as teses da convergecircncia dos modelos de proteccedilatildeo
social e do fim das ideologias deu-se iniacutecio agrave divulgaccedilatildeo de estudos que tratavam de
identificar o papel da poliacutetica (em seu caraacuteter representativo das estruturas poliacuteticas
sistemas de partidos ideologias partidaacuterias e a proacutepria burocracia puacuteblica) no curso da sua
evoluccedilatildeo Eacute o que Castles (1982 apud JOHNSON 1990) denominou de a batalha dos
paradigmas que ocorreu desde que o papel da poliacutetica social passou a despertar o interesse
de estudiosos e analistas inclusive de esquerda
Na perspectiva apresentada por Wilenski e Lebraux (apud JOHNSON 1990) a
concepccedilatildeo residual de proteccedilatildeo social cabe agrave iniciativa da sociedade civil que se daacute pelo
mercado famiacutelia organizaccedilotildees religiosas das empresas enfim espaccedilos privados capazes
de assegurar os mecanismos de provisatildeo e de financiamento da proteccedilatildeo social As
administraccedilotildees puacuteblicas somente devem prover serviccedilos para aqueles segmentos pobres
que natildeo dispotildeem de acesso a essas instituiccedilotildees sendo portanto de alcance e qualidade
limitados e alguns no niacutevel miacutenimo de subsistecircncia As caracteriacutesticas do modelo
institucional satildeo contraacuterias agraves do modelo residual que natildeo entende os pobres ou
marginalizados como os uacutenicos beneficiaacuterios da poliacutetica social A proteccedilatildeo aos grupos
socialmente vulneraacuteveis estende-se a uma cidadania mais ampla isto eacute a todos os
trabalhadores assalariados ou autocircnomos e agravequeles de quem a famiacutelia depende de seu
salaacuterio para sobreviver Satildeo dadas garantias mediante programas de renda para todos que
natildeo podem mais vender sua forccedila de trabalho no mercado (por enfermidade velhice ou
morte) A provisatildeo de serviccedilos socialmente considerados baacutesicos eacute considerada de
responsabilidade do Estado Nesse caso o desenvolvimento das instituiccedilotildees do Estado de
Bem-estar constitui-se na materializaccedilatildeo dos direitos sociais reconhecidos e afianccedilados
nas constituiccedilotildees e nas leis de cada paiacutes
47 Ver a siacutentese sobre tais argumentos (de uma escola e de outra) na claacutessica obra de Mishra (1977)_ Society and social policy_ e na introduccedilatildeo de Carrero no texto de Gough (1982^_ Economia poliacutetica del Estado del B ienestar
141
No entanto segundo JOHNSON (1990) a tipologia de Wilenski e Lebraux em
1968 que se mostrou aparentemente adequada para um modelo de proteccedilatildeo social aplicado
por alguns paiacuteses durante os anos 1960 revelou-se insuficiente para dar conta da evoluccedilatildeo
posterior desses paiacuteses (Austraacutelia Nova Zelacircndia Canadaacute Estados Unidos da Ameacuterica) e agrave
variedade de poliacuteticas sociais praticadas pelos paiacuteses europeus
Diacutegna de nota eacute a tipologia de Welfare State elaborada por Richard Titmuss (apud
JOHNSON 1990) um destacado fabiano a partir do final dos anos 1960 porque ela
influenciou quase todas as classificaccedilotildees subsequumlentes do gecircnero De acordo com Johnson
(1990) Titmuss concebeu trecircs modelos de Estado de Bem-estar_residual industrial e
institucional redistributivo_pois as tipologias servem para ajudar a ver alguma ordem em toda
a desordem e confusatildeo aparente dos fatos Nesse sentido Titmuss aperfeiccediloou a tipologia de
Wilenski e Lebraux (1965) e introduziu um terceiro modelo intermediaacuterio denominado
industrial (laboral) em que as necessidades sociais satildeo satisfeitas com base no criteacuterio do
meacuterito do trabalhador e conforme sua produtividade modelo chamado de meritocraacutetico Em
siacutentese o modelo residual implica papel miacutenimo do Estado na medida em que enfatiza o papel
do mercado empresas famiacutelia ONGs igrejas etc O industrial vincula e condiciona a
provisatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social e de bem-estar ao trabalho e agrave produtividade
condicionando o atendimento agraves necessidades sociais ao meacuterito do trabalhador O institucional
redistributivo reconhece a importacircncia do papel do Estado de Bem-estar na regulaccedilatildeo e
provisatildeo social assim como na distribuiccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais
No seu esforccedilo de compreender os diferentes tipos de poliacutetica social em
circulaccedilatildeo Titmus (apud JOHNSON 1990) compocircs outra tipologia poreacutem natildeo mais
dos Estados de Bem-estar mas do proacuteprio bem-estar ou da poliacutetica social social fiscal
e ocupacional que inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho
Para Titmus (1963) esses trecircs modelos podem ser encontrados simultaneamente em
um mesmo contexto nacional e decorrem de trecircs categorias de bem-estar social que
compreende uma diversidade de serviccedilos sociais fiscal que abrange uma ampla gama
de subsiacutedios e isenccedilotildees de impostos e por uacuteltimo o ocupacional que como jaacute
mencionado inclui prestaccedilotildees e benefiacutecios sociais derivados do proacuteprio trabalho
Johnson (1990) referindo-se agrave classificaccedilatildeo de Titmus (1963) argumenta que o modelo
residual foi ganhando adeptos e se tornando hegemocircnico em toda a Europa e
posteriormente nos EUA e que a principal decorrecircncia dessa tendecircncia
particularmente eacute diminuiccedilatildeo de uma densidade superior no processo de sindicalizaccedilatildeo
142
do trabalho levando agrave despolitizaccedilatildeo da poliacutetica social Uma outra razatildeo apresentada
por Johnson (1990) eacute que o modelo industrial (ou comercial) que se tornou
hegemocircnico estava centrado no individualismo e em criteacuterios de merecimento
responsabilizando o indiviacuteduo por eventual fracasso em suas condiccedilotildees de vida Por
fim o modelo institucional distributivo caracterizou-se por colocar o Estado em
oposiccedilatildeo ao mercado
Apesar de seu avanccedilo e inovaccedilatildeo a tipologia de Estados de Bem-estar de Titmus
foi posteriormente considerada restrita e ambiacutegua em certos aspectos especialmente por
centrar-se na praacutetica da poliacutetica em detrimento das ideologias ou regimes poliacuteticos que
condicionam Assim sua tipologia foi mais tarde reeleborada por Korpy e Esping Andersen
em 1984 (apud JOHNSON 1990) autores que apresentaram uma classificaccedilatildeo dos Estados de
Bem-estar e dos modelos de poliacutetica social que do ponto de vista heuriacutestico eacute considerada
mais completa em que pese o pioneirismo de Titmus
Korpy e Esping Andersen (1984) ao tratarem do desenvolvimento do modelo
escandinavo de Estado de Bem-estar distinguem trecircs grandes modelos poliacuteticos o liberal
o conservador corporativista e o social-democraacutetico48
Privilegiam como paracircmetro regimes ou ideologias poliacuteticas predominantes nas
trecircs economias poliacuteticas que expressam as diferentes concepccedilotildees de Estado de Bem-estar (liberal
conservadora e social-democrata) que por sua vez expressam trecircs distintas concepccedilotildees de Estado
de Bem-estar a saber Estados de Bem-estar de regimes liberais (com ecircnfase ao mercado)
Estados de Bem-estar de regimes conservadores (com origem em regimes autoritaacuterios que
buscam preservar a hierarquia social o status quo as diferenccedilas de classe) Estados de Bem-estar
de regimes social-democratas (com ecircnfase ao papel do Estado como principal agente de
proteccedilatildeo social e de garantia de direitos) O modelo social democraacutetico (vigente na Sueacutecia
Noruega Dinamarca e Finlacircndia) caracterizou-se pelo reconhecimento da centralidade do Estado
como principal agente de proteccedilatildeo social Nesse modelo a garantia de acesso aos serviccedilos
sociais puacuteblicos foi considerado universal e extensivo a toda cidadania e o objetivo do pleno
emprego foi mantido A exposiccedilatildeo da tipologia apresentada por Korpy e Esping Andersen
(1984) refere-se agraves condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas prevalentes nas economias capitalistas
avanccediladas nos anos de 1970 e 1980
48 Esping-Andersen apresentou o modelo escandinavo de Bem-estar em suas obras a) As trecircs economias poliacuteticas do Welfare State Lua Nova Satildeo Paulo n 24 1994 e b) O futuro do Welfare State na nova ordem mundial Lua Nova Satildeo Paulo n 35 1995 (do original The three worlds of welfare capitalism publicado em 1990)
143
No entanto na opiniatildeo de Johnson (1990) para Esping-Andersen os social-
democratas buscavam um Estado de Bem-estar que promovesse uma igualdade nos
segmentos mais elevados e natildeo uma igualdade baseada na satisfaccedilatildeo das necessidades
miacutenimas porque a seu ver o princiacutepio da desigualdade diante do princiacutepio meritocraacutetico
tem um status privilegiado na configuraccedilatildeo das poliacuteticas sociais singulares Assim os
princiacutepios da igualdade e da necessidade deveriam condicionar decisivamente o niacutevel de
prestaccedilotildees a que se tem direito no acircmbito dos serviccedilos sociais O modelo conservador
corporativista (vigente na Europa Continental ndash Alemanha Itaacutelia Franccedila Beacutelgica Holanda
Espanha etc) tambeacutem proporcionou um sistema de proteccedilatildeo social e de bem-estar extensivo
agrave populaccedilatildeo No entanto apesar de produzir um debate influente os princiacutepios que regem
sua arquitetura de proteccedilatildeo social estatildeo estreitamente vinculados agraves condiccedilotildees de trabalho agrave
produtividade e ao princiacutepio distributivo (e natildeo-redistributivo) de ganho pessoal eou
individual A garantia de acesso aos serviccedilos assistenciais e agraves prestaccedilotildees natildeo-contributivas
estaacute sujeita agrave comprovaccedilatildeo de necessidade (means tested) Nesse sentido o princiacutepio da
igualdade ocupa um lugar subordinado no sistema de proteccedilatildeo social e limita seu potencial
redistributivo tatildeo ao gosto dos regimes autoritaacuterios (neoliberais) que influenciaram o
modelo conservador no que se refere agrave manutenccedilatildeo e agrave preservaccedilatildeo da hierarquia social
(status quo) e das diferenccedilas de classe
Na vigecircncia do modelo liberal (Estados Unidos da Ameacuterica Canadaacute Austraacutelia
e Nova Zelacircndia) ainda segundo Esping Andersen predominaram aleacutem do esvaziamento
da funccedilatildeo reguladora e provedora do Estado ldquoa ajuda aos que comprovam que natildeo tecircm
meios e as transferecircncias universais de planos modestos de seguros sociaisrdquo (JOHNSON
1990 p 47) Neste modelo satildeo considerados lugares normais para satisfazer demandas e
necessidades sociais o mercado a famiacutelia as empresas e outras instituiccedilotildees da sociedade
civil em substituiccedilatildeo ao Estado Os subsiacutedios do Estado natildeo satildeo distribuiacutedos entre a maior
parte da populaccedilatildeo dependente mas somente entre os segmentos que pertencem aos
estratos sociais mais baixos que por estarem fortemente estigmatizados apresentam-se sob
o signo de carecircncia e de falta de recursos Trata-se de uma concepccedilatildeo de Estado de Bem-
estar baseada no princiacutepio da subsidiaridade49
Segundo Johnson (1990) no iniacutecio dos anos 1980 dentre os autores que
enfatizaram o papel da poliacutetica destacaram-se Castles em 1982 e os autores marxistas
49 Com base no princiacutepio liberal da subsidiaridade a intervenccedilatildeo do Estado mediante subsiacutedios somente se daacute no campo da provisatildeo e da poliacutetica social quando as instituiccedilotildees da sociedade (mercado famiacutelia ONGs) natildeo podem mais garantir a proteccedilatildeo social agraves pessoas ou grupos sociais
144
suecos Korpi e Esping-Andersen em 1984 que ressaltaram sobretudo como fatores
determinantes a partir do periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial a participaccedilatildeo dos
partidos poliacuteticos na ecircnfase dada ao papel da poliacutetica na poliacutetica social e em suas
articulaccedilotildees poliacuteticas Em seus estudos Castles evidencia que naquela conjuntura o
crescimento dos gastos sociais com educaccedilatildeo na Europa estava mais relacionado com os
governos de direita e o crescimento dos serviccedilos sociais e de sauacutede com forte expansatildeo
dos empregos puacuteblicos estava associado aos governos de esquerda ao mesmo tempo em
que a evoluccedilatildeo dos gastos com programas de garantia de renda miacutenima natildeo ficaram
afetados pela composiccedilatildeo dos distintos governos (JOHNSON (1990)
Korpi e Esping Andersen (1984) salientam ainda como fator determinante
a capacidade demonstrada pelo movimento de trabalhadores desses paiacuteses para articular
seus interesses em sindicados fortes com uma representaccedilatildeo partidaacuteria hegemocircnica
conseguindo manter-se no poder por um periacuteodo prolongado graccedilas agrave sua forccedila
poliacutetica Para esses autores naquela conjuntura essa estrateacutegia poliacutetica permitiu ao
Estado capitalista desenvolver mecanismos de redistribuiccedilatildeo de renda de prestaccedilatildeo de
serviccedilos sociais natildeo mercantilizados mediante uma poliacutetica social ativa No entanto
naquela mesma conjuntura apoacutes a Segunda Guerra Mundial essa realidade apresentou-
se bastante diversa em outros paiacuteses (que natildeo os escandinavos) tais como Alemanha
Beacutelgica Franccedila e Itaacutelia nos quais as forccedilas poliacuteticas dominantes e em accedilatildeo eram de
direita (JOHNSON 1990)
Percebe-se que as tipologias elaboradas pelos autores citados tais como
Wilenski e Lebraux Richard Titmus e Korpi e Esping-Andersen buscam apreender a
complexidade da realidade social bem como reduzir a heterogeneidade observada no
momento de proceder agrave comparaccedilatildeo das distintas poliacuteticas sociais nacionais aspectos que
interessam a esta tese que propocirce um estudo sobre a assistecircncia social no contexto do
pluralismo de bem-estar em perspectiva comparada analisando o modelo latino e
identificando as convergecircncias latinas entre a poliacutetica de assistecircncia social praticada no sul
da Europa e no Brasil Indiscutiacutevelmente o ponto de vista a partir do qual tais tipologias
foram elaboradas eacute bastante variaacutevel mas todas se mantiveram em um plano analiacutetico mais
geral o que as torna passiacuteveis de adoccedilatildeo como paracircmetros abstratos se bem que limitados
Eacute importante destacar que embora essas tipologias sejam consideradas
insuficientes vaacuterios autores passaram a reconhecer sua importatildencia ao admitirem ldquoser
necessaacuterio incluir outras variaacuteveis indo aleacutem da comparaccedilatildeo dos niacuteveis de gastos
145
sociaisrdquo (JOHNSON 1990 p 27) porque nas anaacutelises sobre poliacuteticas sociais haacute que se
considerar a complexidade dos princiacutepios que as norteiam50 No entanto apesar dessas
concordacircncias eacute importante que se diga que o uso de tipologias ainda eacute visto com
restriccedilotildees pois conduz o analista a um reducionismo e a uma apressada generalizaccedilatildeo
Contudo na falta de um melhor instrumental as tipologias continuam a ser usadas com o
claro objetivo de reduzir a complexidade da realidade social a exemplo das primeiras
tipologias de Estado de Bem-estar
Para efeitos da discussatildeo desenvolvida neste capiacutetulo e conforme jaacute
assinalado a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) tornou-se pertinente dada a contribuiccedilatildeo
que seu modelo triangular oferece agrave anaacutelise das trecircs esferas que compotildeem o pluralismo de
bem-estar51
Abrahamson (1995) fala de um modelo triangular apresentado por ele na
metade dos anos 1980 que pressupotildee a existecircncia no seu interior de trecircs esferas_ mercado
Estado e setores sociais natildeo-mercantis ndash perante as quais recursos especiacuteficos podem ser
obtidos Aleacutem disso destaca a relaccedilatildeo existente entre os distintos modelos europeus em
relaccedilatildeo agrave ecircnfase institucional ao niacutevel de compensaccedilatildeo do bem-estar agrave fonte de
financiamento e ao papel do voluntariado A unidade central do modelo de bem-estar
mediterracircneo tambeacutem denominado por ele de modelo latino e ou catoacutelico eacute a famiacutelia o
qual apresenta as particularidades tratadas a seguir
O quadro 7 que apresenta a classificaccedilatildeo de Abrahamson (1995) revela as
particularidades e os contrastes existentes entre os regimes de bem-estar europeus e em
particular as tendecircncias em curso na Europa do Sul onde predomina o modelo latino ou
catoacutelico Na sua classificaccedilatildeo consta de forma diferenciada um conjunto de regimes de
bem-estar europeus os quais denomina de catoacutelico (Europa do Sul) conservador liberal e
social-democrata e que satildeo dotados das caracteriacutesticas abaixo indicadas
Quadro 7 Caracteriacutesticas dos diferentes regimes de bem-estar
Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata
Ecircnfase institucional Sociedade Civil Mercado Estado Estado
Unidade central Famiacutelia Mercado de trabalho local Governo central Governo local
Niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar
Baixo Alto Baixo Alto
50 Sobre tais argumentos ver tambeacutem BALDWIN Peter em La poliacutetica de solidariedad social Bases sociales del Estado de Bienestar europeo 1985-1975 Madrid MTSS 1992 51 Ver figuras 1 2 e 3 referentes ao modelo triangular apresentado por Peter Abrahamson (1995) agraves paacuteginas 94 e 95 desta tese
146
Catoacutelico Conservador Liberal Socialdemocrata
Compromisso com o pleno emprego
Baixo Baixo Baixo Alto
Compromiso como provedor de serviccedilos
ndash ndash + +
Principal fonte de financiamento
Mercado e redes Mercado Estado Estado
Ecircnfase aos seguros de mercado
+ + ndash ndash
Ecircnfase ao voluntariado + + + ndash
Fonte Abrahanson 1995 Europa do Sul
Dentre outros aspectos confirma-se a importacircncia institucional atribuiacuteda pelo
modelo latino ou catoacutelico ao papel da sociedade e nela agrave famiacutelia considerada celula
mater ou seja unidade central da sociedade e referecircncia desse modelo bem como ao papel
do voluntariado agraves novas funccedilotildees do mercado e das redes assistenciais primaacuterias como
principais fontes privadas de provisatildeo social Destacam-se tambeacutem nesse regime o baixo
compromisso do Estado em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas de emprego e a ecircnfase atribuiacuteda aos
seguros advindos do mercado (mercadorizaacuteveis) em contraposiccedilatildeo agrave ideacuteia de Estado como
instacircncia regulamentadora das relaccedilotildees sociais e econocircmicas e como esfera provedora de
serviccedilos sociais puacuteblicos (para todos) Daiacute o baixo niacutevel de compensaccedilatildeo de bem-estar
desse regime ressaltado por Abrahamson (1995)
Esses contrastes e disparidades bem como as tendecircncias em curso na Europa
do Sul satildeo percebidos tambeacutem no quadro 8 que apresenta os principais traccedilos e
caracteriacutesticas dos regimes de bem-estar europeus classificados por Moreno (2000) como
anglo-saxatildeo continental noacuterdico e mediterracircneo Eacute de Moreno (2000) portanto a
classificaccedilatildeo dos principais traccedilos dos regimes europeus em relaccedilatildeo agrave ideologia aos
subsiacutedios aos serviccedilos ao financiamento agrave questatildeo de gecircnero agrave natureza da provisatildeo
social agrave relaccedilatildeo entre pobreza e trabalho referentes ao modelo da Europa do Sul que ele
chama de mediterracircneo
147
Quadro 8 Traccedilos e caracteriacutesticas gerais dos regimes de bem-estar europeus
Anglo-saxatildeo Continental Noacuterdico Mediterracircneo
Ideologia Cidadania Corporatismo Igualitarismo Autonomia vital
Objetivos Capacitaccedilatildeo individual
Manutenccedilatildeo de rendas
Rede de serviccedilos sociais
Combinaccedilatildeo de recursos
Financiamento Impostos Cotizaccedilocirces laborais Impostos Misto
Subsiacutedios Quantia projetada (niacuteveis baixos)
Contributivos (niacuteveis altos)
Quantia projetada (niacuteveis baixos)
Contributivos (niacuteveis baixos)
Serviccedilos Puacuteblicos residuais Agentes sociais Puacuteblico compreensivo Apoio familiar
Provisacirco Misto quase mercados
Misto ONGs Puacuteblico Misto descentralizado
Mercado laboral Desregulaccedilatildeo Estaacuteveis precaacuterios Alto emprego puacuteblico Economia informal
Gecircnero Polarizaccedilatildeo laboral Feminizaccedilatildeo trabalho
parcial Feminizaccedilatildeo trabalho puacuteblico
Familismo ambivalente
Pobreza Cultura da dependecircncia
Cultura de integraccedilatildeo Cultura estatal Cultura assistencial informal e voluntaacuteria
Fonte Moreno 2000 Europa do Sul
A classificaccedilatildeo de Moreno (2000) possibilita aleacutem da grande visibilidade dada
aos aspectos caracteriacutesticos de cada regime uma anaacutelise comparada entre os principais
traccedilos dos regimes europeus apresentados porque o meacutetodo de anaacutelise comparada tambeacutem
permite a experiecircncia de estudos de caso acerca de uma determinada realidade como
tambeacutem de um determinado sistema eou regime poliacutetico adotado por uma regiatildeo como eacute
o caso da Regiatildeo Sul da Europa Na concepccedilatildeo de Moreno (2003) a conformaccedilatildeo de um
regime de bem-estar implica um conjunto de instituiccedilotildees no qual se combinam recursos
legais materiais e organizativos de seus principais produtores de bem-estar quais sejam o
Estado a sociedadefamiacutelia e o mercado O autor defende a ideacuteia de que agrave loacutegica interna
das trecircs categorias mais conhecidas expostas por Esping Andersen em 1990 o anglo-
saxocircnico continental e noacuterdico (que passaram a informar o desenvolvimento futuro dos
regimes de bem-estar) deve-se acrescentar uma quarta categoria ou seja a do regime
mediterracircneo do qual fazem parte os paiacuteses que compotildeem a regiatildeo da Europa do Sul e
que no campo da proteccedilatildeo social implementam o chamado modelo latino Para Moreno
(2001 2002 2003) como tambeacutem para outros estudiosos dessa regiatildeo (SARASA
MORENO 1995 FERRERA 1996) no regime mediterracircneo a atuaccedilatildeo da famiacuteliamulher
e da Igreja constitui um elemento diferenciador e um traccedilo caracteriacutestico do modelo latino
porque as mulheres nessas sociedades tecircm protagonizado uma atuaccedilatildeo de caraacuteter
socialmente estruturante ao desenvolverem no espaccedilo dos hogares atividades essenciais
como trabalhadoras domeacutesticas e como cuidadoras sociais Argumenta o autor ainda que
148
ateacute mesmo as pesquisas que se fundamentam em anaacutelises de natureza estatal ao
enfatizarem a accedilatildeo determinante das instituiccedilotildees estatais centrais como uma grande
variaacutevel independente tecircm atribuiacutedo pouco valor aos resultados produzidos em relaccedilatildeo ao
nexo Estado gecircnerofamiacuteliamulher e trabalho
Com base nessa afirmaccedilatildeo de Moreno (2000) e sem abdicar da ideacuteia central da
presente tese de que compete agraves estruturas estatais o desenvolvimento dos sistemas
nacionais de provisatildeo e de proteccedilatildeo social puacuteblica este estudo considera que incluir em
uma investigaccedilatildeo as relaccedilotildees que determinam o referido nexo significa identificar aleacutem da
relaccedilatildeo entre o incremento do gasto social e a porcentagem do PIB do paiacutes analisado
elementos essenciais que explicitam o papel da sociedade em sua relaccedilatildeo com o Estado a
funccedilatildeo desempenhada pela famiacuteliamulher nos espaccedilos de trabalho e na produccedilatildeo de bem-
estar bem como a forma como se datildeo as transferecircncias de cuidados nos espaccedilos inter e
intrafamiliar A pesquisa desenvolvida por essa tese incorporou elementos produzidos por
esse nexo por entender que tais constataccedilotildees empiacutericas explicitam bastante os efeitos da
atuaccedilatildeo familiar e feminina na produccedilatildeo das poliacuteticas de bem-estar nessas realidades
Na regiatildeo do Sul da Europa em particular na Espanha observa-se como
tendecircncia contemporatildenea algumas mudanccedilas na organizaccedilatildeo da estrutura familiar como
a expansatildeo da adoccedilatildeo e constituiccedilatildeo de um modelo de famiacutelia diferente da tradicional
unidade familiar nuclear52 Na Espanha considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas
ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilatildeo A cohabitaccedilatildeo em
nuacutecleo familiar assemelha-se ao matrimocircnio Denomina-se hogar monoparental ou
nuclear monomparental o ambiente familiar constituiacutedo de pai sozinho ou de matildee
sozinha com filhos solteiros sem outreas pessoas e de ambiente familiar uninuclear ou
nuclear simples formado por casal sem filhos solteiros ou ainda casal com filhos
solteiros sem outras pessoas conforme demonstra o quadro 9
52 Segundo Moreno (2003) na Espanha a unidade familiar que sempre se apresentou em sua constituiccedilatildeo como nuacutecleo mater (famiacutelia nuclear marido mulher e filhos) natildeo tem o mesmo significado que o do conhecido termo espanhol hogar Ressalta que muito embora sejam usados como tal os termos famiacutelia nuclear e hogar natildeo satildeo sinocircnimos A unidade domeacutestica familiar estaacute referida a um conjunto de pessoas que convivem repartindo recursos materiais dentre eles a moradia Os sujeitos dos hogares costumam compor grupos de pessoas que tecircm traccedilos de consanguumlinidade Portanto tradicionalmente consanguumlinidade e parentesco tecircm sido os laccedilos habituais que determinam a constituiccedilatildeo e identificaccedilatildeo dos hogares nesse paiacutes
149
Quadro 9 Tipologia de ambientes familiares (hogares)
Denominaccedilatildeo Composiccedilatildeo do hogar (ambiente familiar) Coacutedigo
Unipessoal ou solitaacuterio
Sem nuacutecleo
Uninuclear ou nuclear simples
Monoparental ou nuclear-monoparental
Extenso ou nuclear extenso
Muacuteltiplo ou plurinuclear
Ambiente no qual vive uma soacute pessoa
Duas ou mais pessoas que natildeo formam um nuacutecleo familiar tenham ou natildeo relaccedilatildeo de parentesco entre elas
Casal sem filhos solteiros sem outras pessoas Casal com filhos solteiros sem outras pessoas
Pai sozinho com filhos solteiros sem outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros sem outras pessoas
Casal sem filhos solteiros com outras pessoas Casal com filhos solteiros com otras pessoas Pai sozinho com filhos solteiros com outras pessoas Macirce sozinha com filhos solteiros com outras pessoas
Dois ou mais nuacutecleos familiares que convivem no ambiente (hogar)
S
O
A B
C D
E F G H
M
Considera-se nuacutecleo familiar o formado por duas ou mais pessoas em virtude de laccedilos de matrimocircnio ou de filiaccedilacirco Fonte In Manuel Herrera Goacutemez Requena Madriacute 2004
O exame da evoluccedilatildeo das formas familiares na Espanha nas duas uacuteltimas
deacutecadas leva agrave indagaccedilatildeo se as transformaccedilotildees demograacuteficas tecircm produzido de fato uma
modificaccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia ou se essas natildeo seriam muito mais reflexo
de uma mudanccedila nas relaccedilotildees interpessoais dos membros dos hogares Significa verificar se
as tendecircncias demograacuteficas atuais correm em paralelo agraves novas estrateacutegias de convivecircncia
ao mesmo tempo em que estatildeo sendo produzidas nos tradicionais contextos institucionais O
recente decreacutescimo das taxas de fecundidade e de nupcialidade na Europa do Sul e em
especial na Espanha e na Itaacutelia estaacute sendo considerado o primeiro sintoma visiacutevel da
modificaccedilatildeo nas formas familiares espanholas em relaccedilatildeo aos paiacuteses europeus (HERRERA
REQUENA 2004 p 149) Esse fator demograacutefico acentuou-se de tal forma na deacutecada de
1980 que a Espanha e a Itaacutelia satildeo paiacuteses que apresentam atualmente os niacuteveis de
fecundidade mais baixos do mundo Em contrapartida a Espanha conta com uma das taxas
de esperanccedila de vida (longevidade em torno de 78 anos) mais elevadas do mundo
Estudos revelam que na Espanha durante as duas uacuteltimas deacutecadas o ritmo de
crescimento do volume de hogares foi superior ao da populaccedilatildeo A consequumlecircncia imediata
dessas mudanccedilas foi a reduccedilatildeo do nuacutemero meacutedio de membros por hogar A dimensatildeo dessa
morfologia familiar sintetiza de um lado a existecircncia de determinados padrotildees de
estruturaccedilatildeo familiar que permitiram com maior ou menor facilidade o desmembramento
do hogar familiar de origem e de outro revela a dinacircmica das estruturas demograacuteficas das
populaccedilotildees de referecircncia seja por idade sexo ou estado civil
150
Diante do exposto percebe-se a prevalecircncia na Espanha de um padratildeo
familiar de estrutura complexa (composiccedilatildeo de um hogar com a existecircncia de mais de um
nuacutecleo familiar como a presenccedila de um soacute nuacutecleo familiar com outras pessoas alheias ao
mesmo familiares ou natildeo) Certamente trata-se de um modelo normativo familiar
complexo considerando que nas uacuteltimas deacutecadas aumentou muito o tamanho e o nuacutemero
de membros por hogar em relaccedilatildeo ao modelo familiar mais simples No entanto jaacute se
admite que essa estrutura familiar complexa estaacute em processo de diminuiccedilatildeo em tamanho
dos hogares (de trecircs ou menos pessoas) Essa tendecircncia contemporacircnea pode expressar natildeo
somente uma modificaccedilatildeo das formas familiares eou a existecircncia de preferecircncia de
convivecircncias distintas ao longo do tempo senatildeo tambeacutem que essas preferecircncias natildeo satildeo
mais que manifestaccedilotildees da mesma dinacircmica familiar observadas em diferentes
conjunturas uma vez que a estrutura por idade da populaccedilatildeo de referecircncia natildeo eacute a mesma
Esta ambiguumlidade presente na constituiccedilatildeo dos hogares exige a atitude teoacuterico-
metodoloacutegica de buscar a complementaccedilatildeo de todos esses dados empiacutericos incluindo no
seu conjunto todas as mudanccedilas ocorridas no ciclo familiar
Na Europa do Sul prevalece a visatildeo de que a famiacutelia deve ser valorizada como
suporte essencial agrave satisfaccedilatildeo vital (well-being) do cidadatildeo aleacutem de considerar seus recursos
como complementares aos do Estado e aos da sociedade Entende-se com base nesse fator
cultural a raacutepida adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta pluralista de bem-estar de
enfoque neoliberal Segundo Moreno (2003) nas uacuteltimas deacutecadas essas sociedades tecircm sido
capazes natildeo apenas de cumprir os intentos neoliberais de restriccedilatildeo aos programas de bem-
estar mas tambeacutem de incrementar seu gasto puacuteblico social em proporccedilatildeo maior do que dos
demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia No processo de liberalizaccedilatildeo da economia ao direcionar
as poliacuteticas sociais para os distintos grupos famiacuteliares eou setores que desenvolvem praacuteticas
sociais informais e autocircnomas (agregado de bem-estarndashwellfare mix) pretende de fato
transferir o gasto social puacuteblico-estatal para a intervenccedilatildeo privada de bem-estar Nesse
sentido o trabalho natildeo-remunerado das supermujeres tem contribuiacutedo para uma maior
expansatildeo do gasto social em outras aacutereas muitas vezes ateacute mesmo em substituiccedilatildeo agraves accedilotildees
sociais do Estado atualmente minimizadas
Investigaccedilotildees sociais recentes (CASTLES FERRERA 1996 MORENO 2000
FUNDACIOacuteN ENCUENTRO 2002 SECO GONZAacuteLEZ 2005) informam outra tendecircncia
na Europa do Sul de um lado um visiacutevel aumento de hogares monoparentales de outro uma
significativa reduccedilatildeo do nuacutemero de famiacutelias tradicionais nucleares (pais e filhos)
151
Indiscutiacutevelmente essa tendecircncia evidencia a formaccedilatildeo de uma nova arquitetura na estrutura
familiar nessa regiatildeo apesar de o desenho dos novos modelos familiares mostrar-se incipiente
devendo levar um tempo para ser consolidado tanto como modelo predominante de estrutura
familiar quanto metodoloacutegicamente como modelo analiacutetico Contudo no contexto de
formaccedilatildeo do modelo latino e de desenvolvimento do regime de bem-estar mediterracircneo a
famiacutelia segue sendo considerada para efeitos analiacuteticos uma variaacutevel independente Para
Moreno (2003) muitos estudos natildeo levam suficientemente em conta essa variaacutevel
bagravesicamente por duas razotildees de ordem metodoloacutegica a dificuldade de se obter dados
qualitativos confiaacuteveis e sistemaacuteticos nos espaccedilos familiares e a incapacidade metodoloacutegica de
transformar categorias afetivas em informaccedilatildeo quantitativa para fins estatiacutesticos O autor
destaca ainda outras dificuldades e desafios metodoloacutegicos as histoacutericas praacuteticas de
transferecircncia de recursos intrafamiliares (reparto familiar) a natureza do orccedilamento flexiacutevel
de recursos financeiros e gastos sociais os novos padrotildees de propriedade imobiliaacuteria a
heterogeneidade e a fragmentaccedilatildeo da reproduccedilatildeo social nessa regiatildeo
Contudo haacute que se destacar que as mudanccedilas ocorridas na estrutura familiar e nas
transiccedilotildees culturais e demograacuteficas nas sociedades mediterracircneas ainda natildeo satildeo comparaacuteveis agraves
dos demais regimes de bem-estar europeus que tecircm produzido uma generalizaccedilatildeo de novas
formas familiares justificada como exigecircncia das sociedades industriais mais avanccediladas
Ainda assim eacute possiacutevel afirmar que estaacute em curso nessa regiatildeo um processo de
despatriarcalizaccedilatildeo da vida familiar (MORENO 2003) o que significa a perda gradativa de
autoridade do homem como varatildeo pai de famiacutelia e principal provedor dos meios de sustento
familiar Nas sociedades mediterracircneas apesar de as tradicionais estruturas familiares
continuarem mantendo sua aparecircncia de modelo nuclear as mudanccedilas ocorridas comeccedilam a
evidenciar a inviabilidade da manutenccedilatildeo desse modelo no contexto soacutecio-econocircmico e
cultural contemporacircneo pelo menos como modelo familiar predominante
Em relaccedilatildeo aos princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas dos regimes europeus o mesmo
pode ser dito da tipologia apresentada por W Korpy YG e Esping-Andersen demonstrada no
quadro 10 se bem que nas categorias e nos exemplos utilizados por esses autores natildeo haacute
referecircncia a um modelo latino Em verdade o Sul da Europa soacute recentemente vem sendo
analisado na perspectiva do Welfare State o que comprova a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves
experiecircncias de proteccedilatildeo social desses paiacuteses que mesmo sendo europeus natildeo se encaixavam
nos criteacuterios consagrados de definiccedilatildeo desse Estado Nesse quadro dentre outros aspectos
destacam-se a pouca importacircncia atribuiacuteda agraves poliacuteticas de pleno emprego a limitada
152
capacidade redistributiva dos gastos sociais e em contrapartida a ecircnfase dada agrave proteccedilatildeo social
de caraacuteter privado nos modelos liberal e conservador
Quadro 10 Tipologia dos estados de bem-estar segundo W Korpi YG Esping-Andersen
(1984) ndash princiacutepios e caracteriacutesticas baacutesicas
Liberal Conservador Social-democraacutetico
Niacutevel de proteccedilatildeo frente as incertezas do mercado de trabalho e de falta de recursos
Baixo Meacutedio Alto
Direitos sociais frente a proteccedilatildeo contra a pobreza
Proteccedilatildeo contra a pobreza
Direitos sociais Direitos sociais
Importacircncia da proteccedilatildeo social de caraacutecter privado (terceiro setor e mercado)
Alta Meacutedia Baixa
Grau de financiaccedilatildeo individual da proteccedilatildeo social puacuteblica
Meacutedio Alto Meacutedio
Organizaccedilacirco da seguridade social segundo grupos profissionais
Nacirco Sim Nacirco
Capacidade redistributiva dos gastos sociais Limitada Limitada Alta
Poliacutetica ativa de pleno emprego Nacirco Somente com conjuntura econocircmica favoraacutevel
Em todas as conjunturas econocircmicas
Fonte In Bracho Carmen Ferrer Jorge Garcecircs (coord) 1998 ( apud LANDWERLIN 1998)
Interessa a este estudo com a apresentaccedilatildeo desses quadros chamar atenccedilatildeo
para a visibilidade de aspectos essenciais que se caracterizam natildeo apenas como
contrapontos entre distintos regimes mas sobretudo como tendecircncia contemporacircnea dos
regimes de bem-estar incluindo experiecircncias antes natildeo mencionadas e que
paradoxalmente parecem estar na ordem do dia Eacute flagrante no regime mediterracircneo ou
latinocatoacutelico (Europa do Sul) a influecircncia do pluralismo de bem-estar de cunho
neoliberal ao ganharem visibilidade aspectos substantivos ressaltados tanto por
Abrahamson (1995) como por Moreno (2000) tais como a composiccedilatildeo descentralizada
desse modelo em relaccedilatildeo agrave uma ideologia fundamentada na autonomia da sociedade ante o
Estado a proposta de combinaccedilatildeo de recursos puacuteblicos e privados no campo da provisatildeo
social com prevalecircncia deles um financiamento de caraacuteter misto (recursos provenientes
natildeo soacute de arrecadaccedilatildeo de impostos eou de cotizaccedilotildees trabalhistas mas tambeacutem das famlias
eou das pequenass comunidades) e sobretudo o apoio familiar (fenocircmeno do familismo)
na execuccedilatildeo dos serviccedilos sociais em substituiccedilatildeo ao papel dos agentes sociais (modelo
