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IMPRESSÃO DIGITAL DO BRASIL GRÁFICA E EDITORA Gilvano Amorim 1º Edição Valinhos 2012 As aventuras do Semeador Viajante e seu Trator Atômico

As Aventuras Do Semeador Viajante e Seu Trator Atômico

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Livro infantil

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Page 1: As Aventuras Do Semeador Viajante e Seu Trator Atômico

IMPRESSÃO DIGITAL DO BRASILGRÁFICA E EDITORA

Gilvano Amorim

1º Edição

Valinhos2012

As aventuras do Semeador Viajantee seu Trator Atômico

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AutorGilvano Amorim

Impressão e Acabamento

Impressão Digital do Brasil Gráfica e Editora LTDA.

Impressão Digital do Brasil ‐ Gráfica e Editora

Rua: Ribeirão Branco. 560 ‐ Jd. do Trevo

Campinas ‐ SP | Cep: 13030‐117

e‐mail: [email protected]

www.idbdigital.com.br

(019) 3272‐0386

Amorim Gilvano ‐ As aventuras do Semeador Viajantee seu Trator Atômico

Valinhos, São Paulo 2012

130 páginas, 148x210 mmISBN: 978‐85‐89233‐30‐9

Arte capaGilvano Amorim

RevisãoNoemi Lucília Soares Ferreira

Todos os direitos desta obra são reservados ao autor.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida por quaisquer meios sem prévia autorização do autor. Permite‐se breve citações, desde que se indique a fonte.

Os infratores serão processados na forma da lei.

Copyright c

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Um livro de histórias infantis é como uma janela

aberta de onde não há idade para se encantar com

a vista da paisagem.

Gilvano Amorim

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Apresentação:

Meu amiguinho, minha amiguinha, este livro foi

escrito especialmente para você. Um dos hábitos

mais importantes que uma criança deve adquirir é o

da leitura. Gostar de ler vai te ajudar a vida toda.

Quando se trata de ler histórias divertidas e cheias

de aventuras, melhor ainda!

Nossa história foi contada pela primeira vez por

Jesus e o que nós fizemos foi soltar a imaginação

para criar lugares, personagens e cenas, sem

distorcer o que Jesus quis nos ensinar.

Vamos juntos nos divertir e emocionar muito nas

páginas do “As Aventuras do Semeador Viajante e

Seu Trator Atômico”. Você está pronto? Então, vire

a página e agora mesmo entre no mundo encantado

do Semeador Viajante!

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Dedicatória:

Dedico este livrinho a meu Deus, regente supremo do universo; A Jesus, que contou pela primeira vez o original desta história; À minha amada Ana Consuelo Martins Lopes Olivei-ra, minha esposa, companheira inseparável das agruras e das bonanças; Às minhas preciosas filhas, Juliane, Giovana e Ana Ruth, bênçãos de Deus; Ao meu pai, Osdisson Amorim Oliveira, meu maior exemplo de vida; À minha mãe, Maria Conceição Oliveira, minha incansável intercessora; Aos meus sogros, Pastor Olney e D. Carmem, verdadeiros pais; À minha família, irmãos, cunhados, sobrinhos, tios e primos, maior tesouro; À memória do saudoso cunhado, o querido Olney Jr; À professora Iracema Bianchi Perez, pelo ensino das primeiras letras; À grande congregação dos primogênitos, primícias do Reino; Aos meus apoiadores, que acreditaram nesta empreitada, meu muito obrigado!

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Prefácio

Foi tão bom ler os originais de “As aventuras do

Semeador viajante e seu trator atômico”!

O livro foi escrito pelo meu genro. Tenho muita

admiração por ele. Inteligente, criativo e muito

inspirado ao escrever as peças que são apresentadas

no teatro do ministério com crianças de nossa

Igreja, a Memorial de Americana.

O autor cria uma história inspirada numa parábola

contada por Jesus Cristo: a história do semeador. É

muito interessante saber o que pode acontecer,

dependendo do tipo do coração das pessoas.

Gilvano me convidou para escrever este Prefácio.

Mas o que é prefácio?

É começar, é iniciar o livro.

Portanto, agradeço ao meu genro querido, pelo

privilégio de iniciar este primeiro livro de sua

autoria.

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Meu desejo é que outros livros sejam escritos por

ele. Poderão ajudar muitas vidas e também igrejas,

no trabalho com crianças. Este é um ministério tão

importante!

Você que vai ler esta fascinante história, esteja bem

preparado para andar com um cientista muito

inteligente e capaz de fazer tudo pelas pessoas e

pelas situações de necessidade. É muito legal esta

história!

Vamos, então, começar a andar bem juntinho do

cientista, o Dr. Jesuíno? Vamos fazer como Davizi-

nho, o menino que subiu no trator atômico do

cientista e o acompanhou na despedida em busca

do “Campo dos Desesperados”?

Boa leitura. Haja coração para acompanhar essa

aventura!

Pr. Olney Basílio Silveira Lopes Julho de 2012

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Sobre o autor:

Gilvano Amorim Oliveira, natural de Goiânia, é

médico formado pela Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Goiás. Especializado em

oftalmologia pelo Instituto de Oftalmologia Tadeu

Cvintal em São Paulo, atua profissionalmente na

Cidade de Valinhos. É aluno do Curso de Graduação

em Teologia pela Universidade Metodista de São

Paulo. Já exerceu funções de diácono e professor de

Escola Bíblica Dominical – EBD. Atualmente é

membro da Igreja Batista Memorial de Americana,

onde lidera um grupo de teatro voltado para

crianças. É autor de blogs na internet, ensaios e de

peças teatrais, a grande maioria voltada para o

público infantil. Gilvano é casado com Ana Consuelo

Martins Lopes Oliveira e tem três filhas, Juliane,

Giovana e Ana Ruth.

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Capítulo 1

Há muito tempo, muito tempo atrás, num país distante, havia um homem muito, mas muito inteligente. Seu nome era Jesuíno. Ele trabalhava em um laboratório com máquinas estranhas, luzes piscantes e tubos de ensaio cheios de substâncias fumegantes e explosivas. Quem olhasse para o cientista não poderia fazer ideia de sua inteligência, nem de quantas coisas ele já havia inventado.

Meio baixinho, trazia sempre os cabelos mal penteados, fazendo sua cabeça se parecer com um cata-vento. Os óculos de lentes grossas escondiam dois olhinhos muito espertos, sempre em busca de alguma novidade. O avental branco estava sempre manchado com os líquidos das experiências de laboratório. Ele já havia inventado as mais fascinan-tes coisas que usamos hoje em dia.

Cansado de ver as pessoas queimarem seus dedos em lamparinas a querosene, nosso herói inventou a lâmpada elétrica. Com pena de ver as pessoas escreverem livros à mão, criou as modernas máquinas tipográficas que hoje permitem imprimir livros bem rapidinho, em minutos.

Depois de ele mesmo tomar muita chuva li-gando para sua mãe de um telefone público que ficava na esquina de sua casa, resolveu criar o

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telefone celular. Até os modernos computadores foram desenvolvidos a partir de projeto do laborató-rio dele. Cientistas do mundo todo iam até o labora-tório do doutor Jesuíno para se aconselharem com ele. Jesuíno não descansava enquanto não resolves-se o problema de cada um deles.

Foi assim que alguém pediu um aparelho em que as pessoas pudessem se olhar como se estives-sem umas diante das outras. Aí, Jesuíno criou a televisão. Outro pediu que pudesse ser rápido para se deslocar de um lado para o outro. Então, ele desenvolveu o carro. Outro se queixou dos momen-tos bons e alegres que passam muito rápido, e Jesuíno respondeu com uma máquina fotográfica prontinha.

De tanto observar os pássaros cruzando os céus, Jesuíno inventou o avião. Algumas pessoas foram ao laboratório e se queixaram dos rios e córregos poluídos. Nosso cientista inventou um líquido que, pingado nos rios, limpava as águas que, de tão clarinhas, podiam ser tomadas para matar a sede das pessoas.

Certo dia, alguém bateu à porta do laborató-rio. De início, Jesuíno não deu muita atenção. Parecia a unha de um cachorro na madeira. Apuran-do melhor o ouvido, ele achou que estivesse ouvin-do alguém chamar. Tirando a luva suja de mercúrio

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das experiências, foi caminhando devagar para a porta:

— Quem está aí? — perguntou Jesuíno meio desconfiado.

— Socorro! — respondeu alguém com voz tão fraca, que parecia um sussurro de criança.

Jesuíno correu para abrir a porta.

— Socorro! — gemeu alguém. — Estou com muita fome!

— Eu vou te ajudar! — respondeu o cientista, segurando um homem que estava desmaiando de fome na porta do seu laboratório.

Jesuíno ajudou o homem a entrar no labora-tório. Ele estava tão magrinho! “Deve pesar menos que quarenta quilos”, pensou o cientista enquanto acomodava o homem em um sofá. Jesuíno correu na cozinha do laboratório e fez um gostoso mingau de aveia e o trouxe bem quentinho para o homem. Ele teve de dar o alimento na boca do homem, de tão fraquinho que ele estava.

— Coma tudo — dizia animando ao homem. — Você precisa ficar forte. Depois você vai me contar por que veio aqui ao meu laboratório e por que está tão fraco e com tanta fome.

O homem comeu tudo com uma fome de leão, e logo adormeceu no sofá.

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— Pode dormir — disse o cientista desafive-lando os sapatos do homem. — Durma quanto quiser.

Horas depois, o homem despertou do sono que estava tendo no sofá do laboratório, e tratou logo de procurar o cientista.

— O senhor precisa me ajudar — disse, cutu-cando o ombro do cientista. — Estamos em apuros.

Jesuíno estava acostumado a receber pessoas que precisavam de ajuda. Certamente aquele seria só mais um. Então, meio desanimado e desinteres-sado, o cientista respondeu:

— Está certo, meu rapaz, em que posso aju-dar você?

— Venho de muito longe — respondeu o ho-mem. — Lá em nossa terra, ouvimos falar que o senhor pode resolver qualquer problema!

— Bem, às vezes a gente consegue alguma coisa. Diga-me o que o está preocupando, e a gente pode tentar resolver seu problema.

— Como eu disse, venho de muito longe. Mo-ro no Campo dos Desesperados, e lá estamos enfrentando um problemão.

— Problemão? — indagou Jesuíno.

Sim. Nosso povo está passando fome!

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— Agora entendo por que você chegou aqui desmaiando — respondeu Jesuíno, observando melhor o homem.

— Sim, eu resolvi vir até aqui para pedir so-corro — continuou o visitante. — Acho que o senhor pode ajudar nosso povo.

Jesuíno conhecia bem geografia, e sabia de cor o mapa dos países. Mas nunca tinha ouvido falar em nenhum lugar de nome Campo dos Desespera-dos.

— O senhor precisa nos ajudar — balbuciou o visitante. Se alguma coisa não for feita, todos morrerão!

De repente, o homem parou de falar e vergou o corpo para trás. Jesuíno tentou ajudá-lo, mas não pôde evitar que caísse. O homem morreu ali mesmo no laboratório, para desespero de Jesuíno. Jesuíno ficou desesperado, mesmo! Quem seria aquele homem? Que lugar era aquele chamado Campo dos Desesperados? Em que país ficaria? Seria longe ou perto? Por que nunca havia ouvido falar nele? Foi assim, cheio de perguntas, que Jesuíno tratou logo de fazer uma pesquisa. Queria saber tudo. Procurou o doutor Teodoro, o único médico da cidade, que depois de examinar o homem morto, foi logo dizendo a Jesuíno:

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— Meu amigo, este homem deve ter passado muita fome!

— Por que está dizendo isto, doutor?

— Ele morreu por causa de uma doença cha-mada escorbuto. Essa doença acontece quando as pessoas não se alimentam bem.

Jesuíno pensou logo no que o homem havia dito. Ele falara que outras pessoas poderiam morrer.

— Me diga uma coisa — pediu Jesuíno. — No lugar de onde este homem veio pode haver mais pessoas doentes?

O doutor coçou a careca e respondeu:

— Pode, sim, Jesuíno. Pode haver inclusive crianças adoentadas.

Jesuíno amava as crianças. Pensar que havia um lugar no mundo em que crianças pudessem ficar doentes e até morrer por não terem o que comer deixou Jesuíno desesperado. “Preciso urgentemente encontrar esse lugar, e descobrir por que as pessoas de lá não têm o que comer!”, disse consigo mesmo.

Será que um dia Jesuíno iria mesmo descobrir que lugar era aquele? Será que conseguiria mesmo ajudar?

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Capítulo 2

Naquela manhã, Jesuíno levantou disposto a retomar seus projetos e suas invenções no laborató-rio. Queria esquecer tudo o que havia acontecido. Ninguém sabia mesmo nada a respeito de nenhum Campo dos Desesperados. Ele fora até a escola conversar com o professor de geografia, havia visitado o padre que conhecia todo mundo por ali, e até falara com dona Maricota, uma velhinha que passava o dia inteiro na janela e sabia tudo da vida de todo mundo. Todos diziam a mesma coisa: ninguém vira o tal homem, ninguém jamais ouvira falar em nenhum Campo dos Desesperados.

“O melhor mesmo”, pensou Jesuíno, “é deixar essa história e voltar à vida normal.”

Jesuíno estava tão entretido em seus pensa-mentos, que não percebeu quando Davizinho entrou no laboratório. Davizinho era filho da professora Angélica, que ensinava ciências na escola e amava visitar Jesuíno para ganhar balas e doces, e ouvir histórias das invenções malucas do Jesuíno. Davizi-nho tinha seis anos, mas tinha jeito de gente grande quando conversava.

— Quero desejar boa viagem, seu Jesuíno!

Jesuíno se espantou e respondeu:

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— Como? Não estou de viagem para canto nenhum!

— Como não? — respondeu o esperto meni-no. — Por acaso desistiu de ajudar as pessoas do Campo dos Desesperados? Estou decepcionado!

Jesuíno não queria magoar Davizinho, de jeito nenhum. Assim, foi sem pensar que respondeu:

— Não! Não deixarei de ir, de jeito nenhum!

— Nesse caso, precisa de se apressar! Já pen-sou se alguém do meu tamanho morre de fome como aquele homem?

Jesuíno ficou sem resposta, pensando com horror na possibilidade de haver crianças naquele lugar. O menino aproveitou seu silêncio para conti-nuar:

— Minha mãe disse que aquele homem mor-reu porque não tinha vitamina C no corpo. É por isso que devemos comer verduras e frutas todos os dias.

Mais uma vez, Jesuíno admirou-se daquele menino. Como podia saber tanta coisa? Que tipo de cabecinha era aquela para guardar tanta informa-ção, com apenas seis anos de idade?

— Ah, mas duvido que saiba o nome da doen-ça causada pela falta de vitamina C!