continental) eou dos serviccedilos sociais puacuteblicos como dever do Estado (regime noacuterdico)
Assim as distintas tipologias de Estado de Bem-estar existentes oferecem
apesar de sua limitaccedilatildeo elementos de conhecimento das fronteiras natildeo tatildeo claras entre
diferentes modalidades de poliacutetica social e particularmente de assistecircncia adotadas em
153
diferentes contextos e culturas Portanto a anaacutelise realizada nesta tese quanto agraves poliacuteticas
assistenciais desenvolvidas pelos paiacuteses que compocircem o modelo latino teve nessas
tipologias apoio analiacutetico reforccedilado pelas contribuiccedilotildees de uma pesquisa realizada por
Gough (1997) sobre a assistecircncia social no Sul europeu
Em sua investigaccedilatildeo Gough (1997) levou em consideraccedilatildeo o fato de esses
serem paiacuteses vinculados agrave Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e o Desenvolvimento
Econocircmico (OCDE) e tambeacutem integrantes da Uniatildeo Europeacuteia (EU) Gough (1997)
chama a atenccedilatildeo para um aumento crescente e significativo do interesse intelectual e
poliacutetico por anaacutelises mais rigorosas sobre a composiccedilatildeo e os traccedilos mais gerais que
caracterizam os paiacuteses que implementam o regime latino de bem-estar no Sul da
Europa 53 A seu ver tais anaacutelises buscam completar estudos descritivos e histoacutericos jaacute
realizados mediante utilizaccedilatildeo mais precisa de categorias e conceitos bem como sobre
modelos particulares de desenvolvimento do bem-estar Cita autores como Leibfried
(1993) para quem os paiacuteses meridionais ou do Sul europeu constituem regimes de
bem-estar bastante distintos dos desenvolvidos pelos demais paiacuteses da Europa
especialmente da Europa do Norte ndash a Escandinaacutevia
Outro autor citado por Gough (1997) tambeacutem estudioso da poliacutetica social
desenvolvida na Europa do Sul eacute Ferrera (1996) que aponta as seguintes caracteriacutesticas
identificadas nessa regiatildeo a) sistema dualista desigual e de manutenccedilatildeo de renda no qual
as prestaccedilotildees mais generosas e elevadas satildeo destinadas aos grupos privilegiados que tecircm
uma forte relaccedilatildeo com o mercado de trabalho formal ao mesmo tempo em que prestaccedilotildees
escassas e mais baixas satildeo destinadas ao restante da populaccedilatildeo b) caraacuteter universal
atribuiacutedo aos sistemas de sauacutede conforme consta no discurso oficial e c) ecircnfase ao papel
da famiacutelia na provisatildeo social
Com efeito e conforme jaacute anunciado os paiacuteses do Sul da Europa apoacuteiam-se
em um modelo no qual a famiacutelia e as redes informais de solidariedade tecircm uma valorizaccedilatildeo
muito alta e uma expressiva participaccedilatildep na provisatildeo social privada Outro forte traccedilo
desse modelo eacute que costuma ser influenciado pela doutrina social catoacutelica (a exemplo dos
regimes catoacutelicos e familiaristas na Itaacutelia e na Espanha) por um modelo de proteccedilatildeo social
residual (interferecircncia puacuteblica estatal restrita agraves situaccedilotildees nas quais fracassam as redes
53 Do grupo de cinco paiacuteses meridionais eou da Europa do Sul ao qual se estaacute referindo fazem parte Espanha Portugal Itaacutelia Franccedila e Greacutecia Alguns autores como Gough (1977) excluem em sua classificaccedilatildeo a Franccedila e incluem a Turquia muito embora reconheccedilam que a maior parte de seu territoacuterio geograacutefico natildeo se encontra na Europa
154
sociais primaacuteriasfamiliares) e pelo princiacutepio da subsidiaridade (a proteccedilatildeo social puacuteblica
tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio)
De fato o familismo ganhou forccedila nessa regiatildeo no vazio deixado pelo baixo
iacutendice de provisatildeo de bem-estar puacuteblico e pela limitaccedilatildeo (ou ineficaacutecia) de programas de
atenccedilatildeo agrave infacircncia eou aos idosos ainda que esses indicadores reflitam uma ambiguidade
de um lado deixa-se de prestar tais serviccedilos puacuteblicos por entender que esta tarefa
assistencial compete agrave igreja e agrave famiacutelia (caso da Itaacutelia e da Espanha) e de outro por
relegar essa terefa ao mercado por influecircncia do pluralismo de bem-estar Em siacutentese no
modelo latino a igreja a famiacutelia e o mercado ocupam o lugar do Estado
No entanto o mercado de serviccedilos prestados agraves famiacutelias natildeo prosperou como
se pensava e por isso segundo Esping Andersen (1984 p 79) os subsiacutedios familiares
resultam tatildeo escassos na catoacutelica Europa Meridional regiatildeo em que a seu ver os
Estados de Bem-estar nunca foram muito generosos nas transferecircncias de renda agraves
famiacutelias Por outro lado na era industrial o mercado de bem-estar familiar segue sendo
bastante flutuante Em uma comparaccedilatildeo mais geral entre os paiacuteses da Europa existe uma
clara correlaccedilatildeo negativa entre as taxas de emprego feminino e as horas de trabalho
domeacutestico natildeo-remuneradas das mulheres que tendem a cumprir longas jornadas em
cerca de 39 (trinta e nove) horas semanais nos Paiacuteses Baixos e de 45 (quarenta e cinco)
na Itaacutelia e na Espanha Uma possiacutevel estrateacutegia familiar utilizada para compensar a
ausecircncia de subsiacutedios estatais aos seus membros apontada como tendecircncia por Esping
Andersen (1984) tem sido a de aumentar a participaccedilatildeo dos
homenscompanheirosmaridos nos afazeres domeacutesticos para compensar a ausecircncia eou
a falta de tempo das mulherescompanheirasesposas
Em relaccedilatildeo ao elevado grau de familismo essa caracteriacutestica constitui traccedilo
comum e peculiar no modelo latino Como eacute oacutebvio ele apresenta uma provisatildeo puacuteblica
extremamente reduzida em que o caraacuteter familiarista de um regime natildeo dever ser
identificado uacutenicamente por indicadores do Estado de Bem-estar No entanto apesar dos
indicadores relativos ao familismo natildeo estarem isentos de ambiguumlidades o familismo (no
que se refere agraves responsabilidades relativas ao cuidado dos parentes na unidade familiar)
aparece de forma mais clara na Europa Meridional uma vez que os regimes de bem-estar
noacuterdicos confirmam o perfil de Estados excepcionalmente desfamiliarizados
Como uma tendecircncia contemporacircnea a unidade familiar vem assumindo um
papel chave pois passou a constituir fonte privada de produccedilatildeo de serviccedilos de bem-
155
estar Um aspecto relevante a destacar eacute que na ausecircncia do protagonismo do Estado
nem o mercado e famiacutelia substituem a cobertura da provisatildeo puacuteblica O grande
paradoxo desse modelo especialmente na atualidade eacute que se de um lado o nuacutecleo
familiar baseado no princiacutepio de subsidiaridade herdado do catolicismo prevalece
(ideal de famiacutelias grandes integradas e estaacuteveis) de outro os dois maiores paiacuteses
europeus catoacutelicos (Itaacutelia e Espanha) ostentam os niacuteveis de fertilidade mais baixos do
mundo e em contrapartida os regimes de Bem-estar escandinavos (altamente
desfamiliarizados) situam-se entre os paiacuteses que apresentam as taxas de fecundidade
mais altas da Europa Nesse sentido surpreende a correlaccedilatildeo existente entre a
fecundidade e o trabalho remunerado das mulheres nesses paiacuteses apresentando-se ao
contraacuterio do que se poderia esperar uma correlaccedilatildeo positiva ou seja quanto mais
elevada eacute a taxa de emprego feminino maior eacute o niacutevel de fecundidade dessas mulheres
Uma questatildeo instigante formulada por Andersen (1984) eacute por que atualmente os niacuteveis
de emprego feminino se relacionam positivamente com a fecundidade Uma resposta
criteriosa a essa questatildeo faz-se necessaacuteria ateacute porque se os Estados de Bem-estar
contemporacircneos continuarem desestimulando a fecundidade seja de maneira direta ou
indireta certamente estaratildeo limitando sua futura viabilidade histoacuterica nacional
Diante do exposto fica claro que eacute sobre a famiacutelia e a mulher que recaem as
maiores expectativas pluralistas de participaccedilatildeo informal tiacutepicas do modelo latino como
fonte provedora privilegiada de bem-estar voluntaacuterio e solidaacuterio para os seus membros
(idosos crianccedilas portadores de deficiecircncia e enfermos) sem considerar as tensotildees e as
contradiccedilotildees que perpassam o campo das relaccedilotildees familiares Na visatildeo dos mentores das
poliacuteticas sociais contemporacircneas na perspectiva plural ou mista compete agrave famiacutelia a
provisatildeo social informal por suas proacuteprias caracteriacutesticas e por sua relevacircncia no campo
da provisatildeo social solidaacuteria
Como fundamentos da proteccedilatildeo social agrave famiacutelia nesse paiacutes destacam-se os
aspectos que se seguem O primeiro eacute o fundamento juriacutedico tal qual se encontra no artigo
39 da Constituiccedilatildeo Espanhola O segundo eacute a relevacircncia social e instrumental atribuiacuteda agrave
famiacutelia como espaccedilo de solidariedade e como prestadora de serviccedilos sociais privados aos
segmentos da assistecircncia (crianccedilas idosos desempregados enfermos crocircnicos drogaditos
e outros) O governo espanhol entende que adotar poliacuteticas de compensaccedilatildeo puacuteblica lhe
permite estabelecer a solidariedade intergeracional no espaccedilo familiar O papel central da
famiacutelia na sociedade espanhola sustenta-se no trabalho natildeo-reconhecido natildeo-remunerado e
156
natildeo retribuiacutedo da mulher como cuidadora social no espaccedilo familiar Na Espanha a praacutetica
do reparto familiar estaacute assentada na ideacuteia de que cada geraccedilatildeo suporta los riegos (riscos
eou traccedilos) das geraccedilotildees passadas e os seus proacuteprios em troca de que posteriormente seus
riegos (traccedilos) sejam suportados por geraccedilotildees futuras O terceiro eacute a importacircncia atribuiacuteda
agrave proteccedilatildeo social familiar para a construccedilatildeo da identidade pessoal de seus membros O
quarto eacute o necessaacuterio reconhecimento social da maternidade como contribuiccedilatildeo essencial
para a coletividade ou seja a maternidade eacute a base da continuidade da sociedade O quinto
e uacuteltimo eacute a necessidade da compensaccedilatildeo puacuteblica mediante serviccedilos sociais pelas
responsabilidades familiares (a produccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais agrave famiacutelia eacute tatildeo
importante quanto sua funccedilatildeo reprodutora)
As decisotildees e a legislaccedilatildeo social baacutesica espanhola relativa agrave poliacutetica familiar
provecircm do poder central das comunidades autocircnomas (CCAAs) e dos municiacutepios e
constitui o nuacutecleo mais decisivo e visiacutevel da chamada poliacutetica familiar espanhola As
CCAAs e os municiacutepios tecircm adquirido crescente protagonismo sobretudo nos aspectos
assistenciais da poliacutetica familiar e em relaccedilatildeo aos programas de ajuda a situaccedilotildees de
marginalizaccedilatildeo familiar A competecircncia no campo da assistecircncia social atribuiacuteda agraves
CCAAs estaacute assegurada no artigo 148120 da Constituiccedilatildeo espanhola Eacute tamanha a
importacircncia da referecircncia agrave famiacutelia nesse paiacutes que se tem chegado a qualificaacute-la como
ldquoagente colaborador do Estado na consolidaccedilatildeo do bem estar socialrdquo (Constituiccedilatildeo
Espanhola p 19) Na Espanha a famiacutelia chega a ser considerada um Ministeacuterio de Estado
como nas palavras de Ussel (1998 p 62) citado por Martinez Martin (2004) ldquola famiacutelia
em Espantildea es el auteacutentico Ministeacuterio de Asuntos Sociales La famiacutelia es la que ocupa de
los hijos del cuidado de los ancianosrdquo
A criaccedilatildeo do chamado ingresso miacutenimo familiar (ingreso miacutenimo familiar
RMI)) nas diversas CCAAs temaacutetica desenvolvida nesta tese como conteuacutedo do
capiacutetulo VII destina-se a compensar as unidades familiares que carecem de meios
econocircmicos suficientes para atender agraves necessidades baacutesicas da vida o que evidencia o
protagonismo que tem desempenhado o que vem sendo denominado de poliacutetica
familiar nas comunidades autocircnomas Jaacute se admite entre estududiosos dessa questatildeo
como Moreno (2000) uma incipiente europeizaccedilacirco da poliacutetica familiar a julgar pela
ecircnfase dada pelas diretrizes europeacuteias e pela coordenaccedilatildeo da legislaccedilatildeo dos Estados-
membros que exercem pressatildeo para que ocorra uma aproximaccedilatildeo dos conteuacutedos da
legislaccedilatildeo de proteccedilatildeo familiar
157
Nessa perspectiva a regiatildeo da Europa do Sul mostrou-se bastante
receptiva agrave proposta pluralista neoliberal ateacute mesmo porque o familismo foi
incorporado como forte componente cultural nessas sociedades A praacutetica do
familismo atende agrave resistecircncia dos neoliberais e neoconservadores ao protagonismo
do Estado na produccedilatildeo do bem-estar puacuteblico Esse argumento eacute sustentado com vista
a orientar o Estado a se ocupar mais diretamente dos interesses econocircmicos do grande
capital transferindo para os organismos multilaterais (Banco Mundial FMI BID) a
coordenaccedilatildeo geral desse processo bem como as orientaccedilotildees a serem seguidas pelos
Estados capitalistas tendo em vista a implementaccedilatildeo das chamadas poliacuteticas
macroeconocircmicas Em substituiccedilatildeo agrave intervenccedilatildeo estatal no campo social deveraacute ser
atribuida maior responsabilidade aos setores natildeo-oficiais voluntaacuterio
informalfamiliar e comercial (JOHNSON 1990) Com base nessas interpretaccedilotildees eacute
possiacutevel reafirmar que o Estado de Bem-estar natildeo entrou em crise mas ocorreu a sua
reestruturaccedilatildeo com forte inclinaccedilatildeo para o conservadorismo pela imposiccedilatildeo do
retorno dos princiacutepios do liberalismo claacutessico agora com nova roupagem ou seja
com o fenocircmeno do pluralismo de bem-estar neoliberal
Outro estudo realizado por Abrahamson (1996) revela a tendecircncia em curso do
regime de bem-estar latino no que diz respeito agrave ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo
social Como o quadro 11 demonstra no contexto de outros diferentes regimes de bem-
estar o modelo latino apresenta uma performance baixa tanto em relaccedilatildeo a uma como a
outra ecircnfase em especial pela ausecircncia do princiacutepio da redistributividade o que sem
duacutevida contribui para o aumento da pobreza nos lugares onde esse modelo eacute adotado
Quadro 11 Regimes de bem-estar segundo a ecircnfase ao emprego e agrave redistribuiccedilatildeo social
Ecircnfase agrave redistribuiccedilatildeo social
Alto Baixo
Ecircnfase ao emprego Alto Socialista Liberal
Baixo Corporativista Catoacutelico (Latino)
Taxa de pobreza Moderada Alta
Fonte Abrahamson (1996 p 138)
Ademais em relaccedilatildeo agrave ecircnfase dada ao familismo como um traccedilo peculiar do
regime latino eacute forccediloso reconhecer uma grande diferenciaccedilatildeo entre a ambivalecircncia
presente no trato desse familismo de caraacuteter conservador e o trato dispensado agrave
feminizaccedilatildeo como uma questacirco de gecircnero (com destaque para a polarizaccedilatildeo trabalhista no
158
regime anglo-saxatildeo) como uma poliacutetica puacuteblica eou como um trabalho parcial e
complementar ao do Estado a exemplo do regime noacuterdico
Ao apresentar particularidades concretas o modelo mediterracircneo eou latino
natildeo tem seguido o padratildeo baacutesico da pauta familiar europeacuteia diferenciando-se do modelo
familiar adotado na Europa do Norte e Central Ademais a revisatildeo bibliograacutefica
realizada por este estudo revelou que a famiacutelia continua sendo objeto de estudo
privilegiado no campo das Ciecircncias Sociais jaacute que segue sendo interpretada como a
unidade baacutesica de reproduccedilatildeo e de socializaccedilatildeo dos indiviacuteduos Estudos socioloacutegicos
contemporacircneos privilegiam anaacutelises sobre o significado das relaccedilotildees de parentesco
associadas ao universo simboacutelico e cultural representado pela famiacutelia Na literatura
especializada consultada (Iglesias de Ussel 1995 1998 e 2001 Moreno 2003 MATAS
2005 e outros) este estudo encontrou uma diversidade de concepccedilotildees e uma
multiplicidade de tipologias e de categorias analiacuteticas para referir-se ao conceito de
famiacutelia o que evidencia a impossibilidade de um concenso unitaacuterio sobre o que se entende
por famiacutelia Este estudo registra as recentes observaccedilotildees feitas por Matas (2005)
consideradas pertinentes agrave concepccedilatildeo e morfologia da dinacircmica familiar agrave medida que a
seu ver nas sociedades contemporacircneas as etapas do ciclo da vida (nuacutecleo familiar
tradicional) jaacute natildeo se ajustam de forma exclusiva a um uacutenico modelo familiar Haacute uma
crescente resistecircncia de alguns segmentos sociais a organizar sua existecircncia no marco das
estruturas familiares habituais e dos formatos convencionais Para Matas (2005 p 33)
ldquosatildeo muacuteltiplas as opccedilotildees familiares e natildeo familiares que se apresentam ao indiviacuteduo para
organizar sua vida crescendo entre os jovens a opccedilatildeo por novas pautas de comportamento
familiar a exemplo das chamadas uniotildees concensuais (natildeo formais)rdquo
No acircmbito da sociologia familiar essas descriccedilotildees apontam para um quadro
diversificado de fronteiras difusas que evidenciam grandes mudanccedilas na morfologia da
famiacutelia e uma grande incerteza diante do futuro dessa instituiccedilatildeo Em uma abordagem
mais otimista de superaccedilatildeo das anaacutelises positivistas e funcionalistas (por seu caraacuteter
quantitativo e generalista ao retingir o papel da famiacutelia agrave mantenccedilatildeo da ordem social)
privilegia-se a anaacutelise das tendecircncias da dicotomia entre a concepccedilatildeo e a praacutetica familiar
nos espaccedilos puacuteblico e privado da influecircncia dos fatores externos (poliacuteticos econocircmicos
e culturais) bem como das relaccedilotildees de poder e das questotildees de gecircnero como fatores
determinantes agraves mudanccedilas mais substantivas ocorridas na estrutura social e na
organizaccedilatildeo familiar contemporatildenea
159
Para Matas (2005 p40-41) o chamado modelo famiacuteliar mediterracircneo eou
latino apresenta altas taxas de matrimonialidade e caracteriza-se por um modelo que
recebe grande influecircncia de institruiccedilotildees religiosas em relaccedilatildeo ao controle moral Eacute
constituiacutedo em sua maioria por famiacutelias extensas (formadas por mais de um nuacutecleo
familiar) que seguem um modelo conjugal estaacutevel e cumprem rigorosamente com a
evoluccedilatildeo das etapas do ciclo vital caracteriacutesticas que refletem o peso da tradiccedilatildeo religiosa
e familiar nos paiacuteses da Europa do Sul No caso especiacutefico da Espanha eacute significativo o
peso da tradiccedilatildeo familiar pois o fenocircmeno do declive da fecundidade tem reduzido o
tamanho dos hogares nucleares mas natildeo a coesatildeo familiar Matas (2005 p41) privilegia
em sua anaacutelise a interdependecircncia de vaacuterios fatores tais como o peso da tradiccedilatildeo cultutral
que interfere nas mudanccedilas em curso a inexistecircncia de uma poliacutetica familiar puacuteblica e de
gecircnero implementada no acircmbito do Estado as circunstacircncias soacutecio-econocircnicas e poliacuteticas
o papel e o protagonismo da mulher no mercado de trabalho dentre outras
A exemplo da mesma tendecircncia que se observa no Brasil em relaccedilatildeo agrave
tradiccedilatildeo familiar no caso da Espanha a instituiccedilatildeo familiar continua tendo grande
relevacircncia no imaginaacuterio coletivo dos cidadatildeos e por isso a famiacutelia constitui-se na base
dessa sociedade (ceacutelula mater) ao apresentar um modelo tradicional de organizaccedilatildeo que a
tem transformado em instatildencia privilegiada no organograma institucional da sociedade
espanhola Para Matas (2005 p 47) ldquono marco dessa cultura familiar a relevacircncia
atribuiacuteda agrave famiacutelia eacute tomada como referecircncia central pelos estudiosos da sociologia e da
morfologia familiar em busca da compreensacirco das transformaccedilocirces sociais estruturais
ainda silenciosas pratagonizadas por essa sociedaderdquo As transformaccedilotildees de maior
relevacircncia referem-se agraves mudanccedilas processadas no acircmbito das relaccedilotildees inter e
intrafamiliares dos indicadores demograacuteficos da poliacutetica social das questotildees de gecircnereo
e dos determinantes processos de socializaccedilatildeo em curso naquele paiacutes o que informa uma
nova composiccedilatildeo dos nuacutecleos na estruturaccedilatildeo familiar Assiste-se a uma simplificaccedilatildeo
progressiva das formas de convivecircncia nas unidades familiares (a exemplo dos hogares
unipersonales) com aumento da praacutetica cada vez mais frequumlente de idosos que optam por
morar sozinhos como consequumlecircncia das prestaccedilotildees sociais que recebem do Estado na
forma de pensotildees sociais e do aumento da espectativa de vida desses segmentos Ademais
os Tribunais de Justiccedila concedem em 90 dos casos demandados a guarda e a custoacutedia
dos filhos agraves matildees em detrimento dos pais o que tem aumentado o nuacutemero dos hogares
monoparentais Essas mudanccedilas ocorridas na morfologia da famiacutelia espanhola evidenciam
160
a coexistecircncia de antigas e novas formas de organizaccedilatildeo familiar haja vista o conteuacutedo
atual da legislaccedilatildeo espanhola que dispotildee sobre a regulamentaccedilatildeo da coabitaccedilatildeo (eou do
casamento oficial) entre homosexuais o que tem gerado grandes polecircmicas em setores
conservadores dessa sociedade por sua resistecircncia em aceitar formas de organizaccedilatildeo
familiar natildeo tradicionais (EL Paiacutes setembro de 2005)
Em 2000 investigaccedilotildees cientiacuteficas realizadas pelo Grupo de Estudos sobre
Tendecircncias Sociais _ Famiacutelias espanholas no futuro e apresentadas por ocasiatildeo do Quarto
Foacuterum sobre Tendecircncias Sociais indicaram alguns efeitos curiosos identificados como
novas tendecircncias familiares na sociedade espanhola (MATAS p 48-50) tais como
a) aumento das famiacutelias monoparentais encabeccediladas por mulheres (solteiras viuacutevas divorciadas eou separadas) o que aponta para a diminuiccedilatildeo de hogares muacuteltiplos e extensos com famiacutelias nucleares e uma maior matrilinealidade familiar b) crescimento das famiacutelias sem filhos ou com apenas um filho c) aumento da autonomoia individual (processo de individualizaccedilatildeo) em detrimento da dependecircncia afetiva familiar geradora de uma tardia emancipaccedilatildeo familiar dos jovens e em definitivo um menor protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na vida dos indiviacuteduos com perda gradativa da relevacircncia das famiacutelias patriarcais tradicionais d) aumento das famiacutelias reconstituiacutedas como consequumlecircncia de rupturas anteriores e e) aumento do protagonismo da instituiccedilatildeo familiar na organizaccedilatildeo econocircmica da sociedade com maior mercantilizaccedilacirco dos serviccedilos sociais prestados pelas famiacutelias no que se refere agrave atenccedilatildeo e cuidado dispensado aos membros familiares dependentes
A referida pesquisa sugere uma reavaliaccedilatildeo do modelo familiar e um debate sobre
a funccedilatildeo puacuteblica do Estado de Bem-estar relacionando-a com a poliacutetica social e econocircmica No
entanto natildeo obstante a confirmaccedilatildeo empiacuterica das tendecircncias presentes nessa sociedade
buscadas metodologicamente mediante validez comparativa a referida investigaccedilatildeo reafirma
como tendecircncia contemporatildenea a permanecircncia do matrimocircnio instituiccedilatildeo que seguiraacute sendo
considerada pela sociedade espanhola como o espaccedilo por excelecircncia de garantia da formaccedilatildeo
da identidade de bem-estar e de socializaccedilatildeo dos filhos
Esta tese corrobora a sugestatildeo de debate sobre as funccedilotildees puacuteblicas do Estado
Social propondo que essa discussatildeo ocorra no marco da adesatildeo dessas sociedades agrave
proposta do pluralismo de bem-estar um fenocircmeno contemporacircneo apontado pelos
neoliberais como estrateacutegia alternativa agrave assistecircncia social puacuteblica e institucionalizada
161
52 Assistecircncia social e o papel da famiacutelia no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro e
no modelo latino da Europa do Sul tendecircncias semelhanccedilas e contrapontos
ldquoA famiacutelia eacute uma instituiccedilatildeo social e o fundamento da sociedade mas eacute tambeacutem
um ator e um lugar de adoccedilatildeo de decisotildees e como instituiccedilatildeo interfere no comportamento e
nas expectativas de um povordquo afirma Esping-Andersen (2000 p 69) Ele argumenta que de
forma paralela ao Estado e ao mercado a famiacutelia faz parte de uma infra-estrutura reguladora
e integrada que define o que eacute racional e desejaacutevel e o que facilita a integraccedilatildeo social
Nessa perspectiva tomando de empreacutestimo a afirmaccedilatildeo de Esping Andersen
(apud JOHNSON 1990) entende-se que a famiacutelia contemporacircnea como instituiccedilatildeo tem
mudado e tem mudado tambeacutem a proacutepria sociedade Com base na teoria da modernizaccedilatildeo
(ecircnfase agraves grandes forccedilas convergentes do industrialismo) ateacute o evento da sociedade
industrial urbana a famiacutelia e a comunidade eram os principais concretizadores de bem-
estar social o que significa dizer que na sociedade contemporacircnea estaacute em curso uma
grande mudanccedila na forma de partilhar os riscos em uma microsolidariedade localista
ldquoDisso resulta evidente o paralelismo presente na transiccedilatildeo da solidariedade mecacircnica a
solidariedade orgacircnica de Durkheimrdquo (ESPING-ANDERSEN 2000 p 70) Nos uacuteltimos
anos a famiacutelia estaacute em evidecircncia e apresenta mudanccedilas internas e externas significativas
No entanto satildeo escassos os estudos empiacutericos voltados especificamente para o papel da
famiacutelia no campo privado da provisatildeo social O modelo parsoniano de famiacutelia nuclear
(PARSONS apud ESPING-ANDERSEN 2000) prevalente no periacuteodo apoacutes a Segunda
Guerra Mundial com predominacircncia da figura paterna como chefe de famiacutelia prestava
escassa atenccedilatildeo empiacuterica a esse fenocircmeno jaacute que parecia estar consolidado e
institucionalizado
Contudo existem abundantes concepccedilotildees que tratam de analisar e ressaltar o
papel dos chefes de famiacutelia no conjunto das medidas de bem-estar dentre elas a que
ressalta o protagonismo da mulher ndash concepccedilatildeo que tem apresentado mudanccedilas na
contemporaneidade em um contexto em que se consolida o acesso da mulher no mercado
de trabalho em busca de sua independecircncia econocircmica
A literatura especializada (WILENSKY apud ESPING-ANDERSEN 2000)
sempre preocupou-se em analisar a influecircncia poliacutetica da religiatildeo (impacto do catolicismo na
poliacutetica social da Europa) e natildeo tanto o papel assistencial prestado pela famiacutelia nos distintos
modelos de Estado de Bem-estar Infere-se dessa constataccedilatildeo empiacuterica a ausecircncia de uma
162
poliacutetica voltada especiacuteficamente agrave famiacutelia apesar da ecircnfase dada aos serviccedilos assistenciais
desenvolvidos no espaccedilo familiar caractetrizando-se como fenocircmenos do familismo e de
desfamiliarizaccedilatildeo como demonstra a discussatildeo no iacutetem seguinte
521 Familismo e desfamiliarizaccedilatildeo
Diante desses fatos e constataccedilotildees empiacutericas a questatildeo que se coloca eacute em que
medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da
proteccedilatildeo social puacuteblica Esping Andersen (2000) e Saraceno (1996) preferem falar de graus
de familiarismo ou de desfamiliarizaccedilatildeo apressando-se em afirmar que a
desfamiliarizaccedilatildeo natildeo tem um conteuacutedo antifamiliar Ao contraacuterio refere-se ao grau em
que se encontram as responsabilidades assistenciais relativas ao bem-estar realizadas pela
unidade familiar A seu ver um sistema familista eou familiarista (que tambeacutem natildeo
significa proacute familia) eacute aquele no qual a poliacutetica puacuteblica presupotildee como exigecircncia que as
unidades familiares assumam a responsabilidade principal do bem-estar de seus membros
(ex familismo na Europa do SulEspanha)
Em contraposiccedilatildeo um regime desfamiliarizador para Esping-Andersem
(2000) eacute aquele que trata de desresponsabilizar a famiacutelia da proteccedilatildeo social familiar e de
reduzir a dependecircncia do bem-estar dos indiviacuteduos entre eles pelo grau de parentesco
Nesse sentido o conceito de desfamiliarizaccedilatildeo eacute paralelo ao de desmercantilizaccedilatildeo ou
seja a desfamiliarizaccedilatildeo como condiccedilatildeo preacutevia agrave mercantilizaccedilatildeo indica o grau de
autonomia que a poliacutetica social atribui agrave mulher para se mercantilizar ou para estabelecer
nuacutecleos familiares independentes Historicamente o familiarismo sempre esteve vinculado
a uma poliacutetica familiar (ou agrave ausecircncia dela) extremamente passiva e pouco desenvolvida
Um dado curioso que se apresenta como paradoxal nas sociedades contemporacircneas eacute que
as chamadas poliacuteticas familiares ativas (ou de ativaccedilatildeo) tambeacutem se mostram pouco
desenvolvidas na maioria dos regimes familiaristas
Do ponto de vista metodoloacutegico o desafio maior estaacute em como medir ou
quantificar o grau do familismo e o de desfamiliarizaccedilatildeo Uma anaacutelise na perspectiva
comparada dispotildee-se a aferir o papel dos governos na produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo de serviccedilos
de bem estar os resultados dos programas (quem obteve o que) eou os vaacuterios informes
sobre seguros trabalhistas (individuais ou coletivos) a respeito do niacutevel macro
163
Indiscutivelmente eacute mais difiacutecil aferir o que ocorre por traacutes dos muros da famiacutelia ou seja
ao niacutevel micro Ademais os serviccedilos que as famiacutelias prestam a si mesmas que Esping
Andersen (2000) denomina de auto-serviccedilos familiares natildeo estatildeo monetarizados e
portanto natildeo aparecem na maior parte das estatiacutesticas nacionais ou seja tais serviccedilos que
tambeacutem natildeo satildeo remunerados natildeo satildeo contabilizados nem incluiacutedos nos orccedilamentos
puacuteblicos e na renda nacional Alguns autores criacuteticos do Estado Social nos anos 1990
afirmam que os artiacutefices e idealizadores do Estado de Bem-estar do periacuteodo apoacutes a
Segunda Guerra Mundial como Beveridge entenderam essa instituiccedilatildeo (Wefare State) em
grande parte como um sistema de transferecircncia de renda que no acircmbito da famiacutelia a
ajudaria a ocupar-se de seus membros Ateacute entatildeo agraves mulheresmatildees competia serem donas
de casa o que significa dizer que os Estados de Bem-estar apoacutes a Segunda Guerra
mundial ao privilegiarem a assistecircncia agrave sauacutede e agrave manutenccedilatildeo dos recursos mediante a
transferecircncia de dinheiro agraves famiacutelias (custos adicionais) natildeo absorveram as
responsabilidades assistenciais decorrentes da participaccedilatildeo familiar Ademais o reduzido
valor dos recursos complementares gastos com transferecircncias de renda natildeo aumentou a
autonomia financeira e a capacidade das famiacutelias para contratar serviccedilos assistenciais no
mercado o que na opiniatildeo de Esping-Andersen (2000) caracterizaria uma
desfamiliarizaccedilatildeo subvencionada por esta instacircncia
No acircmbito dessa discussatildeo Esping-Andersen (2000 p 86) sugere quatro tipos de
indicadores para determinar e aferir a desfamiliarizaccedilacirco do Estado de Bem-estar a)
compromisso global de serviccedilos (gastos em serviccedilos familiares natildeo incluindo os de sauacutede
expressos como porcentagem do Produto Interno Bruto _ PIB nacional) b) compromisso
global de subvenccedilatildeo das famiacutelias com filhos (valor combinado dos subsiacutedios familiares e das
deduccedilotildees de impostos) c) cobertura dos serviccedilos puacuteblicos de atenccedilatildeo agrave infacircncia (berccedilaacuterios e
creches para crianccedilas menores de trecircs anos) d) oferta de assistecircncia aos idosos (porcentagem
de pessoas de mais de 65 anos que passaram a ser objeto de atenccedilatildeo domiciliar) A seu ver em
termos de provisatildeo social puacuteblica pouco se avanccedilou e o modelo assistencial familiar proposto
mostrou-se insuficiente Os modelos europeus em particular os modelos liberal continental e
mediterracircneo diferem uacutenicamente pela maior ou menor ecircnfase dada a tais aspectos
Outro problema apresentado em estudos a partir dos anos 1990 eacute que os
Estados de Bem-estar familistas previram que o sustento econocircmico dos jovens
constituiacutesse obrigaccedilatildeo familiar Atualmente na Europa do Sul os jovens adultos vivem
com seus pais ateacute mais de trinta anos em um flagrante processo de prolongamento de uma
164
adolescecircncia tardia Pesquisas apontam que a proporccedilatildeo de jovens italianos na faixa etaacuteria
de vinte a trinta anos desempregados que vivem com seus pais eacute de 81
A seguir o quadro 12 elaborado por Esping Andersen (2000) revela os
contrastes existentes e as diferentes expectativas que cada regime de bem-estar tem em
especial o mediterracircneo (Europa do Sul) em relaccedilatildeo a trecircs setores papel da famiacutelia do
mercado e do Estado
Quadro 12 Caracteriacutesticas dos Estados de Bem-estar quanto ao papel da famiacutelia do
mercado e do Estado
Regimes de bem-estar
Liberal Social democrata ConservadorMediterracircneo
Papel
da famiacutelia Marginal Marginal Central
do mercado Central Marginal Marginal
do Estado Marginal Central Subsidiaacuterio
Estado de Bem-estar
Modo de solidariedade dominante
Individual Universal Parentesco Corporativo Estatismo
Lugar de solidariedade predominante
Mercado
Estado
Famiacutelia
Grau de desmercantilizaccedilatildeo
Miacutenimo
Maacuteximo
Alto (p o chefe de famiacutelia)
Exemplos Estados Unidos Sueacutecia Espanha Itaacutelia
Fonte Esping Andersen (2000 p 115)
O destaque fica portanto para a centralidade dada pelo regime mediterracircneo
(Europa do Sul) de caraacuteter conservador ao papel da famiacutelia e nela conforme demonstra
o referido quadro a ecircnfase recai na figura masculina como chefe de famiacutelia e na mulher
como cuidadora social Nesse contexto a solidariedade no espaccedilo familiar e comunitaacuterio
aparece como valor maior de referecircncia
Para Alcock (apud PEREIRA 2003 p 13) ocorre essa situaccedilatildeo por ser a
famiacutelia uma instacircncia livre de constrangimentos burocraacuteticos regras e normas de controles
externos Tambeacutem pela preponderacircncia de uma cultura familiar que cultua o desejo
espontacircneo de cuidar e a predisposiccedilatildeo para proteger educar e ateacute para fazer sacrifiacutecios
mediante engajamentos altruiacutestas Sem duacutevida trata-se de um espaccedilo propiacutecio e um perfil
adequado para o esquema de provisatildeo social plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico
conforme modelo pluralista apreendido adotado e proposto pelos neoliberais apoacutes efetuar
165
mudanccedilas em sua organizaccedilatildeo e estrutura na perspectiva da perda de protagonismo e da
desresponsabilizaccedilatildeo do Estado na aacuterea social puacuteblica
Enfatiza-se nesse modelo como expressatildeo da proposta de pluralismo de bem-
estar o papel da famiacutelia do Estado do terceiro setor e do mercado como atores centrais na
produccedilatildeo de bem-estar e na organizaccedilatildeo das associaccedilotildees familiares conforme demonstra a
figura 4 a seguir
Fonte Pedro Castoacuten Boyer Manuel Herrera Goacutemez e Luis Ayuso Sanche In HERRERA REQUENA ( 2004 p 180)
Figura 4 Esquema teoacuterico para a anaacutelise das associaccedilotildees familiares
Como constataccedilatildeo empiacuterica da adesatildeo dos paiacuteses mediterracircneos agrave proposta
pluralista de bem-estar a figura 4 apresenta um esquema teoacuterico (para anaacutelise das
associaccedilotildees familiares) identificado com a proposta neoliberal que evidencia o papel dos
atores que deveratildeo atuar no acircmbito do pluralismo de bem-estar e na constituiccedilatildeo das
166
associaccedilotildees familiares em uma sociedade complexa como a da Espanha A anaacutelise que os
defensores do pluralismo Boyer Goacutemez Herrera e Sanche (2004) fazem sobre as
mudanccedilas e tendecircncias atuais que estatildeo ocorrendo no acircmbito do bem-estar revela o
momento de transiccedilatildeo ou seja da passagem de modelos de Estado de Bem-estar puacuteblico
aos sistemas pluralistas de bem-estar em que a accedilatildeo articulada de vaacuterios atores e setores
tais como Estado mercado terceiro setor e famiacutelia deveraacute garantir e satisfazer as novas
demandas de cidadania Essas demandas satildeo justificadas em razatildeo da complexidade do
processo de formaccedilatildeo das complexas e avanccediladas sociedades capitalistas contemporacircneas
Na afirmaccedilatildeo dos autores citados (2004 p 181) o papel a ser desempenhado por esses
atores em substituiccedilatildeo ao papel do Estado eacute bastante claro