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— Esta é fácil — retrucou Davizinho. — O no-me da doença é escorbuto.

O jeito de falar como que separando as sílabas denunciava a pronúncia didática da mãe ensinando Davizinho, e isso Jesuíno logo percebeu:

— Foi sua mãe quem te ensinou, não foi?

— Claro, seu Jesuíno! Foi minha mãe quem me ensinou isso, mas não desconverse! Estávamos falando de sua viagem. Quando é mesmo que viaja para resolver os problemas do Campo dos Desespe-rados?

— Preciso arrumar algumas coisas antes de viajar, Davizinho. Fique tranquilo que irei e tentarei ajudar as pessoas desse tal de Campo dos Desespe-rados.

— Agora gostei — vibrou entusiasmado o me-nino apresentando a mão aberta para bater contra a palma de Jesuíno. — Esse, sim, é o seu Jesuíno que conheço!

Depois do cumprimento, o menino logo saiu saltitante, atrás de uma brincadeira qualquer com os amigos, enquanto Jesuíno ficou a pensar: Por que não havia dito a verdade a Davizinho? Por que havia prometido ir ajudar o povo do Campo dos Desespe-rados, se não fazia a menor ideia de onde esse lugar ficava? E se este lugar não existisse? Por outro lado,

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e se houvesse mesmo pessoas e, quem sabe, até crianças passando fome? Com a mente fervendo nestes pensamentos, Jesuíno percebeu que teria de fazer alguma coisa. O que precisava fazer?

Os dias se passavam e Jesuíno vivia a maior dúvida de sua vida: ir ou não ir ao Campo dos Desesperados? Qualquer que fosse sua decisão, ele não queria decepcionar o menino Davizinho. Foi pensando assim que, certo dia, Jesuíno se pôs de pé no meio do laboratório e gritou sozinho:

— “Alô, moradores do Campo dos Desespera-dos, não conheço o local onde vocês moram, nem sei como chegar até aí, mas contem comigo! Irei até vocês!”

Agora que a decisão estava tomada, Jesuíno precisava se apressar, pois havia muito o que fazer. “Se passam fome na terra”, pensou alto Jesuíno, “vou precisar de sementes, de um bom trator, de enxadas e tudo mais para ensinar esse povo a plantar e a colher.”

Pensando assim, Jesuíno começou a constru-ção de um trator especial. Queria uma máquina robusta que aguentasse longas distâncias, que usasse um combustível barato, que não agredisse o meio ambiente. Afinal, uma coisa era certa: este tal Campo dos Desesperados devia ficar muito longe de

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seu laboratório, já que na cidade em que vivia ninguém jamais havia ouvido falar nele.

Jesuíno não recebia mais ninguém, não pega-

va nenhum projeto novo, nem se preocupava com

nenhuma invenção que não estivesse relacionada ao

seu novo trator e à sua viagem ao desconhecido

Campo dos Desesperados.

Será que todo este esforço de Jesuíno valerá

mesmo a pena?

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Capítulo 3

Domingo bem cedinho a vila já estava em fes-ta. Todos saíam às ruas para ver o desfile de Jesuíno em despedida rumo ao desconhecido Campo dos Desesperados. Davizinho acordara dona Angélica às cinco horas da manhã. Queria visitar Jesuíno e ouvir, quem sabe, alguma história legal antes de sua partida. Assim, antes do sol surgir atrás da monta-nha, lá estava Davizinho batendo à porta de Jesuíno:

— Seu Jesuíno, abra a porta!

Na verdade, o cientista já esperava a visita do menino e ficou muito alegre quando o ouviu chamar à porta.

— Bom dia, Davizinho. Entre, meu filho. Ve-nha ver tudo o que preparei para a viagem.

Com o coração aos pulos, Davizinho acompa-nhou o cientista até uma garagem improvisada no laboratório.

— Olha só esta máquina — anunciou orgulho-so Jesuíno. — Eu apresento o “trator atômico”!

— Trator atômico! — repetiu o menino sem acreditar no que via.

O trator era, sem dúvida, a melhor das inven-ções de Jesuíno. De rodas altas e robustas, prepara-das para qualquer terreno, o trator pintado em cor

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azul era mesmo muito imponente. Na frente do trator havia uma bola de vidro de onde saíam faíscas na forma de raios de tempestade. Notando o interesse do menino pela bola, Jesuíno explicou:

— Esta é uma célula atômica, a unidade gera-dora de energia do trator. Ela é alimentada pela luz solar. Poderei ir até onde houver sol, brincou Jesuíno.

O motor era formado por engrenagens com-plicadas e circuitos de computador e seu ronco mostrava sua força. Na parte traseira havia uma turbina.

— Este trator é impulsionado por uma turbi-na, como os grandes aviões — explicou o cientista. — Ela permite atingir altas velocidades.

Naquele momento, o menino já estava fasci-nado com a invenção de seu amigo.

— Veja agora isto — anunciou Jesuíno. — Veja esta máquina com as luzes ligadas.

Os faróis de luz branca eram de doer a vista de tão potentes. Na traseira, piscavam luzinhas vermelhas, e nas laterais, luzes de todas as cores piscavam e giravam.

— Que lindo! — disse Davizinho ainda sem acreditar no que via. — podemos dar uma voltinha?

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Claro! — respondeu Jesuíno, — Eu estava mesmo esperando por você!

O cientista ajudou o menino a subir no trator, afivelou os cintos de segurança e acionou os co-mandos que puseram o trator em movimento. A máquina parecia deslizar nas ruas, tal era a suavida-de da suspensão.

Davizinho conhecia bem aquele caminho, pois era seu trajeto de bicicleta todos os dias. Sabia quanto a bicicleta sacolejava em cada buraco. Agora, deslizando a bordo do trator atômico, ele se sentia como um rei. Ouvindo o ruído da turbina, as pessoas saíam nas janelas e nas portas, acenavam com lenços brancos e assobiavam à passagem do trator atômico. Davizinho e Jesuíno retribuíam os cumprimentos com acenos de mãos. De vez em quando, Davizinho pedia para acionar a buzina, que era como uma sirene. Foi assim que chegaram ao coreto da praça. Lá já estava a fanfarra da cidade tocando um alegre ritmo militar. Davizinho se sentia em seu melhor dia e tinha muito orgulho de seu amigo cientista.

Jesuíno estacionou cuidadosamente seu trator atômico e saltou dele com Davizinho, sob os aplau-sos da população. Fazendo sinal para que todos fizessem silêncio, Jesuíno tomou a palavra:

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Meus amigos moradores de Felicity, todos sabem que sempre trabalhei em prol de nossa cidade e tentei tor-nar melhor nossa vida com minhas in-venções. Há cerca de seis meses, me visitou em meu laboratório um ho-mem muito fraquinho, ele mal conse-guia se manter de pé e tive de ajudá-lo a entrar no laboratório. Ninguém o viu chegar. Ele foi direto ao laborató-rio e me pediu ajuda para seu povo. Disse apenas que morava em um lu-gar chamado Campo dos Desespera-dos, e que seu povo estava morrendo de fome. Infelizmente, horas depois, o homem acabou morrendo, sem contar muito sobre o lugar de onde havia saído. Desde aquele dia, não consigo esquecer suas palavras me pedindo socorro. É por isso que hoje estou partindo, mesmo sem saber exatamente como chegar ao Campo dos Desesperados, mas na certeza de que Deus vai me ajudar! Adeus ami-gos! Adeus Felicity! Até um dia, se Deus quiser!

A barulheira era geral. Alguns gritavam, ou-tros assobiavam e outros aplaudiam.

— Seu Jesuíno — chamou Davizinho. — Quero ir com o senhor nessa viagem!

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Jesuíno abaixou-se para ficar da altura do me-nino e respondeu:

— Filho, essa viagem pode ser muito perigosa para você! Além disso, quero que estude bastante e cuide do laboratório até que eu volte. Aqui estão as chaves — disse Jesuíno estendendo um chaveiro reluzente. Todos os dias depois da aula dê uma passadinha por lá e veja se está tudo bem.

— Pode deixar — respondeu o menino feliz com a incumbência. — Vou cuidar de tudo direiti-nho!

Jesuíno subiu ao seu trator atômico, ligou o

motor, acionou as turbinas e desapareceu em uma

nuvem de poeira, deixando para trás a pacata

vidinha em Felicity, em busca do Campo dos Deses-

perados.

Davizinho ficou olhando até perder de vista o

trator atômico. Será que um dia Jesuíno voltaria? O

que será que acontecerá?

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Capítulo 4

Quando a gente não sabe que caminho seguir, todos os caminhos parecem ser bons. Foi pensando assim que Jesuíno deixou sua amada Felicity. Sua cabeça ia cheia de pensamentos confusos. Será que conseguiria voltar um dia? Existiria mesmo esse tal Campo dos Desesperados? Ninguém nunca havia ouvido falar dele! E se fosse algum tipo de loucura daquele desconhecido? O doutor Pestanha, o médico de Felicity, havia alertado:

— Cuidado, Jesuíno! Esse tipo de paciente po-de ter problemas mentais.

A voz calma e baixa do doutor ainda ecoava na cabeça de Jesuíno, enquanto dirigia o trator atômico. Ele precisava organizar as ideias, precisava de um plano de viagem. Já havia tentado localizar o Campo dos Desesperados, pelo GPS, mas sem sucesso. O aparelho sempre respondia depois de uma varredura em todos os satélites do mundo: “Local desconhecido”.

A mente de cientista de Jesuíno logo teve uma ideia brilhante:

“Como não pensei nisto antes!”, exclamou, enquanto fazia uma curva. “Esta é a saída! Veja-mos”, continuou sozinho. “A terra não é redonda? Se eu viajar sempre na mesma direção na linha do

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sol, vou dar a volta ao mundo. Se este lugar existir, em algum momento vou encontrá-lo.”

Jesuíno fez as contas. São 12.756 quilômetros! O trator viajava a 200 km/h. Sem contar as paradas para descansar, ele levaria 64 horas para dar a volta ao mundo. “Antes disso vou achar este lugar!”, disse ele, enquanto acelerava o trator atômico.

Foi assim que Jesuíno e seu trator sumiram em uma nuvem de poeira seguindo em direção à nascente do sol. Por onde passava, chamava muita atenção. As pessoas paravam para ver aquele trator cheio de luzes piscantes, com sua potente turbina, seus pneus altos e seu motor nervoso. Entretanto, o que chamava mesmo a atenção, principalmente das crianças, era a célula atômica. Todos se divertiam com os raios faiscantes da célula atômica e achavam o máximo colocar as mãos sobre o vidro para ficarem de cabelo em pé.

Jesuíno passou por vilas do interior, por praias maravilhosas, por vilas, cidades grandes e pequenas e conheceu muita gente. Por onde passava pergun-tava:

— Alguém aqui sabe onde fica o Campo dos Desesperados?

A reposta era sempre a mesma. Ninguém co-nhecia tal lugar. Ninguém havia ouvido falar nele.

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Todas as manhãs, Jesuíno recomeçava sua vi-agem e dirigia o dia todo. Quando o sol se escondia, escolhia um lugarzinho para passar a noite. Bastava inclinar o banco do trator e já tinha uma cama gostosa para dormir. Certa noite, o céu estava cheio de estrelas e a lua cheia brilhava prateada dando vida às sombras da noite. De tão belo que era o espetáculo, Jesuíno não tinha coragem de dormir. Olhando para o céu, lembrou-se de Felicity. Que saudade de sua vila! Que saudade do laboratório e das invenções! Ele saíra pelo mundo à procura de um lugar desconhecido, que ninguém sabia dizer onde ficava. E se o doutor estivesse certo? Teria sido estupidez em seguir atrás de uma ideia maluca como esta? Jesuíno se lembrou dos sacos de semen-tes, dos instrumentos para cuidar da terra. Quanta coisa para nada!

“Bem”, disse em tom decidido. “Amanhã mesmo começo o caminho de volta. Como fui estúpido! Como perdi tempo!”

Foi pensando assim que Jesuíno acabou adormecendo. No dia seguinte, acordou com o calor do sol no rosto. Havia muita gente ao redor de seu trator e Jesuíno ficou muito assustado. Quem seriam aquelas pessoas? Por que estavam ali?

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— Senhor, senhor — disse uma moça batendo no para-brisa do trator —pode sair e falar com a gente?

Jesuíno abriu a porta do trator meio desconfi-ado e logo percebeu que a moça era na verdade uma repórter.

— O que faz aqui? Está defendendo alguma causa? É ambientalista? Por que está dando uma volta ao mundo? Está experimentando um novo tipo de veículo com combustível alternativo?

Jesuíno se sentiu pego de surpresa. O que de-veria dizer?

— Bem — respondeu sem saber bem como dizer — sou um cientista. Meu nome é Jesuíno e venho de uma pequena vila chamada Felicity. Certo dia, recebi um homem em meu laboratório. Ele estava muito fraquinho e mal conseguia falar. Depois que comeu e descansou, contou-me que viera de um lugar chamado Campo dos Desespera-dos, e que as pessoas desse lugar precisavam de ajuda, que passavam muita fome. Resolvi então sair em busca do lugar.

— Estúpido! —gritou alguém.

— Fechei o laboratório depois de desenvolver este trator — continuou Jesuíno. — E desde então viajo em busca do tal Campo dos Desesperados. O

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problema é que ninguém conhece nem nunca ouviu falar no tal campo.

— É mesmo estúpido! — gritou de novo o homem no meio da multidão.

A partir daí ninguém entendia ninguém. Todos falavam ao mesmo tempo. A gritaria era geral. A repórter desistiu da entrevista e aos poucos todos foram saindo, rindo da história de Jesuíno.

Vendo-se de novo sozinho, Jesuíno pensou em voz alta: “Que saudade de você, Davizinho! Se você estivesse aqui ia me dar a maior força e não me deixaria desistir”.

Jesuíno se preparava para partir quando se deu conta de que uma criança de uns sete anos estava bem ali, na frente do trator. A criança estava tão magrinha! As roupas estavam sujas e remenda-das e os sapatos estavam furados deixando ver o dedão do pé. “Este menino precisa comer alguma coisa”, pensou Jesuíno.

— Filho, quer tomar café da manhã comigo?

O menino balançou a cabeça afirmativamen-te. Jesuíno não demorou a encontrar uma padaria para tomarem um gostoso café da manhã com pão na chapa, pão de queijo e café com leite.

— Meu filho — disse Jesuíno. — como é seu nome?

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— Meu nome é Daniel, tio. — respondeu o menino.

— Daniel. Que nome bonito! Você mora aqui perto?

— Saí de casa ontem porque não tinha o que comer. — desconversou o menino. — Tem alguns dias que ninguém come lá em casa.

Jesuíno se arrepiou todo, só de ouvir a história e se lembrar do homem que morrera em seu laboratório. “Meu Deus”, pensou Jesuíno. “Não deixe que aconteça de novo! Não quero que este menino morra como o homem morreu lá no meu laboratório.”

O menino continuou:

— Eu sei onde é o lugar que o senhor está procurando!

Jesuíno deu um pulo:

— O quê?! Diga-me, meu filho, conhece o Campo dos Desesperados?

Somente nesse momento Jesuíno percebeu como aquele menino era esperto!

— Eu ouvi quando disse para a repórter que estava procurando esse lugar.

— Então vamos — disse Jesuíno decididamen-te. — quero encontrar este lugar agora mesmo!

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— É fácil, tio. Esse lugar fica atrás daquelas montanhas.

Jesuíno ajudou Daniel a subir no trator e ace-

lerou em direção às montanhas. Será que aquele

menino estava falando a verdade? Seria uma

armadilha? E se fosse um assalto? Será que o garoto

conhecia mesmo o Campo dos Desesperados?

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Capítulo 5

O caminho em direção às montanhas não era nada fácil. A estreita estradinha de terra era cheia de pedras e de buracos. Daniel ia todo feliz ocupan-do o banco do passageiro ao lado de Jesuíno. Depois de contornarem a montanha, Jesuíno pôde ver um pequeno vilarejo à beira da estradinha. Observando o interesse do cientista, Daniel disse:

— Aquela é a vila onde moro.

Ao se aproximar da vila, Jesuíno pôde notar a extrema pobreza do lugar. As pequenas casinhas eram grudadas uma na outra. Algumas casas eram feitas de tijolos e não estavam acabadas, mas a maioria era feita de papelão. O esgoto corria mal cheiroso pelas ruazinhas. Crianças brincavam descalças, mulheres desocupadas conversavam às portas, e homens contavam piadas em rodinhas. Jesuíno ficou deprimido com a cena. Por um lado parecia mesmo que eram muito pobres e até podiam passar fome. Mas quanta gente desocupa-da! Por que não trabalhavam? E as plantações? Onde estavam as plantações?

Sem notar os pensamentos de Jesuíno, Daniel exclamou animado:

— Venha, tio, quero apresentar minha família.

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Jesuíno estacionou como pôde seu trator atômico na estreita rua da comunidade e desceu devagar analisando cada centímetro do lugar. Daniel disparou na frente gritando:

— Paiê! Mãe! Venham, temos visitas.

Pulando entre uma poça de esgoto e um mon-tinho de lixo, o menino sumiu entre as casinhas. Jesuíno se aproximou estudando bem o terreno, meio ressabiado com os homens que davam garga-lhadas numa rodinha de piadas.

— Vejam! — disse o mais novo ao avistar o trator — Temos companhia.

— Fiquem espertos! — gritou um jovem com cara de malandro. — É o camburão da polícia!

— Que nada! — tornou um idoso. — Este é um veículo de algum extraterrestre, isto sim!

Jesuíno aproximou-se mais cauteloso ainda:

— Senhores, podem me dizer que lugar é es-te? Seria este o Campo dos Desesperados?

O riso foi geral.

— Campo dos Desesperados. Esta é boa! — disse o idoso. — Este lugar aqui se chama Vila Feiosa. No passado, nossa vila era o lugar mais belo da cidade, por isso ela se chamava Vila Formosa. Com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais

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feia. Então mudaram seu nome de Vila Formosa para Vila Feiosa.

Naquele momento, Daniel vinha voltando com seus pais.

— Que bom que encontrou nosso filho! — disse a mulher.

— Muito obrigado — disse o pai se adiantan-do.

— Eu o encontrei por acaso. Ele me disse que estava com fome, tomamos café da manhã e, como o menino sabia a direção, eu o trouxe até aqui. Agora acho que vou indo...

— Não, fique com a gente hoje. Como é mes-mo o seu nome?

— Meu nome é Jesuíno.

— Eu sou o Antônio — respondeu o pai.

— E eu sou a Maria — arremedou a mãe de Daniel.

— Fiquei sabendo que este lugar se chamava Vila Formosa...

— E hoje é Vila Feiosa! — sentenciou Daniel.

— Pois é, seu Antônio, por que essa mudan-ça?

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— Olhe, seu moço, olhe em redor. Este lugar é o canto mais feio do planeta. Do outro lado da montanha fica a cidade grande. Lá as casas são bonitas, as ruas são largas, tudo é belo. Aqui não. Do lado de cá fica o lixão e a Vila Feiosa, um lixo huma-no.

— Mas, onde ficam as plantações de vocês? Plantam alguma coisa, não é?

— Vejo que o senhor não conhece mesmo na-da por aqui. Aqui a terra é seca e ruim. Não brota nem mesmo um capinzinho de nada. A maioria de nós ganha alguma coisa do que cata no lixão. Às vezes, a gente acha alimento que os ricos jogam fora, outras vezes, catamos materiais recicláveis e vendemos na cidade.

— Mas, vocês precisam plantar alguma coisa! Sempre é possível extrair alguma coisa da terra!

— Senhor — respondeu sem graça Antônio — a terra por aqui só a que a gente tem embaixo da unha. Ninguém tem propriedade aqui não. Estas casinhas que o senhor está vendo aqui foram construídas à beira da estrada. Quando a gente veio das fazendas onde trabalhávamos, ninguém na cidade nos recebeu. Então fomos ficando por aqui. No começo a coisa era mais organizada e tinha menos pessoas. Hoje é esta bagunça que o senhor vê aqui.

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Jesuíno sentiu doer o coração, no peito, dian-te daquela situação. Que pena daquelas pessoas! Seguiu-se um momento de silêncio. Foi a mãe de Daniel quem quebrou o silêncio:

— Seu Jesuíno, vamos comer! Que grosseria! Desde que o senhor chegou aqui não oferecemos nada para o senhor comer!

Com a mente cheia de pensamentos, e im-pressionado com aquela condição de vida da Vila Feiosa, Jesuíno e a família de Daniel foram para a casa do seu Antônio.

— Não vai reparar, não. — disse o pai — A ca-sa é muito simples. É casa de pobre, seu Jesuíno.

— Pobreza não é crime, seu Antônio, fique tranquilo. — respondeu Jesuíno.

Jesuíno foi colocado à mesa, e um pão seco com meio copo de chá aguado foi colocado diante dele. Imediatamente Jesuíno notou que ninguém sentou com ele à mesa porque não havia nada mais que aquele pão seco em casa.

— Seu Antônio, por que não nos assentamos todos para comermos juntos? — perguntou Jesuíno sem graça.

Foi Daniel quem entrou em cena:

— A gente não tem mais nada para comer!

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— Menino! — ralhou a mãe.

— Fica tranquila, dona Maria!— respondeu Jesuíno. — a senhora pode me emprestar uma faca?

Meio sem entender e até com medo do que Jesuíno poderia fazer com uma faca, dona Maria atendeu ao que o cientista pedia:

— Aqui está!

Jesuíno tomou a faca e pacientemente partiu o pão em quatro pedacinhos. Ele estava tão seco que ajuntou na velha toalha um montinho de migalhas.

— Se um come, todos comem! — sentenciou Jesuíno.

Em silêncio, cada um da família pegou um pe-dacinho do pão.

— O senhor é muito interessante, seu Jesuíno — falou a mãe.

— Esperem aqui — respondeu Jesuíno — te-nho uma surpresinha para vocês.

Jesuíno foi até o seu trator atômico, abriu o compartimento onde guardava alimentos e escolheu frutas, pães, bolos, leite e café solúvel.

— Que banquete é este? — admirou-se seu Antônio. — de onde vem tanta comida?

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A noite foi maravilhosa. Todos se assentaram à mesa e comeram.

— Foi o melhor jantar de minha vida! — anunciou Daniel.

— Agora que comemos, tenho uma pergunta para vocês: por que não fazem assim todos os dias?

— Seu Jesuíno, o senhor não entendeu mes-mo! Não temos dinheiro para comprar tanta comi-da.

— Vocês podem ter dinheiro para isto e muito mais.

Todos queriam saber o que mais aquele ho-

mem misterioso iria dizer. Seria mesmo verdade que

poderiam ter uma refeição daquelas todos os dias?

Teria Jesuíno resolvido vender seu trator atô-

mico para dar o dinheiro para a família de Daniel?

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Capítulo 6 A cama que deram para Jesuíno se deitar era

muito dura. O colchão, feito de capim, era tão ralo, que ele sentia as tábuas do estrado nas costas. Jesuíno já imaginava como seu corpo estaria dolori-do pela manhã. As emoções que vivera durante o dia eram fortes demais para deixá-lo dormir. Assim, rolava o corpo de um lado para o outro. A mente estava cheia de pensamentos. Como ajudaria o pessoal de Vila Feiosa? E se não houvesse nenhum cantinho onde pudessem plantar alguma coisa? E se fossem preguiçosos e não quisessem plantar? Como ajudar crianças desnutridas como o Daniel? Jesuíno precisava encontrar uma saída para aquela situação. Estava pensando assim quando foi tomado final-mente pelo sono.

No dia seguinte, Jesuíno levantou bem cedi-nho e arrumou a mesa do café da manhã. Aos poucos a casa foi acordando e logo estavam todos de pé.

— Bom dia, meus amigos! Venham tomar ca-fé! Quero conversar com vocês.

Todos se assentaram curiosos com o que Jesu-íno falaria.

— Sabem de uma coisa? — começou Jesuíno escolhendo as palavras. —A vida de vocês aqui é

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muito dura. Vocês precisam plantar, comer do melhor da terra e vender o que sobrar. Assim, vão ter saúde e ainda poderão construir uma casa mais confortável.

— O senhor tem um jeito especial de falar. Ouvindo o senhor, a gente até sonha mesmo com dias melhores — disse dona Maria com os olhos marejados de lágrimas.

— Mas — falou o chefe da família. — onde vamos conseguir um pedaço de terra para plantar? Não temos dinheiro para comprar nem mesmo um lotezinho!

— Bem, neste caso, por que não plantam à beira da estrada? Enquanto vínhamos para cá passamos por uma estradinha que tem uma faixa de terra de um dos lados. Vocês poderiam plantar lá. Acho que ninguém reclamaria.

Assim, depois do café, todos rumaram para a estradinha em direção à cidade. Como nunca haviam pensado nisto antes?

— O lugar até parece ser bom para plantar, seu Jesuíno, mas a terra por aqui é muito ruim!

— Sabe, seu Antônio? Sou um cientista e es-tudo a terra há muitos anos. Toda terra é boa, se for bem cuidada. Toda terra pode produzir.

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Depois de analisar o local, a família toda já es-tava sonhando com uma grande plantação ao longo de toda a estrada.

— Precisaremos de todo mundo da comuni-dade, seu Antônio. Reúna todos e conte de nossos planos. Todos precisam ajudar. Enquanto você conversa, vou arando a terra.

Jesuíno arou toda a margem da estrada, numa área de terra que dava para plantar arroz, feijão, trigo e milho. Além disso, reservou também um espaço para a horta da comunidade.

O dia todo foi gasto na agitação do trabalho. À noite, todos estavam cansados, mas felizes e anima-dos. Jesuíno dirigiu uma palestra até bem tarde, ensinando técnicas de irrigação, construção de poços, semeaduras e outras coisas mais.

— Agora vamos dormir — anunciou Jesuíno. — Amanhã vamos ter um dia cheio. Vocês precisa-rão plantar mais sementes.

No dia seguinte, quando Jesuíno acordou, a vi-la estava vazia. Quase todos estavam envolvidos no trabalho. Ficaram apenas algumas mulheres cuidan-do das crianças e alguns idosos que se sentiam muito fracos. Jesuíno se admirou da participação de todos da comunidade. Não imaginava o efeito de sua proposta na vida daquelas pessoas. Ele já estava satisfeito com este resultado e queria agora voltar

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para casa. Depois de arrumar suas coisas, Jesuíno subiu no trator e deu partida. A estradinha nem parecia ser a mesma. Havia gente por toda a estra-da. Todos tinham enxadas nas mãos e revolviam a terra com muita animação. Eles assobiavam e cantavam felizes. “Que transformação!”, pensou Jesuíno enquanto parava para tirar fotos. “Esta comunidade nunca mais será a mesma!”

Jesuíno fotografou cada cantinho da estrada que agora era um campo de semeadura. Já estava voltando para seu trator, quando alguém o chamou: “Seu Jesuíno?”.

Jesuíno voltou-se, e quase não reconheceu Daniel. O menino estava todo sujo de terra. Na carinha suja de terra, destacava-se o mesmo sorriso de sempre:

— Até logo, senhor! Obrigado por tudo. O se-nhor uniu minha família. Minha mãe só falava em deixar meu pai e ir embora para o interior na casa da vovó. O senhor animou todo mundo de novo, e agora vamos ficar todos juntos.

— Juntos e se alimentando bem! Prometa-me uma coisa.

— O que o senhor quer que eu prometa?

— Me prometa estudar muito para crescer na vida.

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O menino fez uma postura de soldado pres-tando continência: — Sim, senhor!

Jesuíno afastou-se devagar, para que o trator

não levantasse poeira e para que curtisse ao máxi-

mo aquela imagem do menino acenando um adeus

e das pessoas sorrindo apegadas ao trabalho duro

de transformar aquela tirinha de chão à beira da

estrada em plantação.

Será que Jesuíno voltaria agora a seu labora-

tório em Felicity? Será que ele desistiria de encon-

trar o Campo dos Desesperados?

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Capítulo 7

Talvez Jesuíno nunca descobrisse os efeitos daquela revolução que, com sua conversa, provocou na Vila Feiosa. Nos dias que se seguiram à partida de Jesuíno houve uma transformação incrível na vida das pessoas. Todos se uniram trabalhando firme no preparo da terra e na semeadura. Veio a chuva e veio o sol, dia após dia. As plantinhas foram cres-cendo, e a cara da estrada mudou totalmente. Logo cresceu o verde da plantação que ficou bonita de se ver. Quem andava por aquelas bandas agora se sentia como numa fazenda.

Antes que as pessoas da vila pensassem, a horta já estava produzindo tomates, pepinos, couve, jiló, cenoura e alface. A mesa de todos passou a ter fartura. Logo veio a colheita de trigo, de arroz e de feijão. Todos viviam muito felizes e ninguém mais passava fome. Depois de dividirem com todas as famílias aquilo que produziam, tudo o que sobrava era vendido na cidade, e o dinheiro repartido entre todos. Foi assim que construíram casas bonitas e coloridas. Até uma pracinha com chafariz construí-ram no centro da vila! Na pracinha, construíram um monumento com um trator dourado e escreveram numa placa: “Por aqui passou um semeador com seu trator atômico, que transformou a vida na Vila Formosa.”