a famiacutelia como portadora de uma eacutetica de ajuda uacutenica baseada nas relaccedilotildees de reciprocidade e por estar mais proacutexima das necessidades pessoais dos cidadatildeos deveria ser o ator de referecircncia nessa articulaccedilatildeo Trata-se de mudanccedilas no papel das organizaccedilotildees sociais civis que passam a desenvolver suas atividades de serviccedilo agrave sociedade fornecendo estrutura formal agrave accedilatildeo das famiacutelias Ainda na opiniatildeo desses autores o Estado deveria proteger legalmente esse desenvolvimento e apoiar a famiacutelia sem chegar a dirigiacute-la e colonizaacute-la pois o mercado deveraacute oferecer os serviccedilos que o resto de atores demandem utilizando a loacutegica da eficiecircncia (2004 p 181)
Com base nessas afirmaccedilotildees infere-se que as famiacutelias com sua suposta
autonomia como sujeitos sociais e como espaccedilos privados de provisatildeo social deveratildeo
associar-se para defender seus proacuteprios direitos e para responder de maneira mais adequada
agraves demandas e necessidades sociais de seus membros Nesse sentido a formaccedilatildeo das
asociaccedilotildees familiares torna-se um fenocircmeno proacuteprio e peculiar das sociedades avanccediladas
com a missatildeo de criar um modelo de bem-estar mais equilibrado Na perspectiva pluralista
de bem-estar os novos problemas sociais natildeo podem ser resolvidos somente por um ator e
de maneira isolada mas necessitma da coordenaccedilatildeo de todos os sujeitos Com base nessa
premissa as associaccedilotildees familiares em geral representam conforme afirma Larantildea (1999
apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004) agecircncias geradoras de sentido nas
sociedades complexas Pode-se afirmar que tais associaccedilotildees desenvolvem uma cultura
proacutepria e criam formas de convivecircncia social configurando-se como autecircnticos
laboratoacuterios de futuros modelos de sociedade de bem-estar Com base nessa proposta as
associaccedilotildees familiares passam a representar formas mais complexas de integraccedilatildeo social
com base intersubjetiva Portanto na visatildeo dos defensores do modelo familista neoliberal
ao mesclar relaccedilotildees primaacuterias (proacuteprias da famiacutelia) procurando responder agraves necessidades
167
de seus membros tais associaccedilotildees expressam tambeacutem uma melhor organizaccedilatildeo das
necessidades familiares e o cumprimento das funccedilotildees privadas da famiacutelia
Nesse contexto de mudanccedilas percebe-se que o papel central que as associaccedilotildees
familiares deveratildeo desempenhar na reestruturaccedilatildeo dos sistemas de bem estar em base
plural ou mista expressa uma tendecircncia que no limite transforma essas associaccedilotildees em
atores principais para assegurar um bem-estar privado e personalizado a toda a sociedade
no campo dos serviccedilos sociais mediante a promoccedilatildeo de uma eacutetica de solidariedade
tambeacutem privada plural ou mista poreacutem natildeo puacuteblica que passa a ser justificada como
necessaacuteria agrave vida social contemporacircnea nas sociedades avanccediladas
Para interpretar essa tendecircncia pluralista e sua interferecircncia na estrutura social
familiar socioacutelogos atuais estudam esses processos sociais diferenciando-os em suas
distintas esferas de accedilatildeo dentre outras Giddens (1995 apud HERRERA REQUENA
2004) utilizando-se de vaacuterias categorias para referir-se aos espaccedilos micro e macro na
reestruturaccedilatildeo da vida familiar cotidiana e Habermans ( apud HERRERA REQUENA
2004) que distingue as duas esferas do mundo da vida isto eacute a vida privada e a opiniatildeo
puacuteblica de dois sub-sistemas_ o econocircmico e o administrativo Goacutemez Herrera (1998
2004) aponta nesses processos trecircs categorias_ continuista seletivo modelo liblab e o
comunitaacuterio apontado por ele como proacuteprio da nova cidadania societaacuteria Tambeacutem nesta
perspectiva pluralista o socioacutelogo italiano Donati (apud HERRERA REQUENA 2004)
baseia-se na teoria parksoniana para interpretar os novos fenocircmenos e os sistemas de bem-
estar e suas poliacuteticas O modelo teoacuterico adotado por Donati estabelece quatro esferas
proacuteprias da modernidade como esferas centrais desse modelo o mercado que eacute regulado
pelos preccedilos e no qual se supotildee que os indiviacuteduos buscam obter o maior benefiacutecio possiacutevel
e o Estado que eacute regulado pela esfera poliacutetica e desenvolve um aparato burocraacutetico onde
se insere o cidadatildeo As outras duas esferas satildeo o terceiro setor constituiacutedo por
organizaccedilotildees autocircnomas sem fins lucrativos e que atuam a partir de objetivos solidaacuterios e
as redes primaacuterias de familiares vizinhos e amigos que cumprem funccedilotildees especiacuteficas
como atores de referecircncia Eacute assim que passam a propor uma pluralizaccedilatildeo do bem-estar
justificando-a em face das novas demandas sociais A ideacuteia eacute desenvolver um movimento
associativo das famiacutelias fomentando um maior protagonismo dos chamados grupos
intermediaacuterios incentivando uma maior coesatildeo e responsabilidade social fazendo que
cidadatildeos participem como sujeitos ativos na prestaccedilatildeo desses serviccedilos sociais e natildeo apenas
como usuaacuterios paciacuteficos Dentre as diferentes estrateacutegias de atuaccedilatildeo da sociedade civil
168
classificadas pelos cientistas sociais uma defende um maior incremento do papel do
Estado na vida social assegurando o universalismo dos serviccedilos e outra faz a defesa de
um papel mais reduzido do Estado e assegura natildeo a proteccedilatildeo apenas de alguns poucos
Destaca-se a corrente que defende um maior papel central do mercado incentivando-o a
desenvolver sua accedilatildeo no campo dos serviccedilos sociais Essa corrente configura-se como a
opccedilatildeo dos neoliberais que tambeacutem estimulam o protagonismo de vaacuterios atores de bem-
estar social tais como terceiro setor associaccedilotildees famiacutelias e redes informais com ecircnfase
no protagonismo da mercado tal como demonstram as figuras 1 e 2 jaacute apresentadas nesta
tese referentes ao esquema teoacuterico triagular do pluralismo de bem-estar
(ABRAHAMSON 1995) Eacute do italiano Donati (1997 apud GOacuteMEZ HERRERA
REQUENA 2004) defensor da proposta pluralista neoliberal a ideacuteia de que tanto no
passado como no presente o quarto setor constituiacutedo por famiacutelias e redes informais
(parentes amigos vizinhos e voluntaacuterios) tem sido progressivamente anulado o que se
deriva da incapacidade de se produzir uma eacutetica de solidariedade capaz de influir nos
processos societaacuterios A seu ver os trecircs setores institucionais caminham segundo sua
proacutepria moral mas natildeo existe um cimento eacutetico comum cimento que deveria ter sua
origem no mundo vital da famiacutelia
Dentre as diversas aportaccedilotildees encontradas sobre propostas de reforma do
sistema de bem-estar (welfare) de orientaccedilatildeo neoliberal este estudo destaca de forma
resumida e sem a pretensatildeo de uma anaacutelise detalhada as aportaccedilotildees de Donati (1996) Paci
(1997 e de Rossi (1997) (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS LUIS 2004 p 93-125)
Esses estudos privilegiam o desenvolvimento do mercado baseado nos princiacutepios da
solidariedade e da coesatildeo social mediante a atuaccedilatildeo dos diversos atores e setores no
campo da proteccedilatildeo social Goacutemez Herrera e Pageacutes (2004) ao analisarem as obras de alguns
autores italianos_ Diez libros para la reforma del welfare (item IV)_ justificam a escolha
desses autores por apresentarem ldquovolumes elaborados de forma rica e criativa no recente
contexto italiano das Ciecircncias Sociais dos anos 1990rdquo (GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS
2004 p 93) Objetiva-se nesta tese ao registrar as aportaccedilotildees desses autores identificados
com a proposta neoliberal de bem-estar destacar a ecircnfase atribuiacuteda por eles agrave tese
minimalista do papel do Estado no campo da provisatildeo social puacuteblica com destaque para os
princiacutepios da subsidiaridade da relacionalidade social do individualismo responsaacutevel
bem como da cultura da dependecircncia como estrateacutegias neoliberais de esvaziamenrto das
esferas puacuteblicas
169
Para Donati e seus colaboradores (1996 apud GOacuteMEZ HERRERA
PAGEacuteS 2004 p 103)
ldquouma das finalidades da transformaccedilatildeo do welfare estaacute em promover a emergecircncia dos sujeitos que formam o terceiro setor entendido como um modo de ser positivo e inovador da sociedade e como uma forma social emergentecuja finalidade pode ser resumida na criaccedilatildeo de novas formas de integraccedilatildeo ou de solidariedade social ainda que sua orientaccedilatildeo peculiar esteja em criar promover e salvaguardar a solidariedade mediante accedilotildees inspiradas nas regras do dom da equumlidade e da reciprocidade O especiacutefico do terceiro setor argumenta Donati (1996) sob influecircncia da teoria habermasiana estaacute na criaccedilatildeo de bens relacionados isto eacute de bens com utilidade social gestionados e produzidos mediante uma especiacutefica atenccedilatildeo agrave relacionalidade social que se estabelece entre os membros mediante a co-participaccedilatildeo mantendo uma dignidade institucional anaacuteloga aos sistemas de Estado e de mercado para que esses membros possam se transformar em um ator institucionalizado capaz de criar bem-estar socialrdquo (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS 2004 p 103)
A formulaccedilatildeo de Donati deixa claro a defesa dos pluralistas ao princiacutepio do
individualismo responsaacutevel mediante o qual segundo Paci (1997) outro autor italiano defensor
da proposta de bem-estar plural (apud GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 97) ldquoo indiviacuteduo deve
poder decidir livremente os instrumentos que tecircm que utilizar e para configurar sua seguridaderdquo
Paci (1998) retoma o discurso antiestatal no campo da cultura e das praacuteticas de serviccedilos sociais
e destaca textualmente como o maior desafio da conjuntura atual
a passagem de um Welfare da assistecircncia (Welfare State) em que o princiacutepio da justiccedila redistributiva estava baseado no conceito de equumlidade social (de igualdade de acesso aos bens e serviccedilos sociais garantidos pelo Estado a todos os cidadatildeos) para o welfare das oportunidades de mercado e das responsalilidades individuais em que os princiacutepios da fraternidade e da solidariedade passaram a ser os elementos principais da pretendida coesatildeo social
Ao enfatizar a funccedilatildeo do sistema de proteccedilatildeo social privado Paci (1998)
reafirma que essa funccedilatildeo corresponde natildeo soacute ao Estado (recurso da redistribuiccedilatildeo)
senatildeo tambeacutem agrave igreja agrave famiacutelia e agraves organizaccedilotildees do terceiro setor (recurso da
solidariedade) e inclusive ao proacuteprio mercado (recurso do intercacircmbio entre dinheiro
e serviccedilos) Em resumo no acircmbito dessa proteccedilatildeo social privada os serviccedilos devem
estruturar-se como empresas sociais termo utilizado por De Leonardis (1998 apud
GOacuteMEZ HERRERA PAGEacuteS p 111) para designar uma forma associativa de privado
social baseada no princiacutepio da autonomia em relaccedilatildeo ou seja o chamado setor privado
social deve produzir os bens relacionais que o caracterizam permitindo sua circulaccedilatildeo e
170
disponibilidade para toda a sociedade Ainda para Paci (apud GOacuteMEZ HERRERA
PAGEacuteS p 109) ldquoo miacutenimo vital deve compreender a concessatildeo eou dotaccedilatildeo
necessaacuteria ao nuacutecleo familiar (aleacutem da pensatildeo social) devendo permanecer abaixo do
valor do salaacuterio miacutenimo (princiacutepio da subsidiaridade) para natildeo incorrer nas armadilhas
da pobreza incentivando a passividade (dependecircncia) de seus destinataacuteriosrdquo Nesse
sentido para Paci (1997) ldquoeacute necessaacuterio conceber o sistema de proteccedilatildeo social (leia-se
plural ou misto poreacutem natildeo puacuteblico) como elemento simboacutelico fundamental do novo
pacto de cidadania universal adaptado agrave sociedade modernardquo (apud GOacuteMEZ
HERRERA PAGEacuteS p 97)
Diante do exposto o princiacutepio baacutesico que fundamenta as relaccedilotildees pluralistas
entre Estado mercado e terceiro setor eacute o princiacutepio de subsidiariedade entendido tanto
em sentido vertical como horizontal pois nessa perspectiva provisatildeo social puacuteblica tem
que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio
A formulaccedilatildeo de Rossi (1997) refere-se agrave terceira aportaccedilatildeo Rossi
posiciona-se sobre os instrumentos operaticionais das poliacuteticas sociais com a defesa de
que ldquoo Estado Social deve reformar-se para estabelecer um conjunto de poliacuteticas que
associem a responsabilidade individual responsaacutevel agrave justiccedila social Para ele o lugar
por excelecircncia do welfare eacute e seguiraacute sendo o mercado de trabalho Ao centrar seu
discurso no tema do trabalho Rossi afirma que o trabalho eacute a base do welfare pois eacute
necessaacuterio e ainda possiacutevel dar responsabilidades laborais especialmente aos jovens
Ainda no acircmbito da reforma do welfare em relaccedilatildeo agrave poliacutetica de sauacutede Rossi defende
ldquoa integraccedilatildeo do terceiro setor em um novo quase mercado da sauacutede que deve ser
promovido e regulado poreacutem natildeo gestionado pelo Estadordquo
No contexto desse debate sobre propostas de reforma do welfare natildeo se
privilegia a natureza puacuteblica da proteccedilatildeo social do Estado como garante de cidadania
nem a concreta realizaccedilatildeo e garantia dos direitos sociais como prerrogativa e fator
determinante dessa instacircncia Ao contraacuterio ignora-se esses aspectos e utiliza-se como
estrateacutegia de convencimento o discurso da cultura da dependecircncia (culpalizaccedilatildeo dos
beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga fiscal do Estado) e da superaccedilatildeo
do axioma baseado na premissa de que o que eacute puacuteblico deve ser gestionado e garantido
pelo Estado Um outro aspecto ausente nesse debate levando-se em conta que o
puacuteblico natildeo se restringe ao estatal eacute a discussatildeo sobre em que condiccedilotildees institucionais
deveraacute ocorrer a legitimaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico desses serviccedilos de natureza plural ou
171
mista Em outras palavras natildeo se discute que requisitos satildeo levados em conta na
qualificaccedilatildeo dos serviccedilos sociais para a sustentaccedilatildeo do caraacuteter puacuteblico de seus
processos e produtos Diante dessas aportaccedilotildees constata-se o que estaacute em pauta ou
seja a desregulamentaccedilatildeo a desqualificaccedilatildeo e a reduccedilatildeo sistemaacutetica das funccedilotildees de
intervenccedilatildeo puacuteblica desenvolvidas pelo Estado Social
A figura 5 evidencia de forma clara um crescente aumento das associaccedilocirces
familiares na Espanha a partir do final dos anos 1970 como expressatildeo da nova orientaccedilatildeo
neoliberal com destaque para as deacutecadas de 1980 e 1990 periacuteodo de maior espansatildeo dessa
modalidade de organizaccedilatildeo familiar
Fonte FOESSA (1994) In HERRERA REQUENA 2004 p 201
Figura 5 Ano de constituiccedilatildeo das associaccedilotildees familiares
O quadro 13 apresenta uma tipologia de associaccedilotildees familiares elaborada por
Rossi Maccarini (1999 p 203) apresentada por Herrera Requena (2004 p 193) com
os objetivos gerais da associaccedilatildeo claramente definidos (de ajuda agraves proacuteprias famiacutelias e de
ajuda agraves famiacutelias especiacuteficas) bem como a especificaccedilatildeo dos membros que deveratildeo
constituir as associaccedilotildees familiares na Espanha
Quadro 13 Tipologia de associaccedilotildees familiares
Membros constituintes Objetivos gerais da
associaccedilatildeo
Ajuda agraves proacuteprias famiacutelias Ajuda a famiacutelias especiacuteficas
e objetivos gerais Objetivos gerais
Somente famiacutelias A B C
Famiacutelias e outros sujeitos D E F
Outros sujeitos G H I
Fonte HERRERA REQUENA 2004 p 193 Quadro elaborado por Rossi Maccarini (1999 p 203)
172
Segundo tais criteacuterios e objetivos utilizados na identificaccedilatildeo dos membros
constituintes e dos diversos tipos de ajuda agraves famiacutelias as associaccedilotildees satildeo interpretados em
sentido geral por Rossi y Maccarini (1999) da seguinte forma
a) tipo A_associaccedilocirces de auto-ajuda e ou ajuda muacutetua compostas por grupos de pais
que organizam serviccedilos como ajudar-se reciacuteprocamente diante de patolologias
(alccoolismo toxicomanias etc) entretenimento e cuidados dispensados agraves crianccedilas
da comunidade local etc
b) tipo B_associaccedilotildees que defendem direitos relacionados aos membros da famiacutelia
(crianccedilas mulheres idosos)
c) tipo C_associaccedilotildees de pais que promovem accedilotildees a respeito de certos valores
familiares na sociedade e outros objetivos (por exemplo movimentos contra a
educaccedilatildeo sexista contra determinados programas de TV) e outros
d) tipo D_associaccedilotildees familiares com assessores eou outras figuras que buscam uma
seacuterie de serviccedilos e benefiacutecios sociais para a comunidade local (cooperativas de pais
por exemplo)
e) tipo E_associaccedilotildees que repassam recursos ou prestam serviccedilos tanto agraves famiacutelias
envolvidas como a outras famiacutelias da comunidade local
f) tipo F_associaccedilotildees de famiacutelias que trabalham com o objetivo de pressionar a opiniatildeo
puacuteblica para conseguir determinados objetivos (por exemplo liberdade de educaccedilatildeo)
g) tipo G_associaccedilotildees que trabalham de forma individual ou com Instituiccedilotildees para ajudar
determinados grupos de famiacutelias (por exemplo famiacutelias pobres do bairro)
h) Tipo H_associaccedilotildees compostas por sujeitos diversos (familiares e natildeo-familiares)
com o objetivo de ajudar um grupo de famiacutelias
i) Tipo I_ associaccedilotildees formadas por sujeitos diversos para conseguir objetivos gerais de
caraacuteter familiar ( associaccedilotildees de preparaccedilatildeo ao parto por exemplo)
A seguir a tabela 2 apresenta a evoluccedilatildeo da tipologia familiar na Espanha no
periacuteodo de 1970 a 1991 Entre 1970 e 1981 destaca-se que a variaccedilatildeo percentual dos
tipos nucleares incluiacutea os modelos monoparentais
173
Tabela 2 Evoluccedilatildeo da tipologia familiar (aumento ou diminuiccedilatildeo em ) ndash Espanha
1970 1981 e 1991
Tipos de hogar 1970 ndash 1981 1981 ndash 1991 1981 ndash 1991
Solitaacuterios Sem nuacutecleo Monoparentais Nucleares
Extensos Muacuteltiplos
6432 2181
2399 -445 -2991
1781 1415 8225 843
-2810 -1388
4824 924
7301 1639 -3368 -1700
Total 1957 866 1440
Dados da EPA Dados censais Fonte Elaboraccedilatildeo com base no Censo de Populaccedilatildeo de 1970 do Censo de Populaccedilatildeo de 1981e da Pesquisa de Populaccedilatildeo Ativa (segundo trimestre) de 1991 (Dados disponibilizados por T Requena e L Garrido In HERRERA REQUENA 2004 p 155)
As principais diferenccedilas percebidas entre a distribuiccedilatildeo de hogares (ambientes
familiares) por tipos e a distribuiccedilatildeo da populaccedilatildeo segundo o tipo de hogar explica-se pela
diferenccedila de tamanho dos hogares conforme revelam as tabelas 2 e 3 Na Espanha haacute uma
diversidade de tipos e composiccedilatildeo de hogares isto eacute de dois ou mais nuacutecleos (constiuiacutedos
por cinco ou mais pessoas) hogares solitaacuterios sem nuacutecleo monoparentais nucleares
simples ou nucleares extensos e hogares plurinucleares ou muacuteltiplos (formados por cinco
ou mais membros)
Da anaacutelise da tabela 2 depreende-se que ainda que na Espanha durante as duas
uacuteltimas deacutecadas o tipo de hogar mais comum tenha sido o nuclear simples produziu-se
uma simplificaccedilatildeo das formas familiares na Espanha como consequumlecircncia do incremento
dos hogares unipessoais eou natildeo-familiares e do decreacutescimo dos hogares nucleares
extensos e muacuteltiplos Segundo dados da EPA de 34 em 1970 o nuacutemero de hogares
unipessoais aumentou em 45 nos anos 1980 Contudo o exame mais detalhado em
relaccedilatildeo agrave diversidade de formas de hogar na Espanha evidencia que a reduccedilatildeo das
tradicionais formas familiares complexas e extensas de hogares natildeo deve ser vista
simplesmente como um fato loacutegico e natural mas como a capacidade de adaptaccedilatildeo da
famiacutelia contemporacircnea agraves mudanccedilas ocorridas nas realidades sociais estruturais eou
conjunturais pois historicamente a sociedade havia destinado agrave famiacutelia grande parte de
suas funccedilotildees tradicionais
No caso particular das mudanccedilas ocorridas na estrutura da famiacutelia espanhola
ela apresenta particularidades proacuteprias em face do processo de modernizaccedilatildeo familiar
europeu que se apresenta como modelo padratildeo A dimensatildeo territorial das formas
familiares na Espanha bem como o conjunto de tipologias familiares regionais existentes
174
naquele paiacutes revelam uma geografia de estruturas famiacuteliares muito distinta A anaacutelise das
caracteriacutesticas demograacuteficas (sexo idade e estado civil) desses tipos familiares e das
transformaccedilotildees familiares ocorridas nas uacuteltimas deacutecadas exige portanto uma maior
atenccedilatildeo aos tipos de hogares que a literatura especializada qualifica como elementos-chave
das mudanccedilas familiares atuais em face dos inuacutemeros tipos quais sejam hogares
solitaacuterios hogares de uma soacute pessoa hogares sem nuacutecleo hogares monoparentais
hogares extensos e hogares muacuteltiplos ou plurinucleares Essa diversidade de tipo de
hogares leva agrave conclusatildeo de que estaacute em curso um processo de mudanccedilas importantes na
morfologia familiar espanhola em especial em relaccedilatildeo agrave prevalecircncia da figura da mulher
(viuacuteva ou separada) como cabeccedila de famiacutelia e que vive sozinha com seus filhos nos
hogares monoparentais Em contrapartida constata-se que apesar do desaparecimento das
famiacutelias extensas e muacuteltiplas haacute uma tendecircncia de aumento da dependecircncia e de
permanecircncia de jovens solteiros e os casados mais jovens no domiciacutelio dos pais ou sogros
Uma outra tendecircncia contemporatildenea em curso na regiatildeo da Europa do Sul
refere-se agrave dissoluccedilatildeo do modelo patriarcal com ecircnfase agrave constituiccedilatildeo perfil (tipos) e
fortalecimento das associaccedilotildees familiares com outra arquitetura e composiccedilatildeo familiar
como demonstra a tabela 3
Tabela 3 Tipologia de associaccedilotildees familiares
Tipos de associaccedilocirces Nuacutemero
Pais de famiacutelia Proteccedilatildeo e orientaccedilatildeo familiar Outras que afetam a famiacutelia De caraacuteter familiar e social Infantis
828 476 188
1115 464
Fonte FOESSA 1994 (In HERRERA REQUENA 2004 p 201)
Tambeacutem como caracteriacutestica baacutesica dessa nova morfologia familiar ganha
relevacircncia e maior visibilidade social a modalidade de assistecircncia familiar e personalizada
bem como a figura da cuidadora social feminina por grupos de idade
Na Espanha a inclusatildeo ou natildeo de pessoas idosas no sistema social puacuteblico
eacute baixa e depende em grande parte do patrimocircnio familiar que se tenha e da
solidariedade do grupo familiar Essa eacute a razatildeo pela qual a maioria dos cuidados que
recebem os idosos eou os membros portadores de necessidades especiais na Espanha
satildeo do tipo informal eou familiar Segundo pesquisa realizada naquele paiacutes pelo
175
Instituto de Serviccedilos Sociais (INSERSO) em 1995 (Informe INSERSO apud GOacuteMEZ
HERRERA e REQUENA p 288) 63 dos cuidados familiares satildeo prestados pelos
proacuteprios filhos eou irmacircos 27 pelo cocircnjuge (as mulheres mais que os homens as
que dedicam maior tempo a esses cuidados) e 10 por outros familiares como irmatildeos
e sobrinhos Cinco anos apoacutes a divulgaccedilatildeo desse Informe (1995) outra pesquisa
realizada (Informe INSERSO 2000) confirmou as informaccedilotildees estatiacutesticas anteriores
Segundo Goacutemez Herrera e Requena (2004 p 288) estudos posteriores a essa pesquisa
confirmam que os cuidados aos idosos crianccedilas e enfermos na Espanha satildeo realizados
sobretudo por seus familiares Os demais cuidados satildeo administrados por voluntaacuterios
ou por um trabalhador contratado e poucas vezes pelos serviccedilos sociais puacuteblicos (que
natildeo atingem 4 da populaccedilatildeo beneficiaacuteria desses serviccedilos)
A figura 6 confirma a baixa atuaccedilatildeo e a participaccedilatildeo miacutenima dos serviccedilos
soacutecio-assistenciais puacuteblicos para maiores de 65 anos na Espanha natildeo ultrapassando
4 da populaccedilatildeo que demanda tais serviccedilos
176
Fonte INE (2002) (apud BAYER LORENTE GARCIA MORENO 2004 In (GOacuteMEZ HERRERA REQUENA
2004 p 289)
Figura 6 Principal cuidador de pessoas idosas acima de 65 anos com alguma
incapacidade por grupos de idade
A figura 6 demonstra o perfil do principal cuidador de pessoas idosas por
grupos de idades de 65 a 79 anos (com destaque para os cuidados da filha eou do
cocircnjuge) e acima de 80 anos (com destaque para os cuidados da filha) Ainda conforme a
figura 6 agrave medida que a idade se torna avanccedilada os cuidados recaem ainda mais sobre a
filha (394 dos casos) e em segundo lugar sobre a irmatilde eou outros parentes proacuteximos
(185) No Informe Inserso (2002) (apud GOacuteMEZ HERRERA REQUENA) os dados
177
revelam que 83 dos anciatildeos portadores de necessidades (incapacitados) satildeo atendidos
principalmente pelas filhas (mais que pelos filhos)
Esses dados confirmam a prevalecircncia na Espanha de um modelo familiar
patriarcal (o homem como provedor e chefe de famiacutelia) bastante conservador bem como o
papel cuidador das famiacutelias e nessas das mulheres como provedores privados do bem-
estar de seus membros em substituiccedilatildeo ao papel do Estado Social Quando se leva em
conta as horas familiares dedicadas agraves pessoas idosas eou com incapacidade comprova-se
a quantidade de tempo dedicado pelas famiacutelias cuidadoras (mais de 40 horas semanais)
conforme demonstra a figura 7 a seguir Portanto falar de tempo dedicado pela famiacutelia ao
cuidado e atenccedilatildeo aos idosos que apresentam limitaccedilotildees em sua capacidade funcional
significa falar de um dos principais trabalhos da mulher espanhola no hogar ou seja o de
cuidar dos familiares enfermos Segundo Duraacuten (2000 apud GOgraveMEZ HERRERA e
REQUENA 2004 p 290) ldquoa maioria das mulheres espanholas tecircm recebido a
imcumbecircncia socialmente obrigatoacuteria de atender aos demais membros de suas famiacutelias
(homens crianccedilas enfermos e idosos) durante toda sua vida sem que existam redes de
serviccedilos sociais que compartilham de modo significativo essa funccedilatildeordquo
Fonte INE (2002) (In HERRERA REQUENA 2004 p 290)
Figura 7 Pessoas com alguma incapacidade que recebem ajuda de assistecircncia pessoal e
horas de dedicaccedilatildeo agrave semana do cuidador
178
Esses dados confirmam a desigual distribuiccedilatildeo do tempo social entre homens e
mulheres e a escassez de trabalhos femininos remunerados nesse paiacutes Tendecircncias
contemporacircneas apontam a procura de empregos em tempo parcial pelas mulheres
empanholas para que possam conciliar o trabalho formal com o cuidado informal aos seus
familiares abrindo matildeo de seu tempo dedicado ao lazer Segundo Boyer Lorente e Garcia
Moreno (GOacuteMEZ HERRERA 2004 p 292) na Espanha ldquoos serviccedilos sociais puacuteblicos
cobrem apenas as necessidades de ajuda aos idosos e a famiacutelia substitui o Estado nessas
funccedilotildees isto eacute a ajuda informal da famiacutelia estaacute acima dos serviccedilos institucionalizados das
administraccedilocirces central e autocircnoma (CCAA)rdquo
Sobre essa realidade familiar pesquisas apontam significativas mudanccedilas nas
relaccedilotildees de trabalho e revelam a repercuccedilatildeo direta dessas mudanccedilas na vida e na situaccedilatildeo
laboral da mulher na Espanha (CASADO LOacutePEZ 2001 apud GOacuteMEZ HERRERA e
REQUENA 2004) As novas geraccedilotildees de mulheres (entre 30 e 45 anos) estatildeo alcanccedilando
niacuteveis educativos mais altos tecircm menos filhos e conquistam maior acesso ao mundo do
trabalho Sua trajetoacuteria de educaccedilatildeo e trabalho eacute marcadamente diferente da de suas matildees e
as tendecircncias sugerem sua opccedilatildeo por uma maior permanecircncia no mercado de trabalho Os
jaacute citados estudiosos dessa nova morfologia familiar espanhola como Boyer Lorente e
Garcia Moreno (In GOacuteMEZ HERRERA REQUENA 2004 p 292) sinalizam mudanccedilas
futuras importantes em relaccedilatildeo ao ldquoapoio informal dado agraves famiacutelias por seus membros
femininos e apontam como saiacutedasldquoa necessidade de um aumento de serviccedilos puacuteblicos e
privados nesse setorrdquo e em consequumlecircncia ldquoo aumento de oferta de emprego em atividades
remuneradas para tais serviccedilosrdquo
Enfim ressalta-se um outro aspecto a ecircnfase dada pelo regime latino da Europa
do Sul agrave economia informal como alternativa e em substituiccedilatildeo agraves garantias trabalhistas
asseguradas pelo pleno emprego no mercado formal (regime noacuterdico) e a uma provisatildeo social
mista e descentralizada ao contraacuterio da prevalecircncia da provisatildeo social puacuteblica (modelo
Noacuterdico) conforme revela a figura 8 Nesse campo tambeacutem satildeo visiacuteveis as mudanccedilas em
relaccedilatildeo agraves propostas de financiamento misto e de administraccedilatildeo de cuidados de longa duraccedilatildeo
agrave populaccedilatildeo dependente (usuaacuterios de sercviccedilos puacuteblicos ou privados) envolvendo diversos
provedores e financiadores que vatildeo desde os setores privados puacuteblicos ateacute a participaccedilatildeo direta
das famiacutelias As formas de financiamento de participaccedilatildeo e de cuidados variam desde
cuidados formais e informais cotizaccedilotildees impostos transferecircncias de dinheiro em espeacutecie
cobertura universal eou assistencial e outros
179
Fonte In ( HERRERA REQUENA 2004 p 283)
Figura 8 O papel da administraccedilatildeo no financiamento e provisatildeo dos cuidados de longa
duraccedilatildeo
Outro aspecto refere-se agrave importacircncia atribuiacuteda nesse paiacutes agrave cultura
assistencial de composiccedilatildeo informal voluntaacuteria plural e mista (welfare mix) como
contraponto agrave cultura assistencial institucionalizada e estatalista (regime noacuterdico) como se
abordaraacute mais adiante e de forma mais aprofundada nesta tese
180
522 O papel da Famiacutelia e da mulher no modelo de proteccedilatildeo social brasileiro
Uma das questotildees instigantes deste estudo foi a identificaccedilatildeo da posiccedilatildeo que a
famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social brasileiro Para efeitos comparativos
em relaccedilatildeo ao modelo latino tambeacutem no Brasil haacute que se indagar sempre em que medida
se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo privado no conjunto da proteccedilatildeo
social puacuteblica Apesar da crescente valorizaccedilatildeo da famiacutelia como objeto de estudos e
pesquisas e das mudanccedilas significativas incorporadas ao novo coacutedigo civil aprovado em
2001 (em vigecircncia a partir de 2002) em que a famiacutelia natildeo constitui mais a instacircncia central
do direito de famiacutelia ocorre um fato curioso ou seja a mulher continua a referecircncia da
famiacutelia Indiscutivelmente a famiacutelia brasileira vem passando por significativas
transformaccedilotildees ao longo do tempo e uma delas refere-se ao novo papel da mulher como
pessoa de referecircncia da famiacutelia Segundo documento (BRASIL MDSSAS-
PNUDNOBSUAS 2004) da deacutecada passada ateacute 2002 houve um crescimento de 30 da
participaccedilatildeo da mulher como pessoa de referecircncia da famiacutelia Em 1992 elas eram
referecircncia para aproximadamente 22 das famiacutelias brasileiras e em 2002 para cerca de
29 das famiacutelias Essa tendecircncia de crescimento ocorreu de forma diferente entre as
regiotildees do paiacutes e foi mais acentuada nas regiotildees metropolitanas conforme demonstra a
figura 9 a seguir
Fonte IBGE ndash PNAD ndash 2002 (apud BRASIL MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)
Figura 9 Porccedilatildeo de famiacutelias com pessoas de referecircncia do sexo feminino
181
Tambeacutem o comportamento reprodutivo das mulheres brasileiras vem mudando
nos uacuteltimos anos com aumento da participaccedilatildeo das mulheres mais jovens no padratildeo de
fecundidade do paiacutes Chama a atenccedilatildeo o aumento da proporccedilatildeo de matildees com idade abaixo
de vinte anos que se verifica tanto na faixa de quinze a dezenove anos de idade como na
de dez a quatorze anos de idade da matildee Sabe-se que a gravidez na adolescecircncia eacute
considerada de alto risco com taxas elevadas de mortalidade materna e infantil
Tabela 4 Concentraccedilatildeo de mulheres de 15 a 17 anos com filhos_ 2000
Municiacutepios classificados pela populaccedilatildeo
Total de municiacutepios
Mulheres de 15 a 17
anos
Mulheres de 15 a 17 anos com
filhos
Meacutedia de concentraccedilatildeo de
mulheres de 15 a 17 anos com filhos
Percentagem de mulheresde 15 a 17 anos com filhos
Pequenos I (ateacute 20000 hab)
Pequenos II (de 20001 a 50000 hab)
Meacutedios (de 50001 a 100000 hab)
Grandes (de 100001 a 900000 hab)
Metroacutepoles (mais de 900000 hab)
TOTAL
4018
964
301
209
15
5507
1083706
957365
671147
1553736
1057563
5323517
98529
93881
60867
121008
75295
449580
25
97
202
579
5020
82
909
981
907
779
712
845
Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano 2002 (apud MDSSAS ndash PNUDNOBSUAS ndash 2004)
Esse estudo entende que a anaacutelise do papel da famiacutelia na colaboraccedilatildeo das
poliacuteticas sociais e das complexas relaccedilotildees familiares deve estar conectada agrave anaacutelise das
complexas estruturas soacutecio-econocircmicas mais amplas e das mudanccedilas histoacutericas ocorridas
na sociedade contemporacircnea Historicamente tambeacutem no Brasil como nos paiacuteses que
desenvolvem o modelo latino a famiacutelia sempre foi considerada a ceacutelula mater da
sociedade em suas funccedilotildees ligadas agrave esfera da reproduccedilatildeo humana da sexualidade da
formaccedilatildeo da identidade pessoal e social da criaccedilatildeo dos filhos e como educadora de
cidadatildeos Ao analisar o conjunto de fatores que determinam as dinacircmicas do patriarcado e
da divisatildeo social do trabalho (tema natildeo aprofundado nesta tese por natildeo constituir seu
objeto de anaacutelise) torna-se claro a perpetuaccedilatildeo do poder patriarcal na sociedade brasileira
Estudos recentes tecircm privilegiado a relaccedilatildeo famiacuteliamulherpoliacutetica social e o Estado de
Bem-estar como o de Ceacutezar (2005) que ao analisar o sistema cubano de bem-estar e as
poliacuteticas sociais dirigidas agrave mulher cubana faz um contraponto socialista ao bem-estar
capitalista Dentre os vaacuterios aspectos analisados ressalta que a relaccedilatildeo entre a mulher e o
Estado de Bem-estar tem sido ambiacutegua no Estado capitalista ao considerar a forccedila
ideoloacutegica das esferas da produccedilatildeo e da reproduccedilatildeo de valores e das relaccedilocirces de marcado
182
caraacuteter patriarcal Refere-se sobretudo agraves criacuteticas feitas por vaacuterios estudos agrave formaccedilatildeo das
ideologias e praacuteticas conservadoras das instituiccedilotildees do Estado de Bem-estar o que
contribuiu para a perpetuaccedilatildeo das desigualdades de gecircnero ao reforccedilarem a dependecircncia e
subordinaccedilatildeo da mulher
Do ponto de vista juriacutedico-formal na proacutepria Constituiccedilatildeo Federal brasileira de
1998 em vigecircncia a famiacutelia ganhou destaque recebendo um tratamento especial no acircmbito
da proteccedilatildeo do Estado em particular no capiacutetulo VIII da Ordem Social e na
regulamentaccedilatildeo da poliacutetica de Assistecircncia SocialLOAS Indiscutivelmente em princiacutepio a
famiacutelia apresenta-se como uma das instituiccedilotildees que melhor oferecem proteccedilatildeo seguranccedila e
as condiccedilotildees necessaacuterias agrave constituiccedilatildeo da identidade de seus membros No entanto apesar
dos avanccedilos juriacutedicos formais a famiacutelia brasileira tem apresentado novas configuraccedilotildees em
seu desenho e na estrutura de sua dinacircmica interna que vatildeo desde mudanccedilas na relaccedilatildeo e
no papel homem mulher no caraacuteter do viacutenculo civil em suas funccedilotildees tradicionais e ateacute no
acircmbito da provisatildeo e da proteccedilatildeo social A realidade soacutecio-econocircmica vivenciada pelo paiacutes
nas uacuteltimas deacutecadas tem interferido na trajetoacuteria da famiacutelia brasileira e em suas funccedilotildees
histoacutericas Dentre os vaacuterios fatores determinantes que tecircm influenciado a famiacutelia estatildeo as
mudanccedilas ocorridas no mundo do trabalho o crescimento da informalidade o aumento da
produccedilatildeo de bens de consumo (consumismo) o baixo niacutevel de escolaridade a
desagregaccedilatildeo familiar por questotildees de deslocamentos e migraccedilotildees em busca de trabalho e
de melhoeres condiccedilotildees de vida Esses fatores tecircm levado a famiacutelia brasileira a redefinir
sua estrutura interna e suas estrateacutegias de sobrevivecircncia
No Brasil no acircmbito da provisatildeo social e das poliacuteticas sociais prevalece a