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À entrada da vila, colocaram uma placa que dizia assim: “Bem-vindos a Vila Formosa”.

Depois de todas essas coisas, a vida ganhou outro significado naquela vila. Certo dia, o prefeito da cidade procurou Antônio com uma proposta:

— Seu Antônio, toda cidade tem ouvido falar das mudanças que aconteceram neste lugar. Eu mesmo conheci Vila Feiosa. Era uma comunidade carente muito feia! Não sei como fizeram isso. Mas é incrível! Sabe, seu Antônio? Outras áreas da cidade estão em condições até piores que a Vila Feiosa. Gostaria de convidar o senhor para cuidar desses lugares. Quero nomeá-lo “secretário de ação social e urbanismo”.

Antônio não cabia em si de tão contente. Dois dias depois, ele tomou posse numa festa muito bonita. Ele queria muito que o semeador pudesse estar ali para testemunhar tudo o que estava acontecendo e para ajudá-lo na tarefa de transfor-mar as comunidades carentes da cidade e dar nova vida para as pessoas que muitas vezes não tinham nem mesmo um pedaço de pão duro para dar a seus filhos no café da manhã. Isso seu Antônio recordou em seu discurso de posse:

Senhoras e senhores,

Nunca pensei que algum dia seria nomeado secretário de ação social e

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urbanismo da cidade. Sou de origem humilde, e passei muita fome nesta minha vida. Tudo em nossa comuni-dade, a Vila Formosa, mudou desde a visita de um desconhecido que aca-bou se tornando nosso amigo. O no-me dele é Jesuíno. Bem, seu Jesuíno veio até Vila Formosa que, na época, ainda era Vila Feiosa, e viu nossas condições de vida. Muitas vezes, nós não tínhamos dinheiro nem para co-mer. Jesuíno então nos ensinou a plantar. Como não tínhamos terras, ele nos desafiou a plantar na beira da estrada mesmo. Todos nos envolve-mos e trabalhamos duro na transfor-mação daquela terra seca em terra que desse alguma coisa.

Bem, para resumir a história, hoje somos uma cooperativa e Vila Formo-sa tornou-se atração turística. Todos trabalham e todos ganham. Vende-mos no mercado municipal o que não conseguimos comer e, com o dinhei-ro, compramos roupas, carros, cons-truímos casas e melhoramos a vila que, depois de muito tempo, voltou a se chamar Vila Formosa. Que pena, senhoras e senhores! Que pena que o seu Jesuíno não está aqui para ver tu-do o que aconteceu com Vila Formo-sa! Na verdade, ninguém sabe para onde ele foi. Aceito, senhor prefeito,

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o desafio. Sei que vai ser muito duro, principalmente sem a ajuda de seu Je-suíno. Aceito de bom grado, e conto com a ajuda de todos. Muito obriga-do.

Todos aplaudiram, enquanto seu Antônio as-sinava o termo de posse.

— Espero corresponder a esta expectativa de vocês, e fazer um bom trabalho pelas pessoas e por nossa cidade.

Logo no dia seguinte, seu Antônio já estava vi-

sitando as comunidades carentes e conversando

com seus moradores. O que aconteceu naqueles

lugares foi como o que aconteceu em Vila Formosa.

Todos se envolveram e trabalharam duro. Em dois

anos já não havia mais aquelas comunidades tão

pobres em nenhum ponto da cidade, e ninguém

mais passava fome. Antônio estava feliz da vida! De

vez em quando, principalmente quando conversava

com Daniel, batia uma grande saudade de seu

Jesuíno. Por onde será que andava o misterioso

semeador e seu trator atômico?

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Capítulo 8

Depois de sair da Vila Formosa, Jesuíno não voltou direto para Felicity. Ele sentiu que tinha de parar para descansar e decidir o que fazer. Assim, resolveu fazer um pequeno acampamento numa praia que encontrou perto de Vila Formosa. Os dias seguintes foram maravilhosos. Ele comeu peixe, batata frita e casquinha de siri, sem se preocupar com coisa nenhuma! Jesuíno se sentia um verdadei-ro turista. De vez em quando, se lembrava da Vila Formosa e da transformação que vira acontecer lá.

“Se eu saí de Felicity para ajudar a família de Daniel e sua comunidade”, pensou enquanto se abrigava debaixo de um colorido guarda-sol, “já valeu a viagem. Até que me diverti bastante. Ama-nhã começo a viagem de volta para casa.”

No outro dia bem cedinho, Jesuíno tratou de arrumar suas coisas no trator, para começar a viagem de volta a Felicity. Assim envolvido com suas tarefas, nem percebeu a aproximação de um ho-mem.

— Moço, tem uma comidinha aí em seu car-ro? Não como nada há três dias! Por favor, me ajude!

Jesuíno não acreditava no que via. Diante dele estava um homem extremamente magro, descalço e

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com roupas rasgadas. “Como pode alguém morrer de fome diante de um mar como este?”, Jesuíno pensou enquanto examinava melhor o homem.

— O senhor sabe pescar? — perguntou ao pedinte.

— Sei, sim senhor! — respondeu o mendigo, na esperança de ganhar alguma coisa.

— Então, por que não vai até o mar, pesca um bom peixe e faz para você e sua família?

— Porque não tenho anzóis nem redes — res-pondeu o homem.

Jesuíno pegou um grande sanduiche e um co-po geladinho de suco de laranja e os estendeu para o estranho.

— Coma, meu amigo! Mate sua fome!

Jesuíno observou enquanto o homem devora-va a comida e começou a gostar dele.

— Homem, como é seu nome?

— Meu nome é José, senhor. Eu e minha famí-lia moramos na vila dos pescadores. Há coisa de um mês houve uma grande tempestade por estas bandas com ondas gigantes. As ondas levaram embora nossos anzóis, redes e tralhas, e ficamos sem poder trabalhar. E o senhor, quem é? — perguntou seu José, lambendo os beiços.

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— Meu nome é Jesuíno. Venho de Felicity, uma cidadezinha muito distante daqui.

— Puxa, que legal! Então é um turista! Precisa conhecer minha família, minha esposa e meus dez filhos!

— Acho que posso visitar sua casa antes de partir, seu José.

— Então vamos!

Ambos subiram no trator, e Jesuíno pôde no-tar o brilho dos olhos de seu José e a felicidade que sentia ao andar no trator atômico. Depois de alguns minutos, chegaram numa vilinha de casas, ou melhor, de choupanas feitas de folhas secas de palmeiras. Jesuíno parou um pouco longe para não levar a nuvem de areia para as casas. Com presteza seu José saltou do trator e trouxe sua esposa e alguns filhos. A vizinhança, atraída pelo ruído do trator atômico, também saiu para ver o que estava acontecendo. Depois das apresentações e de um papinho inicial, foi a esposa do seu José, a Dona Marilza, quem fez a proposta:

— Senhor Jesuíno, por que não passa uns dias com a gente?

Jesuíno já estava gostando muito daquelas aquelas pessoas. Assim, respondeu:

— Não vou incomodar?

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— De jeito nenhum — disse seu José. — Fique com a gente.

Jesuíno acabou ficando uma semana com aquela comunidade. Ensinou princípios de econo-mia. Ensinou as melhores técnicas de pesca, ensinou a construir redes, usando a fibra da folha de coco, e a fazer arpões com o talo da folha, e a construir anzóis com arames. Ensinou também que eles não deviam pescar somente quando sentissem fome. Deveriam fazer da pesca um negócio que rendesse dinheiro para a roupa, para comprarem casas e tudo mais que pudesse melhorar as condições de vida.

Assim, a vida mudou na vila dos pescadores. Eles formaram uma cooperativa, compraram um grande barco de pesca muito potente. Jesuíno ficou muito impressionado com as mudanças que esta-vam ocorrendo na vila dos pescadores.

Depois de dois meses naquele lugar, finalmen-te Jesuíno partiria no dia seguinte. Mas aquela noite mudaria todo o restante da viagem. Enquanto esperava vir o sono, deitado em sua cama, Jesuíno recordava sua viagem, desde a saída de Felicity. Havia rodado quase 10.000 quilômetros. Havia conhecido muita gente e pelo menos duas comuni-dades haviam sido transformadas com suas ideias.

“Agora entendi!”, pensou de repente. “Acho que esta é a missão que Deus quer para minha vida:

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percorrer o mundo, e mudar a vida das pessoas com as quais vou me encontrando. Mesmo que nunca ache o tal Campo dos Desesperados, vou continuar a percorrer a terra sempre em direção ao nascer do sol e ajudar a todas as comunidades carentes que encontrar em meu caminho. Vou ensinar a plantar, a pescar, a extrair da terra aquilo que vai melhorar a vida das pessoas.”

Sentindo-se muito feliz, e decidido a comple-

tar sua volta ao mundo, Jesuíno se despediu de seus

amigos na vila dos pescadores, fez muitas recomen-

dações, orientou para que também eles ajudassem a

outras pessoas que estivessem em situação de

necessidade, e partiu em seu trator atômico seguin-

do em direção ao nascer do sol, em busca do

desconhecido.

Qual será a próxima aventura de Jesuíno?

Vamos descobrir?

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Capítulo 9

Foi assim que Jesuíno saiu pelo mundo afora. Passou por lugares em que não chovia havia muito tempo e ensinou o povo a plantar e a regar suas plantações com técnicas simples de irrigação. Conheceu outros lugares em que as pessoas esta-vam morrendo de fome porque suas terras estavam sempre alagadas. Nesses lugares, ensinou a plantar arroz embaixo d’água.

Mas o que Jesuíno mais gostava de fazer era encontrar uma comunidade bem carente à beira de uma estradinha e ensinar a plantar ali mesmo, naquela tirinha estreita de terra à beira do caminho. Às vezes, ele encontrava um lugar deserto, sem ninguém por perto. Então parava, arava a terra e semeava sua semente. Esperava pacientemente que viesse o sol e a chuva e fizessem crescer suas plantinhas. Depois de um tempo, colhia trigo, arroz ou feijão e estocava em seu trator atômico.

No próximo mercado que encontrasse, vendia trigo, arroz, feijão e tudo mais que tivesse, e guar-dava cuidadosamente o dinheiro. Assim vivia entre ajudar pessoas e juntar dinheiro.

O tempo passou e Jesuíno acabou sendo chamado de “semeador”, porque estava sempre semeando em algum pedacinho de chão onde

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pudesse brotar alguma coisa. E que cuidado tinha com a natureza! Por onde quer que passasse, ajudava muitas e muitas pessoas. Plantou e colheu muito também, até ajuntar 900 moedas de ouro.

Certo dia, depois de atravessar uma cidade grande onde ninguém parecia precisar dele e onde não havia nenhuma beirazinha de estrada onde pudesse plantar, Jesuíno encontrou uma estradinha de terra. “Neste tipo de lugar sempre tem alguém que precisa da ajuda do semeador”, ele pensou consigo mesmo.

Enquanto pensava assim, Jesuíno deu de cara com um posto policial. Um soldado com cara de poucos amigos mandou que parasse e foi logo dizendo:

— Quero ver os documentos do senhor e de seu veículo.

— Pois não. Aqui estão os documentos, seu guarda — respondeu o semeador.

Sr. Jesuíno dos Reis Cordeiro — leu o guarda em voz alta, enquanto conferia os documentos do semeador. — O que o senhor faz por estas bandas?

— Procuro aventuras — respondeu o semea-dor, pensado nas aventuras que havia vivido desde que saíra de Felicity.

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— Agora entendo — falou o policial. — É mais um dos filhinhos de papai em busca de aventuras nas trilhas desta região! Tome cuidado com a Estrada Abandonada. Não é um lugar tão agradável como pode parecer.

— Estrada abandonada? — indagou o semea-dor.

— A estrada abandonada servia para se che-gar às fazendas do outro lado. Hoje ninguém mais anda por aqui, por isso pode ser perigoso. Se o senhor está procurado por aventuras, está na direção certa — respondeu o guarda devolvendo os documentos.

“Estrada abandonada. Que lugar deve ser es-se?” — pensou o semeador sentindo na espinha um friozinho de medo. — “Não seria melhor eu voltar?”

Entre o desejo de conhecer o desconhecido e até poder ajudar alguém e o medo, Jesuíno resolveu seguir viagem. A estrada abandonada era mesmo muito ruim. Havia muitos buracos. As pontes estavam em péssimo estado de conservação e pareciam cair sob o peso do trator.

Depois de dirigir por mais de uma hora, Jesuí-no estava muito cansado. Já se sentia arrependido por ter pegado aquela estrada. Não parecia haver ninguém por ali. Era mesmo como o guarda dissera.

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“Não seria melhor voltar?” — pensou de novo o semeador.

Pensando assim, o semeador foi reduzindo a velocidade do trator atômico. A poeira foi abaixando e o lugar foi ficando mais claro. O semeador notou que a estrada tinha de um lado o paredão de uma montanha, e do outro, uma área que poderia ser aproveitada para uma bela plantação. Assim, o semeador resolveu parar seu trator ali mesmo.

—“Não parece ser tão ruim assim”, falou con-sigo mesmo o semeador. “Acho que aqui terei uma bela plantação de trigo, arroz e feijão.”

Logo no dia seguinte, o semeador arou toda aquela faixa de terra ao longo da estrada, para nela semear suas sementes. Uma chuva fininha caiu durante a noite toda, e o semeador ficou muito feliz pensando no que poderia plantar e colher dali a alguns dias.

No dia seguinte, saiu um sol maravilhoso e o semeador semeou pacientemente três campos: um campo com feijão, um campo com arroz e um campo com trigo.

Agora é só pedir a Deus que mande chuva e esperar pela colheita. — pensou o semeador ao se deitar ao fim do dia.

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Assim se passaram os dias. Todas as manhãs o semeador saía para ver como ia indo seu campo. Não havia ainda nenhum brotinho.

Alguns dias depois, o semeador ficou muito feliz. Os primeiros brotinhos de feijão estavam saindo da terra!

Agora era só esperar mais alguns dias de sol e de chuva para que sua plantação crescesse e depois pudesse ser colhida. O semeador já pensava nas muitas moedas de ouro que certamente conseguiria vendendo o que colhesse.

“Este dinheiro um dia será útil para ajudar al-guém”, sempre pensava o semeador.

Certa manhã, o semeador acordou com um barulhinho. Era como se alguém estivesse jogando pedras e depois rindo baixinho.

—“Quem estaria ali?” — pensou o semeador — “Quem estava jogando pedrinhas e rindo?”

O semeador sentiu seu corpo gelar de medo.

Mesmo tremendo de medo, precisava saber o que

estava acontecendo ali bem pertinho de sua planta-

ção de feijão.