cultura clientelista e assistencialista com forte componente cultural e ideoloacutegico que trata
o Estado como espaccedilo de favores benesses e instatildencia de quem se espera a garantia de
uma renda miacutenima de sobrevivecircncia A concepccedilatildeo prevalecente de miacutenimo no Brasil natildeo
comporta a dimensatildeo universalizadora necessaacuteria para atender agraves necessidades baacutesicas da
famiacutelia e da populaccedilatildeo em geral por estar vinculada aos princiacutepios de seletividade do
acesso e da meritocracia e natildeo da inclusatildeo social e da universalizaccedilatildeo de acesso Ademais
apesar dos avanccedilos significativos na legislaccedilatildeo social especiacutefica o modelo assistencial
familiar brasileiro tal qual estaacute estruturado mostra-se precaacuterio e insuficiente
Outro aspecto importante a ser ressaltado eacute que no campo das poliacuteticas sociais
persiste a ideacuteia de que independentemente da atuaccedilatildeo do Estado na implementaccedilatildeo de
poliacuteticas puacuteblicas a famiacutelia deve ser capaz de proteger promover o bem-estar de seus
183
membros e deles cuidar Essa ideacuteia ao ser reproduzida pelo senso comum no imaginaacuterio
coletivo da sociedade brasileira passa a ter importantes desdobramentos na concepccedilatildeo de
famiacutelia e na implementaccedilatildeo de uma suposta poliacutetica de assistecircncia familiar No Brasil
percebe-se a ausecircncia de aporte teoacuterico na discussatildeo sobre o papel da famiacutelia na poliacutetica
social brasileira e da relaccedilatildeo Estado e sociedadefamiacutelia na perspectiva do direito o que
por si soacute eacute suficiente para o entendimento da ausecircncia de uma clara poliacutetica familiar
assegurada no acircmbito do Estado Todos esses fatores tendem a manter e reproduzir a
concepccedilatildeo familista e assistencialista da famiacutelia
A partir dos anos 1980 ganhou visibilidade o papel da famiacutelia como
componente do setor informal na perspectiva do pluralismo de bem-estar de orientaccedilatildeo
neoliberal como uma das estrateacutegias de esvaziamento do poder puacuteblico do Estado Com
base nessa proposta plural conforme jaacute demonstrado neste estudo a mulher passou a
desempenhar um papel central como componente ativo do chamado agregado de bem-
estar seja como cuidadora social (idosos crianccedilas enfermos e outros) seja como
voluntaacuteria Essa situaccedilatildeo eacute preocupante quando se sabe que por sua proacutepria natureza plural
ou mista e natildeo puacuteblica o pluralismo de bem-estar ao chamar a mulher para exercer
praacuteticas tradicionais de ajuda e de auto-ajuda reitera seu lugar subalterno na sociedade
aleacutem de desconsiderar suas potencialidades como cidadatilde
Pereira (2003 p 11 e 12) ao discutir a proteccedilatildeo familiar sobre a oacutetica do
pluralismo de bem estar chama atenccedilatildeo para seu caraacuteter contraditoacuterio ressaltando que ldquo o
nuacutecleo familiar natildeo eacute uma ilha de virtudes e de consenso num mar conturbado de permanentes
tensotildees e dissensotildeesrdquo Entende a famiacutelia como uma instituiccedilatildeo social ao mesmo tempo forte e
fraca_ forte por ser um locus privilegiado de solidariedade humana de socializaccedilatildeo e de
transmissatildeo de conhecimento e fraacutegil ldquopor natildeo estar livre de despotismos violecircncia
confinamentos desencontros e rupturasrdquo (Pereira 1995 apud PEREIRA 2003 p 11) No
contexto da proposta pluralista de bem-estar neoliberal as relaccedilotildees familiares tornam-se
restritas agrave esfera privada e informal como se essa instacircncia apesar de estar situada no acircmbito
privado deixasse de ser objeto de atenccedilatildeo e proteccedilatildeo puacuteblica de regulaccedilatildeo legal pelo Estado
(PEREIRA 2003) Satildeo visiacuteveis portanto as mudanccedilas verificadas na organizaccedilatildeo na
composiccedilatildeo morfoloacutegica da estrutura da famiacutelia brasileira (que apresenta atualmente como na
Espanha vaacuterios tipos de coabitaccedilatildeo) e em suas funccedilotildees
Em uma perspectiva comparativa como ocorre nas sociedades mediterracircneas
tambeacutem no Brasil segundo o Censo 2000 (apud PEREIRA 2000) as mulheres brasileiras
184
vecircm se tornando cada dia mais chefes de famiacutelia A partir da participaccedilatildeo da mulher no
mercado de trabalho as relaccedilotildees familiares foram reestruturadas com redefiniccedilatildeo dos
papeacuteis do homem e da mulher nos espaccedilos domeacutestico e profissional agora natildeo mais de
forma oposta e hieraacuterquica senatildeo complementar Como na famiacutelia espanhola cresce
tambeacutem no Brasil o modelo de famiacutelia monoparental e esse tipo de famiacutelia eacute reconhecido
pelo novo Coacutedigo Civil brasileiro (2002)
Com base na anaacutelise de Anttonen (1991 p 5) ao afirmar que ldquoo pluralismo de
bem-estar natildeo eacute somente um conceito complexo senatildeo tambeacutem instaacutevelrdquo percebe-se que
as accedilotildees e programas pluralistas de bem-estar satildeo direcionados para o setor
privadoinformalfamiliar com o intuito de reformular os serviccedilos sociais e natildeo de criar
programas de seguridade social puacuteblica por isso o setor informal inclui famiacutelias grupos
de auto-ajuda e cooperativas Na opiniatildeo de Anttonen (1991) essas estrateacutegias pluralistas
tecircm um maior impacto nos padrotildees de gecircnero ao promoverem a divisatildeo de trabalho entre
homens e mulheres da mesma forma que entre voluntaacuterios e auxiliares profissionais como
resposta aos problemas fiscais do Estado Social Deseja-se ressaltar com essas breves
consideraccedilotildees sobre o lugar que a famiacuteliamulher ocupa no sistema de proteccedilatildeo social
brasileiro indagando em que medida se daacute a contribuiccedilatildeo efetiva da famiacutelia como espaccedilo
privado no conjunto da proteccedilatildeo social puacuteblica Tambeacutem a ideacuteia de que as poliacuteticas sociais
de bem-estar voltadas para a famiacutelia deveriam ser mais incisivas em seu caraacuteter de poliacuteticas
puacuteblicas para colocar em praacutetica mudanccedilas que promovam o reconhecimento dos direitos
da famiacutelia como esfera privada e como objeto de accedilotildees medidas e intervenccedilotildees diretas do
poder puacuteblico Ademais as mulheres como cidadatildes de direitos tecircm se mostrado capazes de
formular poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave garantia da cidadania ampliada para homens e
mulheres como cidadatildeos
53 Caracteriacutesticas gerais traccedilos comuns e convergecircncias latinas
Para Leibfried (apud GOUGH 1997) o modelo de bem-estar
mediterracircneoEuropa do Sul caracteriza-se por um niacutevel rudimentar de provisatildeo social e
de desenvolvimento institucional embora haja diferenccedilas nacionais Por isso entende
que antes de sistematizar qualquer argumento sobre o regime de bem-estar da Europa do
Sul haacute que se estabelecer comparaccedilotildees Moreno (2000) destaca que os cinco paiacuteses
citados (Espanha Portugal Franccedila Itaacutelia e Greacutecia) compartilharam ideologias durante o
185
seacuteculo XX em relaccedilatildeo agrave cultura agrave histoacuteria aos sistemas de valores e agraves peculiaridades
institucionais ainda que em distintos graus e niacuteveis de ocorrecircncia tais como a)
experiecircncias com ditaduras e governos autoritaacuterios b) atrasos nos processos de
modernizaccedilatildeo (CASTLES apud MORENO 2000) com exceccedilatildeo de algumas regiotildees
mais industrializadas a exemplo da Espanha e da Itaacutelia e c) relevacircncia dos fatores
religioso e familiar com expressiva atuaccedilatildeo da Igreja e da famiacutelia Estas instituiccedilotildees satildeo
reconhecidas como tradicionais provedoras de poliacuteticas de bem-estar em que pese a
diminuiccedilatildeo de sua presenccedila nas uacuteltimas deacutecadas em decorrecircncia de dois acontecimentos
a partir dos anos 1990 a saber os efeitos dos processos de europeizaccedilatildeo e de
globalizaccedilatildeo que tecircm estimulado maior convergecircncia desses paiacuteses com os da Europa
Continental eou Central em particular do ponto de vista econocircmico e monetaacuterio e
maior grau de secularizaccedilatildeo das praacuteticas sociais na Europa do Sul
A prevalecircncia do fator religioso no modelo latino mediterracircneo em virtude de
grande parte dos paiacuteses do sul da Europa terem desenvolvido seus Estados de Bem-estar
com governos democrata-cristatildeos privilegiou a ajuda ao proacuteximo cada vez mais proacuteximo
e natildeo a decisiva intervenccedilatildeo estatal como dever de cidadania Contudo o processo de
europeizaccedilatildeo tem promovido certa convergecircncia nos dados agregados em relaccedilatildeo ao gasto
social como percentagem do PIB nacional Nesse aspecto os paiacuteses latinos destacam-se em
relaccedilatildeo agrave meacutedia do conjunto dos paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) demonstrando que os
paiacuteses da Europa do Sul apresentam o maior incremento em gasto social em termos
percentuais em relaccedilatildeo aos quatro regimes de bem-estar europeus (continental anglo-
saxatildeo meridional e noacuterdico) Moreno (2000) destaca o notaacutevel esforccedilo financeiro dos
governos dos paiacuteses da Europa do Sul nas uacuteltimas deacutecadas para se equipararem do ponto
de vista dos ajustes fiscais e econocircmicos com os demais paiacuteses europeus apesar das
particularidades que distinguem esses paiacuteses
Observam-se algumas tendecircncias bastante similares e comuns a esses paiacuteses e
ao Brasil sejam de caraacuteter demograacutefico sejam no acircmbito das condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas
Assim Moreno (2000 p 95) qualifica a Europa de bem-estar mediterracircneo como uma via
meacutedia ou ldquouma opccedilatildeo intermediaacuteria entre o modelo bismarkiano (de manutenccedilatildeo de
rendas ocupacionais e poliacuteticas baseadas no princiacutepio contributivo e no contrato social) e o
modelo beveridgiano (cobertura universalista de poliacuteticas natildeo-contributivas e de pleno
emprego) o que configura uma Seguridade Social mistardquo e se pode dizer o mesmo em
relaccedilatildeo ao modelo misto do Brasil Na Espanha no acircmbito da assistecircncia social
186
institucionalizada apesar do incentivo agraves atividades informais (plurais ou mistas)
desinstitucionalizadas e agrave microsolidariedade familiar os oacutergatildeos puacuteblicos atuam mediante
a destinaccedilatildeo de recursos serviccedilos sociais eou medidas de acolhimento agrave mulher seja
mediante recursos proacuteprios eou por convecircnios que garantem vagas em casas de acolhida
centros de atenccedilatildeo centros-dia residecircncias para idosas (personas mayores) eou em
centros de informaccedilotildees e serviccedilos a exemplo do que demonstra a tabela 5 sobre os
recursos e serviccedilos oferecidos agraves mulheres pela Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten
Tabela 5 Recursos para mulher ndash Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten-Espanha_2004
Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten
Casas de acolhida 1 1 6 8
Vagas em casas de acolhida 15 10 73 98
Vagas em casas de acolhida por 10000 mulheres 14 15 16 16
Centros de Atenccedilatildeo 3 2 5 10
Centros de Dia - 1 1 2
Centros de Informaccedilatildeo e Serviccedilos 9 8 14 31
Residecircncias - - 1 1
Total recursos 13 12 27 52
Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia In Pesquisa Contiacutenua de Pressupostos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004
Em siacutentese como caracteriacutesticas mais gerais do modelo latino Moreno (2000)
destaca ainda alguns traccedilos que considera particulares agrave Europa do Sul em relaccedilatildeo aos
citados regimes de bem-estar europeus Satildeo eles a) auto-percepccedilatildeo das necessidades de
estilos de vida diferentes b) prevalecircncia da cultura da microsolidariedade familiar
entendendo a famiacutelia como um espaccedilo privado de provisatildeo e de proteccedilatildeo social com
ecircnfase agrave figura da mulher como cuidadora social c) propostas de conjunccedilatildeo entre os
princiacutepios da universalidade e da seletividade mediante a combinaccedilatildeo de diferentes
recursos institucionais tanto de caraacuteter privado quanto puacuteblico por intermeacutedio de um
intervencionismo concertado isto eacute baseado em convecircnios firmados entre os setores
puacuteblico e privado d) predominacircncia de uma peculiar dimensatildeo axioloacutegica e cultural do
sistema de bem-estar ao apoiar-se na ideacuteia de bem-estar como elemento facilitador da
autonomia vital das pessoas e) heterogeneidade dos padrotildees de reproduccedilatildeo social o que
contribui para o processo de acumulaccedilatildeo patrimonial pelas seguintes razotildees ecircnfase ao
regime de propriedade de moradias cuja titularidade se concentra nas pessoas mais idosas
da famiacutelia (que incentivam a compra e natildeo o aluguel) prevalecircncia de valores de
187
redistribuiccedilatildeo patrimonial no acircmbito familiar durante todos os ciclos vitais mediante
doaccedilotildees entre os membros da famiacutelia (praacutetica de reparticcedilatildeo intra familiares) proliferaccedilatildeo
de empresas e empregos de acircmbito familiar e processo tardio de emancipaccedilatildeo dos jovens
(uso comum dos recursos familiares disponiacuteveis)
Para Castles eFerrera (apud MORENO 2000 p 98) el hogar (espaccedilo eou
ambiente familiar natildeo necessariamente nuclear) constitui a instituiccedilatildeo central de
referecircncia nessa regiatildeo na busca pelo bem-estar e qualidade de vida para todos os
membros da famiacutelia Decorre entatildeo seu caraacuteter estruturante na conformaccedilatildeo do regime
latino ainda que natildeo se configure como espaccedilo de intervenccedilatildeo direta das poliacuteticas sociais
puacuteblicas de bem-estar Nesse sentido el hogar torna-se uma instituiccedilatildeo de compensaccedilatildeo
entre seus distintos componentes geracionais Segundo Benfield (apud MORENO 2000 p
100) ldquonessas praacuteticas sociais predomina a ausecircncia de outros referenciais eacuteticos aleacutem dos
instituiacutedos pelos espaccedilos familiares convencionaisrdquo
Com base no exposto o fenotildemeno do pluralismo de bem-estar como forte
tendecircncia contemporacircnea encontrou um campo cultural feacutertil na Europa do Sul natildeo soacute para
difundir mas efetivamente para implementar sua proposta tomando como referecircncia
formas peculiares de reproduccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e econocircmicas locais tais como
preferecircncias culturais ecircnfase no princiacutepio da solidariedade utilizaccedilatildeo de arranjos
institucionais mistos predominacircncia de praacuteticas religiosas e culturais adoccedilatildeo de enfoques
particularistas e privatistas na reconstruccedilatildeo do Estado de Bem-estar incorporaccedilatildeo de
provisatildeo social plural ou mista em combinaccedilatildeo com a provisatildeo puacuteblica residual de
serviccedilos sociais enfim formas peculiares de organizaccedilatildeo da sociedade civil marcadamente
conservadoras vinculadas agrave auto ajuda e ajuda muacutetua
A ecircnfase dada agrave divulgaccedilatildeo da cultura da dependecircncia como estrateacutegia
neoliberal de culpalizaccedilatildeo dos beneficiaacuterios de serviccedilos sociais puacuteblicos pela sobrecarga
fiscal do Estado tem condicionado a percepccedilatildeo dos cidadatildeos sobre a sua proacutepria condiccedilatildeo de
pobreza A literatura especiacutefica define como principais traccedilos e tendecircncias pluralistas dos
paiacuteses mediterracircneos a) a histoacuterica praacutetica social do agregado de bem-estar centrado no
nexo gecircnerofamiacuteliatrabalhoassistecircncia de natureza complementar buscando a conjunccedilatildeo
dessas duas dimensotildees na perspectiva de satisfaccedilatildeo vital dos cidadatildeos (well being)
(MORENO 2000 p 98) b) as praacuteticas institucionais de natureza particularista e clientelista
e as organizaccedilotildees subsidiadas pelo setor estatal (que constituem um freio agraves reformas mais
gerais ateacute mesmo porque tais processos estatildeo arraigados e condicionados por aspectos
188
culturais) c) a prevalecircncia de um lado de sistemas sociais fragmentados guiados pelos
receituaacuterios corporativistas de esquerda e de outro de subculturas poliacuteticas como praacutetica da
direita (tradicional clientelismo e paternalismo) que contribuem para fortalecer a condiccedilatildeo de
ciudadanos precaacuterios nessa Regiatildeo d) as formas peculiares de reproduccedilatildeo social da
sociedade civil nesses paiacuteses em que se datildeo na forma de redes sociais grupais ou seja os
cidadatildeos filiam-se a grupos eou se inserem em redes de influecircncia que acabam fortalecendo
as praacuteticas clientelistas muito embora tais praacuteticas natildeo sejam exclusivas dos paiacuteses da
Europa do Sul (MORENO 2000)
Percebe-se por conseguinte a influecircncia do pluralismo de bem-estar neoliberal
nessa regiatildeo quando se constata que muitas dessas redes sociais eou grupais satildeo
estruturadas informal e espontacircneamente O puacuteblico poreacutem tem pouco conhecimento
dessas praacuteticas e uma ideacuteia estrita de pertencimento a esses grupos em funccedilatildeo de sua
natureza clientelista e da consequumlente reproduccedilatildeo de lealdades feudais a patrotildees e chefes
de filas eou de ordem ateacute mesmo porque tais praacuteticas satildeo reproduzidas de forma discreta
no acircmbito privado Ainda satildeo comuns nessa regiatildeo os casos de concessatildeo de subsiacutedios
com caraacuteter de favores com destacada intermediaccedilatildeo de poliacutetica partidaacuteria em troca de
apoios eleitorais
Ainda segundo Moreno (2000) na Itaacutelia e na Greacutecia tal praacutetica clientelista
institucionalizou-se de forma generalizada O acesso a essas redes informais subsidiadas
pelos poderes puacuteblicos constitui um instrumento importante de apropriaccedilatildeo de recursos
puacuteblicos e de privileacutegios (corrupccedilatildeo)
A existecircncia de tais praacuteticas poliacuteticas a exemplo do Brasil revela a presenccedila
de niacuteveis primaacuterios de socializaccedilatildeo e a reproduccedilatildeo de uma cultura poliacutetica contraacuteria agrave
formaccedilatildeo de sujeitos criacuteticos e conscientes Nesses paiacuteses ainda satildeo muito baixas e
limitadas as referecircncias aos direitos de cidadania social Ademais o predomiacutenio de
interesses particularistas eou grupais provocam nos cidadatildeos uma percepccedilatildeo distorcida
dos princiacutepios da democracia com igualdade positiva da cidadania ampliada e da
solidariedade na perspectiva dos direitos sociais Por apresentarem um caraacuteter micro
(apenas no seio das famiacutelias dos grupos e das redes informais) tais praacuteticas produzem uma
baixa efetividade na provisatildeo social puacuteblica e nos serviccedilos de proteccedilatildeo social requisitos
essenciais para a im plementaccedilatildeo de uma poliacutetica familiar de natureza puacuteblica
Em siacutentese a prevalecircncia de interesses corporativistas nessas sociedades explica
a fragmentaccedilatildeo de seus sistemas de proteccedilatildeo social em detrimento de uma provisatildeo puacuteblica
189
e universal na prestaccedilatildeo de serviccedilos de proteccedilatildeo social Observa-se entretanto que a
tendecircncia de enfatizar a famiacutelia e o lar como principal instacircncia produtora e distribuidora de
bem-estar ao cidadatildeo ocorre com maior visibilidade na Espanha
Segundo dados baseados em estudos do Conselho Superior de Investigaccedilatildeo
Cientiacutefica (CSIC) (apud MORENO 2000) 76 dos espanhoacuteis consideram a famiacutelia muito
importante e 23 bastante importante na produccedilatildeo de intercacircmbios eou transferecircncias
interfamiliares que satildeo tanto de natureza material quanto imaterial (niacuteveis afetivos
transmissatildeo de atitudes conhecimento percepccedilotildees e valores de auto-ajuda e ajuda muacutetua)
Esse papel central atribuiacutedo agrave famiacutelia e agrave mulher configura-se como uma visatildeo social e uma
cultura que distingue visiacutevelmente as sociedades mediterracircneas Trata-se de um fator
determinante no conjunto de poliacuteticas de bem-estar e dos regimes da Europa do Sul Apesar
de reconhecer que nem tudo pode ser quantificado Moreno (2000) afirma que a
incorporaccedilatildeo dos cuidados prestados pelas famiacutelias e em particular pelas supermulheres
(supermujer del mediterracircneo) aos filhos pais irmatildeos maridos eou companheiros na
contabilidade nacional pode distorcer os iacutendices e dados contaacutebeis relativos agrave melhoria dos
niacuteveis de produccedilatildeo e de renda dos chamados paiacuteses latinos
De forma contraditoacuteria tal niacutevel de dedicaccedilatildeo e cuidado das mulheres em
relaccedilatildeo aos membros da famiacutelia natildeo tem se traduzido em respeito a elas e reconhecimento
de sua atuaccedilatildeo nem mesmo reduzido ou impedido o avanccedilo da violecircncia domeacutestica que
atinge sobretudo as mulheres Ao contraacuterio conforme demonstra a pesquisa realizada na
Espanha em 2004 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica no periacuteodo entre 1999 e 2003
tendo adotado como paracircmetro o nuacutemero de chamadas telefocircnicas (24 horas) dirigidas ao
Instituto Aragoacutenecircs da MulherComunidade Autocircnoma de Aragoacuten em relaccedilatildeo aos maus
tratos fiacutesicos e psicoloacutegicos agressatildeo sexual e outros constata-se que a violecircncia
domeacutestica em relaccedilatildeo agraves mulheres aumentou como revela a tabela 6
Tabela 6 Chamadas ao telefone ndash 24 horas do Instituto Aragoacutenecircs da Mulher
1999 2000 2001 2002 2003
Maus tratos fiacutesicos 344 408 764 1346 1609
Maus tratos psicoloacutegicos 105 134 225 376 468
Agressatildeo sexual 16 15 24 39 27
Informaccedilatildeo geral 281 410 486 629 1035
Outros 205 233 295 485 395
TOTAL 951 1200 1794 2875 3534
Fonte Pesquisa Continua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004
190
Indiscutiacutevelmente a escalada progressiva de violecircncia domeacutestica em relaccedilatildeo agrave
mulher espanhola revela a prevalecircncia de uma cultura e um perfil de sociedades ainda
conservadoras e machistas nesta regiacirco com clara hierarquia de poder nas relaccedilocirces
familiares cujos valores interesses e condiccedilotildees masculinos se soprepotildeem aos femininos
O papel da supermujer no regime latino da Europa do Sul eacute tatildeo destacado que
estudos realizados nas uacuteltimas deacutecadas (MORENO 2000 p 101) ressaltam o aumento dos
niacuteveis de inserccedilatildeo da populaccedilatildeo feminina nos cursos de educaccedilatildeo formal e como
consequecircncia maior incorporaccedilatildeo das mulheres ao mercado de trabalho com a reduccedilatildeo do seu
papel de cuidadoras sociais nos espaccedilos failiares (hogares) Percebe-se que a crescente
participaccedilatildeo da mulher no setor produtivo somada aos demais desafios colocados agrave
necessidade de expansatildeo familiar nesses paiacuteses (crescimento demograacutefico negativo na regiatildeo)
coloca como uma grande incoacutegnita o desenvolvimento futuro do modelo de bem-estar
latinomediterracircneo Atualmente as mulheres da Europa do Sul representantes da geraccedilatildeo mais
jovem tecircm destacado como prioridade o alcance de niacuteveis de independecircncia econocircmica por si
mesmas buscando superar sua subordinaccedilatildeo material e financeira aos companheiros
Nesse sentido como tendecircncia e projeccedilatildeo futura a repercussatildeo dessa recente
atitude feminina poderaacute traduzir-se em uma progressiva desinstitucionalizaccedilatildeo da
microsolidariedade familiar e ateacute do proacuteprio casamento formalizado como instituiccedilatildeo
dominante Em que pese ser ainda uma incoacutegnita ateacute porque haacute poucos estudos com
validaccedilatildeo empiacuterica eacute previsiacutevel que tais mudanccedilas de valores e de atitudes produziratildeo
grande impacto no perfil e na estrutura do regime latino de bem-estar da Europa do Sul No
entanto ocorre um fato curioso na regiatildeo De um lado a manifestaccedilatildeo clara das jovens
mulheres mediterracircneas de buscar sua independecircncia financeira e sua incorporaccedilatildeo ao
mercado de trabalho de outro natildeo obstante as dificuldades estruturais para constituir e
criar uma famiacutelia (desemprego alto custo de vida e outros) o desejo da maternidade
contrasta com a ausecircncia de renuacutencia dessas mulheres aos seus anseios maternais
Diante do exposto constata-se que a busca por uma maior europeizaccedilatildeo do
ponto de vista econocircmico na Regiatildeo Sul da Europa natildeo se traduz em maior europeizaccedilatildeo do
ponto de vista social com o objetivo de adotar um marco estatutaacuterio de direitos na
formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e de um maior grau de convergecircncia das poliacuteticas sociais a
partir dos princiacutepios de cidadania igualitaacuteria e de justiccedila redistributiva Na literatura
especiacutefica no entanto ressalta-se como o faz Moreno (2001 p 112) que em geral ldquoos
europeus possuem valores atitudes de respeito pelos direitos humanos conhecimentos e
191
percepccedilotildees muito voltados para a dimensatildeo social comunitaacuteria compartilhando um alto grau
de apoio e de solidariedade cidadatilde pelo bem-estar social de seus cidadatildeosrdquo
Nesse sentido entende-se o argumento de Moreno (2000) de que natildeo existe
um Estado de Bem-estar europeu mas diversos Estados de Bem-estar o que torna viaacutevel a
comparaccedilatildeo das caracteriacutesticas de um dos modelos existentes (modelo latino) com o
modelo de proteccedilatildeo social desenvolvido no Brasil
CAPIacuteTULO VI
A ASSISTEcircNCIA SOCIAL NA EUROPA DO SUL E NO BRASIL
OS PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA RENDA
MIacuteNIMA EOU DE INSERCcedilAtildeO SOCIAL (RMI)
61 A emergecircncia do debate
No contexto de expansatildeo do Estado de Bem-estar europeu importantes
proposiccedilotildees perpassaram o debate sobre os dispositivos eou mecanismos de
transferecircncias de renda que deveriam prevalecer no periacuteodo glorioso apoacutes a Segunda
Guerra Mundial Defendia-se jaacute agravequela eacutepoca a importacircncia de uma renda miacutenima
incondicional apoiada no princiacutepio da gratuidade No acircmbito internacional as
primeiras ideacuteias de uma renda miacutenima vinculada agraves poliacuteticas de bem-estar jaacute estavam
presentes nas reformas sociais posteriores a 1945 e sempre estiveram associadas agraves
ideacuteias de Beveridge de Keynes e ao conceito de cidadania elaborado por TH
Marshall fundamentadas no conceito de igualdade justiccedila social e cidadania ampliada
Para Baldwin (1992 p 21) ldquoainda que se admitisse diferenccedilas de classe e riqueza o
Estado garantia a cada um um certo niacutevel miacutenimo independente do destino da
biologia e da sociedaderdquo
Na Ameacuterica Latina e em especial no Brasil os primeiros debates e as
primeiras experiecircncias de renda miacutenima surgiram em fins dos anos 1980 e iniacutecio dos 1990
no contexto dos programas de ajustes macro-econocircmicos de orientaccedilatildeo neoliberal As
propostas de programas denominados transferecircncia de renda eou de renda miacutenima foram
implantados como antiacutedotos aos efeitos do referido ajuste econocircmico No entanto soacute em
meados da deacutecada de 1990 apoacutes a experiecircncia do Meacutexico tais programas ganharam maior
visibilidade e foram tomados como referecircncia pelos demais paiacuteses da Ameacuterica Latina
incluindo o Brasil
A tabela 7 destaca as caracteriacutesticas principais dos sistemas de renda miacutenima
da Europa do Sul ressaltando os criteacuterios e as condiccedilotildees de acesso aos benefiacutecios
prestaccedilotildees desde a primeira experiecircncia em 1988 (Franccedila) bem como os requisitos e as
193
exigecircncias de condiccedilotildees de acesso Esses sistemas tecircm em comum a exigecircncia de
vinculaccedilatildeo do benefiacuteciaacuterio agrave inserccedilatildeo ao trabalho como condicionalidade
Tabela 7 Alguns indicadores da situaccedilatildeo social na Europa do Sul
Ano Espanha
Greacutecia Itaacutelia Portugal
EU-11ii
EU-15
PIB percapita (
em Euros) 2001 162 120 210 119 268 232
Gasto social ( PIB) 1999 200 255 253 29 270 276
Pobreza antes
de transferecircncias sociaisi
1998 25 23 23 27 274 26
Pobreza depois
de transferecircncias sociais 1998 19 22 20 20 138 18
Distribuiccedilatildeo da renda (8020) 1998 68 65 59 72 44 54
Indiviacuteduos em lares de desempregados 2000 51 42 50 12 37 45
Taxa de desemprego geral 2000 141 111 105 41 58 82
Taxa de desemprego juvenil 2000 262 296 308 89 113 162
Taxa de ocupaccedilatildeo feminina 2000 403 412 603 403 603 540
Eficaacutecia do governoIV
2001 157 065 068 091 162 144
Controle da corrupccedilatildeoV
2001 145 073 063 121 169 151
Notas i Excluiacuteda as pensocirces ii Relaccedilatildeo entre os percentuais de renda da quinta parte mais rica e da mais pobre iii Meacutedia dos paiacuteses europeus excluiacutedos Espanha Greacutecia Itaacutelia e Portugal iv Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que combina percepccedilocirces da qualidade da oferta de serviccedilos puacuteblicos de pressocirces poliacuteticas e da credibilidade do empenho do governo em determinadas poliacuteticas puacuteblicas v Indicador elaborado pelo Banco Mundial (Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten 2002) que mede a percepccedilatildeo de abusos cometidos pelos funcionaacuterios puacuteblicos ou poliacuteticos em proveito proacuteprio Fonte Moreno 2002 p 19 Elaboraccedilatildeo de Moreno utilizando dados de CEC (2002) y Kaufmann Kraay Zoido-Lobatoacuten (2002)
Vale destacar que em relaccedilatildeo aos modelos de renda miacutenima na Europa do Sul
aspectos centrais como a unidade de caacutelculo a procedecircncia dos recursos os criteacuterios
adotados e os meacutetodos utilizados para determinar o valor econocircmico das prestaccedilotildees sociais
variam muito de paiacutes para paiacutes Assim o valor e a atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees sociais
vinculadas agraves rendas miacutenimas nessa regiatildeo quando natildeo se faz por decreto sofrem
variaccedilotildees conforme as caracteriacutesticas da regiatildeo eou com base na evoluccedilatildeo do iacutendice de
preccedilos ao consumidor (IPC) como eacute o caso da Franccedila onde o caacutelculo eacute feito com base na
unidade familiar e satildeo considerados os recursos de toda natureza Em outros paiacuteses a
exemplo da Itaacutelia toma-se a unidade de caacutelculo segundo o valor da pensatildeo miacutenima
baseada no nuacutemero de famiacutelias e de pessoas que vivem sob o mesmo teto Nesse paiacutes satildeo
consideradas para efeito de recursos todas as rendas da famiacutelia com exceccedilacirco da renda
moradia subsiacutedios escolares e renda trabalho
No caso especiacutefico da Espanha o meacutetodo que determina o valor da
prestaccedilatildeo da renda miacutenima varia de acordo com os criteacuterios estabelecidos e a realidade
apresentada pelas comunidades autocircnomas (CCAA) A atualizaccedilatildeo das prestaccedilotildees
194
sociais eacute feita com base em um ajuste anual e segundo a variaccedilatildeo da pensatildeo miacutenima
Na Espanha satildeo considerados os recursos provenientes de todas as rendas da famiacutelia
com exceccedilatildeo do subsiacutedio de moradia
A tabela 8 apresenta a renda minima per capita e o custo do programa (percentual
em relaccedilatildeo ao PIB) Entretanto vale ressaltar que o custo e o acesso aos programas de renda
miacutenima variam conforme o nuacutemero de indiviacuteduos beneficiaacuterios presentes na famiacutelia e na
comunidade como se pode observar nas informaccedilotildees contidas na tabela
Tabela 8 Europa do Sul Programas de Rendas Miacutenimas (2000)
Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal
Renda miacutenima por indiviacuteduo (mensais) 286ordf 148b
268 125
Renda miacutenima por casal e 2 filhos 386ordf 444 660 374
Nuacutemero de beneficiaacuterios (milhares)
202 700 86c
418
Nuacutemero de beneficiaacuterios ( populaccedilatildeo)
05 64 36c
42
Custo do programa (milhotildees anuais) 210 269 110d
284
Custo do programa ( PIB) 023 023 022e
025
Notas a Importacircncia da prestaccedilatildeo em Catalunha As restantes cifras no caso da Espanha referem-se ao conjunto dos programas autocircnomos de rendas miacutenimas b Todas as cifras no caso da Greacutecia onde natildeo existe nenhum programa de renda miacutenima satildeo estimativas resultantes de um exerciacutecio de simulaccedilatildeo efetuado por Matsaganis et al 2001 c Nnuacutemero de beneficiaacuterios (e porcentagem da populaccedilatildeo envolvida) nos 39 municiacutepios que participaram na primeira fase de experimentaccedilatildeo do experimento de reddito miacutenimo drsquoinserimento d Metade do custo do programa nos 39 municiacutepios experimentais durante o periacuteodo de dois anos (1999-2000) e Estimativas realizadas em 2001( PIB) se o programa havia sido generalizado em toda a Itaacutelia Fonte Moreno 2002 p 20 Informe final FIPOSC
Nos itens renda miacutenima por casal seguro desemprego prestaccedilatildeo contributiva e
natildeo-contributiva os dados evidenciam como os benefiacutecios em geral satildeo regulados com
riacutegidos criteacuterios em todos os sistemas da regiatildeo Os niacuteveis variam de acordo com as faixas
de renda e de salaacuterios e prevalece o modelo distributivo (tabela 9)
195
Tabela 9 Prestaccedilotildees de miacutenimos para indiviacuteduos e famiacutelias (2002)
Espanha Greacutecia Itaacutelia Portugal
Seguro desemprego (niacutevel miacutenimo) 442ordf 265ordf g
390
Subsiacutedio desemprego (assistencial) 332ordf 150b
nd 312d
Pensacirco miacutenima contributiva (70 anos) 386ordfd
474ac
516h
190
Pensacirco miacutenima natildeo-contributiva (70 anos) 259d
156ad
516h
138
Subsiacutedio familiar (1 filho de 7 anos) 24 nde
nde
26
Subsiacutedio familiar (3 filhos de 10 7 e 4 anos) 73 141f
110i
92
Notas As quantidades sacirco mensais (em euros) As prestaccedilocirces sacirco pagas em doze vezes ao ano a nacirco ser que se indique de outra maneira Em casos especiacuteficos os niacuteveis podem variar para o trabalhador individual ou a famiacutelia de acordo aos niacuteveis de renda ou de salaacuterio a Pago quatorze vezes ao ano b Somente disponiacutevel aos trabalhadores de mais de 45 anos c Incluiacutedo um suplemento de solidaridade para os pensionistas d Niacutevel para os beneficiaacuterios sem familiares dependentes e Natildeo existe um programa geral Haacute subsiacutedios contributivos para as famiacutelias com trabalhadoras dependentes f Sogravemente disponiacutevel para famiacutelias com um terceiro filho menor de 6 anos g O seguro ordinaacuterio de desemprego corresponde a 40 do salaacuterio de referecircncia (sem niacutevel miacutenimo) h Pago em treze vezes ao ano Incluiacuteda sogravemente a prestaccedilatildeo por famiacutelia numerosa Excluiacutedos os subsiacutedios contributivos Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo proacutepria dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)
No conjunto desses dados confirma-se a existecircncia de traccedilos comuns que se
relacionam para a demarcaccedilatildeo de um modelo particular na Europa do Sul Especificando-
se a Espanha percebe-se que nela prevalecem os criteacuterios de complementariedade e de
subsidiariedade presentes nos demais paiacuteses sul-europeus As comunidades deixam claro e
de forma expliacutecita a incompatibilidade do benefiacutecio com qualquer outro seja de que
natureza for conforme demonstra o quadro 14
Quadro 14 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Subsidiariedade complementariedade e
incompatibilidades
Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades
Andaluzia De recursos econocircmicos de unidade familiar
Com qualquer pensatildeo ou prestaccedilatildeo contributiva ou natildeo-contributiva de qualquer dos membros da unidade familiar
Aragoacuten De qualquer outro recurso tipo de recurso ou prestaccedilocirces
De qualquer outro ingresso de recurso ou prestaccedilotildees Das medidas de inserccedilatildeo social Apoio ao desenvolvimento pessoal e social Educacccedilatildeo e formaccedilatildeo Incorporaccedilacirco ao trabalho
Canaacuterias De recursos econocircmicos da unidade familiar
Com pensocirces puacuteblicas exceto prestaccedilocirces familiares da seguridade social Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios por desemprego Com prestaccedilotildees alimentiacutecias de parentes obrigados
196
Subsidiariedade Complementariedade Incompatibilidades
Castilha-La Mancha
De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente
De qualquer outro tipo de recursos e prestaccedilotildees econocircmicas previstas na legislaccedilacirco vigente
Com pensotildees contributivas nacirco contributivas ou assistenciais por invalidez ou jubilaccedilatildeo do sistema puacuteblico de pensotildees Com prestaccedilocirces ou subsiacutedios de desemprego por quantia igual ou superior ao recurso miacutenimo de solidariedade
Cataluntildeha De recursos econocircmicos da unidade
Caracteriacutestica geral Com prestaccedilotildees puacuteblicas superiores agrave renda miacutenima Com inexistecircncia de prestaccedilotildees desemprego por haver causado baixa voluntaacuteria na empresa Com situaccedilocirces transitoacuterias de falta de emprego por demissatildeo regulaccedilatildeo de emprego ou similares se o solicitante estaacute pendente de receber uma indenizaccedilatildeo superior agrave renda miacutenima Com pensotildees alimentiacutecias do cocircnjuge obrigado
Madri De recursos econocircmicos da unidade familiar
Com o internamento em centros residenciais salvo se a RMI facilita a desistitucionalizaccedilatildeo Com ajudas autocircnomas natildeo perioacutedicas nem permanentes
Pais Basco De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente
De todo tipo de recursos ou prestaccedilotildees similares previstas na legislaccedilatildeo vigente
Comunidade Valenciana
De recursos econocircmicos da unidade familiar
Com qualquier tipo de pensacirco ou ajuda puacuteblica cuja finalidade seja atender as necessidades de subsistecircncia
Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)
Um traccedilo comum e uma forte caracteriacutestica dos regimes de renda miacutenima
regulados pelas comunidades autocircnomas (CCAAs) na Espanha eacute o grau de vinculaccedilatildeo das
medidas e criteacuterios de inserccedilatildeo com as prestaccedilotildees econocircmicas O quadro 15 evidencia
como todas as comunidades utilizam um instrumento juriacutedico proacuteprio como mecanismo de
controle sobre os acordos firmados entre o beneficiaacuterio e os governos regionais
197
Quadro 15 Espanha ndash renda miacutenima de inserccedilatildeo grau de vinculaccedilatildeo das medidas de
inserccedilatildeo social com as prestaccedilotildees econocircmicas
Condiccedilatildeo inicial para a concesatildeo da
RMI
Condiccedilatildeo para a conservaccedilatildeo da
RMI
Obrigaccedilatildeo dos beneficiaacuterios da
RMI Instrumento juriacutedico
Andaluziacutea
Compromisso de inserccedilatildeo
Aragoacuten Acordo de inserccedilatildeo
Canaacuterias
Programa de integraccedilatildeo
Castilha-la mancha Acordo de inserccedilatildeo
Cataluntildeha Convecircnio de inserccedilatildeo
Madri Contrato de integraccedilatildeo
Pais Basco Convecircnio de inserccedilatildeo
C Valenciana Documento de inserccedilatildeo
Fonte Boletim Oficial del Estado Madrid 2000 (apud Alonso Seco y Gonzalo Gonzaacutelez 2000)
O perfil geral dos sistemas de proteccedilatildeo social desenvolvidos no Sul da Europa
e em particular o modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) da Espanha guarda estreita
relaccedilatildeo com o sistema de proteccedilatildeo social brasileiro e revelam contradiccedilotildees e ambiguumlidades
Em vista disso para efeitos deste estudo destacam-se trecircs situaccedilotildees que
evidenciam tendecircncias comuns entre os dois modelos A primeira jaacute citada diz
respeito ao tratamento e agrave grande visibilidade dada nos anos recentes agrave assistecircncia
social natildeo tanto como poliacutetica concretizadora de cidadania mas como estrateacutegia de
consecuccedilatildeo de accedilotildees sociais plurais ou mistas que desobrigam o Estado de seu papel de
garante de direitos A segunda situaccedilatildeo natildeo menos forte decorre da primeira e refere-
se ao pouco conhecimento existente sobre a natureza e o alcance dos objetivos da
assistecircncia social tanto no Brasil quanto na Europa do SulEspanha e ainda de sua
efetividade para reduzir a pobreza e os iacutendices de desigualdade social eou para
alcanccedilar outros fins similares Essa realidade eacute confirmada por Gough (1997) quanto agrave
direccedilatildeo tomada pela assistecircncia social na Europa do Sul em uma pesquisa54
coordenada por ele envolvendo um grupo de cientistas sociais sobre a assistecircncia
realizada em 24 paiacuteses da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Economico (OCDE) nos anos 1990 Os dados baacutesicos e conclusivos desse estudo
foram publicados em livro (1996) e em outro informe cientiacutefico de acircmbito nacional
nos quais satildeo comparadas e contrastadas as peculiaridades da assistecircncia em cada paiacutes
do sul europeu A terceira situaccedilatildeo confirma como uma forte tendecircncia o fato de a
54 Trata-se de um estudo investigativo realizado por Gough (1997) e por pesquisadores da Unidade de Investigaccedilatildeo de Poliacutetica Social da Universidade de York nos anos 1990 que abrange a totalidade dos programas de assistecircncia social desenvolvidos em 24 paiacuteses membros da OCDE
198
assistecircncia social ser assumida cada vez mais pela igreja pela comunidade e pela
famiacutelia (que se apresentam como titulares da provisatildeo social privada) com perda
gradativa do protagonismo do Estado
A tabela 10 elaborada por Ian Gough (1997) evidencia a meacutedia das rendas
mensais disponiacuteveis com assistecircncia social nos paiacuteses da Europa do Sul com destaque para
os gastos soacutecio-assistenciais efetuados pela Itaacutelia (paiacutes reconhecido pela implementaccedilatildeo de
progranmas de assitecircncia social) em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses mediterracircneos
Tabela 10 Europa do Sul ndash rendas mensais disponiacuteveis de famiacutelias com assistecircncia social
1992
Paiacutes Idade de solteiro 35
Idade do casal 35
Casal + 1 filho com idade de 7 anos
Solteiro + 1 filho com idade de 7 anos
Idade de solteiro 68
Greacutecia 48 48 52 60 60
Itaacutelia
(388)
(705)
(833)
(666)
388
Portugal 251 251 270 270 124
Espanha 312 358 417 377 208
Media CE 12 368 531 627 524 378 Fonte Ian Gough (1997)
A tabela 11 (Gough 1997 ) demonstra o gasto social total de cada paiacutes europeu (em relaccedilatildeo
ao PIB nacional) com destaque para a Sueacutecia e a Dinamarca paiacuteses que sempre investiram
na funccedilatildeo do Estado como instacircncia organizadora e reguladora de poliacuteticas puacuteblicas de bem-
estar social
Tabela 11 Gasto social total em porcentagem do PIB-1992
Dinamarca
314
Greacutecia 193
Espanha 225
Franccedila 292
Itaacutelia 256
Portugal 176
Reino Unido 272
UE-12 271
Sueacutecia 376
Suiacuteccedila 181
Notas 1991 1990
Fonte (GOUGH 1997 )
Tudo isso acontece em um contexto em que a nova pobreza cria novos riscos e
inseguranccedilas sociais (ROOM apud GOUGH 1997) Um outro aspecto a destacar jaacute
199
caracterizado como tendecircncia atual eacute que a seguridade puacuteblica estaacute transformndo-se em
seguro privado revelando a ausecircncia de uma cultura de direitos tanto na Europa do Sul
como no Brasil como um traccedilo do avanccedilo da ofensiva neoliberal
Atualmente tanto em acircmbito nacional (Brasil) como internacional (Europa)
assiste-se ao desmoronamento e fragilizaccedilatildeo da cidadania social especialmente onde a
presenccedila do Estado nunca foi decisiva O aspecto mais grave natildeo estaacute na perda de seu
protagonismo mas no desmantelamento de direitos sociais jaacute conquistados e na sua
substituiccedilatildeo pela sociedade sem que ela conte com autonomia eou prerrogativa legal e
legiacutetima para prover como dever de cidadania bens e serviccedilos sociais Ademais o
mercado natildeo tem vocaccedilatildeo social e dada a diversidade de modelos de bem-estar e de
sistemas de provisatildeo social no proacuteprio contexto europeu percebe-se a inexistecircncia de um
marco regulatoacuterio regional eou ateacute mesmo nacional no campo da assistecircncia social em
que pesem os dispositivos legais presentes nas constituiccedilotildees desses paiacuteses
Portanto os paiacuteses da Europa do Sul segundo Gough (1997) natildeo satildeo os uacutenicos
que carecem de um projeto de assistecircncia social integrada de um compromisso social
puacuteblico ou de um sistema de seguridade social extenso mas eacute neles que essa tradicional
tendecircncia se confirma ainda mais Estudos como o de Gough (1997)55 muito contribuem
para o avanccedilo da ideacuteia sobre a necessidade de construccedilatildeo de uma rede de seguridade social
puacuteblica baacutesica no sul europeu e no Brasil que extrapole as intervenccedilotildees locais a exemplo
da experiecircncia e da tradiccedilatildeo dos paiacuteses noacuterdicos (Noruega Finlacircndia Dinamarca Sueacutecia
Islacircndia) em relaccedilatildeo agrave garantia de empregos e de provisatildeo universal de bem-estar O
grande diferencial eacute que nesses paiacuteses constata Gough (1997) existem marcos
regulatoacuterios nacionais Jaacute no Sul da Europa Ferrera (apud GOUGH 1997) identifica
quatro fatores de caraacuteter soacutecio-estrutural somados aos poliacutetico-institucionais que explicam
o atraso da assistecircncia social a saber o niacutevel de desenvolvimento soacutecio-econocircmico as
estruturas do espaccedilo familiar as caracteriacutesticas do mercado de trabalho o fenocircmeno das
migraccedilotildees Tambeacutem as subvenccedilotildees estatais a poliacuteticas assistenciais ainda satildeo muito baixas
nessa regiatildeo56
Em relaccedilatildeo ao fenocircmeno das migraccedilotildees na atualidade o quadro inverteu-se nos
paiacuteses da Europa do Sul que de exportadores passaram agrave condiccedilatildeo de importadores de
55 Gough (1997) analisa um aspecto socialmente relevante da poliacutetica social na Europa do Sul qual seja a provisatildeo de uma rede de seguridade e de renda nacional atraveacutes dos programas de assistecircncia social 56 Para Gough (1997) nos paiacuteses da Europa do Sul em sua grande maioria a porcentagem de gasto social puacuteblico (financiamento) com a assistecircncia social estaacute abaixo da meacutedia do conjunto de paiacuteses membros da Uniatildeo Europeacuteia
200
populaccedilatildeo Os movimentos migratoacuterios tecircm gerado novas demandas (e novos desafios) agraves
agecircncias estatais puacuteblicas eou privadasvoluntaacuterias No entanto argumenta Gough (1997
p 422) a capacidade de articulaccedilatildeo de peticcedilotildees para uma cobertura estatal sistemaacutetica eacute
miacutenima ateacute porque como jaacute salientado nesses paiacuteses o Estado-naccedilatildeo sempre teve papel
miacutenimo e muito restrito Natildeo haacute portanto mobilizaccedilatildeo poliacutetica ampla (de baixo para cima)
desses segmentos capaz de alterar para melhor o grau de proteccedilatildeo social O clientelismo
tornou-se uma via alternativa que redefine e domina o atual sistema e bloqueia as possiacuteveis
reformas aleacutem da inexistecircncia de um marco legal mais geral57 Por outro lado
ldquoidentificam-se algumas pressotildees provenientes da Uniatildeo Europeacuteia em favor de uma
melhora na provisatildeo social que vatildeo se configurando como uma estrateacutegia de combate agrave
exclusatildeo socialrdquo (GOUGH 1997 p 406) Sob a ofensiva neoliberal ateacute mesmo na Europa
do Norte cresce a insatisfaccedilatildeo popular face agrave tendecircncia estatal de reformular a rede oficial
de seguridade social existente agrave medida que os mercados de trabalho se distanciam do
ideal assumido nos programas claacutessicos de seguridade social contributiva e redistributiva
Por fim Gough (1997) identifica trecircs caracteriacutesticas poliacutetico-institucionais
comuns aos paiacuteses da Europa do Sul que a seu ver podem explicar a ausecircncia de uma rede
de seguridade puacuteblica oficial eou de um regime institucionalizado de assistecircncia social
nessa regiatildeo Satildeo elas a) a regiatildeo herdou um regime de bem-estar conservador-
corporativista segundo enfoque de Esping-Andersen (1990) b) os direitos sociais natildeo
estatildeo enraizados numa cultura poliacutetica aberta e universalista mas fechada e particularizada
e ainda muito influenciada pela loacutegica do familismo e das relaccedilotildees patratildeo-cliente como
uma constante histoacuterica e c) a terceira explicaccedilatildeo estaacute centrada nos antecedentes
histoacutericos natildeo-institucionalizados e no desenvolvimento recente dos programas de renda
miacutenima de inserccedilatildeo
Percebe-se com base na peculiaridade da assistecircncia social da Europa do Sul
porque Moreno (2000 p 67) fala das ldquoEuropas de bem-estarrdquo ao analisar ldquoas realidades
culturais institucionais e soacutecio-econocircmicas dos Estados de Bem-estar europeusrdquo e porque
existem vaacuterias tipologias de Estados de Bem-estar elaboradas por Wilenski e Lebraux
(1965)Titmus (1974) e Korpi e Esping-Andersen (1984) visando diferenciar modelos
distintos de poliacutetica social
57 Na Espanha os programas assistenciais diferem muito entre si Ateacute pouco tempo (1960) a ajuda aos pobres era de responsabilidade dos municiacutepios e da Igreja A partir de 1970 deu-se iniacutecio agrave provisatildeo de renda miacutenima Atualmente ainda haacute variaccedilotildees ateacute mesmo em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso aos programas de renda eou de inserccedilatildeo (RMI)_ salaacuterio miacutenimo Em algumas comunidades autocircnomas (CCAA) natildeo se exige o requisito de nacionalidade jaacute que os referidos programas satildeo descentralizados
201
Estudos fundamentados empiricamente (ver quadro 20 elaborado por
MORENO 2002) confirmam a deduccedilatildeo de Gough (1997) a respeito da necessidade de
reformulaccedilatildeo do sistema de seguridade social na Europa do Sul dada a ausecircncia de uma
rede de proteccedilatildeo universal e de um marco regulatoacuterio nacional Como exemplo faz-se
necessaacuterio que o governo central (Estado) intervenha de forma mais direta nas CCAA com
maiores recursos financeiros padronizando miacutenimamente os requisitos exigidos aos
beneficiaacuterios dos programas sociais No periacuteodo de 1998 a 2001 os indicadores sociais da
Espanha referentes agrave renda percapita (16 em 2001) e ao gasto social em relaccedilatildeo ao PIB
(20 em 1999) revelam-se superiores quando comparados aos demais paiacuteses do sul da
Europa Contudo e inferiores em relaccedilatildeo aos indicadores da Uniatildeo Europeacuteia
Diante desse quadro constata-se tambeacutem que na Europa do Sul o maior
desafio colocado no campo da provisatildeo social puacuteblica eacute o de estabelecer oficialmente um
programa de renda miacutenima financiado pelo Estado que esteja fundamentado numa
cidadania social ampliada que possibilite uma renda baacutesica na perspectiva dos direitos
sociais e que consolide um sistema nacional de seguridade social puacuteblico e de provisatildeo
universal de bem-estar Tambeacutem o referido desafio consiste em ampliar e incrementar as
accedilotildees do Estado nas demais poliacuteticas puacuteblicas o que exigiraacute sem duacutevida a criaccedilatildeo de um
marco regulatoacuterio nacional
Essas medidas teratildeo de levar em conta as mudanccedilas recentes sofridas pelos
regimes de bem-estar da Europa em geral tal como procede Moreno (2004)58 na anaacutelise
sobre as caracteriacutesticas e os traccedilos comuns desses regimes de bem-estar europeus Em sua
reflexatildeo Moreno (2004) sinaliza as tentativas neoliberais de reestruturaccedilatildeo desses regimes
pela Uniatildeo Europeacuteia (UE) que em geral satildeo de restriccedilotildees claras agrave cidadania social
Argumenta o autor que as respostas dos paiacuteses europeus agraves propostas de contenccedilatildeo de
gasto social (puacuteblico) eou de modernizaccedilatildeo desses regimes de bem-estar estatildeo
condicionadas pelas caracteriacutesticas proacuteprias de cada paiacutes por diferentes configuraccedilotildees
pelos traccedilos especiacuteficos e pelo niacutevel de adesatildeo de cada um deles agraves orientaccedilotildees neoliberais
Estar-se-ia portanto caminhando em direccedilatildeo agrave latinizaccedilatildeo dos modelos de bem-estar
europeus Decerto que natildeo
Moreno (2004) avalia que as propostas neoliberais constituem uma regressatildeo
das poliacuteticas institucionalizadas tornando-as menos generosas mas culturalmente
58 Conferecircncia de Luis Moreno no II Seminaacuterio Internacional de Poliacutetica Social Brasiacutelia SERUnB em novembro de 2004
202
latinas Identifica como principais fatores de mudanccedilas que alimentam a pressatildeo
neoliberal para restringir o papel do Estado a) as condiccedilotildees soacutecio-demograacuteficas desses
paiacuteses (baixa taxa de natalidade) b) o alto iacutendice de desemprego c) a recusa pela classe
meacutedia do pagamento de impostos altos acompanhada de denuacutencia de ausecircncia de
serviccedilos sociais compatiacuteveis com a carga tributaacuteria cobrada d) as estrateacutegias neoliberais
para expansatildeo de seu ideaacuterio com argumentos sobre a necessaacuteria remercantilizaccedilatildeo e
privatizaccedilatildeo dos serviccedilos sociais e sobre os efeitos perversos da cultura da dependecircncia
(ideacuteia que coloca as proacuteprias viacutetimas da pobreza como principais protagonistas de sua
sub-cidadania) e) o novo discurso da direita favoraacutevel ao monetarismo com reduccedilatildeo do
gasto social e dos financiamentos puacuteblicos tendo em vista maior competitividade dos
mercados privados com ataques expliacutecitos ao sistema puacuteblico de pensotildees com indicaccedilatildeo
sobre a necessidade de reformas e modificaccedilatildeo dos pactos de solidariedade estatal f) os
discursos sobre a necessidade de novas lutas da direita europeacuteia promovendo a ruptura
com os pactos de nacionalidade (Estado-Naccedilatildeo) com claras propostas de mudanccedilas de
paradigmas econocircmicos (a exemplo da tese de que a doutrina keynesiana teve dimensatildeo
nacional e por isso natildeo se universalizou)
Ainda sobre as estrateacutegias poliacuteticas e econocircmicas neoliberais que se
configuram como tendecircncias gerais e reforccedilam o caraacuteter natildeo-institucionalizado da
assistecircncia no modelo latino da Europa do sul e do Brasil Moreno (2004) destaca como
questatildeo central e como novos traccedilos aspectos sociais que a seu ver satildeo resultantes de um
processo em curso denominado economia poacutes-industrial que natildeo mais reconhece o
trabalho como campo simboacutelico e como categoria fundante das relaccedilotildees sociais e
econocircmicas Ele se refere a esses aspectos como a) expansatildeo de serviccedilos privados
lucrativos b) incremento do nuacutemero de pessoas dependentes desses serviccedilos (por exemplo
pensionistas) c) mudanccedilas no mercado de trabalho com maior participaccedilatildeo feminina d)
aumento significativo da exclusatildeo social (reduccedilatildeo dos postos de trabalho para
trabalhadores de menor niacutevel de qualificaccedilatildeo profissional e) incremento do termo
flexibilizaccedilatildeo em substituiccedilatildeo ao de seguridade social (seguranccedila e proteccedilatildeo social
puacuteblicas) e f) estiacutemulo e transferecircncia de responsabilidades do Estado pela provisatildeo social
agraves famiacutelias e em particular agraves mulheres como cuidadoras sociais
Diante desse quadro geral de clara regressatildeo das poliacuteticas de bem-estar o
referido autor aponta algumas alternativas possiacuteveis especialmente para os paiacuteses da
Europa do Sul a) estiacutemulo agraves poliacuteticas de igualdade de gecircnero nos mercados de
203
trabalho b) criaccedilatildeo de estrateacutegias com vista a equilibrar o trabalho remunerado no
espaccedilo familiar entre seus membros retirando o foco e a sobrecarga da figura da
supermujer59 c) garantia de cursos de capacitaccedilatildeo e de formaccedilatildeo continuada para
emprego estaacutevel d) fortalecimento das redes (ou malhas) de seguridade social
garantindo cobertura de apoio puacuteblico para situaccedilotildees de vulnerabilidade social
(invalidez doenccedilas aposentadorias incapacidades) Ressalta contudo que os governos
neoliberais europeus natildeo estatildeo dispostos a se sacrificar em favor de um maior
incremento de gasto social puacuteblico em relaccedilatildeo ao PIB nacional muito menos em prol
de uma maior cobertura social com o fortalecimento das redes de seguridade social
Sem duacutevida a identificaccedilatildeo e a relaccedilatildeo que vecircm sendo estabelecida entre
paradigmas de proteccedilatildeo social latino-europeu e brasileiro com os regimes conservadores
ou corporativos europeus revela aspectos que podem ser compartilhados tais como o eixo
poliacutetico que garante hierarquias e status a prevalecircncia da loacutegica trabalhista na qual a
famiacutelia e nela a mulher exerce o papel de provedora de bem-estar social informal e
voluntaacuterio ao passo que os homens mantecircm a funccedilatildeo de provedores mediante emprego no
mercado formal
Entretanto o paradiacutegma de proteccedilatildeo social brasileiro distingue-se do europeu
por seu caraacuteter mais excludente tendo em vista o baixo potencial redistributivo das
poliacuteticas sociais brasileiras especialmente da sauacutede assistecircncia social previdecircncia e
59 Por supermujer Moreno (2003 p 5)) refere-se ldquoa um tipo de mulher mediterracircnea (com idade entre 40 e 59 anos) que tem sido capaz de conciliar seu trabalho natildeo remunerado no lar (hogar) com suas cada vez maiores e mais exigentes atividades profissionais no mercado de trabalho formalrdquo A seu ver estas supermujeres constituem-se no mais eficaz ldquoamortecedor socialrdquo na Europa Meridional (do Sul) contra a ofensiva neoliberal dos anos 1980 e 1990 agrave medida que as atividades extras desenvolvidas por elas tecircm sido cruciais tanto para manter a coesatildeo social das sociedades mediterracircneas como para um maior crescimento econocircmico Como dado ilustrativo Moreno (2003 p 5) informa que no periacuteodo 1975-1995 todos os paiacuteses mediterracircneos dobraram os percentuais do crescimento do gasto puacuteblico em relaccedilatildeo aos demais paiacuteses da Uniatildeo Europeacuteia (EU) alcanccedilando os seguintes pontos percentuais respectivamente Espanha (131) Greacutecia (151) Itaacutelia (113) e Portugal (102) Essas taxas contrastam com a meacutedia de 53 pontos percentuais em toda a EU no mesmo periacuteodo No contexto do recente processo de europeizaccedilatildeo a dupla jornada da supermujer manifesta-se como um orgulho cultural por esses paiacuteses de perfil conservador O papel ambivalente (de contiacutenuas mudanccedilas de jornada de trabalho) da mulher mediterracircnea reflete atitudes de um familismo ambivalente (SARACENO 1995 apud MORENO 2003) Por familismo ambivalente entende-se a difiacutecil conciliaccedilatildeo entre prioridades profissionais e afetivo-familiares (dupla jornada) As duas dimensotildees correspondem a um universo de valores que se apresentam em aparente dicotomia que as supermujeres meridionais tecircm conseguido combinar natildeo sem grande esforccedilo sendo capazes de completar jornadas interminaacuteveis de trabalho durante grande parte de suas vidas A ausecircncia do trabalho domeacutestico compartilhado pelos outros membros da famiacutelia tem implicado em maiores sacrifiacutecios e longas horas de exigente dedicaccedilatildeo da mulher dentro e fora de casa Eacute indiscutiacutevel que dadas as caracteriacutesticas do nexo famiacutelia trabalho e bem-estar a posiccedilatildeo das mulheres nos paiacuteses da Europa do Sul tornou-se mais complexa nas uacuteltimas deacutecadas com o incremento de todo tipo de responsabilidades profissionais e familiares com o agravante de que na estrutura social familiar na Europa do Sul compete agrave mulher cumprir funccedilotildees reprodutivas e as conciliar com o trabalho domeacutestico natildeo-remunerado
204
educaccedilatildeo Esta caracteriacutestica impediu ao longo do tempo a criaccedilatildeo e consequumlentemente a
expansatildeo da cobertura de uma proteccedilatildeo social puacuteblica e de qualidade reforccedilando a
tradicional distribuiccedilatildeo desigual de renda e alto grau de concentraccedilatildeo de renda e de poder
Os altos iacutendices de subemprego o descaso com as accedilotildees de sauacutede preventiva aleacutem do
acentuado grau de mercantilizaccedilatildeo da poliacutetica de sauacutede e de educaccedilatildeo e do caraacuteter
assistencialista e compensatoacuterio da assistecircncia social confirmam essa cultura poliacutetica
brasileira Confirmando as incompletudes histoacutericas e os contrastes sociais a distribuiccedilatildeo
de renda no Brasil nunca se deu em bases igualitaacuterias e redistributivas o que aprofundou o
fosso entre ricos e pobres
No caso especiacutefico dos paiacuteses da Europa do Sul e tomando como referecircncia as
diferentes tipologias de modelos de bem-estar excludente bem como estrateacutegias de
distribuiccedilatildeo de bem-estar nessa regiatildeo a literatura especiacutefica identifica estruturas
diferenciadas tais como puacuteblica familiarinformal privada plural ou mista Como
caracteriacutestica comum em relaccedilatildeo ao perfil familiar e assistencialista da regiatildeo Sul da
Europa indicadores sociais revelam um modelo de proteccedilatildeo social limitado agrave assistecircncia
social informal voluntaacuteria comercial eou mercantil No caso particular da proteccedilatildeo social
no Brasil haacute que se destacar em relaccedilatildeo aos gastos sociais e agrave distribuiccedilatildeo de bem-estar a
identificaccedilatildeo ateacute os anos 1980 de reduzidos niacuteveis de gasto social e uma grande
heterogeneidade eacutetnico-cultural baixa cobertura de seguro social e ainda a prevalecircncia de
um modelo econocircmico agro-exportador e de uma cultura poliacutetica clientelista e fisiologista
e populista Aleacutem disso eacute consensual em diferentes estudos sobre a poliacutetica social
brasileira que ela foi mais efetiva nos periacuteodos de ditadura do que de democracia Como
funcionava como instrumento de legitimaccedilatildeo do regime de exceccedilatildeo cerceador de direitos
individuais (civis e poliacuteticos) ela natildeo fazia parte do estatuto da cidadania
Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento de um sistema de bem-estar
como direito social ainda mais tardio do que na Europa do Sul Como marca do seu caraacuteter
conservador destaca-se ainda a estreita vinculaccedilatildeo da proteccedilatildeo social brasileira ao
mercado formal de trabalho haja vista o modelo corporativo adotado pelo regime
ditatorial particularmente nos anos 1930-1945 durante o governo de Getuacutelio Vargas
muito assemelhado ao modelo contratualisa de seguro social de Otto Von Bismarck
(Alemanha) Ressalta-se tambeacutem no regime brasileiro a acentuada diversidade e
heterogeneidade territorial (local e regional) e de desenvolvimento soacutecio-econocircmico Essa
diversidade somada agrave grande dimensatildeo geograacutefica brasileira contribuiu para a
205
consolidaccedilatildeo de uma cultura poliacutetica que combinou patrimonialismo clientelismo e
corporativismo Essa eacute a razatildeo das primeiras experiecircncias isoladas de proteccedilatildeo social no
Brasil60 pouco se universalizarem em que pesem suas semelhanccedilas com os regimes
conservadores europeus especialmente com os da Europa do Sul
Diferentemente desses paiacuteses o panorama social brasileiro sempre revelou
assustadores iacutendices ultrapassando 30 da populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza conforme
demonstra a tabela 11 elaborada por Jannuzzi (2001) sobre indicadores sociais da maior
importacircncia de paiacuteses como Nigeacuteria Meacutexico Sueacutecia EUA quando comparados aos
indicadores do Brasil em pleno seacuteculo XX
Tabela 12 Indicadores sociais de vaacuterios paiacuteses ao final do seacuteculo XX
Indicador Social Nigeacuteria Brasil Meacutexico Sueacutecia EUA
Taxa de crescimento demograacutefico (aa) 25 13 16 02 09
Proporccedilatildeo de 65 + anos () 30 49 45 174 125
Taxa de mortalidade infantil (pmil) 112 36 28 4 7
Esperanccedila de vida ao nascer 501 670 723 787 768
Crianccedilas nascidas com deacuteficit de peso () 16 8 7 5 7
Taxa de analfabetismo () 389 155 92 lt 10 lt 10
Taxa de escolarizaccedilatildeo primaacuteria () 930 971 999 999 999
Taxa de escolarizaccedilatildeo secundaacuteria () 295 654 661 999 963
Gasto educaccedilatildeo + sauacutede ( PIB)
09
65
77
155
119
Taxa de participaccedilatildeo masculina ()
862
841
817
714
701
Taxa de participaccedilatildeo feminina ()
480
440
384
629
582
Taxa de desemprego ()
ndash
78
30
82
46
Percentual de pobres (linha Bco Mundial) 702 51 179 ndash ndash
Percentual de pobres (linha oficial) () 430 174 101 46 141
Iacutendice de Gini ndash renda individual 045 059 050 025 040
Apropriaccedilatildeo de renda 20 + pobres () 44 25 36 96 52
IDH (Iacutendice de Desenvolvimento Humano) 0430 0747 0784 0926 0929
PIB per capita (doacutelar PPC) 795 6625 7704 20659 29605
Fonte Januzzi 2001 p 126_ Anuaacuterios e Banco de dados do PNUD UNESCO OIT UNICEF UNFPA e Banco Mundial Nota Segundo o autor os indicadores natildeo satildeo necessariamente comparaacuteveis Obs seleccedilatildeo feita pela proacutepria autora de alguns indicadores sociais relacionados pelo autor
Januzzi (2001) contribui para as anaacutelises sobre as funccedilotildees das poliacuteticas sociais
ao apresentar dados referentes aos estaacutegios de transiccedilatildeo demograacutefica que demandam
poliacuteticas socias eficazes ao explicitar as principais carecircncias e necessidades baacutesicas que
60 No Brasil a primeira lei reguladora das relaccedilotildees sociais vinculada agrave proteccedilatildeo social ocorreu em 1919 ndash Lei de Acidentes de Trabalho ndash e foi restrita a algumas categorias profissionais De conformidade com a Lei Eloy Chaves (1924) foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensatildeo inicialmente restritas aos ferroviaacuterios e logo em seguida estendidas a outras categorias (portuaacuterias estivadores etc)
206
deveratildeo ser atendidas por tais poliacuteticas bem como ao distinguir a linha da indigecircncia
(pobreza absoluta) da linha da pobreza (relativa) pois no Brasil a pobreza se caracteriza
por uma condiccedilatildeo humana que impede qualquer possibilidade de autonomia organizaccedilatildeo e
de participaccedilatildeo poliacutetica e social dos setores empobrecidos nas instacircncias decisoacuterias
tornando esses segmentos vulneraacuteveis agrave cooptaccedilatildeo por parte das elites (locais e regionais)
Natildeo se pode esquecer o caraacuteter repressivo e autoritaacuterio dos regimes de exceccedilatildeo que
prevaleceram no Brasil entre os anos 1937-1945 e entre 1964-1985
O quadro 16 sobre os estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica revela a importacircncia
da cobertura das poliacuteticas sociais em todos os ciclos vitais da existecircncia humana
Quadro 16 Estaacutegios da transiccedilatildeo demograacutefica e ecircnfase das poliacuteticas sociais
Estaacutegio Ecircnfase da Poliacutetica Social
Preacute-transicional Altas taxas de natalidade Populaccedilatildeo muito jovem Baixa taxa de urbanizaccedilatildeo
Atendimento materno-infantil Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego
Transiccedilatildeo iniciada Diminuiccedilatildeo das taxas de natalidade Urbanizaccedilatildeo intensa Populaccedilatildeo jovem
Atendimento materno-infantil Habitaccedilatildeoserviccedilos urbanos Emprego Educaccedilatildeo baacutesica e secundaacuteria
Transiccedilatildeo plena Desaceleraccedilatildeo acentuada da taxa de natalidade Aumento da populaccedilatildeo em idade ativa Alta urbanizaccedilatildeo
Emprego Educaccedilatildeo superior e secundaacuteria Sauacutede de adultos e materno-infantil Habitaccedilatildeo
Transiccedilatildeo completa Taxa de natalidade muito baixa Envelhecimento Elevada urbanizaccedilatildeo
Sauacutede de adultos e idosos Previdecircncia social Assistecircncia social Emprego
Fonte Jannuzzi 2001 p 67
Januzzi (2001) faz um estudo interessante sobre as polecircmicas em relaccedilatildeo agrave
definiccedilatildeo dos criteacuterios normativos para definiccedilatildeo dos iacutendices de privaccedilatildeo e dos niacuteveis de
carecircncia Ademais entende a pobreza como um fenocircmeno estrutural de carecircncias muacuteltiplas Para
esta tese interessa sua anaacutelise sobre o indicador da linha de pobreza baseado em princiacutepio natildeo-
monetaacuterio ainda que seja considerado o mais sujeito a variaccedilotildees conjunturais e tambeacutem por ser
um indicador complementar que busca dimensionar o percentual de pessoas e famiacutelias privadas
de renda miacutenima indispensaacutevel agrave exigecircncia de niacuteveis de qualidade de bem-estar como as que
demandam programas de transferecircncia de renda (a exemplo do Programa Bolsa
Famiacutelia_PBF_no Brasil e programas de inserccedilatildeo eou de renda miacutenima de natureza similar na
207
Europa do Sul) que se materializam em poliacuteticas sociais dirigidas a grupos em situaccedilatildeo de
vulnerabilidade social questatildeo tematizada por esse estudo Trata-se de indicadores baseados no
estado de carecircncias muacuteltiplas ou de necessidades baacutesicas insatisfeitas em diversas dimensotildees
analiacuteticas e que tecircm seu uso vinculado agrave formulaccedilatildeo de poliacuteticas sociais tais como educaccedilatildeo
sauacutede habitaccedilatildeo emprego e outras O uso desses indicadores ao atuar com base em um amplo
campo de informaccedilotildees (Estados municiacutepios etc) permite uma visacirco estrutural da questatildeo aleacutem
de focalizar com precisatildeo os paracircmetros baacutesicos da realidade social e os programas sociais
necessaacuterios redirecionando-os ao puacuteblico-alvo em situaccedilatildeo de carecircncias insatisfeitas eou de
pobreza em seus muacuteltilplos aspectos seja absoluta (estado de privaccedilatildeo mais elevado) ou relativa
(com base na renda pe rcapita em relaccedilatildeo ao PIB nacional)
Nessa perspectiva a proporccedilatildeo de pobres corresponde agrave parcela da populaccedilatildeo
que natildeo dispotildee de produtos rendimentos suficientes e por conseguinte de niacuteveis
adequados de bem-estar por absoluta falta de condiccedilotildees de acesso aos bens e serviccedilos
sociais puacuteblicos necessaacuterios para responder agraves suas carecircncias que se resolveriam com
poliacuteticas sociais puacuteblicas de caraacuteter inclusivo universalizador e redistributivo Esse
conjunto de carecircncias e de necessidades baacutesicas condicionam essas famiacutelias a uma renda
familiar percapita inferior ao custo de uma cesta baacutesica condiccedilatildeo que as coloca na linha
de indigecircncia Esse indicador tem sido muito utilizado por institutos de pesquisa como
pelo Comissatildeo Econocircmica para a Ameacuterica Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo Programa
das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) O PNUD propotildee o iacutendice de
pobreza humana (IPH) para medir o grau de pobreza e de privaccedilatildeo de meios e recursos
baacutesicos de sobrevivecircncia humana e assim dar maior visibilidade agrave questatildeo da pobreza
Em paiacuteses considerados em desenvolvimento como o Brasil e que apresentam padrotildees
normativos de privaccedilatildeo menos elevados em relaccedilatildeo aos paiacuteses desenvolvidos o caacutelculo
do IPH eacute feito com base da combinaccedilatildeo entre os seguintes fatores risco de mortalidade
apoacutes os quarenta anos (privaccedilatildeo de longevidade) taxa de analfabetismo e do indicador-
siacutentese de iacutendices de sobrevivecircncia acesso a serviccedilos baacutesicos de sauacutede agrave aacutegua potaacutevel e
niacuteveis de desnutriccedilatildeo Segundo Januzzi (2001 p 125) ldquoa proposiccedilatildeo do IPH representou
um avanccedilo toacuterico-conceitual importante para o PNUD no tratamento da questatildeo do
desenvolvimento socialrdquo
O quadro 17 apresenta necessidades e estado de carecircncias a serem atendidas e
confirma as necessidades baacutesicas defendidas por Gough (2000) tais como sauacutede e
autonomia sem as quais a nenhum ser humano eacute possiacutevel viver com dignidade
208
Quadro 17 Necessidades e carecircncias baacutesicas a atender
Acesso a oportunidades de desenvolvimento educacional Acesso a serviccedilos de sauacutede Acesso a oportunidades de trabalho regular Acesso a rendimentos suficientes Acesso agrave habitaccedilatildeo satisfatoacuteria Acesso a serviccedilos urbanos
Fonte Jannuzzi 2001 p 105
No quadro 18 Jannuzzi (2001 p 103) analisa a linha de indigecircncia e a linha
de pobreza respectivamente em relaccedilatildeo ao custo de uma cesta baacutesica de alimentos e ao
custo de alguns produtos e serviccedilos puacuteblicos considerados essenciais (despesas com
alimentos transporte remeacutedios material escolar vestuaacuterio etc) cuja ausecircncia de consumo
produz efeito direto sobre os niacuteveis de carecircncia dos cidadatildeos No Brasil em geral a cesta
baacutesica de alimentos eacute composta de trinta a cinquumlenta resumidos itens que fazem parte da
dieta habitual da populaccedilatildeo desde que atenda ao valor caloacuterico diaacuterio per capita
estabelecido pelo padratildeo normativo do paiacutes
Quadro 18 Linha de indigecircncia e linha de pobreza
Linha de Indigecircncia = custo de uma cesta de alimentos que perfaz os requerimentos de consumo individual ao longo de um mecircs
Linha de Pobreza = custo da cesta de alimentos da linha de indigecircncia + custos de transporte coletivo remeacutedios material escolar aluguel etc
Fonte Jannuzzi 2001 p 103
Esses itens selecionados em variedade e em quantidade de alimentos
tais como cereais leguminosas peixes carnes lactiacutenios e outros indicam de
forma mais visiacutevel o grau de severidade da pobreza eou da linha de indigecircncia isto
eacute ldquoquatildeo pobres satildeo os pobres e qual a distatildencia da renda meacutedia dos mesmos em
relaccedilatildeo agraves linhas normativas estabelecidas no paiacutes (hiato de pobreza)rdquo (JANNUZZI
2001 p 103) No Brasil o padratildeo normativo estabelecido para a alimentaccedilatildeo diaacuteria
dos brasileiros eacute de cerca de 2300 calorias ao dia e o valor atual do salaacuterio miacutenimo
(R$ 38000 em marccedilo de 2007) apresenta um poder de compra equivalente agrave
aquisiccedilatildeo de duas cestas baacutesicas sem contudo atender agraves exigecircncias de parcela
significativa da populaccedilatildeo brasileira na superaccedilatildeo de suas necessidades baacutesicas Os
indicadores sociais do paiacutes confirmam essa linha de pobreza e esse niacutevel de
insuficiecircncia de renda
209
Vale destacar a anaacutelise de Pereira (2000) em que se ressalta o estudo das
Comissotildees de Salaacuterio Miacutenimo instituiacutedas pela Lei nordm 185 de 14 de janeiro de 1936
regulamentada pelo Decreto-Lei nuacutemero 399 de 30 de abril de 1938 para desenvolver