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Capítulo 10

O semeador estava muito feliz com sua plan-tação. Afinal, os primeiros brotinhos de feijão já estavam apontando da terra. Todos os dias, o semeador saía de seu acampamento e percorria toda a estrada abandonada onde havia plantado. Naquela manhã julgou ouvir ruídos como se alguém estivesse jogando pedras. Depois daquele barulhi-nho de pedra batendo em pedra, vinham risinhos, como se fossem risos de crianças. O semeador ficou entre intrigado e curioso. Precisava descobrir de onde vinham aqueles barulhos.

“Pode ser perigoso”, pensou o semeador, lembrando-se da conversa com o guarda de trânsito. ”Tenho de ter muito cuidado!”

Assim, o semeador saiu do trator atômico e foi caminhando com muito cuidado na direção em que ouvia os ruídos. Era como se cada vez mais jogassem mais pedras e houvesse mais risos. Estaria alguém querendo brincar com ele? Estaria alguém querendo assustá-lo?

Devagar e com muito medo o semeador foi caminhando pela estrada na direção dos ruídos. O coração estava aos pulos e os sons aumentavam dando a impressão de que havia mais e mais pedras. Agora, claramente podia localizar os ruídos como

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vindos da plantação de feijão. Alguém estaria destruindo as plantinhas que tinham acabado de nascer?

— Não é possível! — exclamou o semeador. — Tenho de fazer alguma coisa!

O semeador descobriu que eram as pedras que causavam aquele barulho. Elas vinham pulando como pererecas e batendo umas nas outras. A cada choque soltavam risinhos de deboche. Observando bem, havia pequenos olhinhos maldosos e uma boca feroz em cada pedra. Elas iam pulando e batendo umas nas outras e rindo... Elas pulavam direto onde estavam os brotinhos de feijão e se entulhavam contra eles até os sufocar. Com uma velocidade incrível, toda a plantação era atacada!

— Ai, vida! — gemeu o semeador. — Preciso fazer alguma coisa.

O semeador tentou retirar as pedras. Os risos redobravam e, mais e mais, as pedras vinham aos montes, sempre batendo umas contra as outras. Batiam e riam muito! O semeador percebeu que tentar retirar as pedras seria um trabalho em vão. O que poderia fazer? Como combater as pedras sufocantes e evitar que toda a plantação fosse perdida?

— Já sei! — gritou o semeador dando um sal-to. — O raio laser confortador!

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O semeador havia preparado uma série de dispositivos para emergências no caminho. As coisas estavam indo tão bem, que nem se lembrava deles! Um desses dispositivos era o canhão de laser confortador — este havia sido o nome que o seme-ador havia dado à máquina quando a fabricou, imaginando que poderia confortá-lo diante de um perigo qualquer. O semeador correu até o trator e, todo trêmulo, pegou da arma, pronto para se livrar das pedras sufocantes antes que fosse tarde demais.

— Agora, tomem isto e mais isto! — disse o semeador ao apontar o canhão contra as pedras e apertar o gatilho.

Nem o semeador esperava aquele efeito do laser! As pedras sufocantes tentavam fugir. As que eram acertadas pelo raio laser se encolhiam e empedravam. Por quase uma hora, a diversão do semeador foi mirar e acertar as pedras sufocantes. Elas tentavam fugir, mas ele as acertava uma a uma.

Depois de destruir todas as pedras sufocantes, o semeador sentou-se à beira da estrada. Estava muito cansado e sua testa pingava de suor.

“Bom trabalho” — pensou alto. — “Essas pe-dras não incomodarão nenhuma plantação, nunca mais.”

O semeador acabou adormecendo ali mesmo na beira da estrada, tal era o seu cansaço. Horas

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depois, despertou com o calor do sol de meio-dia fazendo arder seu rosto. Ele precisava acordar e avaliar o que havia sobrado da plantação.

— Pobres pezinhos de feijão! — choramingou o semeador. — Preciso ver quantos sobraram.

Mesmo com o corpo todo doído, o semeador se levantou. Queria ver os estragos na plantação.

— Não é possível! — exclamou o semeador, sentindo ao mesmo tempo uma gotinha quente de lágrima rolar em seu rosto.

Não havia sobrado um pezinho de feijão se-quer! Todos estavam ressequidos, em consequência do sufocamento das terríveis pedras sufocantes. “Ainda bem que o arroz e o trigo ainda não brota-ram!”, pensou consigo mesmo “Assim vão poder crescer livres da praga das pedras sufocantes.”

O semeador voltou cabisbaixo para seu trator

atômico. Havia, na verdade, ganhado a guerra e

acabado com as pedras sufocantes, mas elas tam-

bém detonaram com sua plantação de feijão!

Precisava descansar e se preparar para cuidar do

arroz e do trigo que logo brotariam. Precisava estar

bem descansado. Pensando assim, fechou-se no

trator disposto a tirar uma bela soneca e esquecer

aquelas maldosas pedras sufocantes que haviam

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matado toda a sua plantação de feijão. Será que

valeria mesmo a pena permanecer ali? E se as

pedras sufocantes voltassem? Não seria melhor

voltar imediatamente a Felicity?

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Capítulo 11

Nada melhor que o sono e o descanso para re-fazer nossas forças! Assim, no dia seguinte, o semeador acordou muito bem disposto. Tomou seu café da manhã e parou para contemplar aquela velha estrada abandonada. Realmente, ninguém passava por ali; não vira ninguém a pé ou a cavalo, desde que se instalara lá. Já se tinham passado vinte dias desde que chegara à Estrada Abandonada, e os únicos seres com os quais havia se encontrado foram as pedras sufocantes.

“Que lugar sinistro!”, pensou enquanto a brisa acariciava seus cabelos e massageava seu rosto. “Assim que terminar a colheita, junto minhas coisas e sumo deste lugar!”

Perdido em seus pensamentos, o semeador começou a ficar incomodado com um ruído. De início, pareciam folhas secas arrastadas pelo vento.

— É o vento, seu medroso — disse em voz alta para espantar o medo.

O barulho parecia cada vez mais alto. Agora era como o barulho de lenha na fogueira. Se não estivesse com muito medo, certamente o semeador se lembraria das fogueiras da sua época de infância. Entre assustado e curioso, o semeador resolveu sair para ver o que estava acontecendo. Logo ao sair

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percebeu que o ruído vinha da beira da estrada, exatamente onde ficava sua plantação.

— Ah, não! — gemeu desesperado. — As pe-dras sufocantes devem ter voltado.

Pensando assim, o semeador foi andando cau-teloso pela margem da estrada. Logo pôde avistar o local onde antes estavam os pezinhos de feijão. O local estava ermo. As pedras sufocantes estavam empedradas como ficaram depois do laser, e os pezinhos de feijão eram fracos galhinhos secos e retorcidos. O barulho vinha de um ponto à frente da plantação de feijão. Adiantando-se, o semeador descobriu finalmente o que causava aquele barulho.

— Esta não! — exclamou de olhos arregala-dos. — Que tipo de praga é esta agora?

Os brotinhos de arroz haviam saído da terra bem viçosos e fortes cobrindo toda a área da plantação como um tapete verde. Uma imagem que seria encantadora para o semeador, se não fosse outra imagem na ponta do terreno. Crescendo com uma velocidade surpreendente uma touça de espinhos se multiplicava. Os espinhos batiam uns nos outros fazendo um ruído semelhante ao estalar de madeira no fogo e se esticavam até conseguir espetar os brotinhos de arroz. Ao tocar os brotinhos, faziam com que eles explodissem.

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— Malditos espinhos explosivos! — gritou o semeador desesperado.

O semeador precisava fazer alguma coisa. Ele correu até aquele ponto do terreno e tentou arran-car os espinhos. O ataque dos espinhos foi imediato. As pernas do semeador ficaram ensanguentadas de tanto espinho.

“Preciso fazer alguma coisa”, pensou o seme-ador enquanto corria mancando para o trator atômico.

A “caixa de ferramentas especiais”, nome que o semeador dera ao compartimento de recursos do trator atômico, estava cheia de coisas. Canhão de laser, extintores de gás carbônico, acendedores de fogueira, combustível, armas de choque elétrico e muito mais havia lá.

“Preciso de algo que neutralize os espinhos”, pensou, enquanto arrancava mais um espinho da perna.

Depois de alguns instantes, o semeador en-controu um lança-chamas. Seria isto eficaz contra os espinhos explosivos? No desespero de não ter alternativa para tentar conter os espinhos que estavam cada vez mais barulhentos e destruidores, o semeador correu com o lança-chamas em mãos em direção aos espinhos explosivos. Eles haviam se multiplicado de forma impressionante, e todo o

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campo de arroz estava repleto de espinhos a espe-tar os brotinhos de arroz. A cada espetada os brotinhos explodiam e desapareciam.

O semeador direcionou a chama para os espi-nhos e se impressionou com os resultados. Os espinhos tornavam-se incandescentes e crepitavam diante das chamas, transformando-se em cinzas. Alguns espinhos ainda tentaram se encolher na terra para fugir do fogo, mas o semeador dirigiu a chama para eles, e todos os espinhos torraram, sem sobrar um só!

Somente depois de queimar todos os espi-nhos explosivos é que o semeador desligou seu lança-chamas. Sua cabeça estava quente e suas mãos vermelhas com o calor das chamas. Sua roupa estava colada de suor e os ferimentos das pernas causados pelos espinhos explosivos ardiam muito.

— Pelo menos vencemos mais esta — mur-murou o semeador ao guardar o lança-chamas. — Espinho nenhum poderá incomodar mais minha plantação de arroz.

Ao pensar nos brotinhos tão verdes de arroz, o semeador sentiu um frio na espinha. Como estaria a plantação? Teria sido grande o estrago?

Pensando assim, correu de volta ao local à margem da estrada para ver como iam os brotinhos que haviam escapado do ataque dos espinhos

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explosivos. Ao chegar à plantação, o semeador deparou com uma visão desanimadora. Não havia sobrado um brotinho sequer de arroz!...

— Isto não é possível! — choramingou o se-meador. — Tanto trabalho para nada!

Desta vez, o semeador sentiu um desânimo muito grande. Seu coração foi tomado de tristeza. Um sentimento de arrependimento começou a encher seu peito. Não devia ter parado naquele lugar. Devia ter ouvido o guarda de trânsito e fugido antes de ter todo aquele trabalho com a plantação. Primeiro, haviam sido as pedras sufocantes que acabaram com a plantação de feijão. Agora eram os espinhos explosivos que não deixaram nenhum brotinho de arroz, explodindo todos eles!

— Não! Não posso mais ficar aqui! O que mais virá? — gritou o semeador. — Cada dia sofro um ataque pior. Amanhã mesmo irei embora deste lugar horrível!

Pensando assim o semeador se recolheu mais cedo ao trator atômico para dormir. A noite veio logo. Era noite escura, sem luar e sem estrelas. Parecia que o céu estava triste como o semeador...

Uma forte tempestade caiu sobre aquele lu-gar, e a todo o momento fortes raios cortavam o céu e relâmpagos iluminavam a barriga azul das nuvens. Os trovões eram tão fortes, que balançavam o trator

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atômico. A chuva batia forte contra os vidros do trator. O semeador se encolhia como conseguia, em seu canto. Estava triste com a perda da plantação de arroz e com medo da forte tempestade. Ele não via a hora de partir e sair para bem longe daquele lugar esquisito, onde não houvesse criaturas tão estra-nhas como as que atacaram sua lavoura nos últimos dias.

“Amanhã mesmo vou embora”, pensou o se-

meador antes que o sono fechasse à força as

pálpebras de seus olhos.

Será que desta vez o semeador abandona

mesmo tudo e volta para casa?

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Capítulo 12

Certa vez, o semeador ouviu alguém falar que depois da tempestade vem um dia de sol radiante e que uma tristeza até pode durar uma noite inteira, mas pela amanhã o coração triste se enche de alegria. Ele, porém, nunca tinha passado por essa experiência. Ao nascer do sol, seu coração se encheu de alegria e de esperança. Mesmo naquele lugar abandonado e feio, o semeador pôde se deliciar com o cheirinho de terra molhada. Ele se sentia tão feliz, que concordou com o que ouvira dizer: depois de uma noite triste, vem a alegria. Mas, mesmo assim, o semeador pensou: “Não estou mais triste, mas, quero ir embora agora mesmo deste lugar.”

Decidido a levantar acampamento e a nunca mais voltar ali, o semeador resolveu dar a última olhadinha em suas plantações. A primeira parte estava cheia das pedras sufocantes petrificadas envoltas na lama da enxurrada que passou por elas. A segunda parte estava repleta das cinzas dos espinhos explosivos meio enterrados pela forte chuva. Ao ver a terceira parte, o coração do semea-dor quase pulou fora do peito.

— O trigo está brotando! — gritou alegre o semeador.

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De cada covinha onde ele havia colocado uma sementinha de trigo saía um brotinho verdinho. Era o trigo germinando. Aquela imagem foi como colírio para os olhos do semeador e como fortificante para seu coração. Ele saltava de alegria, batia palmas e corria entre os brotinhos, ainda sem acreditar. De repente parou para pensar: “Como poderia partir e deixar para trás aquela plantação tão bonita? Como poderia perder a maravilhosa colheita que com certeza viria algumas semanas depois?”. Ele já amava cada pezinho de trigo! Não! Certamente não poderia partir antes de ter o prazer de colher cada espiga daquela plantação. Assim, o semeador voltou ao trator atômico com novos planos. Com certeza, ficaria ali!

Ao se sentar para descansar, um pensamento terrível passou pela mente do semeador: “E se houver um novo ataque?”.

Certamente o coração do semeador não aguentaria nova perda, caso outro ataque das pedras sufocantes ou dos espinhos explosivos acontecesse. Assim pensando, ele correu à caixa de ferramentas para ver o que poderia encontrar que pudesse proteger as jovenzinhas mudas de trigo tão viçosas e belas.

Depois de vasculhar tudo o que havia na caixa de ferramentas, nada parecia agradar ao semeador

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nem ser potente o bastante para evitar um ataque à sua plantação. Foi então que o semeador se lem-brou do espantalho em forma de cruz. Ele havia construído esse espantalho, mas nunca o havia usado. Ele tomou com cuidado o espantalho em forma de cruz e o fincou bem forte no meio da plantação de trigo. “Pode ser que ajude, em caso de ataque” pensou consigo mesmo o semeador.

Depois de fincar o espantalho no meio da la-voura, o semeador se deitou um pouquinho para descansar e acabou adormecendo. Já caía a tarde quando foi despertado por um som. Parecia som de maritacas; parecia ser um bando delas. Prestando mais atenção, o semeador se deu conta do que estava acontecendo:

— São papagaios. Vão comer toda a minha la-voura — gemeu o semeador. — Preciso fazer alguma coisa!