pesquisas sobre as necessidades normais do trabalhador brasileiro Desses estudos
resultou o seguinte conceito de salaacuterio miacutenimo ldquoeacute a remuneraccedilatildeo miacutenima devida a todo
trabalhador adulto sem distinccedilatildeo de sexo por dia normal de serviccedilo e capaz de satisfazer
em determinada eacutepoca na regiatildeo do paiacutes as suas necessidades normais de alimentaccedilatildeo
habitaccedilatildeo vestuaacuterio higiene e transporterdquo (In RETRATO DO BRASIL 1984 apud
PEREIRA 2000 p 131)
Apesar de parecer uma medida avanccedilada tal conceito continha restriccedilotildees agraves
necessidades individuais e sociais do trabalhador como educaccedilatildeo e lazer aleacutem de natildeo
incluir sua famiacutelia Aacute eacutepoca tomou-se como referecircncia para definiccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo
o modus vivendi de segmentos de trabalhadores que apresentavam os niacuteveis salariais mais
baixos do paiacutes Considerando como referecircncia os valores atuais do salaacuterio miacutenimo
brasileiro apoacutes mais de cinco deacutecadas (R$ 38000 em 2007) os mesmos criteacuterios e
paracircmetros utilizados confirmam o baixo padratildeo normativo historicamente estabelecido
pelos gonvernos brasileiros ao definir o valor do salaacuterio miacutenimo nacional Diante de tais
constataccedilotildees fica clara a histoacuterica ausecircncia no Brasil de uma cultura de direitos e a
prevalecircncia na concepccedilatildeo e na accedilatildeo de seus governantes do princiacutepio restririvo e residual
de clara orientaccedilatildeo liberal (liberalismo claacutessico) segundo o qual no campo da proteccedilatildeo
social puacuteblica (quando esta ocorre) a referida proteccedilatildeo tem que ser miacutenima para natildeo
competir com o pior salaacuterio
Observa-se no Brasil a superposiccedilatildeo da economia sobre o social a heranccedila de
uma cultura poliacutetica autoritaacuteria com grande concentraccedilatildeo de poder no governo central
excluindo os trabalhadores das organizaccedilotildees e estruturas de representaccedilatildeo e do controle das
instituiccedilotildees sociais internacionalizando a economia brasileira e liberando a entrada de
capitais e financiamentos internacionais
CAPIacuteTULO VII
PROGRAMAS DE TRANSFEREcircNCIA DE RENDA NO BRASIL E DE
RENDA MINIMA DE INSERCcedilAtildeO (RMI) NA EUROPA DO SUL UMA
ESTRATEacuteGIA ASSISTENCIAL DE CUNHO NEOLIBERAL
71 Concepccedilatildeo e distinccedilotildees teoacuterico-conceituais
O debate sobre a vinculaccedilatildeo dos miacutenimos sociais agrave ideacuteia de cobertura dos
niacuteveis de subsistecircncia tem sua origem no iniacutecio do capitalismo A instituiccedilatildeo de uma
poliacutetica de ingresso de miacutenimos sociais para atender agraves necessidades dos segmentos mais
pobres nas sociedades capitalistas ocidentais natildeo eacute nova O debate contemporacircneo sobre o
tema enfatiza aspectos teoacutericos econocircmicos e poliacuteticos e apresenta uma diversidade de
concepccedilotildees posiccedilotildees poliacutetico-ideoloacutegicas bem como propostas alternativas de inserccedilatildeo
social que estatildeo longe de se caracterizarem como consensuais As experiecircncias de renda
miacutenima sempre se fundamentaram no princiacutepio da subsidiariedade (a proteccedilatildeo social
puacuteblica tem que ser miacutenima para natildeo competir com o pior salaacuterio) e em uma concepccedilatildeo de
pobreza absoluta restrita a uma abordagem de ajuda social de cunho religioso caritativo e
assistencialista (a exemplo das Leis dos Pobres na Inglaterra no seacuteculo XVI) Com o
agravamento e complexidade do quadro social mediante o surgimento de fenocircmenos
excludentes proacuteprios do capitalismo tais como o recrudescimento do desemprego o
aumento da pobreza e do quadro de desigualdades sociais os crescentes contrastes
culturais sociais e econocircmicos as experiecircncias ancoradas na ideacuteia de um aporte miacutenimo
social (sistema de renda miacutenima de subsistecircncia) ganharam destaque e foram sendo
institucionalizadas mediante a concepccedilatildeo de bens e serviccedilos sociais puacuteblicos muito
embora o acesso a esses bens e serviccedilos sempre esteve condicionado agrave ideacuteia de contrato
social eou de inserccedilatildeo ao trabalho Com as mudanccedilas soacutecio-histoacutericas ocorridas no mundo
capitalista contemporatildeneo iniciou-se o debate sobre as diferentes formas de inserccedilacirco social
e ao mundo do trabalho com condicionalidades
No cenaacuterio atual com base nos princiacutepios do ideaacuterio liberal (na atualidade
ideaacuterio neoliberal) a proteccedilatildeo social puacuteblica nos dias atuais tambeacutem tem que ser miacutenima
211
para natildeo competir com o pior salaacuterio Ou seja o princiacutepio da subsidiariedade como
estrateacutegia neoliberal de resticcedilatildeo agrave cidadania social e a um padratildeo digno de vida continua
atualiacutessimo Haacute vaacuterias formas neoliberais de garantir proteccedilatildeo social Entre estas uma que
se tornou generalizada eacute a transferecircncia de renda jaacute abordada no capiacutetulo anterior
Entretanto apesar de sua generalizaccedilatildeo haacute uma variedade de recursos e meios para se
efetivar a provisatildeo dos miacutenimos sociais de inserccedilatildeo aos cidadatildeos que natildeo podem obtecirc-los
por seu proacuteprio esforccedilo Essas formas e meios de povisatildeo variam de paiacutes para paiacutes Quando
referidos a padrotildees baacutesicos de proteccedilatildeo social trata-se de uma forma peculiar de construir
uma rede de proteccedilatildeo social (e natildeo uma seguridade social puacuteblica e universal) oferecendo
um suporte material aos pobres e excluiacutedos (do processo produtivo) para que se sintam
integrantes dos ciacuterculos (ou relaccedilotildees) sociais na vida cotidiana Necessaacuterio se faz portanto
qualificar conceitualmente essas distintas formas de provisatildeo social miacutenima
a) Renda miacutenima garantida (RMG) ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI)
A Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (RMI) ou Renda Miacutenima Garantida (RMG) eacute um
conceito utilizado pelos paiacuteses da Europa do Sul Refere-se a um subsiacutedio ou prestaccedilatildeo
econocircmica com caraacuteter regular sujeito as condicionalidades (cumprimento de certas condiccedilotildees)
Segundo Moreno (2003 p 6) ldquosu cuantia monetaria refleja de una parte el nivel de generosidad
y solidariedad de la ciudadania a fin de combatir situaciones de pobreza y de outra las reales
posibilidades de que el beneficiario pueda superar com holgura su estado de precariedad y
abandonar en su caso su estado de exclusioacutenrdquo Como diferenciaccedilatildeo substantiva renda miacutenima
garantida ou renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) natildeo tecircm o mesmo significado que a renda baacutesica
(RB) uma vez que guardam distinccedilotildees A renda miacutenima garantida (ou de inserccedilatildeo social ndash RMI)
se traduz na garantia de acesso ao miacutenimo vital (ateacute que o cidadatildeo possa fazecirc-lo sem necessidade
do Estado) Por princiacutepio privilegia a inserccedilatildeo social como mecanismo para combater a exclusatildeo
social As primeiras RMIs foram concebidas como uma poliacutetica de reinserccedilatildeo social e
profissional e medida assistencial ateacute porque mesmo nas sociedades capitalistas a loacutegica de
obtenccedilatildeo de renda sempre esteve vinculada apenas a uma atividade produtiva Daiacute a exigecircncia
nessas sociedades do estabelecimento de condicionalidades ou contrapartidas vinculando
indiretamente essa medida assistencial e esse dispositivo ao trabalho
Contudo sob a ingerecircncia neoliberal a renda miacutenima eacute entendida como uma
ajuda iacutenfima residual e focalizada na pobreza extrema A questatildeo que se coloca a partir
212
dessa constataccedilatildeo eacute se o padratildeo de renda miacutenima (garantida ou de inserccedilatildeo social)
contemporacircneo liberta ou natildeo o pobre da pobreza E mais qual a sua relaccedilatildeo de
correspondecircncia com os direitos sociais assegurados por poliacuteticas puacuteblicas
No periacuteodo apoacutes a Segunda Guerra Mundial atribuiu-se ao termo renda miacutenima
(garantida eou de inserccedilatildeo) a ideacuteia de integraccedilatildeo ao mercado de trabalho (acesso a um trabalho
estaacutevel) dos cidadatildeos excluiacutedos desse mercado aos quais era oferecido um suporte material na
forma de prestaccedilatildeo econocircmica ou seja uma transferecircncia monetaacuteria do Estado para os
indiviacuteduos e famiacutelias objetivando garantir sua subsistecircncia como direito de cidadania social
Nesse sentido as RMIs sempre buscaram combinar alocaccedilatildeo financeira com inserccedilatildeo social e
profissional sem descuidar da autonomia dos usuaacuterios como cidadatildeos
Castel (1989) considerou o dispositivo de renda miacutenima como um esforccedilo do Estado
Social keynesianobeveridgiano de dar respostas agraves novas formas de inseguridade e de
precariedade agraves quais as poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder
Entretanto ao analisar o futuro do sistema de proteccedilatildeo social contemporacircneo afirma que ldquouma
brecha se abriu na intersecccedilatildeo da assistecircncia e dos seguros sociaisrdquo (1989 p 53) prevalecendo
estes uacuteltimos em detrimento da contribuiccedilatildeo para a cidadania da primeira Ainda sobre a anaacutelise
e projeccedilotildees feitas por Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) os programas de renda miacutenima
(RMI) poderiam a seu ver ldquoser a legitimidade da remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo
corresponde necessariamente a um trabalhordquo Com base nessa perspectiva uma outra questatildeo
que se apresenta no debate sobre a RMI eacute ela poderaacute evoluir na direccedilatildeo da dissociaccedilatildeo entre
renda e trabalho afirmando-se como direito sem condiccedilotildees (BOSCHETTI 1997 p 36) Em
outras palavras em tempos de ingerecircncia neoliberal como fica a relaccedilatildeo da assistecircncia social
com a cidadania Em que pesem as contradiccedilotildees que permeiam o debate sobre as RMIs nesta
tese entende-se que em princiacutepio natildeo haacute oposiccedilatildeo entre os binocircmios trabalho e assistecircncia
social o que implica reconhecer o direito a um rendimento miacutenimo condiacutegno O que preocupa eacute
a desvaloizaccedilatildeo atual dos direitos sociais perante os direitos individuais o que configura uma
restriccedilatildeo da cidadania que se pretendia ampliar tambeacutem com a contribuiccedilatildeo da assistecircncia social
com seu reconhecimento como poliacutetica puacuteblica
b) Renda baacutesica (Rb)
Diferindo da renda miacutenima a Renda Baacutesica (RB) eacute entendida como um
rendimento suficiente (capaz de garantir vida diacutegna) incondicional (independente de outras
213
rendas) individual e universal (para todos) proporcionada sem gerar constrangimentos por
estar vinculada agrave liberdade positiva agrave justiccedila social redistributiva e aos direitos de cidadania
Natildeo se trata portanto de um subsiacutedio governamental vinculado a uma atividade laboral
obrigatoacuteria (workfare) Desde os anos 1980 haacute um debate nos paiacuteses industrializados em
defesa da renda baacutesica para todos ateacute mesmo como alternativa aos modelos de proteccedilatildeo social
existentes sendo vinculada ao estatuto da cidadania Trata-se portanto a renda baacutesica de um
mecanismo de redistribuiccedilatildeo regular de recursos financeiros para satisfazer necessidades
sociais baacutesicas sem qualquer exigecircncia de contrapartida portanto como direito
Constitui sem duacutevida uma medida polecircmica que agrupa distintas posiccedilotildees a
favor eou contra Muitos defensores da RB passaram a justificaacute-la e a explicaacute-la como
resultante da perda da centralidade do trabalho assalariado nas sociedades poacutes-industriais
Para Draibe (1993) com o surgimento da proposta de renda baacutesica houve um
deslocamento e uma mudanccedila da concepccedilatildeo de justiccedila social e do ideaacuterio de uma justiccedila
comutativa (a cada um de acordo com sua contribuiccedilatildeo) para a concepccedilatildeo e o ideaacuterio de
uma justiccedila redistributiva (a cada um o direito de participar da riqueza produzida
independente do qual tenha sido a contribuiccedilatildeo) Sobre essa questatildeo Gough (2003) faz um
alerta a los partidarios del ingresso baacutesico no sentido de que natildeo desconsiderem a
existecircncia de alternativas que satildeo fiscais e poliacuteticamente factiacuteveis inclusive agrave luz da
liberdade positiva no trato dessa questatildeo
Por fim os estudiosos e defensores da renda baacutesica propotildeem que esta seja
financiada por via fiscal (impostos) e que natildeo esteja sujeita a outra condiccedilatildeo que a da
cidadania independe de outras possiacuteveis fontes de renda eou de trabalho (VAN PARIJS
apud MORENO 2003) Ainda segundo Moreno (2003 p 6) ldquocon la puesta en vigor de tal
renta se produciria una desmercantilizacioacuten plena ya que la percepcioacuten del subsiacutedio seria
independiente de la actividad laboral remunerada o no remuneradardquo
72 Programas de renda miacutenima nos paiacuteses da Europa do Sul particularidades e
primeiras experiecircncias Franccedila (1988) Espanha (1988-1992) Portugal (1997
Itaacutelia (1998) e Greacutecia
Ao final dos anos 1990 os programas de renda miacutenima converteram-se nos
paiacuteses europeus e especialmente na regiatildeo da Europa do Sul no emblema das mudanccedilas
214
(policy shift) e da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais A implementaccedilatildeo desses Programas o
perfil da assistecircncia social e as primeiras experiecircncias de provisatildeo miacutenima vivenciadas por
esses paiacuteses caracterizam-se como processos que dentre outros revelam semelhanccedilas e
diferenccedilas em relaccedilatildeo ao desenho das poliacuteticas sociais de combate agrave pobreza aos objetivos
formulados agrave ecircnfase dada agrave famiacutelia (familismo) aos caminhos adotados e agraves configuraccedilotildees
institucionais Trata-se de um perfil de Regime de Bem-estar cujas raiacutezes estiveram
fincadas na ocupaccedilatildeo formal (assalariados) mediante poliacuteticas sociais contributivas no
princiacutepio da seguridade social puacuteblica e universal e no apoio da famiacutelia extensa
As motivaccedilotildees surgiram a partir de mudanccedilas poliacuteticas significativas ocorridas
nos sistemas de proteccedilatildeo social europeus ateacute entatildeo desenvolvidos acrescidas do
surgimento de novas tendecircncias regionais e locais Desapareceram haacutebitos e normas nos
quais se sustentavam a relaccedilatildeo ocupacional dos assalariados e a relaccedilatildeo familiar das
pessoas dependentes (crianccedilas idosos e portadores de necessidades especiais) nos
sistemas tradicionais de proteccedilatildeo social Multiplicaram-se nesses paiacuteses novas carreiras
profissionais e foram introduzidas novas formas de organizaccedilacirco familiar Essas mudanccedilas
transformaram-se em condicionantes para a reavaliaccedilatildeo das redes de proteccedilatildeo social
existentes bem como das poliacuteticas adotadas na perspectiva de criaccedilatildeo de novas accedilotildees
estrateacutegias nessa aacuterea (SARACENO 2003)
As RMIs como estrateacutegia neoliberal de poliacutetica social de combate agrave pobreza e
agrave exclusacirco social natildeo podem ser substituiacutedas pelos serviccedilos eou accedilotildees soacutecio-assistenciais
garantidos por poliacuteticas de caraacuteter universalista fundadas na concepccedilatildeo de direitos sociais
e de assistecircncia social como poliacutetica de seguridade social puacuteblica Conveacutem lembrar que
para os neoliberais eacute o mercado e natildeo o Estado o espaccedilo da racionalizaccedilatildeo da proteccedilatildeo
social e portanto de resoluccedilatildeo dos problemas e das dificuldades econocircmicas e sociais
apresentadas pelos cidadatildeos Nessa perspectiva os serviccedilos sociais deveratildeo seguir a
disciplina do mercado e do jogo da livre concorrecircncia e natildeo criteacuterios puacuteblicos e unversais
Com base na perspectiva monetarista e no princiacutepio da subsidiaridade
(subsiacutedio decrescente) os neoliberais propocircem o imposto de renda negativo eou o imposto
negativo sobre a renda (INR) com o argumento de estimular o indiviacuteduo ao trabalho e de
eliminar a pobreza com pouco custo administrativo e financeirio mediante a substituiccedilatildeo
de todos os programas assistenciais puacuteblicos O INR eacute aplicado mediante uma teacutecnica
fiscal em que se garante recursos miacutenimos de subsistecircncia na forma de subsiacutedios aos
cidadatildeos que natildeo dispotildeem de nenhuma renda Esse imposto (INR) prevecirc o pagamento de
215
um subsiacutedio estatal cujo valor eacute fixado abaixo de um determinado limite de renda miacutenima
previamente declarado Esse subsiacutedio estatal vai decrescendo agrave medida que se elevam as
rendas do indiviacuteduo e vai se invertendo ateacute se converter em pagamento correspondente ao
imposto sobre a renda bruta do cidadatildeo Essa eacute a interpretaccedilatildeo neoliberal de renda miacutenima
que natildeo rompe com a loacutegica e os interesses do mercado Dito em outros termos ao Estado
(neoliberal) compete oferecer ao cidadatildeo pobre (em situaccedilatildeo de pobreza extrema) uma
porcentagem diferenciada entre a renda miacutenima estabelecida e a renda percebida por ele
(subiacutedio) para dispor de um fundo especial para transferecircncia monetaacuteria a todos os
cidadatildeos e assim ampliar sua capacidade de consumo Nessa perspectiva trata-se as
RMI de uma prestaccedilatildeo econocircmico-financeira assistencial de caraacuteter diferencial e
subsidiaacuterio ou seja um subsiacutedio baseado em uma perspectiva compensatoacuteria emergencial
e precaacuteria e em uma modalidade de cobertura social (mediante o repasse de ingressos
miacutenimos) de caraacuteter indenizatoacuterio
No limite as RMI objetivam amenizar as condiccedilotildees de subsistecircncia dos
cidadatildeos no enfrentamento de situaccedilotildees de risco pessoal e social tornando suas vidas
mais suportaacuteveis e menos conflitivas Portanto satildeo accedilotildees poliacuteticamente necessaacuterias mas
insuficientes no trato da questatildeo social Ademais o fato de os programas de renda
miacutenima eou de transferecircncia de renda se configurarem como uma estrateacutegia poliacutetica de
combate agrave pobreza e de estarem vinculados agrave aacuterea da assistecircncia social puacuteblica como uma
accedilatildeo complementar eou suplementar natildeo os legitima como programas autocircnomos e
substitutos das poliacuteticas puacuteblicas nem de serviccedilos assistenciais sob o risco de
reproduzirem a precarizaccedilatildeo das condiccedilotildees de vida tornando-se armadilhas da pobreza
Falta-lhes a configuraccedilatildeo inclusiva emancipartoacuteria e universalizadora para que de fato
cumpram a funccedilatildeo de promover a efetiva afirmaccedilatildeo e garantia dos padrotildees baacutesicos de
cidadania e assim natildeo se tornem mecanismos reprodutores dos efeitos excludentes de
uma sub-cidadania
As ambiguumlidades e limitaccedilotildees apresentadas por esses programas satildeo
encontradas em seu proacuteprio formato em seus conteuacutedos em suas praacuteticas efetivas e em
especial na ausecircncia de articulaccedilatildeo com poliacuteticas puacuteblicas de caraacuteter universalizador a
exemplo das poliacuteticas puacuteblicas de emprego educaccedilatildeo e sauacutede Ademais dependem da
vontade poliacutetica dos governantes e da benevolecircncia dos oacutergatildeos puacuteblicos agrave medida que satildeo
programas sustentados por instituiccedilotildees vinculadas ao sistema de proteccedilatildeo social puacuteblica
Daiacute seu uso poliacutetico clientelista e personalista
216
A questatildeo central que evidencia sua insuficiecircncia estaacute sobretudo em natildeo se
fazerem acompanhar de uma poliacutetica eficaz de redistribuiccedilatildeo de renda Daiacute a afirmaccedilatildeo de
que as RMIs natildeo conferem status de cidadania social aos seus beneficiaacuterios e nem
garantem padrotildees baacutesicos de cidadania pelo fato de reconhecerem apenas o direito de
inserccedilatildeo social eou ao trabalho a ser estabelecido com base na polecircmica loacutegica da
contrapartida Dito em outros termos o acesso ao benefiacutecio eou ao recebimento da
prestaccedilatildeo econocircmica estaacute sempre condicionado ao requisito da inserccedilatildeo que por sua vez
torna-se um elemento restritivo agrave cidadania desses segmentos
Interesssa agrave presente tese a identificaccedilatildeo das novas tendecircncias das marcas
poliacutetico-institucionais das questotildees pendentes e suas implicaccedilotildees para o futuro das poliacuteticas
sociais especialmente da assitecircncia social sob o impacto e pressotildees do pluralismo de bem-
estar de orientaccedilatildeo neolibertal que preconiza a flexibilizaccedilatildeo dos direitos de cidadania sob
o argumento da eficiecircncia econocircmica Portanto as trajetoacuterias de tais poliacuteticas de renda
miacutenima em suas partcularidades no contexto dos cinco paiacuteses da Europa do Sul constituem
o objeto da anaacutelise que segue
73 A experiecircncia pioneira da Franccedila o debate sobre a inserccedilatildeo profissional
O ecircxito da Franccedila com a introduccedilatildeo da renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenue
minimum dacuteinsertion (RMI)) em 1988 desencadeou a adoccedilatildeo de programas similares
pelos paiacuteses da Europa do Sul O mesmo ocorreu no Paiacutes Vasco na Espanha em 1988
com a introduccedilatildeo do Plan de Lucha contra a Pobreza o qual serviu de estiacutemulo e referecircncia
para os demais programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo implementados em quase todas as
Comunidades Autocircnomas espanholas (ARRIBA apud MORENO 2000) Em 1996 um
programa piloto foi implementado em Portugal o qual passou a ser efetivado em 1997 A
Itaacutelia implantou um programa experimental em diversoas municiacutepios no periacuteodo de 1998 a
2002 Apenas a Greacutecia continua sendo o uacutenico paiacutes dessa Regiatildeo sem um programa de
renda miacutenima muito embora tenha ganhado relevacircncia neste paiacutes o debate puacuteblico sobre a
necessidade de revisatildeo e do fortalecimento da malha de Seguridade Social
A Franccedila se destacou na Europa do Sul por seu pioneirismo na
implementaccedilatildeo do primeiro Programa de Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo (Revenue
Minimum dacuteInsertion- RMI) em dezembro de 1988 Desde sua origem o RMI francecircs
217
apresentou uma perspectiva inovadora medinte a garantia de um duplo direito ou
seja o direito a uma renda miacutenima e o direito agrave inserccedilatildeo de seus beneficiaacuterios ao
mundo do trabalho e ao da sociedade A proposta francesa contrapocircs-se agrave ideacuteia
uacutenicamente econocircmica da pobreza reconhecendo-a como um fenocircmeno
multidimencional A assistecircncia social francessa eacute prestada aos segmentos
pauperizados estaacute vinculada agrave ideacuteia de seguro social e eacute entendida como um direito
universal O RMI francecircs garante aos seus beneficiaacuterios o direito a uma renda miacutenima
mensal agrave assistecircncia meacutedica ao auxilio moradia e ao direito a medidas de inserccedilatildeo
social e profissional Tal iniciativa provocou vaacuterios debates sobre o conteuacutedo e o
significado dessa nova modalidade de poliacutetica social de combate agrave pobreza
A caracteriacutestica baacutesica do RMI francecircs eacute privilegiar a inserccedilatildeo social como
dimensatildeo para combater a exclusatildeo social Nesse sentido caracteriza-se como um amplo
programa de renda miacutenima destinado seletivamente agrave populaccedilatildeo considerada pobre
(BOSCHETTI 1997) Foi concebido como uma poliacutetica de (re)inserccedilatildeo social e
profissional aleacutem de uma medida de aliacutevio da pobreza
A relaccedilatildeo entre trabalho assistecircncia e renda miacutenima surge no contexto desse
debate nos anos 1980 como um objeto privilegiado de anaacutelise para se pensar o futuro dos
sistemas de proteccedilatildeo social dos paiacuteses capitalistas desenvolvidos ateacute mesmo porque a base
dos sistemas de preteccedilao social nesses paiacuteses eacute a relaccedilatildeo entre assistecircncia e seguros sociais
- uma ideacuteia (de seguros sociais) que poderaacute romper com a loacutegica da dependecircncia e da
incapacidade como criteacuterios de acesso agrave proteccedilatildeo social
No entanto o sistema de proteccedilatildeo social francecircs entendido como articulaccedilatildeo entre
os binocircmios Estado Providecircncia e seguridade social seguro e assistecircncia social tambeacutem natildeo
forneceu resposta satisfatoacuteria agrave questatildeo da pobreza A ideacuteia de seguros prevaleceu em
contextos em que o desemprego era residual e o salaacuterio estaacutevel A partir dos anos 1980 com o
aumento do desemprego e o crescimento da precariedade das relaccedilotildees de trabalho foram
desvendadas novas expressotildees da pobreza como fenocircmeno estrutural que natildeo eram cobertas
pelo binocircmio assistecircncia e seguros sociais O RMI francecircs caracterizou-se como uma tentativa
de corrigir um desequiliacutebrio produzido pela modernizaccedilatildeo tecnoloacutegica representado pela
existecircncia de cidadatildeos aptos para o trabalho mas natildeo inseridos no processo produtivo Nesta
perspectiva o RMI significaria uma extensatildeo do direito agrave assistecircncia aos cidadatildeos pobres
aptos para o trabalho mas que estavam excluiacutedos da assistecircncia social e do seguro social pela
condiccedilatildeo de natildeo acesso ao trabalho estaacutevel e formal
218
Em 1989 o governo francecircs criou o dispositivo denominado inserccedilatildeo social e
profissional como contrapartida agrave alocaccedilatildeo financeira e como negaccedilatildeo da ideacuteia de
prestaccedilatildeo de assistecircncia de caraacuteter suplementar ainda que com definiccedilatildeo de normas e
exigecircncias contraditoacuterias com o objetivo de impedir a acomodaccedilatildeo do beneficiaacuterio Havia
uma grande preocupaccedilatildeo dos parlamentares franceses com a concessatildeo de uma renda
miacutenima sem condicionalidades ou contrapartidas Assim a Lei do RMI ao vincular o
acesso ao direito social agrave cidadania salarial introduziu o dever da sociedade de se engajar
na busca de um emprego para os beneficiaacuterios por meio da conhecida poliacutetica de ativaccedilatildeo
voltada para a inserccedilatildeo dos excluiacutedos no mercado de trabalho
Analistas reconhecem as dificuldades em manter um salaacuterio e uma proteccedilatildeo
social vinculados a um salaacuterio estaacutevel A questatildeo central desencadeada pela experiecircncia da
Franccedila centrou-se na possibilidade de o RMI instituir uma nova ordem social baseada na
ruptura entre o econocircmico e o social (BOSCHETTI 1997) Mesmo tratando-se de uma
sociedade que reforccedila a inserccedilacirco profissional como possibilidade de acesso a um trabalho
estaacutevel como o melhor caminho para uma integraccedilatildeo social a questao eacute se na conjuntura
atual ainda eacute possiacutevel pensar em termos de poliacuteticas de pleno emprego e idealizar um
sistema de proteccedilatildeo social nos padrotildees do segundo poacutes-guerra Diante dessa questatildeo a
experiecircncia do RMI francecircs tanto pode significar o estabelecimento de uma nova ordem
social no sentido de transformar o modelo poliacutetico de regulaccedilatildeo social e a loacutegica
precedente de proteccedilatildeo social como se apresentar como indicador de que profundas
mudanccedilas estatildeo ocorrendo na ordem capitalista mundial
Para Milano (1998) e Euzeacuteby (1991) (apud BOSCHETTI 1997) o RMI eacute um
componente evolutivo do sistema de proteccedilatildeo social que se inscreve na continuidade das
poliacuteticas de luta contra a pobreza absoluta e relativa Nesta oacutetica (apud BOSCHETTI
1997) o RMI eacute um programa de renda miacutenima de caraacuteter complementar que tem como
referecircncia baacutesica a solidariedade social o que o caracteriza como uma alocaccedilatildeo
compensatoacuteria generalizada que complementa a renda dos beneficiaacuterios elevando-a a um
patamar miacutenimo Comparativamente o RMI francecircs se distingue dos de outros paiacuteses na
medida em que enquanto para estes paiacuteses os RMI caracterizam-se como uma prestaccedilatildeo de
assistecircncia social destinada agrave subsistecircncia dos indiviacuteduos na Franccedila o programa de renda
miacutenima de inserccedilatildeo se inscreve mais na perspectiva de luta contra a exclusatildeo social
mediante a inserccedilatildeo profissional dos beneficiaacuterios (BOSCHETTI1997) Portanto o que o
distingue dos demais eacute a concepccedilatildeo de inserccedilatildeo que o norteia tendo em vista o alcance de
219
uma autonomia social e profissional que somente se consolidaria com o trabalho A
particularidade dessa proposta reside ainda no fato de possibilitar uma participaccedilatildeo direta
do beneficiaacuterio mediante a assinatura de um termo de contrato ou convecircnio em que este
faz uma declaraccedilatildeo expliacutecita de comprometimento pessoal para com seu proacuteprio processo
de inserccedilatildeo social ou laboral Uma distinccedilatildeo importante do RMI francecircs em relaccedilatildeo ao
espanhol eacute que este estabelece a necessidade de um plano de accedilatildeo personalizado de
inserccedilatildeo social denominado termo de contrato ou convecircnio (anterior ao recebimento da
prestaccedilatildeo) diferentemente da experiecircncia francesa que supotildee um recebimento perioacutedico
apoacutes a busca de medida para inserccedilatildeo (AGUILAR et alii apud STEIN 2005 p 229)
Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 37) para quem o RMI natildeo pode ser
interpretado simplesmente como um novo dispositivo setorial o situa no campo das
transformaccedilotildees da proteccedilatildeo social Considera assim que o RMI francecircs representa um
esforccedilo de resposta agraves novas formas de inseguridade e de precariedade face agraves quais as
poliacuteticas sociais precedentes natildeo foram capazes de responder Nesse sentido o RMI natildeo eacute
nem uma extensatildeo da assistecircncia nem a instituiccedilatildeo de mais um seguro social Revela
sobretudo que a loacutegica assistecircnciaseguros sociais como base do sistema de proteccedilatildeo
social puacuteblico estaacute sofrendo um profundo processo de transformaccedilatildeo o que pode indicar
uma inversatildeo dessa loacutegica com mudanccedilas significativas nas relaccedilotildees do trabalho
Esta concepccedilatildeo de Castel (apud BOSCHETTI 1997 p 39) deixa como reflexatildeo a
possibilidade de os programas de renda miacutenima virem a se constituir numa forma legiacutetima de
remuneraccedilatildeo de um tipo de atividade que natildeo corresponde necessariamente a remuneraccedilatildeo do
trabalho No campo dos direitos o RMI francecircs ao romper com o complexo
assistecircnciaseguros sociais e com a loacutegica da relaccedilatildeo entre renda e trabalho e propor uma
inserccedilatildeo social garante o acesso dos beneficiaacuterios aos direitos sociais dos quais estavam
excluiacutedos Indiscutivelmente trata-se de uma proposta inovadora se considerada num contexto
capitalista de esgotamento do paradigma do trabalho no campo das relaccedilotildees sociais e de
ameaccedila de reduccedilatildeo eou extinccedilatildeo dos direitos sociais
Comparativamente e como contraponto ao RMI francecircs a perspectiva
neoliberal (EUA) ao propor um subsiacutedio estatal baseado em um patamar miacutenimo de
subsistecircncia a exemplo do imposto de renda negativo (IRN) que tranfere uma prestaccedilatildeo
econocircmica agrave populaccedilatildeo com base na renda e em possiacuteveis isenccedilotildees fiscais apresenta-se
natildeo apenas como uma alternativa substitutiva dos serviccedilos sociais puacuteblicos baseados no
modelo de regulaccedilatildeo keynesiano mas como um estiacutemulo ao consumo de mercado (por
220
serviccedilos sociais privados) e portanto de desestiacutemulo agrave demanda por bens e serviccedilos
puacuteblicos garantidos no acircmbito do Estado mediante poliacuteticas universais Essa proposta
neoliberal torna ainda mais complexa e incessiacutevel qualquer accedilacirco estrateacutegica voltada para
uma proteccedilatildeo social de caraacuteter progressivo Tambeacutem confirma a premissa com a qual esse
estudo se identifica de que somente um pacto social fundamentado no princiacutepio da
redistributividade ofereceraacute as reais condiccedilotildees para se efetivar uma justa e equacircnime
proteccedilatildeo social puacuteblica
74 A situaccedilatildeo particular da Espanha na implementaccedilatildeo de um modelo assistencial
latino e catoacutelico a atuaccedilatildeo dos setores oficial (EstadoComunidades Autocircnomas)
informal voluntaacuterio (famiacutelia e igreja) e comercialmercantil
A trajetoacuteria das poliacuteticas de assistecircncia social e dos programas de renda miacutenima
na Espanha apresenta como jaacute salientado uma peculiaridade Trata-se da experiecircncia
pioneira das Comunidades Autocircnomas com forte influecircncia da Igreja e da famiacutelia no
modelo de provisatildeo social reconhecidos como agentes sociais privados provedores de
bem-estar A literatura especializada informa que durante o franquismo os programas de
assistecircncia social eram muito escassos Com a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Democraacutetica
espanhola de 1978 e nova legislaccedilatildeo regulamentaram-se e institucionalizaram-se a
assistecircncia social e os serviccedilos sociais Apoacutes constatarem crescimento acentuado da
pobreza no paiacutes as comunidades autocircnomas passaram a reivindicar a definiccedilatildeo de serviccedilos
da competecircncia do Estado em seus Estatutos de Autonomia Foram definidas de forma
clara com base em determinaccedilotildees constitucionais as competecircncias que deveriam ficar
com o Estado central ou seja a legislaccedilatildeo baacutesica e a seguridade social
Entre os anos de 1982 e 1993 (periacuteodo de 11 anos) e apoacutes a promulgaccedilatildeo das
Leis Autocircnomas (Leyes Autonoacutemicas) foram estabelecidas as primeiras medidas
vinculadas aos sistemas regionais de serviccedilos sociais de acesso universal aos cidadatildeos No
bojo de tais mudanccedilas os programas de assistecircncia social passaram a ser da competecircncia
exclusiva das 17 Comunidades Autocircnomas (CCAA) na Espanha Em 1988
generalizaram-se alguns componentes essenciais da malha de Seguridade Social da
Espanha quais sejam a) pensotildees natildeo contributivas para seguros de aposentadoria e de
invalidez b) prestaccedilotildees por filho sob a responsabilidade (a cargo) das famiacutelias de baixa
221
renda Entretanto o uso geneacuterico do termo renda miacutenima de inserccedilatildeo mascara um
panorama muito desigual no paiacutes com distintas realidades soacutecio-econotildemicas diferentes
desenhos institucionais dos programas de provisatildeo miacutenima em relaccedilatildeo agraves
condicionalidades exigidas em cada CCAA
Segundo Moreno (2003) o Pacto de Toledo firmado em 1995 consolidou-se
como um marco histoacuterico na luta contra a pobreza no Estado espanhol e um grande acordo
social entre partidos e sindicatos Possibilitou o desenvolvimento e a implantaccedilatildeo de
poliacuteticas sociais com acentuado caraacuteter progressista o que produziu amplas repercuccedilocirces
para o sistema de proteccedilatildeo social espanhol na perspectiva redistributiva tais como
propostas de financimento diferenciado das prestaccedilotildees contributivas (a atenccedilatildeo e a garantia
universal agrave sauacutede serviccedilos sociais baacutesicos e as prestaccedilocirces de assistecircncia social ficaram sob
a responsabilidade da fiscalizaccedilatildeo geral do Estado) As prestaccedilotildees natildeo-contributivas
ficariam sob a responsabilidade da seguridade social e se criaria um Fundo de Reserva
financiado com aportaccedilotildees do superaacutevit primaacuterio
Portanto a partir da Nova Constituiccedilatildeo de 1978 do Pacto de Toledo (1995) e
do acordo firmado entre a Administraccedilatildeo Central e as Comunidades Autocircnomas (CCAAs)
iniciado em 1988 (Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas de
Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees) todas as comunidades autocircnomas implementaram
programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) Nesse contexto situa-se a regulaccedilatildeo feita
pelas distintas Comunidades Autocircnomas (CCAA) agrave prestaccedilatildeo de renda miacutenima
considerada por alguns estudiosos um salaacuterio social o que para Alonso Seco e Gonzalo
Gonzaacutelez ( 2000 p 432) tese com a qual esse estudo concorda ldquotrata-se de uma
denominaccedilatildeo improacutepria e polecircmica visto que o termo salaacuterio constitui uma remuneraccedilatildeo
especiacutefica do trabalho e por isso natildeo pode ser em uma prestaccedilatildeo assistencial peculiarrdquo
Afirmam ainda que ldquoo conceito de renda miacutenima natildeo pode estar vinculado agrave ideacuteia de um
recurso substitutivo de um salaacuterio pelo fato de que se trata de uma medida situada fora do
sistema produtivordquo
O modelo de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) adotado na Europa do Sul em
especial pelos governos francecircs italiano portuguecircs e espanhol segue a modalidade de
poliacutetica social denominada de focalizaccedilatildeo eou discriminaccedilatildeo positiva (identificaccedilatildeo de