O semeador não sabia, mas aquelas eram as terríveis aves roubadoras de sementes. Elas eram ensinadas a perceber sementes plantadas e ir direto para arrancá-las e comê-las. Pobre semeador! Depois de todo o trabalho de plantio que teve, mal sabia que estava para sofrer um novo ataque: o ataque das aves roubadoras de sementes. As aves faziam tanto barulho e falavam tão alto ao mesmo

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tempo, que não foi difícil para o semeador descobri-las.

— Xô! Xô, passarinhos nojentos! Saiam já da-qui! — gemeu o semeador — Esta plantação tem dono! Esta plantação é a minha preferida. Saiam já daqui!

Sem dar bola ao que o semeador falava, as aves tagarelavam entre si animadamente, imagi-nando o jantar que fariam com as sementes planta-das pelo semeador.

— Sinto cheiro de semente fresquinha! — dis-se a ave azul, levantando o bico. — Olhem só estas que já brotaram... Que delícia!

— Vamos encher o papo, galera! — acrescen-tou a ave amarela.

Amedrontada, a ave roxa perguntou: — E se houver espantalho? Morro de medo de espantalhos! Prefiro morrer de fome a enfrentar um campo com espantalho!

— Deixa de ser frouxa, menina! Você é uma ave roubadora de sementes ou um monte de penas? — zombou a ave preta.

— Prefiro que me chamem de um monte de penas com um pico na ponta do que encontrar um espantalho! — respondeu a ave roxa.

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Uma ave vermelha se meteu: — Eu sabia que você ia amarelar! Vamos! Fique atrás de mim!

— Quem tem bico que encha o papo! — desa-fiou a ave branca.

Ao que a ave azul instigou: — À comida!

Todas as aves gritavam ao mesmo tempo e o semeador percebeu que não haveria mesmo o que fazer. Mais uma vez iria perder todo o seu trabalho!

— Espantalho! — avisou a ave preta.

— Onde? Onde está o espantalho? — pergun-taram a ave azul e a ave branca.

— Tô brincando! É para afastar o medo! — avisou a ave preta.

Por um momento, o semeador até pensou que estaria a salvo. Mas além de comilonas, as aves eram debochadas e faziam piada com tudo. Sem perder tempo, as aves começaram a ciscar e a bicar, recolhendo as sementes de trigo que cuidadosa-mente o semeador havia plantado e os brotinhos que haviam saído da terra. Elas pareciam não se importar com o espantalho logo à frente delas. Será que não o haviam visto?

De repente, uma das aves olha em a frente e se vê diante do espantalho:

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— Socorro! Espantalho! Alguém pode me sal-var? — era a ave roxa gritando.

— Socorro! — gritaram todas as aves em coro.

As aves abandonaram o campo do semeador e saíram correndo apavoradas. No desespero da fuga, deixaram para trás suas matulas com as sementes que conseguiram roubar e com os broti-nhos que conseguiram arrancar. O semeador nem podia acreditar que o espantalho em forma de cruz produzira todo aquele efeito. “Que incrível este espantalho!”, pensou.

Dessa vez o semeador estava muito feliz. Suas

plantinhas estavam a salvo do ataque das terríveis

aves roubadoras de sementes. Agora era só esperar

dia-a-dia pela chuva e pelo sol para que o trigo

crescesse e produzisse bastante.

Será mesmo que não aconteceria mais nada?

Aquele lugar tão perigoso não reservava nenhuma

outra surpresa desagradável ao semeador?

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Capítulo 13

Passaram-se muitos dias, choveu muito na la-voura de trigo e o sol também brilhou feliz. As mudinhas de trigo arrancadas pelas aves roubadoras de sementes foram cuidadosamente replantadas pelo semeador, bem como as sementes que ainda não haviam brotado. O trigo cresceu forte e o semeador não teve mais nenhum ataque em sua plantação. Por segurança, resolveu deixar o espanta-lho em forma de cruz bem no meio da plantação. Todos os dias pela manhã, andava entre as fileiras, admirando a beleza das plantas e a velocidade com que se desenvolviam.

Chegou, enfim, o grande dia da colheita. Os pés de trigo estavam tão carregados de espigas tão cheias, que curvavam até o chão. O semeador conseguiu recolher mais de duzentos sacos de trigo. Assim, com o trator atômico repleto de trigo saiu em busca de alguém que pudesse comprá-lo. Depois de dirigir por quase cem quilômetros sem encontrar ninguém, o semeador encontrou a seguinte placa: “Bem vindo às Terras do Longe”.

Agora ele sabia onde estava. Estava nas Terras do Longe. Em que parte do mundo ficaria as Terras do Longe?

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“Na próxima parada”, pensou o semeador, “vou consultar o GPS.”

Assim, depois de andar mais alguns quilôme-tros, o semeador encontrou uma pequena mercea-ria. O vendedor cochilava meio debruçado no balcão com um cigarro apagado no canto da boca.

— Boas tardes — cumprimentou o semeador em voz bem alta para que o homem acordasse.

O vendedor deu um pulo, ao abrir os olhos e dar de cara com o semeador.

— O que quer? — perguntou o vendedor com cara de poucos amigos. — Precisa de alguma coisa?

— Estou vendendo trigo. O senhor quer com-prar trigo?

Em rápidas palavras, o semeador contou ao homem da venda como conseguira plantar na beira da estrada, como fora atacado e como conseguira uma colheita maravilhosa.

— O senhor é mesmo um homem de sorte, seu semeador. O lugar em que nós estamos é dominado por um homem muito mal. Ele é conheci-do como “invasor”. Foi ele quem colocou as pedras e os espinhos em suas terras. Ele também cria as aves roubadoras de sementes. Foi muita sorte ainda ter colhido este trigo!

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A cada informação do vendedor da mercearia, o semeador agradecia a Deus por ter conseguido a colheita que conseguiu. O homem da mercearia comprou todo o trigo do semeador por noventa e nove moedas de ouro.

O semeador já estava saindo da mercearia, quando o vendedor o chamou:

— Senhor semeador, para onde vai agora? Precisa saber que este lugar é de fato muito perigo-so!

— Vou andando por aí. Onde encontrar terras, planto; onde encontrar pessoas precisando de ajuda, eu ajudo.

— Você vai acabar encontrando o Campo dos Desesperados, e se dando muito mal!

O semeador deu um salto e gritou:

— O quê? Conhece o Campo dos Desespera-dos? Eu saí de casa para chegar nesse lugar! Precisa me explicar como chegar até lá. Tem gente preci-sando de ajuda ali!

— Acalme-se, meu rapaz! Vejo que não é da-qui da região. Se fosse daqui, não ficaria tão anima-do com o lugar.

Com muita paciência, o vendedor da mercea-ria explicou que estavam nas Terras do Longe. Toda aquela região era dominada por um homem muito

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mal. Ninguém sabia ao certo o nome dele. Ele era conhecido apenas como “invasor”. Ninguém sabia de onde havia vindo. O que se sabia era que, há muitos e muitos anos atrás, chegara às Terras do Longe e ali se instalara. O local onde morava era conhecido como “Campo dos Desesperados”. Era melhor que o semeador desistisse de visitar aquele lugar. Lá, as pessoas trabalhavam como escravas e os soldados do invasor eram tão maldosos como o patrão.

— O invasor é tão mal, — completou o ven-

dedor — que obriga seus trabalhadores a plantarem

no Campo dos Desesperados logo de manhã bem

cedo. À tarde, quando as plantinhas já estão bro-

tando ele obriga aos trabalhadores a arrancarem

uma por uma. É um homem doido! Todos os dias ele

manda os soldados comprarem alguma coisa aqui

para as pessoas comerem lá, mas não permite que

nenhuma plantinha dê frutos ali. Por favor, senhor

semeador, fuja destes lados enquanto pode!

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Capítulo 14

Aquilo que a gente muito espera tem grande valor. De nada adiantaria o que o vendeiro dissesse ao semeador. Por mais perigoso que fosse o Campo dos Desesperados, o semeador não arredaria o pé. Ele tinha saído de Felicity exatamente para encon-trar o Campo dos Desesperados, e levaria sua missão até o fim, mesmo que fosse perigoso!

O que o semeador ainda não sabia é que o Campo dos Desesperados era uma área invadida pelo senhor Invasor, há muitos anos atrás. As pessoas daquele lugar tornaram-se escravas dele. Muitos fugiram ou morreram. As pessoas que ainda moravam no Campo dos Desesperados eram escra-vas e sofriam de desnutrição severa.

As crianças não iam à escola, nem mesmo existia mais escola. Ali, todos os dias alguém morria. Apenas dois trabalhadores ainda obedeciam cega-mente ao invasor. Eles obedeciam porque tinham medo de ser castigados, e, em troca, recebiam um pão duro ao final do dia. Trabalhavam todos os dias no campo. De manhã, eram obrigados a plantar sementes de trigo e, à tardezinha, eram obrigados a arrancar o que haviam plantado, porque o invasor odiava brotinhos de plantas. O que o invasor mais gosta era de sequidão, de mato, de pedras, de

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cobras perigosas e outras coisas ruins e feias. Por isso, o Campo dos Desesperados era tão feio!

Depois de conversar longamente com o ven-dedor da mercearia, o semeador se recolheu ao seu trator. Ele queria descansar e se preparar para seguir viagem em direção ao Campo dos Desespera-dos. No dia seguinte, bem cedinho, partiu pela estrada abandonada afora. Depois de dirigir algum tempo, encontrou uma placa que dizia: “Campo dos Desesperados a 20 km”.

O coração do semeador mal cabia no peito. Que emoção! Reduziu a velocidade para investigar melhor o lugar. O semeador se lembrou do rapaz que o visitou no laboratório. Somente Deus sabia como ele havia conseguido chegar ao laboratório! Como ele descobrira o cientista de Felicity? Mesmo dirigindo mais lentamente, o semeador já havia rodado 18 quilômetros depois da placa que aponta-va o Campo dos Desesperados a 20 km. Agora estava mesmo muito perto do Campo dos Desespe-rados.

Cheio de expectativas e questionamentos, o semeador resolveu estacionar seu trator atômico em um lugar meio escondido entre duas árvores. Seria melhor sondar um pouco o terreno antes de aparecer. Será que alguém o vira pela região? Será

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que o invasor já sabia dele e de sua plantação à beira da Estrada Abandonada?

Depois de caminhar cerca de meia hora, o semeador encontrou uma pequena feira. Em suas andanças mundo afora desde que saíra de Felicity, o semeador encontrara muitas feiras. Aquela feira das Terras sem Fim era a pior delas. Os preços eram muito altos e as verduras murchas, as frutas meio apodrecidas e os legumes velhos. O semeador não queria chamar a atenção de ninguém. Assim, tratou de ficar quietinho, em frente a uma banca de tamarindos carunchados. Assentado em um velho tronco.

De repente, apareceram dois rapazes. Eles es-tavam mal vestidos, pareciam muito cansados e tinham a pele queimada pelo sol. Eram os dois trabalhadores do invasor. O semeador ficou atento à conversa deles. O nome do primeiro era Sô Zé da Enxada e o do segundo era Seu João da Pá. Os dois pararam um pouquinho para descansar encostados em árvores próximas.

— Eita vida sem graça, cumpadi! — reclamou o Sô Zé da Estrada.

— Cumpadi, num arguento mais u patrão, Sô! — adicionou o Seu João da Pá.

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— Uai, esse negócio de prantá di manhã e ar-rancá asdespois du sol si pô é uma ofensa com a natureza! — comentou o Sô.

— Eu quiria mesmo é qui Deus me levasse, Sô. Nu céu prá ondi a gente vai deve ser como uma fazenda de mio espigando, coisa bunita de ver. — sonhou o João da Pá.

— Batuta! — vibrou o Sô.

O semeador sentiu que era momento de fazer parte daquela conversa:

— Bom dia, senhores. Não pude deixar de ou-vir a conversa de vocês. Percebi que são daqui da região. Poderiam me dizer onde fica o Campo dos Desesperados?

— Óia aqui, seu moço. Num sei não donde ocê vem, mas é mió qui o ocê nem saiba deste lugar não! — avisou o Seu João da Pá.

— Isto é mesmo muito importante para mim — respondeu o semeador.

Meio cochichando, Sô Zé da Enxada preveniu: — Sabi, seu moçú de cidade grandi, ocê tá mexenú cum coisa perigosa!... — E continuou amedrontado: — Mais falanu de assombração óia o coisa ruim aí, Sô!

O semeador teve de parar sua conversa com os dois lavradores. O invasor estava ali mesmo, bem

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do ladinho dele. O sujeito era o cara mais feio que o semeador já vira em sua vida. Carrancudo, usava um chapéu que escondia parcialmente o rosto, tinha os olhos muito bravos atrás dos óculos de aro preto e uma capa amarelada.

— Boa tarde, senhor. Prazer em conhecê-lo — disse o semeador amavelmente para o invasor.

O invasor ignorou a saudação do semeador e se virou para os dois lavradores:

— Não quero empregado de conversinha fia-da na rua, não! Tem muito trabalho a fazer. Estão atrasados para voltar para o meu campo e arrancar todos os brotos das sementes que plantaram pela manhã. Deixem só crescer mato. De mato eu gosto! — E deu uma risada!

— Senhor invasor, gostaria de falar com o se-nhor sobre o Campo dos Desesperados — pediu o semeador.

— Está falando com o dono do Campo dos Desesperados. O que você quer? Desembucha logo que não tenho tempo a perder. Se veio pedir trabalho, pode começar amanhã mesmo. É só pegar uma enxada e aparecer lá no meu estabelecimento, quer dizer no Campo dos Desesperados — disse soltando uma terrível gargalhada.

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— Não! — disse o semeador para ganhar tempo, sem saber muito bem o que ia dizer. — Estou fazendo uma pesquisa e queria saber quanto seu Campo dos Desesperados produz.

— Produção? Odeio produção! Mando meus funcionários plantarem sementes de trigo pela manhã e, à tarde, eles têm de arrancar os brotos. Somente deixamos crescer o mato por aqui. — Avisou o invasor.

— Espera aí! Quer me dizer que o trigo que se planta pela manhã, à tarde já brotou e cresceu? Quero comprar este campo! — pediu o semeador.

O semeador pensou rápido no poder do cam-po de fazer crescer o trigo. Queria comprar aquele campo!

— Que estúpido! Quer comprar um campo cheio de urtigas? Bem, deixa-me ver — falou o invasor, soltando uma terrível gargalhada. — Acho que vale cem moedas de ouro... De qualquer forma, por causa de seu interesse, o preço do Campo dos Desesperados acaba de subir. Quero mil moedas de ouro por ele!

— O senhor tem a escritura do terreno? — perguntou o semeador.

O invasor deu outra gargalhada e disse: — Es-critura por estas bandas? Deve estar brincando!

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Invadi estas terras alguns anos atrás e tomei-as das mãos de um bando de tontos.

— Não tenho todo este dinheiro agora. Mas pode deixar, vou conseguir. Voltarei em breve — avisou o semeador.

— Não demore! O preço pode subir mais ain-

da! — advertiu o invasor, findando a conversa entre

os dois.

Valeria mesmo a pena tentar comprar aquele

lugar? E se fosse mentira a história do crescimento

rápido do trigo? E se o invasor dobrasse o preço?

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Capítulo 15

Finalmente, o semeador sabia onde ficava o Campo dos Desesperados. Era verdade o que aquele homem que morrera em seu laboratório dissera. Se o invasor não deixava nenhuma plantinha crescer em sua propriedade, como poderiam sobreviver? Que maldade do invasor! Agora o semeador preci-sava de um plano. Teria sido uma boa ideia ter falado em comprar a propriedade do invasor? Bem, agora era tarde demais.

Agora tinha de arranjar as moedas de ouro. Passou boa parte do tempo recontando-as uma a uma. Havia novecentas e noventa moedas de ouro! Onde conseguiria mais uma moeda? Sabia que nem deveria pedir um desconto ao invasor. Se tentasse um desconto, poderia até provocar um aumento do preço.

O semeador quase não dormiu durante a noi-te. Tentava de todas as formas encontrar uma saída. Logo pela manhã, saiu para caminhar um pouco e, quem sabe, descobrir mais alguma coisa que pudes-se ajudar na missão de comprar o Campo dos Desesperados. Caminhando pela Estrada Abando-nada, o semeador pôde observar melhor a paisa-gem. Só havia sequidão por todos os lados. Os campos tinham capim bem ralo e seco. Apenas algumas vacas muito magras tentavam encontrar

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uma graminha para comer. Até as fontes de água eram sujas. Não havia casas.

Depois de caminhar mais de uma hora, o se-meador encontrou uma propriedade em péssimo estado de conservação. Será que alguém ainda morava naquele lugar? O semeador precisava descobrir! O portão enferrujado não estava tranca-do e rangeu ao ser forçado por ele. Dava para ver que, no passado, a propriedade era uma fazenda. Aqui e ali, havia algumas casinhas caindo aos pedaços. O semeador reconheceu os dois lavradores que estiveram com ele lá na feira. Eram mais ou menos nove horas da manhã e os homens estavam semeando trigo. “Pobres homens”, pensou o semeador.

Sem perder mais tempo, o semeador foi ca-minhando com muito cuidado para não ser visto. Precisava fazer mais descobertas e saber o que realmente acontecia naquele campo. Afinal, alguém tinha saído dali, e de alguma forma viajado até seu laboratório em Felicity para pedir ajuda. Ele mesmo tinha saído de seu trabalho no laboratório e andado pelo mundo afora até chegar ali.

Ao alcançar a casa, o semeador bateu leve-mente à porta:

— Tem alguém em casa?

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Ouviu que alguém se movia com dificuldade dentro da casa. Um velhinho veio atender:

— Quem é? — perguntou o velhinho, ao mesmo tempo que abria a porta.

O semeador deve ter causado um susto enorme no idoso que ficou por um instante con-templando o seu rosto e lhe desse:

— Não sei o que faz aqui, meu jovem, é me-lhor que entre!

O semeador entrou, meio desconfiado, e pen-sou consigo mesmo: “Que mal pode fazer um velhinho inocente destes?”.

— Quem é o senhor e o que faz aqui? — per-guntou o velhinho apontando uma cadeira e se sentando em outra.

O semeador sentiu que poderia confiar na-quele bom homem, e resolveu contar sua história.

— Meu nome é Jesuíno, mas sou conhecido como o “semeador viajante”.

— Ah, me desculpe — interrompeu o velhi-nho. — Não me apresentei. Meu nome é Francisco.

— Pois não! — disse o semeador retomando a conversa. — Venho de bem longe. Sou de uma pequena vila, chamada Felicity, e que fica do outro lado do mundo. Em minha cidade montei um

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laboratório de invenções e criei muitas coisas importantes. Certo dia, entrou um homem em meu laboratório. Não sei o nome dele...

— O nome dele era Chiquinho — interrompeu de novo o seu Francisco, agora com voz de choro.

— Como pode saber? — perguntou o semea-dor meio irritado com as interrupções.

— É que era meu filho, moço! — respondeu soluçando o velhinho.

O semeador esfregou o rosto para disfarçar uma lágrima, e teve de ficar um instante em silêncio para conseguir voltar a falar:

— Bem, seu filho me procurou. Ele estava muito fraquinho e quase não podia falar. Na verda-de pôde falar um pouco...

De novo a emoção tomou conta do semeador, e ele não conseguiu falar nem disfarçar as lágrimas.

Seu Francisco adivinhou o que havia aconteci-do com o filho, e resolveu ajudar ao semeador: — Meu filho não voltou. Sabia que algo de ruim havia acontecido com ele...

— Na verdade — continuou o semeador re-tomando ao autocontrole — seu filho morreu no mesmo dia que chegou lá, sem que pudéssemos ajudá-lo. Nosso médico diagnosticou-o e disse que ele sofreu de escorbuto.

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O velhinho já não ouvia nada do que o seme-ador dizia, mas andava de um lado para o outro chorando:

— Meu filho, meu pobre filho! Sua mãe ficaria muito feliz se soubesse do esforço que fez. Pobre Chiquinho!

Depois de cerca de meia hora, seu Francisco diminuiu o choro e se voltou ao semeador:

— Desculpe, semeador. Eu ainda tinha espe-rança de ver meu filho voltando para casa.

— Fique tranquilo — consolou o semeador. — Esta é uma dor terrível! Mas, continuando a história: antes de morrer, seu filho conseguiu me dizer que vinha do Campo dos Desesperados e que as pessoas aqui precisavam de ajuda imediata. Quando eu quis perguntar por mais detalhes, ele teve um ataque e caiu morto!

— Ah, meu Deus! — voltou a chorar o velhi-nho.

— Bem. Daí em diante, passei por uma série de aventuras até conseguir chegar aqui. E aqui estou! Pode me contar o que acontece por estas bandas?

Seu Francisco convidou o semeador para ficar

com ele naquela noite. Assim, seu Jesuíno poderia

ouvir a história do Campo dos Desesperados.

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Capítulo 16

— Há muito tempo atrás este lugar era uma maravilhosa fazenda — começou seu Francisco a falar, acomodando-se numa espreguiçadeira. — Chamava-se Fazenda Feliz. O lugar pertencia a um antigo fazendeiro que, antes de morrer, repartiu sua fazenda entre seus empregados. Eu era um desses empregados. Cada um de nós recebeu um pedaci-nho de chão de graça. A única condição que o fazendeiro impôs para nós foi que nunca vendêsse-mos nossas terras, nem nos mudássemos daqui. Depois de nós, nossos filhos ficariam com nossas terras.

Seu Francisco continuou a falar:

— As coisas iam muito bem. A fazenda produ-zia muito e muito. Certo dia, apareceu por estas bandas um bandido da pior qualidade. Ele era acompanhado por uma série de homens maus. Eles não gostavam da fazenda e decidiram destruí-la. Assim, invadiram a fazenda e maltrataram muito a gente. Muitos lutaram contra o invasor e acabaram mortos. Nós que ficamos fomos obrigados a obede-cer.

— Puxa vida! — interrompeu o semeador.

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— Aqui chegamos a ouvir de suas invenções e de seu talento genial. Ouvimos que sempre procura-va ajudar as pessoas.

— Muito obrigado — respondeu o semeador emocionado.

— O Chiquinho era muito pequeno e nunca aceitou a situação. Todos nós ficamos presos a este lugar. Ninguém conseguia sair para chamar a polícia ou para pedir alguma ajuda. Meu filho conseguiu fugir para procurar alguém que pudesse nos aju-dar...

O idoso fez uma pausa e continuou:

— A gente tinha esperança de que ele voltas-se... Bem, agora já sabemos o que aconteceu.

O semeador estava profundamente emocio-nado com aquela história e com o relato sobre Chiquinho, que perdera a vida para tentar salvar seu povo.

— Depois que o invasor dominou este lugar — continuou o seu Francisco — ele mudou para cá e obrigou que destruíssemos tudo na fazenda. Hoje ele não permite que cresça nenhuma plantinha aqui. Vivemos em miséria extrema, e muitos de nós já morreram literalmente de fome! É por isso que o nome deste lugar deixou de ser Fazenda Feliz para se chamar Campo dos Desesperados.

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— Eu saí de minha casa — voltou a falar o se-meador – decidido a ajudar. Então, aqui estou! Hoje pela manhã tive o desprazer de conhecer o invasor, na feira, e acabei por dizer que quero comprar o Campo dos Desesperados. Ele me pediu mil moedas de ouro, mas não tenho todo este dinheiro. Prome-to que vou conseguir juntar toda essa grana. Se eu conseguir comprar este campo, vamos transformar tudo por aqui. Agora vamos dormir. Amanhã bem cedo sairei antes que o invasor acorde. Em breve ouvirá falar em mim!

— Muito obrigado — disse o seu Francisco emocionado. — Deus o abençoe, meu filho.

No dia seguinte, o semeador acordou bem ce-dinho com um ruído pouco comum. Seria canto de aves? De onde se lembrava daquele som? O semea-dor saiu bem devagar e deparou com um bando de aves roubadoras de sementes.

“Eu sabia que me lembrava deste som!”, pen-sou o semeador. As aves roubadoras de sementes eram criadas em viveiros construídos e mantidos pelo invasor. Na verdade, elas haviam sido coloca-das em sua plantação por ordem do próprio invasor. O semeador quis se afastar rapidamente dali para não ser visto por aquele homem mau.

Outro ruído chamou a sua atenção. Era o cre-pitar dos espinhos explosivos. Agora tinha certeza

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de onde vieram os ataques contra sua plantação! Por curiosidade, o semeador deu uma olhadinha ao redor. Devia haver pedras sufocantes também. Não foi difícil descobrir um pequeno monturo de pedri-nhas sufocantes batendo-se ruidosamente e soltan-do aqueles risinhos. Rapidamente o semeador fugiu do Campo dos Desesperados e sumiu, depois de passar pelo velho portão de ferro.

Não seria melhor deixar aquela idéia de com-prar o Campo dos Desesperados, antes que o invasor o prendesse? Não seria melhor chamar a Polícia do que tentar lutar sozinho?

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Capítulo 17

“Um plano deve ser muito bom para dar cer-to”, pensou o semeador depois de passar a noite com o bondoso seu Francisco. Ele ainda precisava ganhar mais uma moeda de ouro para alcançar o preço exigido pelo invasor. Como poderia ganhar aquela moeda? Não teria tempo de plantar alguma coisa e esperar pela colheita. Além disso, o invasor certamente iria aumentar o preço.

— Já sei o que fazer — disse em voz alta.

Sem perder tempo, conseguiu uma roupa simples de lavrador e se apresentou na antiga sede da fazenda, onde morava o invasor.

— O que quer, meu filho? Não tenho dinheiro para esmolas! — zombou o invasor.

— Quero trabalhar, senhor!

— Então, o que está esperando? — respondeu grosseiramente o invasor. — Pode começar agora mesmo. O salário, você já deve saber, um pão seco e um prato de sopa aguada.

Ao mencionar o salário, o invasor soltou uma sonora risada.

— Quero negociar outro salário — pediu o semeador.

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— Outro salário? — zombou o invasor. — Vo-cê é mesmo um cara muito folgado, não? Sou eu quem define as coisas por aqui. Se quiser, será do meu jeito!

Ignorando o que o invasor dizia, o semeador propôs:

— Quero receber uma moeda de ouro depois de um mês de trabalho.

— Escuta aqui! — rosnou o invasor aproxi-mando-se do rosto do semeador para examiná-lo melhor. — Estou reconhecendo o senhor... Não é o homem que quer comprar o Campo dos Desespera-dos?

O semeador gelou diante dessa fala. Foi em vão tentar se disfarçar.

— Faço questão de pagar sua moeda de ouro. — debochou o invasor. — Depois de mil meses terá o dinheiro para comprar o campo, boboca!

O semeador fez força para parecer triste dian-te da provocação.

O invasor afastou-se, dando risada, enquanto o semeador se juntou ao seu Zé da Enxada e ao seu João da Pá no trabalho duro do Campo dos Desespe-rados.

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Um mês passou bem rápido. O invasor fez questão de chamar o semeador e atirar uma moeda a seus pés.

— Aí está seu salário, meu filho. Faltam agora apenas novecentas e noventa e nove moedas de ouro!

Mais uma vez o semeador teve de se contro-lar. Pegou a moeda no chão e afastou-se rapidamen-te. O trator atômico escondido nas árvores ainda era mantido fora das vistas do invasor. No dia seguinte logo cedo, o semeador veio ao trabalho a bordo de seu trator atômico.

Só a visão do trator já deixou o invasor mui-to nervoso.

— Que monstrengo é este em minhas terras? — gritou o invasor com seu Zé da Enxada — mande tirar essa coisa das minhas terras agora mesmo!

Ignorando os gritos do invasor, o semeador desceu de seu veículo com um saco com mil moedas de ouro.

— Aqui está seu dinheiro, senhor invasor — anunciou, batendo o saco de moedas contra uma mesa de madeira. — Compro o seu campo agora mesmo!

O invasor não podia crer no que via. Depois de mandar contar as moedas e verificar que havia mil

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moedas de ouro, conforme o combinado, não achou outra saída senão fechar o negócio.

— Vai ver como sou homem de palavra! — disse estendendo a mão — combinei mil moedas e vou fechar por mil moedas. Como sabe, a inflação em nossos dias é uma loucura, poderia aumentar o preço, mas vou honrar minha palavra! Senhor semeador, o Campo dos Desesperados é seu!

Um simples aperto de mãos selou o negócio. O invasor ajuntou suas coisas numa pequena trouxinha e sumiu depois do portão de ferro com seus soldados.

Aquele foi um dia de festa no Campo dos De-sesperados. A notícia da compra daquelas terras pelo semeador espalhou-se como fogo em mato seco. O semeador ficou impressionado ao descobrir que naquele campo havia quarenta pessoas em condições de vida terríveis, entre elas algumas crianças. Seu Francisco não cabia em si de contente e uma alegre festa foi organizada para comemorar, mais de vinte anos depois da dominação do invasor, a libertação do Campo dos Desesperados.

— Meus amigos — disse o semeador em um pequeno discurso na festa — lutei muito pela libertação de vocês. Graças a Deus tivemos sucesso na empreitada de libertar o Campo dos Desespera-

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dos. A partir de hoje, este lugar vai se chamar Fazenda de Vida Feliz.