quem precisa para melhor atendecirc-lo) por assentar-se na ideacuteia de suplementaccedilatildeo de renda
como mecanismo necessaacuterio agrave reduccedilatildeo da condiccedilatildeo de pobreza mediante a
complementaccedilatildeo da renda individual eou familiar sob condicionalidades e criteacuterios de
222
elegibilidade Essa modalidade de renda miacutenima vincula o valor do subsiacutedio econocircmico a
determinadas exigecircncias de praacuteticas de integraccedilatildeo eou de inserccedilatildeo ao mundo do trabalho
Portanto eacute importante destacar que essa proposta natildeo gera o direito de acesso ao benefiacutecio
de forma automaacutetica e gratuita pois exige contrapartidas Todos os subsiacutedios sejam eles
na forma de uma renda substituta de inserccedilatildeo eou de imposto de renda negativo tecircm em
comum a transferecircncia de determinado valor na forma de prestaccedilatildeo econocircmica tendo em
vista possibilitar a cobertura de necessidades individuais eou sociais dos cidadatildeos
mediante condicionalidades
Em 1988 com base em um acordo firmado entre o governo central da
Espanha as comunidades autocircnomas (acircmbito regional) e os governos locais foi
elaborado o jaacute citado Plano Concertado para o Desenvolvimento de Prestaccedilotildees Baacutesicas
de Serviccedilos Sociais das Corporaccedilotildees Locais (Plan concertado para el desarollo de
prestaciones baacutesicas de serviacutecios sociales de las corporaciones locales) Nesse acordo
articulou-se a cooperaccedilatildeo administrativa necessaacuteria entre os trecircs niacuteveis de governo na
provisatildeo da rede de serviccedilos primaacuterios e de assistecircncia social que contemplavam as
seguintes necessidades baacutesicas de acesso aos recursos sociais de convivecircncia pessoal
de integraccedilatildeo social e de solidariedde social (STIEacuteN Y ARRIOLA 1998 p 335) A
Carta Comunitaacuteria dos Direitos Sociais dos Trabalhadores de 1999 (La Carta
Comunitaacuteria de los Derechos Sociales de los Trabajadores de 1999) estabeleceu que
ldquoas pessoas que estatildeo excluiacutedas do mercado de trabalho seja por natildeo terem podido
ascender a ele seja por natildeo terem podido se reinserir no mesmo e que natildeo disponham de
meios de subsistecircncia devem beneficiar-se de prestaccedilotildees e de recursos suficientes
adaptados a sua situaccedilatildeo pessoalrdquo (artigo 10) Em 1989 o programa de renda miacutenima
espanhol inspirou-se nas linhas mestras do RMI francecircs concretizando a primeira
experiecircncia piloto no Paiacutes Vasco seguida posteriormente pela regiatildeo da Catalunha
(Gerona Leacuterida Tarragona e Barcelona) que inovou ao incluir os sindicatos mais
representativos agrave administraccedilatildeo central e agraves entidades sociais que passaram a contribuir
com uma nova configuraccedilatildeo poliacutetica do Programa Interdepartamental de Renda Miacutenima
de Inserccedilatildeo (PIRMI) do governo da Catalunha Em sentido similar a Comissatildeo das
Comunidades Europeacuteias (La Comisioacuten de las Comunidades Europeacuteas) determinou em
1992 aos Estados membros que estabelecessem uma quantia de recursos e prestaccedilotildees
suficientes para se viver conforme padratildeo de dignidade humana especialmente dirigida agraves
pessoas excluiacutedas do mercado de trabalho
223
Portanto a partir dessa data conforme afirmam Alonso Seco e Gonzalo
Gonzaacutelez (2000 p 432 ) estudiosos da assistecircncia social e dos serviccedilos sociais na
Espanha havia chegado o momento de se constituir naquele paiacutesldquouma nova e singular
prestaccedilatildeo social pois ainda que estando fora do sistema de prestaccedilotildees econocircmicas
garantidas regularmente pela seguridade social puacuteblica sua proposta apresentava certas
conotaccedilotildees de direito subjetivo proacuteprias dessas natildeo se constituindo predicado dessa a
tiacutepica discriminaccedilatildeo atribuiacuteda histoacutericamente agrave assitecircncia social fora do Estadordquo
As regulaccedilotildees das comunidades autocircnomas natildeo se datildeo de maneira uniforme
apesar de apresentarem determinadas caracteriacutesticas comuns Ademais nacirco haacute na Espanha
a definiccedilatildeo clara de um modelo uacutenico de financiamento das RMI nem um uacutenico padratildeo
de renda miacutenima adotado como referecircncia nacional muito embora hajam sistemas
juriacutedicos puacuteblicos que regulamentam os serviccedilos sociais e concedem autonomia agraves
comunidades autocircnomas espanholas para legislar planejar e gestionar seus programas de
renda miacutenima e os seviccedilos soacutecio-assistenciais Na Espanha o financiamento dos serviccedilos
sociais se faz de maneira bastante diversificada mas tambeacutem interrelacionada Ao setor
puacuteblico compete a maior parte dos gastos sociais seja mediante a transferecircncia de
prestaccedilotildees econocircmicas diretas eou de serviccedilos ou mediante subvenccedilotildees concedidas ao
setor privado Por prestaccedilotildees sociais econocircmicas a sociedade espanhola entende todas as
transferecircncias em dinheiro ou em espeacutecie outorgadas agraves famiacutelias pelas Administraccedilotildees
puacuteblicas Correspondem ainda agraves ajudas a fundo perdido repassadas pelo setor puacuteblico a
entidades privadas sem fins lucrativos que prestam serviccedilos sociais agrave populaccedilatildeo
Na Espanha o Estado tem sido historicamente a principal fonte de
financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais Para Alonso Seco e Gonzalo
Gonzaacutelez (2000 p 608) ldquoum aspecto a destacar eacute o incremento progressivo que tem
experimentado o financiamento puacuteblico na Espanha nos uacuteltimos anos seja para financiar
serviccedilos puacuteblicos seja para subsidiar as accedilotildees do setor privadordquo
A complexidade que envolve o estudo do padratildeo e das caracteriacutesticas do
financiamento de poliacuteticas sociais exige que se leve em conta trecircs indicadores
considerados essenciais por Fagnani (1998 p123) ao analisar a avaliaccedilatildeo do ponto de
vista do gasto e financiamento das poliacuteticas puacuteblicas brasileiras Satildeo eles a direccedilatildeo do
gasto social (destinaccedilatildeo dos recursos) a magnitude dos gastos e dos recursos financeiros
(compatibilidade entre recursos e carecircncias sociais) e ainda a natureza das fontes de
financiamento (recursos fiscaistaxas e impostos recursos auto-sustentados eou
224
adicionais e contribuiccedilotildees sociais) Quando se trata do alcance do potencial
redistributivo da poliacutetica social e do valor das prestaccedilotildees econocircmicas destinadas ao
financiamento de programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo haacute que se acresecentar as
distintas concepccedilotildees de renda miacutenima de inserccedilatildeo e ainda a anaacutelise da articulaccedilatildeo
existente (ou natildeo)entre poliacutetica puacuteblica e setores privados No caso especiacutefico das
Comunidades Autocircnomas da Espanha (CCAAs) acrescenta-se a observatildencia dos
criteacuterios de descentralizaccedilatildeo do caraacuteter e da condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas e
ainda o processo de consolidaccedilatildeo dos orccedilamentos puacuteblicos como eacute o caso das distintas
Administraccedilotildees puacuteblicas ao apresentarem especificidades setoriais
Seco e Gonzaacutelez (2000 p 606) ao analisarem o sistema de financiamento na
Espanha afirmam que ldquobasta uma simples olhada na histoacuteria para comprovar que a
condiccedilatildeo privada ou puacuteblica dos sistemas de atenccedilatildeo primaacuteria guarda estreita
correspondecircncia com o caraacuteter privado ou puacuteblico do financiamento dos serviccedilos siociais
que sacirco prestadosrdquo No entanto argumentam que agrave medida que a accedilatildeo social eacute assumida
como obrigaccedilatildeo proacutepria do Estado (ou da proviacutencia da localidademuniciacutepio como no
caso da experiecircncia das comunidades autocircnomas ) haacute que destinar recursos puacuteblicos
pois na opiniatildeo desses autores ldquoeacute impensaacutevel uma obrigaccedilatildeo puacuteblica de serviccedilos sociais
livre de compromissos econocircmicosrdquo (SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 606)
A organizaccedilatildeo dos sistemas econocircmicos de provisatildeo de recursos e de gastos
puacuteblicos na Espanha realiza-se mediante a elaboraccedilatildeo do orccedilamento puacuteblico que
assume um caraacuteter vinculante agraves distintas Administraccedilotildees puacuteblicas agrave medida que eacute
exigido dessas de forma imperativa a elaboraccedilatildeo de seu proacuteprio orccedilamento A
assistecircncia e os serviccedilos sociais satildeo financiados por distintas Administraccedilotildees puacuteblicas
(Uniatildeo Europeacuteia Administraccedilatildeo do Estado das Comunidades Autocircnomas e de
Corporaccedilotildees locais) sem prejuiacutezo da colaboraccedilotildeao da iniciativa privada em situaccedilotildees
relevantes e da participaccedilatildeo dos beneficiaacuterios dos serviccedilos exigida como
condicionalidade ao acesso do benefiacutecio (SECO GONZAacuteLEZ 2000) A exemplo do
Brasil na Espanha haacute uma diversidade de fontes de procedecircncia dos recursos como
taxas e impostos contribuiccedilotildees especiais subvenccedilotildees condicionadas cotizaccedilotildees e
outros Os recursos advindos da Uniatildeo Europeacuteia satildeo obtidos mediante contribuiccedilotildees
diretas dos Estados membros Os do Estado (governo central) mediante cotizaccedilotildees
obrigatoacuterias Ademais as Comunidades Autocircnomas e as Corporaccedilotildees locais tambeacutem tecircm
autoridade constitucional para exigir o pagamento de tributos (Constituiccedilatildeo espanhola
225
art 1332 ) sem prejuizo das participaccedilotildees em tributos do Estado (SECO GONZAacuteLEZ
2000 p 607) No entanto apesar de os programas sociais e dentre eles os de renda
miacutenima de inserccedilatildeo terem uma dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria consignada no Orccedilamento geral do
governo central os recursos disponibilizados natildeo tecircm sido suficientes para atender agraves
reais demandas e necessidades baacutesicas da populaccedilatildeo Esse fato tem gerado grandes
debates e frequumlentes demandas por mais recursos financeiros apresentadas pelas
comunidades autocircnomas ao governo espanhol As comunidades autocircnomas apesar de
ostentarem o tiacutetulo juriacutedico (Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais) de competecircncia
exclusiva sobre o financiamento da assistecircncia e dos serviccedilos sociais tecircm argumentado
que o Estado deve colocar agrave sua disposiccedilatildeo os recursos de accedilatildeo social de que dispotildee para
que promovam a gestatildeo direta desses recursos na aacuterea da assistecircncia Com base nos
preceitos e disposiccedilotildees das Leis Autocircnomas de Serviccedilos Sociais (a exemplo de Aragoacuten
arts 40 e 44 Paiacutes Vasco arts 28 a 33 Andaluzia arts 27 a 30 e outros) compete agraves
comunidades autocircnomas (e agraves Corporaccedilotildees locais) a obrigaccedilatildeo de consignar anualmente
em seus orccedilamentos as dotaccedilotildees precisas para estabelecer e manter os serviccedilos sociais
que legalmente tecircm atribuiacutedos assim como para fomentar a iniciativa das Corporaccedilotildees
locais pertencentes agrave sua demarcaccedilatildeo territorial
Na opiniatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 616) na Espanha ldquoos serviccedilos
sociais tecircm um peso relativamente inferior em relaccedilatildeo agraves prestaccedilotildees econocircmicas e dentre
essas agraves pensotildees assistenciaisrdquo A afirmaccedilatildeo desses autores de que ldquoo gasto puacuteblico com
serviccedilos soacutecio-assistenciais tem evoluiacutedo no sentido de intensificar as transferecircncias
correntes desses serviccedilos em espeacutecie em detrimento das tradicionais prestaccedilotildees sociaisrdquo
(SECO GONZAacuteLEZ 2000 p 616) evidencia o incremento dado pela Administraccedilatildeo
puacuteblica central nas uacuteltimas deacutecadas aos programas de renda miacutenima de inserccedilatildeo em
atenccedilatildeo agraves orientaccedilotildees neoliberais
Em consequumlecircncia ao condicionar a provisatildeo das prestaccedilotildees econotildemicas aos
processos de inserccedilatildeo social eou no trabalho as iniciativas de renda miacutenima e de
serviccedilos assistenciais tecircm se consolidado como accedilotildees sociais limitadas focalizadoras e
insuficientes no trato agrave pobreza e agrave garantia das necessidades baacutesicas e de bem-estar da
populaccedilatildeo Ademais ateacute duas deacutecadas atraacutes os recursos disponibilizados pelo Estado
Social espanhol estavam limitados agrave seguridade social contributiva Dentre as vaacuterias
razotildees que passaram a justificar na atualidade a necessidade de ampliaccedilatildeo do gasto
puacuteblico com serviccedilos sociais mediante um maior financiamento das medidas soacutecio-
226
assistenciais eacute citado o aumento da pobreza relativa (renda percapita em relaccedilatildeo ao PIB
nacional) Com base na afirmaccedilatildeo de Seco e Gonzaacutelez (2000 p 607) ldquoO aumento da
pobreza relativa eacute um importante fator a ser levado em conta pois os serviccedilos sociais tecircm
por objeto a atenccedilatildeo aos mais desfavorecidos (pobreza absoluta)rdquo Para esse autores os
governos que corresponderam aos exerciacutecios no periacuteodo de 1972 a 1988 foram os que
empreenderam os maiores esforccedilos na aacuterea social com aumento das transferecircncias de
prestaccedilotildees econocircmicas e das dotaccedilotildees orccedilametaacuterias Esse periacuteodo coincide com
mudanccedilas poliacuteticas no paiacutes e no perfil da gestatildeo puacuteblica Outras razotildees apontadas aleacutem
do aumento da pobreza (relativa e absoluta) referem-se agraves mudanccedilas demograacuteficas por
produzirem o envelhecimento da populaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo de desemprego ao se firmar
como um fator socioloacutegico estruturante e incompatiacutevel com o bem-estar social e por
uacuteltimo a incidecircncia dos fenocircmenos migratoacuterios em especial o da imigraccedilatildeo um
fenocircmeno de difiacutecil previsatildeo mas com grande repercussatildeo no campo da proteccedilatildeo social
(sauacutede habitaccedilatildeo moradia e serviccedilos sociais)
Mesmo assim o processo de regulaccedilatildeo e administraccedilatildeo econocircmica na Espanha
apresenta caracteriacutesticas singulares principalmente em relaccedilatildeo agrave descentralizaccedilatildeo
territorial do gasto puacuteblico como pode ser visto na tabela 13 abaixo
Tabela 13 Distribuiccedilatildeo territorial do gasto puacuteblico na Espanha ()
19811
1984 1987 1990 1992 1997 19992
Central 873 756 726 662 630 595 54
Autocircnomo 30 122 146 205 232 269 33
Local 97 121 128 133 138 136 13
1 Generalizaccedilatildeo do processo autocircnomo 2 Estimaccedilotildees governamentais Fonte Ministeacuterio de Administraccedilotildees Puacuteblicas (MAP 1997) Elaboraccedilatildeo de Moreno (Internet 2001)
No geral as prestaccedilotildees de renda miacutenima tecircm correspondido a diferentes
concepccedilotildees e finalidades nos paiacuteses europeus haja vista a diversidade de denominaccedilotildees
atribuiacutedas a essas prestaccedilotildees pelas CCAAs espanholas para designar uma prestaccedilatildeo de
conteuacutedo baacutesico similar Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 433) ldquoalgumas
CCAAs ressaltam seu caraacuteter miacutenimo tais como Ingresso Miacutenimo de Inserccedilatildeo (Astuacuterias
Cantaacutebria Castilha e Leacuteon Muacutercia Paiacutes Vasco e La Roja) Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo
(Catalunha) Ingresso Miacutenimo de Solidariedade (Andaluzia Castilha La Mancha) Ajuda
Econocircmica Baacutesica (Ilhas Canaacuterias) e Renda Baacutesica (Navarra) Outras adotam
227
denominaccedilotildees que natildeo ressaltam o caraacuteter miacutenimo e sim a ideacuteia de inserccedilatildeo tais como
Ingresso Madrilhenho de Integraccedilatildeo (Madri) Ingresso Aragonecircs de Integraccedilatildeo (Aragoacuten)
Suporte Transitoacuterio Comunitaacuterio (Baleares) Ajuda Ordinaacuteria para a Integraccedilatildeo em
Situaccedilatildeo de Emergecircncuia Social (Estremadura) O nome de Prestaccedilatildeo Econocircmica
Regulada adotado pela Comunidade Autocircnoma Valenciana natildeo se refere nem agrave ideacuteia de
renda miacutenima nem agrave ideacuteia de inserccedilatildeo ldquoEm sua regulaccedilatildeo diferentemente das demais as
prestaccedilotildees satildeo consideradas subvenccedilotildees para pessoas sem meios de subsistecircnciardquo
(ALONSO SECO GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 436) Tais prestaccedilotildees recebem
ainda de alguns autores a denominaccedilatildeo de concessatildeo universal e de outros de renda de
cidadania eou de renda de existecircncia
No entanto para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez ( 2000 p 433) ldquotodas elas
podem englobar-se em dois grandes grupos a) renda miacutenima garantida (RMG)
considerada como renda ou subsiacutedio que permite o acesso a miacutenimos aceitaacuteveis de vida
de caraacuteter generalizado e independente a que todo cidadatildeo tem direito sem condiccedilotildees ou
exigecircncias de contrapartida b) renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) entendida como uma
prestaccedilatildeo econocircmica orientada tambeacutem a satisfazer necessidades humanas essenciais mas
vinculada estritamente agrave integraccedilatildeo no trabalho ou social das pessoas subsidiadas de
maneira que uma vez integrado o cidadatildeo deixa de receber a prestaccedilatildeordquo
A maior parte das naccedilotildees europeacuteias tem optado pelo segundo modelo de renda
miacutenima Dentre elas a Espanha que recebeu o influxo direto da lei francesa de 1998
segundo a qual a renda miacutenima de inserccedilatildeo (revenu minimum drsquonsertion) ldquoeacute um subsiacutedio
que tem por objetivo cobrir as lacunas de um sistema de proteccedilatildeo social desenvolvido e
diversificado conferindo um novo direito agravequelas pessoas que natildeo o tem estabelecido por
outro sistema de proteccedilatildeo mais vantajoso mas condicionado a assinatura pelo
beneficiaacuterio de um contrato de inserccedilatildeordquo (lei francesa de 1998 p 430-431) Esta inserccedilatildeo
eacute concebida em sentido amplo e inclui tanto medidas de integraccedilatildeo profissional (formaccedilatildeo
profissional emprego eventual emprego protegido) como pessoal e social Essa
regulaccedilatildeo feita por todas as comunidades autocircnomas eacute coincidente ao estabelecer que a
prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ldquotem por finalidade garantir recursos miacutenimos de
subsistecircncia agraves unidades familiaresrdquo (lei de 1998 p 431) mediante situaccedilotildees de
necessidade ou carecircncia de recursos sempre que natildeo podem ser atendidas mediante
prestaccedilotildees de outros sistemas puacuteblicos de proteccedilatildeo social dentre os quais as pensotildees da
seguridade social as prestaccedilotildees por desemprego e outros tipos de pensotildees puacuteblicas
228
Uma das caracteriacutesticas baacutesicas da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima
adotada pelos paiacuteses da Europa do sul em especial pela Espanha eacute sua vinculaccedilatildeo com
outras prestaccedilotildees de natureza natildeo econocircmica que tendem aacute inserccedilatildeo pessoal laboral eou
social de seus beneficiaacuterios o que confirma a finalidade transitoacuteria e conjuntural desse
benefiacutecio econocircmico assistencial Essa vinculaccedilatildeo da renda miacutenima agraves medidas de
inserccedilatildeo encontra-se contemplada em todos os ordenamentos autocircnomos da Espanha
Outra criteacuterio comum presente em todas as regulamentaccedilotildees das CCAAs como condiccedilatildeo
para se ter acesso agrave renda miacutenima diz respeito agrave vinculaccedilatildeo indissociaacutevel do conceito de
renda miacutenima agrave concepccedilatildeo de unidade familiar Esse conceito ganha relevacircncia quando se
trata de definir o valor das prestaccedilotildees para satisfazer as necessidades de subsistecircncia dos
membros dessa unidade Como exemplo o ordenamento da Comunidade de Aragoacuten (Lei
11993 de fevereiro artigo 5) tem uma concepccedilatildeo de nuacutecleo baacutesico da unidade familiar
que eacute comum agraves demais CCAAs ainda que o benefiacutecio de prestaccedilatildeo econocircmica de renda
miacutenima receba distintas denominaccedilotildees ldquonuacutecleo de convivecircncia composto por uma soacute
pessoa ou por duas ou mais vinculadas por matrimocircnio ou por outra forma de relaccedilatildeo
estaacutevel anaacuteloga agrave conjugal por adoccedilatildeo acolhimento ou por parentesco de consanguinidade
(ateacute o quarto grau) ou por afinidade (ateacute o segundo grau) conforme demanda e vinculaccedilatildeo
com o solicitanterdquo (ALONSO SECO GONZALO GONZAgraveLEZ 2000 P 450) A regra
geral baacutesica aplicada por todas as CCAAs eacute que os recursos totais da unidade familiar natildeo
devem ultrapassar o valor da prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima A caracteriacutestica
essencial da renda miacutenima de inserccedilatildeo eacute a comprovaccedilatildeo mediante a apresentaccedilatildeo de
documentos junto agrave Administraccedilatildeo central que cpmprovem a necessidade de assitecircncia
(ausecircncia ou insuficiecircncia de recursos) dos membros daquela unidade familiar Trata-se
das mesmas normas e comprovaccedilotildees exigidas pelas pensotildees natildeo-contributivas da
seguridade social puacuteblica poreacutem bem mais severas pois diferentemente dessas agrave medida
que a unidade familiar passa a receber recursos superiores ao valor da prestaccedilatildeo o recurso
assistencial eacute extinto imediatamente Nesses termos a perda de qualquer um dos requisitos
exigidos para a concessatildeo da renda eacute motivo de suspensatildeo do benefiacutecio Portanto a
transitoriedade ou temporalidade eacute caracteriacutestica baacutesica dessa prestaccedilatildeo o que a distingue
de outras pensotildees assistenciais vitaliacutecias Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p
452) ldquotodos os Ordenamentos Autocircnomos destacam que ainda que a renda miacutenima de
inserccedilatildeo seja perioacutedica provisoacuteria e de caraacuteter trasitoacuterio sua finalidade natildeo eacute manter a
pessoa em estado de indigecircncia e passividade prolongando com escassos subsiacutedios sua
229
situaccedilatildeo de marginalizaccedilatildeordquo Vecirc-se nessa afirmaccedilatildeo o receio de que se perpetue a cultura
da dependecircncia entre os usuaacuterios tatildeo difundida e defendida pelos neoliberai Como
expressa a Lei de 22 de maio de 1998 do Paiacutes Vasco ldquoa renda miacutenima configura-se como
um direito subsidiaacuterio e complementar de todo tipo de recursos e prestaccedilotildees sociais de
conteuacutedo econocircmico previstos na legislaccedilatildeo vigente () e se define como uma prestaccedilatildeo
perioacutedica de natureza econocircmica dirigida a cobrir as necessidades daquelas pessoas que
carecem de recursos econocircmicos suficientes para fazer frente aos gastos baacutesicos para a
sobrevivecircnciardquo (Lei Paiacutes Vasco de 1998)
Como jaacute afirmado na Espanha ainda prevalece a concepccedilatildeo de prestaccedilatildeo
assistencial de natureza subsidiaacuteria e complementar destinada a minimizar estados
severos de carecircncia e situaccedilotildees graves de necessidade econocircmica apesar de ser tambeacutem
visiacutevel a tendecircncia de adoccedilatildeo do programa de renda miacutenima que ldquotem por objetivo
possibilitar a saiacuteda da situaccedilatildeo de marginalidade em que se encontram seus perceptoresrdquo
(Lei Paiacutes Vasco de 1998) Com base na afirmaccedilatildeo de Clerc (apud ALONSO SECO
GONZALO GONZAacuteLEZ 2000 p 433) ldquovivemos em sociedades ricas nas que o trabalho
eacute escasso e portanto resulta necessaacuterio repartir esta riqueza de maneira diferente agrave mera
remuneraccedilatildeo dos fatores de produccedilatildeo jaacute que um nuacutemero crescente de pessoas se acham
excluiacutedas do jogo econocircmico e natildeo recebem rendas procedentes de sua atividaderdquo A
prestaccedilatildeo econotildemica tem um caraacuteter temporal ainda que persista a situaccedilatildeo de
marginalidade e de exclusatildeo social Constituem grupos e segmentos da populaccedilatildeo
atendida por esta prestaccedilatildeo assistencial famiacutelias pobres ou pessoas em situaccedilatildeo de
exclusatildeo social como idosos tendo como termo de comparaccedilatildeo a situaccedilatildeo de inclusatildeo
institucional em que famiacutelia e filhos satildeo pouco requisitados
Dois fatores se destacam como agravantes da exclusatildeo social desses
segmentos o primeiro refere-se agraves quantias escassas que satildeo repassadas aos idosos
pobres como subsiacutedio miacutenimo em atenccedilatildeo agrave sua sobrevivecircncia portanto natildeo suficientes
para atender suas necessidades baacutesicas O segundo fator eacute revelador do papel que se
espera dos filhos e das famiacutelias dos idosos no sentido de prover-lhes atenccedilatildeo e cuidados
necessaacuterios como accedilatildeo complementar de um sistema de provisatildeo social em que
predomina um modelo assistencial de reconhecida natureza familista de caraacuteter
ambivalente Dito em outros termos a loacutegica de provisatildeo social prevalecente na Espanha
centrada nos cuidados familiares contrapotildee-se a um modelo puacuteblico de proteccedilatildeo social
eou de seguridade social puacuteblica efetivada no acircmbito do Estado destinada agrave cobertura
230
dos riscos pessoais e sociais inerentes a situaccedilotildees de vulnerabilidade social a exemplo do
processo de envelhecimento
Como confirmaccedilatildeo dessa realidade social dos idosos na Espanha eacute que o
quadro 19 retrata a inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e sua
relaccedilatildeo com suas famiacutelias) tal qual eacute entendida tomando como referecircncia os sistemas de
cobertura de riscos na velhice com base em situaccedilotildees de renda miacutenima e de pensotildees
(contributivas e natildeo-contributivas) desse segmento
O referido quadro revela de um lado situaccedilotildees de renda de prestaccedilotildees
contributivas e as possibilidades reais de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos
aspectos considerados definidores de inclusatildeo social desse segmentoDe outro revela as
situaccedilotildees de ausecircncia eou de escassez de renda e de prestaccedilotildees natildeo-contributivas bem
como a impossibilidade de atenccedilatildeo e cuidados das famiacutelias dos filhos que de fato
caracterizam as situaccedilotildees de exclusatildeo social em que vivem os idosos nesse paiacutes
Ressalta-se diante do exposto a importacircncia e o peso atribuiacutedo na Espanha agrave
provisatildeo social privada entregue aos cuidados familiares ateacute mesmo quando se trata de
definir os criteacuterios de acesso e o momento da necessaacuteria interversatildeo puacuteblica estatal (ainda
que residual e complementar) pois o Estado interveacutem na aacuterea social de forma residual ou
seja somente apoacutes o natildeo-cumprimento pela famiacutelia de seu papel de cuidadora social e de
promotora do bem-estar de seus membros
Quadro 19 A inserccedilatildeo como processo individual e social (idosos incapacitados e famiacutelia)
Inserccedilatildeo Social
Inclusacirco Exclusacirco
Sistemas de cobertura de
riscos na velhice
Rendas familiares de origem ou adquiridas ao longo da vida laboral ou mediante poupanccedila
Pensocirces contributivas garantidas (baseadas no seguro laboral) que proporcionam estabilidade econocircmica e seguranccedila
Famiacutelias dos filhos insuficiente atenccedilatildeo aos pais por falta de meios e condiccedilotildees favoraacuteveis
Escassa renda familiar unida agrave dificuldade de acumular poupanccedila ao longo da vida laboral
Pensotildees natildeo contributivas subsiacutedios miacutenimos inseguranccedila e quantiacutea escassa
Famiacutelias dos filhos provecircem de atenccedilatildeo e cuidados
Coletivo IOEacute y CIMOP (1998 apud Bayer Lorente y Garcia) In Moreno (2004)
Registra-se que haacute casos especiacuteficos que se deve levar em conta de pessoas
idosas e pobres com idade superior a 65 anos que natildeo podem receber a pensatildeo puacuteblica
natildeo contributiva do governo nem tampouco a renda miacutenima de inserccedilatildeo por natildeo
cumprirem a exigecircncia legal de comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia preacutevia no paiacutes
Isso significa dizer que em funccedilatildeo dessas condicionalidades impostas haacute na Espanha um
231
contingente de idosos pobres que natildeo eacute socialmente amparado pelo sistema puacuteblico de
seguridade social pelo fato desses cidadatildeos natildeo figurarem nas estatiacutesticas
governamentais como legiacutetimo grupo beneficiaacuterio dos programas de renda miacutenima
apesar de contraditoacuteriamente pertencerem ao segmento para o qual eacute dirigida a
prestaccedilatildeo econocircmica de renda miacutenima ou seja de pobreza extrema Portanto entende-se
que o requisito legal que tem como exigecircncia a comprovaccedilatildeo de dez anos de residecircncia
preacutevia a um segmento que se encontra na condiccedilatildeo de vulnerabilidade social (condiccedilatildeo
de vida que limita seu acesso ao trabalho) aleacutem de fortalecer o perfil focalizador dos
programas de renda miacutenima configura-se como um criteacuterio excludente
A tabela 14 demonstra com base no conjunto da populaccedilatildeo espanhola
calculada em 1999 os nuacutemeros e os percentuais relativos agraves pessoas consideradas
incapacitadas inclusive para o trabalho adotando como criteacuterios a idade e o sexo No total
prevalece nas duas faixas etaacuterias um nuacutemero maior de mulheres consideradas
incapacitadas Tambeacutem e proporcionalmente os percentuais femininos se sobrepotildeem aos
masculinos tanto entre a populaccedilatildeo idosa de 65 a 79 anos quanto na acima de 80 anos o
que evidencia um maior contingente populacional feminino neste paiacutes bem como um
maior grau de longevidade como caracteriacutestica desse grupo social
Tabela 14 Populaccedilatildeo total e populaccedilatildeo incapacitada espanhola maior de 65 antildeos (Valores
absolutos e horizontais)
65 a79 anos Mais de 80 anos
Total Incapacitados de
incapacitados por sexo
Total Incapacitados de
Incapacitados por sexo
Homens
2241487
502396
225
468319
231413
49
Mulheres
2812998
818137
29
911720
520706
57
Total 5054485 1320533 26 1380039 752119 54
Fonte Populaccedilatildeo nacional de direito calculada em 15 de maio de 1999 por idade e sexo INE (2002) Elaboraccedilatildeo proacutepia de Bayer Lorente y Garcia Moreno (2004)
Tambeacutem fazem parte do grupo de cidadatildeos considerados incapacitados e que
demandam medidas de inserccedilatildeo social pessoas com enfermidades crocircnicas com
drogodependecircnciaalcoolismo desempregados adultos eou demandantes do primeiro
emprego que tecircm grandes dificuldades de acesso ao trabalho
No geral em seu desenho poliacutetico-institucional os programas autocircnomos de
renda miacutenima de inserccedilatildeo espanhoacuteis apresentam duas situaccedilotildees de ambiguumlidade a) de
232
um lado satildeo inovadores por terem sido desenhados projetados e colocados em praacutetica
pelas proacuteprias Comunidades Autocircnomas tornando-se atuaccedilotildees positivas e b) de outro
carcaterizam-se por serem extremamente seletivos e por vezes excludentes na medida
em que haacute escassez de recursos financeiros puacuteblicos provenientes do governo central e
o fechamento da malha de seguridade ao natildeo possibilitarem o acesso de pessoas natildeo
elegiacuteveis em outros programas sociais (MORENO 2000 p 6-7) Apoacutes revisatildeo
bibligraacutefica feita por esse estudo com base em abundante literatura especializada sobre
renda miacutenima constatou-se que as prestaccedilotildees econocircmicas ainda assumem na Espanha
grande importatildencia no conjunto da accedilatildeo social pois percebe-se como tendecircncia um
esforccedilo em incrementar as prestaccedilotildees monetaacuterias assistenciais nesse paiacutes
Com base em recentes estimativas do Ministeacuterio de Trabajo e Assuntos
Sociales os beneficiaacuterios individuais do RMI superaram os 200000 cidadatildeos previstos
no ano 2000 (ARRIBA MORENO 2002) Isso significa que em 2002 as dezessete
(17) comunidades autocircnomas espanholas dispunham de algum tipo de atuaccedilatildeo em
relaccedilatildeo ao programa de renda miacutenima E isso se deu apesar das contradiccedilotildees presentes
nesse processo e agraves dificuldades poliacuteticas e operacionais influenciadas pelas propostas
recentes de teor neoliberal que tecircm incentivado poliacuteticas de ativaccedilatildeo para inserccedilatildeo dos
beneficiaacuterios no mercado de trabalho e a adoccedilatildeo de criteacuterios mais restritos de acesso
aos subsiacutedios assistenciais bem como o estabelecimento de miacutenimos vitais
(sobrevivecircncia bioloacutegica) e ajudas familiares na forma de isenccedilatildeo fiscal
Em suma constituem principais prestaccedilotildees econocircmicas assistenciais de renda
miacutenima na Espanha a) prestaccedilotildees suplementares da seguridade social (um complemento
dos miacutenimos de pensotildees da seguridade social baseado na elevaccedilatildeo da quantidade a
receber ateacute um miacutenimo legalmente estabelecido alcanccedilando o total de 30 mediante
comprovaccedilatildeo de recursos) b) prestaccedilotildees familiares de seguridade social destinadas agraves
familias necessitadas que tecircm trecircs ou mais filhos sob sua responsabilidade O ajuste dos
subsiacutedios se daacute de acordo com o tamanho dos hogares e se realiza de acordo com escalas
de equivalecircncia c) rendas miacutenimas de inserccedilatildeo como programas natildeo contributivos
sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de recursos e de responsabilidade das Comunidades Autocircnomas
As prestaccedilotildees econocircmicas de renda miacutenima de inserccedilatildeo (RMI) constituem a
uacuteltima instacircncia inovadora e peculiar disponiacutevel introduzida pelos sistemas autocircnomos
espanhoacuteis Conforme demonstrado no quadro 20 os programas de renda miacutenima na
Espanha diferem dentro das proacuteprias comunidades autocircnomas em relaccedilatildeo ao valor da
233
RMI ao seu alcance cobertura social e aos criteacuterios e requisitos de inserccedilatildeo mais comuns
exigidos aos beneficiaacuterios
Quadro 20 Espanha ndash Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo Requisitos mais comuns exigidos aos
beneficiaacuterios
Idade do titular da unidade familiar
Residecircncia preacutevia na CA
Nivel de ingressos
Constituicao de hogar
independente
Sem parentes obrigado a
prestar alimentos
Carecer de emprego
Aragoacuten entre 18e 65 anos menores de idade com menores ou deficiente dependente
1 ano antes Inferiores agrave RMI
Canaacuterias entre 25e 65 antildeos emigrantes canaacuterios retornados maiores de 65 anos menores de 25 com menores ou deficiente dependente
3 anos salvo para emigrantes canaacuterios retornados e refugiados
Inferiores agrave RMI
Sim Inscrito como demandante de empleo salvo estudiantes en centros puacuteblicos
Catalunha entre 25 y 65 antildeos menores de 25 em situaccedilatildeo de desamparo ou com menores ou deficiente dependente
1 ano antes ou 4 anos nos uacuteltimos 5 anos
Inferiores agrave RMI
1 ano antes Sim
Galiacutecia entre 25 e 65 antildeos menores de 25 anos com menores ou deficiente dependente 18 anos com tutelados pela xunta ou oacuterfacircos absolutos
1 ano antes salvo emigrantes galegos retornados e beneficiaacuterios de IMI em outra CAutoacutenoma 5 anos para extrangeiros nacirco europeus
Inferiores agrave RMI
1 ano antes Sim
Madriacute entre 25 e 65 anos maiores de 64 com menores dependentes menores de 25 com menores dependentes
1 ano antes Inferiores agrave RMI
Fonte Moreno 2002 p 20 Elaboraccedilatildeo dos dados do informe FIPOSC y MISSOC (2002)
O gasto social puacuteblico total agregado agraves rendas miacutenimas de inserccedilatildeo nas
comunidades autocircnomas alcanccedilou em 2001 mdash 033 do PIB nacional o que demonstra
que as comunidades regionais espanholas foram capazes ainda que natildeo de forma precaacuteria
e natildeo suficiente de integrar assistecircncia e serviccedilos sociais em uma rede primaacuteria regional e
local considerando que boa parte dos programas sofre com problemas de financiamento
A seguir apresenta-se uma outra sequumlecircncia de tabelas e figuras que demonstram o
fluxo de gastos relativos ao orccedilamento total bem como a distribuiccedilatildeo do percentual de gastos
234
com a seguridade social para o Ano 2005 na Espanha em relaccedilatildeo agraves prestaccedilocirces econocircmicas
com as devidas supressotildees por classes e modalidades de pensatildeo
Tabela 15 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social para o ano 2005 ndash
Supressatildeo do gasto da aacuterea 1 - Prestaccedilotildees econocircmicas
Rrubricas Milhotildees de euros de participaccedilatildeo
Pensotildees 70768 879
- Contributivas 68905 856
- Nacirco contributivas1
1863 23
Incapacidade temporal 5925 74
Maternidade e risco durante a gravidez 1235 15
Prestaccedilocirces familiares 932 12
Outras prestaccedilocirces econocircmicas 476 06
Total prestaccedilotildees econocircmicas 79336 986
Outras transferecircncias correntes 448 05
Gastos de gestatildeo de prestaccedilotildees econocircmicas
647
08
57 01
Total de gastos da aacuterea de prestaccedilotildees econocircmicas 80488 1000
Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudos
Fonte Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais (2005)
Figura 10 Espanha ndash Sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do
gasto da aacuterea 1 Prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas
Nas figuras 10 e 11 eacute flagrante o volume de recursos finaceiros destinados agraves
pensotildees no que se refere agraves prestaccedilotildees econocircmicas contributivas e natildeo-contributivas (37
do gasto social geral com a seguridade social) na Espanha em 2005
235
Tabela 16 Espanha Orccedilamento de gastos da seguridade social ndash Supressatildeo do creacutedito de
pensotildees por classes e modalidades de pensatildeo
RUBRICAS Milhotildees de euros de partic
Invalidez 9223 130 - Contributivas 8363 118
- Nacirco contributivas 860 12
Jubilaccedilacirco 46365 655 - Contributivas 45361 641
- Nacirco contributivas 1004 14
Viuvez 13979 198
Orfandade 997 14
Em favor de pensotildees para o ano 2005 204 03
Total de creacutedito de pensotildees para o ano 2005 70768 1000
A importacircncia total das pensocirces nacirco contributivas nacirco inclui os 133 milhocirces de euros correspondentes ao Paiacutes Vasco (105 milhocirces) e Navarra (28 milhocirces) que figuram como transferecircncias ao Estado dentro da Aacuterea de Prestaccedilocirces Econocircmicas Considerando a citada importacircncia e o montante total de latildes PNCs a quantia eleva a 1996 milhocirces de euros Fonte MTAS (2005) ndash Informes e Estudios
Fonte Madrid Ministeacuterio de Trabalho e Assuntos Sociais-MTAS (2005)
Figura 11 Espanha sistema de seguridade social 2005 ndash Distribuiccedilatildeo percentual do gasto
de pensotildees (contributivas e natildeo-contributivas)
236
Tabela 17 Espanha Pressupostos da seguridade social para o ano 2005 ndash agregado do
sistema siacutenteses por entidades
Recursos (Em euros)
Entidades Pressuposto 2004 Pressuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004
Importatildencia Partic Importacircncia
Partic Absoluta
Tesouraria Geral da Seguridade Social
7705843970 9349 8467281162 9379 761437183 988
Muacutetuas de AT e EP 816756188 991 859158903 952 42602715 522
Total Recursos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943
Eliminaccedilocirces por consolidaccedilatildeo 280013087 340 298357451 330 18344364 655
Pressuposto consolidado 8242587080 10000 9028282614 10000 785695534 953
Gastos
(En miles de euros)
Entidades Pressuposto 2004 Presuposto 2005 Variaccedilatildeo 20052004
Importe Partic
Importe Partic
Absoluta
Instituto Nacional da Seguridade Social
6883475935 8351 7407535314 8205 524059379 761
Instituto Nacional de Gestatildeo Sanitaacuteria
16623151 020 18671602 021 2048451 1232
Instituto de Maiores Serviccedilos Sociais
244549830 297 240148963 266 -4400867 -180
Instituto Social da Marina 145980157 177 152043684 168 6063527 415
Tesouraria Geral da Seguridade Social
415214906 504 648881599 719 233666693 5628
Soma 7705843979 9349 8467281162 9379 761437183 988 Muacutetuas de AT y EP 816756188 991 859358903 952 42602715 522
Total Gastos 8522600167 10340 9326640065 10330 804039898 943
Como indicam os dados acima (tabela 17) a natureza descentralizada do
regime de bem-estar espanhol natildeo exacerbou tanto as diferenccedilas comunais como era de se
esperar O que se percebe como perspectiva futura eacute que as comunidades autocircnomas estatildeo
propensas a requerer o co-financiamento do governo central para manter os seus
respectivos programas e os serviccedilos sociais Por enquanto os programas autocircnomos de
renda miacutenima de inserccedilatildeo satildeo um fato e sua implementaccedilatildeo contribuiu para a legitimaccedilatildeo
poliacutetica das CCAAs que se viram favorecidas pelo crescimento de recursos orccedilamentaacuterios
O Plan nacional de accioacuten para la inclusioacuten social del reino de Espantildea de
2001 ndash 2003 tem se constituiacutedo numa boa oportunidade para se avaliar a coordenaccedilatildeo
intergovernamental agrave medida que oferece um quadro sinteacutetico da situaccedilatildeo da luta contra a
pobreza na Espanha Resta saber se as proacuteximas accedilotildees sociais coordenadas pela Uniatildeo
Europeacuteia-EU seratildeo fontes de novas ideacuteias servindo de inspiraccedilatildeo para se otimizar os
esforccedilos de todos os atores e instituiccedilotildees implicadas no processo
237
Segundo dados do MTAS (2005) a Espanha desenvolve um conjunto de
programas com grupos de atenccedilatildeo primaacuteria (serviccedilos sociais gerais) e secundaacuteria
(especializado) muito semelhante aos que satildeo adotados no Brasil para os quais satildeo
destinados recursos financeiros com controle das comunidades autocircnomas sobre recursos
em geral gastos e gestatildeo das prestaccedilocirces econocircmicas contributivas (64) e natildeo
contributivas (118) conforme demonstram as tabelas 18 e 19 a seguir
Tabela 18 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(1) (Em euros)
Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila
Importacircncia (Valor)
Importacircncia (valor)
Absoluta
1 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas contributivas
7178139324 956 7714207983 958 536068659 75
2 Gestacirco de prestaccedilotildees econocircmicas nacirco contributivas
297114787 40 297359975 37 245188 01
3 Administraccedilatildeo e serviccedilos gerais de prestaccedilotildees econocircmicas
35918943 05 37506209 05 1587266 44
TOTAL 7511173054 1000 8049074167 1000
537901113 72
Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos
Tabela 19 ESPANHA Programas com Grupos de Atenccedilatildeo Primaacuteria_(2) (Em euros)
Grupos de Programas 2004 2005 Diferenccedila
Importacircncia (valor) Importacircncia
(valor) Absoluta
1 Atenccedilatildeo primaacuteria de sauacutede 86716965 639 89770725 643 3053760 35
2 Atenccedilatildeo especializada 39809780 293 41188273 295 1378493 35
3 Medicina mariacutetima 1881295 14 2176934 16 295639 157
4 Administraccedilatildeo serviccedilos gerais da assistecircncia sanitaacuteria
2584009 19 1821859 13 - 762150 -295
5 Formaccedilatildeo de pessoal sanitaacuterio 10476 00 16974 00 6498 620
6 Transferecircncias agraves CCAA pelos serviccedilos sanitaacuterios asumidos
4679800 34 4679800 34 000 00
TOTAL 133682325 1000 139654565 1000
3972240 29
Fonte MTAS (2005) Informes e Estudos
A exemplo do processo de construccedilatildeo e consolidaccedilatildeo da democracia no Brasil
a formaccedilatildeo poliacutetica e o processo de modernizaccedilatildeo na Espanha tem conhecido vaacuterios
caminhos com retrocessos e avanccedilos e vivenciado ciclos e conjunturas bem distintas com
crises poliacuteticas regimes ditatoriais conforme demonstra o quadro 21
238
Quadro 21 Intenccedilotildees histoacutericas de modernizaccedilatildeo na Espanha
Objetivos pendentes na histoacuteria recente da Espanha Dificuldades atrasos
- Desenvolvimento econocircmicoindustrializaccedilatildeo - Funcionamento de um sistema democraacutetico estaacutevel (com primaziacutea do poder civil) - Articulaccedilacirco regionalnacional - Modernizaccedilatildeo - Europeizaccedilatildeoocidentalizaccedilatildeo - Impulso de poliacuteticas sociais
- Recursos na revoluccedilatildeo burguesa - Dificuldades na revoluccedilatildeo industrial - Carecircncias na construccedilatildeo do Estado de Bem-estar
Intenccedilocirces histoacutericas Resultados Causas Elementos subjacentes
Pri
mei
ro C
iclo
Accedilacirco 1 Regime de
Restauraccedilatildeo (18751923)
- Democracia censitaacuteria e limitada em suas primeiras etapas
- Sistema conveniado ldquode turnosrdquo (pessoas astutas) no Governo (com caciquismos e corrupccedilocirces poliacuteticas desprestiacutegio dos poliacuteticos etc)
- Debilidade socioloacutegica da classe burguesa para fazer ldquosua revoluccedilacircordquo e ausecircncia de uma autecircntica vontade democratizadora
- Predomiacutenio do poder militar (conectado ao poder oligaacuterquico sobre o poder civil debilidade da burguesia modernizadora e ausecircncia de un projeto integrador entre os secores populares)
Reaccedilacirco - Ditadura do General
Primo de Rivera (1923-1930)
- Ditadura do General Berenguer (1930-1931)
- Repressacirco - Processo de industrializaccedilatildeo nas
deacutecadas de 1910 e 1920 - Isolamento - Crise poliacutetica econocircmica e social
Seg
undo
Cic
lo
Acccedilacirco 1 II Repuacuteblica (1931-
1936)
- Democratizaccedilatildeo e universalizaccedilatildeo do sufraacutegio (direito de votar)
- Intento de modernizaccedilatildeo - Progressiva dualizaccedilatildeo social e
poliacutetica
- Fracasso de uma alianccedila ldquoreformistardquo entre as classes meacutedias e a classe trabalhadora
Reaccedilacirco - Guerra civil (1936-
1939) - Ditadura do General
Franco (1939-1975) - Goverrno continuista
de Arias Navarro (1975-1976)
- Repressacirco - Isolamento internacional - Processo de industrializaccedilatildeo
limitado durante os finais dos anos sesenta
- Desarticulaccedilatildeo social e poliacutetica - Crise poliacutetica econocircmica e social
Ter
cero
Cic
lo
Accedilatildeo Transiccedilatildeo democraacutetica 1ordf fase Governos de UCD (SuaacuterezCalvo Sotelo) (1976-1982)
- Consenso democraacutetico (Constitucioacuten de 1978)
- Falta de impulso econocircmico poliacutetico e social
- Intentona golpista do 23-F - Crise de UCD
- Crise moral social y poliacutetica (carecircncia de projeto) da burguesia e as classes meacutedias (desarticulaccedilatildeo da direita)
- Predomiacutenio do poder civil mal grado de articulaccedilatildeo social
- Deslizamento ateacute uma polarizaccedilatildeo poliacutetica
2ordf fase Governos PSOE (1982-1996)
Reaccedilatildeo A ruptura do consenso poliacutetico
- Hegemonia socialista estabilizaccedilatildeo democraacutetica
- Saneamento econocircmico e posterior crescimento com altos e baixos
- Desenvolvimento autocircnomo - Incorporaccedilatildeo agrave Europa - Modernizaccedilatildeo social - Poliacuteticas Socias
- Pacto social pela modernizaccedilatildeo (classes trabalhadoras e classes meacutedias)
3ordf fase Governos do PP (1996-2004)
- Convergecircncia econocircmica com os paiacuteses da Uniacirco Europeacuteia
- Incorporaccedilatildeo ao Euro - Dualizaccedilatildeo na poliacutetica
internacional - Clima de irritaccedilatildeotensacirco
- Crise del PSOE e bipolarizaccedilatildeo poliacutetica
- Crise de diaacutelogo social
- Recuperaccedilatildeo do PSOE
- Maior presenccedila e peso nos cenaacuterios internacionais
- Tensocirces trabalhistas - Tensocirces naionalistas e
questionamento do marco constitucional
Fonte Manuel Herrera Goacutemez amp Antocircnio Requeno et alii Madri 2004 p 238
239
Por fim este estudo elegeu a Regiatildeo de Aragoacuten uma das Comunidades
Autocircnomas da Espanha para uma observaccedilatildeo in loco sobre o desenvolvimento de seaos
serviccedilos sociais e agrave assistecircncia social em geral A opccedilatildeo pela Regiatildeo de Aragoacuten como
locus investigativo de programas operacionais das poliacuteticas de bem-estar se deu por
sua representatividade cultural demograacutefica e pelo quadro de demandas sociais
apresentado Foram realizadas visitas a Casas de Acolhida (Casas de Acogida) que se
caracterizam como Unidades de Atendimento direto aos segmentos da poliacutetica de
assistecircncia social (idosos crianccedilas e adolescentes mulheres e pessoas portadoras de
necessidades especiais) previamente agendadas com os respectivos coordenadores
Destaca-se a visita agrave Casa de Acogida denominada Residencia y Centro de Dia
Ramareda destinada ao atendimento a idosos Nessa Unidade a atenccedilatildeo esteve voltada
para aspectos considerados relevantes tais como nuacutemeros de internos e usuaacuterios custo
de funcionamento por vagas meacutedia de idade (homem e mulher) pensatildeo miacutenima
contributiva condicionalidades e contrapartidas financeiras dos pensionistas
aposentados pensatildeo natildeo contributiva tipos de habitaccedilotildees pagamento dos
internosmecircs pagamento dos usuaacuterios do Centro de dia e outros
Outras Unidades da Administraccedilatildeo Regional visitadas confirmaram a relativa
autonomia do poder local eou regional apresentado pelo Instituto Aragoacuteneacutes de Servicios
Sociales-IASSGobierno de Aragoacuten (Normativas Regionales y Locales Guias de
Recursos Sociales de la Regioacuten de Aragoacuten Leys de Accioacuten social (1987) Insercioacuten y
normatizacioacuten social (1993) Presupuestos (1993) Decreto de miacutenimos (1992) como
tambeacutem por outros Oacutergatildeos Puacuteblicos tais como Departamento de Sanidad Consumo y
Bienestar SocialGobierno de Aragoacuten Departamento de Servicios Sociales y Familia
(Recursos Financeros Cobertura de Plazas Centros y Residencias Poblaciones
empadronadase outros)
Para Alonso Seco e Gonzalo Gonzaacutelez (2000 p 467) qualquer conclusatildeo a
que se chegue sobre as comunidades autocircnomas espanholas precisa ser formulada com
cautela em razatildeo da imprecisatildeo terminoloacutegica e conceitual existente sobre as mesmas e
sobre a diversidade de conteuacutedos apresentados ao definirem criteacuterios destinados ao
financiamento do ingresso de inserccedilatildeo eou prestaccedilatildeo econocircmica Contudo quando a
renda econocircmica de inserccedilatildeo se encontra regulada em lei a questatildeo torna-se menos
problemaacutetica do ponto de vista formal No entanto a exigecircncia dessa regulaccedilatildeo natildeo
impede a existecircncia de discordacircncias sobre os criteacuterios para concessatildeo da renda miacutenima
240
entre o que determinam a Lei Geral Orccedilamentaacuteria da Comunidade Autocircnoma (CCAA) a
Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo e ainda as Leis de Serviccedilos Sociais eou de Accedilatildeo Social
Um outro aspecto ressaltado por esses autores eacute que os ordenamentos autocircnomos ao
repassarem um benefiacutecio social na forma de uma prestaccedilatildeo de natureza puacuteblica natildeo tecircm
a intenccedilatildeo de substituir a tradicional obrigaccedilatildeo privada que tecircm a famiacutelia de atender aos
seus familiares ascendentes e descendentes
Ao realizarem um estudo sobre a realidade de cada Comunidade Seco e
Gonzaacutelez (2000 p 469) destacam algumas perticularidedes sobre a Comunidade de
Aragoacuten onde existe uma regulaccedilatildeo legal poreacutem natildeo suficientemente extensa e
regulamentada tanto em relaccedilatildeo aos tipos de prestaccedilatildeo agraves condiccedilotildees de acesso quanto
aos requisitos e aos procedimentos de concessatildeo o que impede na visatildeo desses autores
uma atuaccedilatildeo mais autocircnoma por parte da Aministraccedilatildeo Regional A Lei de Orccedilamentos
da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten homologada em dezembro de 1999 (artigo 41)
ao regular o Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo apresenta as seguintes caracteriacutesticas em
relaccedilatildeo aos benefiacutecios e serviccedilos sociais caraacuteter pessoal e intransferiacutevel (que se outorga
agrave prestaccedilatildeo econocircmica) caraacuteter subsidiaacuterio e complementar dos benefiacutecios (artigo 16) e
a exigecircncia de que qualquer alteraccedilatildeo proposta sobre o valor da prestaccedilatildeo econocircmica
deveraacute realizar-se mediante a observacircncia dos criteacuterios de regulaccedilatildeo contidos na Lei
Geral de Orccedilamentos da referida Comunidade Essa medida demonstra interesse do
governo central em manter coerecircncia com a pretensatildeo dos legisladores Contudo natildeo tem
forccedila poliacutetica para neutralizar as discordacircncias entre as duas esfersas de governo Aleacutem
das caracteriacutesticas apresentadas a Lei de Orccedilamentos da Comunidade de Aragoacuten
contempla a exigecircncia de empadronamiento (registro de moradia mediante
recensiamento) e a comprovaccedilatildeo de residecircncia do transeute eou estrangeiro no paiacutes por
um periacuteodo preacutevio de um ano
Como exemplo das frequumlentes discordacircncias existentes sobre os criteacuterios de
concessatildeo da renda miacutenima entre as distintass legislaccedilotildees ( Lei Geral Orccedilamentaacuteria da
Comunidade Autocircnoma (CCAA) Lei de Ingresso de Inserccedilatildeo eou Leis de Serviccedilos
Sociais eou de Accedilatildeo Social) a uacuteltima exigecircncia feita pela Lei de Orccedilamentos da
Comunidade de Aragoacuten estaacute em discordacircncia com a Lei de Serviccedilos Sociais de Aragoacuten
pois essa lei determina genericamente que os transeuntesestrangeiros pobres satildeo
beneficiaacuterios titulares incondicionalmente ( portanto sem condicionalidade restritiva)
do direito agraves prestaccedilotildees econocircmicas previstas na referida Lei natildeo tendo portanto a
241
exigecircncia de registro (empadronamiento) nem a comprovaccedilatildeo de residecircncia preacutevia de
um ano A idade maacutexima exigida ao titular da unidade familiar como requerente da
prestaccedilatildeo assistencial se situa entre vinte e cinco e sessenta e cinco anos admitindo-se
tambeacutem menores de vinte e cinco anos eou maiores de sessenta e cinco quando esses
cidadatildeos apresentam um hogar familiar eou tecircm filhos menores eou pessoas que
portam alguma deficiecircncia que os deixa em situccedilatildeo de dependecircncia O limite da idade de
sessenta e cinco anos para receber a renda miacutenima eacute justificado por sua finalidade de
reinserccedilatildeo soacutecio-laboral e pelo fato de ser esta idade (65 anos) a idade estabelecida
como teto para todos os cidadatildeos adquirirem o direito de receberem as prestaccedilotildees natildeo-
contributivas de aposentadoria puacuteblica eou de incapacidade permanente
Em siacutenyese a Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten desenvolve um programa de
renda miacutenima de inserccedilatildeo caracterizado como sendo de ajudas assistenciais
complementares e regulamentadas conforme demonstra a tabela a seguir referente ao
nuacutemero de beneficiaacuterios e aos recursos financeiros (gasto anual em euros) repassados no
ano de 2004 agraves regiotildees de Huesca Zaragoza e Teruel que compotildeem a Comunidade
Autocircnoma de Aragoacuten com destaque para a Regiatildeo de Zaragoza tanto em relaccedilatildeo ao
montante de recursos financeiros como ao nuacutemero de beneficiaacuterios
Tabela 20 Recurso Aragoacutenecircs de inserccedilatildeo social em Aragoacuten ano 2004 ndash Renda Miacutenima
Huesca Teruel Zaragoza Aragoacuten
Beneficiaacuterios 219 78 1406 1703
Beneficiaacuterios por 10000 habitantes 104 56 160 138
Valor meacutedio anual (em euros) 1864 1810 1931 1917
Gasto anual (em euros) 4082 1412 27147 32641
Fonte Pesquisa Contiacutenua de Orccedilamentos Familiares Instituto Nacional de Estatiacutestica 2004 Fonte Anuaacuterio Social-A Caixa-para Espanha e CCAA 2004 Dados para Aragoacuten Serviccedilo de Planejamento Coordenaccedilatildeo e Assuntos Juriacutedicos Secretaria Geral Teacutecnica Departamento de Serviccedilos Sociais e Famiacutelia
Importante destacar sobre esse programa espanhol especiacutefico que na Lei
reguladora do Ingreso Aragonecircs de Inserccedilatildeo com base em seu regulamento diz-se que
sua concessatildeo teraacute lugar a fundo perdido expressatildeo que em linguagem usual
assemelha-se agrave ideacuteia de subvenccedilatildeo social do Estado ou seja em sentido estrito
significa que o beneficiaacuterio natildeo estaacute obrigado a restituir o beneficio recebido o que
constitui uma contratendecircncia incipiente agrave tendecircncia pouco institucionalizada da
assistecircncia social espanhola Esta caracteriacutestica eacute a mais comum das prestaccedilotildees
econocircmicas utilizadas no acircmbito da assistecircncia social entre as Comunuidades
242
Autocircnomas-CCAA na Espanha a qual exige uma inserccedilatildeo legal suficientemente
regulamentada Em setembro de 2005 periacuteodo de realizaccedilatildeo da pesquisa desenvolvida
por esta tese o valor mensal correspondente ao referido Ingresso Aragonecircs de Inserccedilatildeo
estava fixado em trezentos e vinte e quatro euros (em torno de R$ 97200 reais
cacircmbiodia) com efeito retroativo a janeiro de 2005 Comparativamente o valor da
prestaccedilatildeo econocircmica fixado como renda miacutenima pela Comunidade Autocircnoma de
Aragoacuten eacute significativamente superide renda miacutenima unificado brasileiro Bolsa Famiacutelia
(em torno de R$12000 ) no mesmo periacuteodo ateacute mesmo quando comparado ao jaacute
citado valor atual do salaacuterio miacutenimo do paiacutes em vigecircncia Em Aragoacuten o pagamento
das referidas subvenccedilotildees fica a cargo dos programas e oacutergatildeos que gestionam os
creacuteditos em mateacuteria de sauacutede e de bem-estar com base na dotaccedilatildeo orccedilamentaacuteria de seus
organismos autocircnomos (Diputacioacuten General de Aragoacuten Comunidad Autoacutenoma de
AragonTesoreriacutea y Patrimocircnio) Curioso observar que agrave mesma ocasiatildeo enquanto o
salaacuterio miacutenimo espanhol destinado aos profissionais estava fixado em torno de 680
euros (R$204000 reais em valores aproximados) o salaacuterio miacutenimo brasileiro estava
calculado em R$32000
As Leis Orccedilamentaacuterias da Comunidade Autocircnoma da Regiatildeo de Aragoacuten
consideram ampliaacuteveis os creacuteditos destinados a financiar o chamado ingresso Aragoacutenecircs
de Inserccedilatildeo (Lei de 1998 de Orccedilamentos Gerais da Comunidade Autocircnoma de Aragoacuten
para 1999 Artigo 41) Nesse caso a modificaccedilatildeo da quantia da prestaccedilatildeo somente
podereaacute realizar-se mediante aprovaccedilatildeo da Lei Orccedilamentaacuteria natildeo podendo ficar abaixo
do Orccedilamento Geral previsto pela administraccedilatildeo local eou regional Sendo assim
apesar de seu valor financeiro ser superior ao do benefiacutecio brasileiro entende-se que o
caraacuteter pessoal intransferiacutevel subsidiaacuterio e complementar que se outorga agrave prestaccedilatildeo
econocircmica a aproxima mais da categoria dos chamados direitos de personalidade
(direitos civis) do que propriamente de um bem puacuteblico comum eou de um benefiacutecio
social com status de direito social entendido como instrumento justificador da
atividade intervencionista do Estado social na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas
como resposta agraves necessifdades baacutesicas da populaccedilatildeo
243
75 A experiecircncia da Itaacutelia
Somente a partir da segunda metade dos anos 1990 temas considerados
marginais como pobreza e exclusatildeo social despetaram interesse e passaram a compor a
agenda dos governos e os debates poliacuteticos na Itaacutelia Atores poliacuteticos e agentes sociais
fizeram um diagnoacutestico da assistecircncia social italiana e indicaram como principais
problemas nesse campo a) alta fragmentaccedilatildeo das accedilotildees assistenciais b) preferecircncia por
programas de transferecircncia monetaacuteria (renda miacutenima) em substituiccedilatildeo aos serviccedilos sociais
c) marcada diferenciaccedilatildeo territorial (Norte e Sul) d) ausecircncia de uma malha de seguridade
social como uma uacuteltima rede de proteccedilatildeo social As pensotildees por invalidez ainda hoje
requerem uma biografia trabalhista de no miacutenimo 5 anos Segundo avaliaccedilatildeo de Ferrera
(1996 apud MORENO 2000) ateacute 1984 as pensotildees por invalidez foram operadas na Itaacutelia
como rendas miacutenimas transformando-se em algumas Regiotildees como moedas de troca nas
relaccedilotildees clientelistas entre poliacuteticos e eleitores
Durante anos a concentraccedilatildeo de recursos em prestaccedilotildees de caraacuteter contributivo
(eou categoacuterico) gerou vazios na malha de seguridade social italiana voltada para pessoas
de renda baixa Esta situaccedilatildeo comeccedilou a mudar na metade dos anos 1990 Ateacute 1998 os
residentes em alguns municiacutepios incluiacutedos no Programa Experimental natildeo tinham acesso a
nenhuma forma de ajuda econocircmica de natureza puacuteblica nem mesmo em caso de aguda
situaccedilatildeo de necessidade
Em 1997 a competecircncia da assistecircncia social foi descentralizada para os
governos regionais e locais Agrave administraccedilatildeo central competia a definiccedilatildeo das grandes
diretrizes reguladas por uma Lei maior que soacute foi promulgada no ano de 2000 Contudo
durante esse periacuteodo (1998 a 2002) as leis regionais italianas promoveram uma grande
discriminaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos municiacutepios A partir daiacute algumas minicipalidades tomaram a
iniciativa de implementar programas de renda miacutenima de caraacuteter local introduzindo uma
prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo de recursos que ficou conhecida inicialmente como renta
miacutenimo vitale
No acircmbito nacional a assistecircncia social italiana atende a categorias especiacuteficas
tais como velhice e incapacidades diversas No entanto os programas assistenciais
italianos tecircm apresentado um papel bastante modesto a exemplo da destinaccedilatildeo de apenas
64 do total do gasto social nacional no ano 2000 As accedilotildees da assistecircncia social incluem
a) pensotildees por invalidez (pensione di inbilitaacute civile) as quais se caracterizam como
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prestaccedilotildees natildeo-contributivas compatiacuteveis com a atividade trabalhista e sujeitas a uma
estrita comprovaccedilatildeo de recursos e renda pelo beneficiaacuterio b) pensatildeo social que se refere a
um subsiacutedio miacutenimo concedido mediante preacutevia comprovaccedilatildeo de recursos destinados
agravequeles cidadatildeos maiores de 65 anos que natildeo adquiriram ao longo da vida o direito a uma
pensatildeo contributiva A partir da Reforma de 1995 o novo regime ampliou os niacuteveis de
cobertura passando a incluir tambeacutem as pesssoas com parcos recursos ou com
contribuiccedilotildees insuficientes c) subsiacutedio de cuidados (indennitagrave) dirigido agravequelas pessoas
que necessitam de atenccedilatildeo permanente por natildeo serem autocircnomas Este subsiacutedio eacute
condicionado agrave realizaccedilatildeo de uma consulta meacutedica mas natildeo agrave comprovaccedilatildeo de recursos
Com o passar do tempo foi se consolidando como uma fonte de ajuda aos coletivos de
anciatildeos mais necessitados pois em geral na Itaacutelia os grupos de renda baixa satildeo
potencialmente elegiacuteveis para diversos subsiacutedios sociais natildeo-contributivos Eacute o caso do
subsiacutedio familiar (nucleo familiare) que se refere a uma prestaccedilatildeo sujeita agrave comprovaccedilatildeo
de recursos para assalariados ativos ou aposentados com responsabilidade familiar O
niacutevel deste benefiacutecio estaacute diretamente relacionado agraves dimensotildees da famiacutelia e eacute
inversamente proporcional agrave renda familiar Os complementos de pensotildees (integrazioni al
miacutenimo) satildeo concedidos aos que percebem prestaccedilotildees abaixo do miacutenimo legalmente
estabelecido e requerem uma biografia trabalhista contributiva de no miacutenimo 15 anos dos
solicitantes que tambeacutem satildeo sujeitos agrave comprovaccedilatildeo de necessidade
Em 1997 o Informe Onofri propocircs uma foacutermula na qual se basearam e
continuam sendo baseadas as sucessivas reformas da assistecircncia social na Itaacutelia Em
siacutentese esse Informe enfatizou a necessidade de se promulgar uma Lei nacional de
assistecircncia social e de se introduzir um programa de renda miacutenima natildeo contributivo eou
natildeo categoacuterico Recomendou tambeacutem a eliminaccedilatildeo de alguns programas assistenciais e o
estabelecimento de mecanismos para determinar a situaccedilatildeo econocircmica dos demandantes de
tais programas Assim foram levadas a cabo algumas inovaccedilotildees significativas mediante a
criaccedilatildeo de um conjunto de regras para avaliar as solicitaccedilotildees sujeitas agrave comprovaccedilatildeo de
recursos Foi introduzido a partir de 1998 o Indicador da Situaccedilatildeo Econocircmica (ISA)
(Indicatore della Situazione Econocircmica (ISA) aplicado para subsidiar famiacutelias numerosas
(com 3 ou mais filhos) e a maternidade
No ano de 2000 uma nova Lei nordm328 produziu reformas significativas no
contexto institucional da assistecircncia social italiana Foram estabelecidas as condiccedilotildees
ecriteacuterios de acesso aos benefiacutecios as linhas gerais de atuaccedilatildeo e os princiacutepios de
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descentralizaccedilatildeo e solidariedade assim como as diretrizes gerais para as atuaccedilotildees
administrativas A experiecircncia das rendas miacutenimas na Itaacutelia comeccedilou de fato em 1998 A
Renda Miacutenima de Inserccedilatildeo-RMI (Reddito Miacutenimo di Inserimento (RMI))) inclui um
componente monetaacuterio e outro de ativaccedilatildeo (MORENO 2000) O direito agrave ajuda econocircmica
eacute condicionado agrave participaccedilatildeo em programas de inserccedilatildeo trabalhista e social sendo que o
niacutevel dessa ajuda fica determinado e eacute calculado pela diferenccedila entre o recurso miacutenimo
garantido ajustado agraves dimensotildees da famiacutelia e os recursos de que dispotildee o beneficiaacuterio
Na Itaacutelia a maior parte dos benefiacuteciaacuterios reside na Regiatildeo Sul A Lei orccedilamentaacuteria
de 2001 prorrogou a vigecircncia do chamado Programa piloto elaborado em caraacuteter experimental
por dois anos e elevou o nuacutemero de municiacutepios elegiacuteveis para um total de 306 Ao final de 2003
o governo italiano natildeo se dispunha a prorrogar a vigecircncia dos fundos para a continuaccedilatildeo do
experimento do RMI O informe de avaliaccedilatildeo da primeira fase do Programa piloto destacou
aspectos positivos do RMI italiano visto que com ele se rompeu com uma larga tradiccedilatildeo de
atuaccedilotildees contributivas demonstrando sua eficaacutecia como poliacutetica contra a pobreza Outro aspecto
avaliado positivamente refere-se agraves novas accedilotildees de inserccedilatildeo e de revitalizaccedilatildeo social dos
beneficiaacuterios a exemplo das condicionalidades e medidas tomadas contra o abandono escolar
Tambeacutem se produziu uma otimizaccedilatildeo administrativa com a definiccedilatildeo de novas
responsabilidades diretas na gestatildeo dos programas
Em relaccedilatildeo aos aspectos menos destacados eou negativos as criacuteticas recaiacuteram
sobre a dificuldade de fazer face agraves pressotildees locais no sentido de se definir novos criteacuterios
de seleccedilatildeo dos beneficiaacuterios ou de se dotar o programa de um caraacuteter diferenciado do
benefiacutecio assistencial do passado61 Em 2001 o informe de avaliaccedilatildeo realizou uma
estimativa do custo do RMI em acircmbito nacional no valor de 22 a 30 milhotildees de Euros o
que correspondeu em torno de 018 a 024 do PIB nacional Em relaccedilatildeo aos padrotildees
anteriores as cifras foram consideradas altas mas de forma alguma suficientes quando
comparadas agraves necessidades da populaccedilatildeo e a outras poliacuteticas de bem-estar
Ademais haacute o risco de uma sobrecarga funcional transformar um programa
como o RMI com caracteriacutesticas de uacuteltima instacircncia em um programa que passa a
significar a uacutenica opccedilatildeo disponiacutevelrdquo dos cidadatildeos para se obter um miacutenimo de recursos em
caso de necessidade o que na opiniatildeo desta tese tem muito a ver com o Brasil
61 Na avaliaccedilatildeo de Moreno (2000) um estudioso de rendas miacutenimas da Regiatildeo Sul da Europa em especial da Itaacutelia os contiacutenuos obstaacuteculos parecem bloquear a implantaccedilatildeo nesse paiacutes do Programa de Renda Miacutenima (RMI) tais como fraacutegeis capacidades administrativas locais e peculiares condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas do sul italiano o que destoa a seu ver de outros programas similares em que o RMI eacute exigente quanto agrave capacidade administrativo- institucional e quanto agraves habilidades gerenciais
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Moreno (2000) avalia ainda que a localizaccedilatildeo institucional mais apropriada
para o RMI italiano deveria ser o niacutevel baacutesico dos programas de transferecircncias monetaacuterias
ou seja destinados aos desempregados e agraves famiacutelias com filhos eou a outros dependentes
sob sua responsabilidade Da mesma forma o mesmo autor acredita que o correto
funcionamento da funccedilatildeo de inserccedilatildeo deste Programa requer um sistema articulado de
poliacuteticas ativas para o mercado de trabalho e de serviccedilos sociais de apoio agraves famiacutelias Mas
o Plano de Accedilatildeo Nacional Para a Inclusatildeo de 2001 natildeo demonstra de forma clara como o
RMI italiano deveraacute ser redesenhado em seus objetivos concretos
Na verdade os uacuteltimos governos de centro direita natildeo tecircm se mostrado
dispostos agrave generalizaccedilatildeo de programas de RMI em toda a Itaacutelia O governo Berlusconi
deixou que as regiotildees decidissem sobre esse assunto abstendo-se de estabelecer diretrizes
nacionais ou de comprometer-se com a facilitaccedilatildeo de recursos financeiros em que pese o
Pacto de Itaacutelia assinado no veratildeo de 2002 prever a implantaccedilatildeo de uma renda de uacuteltima
instacircncia como parte importante de uma ampla reforma do sistema de proteccedilatildeo social que
tudo indica natildeo foi levado a cabo
76 A experiecircncia de Portugal
Portugal integrou-se agrave Comunidade Europeacuteia em 1986 pondo fim a um longo
periacuteodo de atrasos Ateacute meados dos anos 1980 pesquisas revelam que natildeo existia nenhuma
cobertura social universal nem mesmo um sistema puacuteblico de sauacutede portuguecircs O Estado
assume um rosto economicamente ruralista e ideologicamente medievel (VIEGAS apud
RODRIGUES STOER 1993 p 23) pondo restriccedilatildeo agrave industrializaccedilatildeo e procurando eliminar
a participaccedilatildeo da sociedade O Estado reiteram Rodrigues e Stoer (1993) delega agrave Igreja
Catoacutelica que constituiacutea um elo entre a sociedade civil e o poder puacuteblico as funccedilotildees de
provisatildeo social ldquoA Repuacuteblica corporativa portuguesa que se instituiu considerava a famiacutelia a
ceacutelula da sociedade e a fonte de conservaccedilatildeo e desenvolvimento da raccedila como base primeira
da educaccedilatildeo da disciplina da harmonia social e o fundamento de toda ordem poliacuteticardquo
(VIEGAS apud RODRIGUES STOER 1993 p 23) Assim apesar de a revoluccedilatildeo
democraacutetica de 1974 ter se constituiacutedo um processo de ruptura com o regime ditatorial e
possibilitado a criaccedilatildeo pela primeira vez de oacutergatildeos autaacuterquicos eleitos por sufraacutegio universal e
direto - dando forccedila ao poder local - recursos limitados impediram a implementaccedilatildeo eficiente
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de poliacuteticas puacuteblicas Em consequumlecircncia as accedilotildees de combate agrave pobreza foram escassas e a
assistecircncia social portuguesa permaneceu marginal e fragmentada
Em 1984 a proteccedilatildeo social de Portugal reorganizou-se O governo socialista
que se formou depois das eleiccedilotildees introduziu experimentalmente o rendimento miacutenimo
garantido (RMG) em 1996 e extendeu sua cobertura nacional a partir de 1997 O RMG
portuguecircs eacute descrito pela literatura especiacutefica como um contrato que facilita uma ajuda
monetaacuteria como prestaccedilatildeo natildeo contributiva a fim de garantir um padratildeo miacutenimo de vida
ao contraacuterio de um compromisso para participar em um programa de inserccedilatildeo eou de
integraccedilatildeo social
Em 1984 uma lei nacional estabeleceu as bases da seguridade social
(seguranccedila social como eacute chamada) com base nas diretrizes constitucionais O regime
geral passou a proporcionar as prestaccedilotildees contributivas aos trabalhadores e suas famiacutelias
enquanto o regime natildeo contributivo e a assistecircncia social se ocupavam das intervenccedilotildees
natildeo incluiacutedas no regime contributivo
Portugal recebeu um grande impulso com sua participaccedilatildeo no II Programa
Europeu Contra a Pobreza o qual favoreceu os projetos de intervenccedilatildeo e de investigaccedilatildeo
orientados para grupos especiacuteficos (MORENO et alii 2003) A ecircnfase dada agrave
participaccedilatildeo social fortaleceu o desenvolvimento da autonomia das autarquias locais que
segundo Rodrigues e Stoer (idem) foi decisivamente mais forte do que em qualquer
outro paiacutes europeu Mas como dizem os proacuteprios autores isso natildeo foi suficiente para
garantir de fato um poder local Posteriormente a poliacutetica contra a pobreza em Portugal
se apoiou em maior medida no chamado enfoque territorial integrado Em 2000 quando
a legislaccedilatildeo sobre a seguridade social foi revisada o niacutevel de composiccedilatildeo do gasto social
protuguecircs se aproximava da meacutedia europeacuteia A nova lei tinha como objetivo elevar as
prestaccedilotildees mediante o reforccedilo do fundo para as pensotildees puacuteblicas e a inclusatildeo no
orccedilamento nacional dos gastos da assistecircncia social A Lei pretendia ativar natildeo soacute os
indiviacuteduos mas tambeacutem as instituiccedilotildees pois defendia um enfoque individualizado e
orientado agraves condiccedilotildees dos cidadatildeos e suas necessidades Indiscutivelmente o progrma
de renda miacutenima portuguecircs (rendimento miacutenimo garantido (RMG)) converteu-se no
emblema da nova geraccedilatildeo de poliacuteticas sociais O tema da pobreza ocupou um lugar de
destaque na agenda poliacutetica do governo
O caraacuteter inovador do RMG portuguecircs estaacute no fato de a oferta de assistecircncia
econocircmica ter se combinado com a participaccedilatildeo em uma seacuterie de atividades de inserccedilatildeo