A vida agora era outra naquele lugar. Já no dia

seguinte o semeador iniciou o trabalho de arar a

terra. Todos estavam muito felizes com a nova

Fazenda da Vida Feliz.

Será que o invasor deixaria as coisas como es-

tavam? Será que o invasor havia mesmo ido embo-

ra?

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Capítulo 18

— Vamos plantar trigo primeiro — recomen-dou o semeador que conhecia profundamente a arte de semear.

Depois de preparar bem a terra, numa bela manhã de sol, as primeiras sementes de trigo foram plantadas. Deus enviou a chuva e o sol na medida certa, e a fertilidade daquela terra era tão grande, que já no dia seguinte todas as sementes haviam germinado. A visão dos brotinhos deixou o semea-dor muito feliz.

— Olha só! — disse ele ao seu João da Pá, apontando as novas plantinhas. — Veja que imagem maravilhosa!

— Às vezes não entendo o senhor, semeador. O senhor tinha mil moedas de ouro. Com esse dinheiro, poderia nos libertar e nos levar para qualquer lugar.

— Comprei este campo porque nunca vi lugar tão fértil assim. Veja só, o que se planta nasce poucas horas depois. Isto é maravilhoso e não se encontra em nenhuma outra parte.

Uma revolução acontecera no antigo Campo dos Desesperados. O ambiente se encheu de cores e animação. As pessoas estavam muito felizes e cheias de esperança. Todos tinham profunda gratidão pelo

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que o semeador fizera por eles. Os pássaros volta-ram e cantavam pulando de galho em galho. As árvores se encheram de verde. A transformação da Fazenda da Vida Feliz era mesmo incrível.

Apenas alguém não estava nada feliz. Era o invasor. Ele se arrependera amargamente de haver vendido o Campo dos Desesperados. Sentia-se enganado pelo semeador. Ele se viu obrigado a entregar as terras porque o semeador trouxe as mil moedas de ouro. Ele não suportava ver a transfor-mação do lugar e tinha raiva da felicidade das pessoas.

Foi então que o maldoso invasor planejou fa-zer alguma coisa para destruir a plantação de trigo da Fazenda da Vida Feliz. Reuniu seus soldados. Todos se vestiram de preto para não serem vistos durante a noite. E, na Fazenda Feliz, enquanto todos dormiam, o invasor e seus homens vieram e planta-ram joio no meio do trigo. Eles saíram rapidamente e ninguém viu o que tinham feito.

— Agora vamos conseguir destruir aquele se-meadorzinho de nada! Depois que destruirmos a plantação de trigo, tudo vai voltar ao que era. A alegria vai acabar e todos ficarão muito bravos com o semeador. Nesse momento, eu volto, invado novamente, e teremos de volta o Campo dos Desesperados, agora muito pior!

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Os amigos do invasor aplaudiram. Os planos do chefe eram perfeitos! Realmente o semeador estava perdido! A vida no novo campo dos Desespe-rados seria ainda mais triste e o campo, ainda mais feio.

Passados dois dias, logo pela manhã, foi o seu Zé da Enxada quem primeiro notou que algo estava errado na lavoura de trigo.

— Oh, cumpadi — disse seu Zé da Enxada chamando seu João da Pá. — Você pode me dá uma mãozinha na lavôra, sô? É qui nasceu uns pé de joio no meio du trigu, sô. Rapidinho a gente arranca a praga e bota no lixo.

— Só si fô prá já, cumpadi — respondeu seu João da Pá.

Sempre atendo, o semeador percebeu imedia-tamente o que pretendiam seu João da Pá e seu Zé da Enxada, e chegou bem na hora em que os dois iam começar o serviço de arrancar o joio.

— Queridos, vejam só! — falou amorosamen-te o semeador. — Já notaram como o joio se parece com o trigo? Se eu arrancar uma folhinha de trigo e uma folhinha de joio, vocês poderão não saber o que é o quê. Assim, se a gente quiser arrancar o joio agora vamos correr o risco de arrancar também o trigo.

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Os dois ficaram de boca aberta com a sabedo-ria do semeador e desistiram do plano. O semeador aproveitou a ocasião, reuniu todo o mundo e explicou para todos:

— Meus amigos da Fazenda da Vida Feliz — começou o semeador. — Quem plantou o joio no meio do trigo foram o invasor e seus amigos de preto. Nós vamos esperar pelo dia da colheita. No dia da colheita, a gente separa o que for joio de um lado e o que for trigo do outro. O joio, a gente ajunta e joga no fogo; o trigo, a gente guarda no celeiro da fazenda. A partir de hoje, vamos montar guarda porque o invasor não vai desistir de nos atacar. Ele não está nada feliz com a transformação do Campo dos Desesperados em Fazenda da Vida Feliz.

Todos aplaudiram, concordando com o seme-ador e admirados de sua sabedoria. Ele era de fato muito mais inteligente que o invasor!

Passados alguns dias, chegou a hora da colhei-ta. Dois grandes monturos foram feitos. O monturo da esquerda, com o joio arrancado da terra, e o monturo da direita, com o trigo colhido. Todos estavam muito felizes e ajudavam no trabalho. Até o seu Francisco se esqueceu de suas dores e ajudou arrancando o joio. A colheita de trigo foi a maior de todos os tempos. Eles contaram mil sacas de trigo!

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— Agora vamos estocar o que precisamos pa-ra nós e nossos animais, e venderemos o que sobrar.

Foi assim que em muito pouco tempo a Fa-

zenda da Vida Feliz se transformou no lugar mais

bonito de toda a região. O invasor desistiu de atacar

a fazenda e sumiu no mundo com seus amigos de

preto.

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Capítulo 19

Havia uma semente especial que o semeador trouxera de seu laboratório, mas que nunca fora plantada em lugar nenhum. A semente era mantida guardada em uma pequenina caixa. Havia somente uma única semente daquela espécie.

Certa manhã, o semeador resolveu plantar aquela sementinha. Ele procurou uma área bem ampla onde não houvesse nenhuma planta por perto. Arou a terra, preparando-a com muito cuidado. Com a ajuda de uma lupa para poder enxergar melhor, o semeador retirou a pequenina semente da pequenina caixa e colocou-a em uma covinha na terra. Seu Francisco, que a tudo assistia, não se aguentava de curiosidade. Percebendo a curiosidade do amigo, o semeador explicou:

— “Esta é uma única sementinha que conse-gui preservar de uma árvore chamada mostarda. Quase invisível, ela vai se tornar na maior árvore desta fazenda. As aves vão fazer ninhos nos galhos dessa árvore e as crianças vão brincar em sua sombra.”

Seu Francisco sorriu imaginando o exagero do amigo. Como poderia uma sementinha quase microscópica gerar uma árvore tão grande? Como não queria magoar o semeador, apenas sorriu e

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nada disse a respeito daquilo. Os dias se passaram e seu Francisco resolveu observar de perto aquele local.

— Só quero ver uma árvore gigante nascer de uma sementinha quase microscópica! — seu Fran-cisco ironizou consigo mesmo.

Certa manhã, seu Francisco notou que no lo-cal do plantio daquela minúscula sementinha nascia um belo broto de plantinha.

“É Certo que nasceu uma plantinha daquela sementinha, não nego”, pensou de novo consigo mesmo. “Agora quero ver isto se tornar em uma árvore frondosa gigante!”

Todos os dias seu Francisco ia até o local para ver a plantinha que em pouco tempo se transfor-mou em um pequeno arbusto. O arbusto cresceu rápido e se tornou numa pequena árvore. A árvore ainda se esticou mais um pouco, e não dava para duvidar de que aquela seria mesmo uma árvore gigante.

— Inacreditável! — exclamou seu Francisco. — Não é que aquela sementinha de nada se tornou na maior de todas as árvores da Fazenda da Vida Feliz?

A árvore continuava a crescer mais e mais. Os pássaros faziam ninhos em seus galhos e as crianças

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amavam brincar à sua sombra. Até mesmo os adultos faziam rodinhas para conversar embaixo de seus galhos.

— Não posso deixar de perguntar uma coisa — disse seu Francisco ao semeador, sob a sombra da árvore gigante. — O que você fez para que aquela sementinha crescesse tanto?

— Não fiz nada — respondeu o semeador com a simplicidade de sempre. — Fiz apenas uma desco-berta. Descobri o grande valor, o grande tesouro que está enterrado aqui na fazenda da Vida Feliz.

— Um tesouro? — gritou seu Francisco.

— Fale baixo, homem! — recomendou o se-meador. — As paredes têm ouvidos! O tesouro é a própria terra. Tenho lidado com terras desde que saí de Felicity, e nunca achei um pedaço de chão tão fértil como este. A fertilidade que encontrei aqui é um verdadeiro tesouro! Esta árvore atingiu mais de dez vezes o seu tamanho normal. Essa foi a razão de eu ter resolvido dar meu suor por este pedacinho de chão ao invés de tentar resgatar vocês das mãos do invasor.

Seu Francisco admirava cada vez mais o se-

meador. Que homem inteligente!

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Capítulo 20

A vida ia muito bem na Fazenda da Vida feliz. Nem de longe o lugar se parecia com o tenebroso Campo dos Desesperados! A vida sorria por toda parte. As pessoas eram muito felizes. A produção agrícola nunca fora tão grande. O semeador ensina-ra a criar animais, e a fazenda já tinha os maiores rebanhos de gado, o maior galinheiro e o maior viveiro de peixes. Ninguém tinha falta de nada.

Seu Francisco foi eleito administrador da fa-zenda. Mandara consertar a estrada abandonada, mudando seu nome para a Estrada Graciosa. As terras de longe agora se chamavam Terras sem Fim. A última obra do administrador foi uma grande escola à qual ele fez questão de dar o nome de “Escola das Letras Chiquinho Azevedo”, em home-nagem a seu filho que perdeu a vida quando foi até o outro lado do mundo em busca do semeador.

Numa bela manhã de sol, o semeador se deu conta de que já não se sentia bem ali naquele lugar. Sentiu saudade de aventuras, de vento no rosto, de cabeça quente do sol ardente, da turbina de seu trator atômico em força total em disparada por estradas afora. Saudade mesmo sentia de chegar a um campo ermo, uma faixa de terra abandonada à beira de uma estrada ou a um terreno baldio e transformá-los em uma fértil plantação. Seu coração

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dava pulos sentindo falta de encontrar uma comu-nidade carente e transformá-la pela força da terra.

— Se eu ficar aqui, vou enlouquecer! — falou sozinho o semeador em desabafo. — Minha missão no Campo dos Desesperados acabou. Preciso partir!

O povo da Fazenda da Vida Feliz ficou triste com a partida do semeador, mas entendeu bem seus motivos. Apenas quiseram fazer um pedido ao semeador:

— Fica com a gente mais uma semana — pe-diram. — Faremos uma festança de despedida!

— Está bem — concordou o semeador. — Fi-carei mais uma semana e faremos uma festa de despedida.

Chegou o grande dia, o dia da despedida do semeador viajante! A casa da fazenda estava toda coberta de bexigas coloridas. Uma música alegre animava a todos. Havia suco e salgadinhos para todos. Depois de muitos discursos e homenagens, foi o semeador quem tomou a palavra:

— Meus amigos da Fazenda da Vida Feliz, — iniciou, segurando nervosamente uma pasta de papel nas mãos. — Este dia será para sempre inesquecível em minha vida. Lembro-me da emoção e da expectativa do primeiro dia em que ouvi falar em Campo dos Desesperados. Foi o Chiquinho quem

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primeiro me falou dele, ao visitar meu laboratório para pedir ajuda. Depois me debrucei no trabalho e construí o trator atômico. Estava pronto para sair mundo afora, em busca do Campo dos Desespera-dos. Lembro-me — disse secando uma lágrima — lembro-me do dia em que conheci o Campo dos Desesperados. Minha maior emoção foi entrar na casa do seu Francisco e descobrir que Chiquinho era seu filho. Meu primeiro ímpeto foi resgatar todas as famílias do Campo dos Desesperados e fugir no trator atômico. Entretanto, quando descobri a força que havia neste chão, decido comprá-lo.

— Por isso seremos sempre seus empregados — interrompeu seu Francisco. Todos nós trabalha-mos para o senhor!

— Nada disto! Eu comprei este campo para vocês. Ele sempre foi de vocês. O campo pertence a vocês! Aqui está — disse o semeador estendendo a pasta que tinha em mãos — aqui está a escritura. Prometam-me que nunca se separarão, nem vende-rão esta propriedade. É só isto que quero de vocês.

Depois de se despedir de todos, o semeador

subiu em seu trator atômico e sumiu numa nuvem

de poeira.

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Epílogo

Finalmente nosso herói estava voltando para casa. Ele ajustou o GPS do trator atômico que logo deu a resposta: “Felicity a 480 km”. O semeador acelerou. Queria chegar ainda para o almoço!

Na estrada, quando o semeador viu as primei-ras casinhas de Felicity começarem a surgir diante de sua vista, sentiu o coração bater forte de sauda-des. Queria abraçar todo mundo. Queria abraçar alguém muito especial: o pequeno Davizinho. Como era bom dirigir de volta por aquela estradinha!

Uma pequenina silhueta apareceu acenando no meio da estradinha. “Aquele não seria o Davizi-nho?”, se perguntou o semeador reduzindo a velocidade do trator atômico. Não havia dúvida. Davizinho viera ao seu encontro na estradinha!

Como sabia que estava voltando exatamente naquele dia e naquela hora? Logo que o trator atômico parou, o semeador saltou dele e correu para abraçar seu pequeno amigo.

— Que saudade! — exclamou o semeador.

— Eu sabia que o senhor viria! — respondeu o menino.

Ambos se abraçaram e choraram por muito tempo. Davizinho queria chegar a bordo do trator

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atômico. Afinal, estavam todos à espera no coreto, com fanfarra e muita festa.

— Como sabia? — perguntou o semeador ao menino, enquanto ajustava seu cinto se segurança. — Como sabia que eu chegaria hoje?

— Sei de muito mais, senhor semeador! — respondeu misteriosamente o garoto. — Depois que o senhor saiu, descobri no laboratório um computa-dor que rastreava a posição do trator atômico. O resto foi fácil. Todos os dias, sabíamos onde o senhor estava. Deu mesmo a volta ao mundo, hein! Minha mãe falou com o pessoal da vila e todos ajudaram. Ajuntamos todo o material que pudemos — recortes de revistas, recortes de jornais, notícias de sites da internet e tudo mais. Olha só o que conseguimos!

— Uau! — exclamou o semeador sem acredi-tar. — Ali estava nas mãos do menino um livrinho com a foto do semeador ao lado de seu trator atômico. O título dizia em letras grandes: AS AVEN-TURAS DO SEMEADOR VIAJANTE E SEU TRATOR ATÔMICO.